pró-reitoria de graduação curso de relações internacionais
TRANSCRIPT
Pró-Reitoria de Graduação Curso de Relações Internacionais
Trabalho de Conclusão de Curso
PÊNDULO SUL-AMERICANO: DO CONSENSO DE WASHINGTON ÀS EXPROPRIAÇÕES DE ATIVOS
INTERNACIONAIS NO SÉCULO XXI
Autor: Jean Santos Lima
Orientador: Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida
Brasília - DF
2012
JEAN SANTOS LIMA
PÊNDULO SUL-AMERICANO: DO CONSENSO DE WASHINGTON ÀS EXPROPRIAÇÕES DE ATIVOS INTERNACIONAIS NO SÉCULO XXI
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Relações Internacionais da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial para
obtenção do Título de Bacharel em Relações
Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de
Almeida
Brasília 2012
Monografia de autoria de Jean Santos Lima, intitulada “PÊNDULO SUL-
AMERICANO: DO CONSENSO DE WASHINGTON ÀS EXPROPRIAÇÕES DE ATIVOS
NO SÉCULO XXI”, apresentada como requisito parcial para obtenção de Título de
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, defendida e
aprovada, em 05 de dezembro de 2012 , pela banca examinadora constituída por:
__________________________________________________________
Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida
Orientador
Relações Internacionais – UCB
__________________________________________________________
Prof. Dr. Ironildes Bueno da Silva
Relações Internacionais - UCB
__________________________________________________________
Prof.ª. Ma. Fernanda de Moura Fernandes
Relações Internacionais - UCB
Brasília
2012
Dedico este trabalho à minha família, aos meus
amigos e professores, e àqueles que me desejam
êxito na vida pessoal, acadêmica e profissional.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não poderia ser realizado sem o apoio de minha família, que
mesmo nas horas difíceis me concedeu aquilo que é mais importante: a educação, e
que igualmente me incentivaram a continuar no decorrer da pesquisa e na jornada
acadêmica. Agradeço a Deus por me oferecer perseverança e fé durante a
realização deste trabalho e a ter amigos que me apoiaram durante esta caminhada.
Agradeço também aos meus professores e ao meu orientador, sem os quais não
poderia ter chegado ao fim deste trabalho, pois além do respaldo teórico, me
concederam o apoio necessário para a seu desenvolvimento e conclusão.
“Uma das características dos países subdesenvolvidos é
a contínua busca de bodes expiatórios para explicar as
frustações internas. A demonologia torna-se um esporte
natural para explicar a pobreza. É difícil reconhecer que
a culpa está em nós mesmos e não nos demônios”
(Roberto Campos)
RESUMO
Referência: LIMA, Jean Santos. Pêndulo Sul-americano: do Consenso de
Washington às Expropriações de Ativos Internacionais no Século XXI. 2012. 81
págs. Monografia de Bacharel em Relações Internacionais – UCB, Brasília, 2012
O objetivo central desta monografia é compreender o movimento sul-americano
contrário ao Consenso de Washington no século XXI, desde a década de 1990,
principalmente no tocante à dicotomia ente privatizações e reestatizações, de certa
forma envolvendo um debate na região em torno do neoliberalismo – adeptos de
maior integração aos mercados internacionais e ao internacionalismo -, e o
neopopulismo, que reascende o espírito nacionalista tentando promover o
desenvolvimento por vias genuinamente nacionais, reforçando o nacionalismo
econômico, e promoção de esforços no recrudescimento do papel do Estado na
regulação socioeconômica. Para a compreensão de tal “movimento pendular”, o
enfoque maior é dado à Argentina, Bolívia e Venezuela, os quais produzem,
segundo argumentam, a ruptura mais nítida na política e na economia no século XXI
das medidas implementadas pelos governos anteriores.
Palavras-Chave: Neoliberalismo, Neopopulismo, Consenso de Washington,
Privatizações, Expropriações.
