portal da universidade federal de mato grosso - educaÇÃo … · 2018. 3. 24. · conhecimento e o...

41
EDUCAÇÃO INTERCULTURAL CRÍTICA: ENTRE SUJEITOS, SABERES, CURRÍCULOS E PRÁTICAS Os artigos que integram este painel buscam oferecer subsídios para ampliar o conhecimento e o debate em torno da reinvenção da escola na contemporaneidade, quando seus sujeitos, saberes pedagógicos, currículos e práticas, envoltos nos processos de ensino e aprendizagem,estão desafiados à lida com as desigualdades sociais, mas também com as diferenças culturais, religiosas, raciais, de gênero, dentre outras. Têm como eixo central o norte da Educação Intercultural Crítica para a conquista do direito à educação para todos, implicado em novos paradigmas epistemológicos e éticos, em 3 pesquisas qualitativas. O primeiro artigo,Função social do professor de ciências e biologia: educação ambiental, direitos humanos e interculturalidade, investigou a formação inicial de professores de Ciências e Biologia com o objetivo de conhecer e problematizar os sentidos presentes nestes cursos sobre a função social dos professores na educação básica. Foram investigados 6 cursos de licenciatura oferecidos pelas UFRJ, UERJ e UNIRIO. O segundo, Os grupos de trabalho da ANPED e a produção de uma educação intercultural (2009-2013), objetivou analisar os textos de 9 Grupos de Trabalho-Currículo, Didática, Formação de Professores,Educação Popular, Movimentos Sociais, Educação e Relações Étnico-Raciais, Gênero, Sexualidade e Educação, Educação Ambiental e Educação e Arte- das Reuniões Anuais da ANPED, espaço privilegiado de discussão sobre as principais questões e investigações que mobilizam o campo educacional, procurando detectar em que medida as preocupações interculturais vêm sendo neles incorporadas.O terceiro,O ensino da Educação Física e as diferenças culturais: produções da ANPED (2010-2015), buscou conhecer e analisar quais são os sentidos, ênfases e silenciamentos das diferenças que transitam no campo da Educação Física escolar e, para tal, recorreu aos textos apresentados em 10 GTs da ANPED nos últimos 5 anos. Palavras-chave: Educação Intercultural Crítica. Escolas. Diferenças Culturais. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11010 ISSN 2177-336X

Upload: others

Post on 18-Oct-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • EDUCAÇÃO INTERCULTURAL CRÍTICA: ENTRE SUJEITOS, SABERES,

    CURRÍCULOS E PRÁTICAS

    Os artigos que integram este painel buscam oferecer subsídios para ampliar o

    conhecimento e o debate em torno da reinvenção da escola na contemporaneidade,

    quando seus sujeitos, saberes pedagógicos, currículos e práticas, envoltos nos processos

    de ensino e aprendizagem,estão desafiados à lida com as desigualdades sociais, mas

    também com as diferenças culturais, religiosas, raciais, de gênero, dentre outras. Têm

    como eixo central o norte da Educação Intercultural Crítica para a conquista do direito à

    educação para todos, implicado em novos paradigmas epistemológicos e éticos, em 3

    pesquisas qualitativas. O primeiro artigo,Função social do professor de ciências e

    biologia: educação ambiental, direitos humanos e interculturalidade, investigou a

    formação inicial de professores de Ciências e Biologia com o objetivo de conhecer e

    problematizar os sentidos presentes nestes cursos sobre a função social dos professores

    na educação básica. Foram investigados 6 cursos de licenciatura oferecidos pelas UFRJ,

    UERJ e UNIRIO. O segundo, Os grupos de trabalho da ANPED e a produção de uma

    educação intercultural (2009-2013), objetivou analisar os textos de 9 Grupos de

    Trabalho-Currículo, Didática, Formação de Professores,Educação Popular, Movimentos

    Sociais, Educação e Relações Étnico-Raciais, Gênero, Sexualidade e Educação,

    Educação Ambiental e Educação e Arte- das Reuniões Anuais da ANPED, espaço

    privilegiado de discussão sobre as principais questões e investigações que mobilizam o

    campo educacional, procurando detectar em que medida as preocupações interculturais

    vêm sendo neles incorporadas.O terceiro,O ensino da Educação Física e as diferenças

    culturais: produções da ANPED (2010-2015), buscou conhecer e analisar quais são os

    sentidos, ênfases e silenciamentos das diferenças que transitam no campo da Educação

    Física escolar e, para tal, recorreu aos textos apresentados em 10 GTs da ANPED nos

    últimos 5 anos.

    Palavras-chave: Educação Intercultural Crítica. Escolas. Diferenças Culturais.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11010ISSN 2177-336X

  • 2

    FUNÇÃO SOCIAL DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA:

    EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DIREITOS HUMANOS E

    INTERCULTURALIDADE

    Natália Tavares Rios Ramiarina

    PUC-Rio

    CAp/UFRJ

    Este trabalho é parte das investigações do doutorado sobre as temáticas da Educação

    Ambiental e dos Direitos Humanos na formação inicial de professores de Ciências e

    Biologia.O recorte aqui adotado tem como objetivo discutir o entendimento presente

    nestes cursos sobrea função socialdos professores das referidas disciplinas na educação

    básica.Para tal, a metodologia utilizada foi a triangulação de dados, composta pelos

    seguintes instrumentos de pesquisa: análise dos Projetos Políticos Pedagógicos dos

    cursos, entrevista com seus coordenadores e entrevistas com professores. Foram

    investigados seis cursos de licenciatura oferecidos pelas instituições UFRJ, UERJ e

    UNIRIO.As investigações mostraram que são atribuídas duas funções principais para o

    professor de Ciências e Biologia. Uma relativa à formação científica e outra relativa à

    formação humanística e social dos alunos. Apesar de, em alguns momentos, ficar

    explícito o conflito entre os conteúdos tradicionais das disciplinas e as novas demandas

    sociais que se apresentam para escola e, consequentemente, para estes profissionais,

    estas duas funções sociais não são pensadas de forma separada e sim, de forma

    complementar pelos formadores de professores.Assim sendo, o conhecimento científico

    é usado para abordar questões ambientais, sociais e culturais. A discussão sobre a sua

    hierarquização se mostrou como um importante tópico que aglutina potencialmente

    reflexões sugeridas pelos campos da interculturalidade, dos direitos humanos e da

    educação ambiental, sobretudo no que se refere ao modelo antropocêntrico e à visão

    utilitarista da relação homem e natureza. Destacam-se assim, as possíveis contribuições

    das disciplinas Ciências e Biologia na construção de uma cultura de democracia, justiça

    e sustentabilidade como projeto educativo de sociedade.

    Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Ambiental; Direitos Humanos.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11011ISSN 2177-336X

  • 3

    FUNÇÃO SOCIAL DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA:

    EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DIREITOS HUMANOS E

    INTERCULTURALIDADE

    Natália Tavares Rios Ramiarina

    PUC-Rio

    CAp/UFRJ

    Este trabalho está inserido na pesquisa de doutorado sobre a inserção das

    temáticas dos direitos humanos e educação ambiental nos cursos de formação inicial de

    professores de Ciências e Biologia das Universidades da cidade do Rio de Janeiro,

    sendo elas UNIRIO, UERJ e UFRJ. Foram investigados seis cursos, sendo dois deles da

    UFRJ (Licenciatura noturno e diurno); um da UERJ e três da UNIRIO (Licenciaturas

    em Ciências Biológicas, em Biologia e em Ciências Naturais).

    Neste recorte, o presente texto buscou discutir a categoria função social do

    professor de ciências e biologia a fim de caracterizar que papel os formadores de

    professores atribuem a estes profissionais no contexto da Educação Básica. Com isso,

    objetivou-se auxiliar na reflexão sobre as potencialidades das temáticas da educação

    ambiental e dos direitos humanos com aportes da interculturalidade, neste componente

    curricular para a construção de uma cultura de cidadania plena, justiça, democracia e

    sustentabilidade.

    As expressões educação ambiental e direitos humanos foram historicamente

    construídas e apropriadas em diversos contextos culturais, políticos e econômicos,

    muitas vezes servindo a propósitos conservadores da estrutura social, sendo

    questionados por especialistas em sua validade epistemológica para lutas por justiça

    social e ambiental. Considerando a polissemia dos termos e as disputas ideológicas que

    marcam suas definições, a formação de professores é um complexo desafio para o

    campo educacional, conforme apontam o documento das Diretrizes Curriculares

    Nacionais de 2013 (BRASIL, 2013) e Sacavino (2009). Ao investigar a função social

    atribuída pelos formadores de professores aos profissionais que estão formando, em

    suas dimensões relativas a discussões dos direitos humanos, educação ambiental e

    interculturalidade, este trabalho objetiva contribuir para a construção de uma cultura de

    participação plena, seja ela individual ou coletiva, em processos decisórios a fim de

    promover direitos sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11012ISSN 2177-336X

  • 4

    A construção desta cultura de participação plena objetiva essencialmente a

    superação daquilo que O´Donnell chama de “democracia de baixa intensidade”

    caracterizada pelo autor pela ênfase nos procedimentos eleitorais, tendo a democracia

    como um valor e uma prática de âmbito político, mas a regulação e articulação da

    sociedade se deslocam progressivamente para a esfera econômica (SACAVINO, 2009).

    Assim, instaura-se uma “sociedade do mercado” (BORÓN, 2003 apud SACAVINO,

    2009) na qual os direitos dos cidadãos também são pautados nesta lógica mercantil,

    numa cidadania concretizada, sobretudo, no consumo. A sociedade assim estruturada

    tem provocado a violação de direitos humanos, a degradação ambiental e

    homogeneização de culturas, tais processos quase sempre ocorrendo de forma

    associada.

    A metodologia adotada foi a triangulação de dados, composta pela análise do

    Projeto Político Pedagógico, entrevistas com os coordenadores e entrevista com os

    professores dos cursos. A seleção dos trechos do documento e das entrevistas ressaltou

    reflexões sobre os objetivos do curso de formação inicial, sobre habilidades e

    capacidades esperadas dos egressos da licenciatura e reflexões presentes nestes textos

    sobre o papel do conhecimento Científico e das disciplinas escolares de Ciências e

    Biologia na formação dos alunos da Educação Básica.

    Resultados e discussões

    Embora o PPP seja um documento pouco acessado ou a sua discussão e

    elaboração tenha sido restrita a alguns profissionais nas instituições pesquisadas, por ser

    um documento oficial, tem importância nas disputas curriculares no interior das

    universidades, sendo reflexo delas, mas também as orientando. Este documento nos

    indica, portanto, as concepções oficiais e as intenções de formação.

    Posto isso, foram percebidas duas tendências principais no que se refere à

    função do professor de Ciências nestes documentos. Seriam elas: auxiliar na formação

    cidadã e humanística dos alunos da Educação Básica; e atuar na formação e transmissão

    do conhecimento científico. O trecho abaixo ilustra objetivos para o curso que trazem

    alguns aspectos sobre a função social do professor de Ciências e Biologia, que foram

    comuns aos cursos investigados:

    “Esta formação promove ainda o entendimento do processo histórico de

    construção do conhecimento na área biológica, contemplando o significado

    das Ciências Biológicas para a sociedade e sua colaboração responsável como

    educador nos vários aspectos de sua atuação, desenvolvendo competências e

    habilidades humanas voltadas para os aspectos sócio-políticos e para o

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11013ISSN 2177-336X

  • 5

    desenvolvimento sustentável do país.” (PPC do curso de Ciências Biológicas –

    UNIRIO, p. 8. Grifos meus)

    As habilidades e competências esperadas do profissional que egressa destes

    cursos, citadas no trecho acima, e que também se articulam com a concepção da função

    social do professor de ciências e biologia, foram descritas como: exercer na plenitude a

    cidadania, formar cidadãos conscientes e críticos; compreensão cultural e social;

    contribuir para melhoria da qualidade de vida da comunidade; desenvolvimento social

    da coletividade entre outras...

    Assim, espera-se do professor articulação com a comunidade e capacidade de

    comunicação para elaboração coletiva de projetos. Também é esperada criatividade em

    sua prática pedagógica e até mesmo a interlocução e mediação para transformar a

    realidade do entorno e atender demandas da sociedade.

    Nestes termos, a atuação docente ultrapassa os limites da escola, incorporando as

    potencialidades e demandas da comunidade do entorno nos seus projetos pedagógicos.

    Assim, o papel social esperado para o professor é ampliado, para além de

    responsabilidades com o aprendizado de seus alunos, a fim de trabalhar com a

    comunidade, contemplando as demandas da coletividade do entorno.

    Desta forma, a função do professor das disciplinas de Ciências e Biologia

    ultrapassa o limite do tratamento do conhecimento científico ou da formação científica e

    ganham espaço, pelo menos discursivo, temáticas ligadas a demandas sociais, tais como

    discussões sobre cultura, cidadania, sustentabilidade, ética e coletividade, buscando uma

    formação humanitária e cidadã.

    A relevância dada à formação humanitária e cidadã presente nos textos pode ser

    percebida na alta frequência de verbetes que suscitam a discussão de aspectos sociais e

    políticos, tais como cidadania, sócio-político e cidadãos conscientes e críticos. No

    entanto, estes verbetes não aparecem acompanhados de explicações dos seus

    desdobramentos práticos ou da maneira como devem ser inseridos e trabalhados na

    formação de professores.

    Loureiro (2007, 2015) discute a imprecisão de termos como estes nos discursos

    em Educação ambiental, uma vez que eles têm sido amplamente utilizados, com

    diversos sentidos, sejam eles oriundos de governos, de empresas ou de movimentos

    sociais, com intencionalidades essencialmente contraditórias. O próprio termo

    “educação ambiental” está presente no PPC do curso da UERJ, no entanto, estando

    desacompanhado de discussões sobre o seu significado e objetivos, não explicita os

    propósitos de formar em “educação ambiental” os futuros professores de Ciências e

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11014ISSN 2177-336X

  • 6

    Biologia. Desta maneira, não é possível inferir quais concepções sobre este termo estão

    sendo referidas neste documento, nem tão pouco como tais concepções se articulam

    com a função social do professor de Ciências e Biologia.

    Neste contexto, a ausência de explicitações dos entendimentos adotados ou

    referências a discussões na área deixam “em aberto” o significado destes objetivos e não

    permite determinar posicionamentos políticos e ideológicos que representem propósitos

    contra-hegemônicos de transformação social ou propósitos hegemônicos de adequação e

    manutenção da estrutura social.

    De maneira semelhante, também é importante destacar a presença dos verbetes

    sustentabilidade e desenvolvimento sustentável sem nenhum desdobramento ou

    localização nas discussões e disputas que são travadas no campo ambiental e da

    educação em relação ao significado destes termos. Leher (2015) faz uma importante

    ressalva para pensar o termo desenvolvimento sustentável e seu uso:

    “(Desenvolvimento sustentável) (...) que, a rigor, não é um „conceito

    científico‟, mas, sobretudo, uma „ideologia‟ penetrante e indispensável ao

    capital, em um contexto em que os problemas sócio-ambientais alcançaram

    perigosa escala planetária e as resistências se ampliam”. (LEHER, 2015,

    p.19)

    Sendo assim, o uso do termo nos documentos orientadores de princípios e

    objetivos dos cursos, sem qualquer discussão de seu significado, não orienta as práticas

    docentes no que se refere ao sentido a ser buscado para tais termos. Não explicita assim

    qual ideologia assume. Santos (2013) também auxilia nesta reflexão, pois problematiza

    o uso atualmente predominante do termo “desenvolvimento sustentável” como um

    apagamento de outras culturas e racionalidades ambientais que propõem uma alternativa

    a própria ideia de desenvolvimento. Estas racionalidades questionam a própria ideia de

    crescimento indefinido contida no termo desenvolvimento (ainda que acompanhado de

    adjetivos como ecológico, eco ou sustentável) e colocam em pauta alternativas de

    “acrescimento” ou até mesmo de “decrescimento” econômico, elucidando assim outros

    referentes culturais, não ocidentais, para pensar a relação homem-natureza.

    Desta forma, a incorporação das dimensões social e política nos propósitos de

    formação inicial nos textos dos PPCs dos cursos analisados é uma tendência dominante

    e, interessante para a inclusão das discussões do campo da EA, dos DDHH e da

    interculturalidade no currículo das Ciências e Biologia. No entanto, esta tendência se

    mostra imprecisa no que se refere à explicitação de implicações políticas e ideológicas

    das quais a prática pedagógica não pode prescindir de refletir.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11015ISSN 2177-336X

  • 7

    A outra tendência verificada nos objetivos para formação de professores se

    refere ao propósito de formação científica, seja ela voltada para formação do próprio

    graduando, quanto para a formação de seus futuros alunos da educação básica. São

    citados como objetivos dos cursos: reconhecer o sentido histórico e humano da

    construção científica; construir bases sólidas conceituais e de compreensão do método

    científico; a iniciação científica e a publicação de artigos.

    Os trechos acima destacam os propósitos de formação do licenciando referente a

    propósitos acadêmico-científicos, buscando construir neste aluno uma visão

    contextualizada histórico e socialmente da produção do conhecimento científico e a

    capacidade de produzir este tipo de conhecimento. A formação científica dos

    licenciandos também é vista como ferramenta para articulação com demandas sociais,

    no sentido de que estes profissionais devem ser capazes de equacionar questões sociais

    e ambientais e basear sua conduta profissional em critérios humanistas e de rigor

    científico.

    No que se refere aos propósitos das disciplinas de Ciências e Biologia na

    Educação Básica, os documentos também trazem trechos abordando a formação

    científica como objetivo e ferramenta pedagógica deste futuro professor: interpretar o

    currículo de forma criativa; divulgar o conhecimento científico; estimular os alunos em

    suas curiosidades científicas etc. Os objetivos de formação que se concentram neste

    aspecto do ensino têm o conhecimento científico como fim da ação pedagógica, quando

    é focalizada a sua produção ou contextualização, e como ferramenta para tratamento de

    outras questões referentes a aspectos sociais e ambientais.

    A função de formação humanística e social pensada para o professor e para as

    próprias disciplinas Ciências e Biologia presente nos documentos também apareceu nas

    falas dos coordenadores dos cursos e pôde ser analisada de maneira mais aprofundada.

    Em seus depoimentos os professores trouxeram o entendimento da escola como espaço

    político de organização da comunidade, da coletividade, e o professor como importante

    ator deste processo. O professor teria uma função de motivador de ações dentro da

    comunidade escolar, auxiliando-a a refletir sobre suas demandas e necessidades. A

    escola, e dentro dela o próprio professor de Ciências e Biologia, funciona como um

    local de articulação e organização de diferentes agentes sociais. As atividades

    pedagógicas planejadas pela escola e professores articulados com a comunidade seriam

    motivadores para ações que possam pleitear políticas e ações governamentais na

    comunidade.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11016ISSN 2177-336X

  • 8

    Dois dos cinco coordenadores entrevistados falam sobre a necessidade de

    problematizar e contextualizar o conhecimento científico, tal como sinalizam Figueiredo

    e Tozoni-Reis (2013). Os autores destacam o papel das Ciências nas sociedades atuais

    de repensar o papel do conhecimento científico que dicotomiza homem e natureza,

    numa relação que é conivente com a estrutura social de exploração e degradação do

    meio ambiente. Neste sentido, há um movimento de incorporar às discussões das

    Ciências, questões provocadas por diferentes campos teóricos ou áreas curriculares. Esta

    incorporação e articulação de questões de cunho social, cultural e humano nas reflexões

    científicas servem ao propósito, segundo os depoimentos destes coordenadores, de

    humanizar suas práticas pedagógicas e buscar práticas pedagógicas transformadoras.