ABSTRACT
The central objective of this paper is to understand the movement in South American
contrary to the Washington Consensus took place in the XXI century, since the
1990s, especially regarding privatization and expropriations dichotomy. It shows
existence of a debate in the region around the neoliberalism - supporters of greater
integration into international markets and to internationalism - and neo-populism,
which highlights the nationalist spirit trying to promote the development of genuinely
national roads, strengthening economic nationalism, promotion and intensification of
efforts in the state's role in regulating socioeconomic. To understand such a
"pendulum move", it focused particularly on Argentina, Bolivia, and Venezuela, which
are considerate to have implemented, the sharpest break in politics and the economy
in the XXI century that measures implemented by previous governments.
Keywords: Neoliberalism; Neopopulism; Washington Consensus; Privatization,
Expropriation.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Aumento da rentabilidade das empresas privatizadas na década de
1990 ...........................................................................................................................44
LISTA DE SIGLAS
ALCA – Acordo de Livre Comércio das Américas
BID – Banco Interamericano do Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CW – Consenso de Washington
FMI – Fundo Monetário Internacional
IED – Investimento Externo Direto
IEE – Institute for International Economics
ISI – Industrialização por Substituição de Importações
IMF – International Monetary Fund
OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PDVSA – Petróleos de Venezuela S/A
TLC – Tratados de Livre Comércio
YPFB – Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos
YPF – Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Argentina
SUMÁRIO
1 Introdução ..................................................................................................... 12
1.1 O Problema e sua importância ....................................................................... 12
1.2 Hipótese .......................................................................................................... 16
1.3 Objetivos ......................................................................................................... 17
1.3.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 17
1.3.2 Objetivos específicos ...................................................................................... 17
1.4 Metodologia .................................................................................................... 17
2 Marco teórico ................................................................................................ 19
2.1 Neoliberalismo e Globalização ....................................................................... 19
2.2 Populismo e Neopopulismo (Conceitos) ......................................................... 20
2.3 A Teoria do Pêndulo de Adam Watson (Adaptação) ...................................... 21
3 DESENVOLVIMENTO .................................................................................... 23
3.1 Revisitando o Receituário do Consenso de Washington ................................ 25
3.2 A Onda de Privatizações de Empresas na América do Sul nos anos 1990 .... 35
3.3 Crises do final dos anos 1990 na América do Sul .......................................... 45
3.4 A Guinada à Esquerda e as Expropriações de Ativos Internacionais ............. 50
3.4.1 Venezuela ....................................................................................................... 53
3.4.2 Bolívia ............................................................................................................. 57
3.4.3 Argentina ........................................................................................................ 59
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 62
Referências .............................................................................................................. 66
ANEXO I.................................................................................................................... 71
ANEXO II................................................................................................................... 72
ANEXO III.................................................................................................................. 73
12
1 INTRODUÇÃO
1.1 O Problema e sua importância
Entre o fim da década de 1990 e a primeira década do século XXI, estadistas
sul-americanos foram eleitos legitimados pela oposição ao receituário do Consenso
de Washington, momento em que boa parte da população estava descontente com
as crises do final da década de 1990, mesmo sem a confirmação da relação causal
entre o CW e as crises. Alguns desses governos na prática não representaram a
ruptura da política econômica dos governos anteriores, a exemplo da política
econômica do governo Lula no Brasil (AYERBE, 2008), que se utilizou da oposição
“retórica” ao Consenso, expressa no Fórum Social Mundial de 2011: “A história não
acabou, e o Consenso de Washington fracassou”. Outro discurso que gerou grande
repercussão internacional proferido pelo então presidente brasileiro, ocorreu em
resposta um jornalista em 2009, sobre a crise de 2008:
A crise foi causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis, que antes pareciam saber de tudo, e, agora, demonstram não saber de nada. (...) Não existe nenhum viés ideológico. Existe a constatação de um fato. Acompanhando os índices econômicos e de desemprego, o que percebemos é que, mais uma vez, grande parte dos pobres do mundo, que ainda não estavam sequer participando do desenvolvimento causado pela globalização, são as primeiras vítimas. Vejo o preconceito que se estabelece contra imigrantes nos países mais desenvolvidos
1.