    Os depoimentos dos professores entrevistados trazem aspectos importantes para

    a análise no que se refere ao papel da formação científica na prática docente dos

    professores de Ciências e Biologia: mudança cultural que depende da educação; passar

    informações que vem da ciência; conhecimento cientifico como reflexão para o apelo

    consumista dirigido a juventude etc. A Fala a seguir ilustra este último aspecto:

    “Isso para mim é um desafio na formação porque na verdade eu continuo

    achando que ensinar ciências e biologia para juventude é muito importante

    para que não sejam dominados por bobagens de consumo, coisas do gênero,

    mas como é que a gente vai fazer isso? É minha grande questão agora

    enquanto formadora. (Branca, Professora de Prática de Ensino e Didática

    Especial)

    A formação científica como ferramenta para discussões sociais, culturais e

    ambientais apareceu como uma tendência dominante nas falas dos professores. Nos

    depoimentos acima, é possível verificar uma defesa da formação científica como

    ferramenta para a problematização de questões sociais, culturais e ambientais. Nestes

    depoimentos, os professores ressaltam a importância de formar professores

    conhecedores da ciência e capazes de utilizar estes conhecimentos para refletir sobre a

    realidade e estrutura social. Com isto, estes professores devem ser capazes de fazer com

    que seus alunos da educação básica reflitam a partir de uma formação científica

    proporcionada pelo currículo de Ciências e Biologia, por exemplo, sobre seus hábitos de

    consumo e sobre a condição atual de degradação do ambiente.

    Desta forma, os depoimentos revelaram que os professores enxergam as

    disciplinas de Ciências e Biologia, como disciplinas que têm o potencial de articular em

    seus conteúdos reflexões de diferentes áreas dos conhecimentos para contribuir com

    uma formação cidadã dos alunos de educação básica, abordando aspectos sociais,

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11017ISSN 2177-336X

  • 9

    culturais e ambientais. Assim, as formações científica, humanística e social aparecem

    como objetivos associados nos discursos dos formadores de professores.

    O depoimento a seguir traz uma interessante reflexão sobre a inserção das

    temáticas sociais e culturais na formação dos professores de Ciências e Biologia:

    “Nós éramos professores de Ciências. E por mais que a gente tenha avançado

    nas discussões da didática, do currículo e relativizado isso, as ciências ainda

    eram nosso ponto. Era o que nos dava a base daquilo que nos íamos ser como

    profissionais do Ensino, como professores de. Eu acho que isso está mudando.

    Por vários motivos. Porque estas questões todas (violência, sexualidade) que

    eu estou te falando que envolvem a questão ambiental, adentraram a escola e

    não querem mais sair. Elas estão lá, elas fazem parte deste lugar chamado

    escola. Antes elas até podiam fazer, mas ou a gente jogava para escanteio, ou

    escondia em algum lugar e mantinha ali nossa tradição de que a ciência era o

    que era mais importante para o professor. E na formação a gente investia

    nisso.” (Branca, Professora de Prática de Ensino e Didática Especial)

    A professora percebe ao longo dos seus quase 30 anos de docência na Educação

    Básica e Superior, uma mudança na formação inicial de professores motivada pelas

    novas demandas que a escola tem recebido, referentes a questões de violência,

    sexualidade e ambientais. Segundo a professora, neste processo, a formação inicial de

    professores vem se modificando e buscando inserir aspectos sociais, culturais e

    ambientais. Terreri & Ferreira (2014) entendem que a formação docente nas

    universidades vem sendo historicamente ressignificada e hibridizada com a

    incorporação de inovações curriculares, que refletem estas novas demandas da

    sociedade. Esta modificação parece ainda estar em curso, ora utilizando os

    conhecimentos científicos como ferramenta para a formação humanística e social, ora

    disputando espaço dentro dos objetivos do componente curricular.

    “O professor tem um papel muito importante nisso, empoderar seus alunos no

    exercício de sua cidadania e aí entram várias temáticas, e a nossa área de

    Ciências e Biologia pode ajudar tanto os alunos nisso, e muitas vezes não

    ajuda porque a preocupação foi passar o conteúdo para decorar para prova,

    não foi entender aquela situação dentro de um contexto, não foi aproximar

    aquele conteúdo da vida dele, que tem a ver isso. (Glória, Professora de

    Estágio Supervisionado)

    O depoimento acima ilustra este conflito para os professores de Ciências e

    Biologia na Educação Básica entre lecionar sobre o conteúdo científico em si, que é

    cobrado e avaliado de forma mais sistemática e estruturada por avaliações externas, ou

    tratar questões das relações sociais e ambientais. Loureiro (2015) pode auxiliar na

    reflexão sobre esta “escolha” forçada, no sentido de que estes conteúdos curriculares

    tradicionalmente abordados são alvo de maior fiscalização e medições por políticas

    públicas de avaliação escolar. Enquanto que estes outros propósitos do Ensino de

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11018ISSN 2177-336X

  • 10

    Ciências e Biologia são discursivamente reconhecidos e valorizados, mas chegam à

    escola como “educações” diversas (educação ambiental, sexual, para o trânsito etc) que

    também precisam ser contempladas além de tudo aquilo que será avaliado, porém não

    são avaliados da mesma maneira que os conteúdos do currículo tradicional e acabam

    por não ser contemplados.

    Alguns depoimentos destacaram aspectos políticos da formação de professores e

    da atuação docente na educação básica que auxiliam a pensar esta formação científica

    associada a discussões sociais, culturais e ambientais e o papel do professor de Ciências

    e Biologia: o aspecto político inerente ao ato de ensinar; a escola como aparelho

    ideológico do Estado; reflexões sobre a relação homem e natureza em seus aspectos

    cultuais, econômicos e políticos; a expectativa diferenciada em relação a alunos de

    diferentes classes etc. Destaca-se assim, o caráter político da educação, no sentido de

    que qualquer prática pedagógica traz intrínseco um posicionamento político, uma

    postura política perante o aluno e deles não pode se eximir. Os professores não se

    posicionam da mesma maneira sobre as possibilidades da escola e da universidade na

    transformação da sociedade, mas reconhecem o caráter político do fazer pedagógico.

    Tais reflexões trazidas pelos professores são importantes para justificar a

    necessidade de discutir de forma mais contundente os propósitos e objetivos da

    formação inicial. No que se refere a temáticas como a educação ambiental e os direitos

    humanos, temáticas apropriadas por diversos discursos e posicionamentos políticos

    antagônicos, esta discussão e localização teórico-metodológica são essenciais para

    orientar um projeto político de formação, seja na licenciatura ou na educação básica.

    A função de formação de cientistas também foi citada, como ilustra o

    depoimento a seguir:

    “Eu acho que um papel importante é formar cientistas, vamos supor, é formar

    uma postura científica, que é tirar do que Paulo Freire chama de curiosidade

    ingênua e produzir a tal da curiosidade epistêmica que é uma curiosidade que

    você se aprofunda e busca etc.” (Professor José)

    Este, no entanto, foi um registro pontual, uma vez que apenas um professor a

    mencionou no conjunto dos discursos do grupo entrevistado no que se refere à função

    social do professor de Ciências e Biologia na Educação Básica.

    Conclusões

    Os instrumentos de produção de dados (análise de documentos, entrevista com

    professores e coordenadores) demonstraram de forma complementar que predomina a

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11019ISSN 2177-336X

  • 11

    concepção em que o professor de Ciências e Biologia tem duas funções principais: a

    formação científica e a formação humanística e social de seus alunos. Estas funções não

    são pensadas de forma separada, sendo uma, instrumento da outra. Esta relação de

    complementaridade entre as funções do professor de Ciências Biológicas pode ser

    exemplificada pelo uso do conhecimento científico para problematizar e analisar

    questões ambientais e sociais e por outro lado, na alusão a questões econômicas, sociais

    e culturais para pensar o conhecimento cientifico.

    Os objetivos de formação científica parecem se articular com os objetivos de

    formação cidadã e crítica, no sentido que o conhecimento científico é entendido nos

    textos e falas com uma ferramenta de emancipação individual. E por outro lado, a

    ampliação do entendimento da realidade, incorporando discussões sociais, políticas e

    culturais, contextualiza o conhecimento científico e fomenta abordagens de maneira

    interdisciplinar.

    É interessante destacar também as reflexões sobre a natureza do conhecimento

    científico entendido como produção humana, inserido dentro da sociedade, para pensar

    as transformações da sociedade e as relações sociais ao longo dos tempos. A presença

    destas reflexões num curso de formação de Professores de Ciências e Biologia é

    importante porque possibilita, no momento que contextualiza a produção científica na

    estrutura da sociedade atual, que outros conhecimentos sejam valorizados e

    reconhecidos, contribuindo para a construção de uma cultura de reconhecimento e

    legitimação de diferentes grupos sociais e de suas demandas (CANDAU, 2010),

    auxiliando na construção de uma perspectiva intercultural de educação.

    A incorporação de demandas sociais representa sem dúvida um avanço na

    maneira de pensar a atuação e formação de professores de ciências para a escola básica,

    recontextualizando os propósitos do conhecimento científico e ampliando as fronteiras

    dos conhecimentos biológicos na busca por soluções de problemas ambientais que

    envolvem dimensões sociais e políticas (MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009

    apud SILVA, 2013). Alves & Carvalho (2015) também apontam para a formação para a

    cidadania como uma ampliação dos objetivos das disciplinas de Ciências e Biologia e

    citam diversos trabalhos que destacam esta tendência:

    “No campo do ensino de ciências, alguns autores identificam que mudanças

    ocorridas, tanto com a evolução científica e tecnológica quanto nas relações

    entre política e ciência, impactaram significativamente as sociedades,

    comunidades e indivíduos, contribuindo para que a formação para a cidadania

    fosse incluída como um dos objetivos centrais da educação em ciências

    (VILANOVA, 2011). Este processo deu origem a uma gama de estudos que

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11020ISSN 2177-336X

  • 12

    buscam distinguir as características do ensino de ciências relacionadas à

    participação democrática e aos modelos e discursos de cidadania e construção

    da democracia presentes no meio social, reconhecendo aptidões, valores e

    conhecimentos específicos atrelados às estratégias e práticas pedagógicas

    (VILANOVA, 2011; VILANOVA, BANNEL, 2011; LEVINSON, 2010)”

    (ALVES & CARVALHO, 2015 p.3)

    Este reconhecimento foi predominante entre os entrevistados. Também esteve

    presente em todos os PPCs dos cursos. Este fato, relatado no depoimento de alguns

    professores, foi considerado como uma mudança no currículo e na formação inicial dos

    professores por demanda das escolas. No entanto, a importância dada à formação

    humanística e social proporcionada pelo professor das disciplinas de ciências e biologia

    não parece resultar de uma reflexão sistemática e coletiva de seus propósitos. A

    formação científica que o professor de Ciências e Biologia deve, tradicionalmente,

    oferecer aos seus alunos está pautada e direcionada pela lista de conteúdos a serem

    ensinados. Porém, a formação humanística e social parece se articular àquela de forma

    não sistemática, na contextualização, na exemplificação cotidiana, mas não como

    conteúdos discutidos e assumidos como parte do currículo. Tal ausência de reflexão e

    sistematização pode fragilizar esta função do professor de ciências e biologia? No

    cotidiano docente estas são questões adiadas por pressão de um currículo extenso de

    conteúdos científicos? Estas perguntas provocam uma profunda reflexão a cerca do

    currículo em Ciências e Biologia no que se refere à definição de conhecimentos

    mínimos essenciais a formação básica e à incorporação de demandas sociais colocadas

    em cada contexto escolar. Tal disputa é cara ao projeto de educação transformadora que

    se almeja construir, na medida em que indica caminhos para construir a emancipação e

    empoderamento político de grupos sociais desprivilegiados.

    Por outro lado, há um aspecto que inspira cautela: a ampliação das pretensões da

    atuação docente, dos seus objetivos enquanto professor e de sua atuação política podem

    ganhar um caráter perverso se as suas condições de trabalho, como carga horária,

    salários, estrutura escolar e segurança, não são adequadas. Este cenário dificulta uma

    atividade mais estruturada que envolva a comunidade escolar, resultando em mais

    angústia para o cotidiano e prática docente.

    Esta é uma discussão que extrapola os propósitos deste trabalho. Mas seu

    apontamento é necessário para não fortalecer um discurso que sobrecarrega e

    responsabiliza centralmente o professor, descolando a qualidade da educação de uma

    análise estrutural das determinações externas que influenciam a atuação docente.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11021ISSN 2177-336X

  • 13

    Em resumo, a função social do professor de Ciências e Biologia parece ter sido

    ampliada incorporando demandas sociais que promovem discussões relativas a uma

    educação que pense as temáticas dos direitos humanos, da educação ambiental e da

    interculturalidade. Apesar do lugar hegemônico historicamente assumido pelo

    conhecimento científico, a formação destes professores busca problematizar este lugar e

    avançar nestas discussões, mostrando um potencial papel destas disciplinas na

    construção de uma educação intercultural, de valorização de diferentes culturas e

    sujeitos, buscando neste diálogo cultural outras lógicas para pensar caminhos de

    superaração da degradação ambiental e das situações de violação de direitos humanos

    associadas a ela. Apesar da escola não ser capaz de mudar a estrutura social sozinha,

    não é possível eximi-la de qualquer papel. Então é importante pensar como os

    profissionais que vão atuar e pensar a escola estão sendo formados para além dos

    aspectos técnicos e dos conhecimentos científicos, mas em sua função social na

    coletividade, política e socialmente, de forma a auxiliar numa mudança cultural,

    desconstruindo o senso comum e contemplando narrativas diversas de desenvolvimento

    e de relação do homem com a natureza, buscando assim a auxiliar na criação, a que

    chamou Santos (2014), de zonas libertárias do capitalismo.

    Referências Biológicas

    ALVES, B.T; CARVALHO, L.M. Sentidos construídos na relação entre as

    experiências políticas e as práticas de educação ambiental de professores de

    ciências da natureza. VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental. Rio de

    Janeiro, Julho de 2015.

    BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de

    Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Conselho Nacional da

    Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/

    Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e

    Educação Integral. – Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. 542p.

    CANDAU, V.M.F. Educação, direitos humanos, currículo e estratégias

    pedagógicas. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/04/4_6_

    vera_candau_ edh.pdf (acesso em janeiro de 2010) 2010.

    FIGUEIREDO, P.B; TOZONI-REIS, M.F.C. Formação de professores e educação

    ambiental: um retrato da educação ambiental nas escolas públicas de

    Cravinhos/SP. VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental. Rio de

    Janeiro, Julho de 2015.

    LEHER, R. Educação ambiental como crítica ao desenvolvimento sustentável:

    desafios dos movimentos e das lutas sociais. IN: LOUREIRO, C.F.B. & LAMOSA,

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11022ISSN 2177-336X

    http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/04/4_6_%20vera_candau_%20edh.pdfhttp://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/04/4_6_%20vera_candau_%20edh.pdf

  • 14

    R.A.C. (orgs.) Educação Ambiental no Contexto escolar: um balanço crítico da Década

    da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: CNPq, 2015.

    LOUREIRO, C.F.B. Pensamento crítico, tradição marxista e a questão ambiental:

    ampliando os debates. IN: Loureiro, C.F.B.(org) [et al.]. A questão ambiental no

    pensamento crítico: natureza, trabalho e educação. Rio de Janeiro: Quartet, 2007. 256p.

    LOUREIRO, C.F.B. Educação ambiental e educação para o desenvolvimento

    sustentável: polêmicas, aproximações e distanciamentos. IN: LOUREIRO, C.F.B;

    LAMOSA, R.A.C. (orgs.) Educação ambiental no contexto escolar: um balanço crítico

    da Década da Educação para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Quartet:

    CNPq, 2015.

    SACAVINO, S. B. Democracia e educação em direitos humanos na América

    Latina. Petrópolis, RJ : DP et AAlii: De Petrus ; Rio de Janeiro : NOVAMERICA,

    2009. 292p.

    SANTOS, B.S. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. IN: SANTOS,

    B.S. & CHAUÍ, M. Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento. – São Paulo:

    Cortez Editora, 2013.

    SILVA, S.N. O tema ambiente e o ensino de biologia. VII EPEA - Encontro Pesquisa

    em Educação Ambiental. Rio Claro - SP, Julho de 2013.

    TERRERI, L; FERREIRA, M.S. Regularidades discursivas no ensino de ciências: o

    que é/deve ser a formação de professores em ciências biológicas? V Enebio e II

    Erebio regional 1. Revista SBenBio, nº 7, outubro de 2014.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11023ISSN 2177-336X

  • 15

    OS GRUPOS DE TRABALHO DA ANPED E A PRODUÇÃO DE UMA

    EDUCAÇÃO INTERCULTURAL (2009-2013)

    Daniela Frida Drelich Valentim

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ

    Este artigo é um recorte da pesquisa Direitos Humanos, Educação, Interculturalidade:

    construindo práticas pedagógicas, desenvolvida no período de março de 2013 a

    fevereiro de 2017, que teve dentre seus objetivos rever e analisar a literatura sobre a

    temática da educação intercultural, atualizando o mapeamento dos textos apresentados

    nas Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

    Educação, espaço privilegiado de discussão sobre as principais questões e investigações

    que mobilizam o campo educacional, procurando detectar em que medida as

    preocupações interculturais vêm sendo neles incorporadas. Para tanto, teoricamente,

    utilizamos um Mapa Conceitual (Candau, 2012) que explicita o sentido que damos aos

    princípios, elementos e as características de uma Educação Intercultural.

    Metodologicamente realizamos análise de conteúdo dos textos relativos ao período de

    2009 a 2013 nos Grupos de Trabalho (GT). Optamos por 9 dos 24 existentes utilizando

    um duplo critério: GTs que tratam de questões gerais inerentes aos processos

    educacionais- Currículo, Didática e Formação de Professores- e GTs que abordam

    temáticas específicas, em princípio, mais sensíveis às diferenças culturais- Educação

    Popular, Movimentos Sociais, Educação e Relações Étnico-Raciais, Gênero,

    Sexualidade e Educação, Educação Ambiental e Educação e Arte. Num universo de 699

    textos, apenas 40 (5.7%) foram identificados como aqueles em que a perspectiva

    intercultural estava sendo tratada com uma intensidade central, ou seja, artigos que

    apresentavam questões e foco explícitos relativos à temática em pauta. Esse pequeno

    número de artigos sugere fragilidade na incorporação da interculturalidade na Educação.