Apesar do fato de o Brasil não ter formado um opositor na prática a certos
elementos do receituário do Consenso de Washington, mas confrontacionista no
discurso, países como Argentina, Bolívia, Venezuela e Equador - especialmente
após a virada do século XXI, e mais intensamente após a crise de 2008 - têm
adotado políticas econômicas que podem ser consideradas antagônicas às medidas
neoliberais do Consenso. Tais políticas são consideradas por diversos autores e
pela imprensa internacional como neopopulistas ou de esquerda, como
expropriações de empresas, aumento do protecionismo comercial e regulamentação,
recrudescendo consideravelmente o papel do Estado na economia nacional
1 O Globo. Economia. Lula diz que crise é causada por 'gente branca de olhos azuis'.
29/03/2012. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/economia/lula-diz-que-crise-causada-por-gente-branca-de-olhos-azuis-3132357#ixzz2B4vD219g> Acesso em 10/09/2012.
13
(CARVALHO, 2008; RODRÍGUEZ, 2007; VIOLA; LEIS, 2007). Os fatos chamam a
atenção por formarem certa resposta às políticas abraçadas na região na década de
1990, e por mais uma vez demonstrar a vocação latino-americana para um pêndulo
de descontinuidade política e econômica.
Historicamente, a América do Sul (bem como a América Latina) é marcada
por instabilidade e momentos de “crise e renovação”. A década perdida de 1980 e as
sucessivas crises financeiras em efeito dominó em especial no Brasil e Argentina,
colaboraram para a ascensão de governos democráticos, favorecidos pelo apoio
popular para a derrubada dos antigos regimes militares. A dívida contraída pelos
países sul-americanos e os altos juros associados junto às nações desenvolvidas e
às principais organizações internacionais econômicas, originaram um elemento
coercitivo na adoção das medidas do Consenso de Washington, que foram de certa
forma amplamente adotadas (SMITH; BAYLIS; OWENS, 2008, p. 152), como forma
de enfrentar as graves crises econômicas.
Contudo, diversas são as críticas ao Consenso de Washington e sua origem.
Stiglitiz é bastante crítico aos reais interesses dos Estados Unidos na América Latina
frente ao Consenso de Washington. Segundo ele, o país tentava exportar medidas
que até então eram combatidas no plano interno norte-americano como a maior
rigidez da disciplina fiscal (STIGLITZ, 2003). Segundo Souza (2009, p. 125), o
Consenso era uma tentativa de preparar o caminho para a construção de um bloco
econômico nas Américas, conforme proposto pelos presidentes estadunidenses
George H. W. Bush (1989 - 1993) e posteriormente Bill Clinton, com o Acordo de
Livre Comércio das Américas - ALCA2.
Resumidamente, as 10 medidas do Consenso de Washington eram: disciplina
fiscal; uma mudança nas prioridades para despesas públicas; reforma tributária;
liberalização do sistema financeiro; taxa de câmbio competitiva; liberalização
comercial; liberalização da entrada do investimento direto; privatização das
2 Inicialmente chamada pelo governo norte-americano de George H. W. Bush (1989-1993) de
“Iniciativa para as Américas”, a proposta de criação da ALCA tem como objetivo a eliminação paulatina das barreiras alfandegárias no continente americano, bem como a liberalização financeira, originando o que viria a se tornar a maior zona de livre comércio do mundo com 34 países americanos, com exceção de Cuba. Reuniões entre os chefes de Estado da continente foram realizadas a fim de avançar nas negociações, sendo a primeira Cúpula das Américas realizada em 1994 no governo de Bill Clinton e a última e sexta Cúpula realizada em Cartagena na Colômbia em abril de 2012. Contudo, ainda não se chegou a um acordo de criação do bloco continental, o que parece ser um sonho distante.
14
empresas estatais; desregulamentação; e direitos da propriedade assegurados
(WILLIAMSON, 2004).
A oitava e talvez a mais polêmica das medidas propostas seja a privatização
de empresas estatais. Segundo Llosa (2004), ocorreu uma “febre de
privatizações“ na década de 1990 na América do Sul. Diversos setores da economia
foram afetados diretamente pelas privatizações na América do Sul (e Latina), como
a agricultura, manufatura, mineração, abastecimento, energia elétrica, petróleo, gás
e serviços públicos. De acordo com Estache e Trujillo (2004, p.2), na década de
1990 na América Latina “cerca de 1500 companhias públicas foram transferidas ao
setor privado ou, simplesmente, foram fechadas ou declaradas falidas”.