    Identidades, protagonismos, diferentes linguagens, pluralidade epistêmica,

    reconhecimento cultural, redistribuição das riquezas, visibilização de sujeitos e grupos

    subalternizados, ação afirmativa, educação diferenciada aparecem como vocabulário

    semântico e horizonte nos textos que reconhecemos de grande contribuição ainda que

    quantitativamente exíguos.

    Palavras-chave: Educação Intercultural; Diferença Cultural; ANPED.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11024ISSN 2177-336X

  • 16

    OS GRUPOS DE TRABALHO DA ANPED E A PRODUÇÃO DE UMA

    EDUCAÇÃO INTERCULTURAL (2009-2013)

    Daniela Frida Drelich Valentim

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ

    Introdução

    O presente artigo se situa no contexto da pesquisa intitulada Direitos Humanos,

    Educação, Interculturalidade: construindo práticas pedagógicas, que vem sendo

    desenvolvida desde março de 2013 e terá seu termo final em fevereiro de 2017, por um

    grupo de pesquisadores, dentre os quais me incluo na condição de pesquisadora

    associada.

    Dentre os objetivos dessa grande pesquisa está a atualização da revisão da

    literatura sobre a temática da educação intercultural e, com esta finalidade, demos

    continuidade ao levantamento realizado na pesquisa anterior Interculturalidade e

    Educação na América Latina e no Brasil: saberes, atores e buscas, desenvolvida no

    período de março de 2009 a fevereiro de 2012, acerca da produção dos Grupos de

    Trabalho (GTs) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, no

    período de 2003 a 2008, procurando identificar em que medida e em que sentidos seus

    textos contribuem para a temática da educação intercultural.

    Entendemos que a produção acadêmica posta em relevo nas Reuniões Anuais da

    ANPEd, espaço privilegiado de discussão sobre as principais questões e investigações

    que mobilizam o campo educacional, é potente o bastante para que nela procuremos

    detectar qualitativa e quantitativamente, os princípios e características de uma Educação

    Intercultural.

    Decidimos analisar a produção de 9 GTs, 24 que existiam no momento desse

    levantamento, utilizando um duplo critério: GTs que tratam de questões gerais inerentes

    aos processos educacionais- Currículo, Didática e Formação de Professores- e GTs que

    abordam temáticas específicas, em princípio, mais sensíveis às diferenças culturais-

    Educação Popular, Movimentos Sociais, Educação e Relações Étnico-Raciais, Gênero,

    Sexualidade e Educação, Educação Ambiental e Educação e Arte. Estes dois últimos

    GTs, de criação mais recente, foram adicionados por considerarmos que apresentam

    potencialidades interessantes para aprofundar a temática da educação intercultural, não

    tendo sido incluídos no levantamento anterior.

    Ao todo foram analisados 699 (seiscentos e noventa e nove textos).

    Aporte teórico-metodológicos

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11025ISSN 2177-336X

  • 17

    Interculturalidade e educação intercultural são termos polissêmicos e têm

    diferentes acepções, daí a importância de ressaltarmos que dialogamos nesse texto com

    os sentidos da interculturalidade crítica proposta por Candau (2006, 2009, 2012). A

    interculturalidade crítica é concebida como um processo e uma estratégia ética, política

    e epistêmica que se coloca em confronto à geopolítica hegemônica, monocultural e

    monorracional de construção do conhecimento e de distribuição do poder, que se

    constrói de “baixo para cima” exigindo uma articulação em suas propostas dos direitos

    de igualdade com os direitos da diferença.

    Para a autora a Educação Intercultural é uma opção assumida dentro do universo

    plural do multiculturalismo, concebendo-a como:

    Um enfoque que afeta a educação em todas as suas dimensões,

    promovendo a interação e comunicação recíprocas, entre os diferentes

    sujeitos e grupos culturais. Orienta processos que têm por base o

    reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas

    de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações

    dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a

    universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a essa

    realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações

    sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos, procurando

    as estratégias mais adequadas para enfrentá-los. Situa-se em confronto

    com todas as visões diferencialistas que favorecem processos radicais

    de afirmação de identidades culturais específicas. Rompe com uma

    visão essencialista das culturas e das identidades culturais. Parte da

    afirmação de que, nas sociedades em que vivemos, os processos de

    hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de

    identidades abertas, em construção permanente. É consciente dos

    mecanismos de poder que permeiam as relações culturais (CANDAU,

    2006, p. 31 e 32).

    Tendo presente tal perspectiva, como instrumento para análise, utilizamos um

    Mapa Conceitual da expressão educação intercultural (Candau, 2012). A questão focal

    que orientou a construção do Mapa foi: em que consiste a educação intercultural?

    O Mapa com que operamos concebe quatro categorias, assim explicitadas:

    - Sujeitos e atores socioculturais (individuais e coletivos). Diz respeito à

    promoção de relações mais igualitárias. O que significa: questionar uma visão

    essencializadora das identidades; fortalecer a construção de identidades dinâmicas,

    abertas e plurais; valorizar processos de empoderamento; estimular processos de

    construção da autonomia e emancipação social.

    - Conhecimentos. Refere-se à proposta de romper com a hierarquização entre os

    conhecimentos que estariam relacionados aos conceitos, ideias e reflexões

    sistematizadas, considerados científicos, universais e monoculturais e os saberes que

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11026ISSN 2177-336X

  • 18

    seriam os reconhecidos como produções dos diferentes grupos socioculturais,

    relacionados às suas práticas cotidianas, tradições e visões de mundo, concebidos como

    particulares e assistemáticos, assumindo todos enquanto conhecimentos sem negar os

    conflitos que emergem da tensão entre universalismo e relativismo.

    - Práticas socioeducativas. Relativa à proposta de se favorecer dinâmicas

    participativas; promover processos de diferenciação didático-pedagógica; incentivar a

    utilização de múltiplas linguagens e a construção coletiva, questionando, portanto,

    dinâmicas padronizadas e desvinculadas dos contextos socioculturais dos sujeitos que

    delas participam.

    - Políticas públicas. Diz respeito às relações entre os processos educacionais e os

    contextos político-sociais em que se inserem; ao reconhecimento dos diferentes

    movimentos sociais presentes na sociedade brasileira; à defesa da articulação entre

    políticas de reconhecimento e de redistribuição, bem como dos processos de construção

    democrática que têm como horizonte a consolidação de uma democracia radical.

    As reuniões da Anped abarcam diferentes atividades: conferência, sessões

    especiais, sessões de conversas, trabalhos encomendados, sessões de grupos de trabalho,

    minicursos, entre outras. Optamos por focar nossa análise nos GTs, por considerar que

    estes constituem o principal espaço para o qual a comunidade acadêmica envia sua

    produção e que esta passa por uma seleção do Comitê Científico.

    A análise dos textos, objetos de nosso estudo, foi realizada em três etapas. Na

    primeira, fizemos uma leitura dos resumos, das introduções, das conclusões e das

    referências bibliográficas de todos os artigos disponíveis em cada um dos 09 GTs, a fim

    de, a partir desta aproximação inicial, selecionar aqueles que pareciam apresentar um

    potencial de diálogo com a perspectiva da Educação Intercultural. Os critérios para esta

    primeira seleção foram bastante amplos e flexíveis: os objetivos ou questionamentos

    explicitados, o campo semântico e os interlocutores privilegiados foram considerados

    como alguns indicadores de um possível diálogo com a perspectiva intercultural.

    Já na segunda etapa de nossa análise, classificamos os textos quanto à sua

    natureza discursiva, ou seja: relato de experiência, pesquisa, reflexão conceitual e

    outros, bem como quanto à intensidade da incorporação da temática relacionada à

    interculturalidade, levando em conta três categorias: central (apresentavam questões e

    um foco explícito que se referia à temática focada), secundário (as questões

    interculturais apareciam como derivadas ou como consequência da temática central) e

    indícios (apresentavam algum aspecto que se relacionava com a interculturalidade, mas

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11027ISSN 2177-336X

  • 19

    sem desenvolver, limitando-se a uma simples enunciação). Na terceira e última etapa,

    buscamos identificar, somente nos textos classificados como centrais, as ênfases

    priorizadas, analisando-as em diálogo com as categorias do mapa conceitual.

    Vale dizer que, de um universo de 699 artigos apresentados nos GTs analisados,

    181 foram pré-selecionados na primeira etapa do nosso trabalho, mas somente 41 foram

    considerados, como tratando de modo central as questões relacionadas à Educação

    Intercultural.

    A Educação Intercultural em 09 GTS da Anped: alguns apontamentos

    Neste item, vamos apresentar um pequeno recorte da nossa análise. São algumas

    reflexões e/ou contribuições que reconhecemos presentes nos artigos centrais, ou seja,

    aqueles mais “afinados” com a perspectiva intercultural, tendo lançado sobre eles um

    “olhar informado” pelo mapa conceitual da Educação Intercultural e pelas categorias

    que o configuram.

    Para começar, podemos dizer que, no caso do GT Didática, dos 68 trabalhos

    apresentados, 7 indicavam aspectos que podem ser considerados como uma

    contribuição à construção de uma Educação Intercultural, mas apenas 5 foram

    reconhecidos como centrais.

    Dada a crescente preocupação dos professores com as questões das diferenças

    culturais no cotidiano escolar, a presença desta temática nas pesquisas apresentadas no

    GT de Didática é muito pequena, o que evidencia que ainda não tem sido assumida de

    modo significativo pelos pesquisadores da área.