Segundo Dani Rodrik (1997, apud SMITH; BAYLIS; OWENS, 2008, p.136) “a
globalização aumenta a mobilidade do capital, o que torna muito difícil o lucro fiscal
para os governos. Assim, os lucros de recursos energéticos não estão disponíveis
para programas sociais.” O suposto desgaste dos índices sociais, as crises
financeiras do final da década de 1990, más implementações políticas e o
movimento antiglobalização3, contribuíram para o surgimento de governos contrários
ou até mesmo “hostis” aos esquemas de privatização.
O líder de uma suposta revolução socialista do século XXI é o venezuelano
Hugo Chávez, que tenta construir uma coalização sul-americana para desafiar o
poder norte-americano, sua política hegemônica e o modelo do neoliberalismo
ortodoxo (SMITH; BAYLIS; OWENS, 2008, p.136). Conforme matéria divulgada no
site da revista The Economist no dia 14/04/2012: “Most countries in Latin America
are coming to see the United States as less and less relevant to their needs—and
with declining capacity to propose and carry out strategies to deal with the issues that
most concern them”.
Esses governos contrários podem se inserir em um estilo político de ideologia
econômica populista. O populismo, ou neopopulismo (considerando suas
particularidades atuais), não possuem uma definição única e clara, tendo cada autor
3 No final da década de 1990, ocorreram várias crises financeiras internacionais em países
em desenvolvimento ou emergentes, a exemplo de Rússia, Argentina, Brasil e Tigres Asiáticos. Surgiram várias reações internacionais contra aspectos da globalização capitalista, das políticas neoliberais, e da influência dos Estados Unidos no cenário internacional. Um bom exemplo desses movimentos antiglobalização ocorreu no dia 30 de novembro de 1999, na “batalha de Seattle”, quando 40 mil manifestantes confrontaram os líderes do mundo desenvolvido e industrializado na reunião da Organização Mundial do Comércio, em Seattle, para protestar contra as “supostas injustiças da crescente globalização da economia, e às promessas de prosperidade e crescimento econômico” (KARNAL et. al., 2007; PECEQUILO, 2004).
15
uma acepção. O filósofo político Pierre-André Taguieff (apud VÉLEZ-RODRÍGUEZ,
2007) caracteriza o populismo como estilo político no qual o governante atua
baseando-se no carisma e numa contraditória legitimação democrática. Segundo o
autor, o populismo oscila entre o autoritarismo e o hiper-democratismo, bem como
entre o conservadorismo e o progressismo reformista.
Os economistas Dornbusch e Edwards entendem por populismo econômico :
“an approach to economics that emphasizes growth and income redistribution and
deemphasizes the risks of inflation and deficit finance, external constraints, and the
reaction of economic agents to aggressive nonmarket policies” (DORNBUSCH;
EDWARDS, 1991, p. 09). Os autores, defensores do liberalismo e economia de
mercado, lançam a obra “The Macroeconomics of Populism in Latin America” em
1991, onde criticam o excesso de ingerência de governos populistas na economia
nacional, e é possível verificar certas similaridades com políticas do século XXI na
mesma região.
Viola e Leis (2007) criticam veemente o populismo da América do Sul do
século XXI. Para eles, o populismo é uma ameaça à democracia, e a região viveria
em um retrocesso político onde as democracias que não se consolidaram acabaram
sendo substituídas por governos de apelo popular, carismáticos e personalistas, sem
ampliar a cidadania. No âmbito econômico, o autor afirma que “em todas as suas
variantes o populismo sempre foi contrário à economia de mercado. (...) a receita
populista conduz os países ao fracasso por que centraliza todas as decisões
econômicas e políticas” (VIOLA; LEIS, 2007, p. 204).