    Chama a atenção nos textos analisados que a perspectiva das diferenças culturais,

    seu reconhecimento e valorização, começam a questionar o ensino de diversas áreas

    curriculares - língua estrangeira, biologia e história, promovendo assim a discussão de

    aspectos epistemológicos importantes para a preocupação por desenvolver a educação

    intercultural. Consideramos este componente fundamental para se trabalhar a

    perspectiva da justiça cognitiva (Santos, 2004) e, a partir do conceito que adotamos, é

    básica para a educação intercultural. Convém salientar que os textos estão centrados nas

    concepções dos professores, não tendo a preocupação de trabalhar o universo dos

    alunos. Esta é uma lacuna para nós significativa. Aprofundar no universo de referência

    dos alunos, seus processos de identificação e construção como sujeitos individuais e

    coletivos, constitui um componente fundamental dos processos de educação

    intercultural. O desenvolvimento de projetos e a perspectiva da diferenciação

    pedagógica são componentes de relevância abordados pelos textos. Problematização e

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11028ISSN 2177-336X

  • 20

    dialogicidade parecem ser as abordagens mais enfatizadas, superando-se, assim, uma

    visão de conhecimentos prontos, fixos, atemporais e inquestionáveis.

    No que se refere ao GT Currículo, de um total de 97 trabalhos apresentados, 21

    foram pré-selecionados e apenas 2 foram indicados como centrais, expressando,

    também no acaso deste GT, a pouca frequência de artigos que enfatizassem a

    perspectiva intercultural, apesar de praticamente todos eles operarem com diferentes

    sentidos de cultura.

    Os textos centrais tratam da educação em ciências e a da educação indígena

    ambos evidenciando a educação como possível espaço de subversão e descolonização

    do conhecimento escolar, assim como de afirmação e fortalecimento identitário embora

    valorizem o desenvolvimento de relações entre as diferentes culturas e conhecimentos

    produzidos pelos grupos culturais historicamente excluídos. Apontam a necessidade de

    “outros” conhecimentos para além dos científicos/ocidentais. A importância de políticas

    públicas voltadas ao reconhecimento da diferença cultural aparece toda vez em que a

    educação indígena é tratada, são trazidas as diferentes legislações que possibilitaram o

    tratamento da educação para os grupos indígenas, sob novos paradigmas, desde a

    Constituição Federal de 1988.

    Por sua vez, dos 104 trabalhos apresentados no GT Formação de Professores, 7

    foram pré-selecionados e apenas 1 classificado como central, permitindo reiterar a

    mesma constatação feita nos dois GT acima apresentados: também nesse caso a

    presença de trabalhos sobre a temática da educação intercultural é quase zero o que

    confirma os achados de LEITE, 2006 e Koff, 2012.

    O único texto que selecionamos traz contribuições e questões que nos remetem à

    complexidade política e pedagógica da educação intercultural. Trata-se de uma pesquisa

    que teve como objetivo estudar as práticas pedagógicas de professores Guarani e

    Kaiowá no âmbito da comunidade e de como essas práticas e seus efeitos estão

    envolvidos (são perpassados pela) na dinâmica do poder social da comunidade e o seu

    entorno, através da percepção dos próprios professores, dos alunos e das mães, sujeitos

    mais diretamente envolvidos na dinâmica escolar e, portanto, das tensões existentes no

    espaço escolar. Tendo como horizonte uma pedagogia intercultural problematiza o

    direito à escola específica, diferenciada, intercultural e bilíngue. O reconhecimento do

    protagonismo e das “vozes” historicamente silenciadas e recusadas dos sujeitos

    indígenas é a marca do texto, todavia entrelaçado com a valorização das identidades

    étnicas notamos também o reconhecimento e a valorização de conhecimentos,

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11029ISSN 2177-336X

  • 21

    epistemologias e cosmologias próprias das etnias focalizadas e. nesse sentido pensa a

    formação inicial e continuada dos professores indígenas. Defende a autonomia dos

    professores para a elaboração e invenção de projetos pedagógicos e materiais didáticos

    próprios, particularizados, reinventando a didática.

    No que diz respeito ao GT Educação Popular, de um universo de 58 artigos, 17

    foram pré-selecionados e 4 categorizados como centrais.

    Aqui a análise dos textos considerados centrais põe em evidência alguns aspectos

    significativos como, por exemplo, os diferentes sentidos semânticos e políticos da

    interculturalidade, a importância das epistemologias do Sul, especialmente as da

    América Latina comprometidas que são com a transformação social, a ênfase na

    utilização de métodos de pesquisa como investigação-ação participativa, pesquisa

    participante, pesquisa-ação, e mais recentemente, a sistematização de experiências, a

    produção de pedagogias de resistência e insurgência como a experiência do Exército

    Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) de Chiapas (México), assim como, a

    inspiração de José Martí (Cuba) e do peruano Mariátegui na desconstrução dos

    conhecimentos coloniais impostos pelo Norte, As populações indígenas voltam a

    aparecer nesse GT com suas demandas por protagonismo, currículos

    diferenciados/específicos e respeito aos saberes tradicionais em confronto com um

    currículo comum, padronizado, de inspiração universalista em que todos tenham

    oportunidade de acesso e de sucesso na aquisição de conhecimentos considerados

    “válidos” ou “poderosos” (Young, 2007). Paulo Freire é autor citado e seus conceitos de

    dialogicidade e leitura do mundo são trazidos e trabalhados num contexto de defesa da

    pluralidade cultural que é tensionada por perspectivas assimilacionistas.

    No caso GT Movimentos Sociais, dos 59 textos que compõem o universo

    analisado, 17 foram pré-selecionados e 3 indicados como centrais. É importante

    destacar que uma parte significativa desses artigos tende a centrar sua atenção na ação

    ou organização de grupos específicos. No período 2009-2013, o GT privilegiou temas

    relacionados a experiências educativas realizadas por movimentos sociais do campo e

    relativas às juventudes, suas trajetórias, identidades e aspirações. Outros temas como os

    relacionados a grupos indígenas e afrodescendentes também aparecem. Note-se que os

    três trabalhos selecionados como centrais foram apresentados na mesma Reunião Anual

    da Anped (35ª), realizada em 2012 e fazem referências aos jovens indígenas amazônicos

    sateré-mawé, ao movimento dos trabalhadores rurais sem terra e ao movimento negro

    afrocolombiano.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11030ISSN 2177-336X

  • 22

    Consideramos pouca a presença da educação Intercultural nos trabalhos do GT o

    que nos surpreendeu, pois, a temática deste parece propiciar esta interlocução com

    maior intensidade. Foram discutidas as práticas educativas do MST na Amazônia

    paraense, para jovens e adultos, num assentamento, que pretende o trabalho político

    com as classes populares na reinvenção do seu mundo que difere do mundo urbano do

    consumo. Aqui também temos a presença de Paulo Freire como teórico chamado ao

    diálogo. Quanto à educação de jovens indígenas as contradições, conflitos e tensões

    próprias da lida com a diversidade cultural são notados quando a cultura indígena é

    confrontada com a cultura ocidental em seus valores, ritmos, língua, conhecimentos e

    práticas.

    No entanto, os textos analisados focalizaram questões de especial importância

    para o desenvolvimento da educação intercultural, tais como, o diálogo entre diferentes

    conhecimentos, os conflitos culturais, identidade juvenil, os processos de mediação

    cultural, as dificuldades da escola para lidar com as diferenças culturais, as lutas dos

    grupos afrocolombianos por reconhecimento, o enfrentamento do racismo e a

    construção de políticas públicas específicas, a construção de categorias como

    etnoeducação e educação própria e a problematização da branquitude que Castro-

    Gómez (2010) chama de “dispositivo de blancura” com o qual devemos romper.

    Noventa e dois (92) textos constituem o universo do material analisado no GT

    Educação e Relações Étnico-Raciais, sendo que 63 foram pré-selecionados e 18

    alocados na categoria central sendo que a totalidade deles é voltada ao protagonismo e

    empoderamento dos sujeitos, portanto, há um destaque da categoria “sujeitos e atores”

    do Mapa Conceitual com qual vimos operando. No entanto, nesse GT os trabalhos

    alcançam as quatro categorias do Mapa.

    A maioria dos trabalhos centrais lida com a “identidade negra” de crianças, jovens

    e adultos em suas interrelações dentro e fora dos espaços formais de educação, mas a

    “identidade indígena” também é trabalhada nesse GT. Os artigos trazem para o centro

    do debate a interface da valorização de identidades subalternizadas histórica e

    socialmente com o caráter da insurgência de sujeitos sociais, bem como a abordagem de

    diferentes perspectivas epistemológicas e políticas. Esta dimensão não apenas

    valorativa, sobretudo, de reconhecimento dos sujeitos Outros (Walsh, 2012), enquanto

    sujeitos epistêmicos perpassam todos os trabalhos do GT. Neste sentido, chamam

    atenção para os diferentes processos de subjetivação e para as lutas protagonizadas nas

    esferas públicas e sociais. É possível dizer que o GT opera o tempo todo com a noção

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11031ISSN 2177-336X

  • 23

    de cultura em seus diferentes sentidos, a noção de cultura tende a ser considerada como

    uma das categorias centrais indispensáveis para dar inteligibilidade ao mundo desde a

    “virada cultural” (Hall,1997), o que se reflete no âmbito das políticas públicas

    educacionais, trazendo implicações políticas e epistemológicas, tal como podemos

    observar nos trabalhos, tanto na análise da categoria políticas públicas quanto na

    categoria conhecimentos. Os textos explicitam a hierarquização dos conhecimentos ao

    refletirem sobre a lógica ocidental na qual a escola foi/é pensada, os saberes

    privilegiados em seus currículos, as diferentes nuances dos processos de exclusão e

    invisibilidade de tudo aquilo que é produzido do outro lado da linha abissal (Santos,

    2010). Os trabalhos destacados, de forma geral, apontam para a necessidade de

    rompermos com uma lógica monocultural e homogênea de educação e fazer

    pedagógico. Problematizam as práticas docentes pautadas na uniformização e

    padronização dos conhecimentos. Afirmam a importância do cotidiano, da leitura de

    mundo dos diferentes sujeitos sociais e de um repertório pedagógico contra-

    hegemônico, que vise combater todo tido de preconceito e discriminação, valorizando e

    respeitando as diferenças.

    Koff em trabalho apresentado no ENDIPE de 2012 fez observações acerca dos

    trabalhos centrais deste GT ainda plenamente válidos:

    Vários autores presentes neste GT ressaltaram as contribuições do

    multiculturalismo crítico/intercultural para a formação de professores,

    a construção de novos saberes e para se pensar em um currículo que

    valorize os diferentes conhecimentos, saberes, vivências e

    experiências dos diferentes grupos culturais. Assinalaram também a

    sua importância na perspectiva da desconstrução do enfoque

    monocultural da prática educacional e na construção de uma

    abordagem que reconheça e valorize a diversidade cultural, as

    diferentes identidades e a construção de uma educação justa,

    democrática e que luta contra todas as formas de discriminação e

    desigualdade social (Koff, 2012, 002170).

    Dos 76 trabalhos apresentados no período objeto de nossa análise, no GT Gênero,

    Sexualidade e Educação 15 foram pré-selecionados (2– enfoque secundário e 13-

    indícios) e nenhum trabalho foi interpretado/categorizados como central. Pudemos

    perceber que o diálogo, a relação que marca a perspectiva da interculturalidade esteve

    pouco presente nos trabalhos analisados. Em geral, os textos focalizam a necessidade de

    reconhecimento de identidades específicas referidas às questões de gênero e

    sexualidade, assim como ao enfretamento de processos de discriminação e preconceito.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11032ISSN 2177-336X

  • 24

    Todavia, não trabalhavam as relações entre os diferentes sujeitos como foco central de

    suas reflexões.

    Foi somente nessa pesquisa que fizemos o levantamento e análise dos próximos

    dois GTs. No caso GT Educação Ambiental, dos 68 textos que analisamos, 16 foram

    pré-selecionados e 4 indicados como centrais.

    Interessante notar que os 4 textos se concentram na problematização do

    conhecimento científico hegemônico e na valorização de conhecimentos populares ou

    tradicionais e dos sujeitos que os produzem como os mestres canoeiros durante a feitura

    de canoas no pantanal mato-grossense ou os sujeitos “conhecedores de plantas”.

    Problematizam a estrutura produtiva atual e como ela se perpetua e legitima a partir do

    entendimento da natureza que convém à cultura hegemônica e ao capitalismo. A ideia

    de desenvolvimento ligada ao crescimento, ao aumento de ganhos de capitais tornou-se

    uma lógica difícil de ser superada a despeito de toda degradação gerada até aqui. Desta

    maneira, na questão ambiental, a legitimação e visibilidade de outros conhecimentos

    não pautados pela racionalidade técnico-científica, mas em outras lógicas nas quais a

    natureza é entendida de forma mais integrada ao homem, sendo este, parte indissociável

    dela, poderiam inspirar novas maneiras de ordenar os usos e apropriações dos bens

    naturais. A escola neste contexto, não é capaz de resolver a crise ambiental sozinha,

    pois não pode reconfigurar estruturas sociais degradantes do ecossistema determinadas

    pelo modelo capitalista atual de desenvolvimento. Mas teria uma importante função, a

    de formar integralmente cidadãos autônomos, críticos e capazes de fazer escolhas

    conscientes e sustentáveis, valorizando o diálogo com os saberes locais e as identidades

    dos diferentes sujeitos. Sendo assim, consideramos que a perspectiva da educação

    intercultural crítica tem importantes contribuições para o campo da educação ambiental,

    sobretudo porque coloca em destaque as relações entre a natureza e a estruturação

    econômica e política do país.

    Por fim, o GT Educação e Arte, existente a partir de 2009. No período

    pesquisado apresentou 77 trabalhos, 18 foram pré-selecionados e 3 indicados como

    centrais sendo 2 textos teóricos, conceituais e 1 relato de experiência.

    O campo do ensino de Artes se nos mostrou bastante heterogêneo. Embora

    poucos, os artigos centrais tangem as tensões e conflitos que emergem em torno das

    questões identitárias de mulheres, suburbanos, jovens, “pichadores” e “funkeiros” e

    histórias de vida de sujeitos inferiorizados/subalternizados que lutam por afirmação e

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11033ISSN 2177-336X

  • 25

    visibilidade quando confrontados com o establishment social e a estética por ele

    autorizada. Os 3 trabalhos propõem o enfrentamento de preconceitos, discriminações

    e estereótipos dentro e fora da escola, questionam a belas artes, a estética acadêmica, o

    pensamento moderno, disciplinar e racionalista que ainda impregna o ensino da arte

    acolhendo infidelidades, imperfeições e incompletudes que se chocam com a lógica da

    perfeição e harmonia do status quo. Por outro lado, defendem um ensino da arte que

    subverta o conhecimento disciplinar definido pelo conceito de arte pura em nome de

    uma concepção de ensino da arte contemporâneo em que saberes artísticos se

    apresentem atravessados por histórias de vida (experiências de atelier conjugadas com

    experiências de vida). Ou seja, trabalhar com o conceito de arte expandida que significa

    ir além das cores, formas, texturas, elementos gráficos e composicionais das obras dos

    artistas, a fim de estabelecer interlocuções entre a arte (principalmente a arte

    contemporânea) e outras áreas de conhecimento e temas do mundo atual.

    Considerações Finais

    Estamos atentos aos limites que trabalhos qualitativos como o nosso têm ao

    construir categorias que servem como instrumentos de análise e sem nenhuma

    pretensão, portanto, de assumir dimensões absolutas e definitivas. O seu potencial

    analítico consiste justamente na explicitação dos critérios utilizados na sua construção, o

    que, se por um lado, torna possível identificar os seus limites e fragilidades, por outro,

    garante uma base de rigor metodológico para a realização de um trabalho desse tipo.

    É possível afirmar após nosso trabalho de levantamento, análise e categorização

    dos textos apresentados nos GTs da ANPED no período 2009-2013 que a perspectiva da

    interculturalidade com a qual operamos aqui, ainda é pouco significativa na produção

    acadêmica que definimos como significativa, isto é, ainda é pouco incorporada,

    articulada e propugnada pela vasta parcela daquilo que poderíamos nomear como

    campo da pesquisa em educação.

    Autoras como Leite (2006) e Koff (2012) que se debruçaram sobre os trabalhos

    dos GTs ANPED, esquadrinhando-os por um período de 14 anos ao todo, já alertaram

    que a educação intercultural crítica “tem uma significativa trajetória para percorrer e

    vários desafios para vencer no que se refere à sua incorporação e desenvolvimento no

    contexto educacional, de um modo mais efetivo e abrangente” (Koff, 2012, 002178).

    De um total de 699 textos analisados, 181 foram pré-selecionados, o que

    representa 25.9% do total e apenas 40 artigos, isto é, 5.7% do universo dessa produção e

    segundo nossos critérios, tratavam do tema de forma central.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11034ISSN 2177-336X

  • 26

    Tal fragilidade foi constatada especialmente nos GTs de Gênero, Sexualidade e

    Educação, Didática, Formação de Professores e Currículo. No GT de Formação de

    Professores, de 104 trabalhos analisados há apenas 1 destacado como central. Chama a

    atenção que somados os GTs Didática, Currículo e Formação de Professores

    encontramos somente 8 trabalhos categorizados como centrais, o que representa apenas

    20% do total, o que consideramos grave quando diferentes pesquisas demonstram o

    acirramento da violência na/da escola oriunda de conflitos com sede nas diferenças

    religiosas, de gênero, raciais, homofobia e transfobia. Como é prática no Brasil,

    pensamos que a existência de uma lei (Lei Federal 13.185 de 6 de novembro de 2015-

    “Lei anti-bullying”), poderá sanar situações que dependem de mudança de mentalidades

    e enraizamento na cultura escolar que deveria ser promovidas pelos próprios sujeitos

    escolares, por aqueles que pensam e produzem acerca do “chão da escola”.

    Na outra extremidade temos o GT de Educação e Relações étnico-raciais que

    responde por 19 textos centrais dentre os 40 totais, isto é 45% deles e do total

    apresentado no GT de 92 textos, representa 20.6%. A educação diferenciada, a educação

    voltada aos quilombolas e às etnias indígenas, os desafios da implementação da

    educação para as relações étnico-raciais, as ações afirmativas lá foram problematizadas,

    o que se constituiu num terreno fértil ao debate da interculturalidade em seus aspectos

    éticos, políticos e epistemológicos.

    Do ponto de vista do diálogo teórico encontrado nos textos centrais, aparecem

    com frequência, dentre outros, os autores do campo dos Estudos Culturais, Boaventura

    de Sousa Santos, Frantz Fanon, Paulo Freire, do Grupo Modernidade-Colonialidade,

    especialmente Anibal Quijano, Walter Mignolo e Catherine Walsh, Vera Candau e

    Miguel Arroyo.

    O fato de termos avançado em relação às questões estruturais não apaga a

    realidade de que ainda somos um país de desigualdades sociais severas que demandam

    redistribuição. Nesse contexto, afirmamos que o racismo também se constitui como

    estruturante de uma sociedade iniqua. As muitas diferenças culturais clamam por

    reconhecimento, por uma igualdade na diversidade que só se alicerça com a luta contra

    os estereótipos, discriminações, preconceitos, sexismo e racismo.

    A interculturalidade crítica é prática política alternativa à geopolítica hegemônica,

    monocultural e monorracional de construção do conhecimento, de distribuição do poder

    e de caráter social. Trata-se de uma ferramenta, uma estratégia e uma manifestação de

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11035ISSN 2177-336X

  • 27

    uma maneira “outra” de pensar e agir que se constrói de baixo para cima e que exige

    articulação em suas propostas dos direitos de igualdade com os direitos da diferença.

    Os textos aqui entendidos como centrais quanto à intensidade da incorporação da

    perspectiva da Educação Intercultural contribuem para a (re)construção e o refinamento

    de formas de intervenção na educação formal ou não. Identidades, protagonismos,

    diferentes linguagens, pluralidade epistêmica, práticas comunitárias, reconhecimento

    cultural, redistribuição das riquezas, visibilização de sujeitos e grupos subalternizados

    historicamente, políticas públicas de ação afirmativa, educação diferenciada aparecem

    não só como vocabulário semântico, mas também como horizonte de sentidos nesses

    textos que reconhecemos de grande contribuição ainda que quantitativamente exíguos.

    Bibliografia de Referência

    CANDAU, Vera. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos

    humanos. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, p. 235-250, 2012.

    ____________. (Coord.) Educação Intercultural: contribuições de alguns grupos de

    trabalho da ANPED (2003-2008). Relatório de pesquisa. Departamento de Educação

    PUC-Rio/CNPq, 2009.

    _________. Didática e perspectiva multi/intercultural: a produção dos ENDIPE’S de

    1994 a 2002. In: CANDAU, Vera (org.). Educação intercultural e cotidiano escolar.

    Rio de janeiro: 7Letras, 2006, p.52-73.

    CASTRO-GÓMEZ, Santiago (2010). Historia de la gubernamentalidad. Razón de

    Estado, liberalismo y neoliberalismo en Michel Foucault. Bogotá: Siglo del Hombre

    Editores.

    HALL, Stuart. The centrality of culture: notes on the cultural revolutions of our time.

    In.: THOMPSON, Kenneth (ed.). Media and cultural regulation. London, Thousand

    Oaks, New Delhi: The Open University; SAGE Publications, 1997.

    KOFF, Adélia; A contribuição de grupos de trabalho da ANPED para a construção da

    educação intercultural. In: ALMEIDA, Isabel e Outros. (Org.). Políticas educacionais e

    impactos na escola e na sala de aula. São Paulo: Junqueira & Marin Editores, 2012,

    v.1, p.002166-002178.

    LEITE, Miriam. A perspectiva multi/intercultural na Educação: as Reuniões Anuais da

    Anped (1994-2002). In: CANDAU, Vera Maria (org). Educação Intercultural e

    Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.

    SANTOS, Boaventura; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São

    Paulo; Editora Cortez. 2010.

    ____________. Um discurso sobre as ciências. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11036ISSN 2177-336X

  • 28

    WALSH, Catherine. Interculturalidad crítica y (de) colonialidad: Ensayos desde

    Abya Yala. Quito: Ediciones Abya-yala, 2012.

    YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Educação e Sociedade. São Paulo,

    Campinas, v. 28, n. 101, p. 1287-1302, set./dez. 2007.

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11037ISSN 2177-336X

  • 29

    O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E AS DIFERENÇAS CULTURAIS:

    PRODUÇÕES DA ANPED (2010-2015)

    Ana Paula da Silva Santos

    PUC-RIO e Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias

    Rita de Cassia Silva

    UNISUAM e Secretaria Municipal de Educação do RJ

    O presente artigo teve como objetivo analisar como as diferenças culturais são tratadas

    na produção acadêmica do campo do ensino da Educação Física escolar, buscando

    ênfases e/ou silenciamentos. A afirmação das diferenças de raça, étnicas, de gênero,

    orientação sexual, entre outras, no campo educacional se apresentam cada vez mais

    demandada, desafiando práticas, currículos e concepções pedagógicas. Teoricamente

    entendemos que as diferenças devam ser reconhecidas e tratadas como riquezas

    pedagógicas. Assumimos, para tanto, a perspectiva da interculturalidade crítica para

    fundamentar nossas proposições. Optamos por fazer um levantamento e análise dos

    textos apresentados em 10 Grupos de Trabalho nas Reuniões da ANPED, no período de

    2010 -2015, por considera-los como espaços privilegiados acerca das pesquisas em

    educação. Os GTs selecionados foram os que consideramos fundamentais para a análise

    dos processos escolares – Didática, Educação de crianças de 0 a 6 anos, Formação de

    Professores, Política de Educação Superior, Currículo, Educação Fundamental,

    Educação Especial e Educação de Pessoas Jovens e Adultas. Também optamos por

    selecionar os GTs que, a princípio, consideramos sensíveis à questão das diferenças

    culturais – Educação e Relações Étnico-raciais e Gênero, Sexualidade e Educação. Dos

    948 trabalhos, encontramos 12 relacionados ao ensino da Educação Física escolar. É

    possível afirmar que destes, 6 apresentaram preocupações relacionadas às diferenças

    culturais. Destacamos que o número de artigos indica a frágil produção teórica no

    campo da Educação Física, todavia 50% da produção destacada apresenta indícios para

    a temática das diferenças. Em relação as ênfases, identificamos as questões de gênero e

    étnico-raciais como as preocupações mais evidentes e, no que se refere aos

    silenciamentos, fica visível o fato de que a diferença cultural, mesmo que presente nas

    discussões não é tratada como uma riqueza pedagógica.

    Palavras-chave: Educação Física; Diferença; Interculturalidade

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11038ISSN 2177-336X

  • O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E AS DIFERENÇAS CULTURAIS:

    PRODUÇÕES DA ANPED (2010-2015)

    Ana Paula da Silva Santos

    PUC-RIO e Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias

    Rita de Cassia Silva

    UNISUAM e Secretaria Municipal de Educação do RJ

    Introdução

    Atualmente, diferentes grupos culturais ocupam espaços públicos exigindo a

    garantia de direitos e o reconhecimento de suas identidades. Conflitos, tensões e

    desafios se intensificam na tentativa de, paralelamente, buscar a igualdade e reconhecer

    as diferenças.

    Para Candau (2014, p. 23) “as diferenças socioculturais são componentes

    fundamentais das relações sociais”, atravessando o cotidiano, tanto no que se refere as

    relações interpessoais, quanto entre os diversos grupos culturais e movimentos sociais

    presentes na nossa sociedade.

    A afirmação das diferenças étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosa, entre

    outras, se revela a partir dos mais distintos rituais, saberes, crenças e linguagens. Tal

    problemática se torna visibilizada, principalmente, pelos movimentos sociais, que

    denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, pleiteando igualdade na

    acessibilidade de bens e serviços, bem como no reconhecimento político e cultural

    (CANDAU, 2012).

    No campo educacional, esse conjunto de questões também se apresenta cada vez

    mais evidente, desafiando práticas escolares fundamentadas em concepções modernas

    que priorizam o comum, o uniforme, o padrão, o universal. Neste enfoque, as diferenças

    são silenciadas ou consideradas um problema a resolver.

    Tal evidência também se manifesta no campo da Educação Física escolari, que

    passou a ser questionada a partir dos anos de 1980 o que culminou em um novo modo

    de pensar da área, deslocando a ideia da presença de um corpo biológico para um corpo,

    também, social e cultural. Nesse sentido, a percepção sobre as diferenças culturais

    começou a ganhar espaços de reflexão nas práticas escolares, a partir de um enfoque

    sociocultural (OLIVEIRA e DAOLIO, 2011).

    Deste modo, defendemos neste estudo que as diferenças culturais devem ser

    reconhecidas como riqueza pedagógica, superando a padronização nas práticas escolares

    XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

    11039ISSN 2177-336X

  • 2

    e, como consequência, o apagamento de grupos culturais excluídos historicamente.

    Adotamos para tanto, a perspectiva da interculturalidade crítica (CANDAU, 2014) para

    fundamentar nossas proposições.

    Partindo desse contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar como as

    diferenças são tratadas na produção acadêmica do campo da Educação Física escolar,

    buscando presenças e/ou ausências, ênfase e/ou silenciamento.

    Para tanto, realizamos uma revisão de literatura, acerca da questão, onde

    optamos por fazer um levantamento de textos de comunicações orais apresentados na

    Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), considerado

    como um local privilegiado de discussões a respeito das questões ligadas ao âmbito

    educacional. Buscamos a partir deste levantamento analisar em que medida as

    diferenças culturais são tratadas nas produções acadêmicas no campo da EF escolar.

    Como recorte temporal, foram analisadas as produções no período de 2010 a

    2015 da ANPED, onde selecionamos os Grupos de Trabalho (Gts) que consideramos

    fundamentais para a análise da prática pedagógica na escola básica – Didática,

    Currículo e Educação Fundamental e os Gts que consideramos sensíveis à questão das

    diferenças no campo da EF – Educação e relações étnico-raciais e Gênero, sexualidade e

    educação.

    Deste modo, este estudo se estruturou da seguinte forma: inicialmente

    procuramos discutir algumas questões relacionadas às diferenças no contexto escolar.

    Num segundo momento situamos a perspectiva intercultural crítica, que fundamenta o

    presente trabalho. Terminamos apresentando os resultados referentes a revisão de

    literatura realizada, tecendo breves considerações finais.

    Qual (is) diferença (s) estamos falando?

    Estudos recentes indicam que a relação diferenças culturais e cotidiano escolar,

    vem se tornando como um dos principais debates no cenário educacional (CANDAU,

    2012, 2014; CANDAU e LEITE, 2011; RUSSO e ARAÚJO, 2013; VALENTIM et al

    2010).

    A princípio, consideramos importante destacar sobre qual (is) diferença (s)

    estamos falando. Silva (2000 apud CANDAU, 2012) propõe uma