Umas das medidas econômicas que podem ser inseridas no rol de políticas
de governos defensores da intervenção estatal na economia são as expropriações
de empresas. Tais nacionalizações 4 , principalmente de empresas anteriormente
privatizadas nos anos 1990, podem ser consideradas a materialização política mais
nítida da suposta contrarreposta ou onda reversa às medidas do Consenso de
4 “Referidas intervenções estatais não recebem uma definição comum, mas normalmente os
vocábulos a seguir são utilizados dentro desse âmbito: Expropriação: em amplo sentido uma tomada da propriedade pelo Estado cujo título pertencia a outrem; Confisco: normalmente refere-se a uma expropriação sem compensação, uma sanção; Nacionalização: refere-se a uma transferência da propriedade privada para o exercício de alguma forma de propriedade pública; e, Sequestro: modalidade de restrição da propriedade instituída pelo Poder Público em razões específicas e, em regra, não definitiva, tal como a requisição por motivos de segurança pública, ocupação temporária, entre outros” (ANDRADE, Thiago Pedroso de. Expropriação no Direito Internacional do Investimento: Ponto de vista do Direito Brasileiro. Dissertação apresentada na Universidade Católica de Santos,. Santos, 2008, p. 85-86).
16
Washington e ao neoliberalismo. Além de representarem um sentimento nacionalista
e, de certa forma, anti-internacionalista, tais estatizações contradizem diretamente
pelo menos três medidas propostas pelo Consenso: liberalização da entrada de
investimento direto, privatização das empresas estatais e direito de propriedades
assegurados. Em razão disso, os episódios de expropriações de empresas
receberão um destaque relevante na pesquisa.
As políticas de expropriações são arduamente criticadas pelos Estados
Unidos, pela União Europeia e pelos investidores internacionais, pois tais ações
geram insegurança jurídica e supostamente possuem caráter estritamente político.
Além da compreensão de tais políticas, o entendimento das bases do Consenso de
Washington, o contexto em que se encontram atualmente os países sul-americanos,
a ascensão de governos neopopulistas no século XXI, e a descrição e análise de
políticas nacionalistas sul-americanas contrárias às reformas liberalizantes dos anos
1990, são importantes para a compreensão do pensamento político econômico sul-
americano atual, compreender o retorno da suposta “onda reversa” na região, e
torna-se grande contribuição de estudo no campo da economia política internacional.
Problema de Pesquisa
De que forma ocorreu o processo de ascensão de governos a favor do
recrudescimento do Estado na economia na América do Sul no século XXI, e qual os
eventuais reflexos do Consenso de Washington e privatizações de empresas da
década de 1990 nessa ascensão?
1.2 Hipótese
Nos anos 1990, houve um movimento de redução do Estado, forte
liberalização econômica e desregulamentação na América do Sul, que não gerou o
resultado esperado em termos socioeconômicos. Os países sul-americanos – em
especial, Argentina, Venezuela e Bolívia – são caracterizados por possuírem
instabilidade política e dificuldade no ordenamento econômico. A hipótese é a que
de que no século XXI, os países da região (em diferentes níveis) rebateram o
processo neoliberal e certas medidas do Consenso de Washington em “efeito
17
dominó” com ascensão de políticos neopopulistas, avanço do nacionalismo e
recrudescimento do papel do Estado na economia, evidenciados pelas
expropriações de empresas de participação de capital estrangeiro.
1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo Geral
Compreender o processo de ascensão de governos sul-americanos a favor do
recrudescimento do Estado na economia, ocorrido no início do século XXI -
sobretudo na Argentina, Bolívia e Venezuela -, e checar a existência de eventuais
reflexos do Consenso de Washington e as privatizações de empresas de fins do
século passado nessa ascensão.
1.3.2 Objetivos específicos
Expor e analisar o Consenso de Washington e descrever brevemente a sua
aplicação na América do Sul na década de 1990, especialmente a onda de
privatizações de empresas;
Descrever os resultados das crises do final da década de 1990 e checar uma
eventual relação entre com o processo de ascensão de governos contrários a
políticas econômicas de mercado na América do Sul;
Identificar e analisar as principais medidas político-econômicas
implementadas na região contraditórias às medidas neoliberais, em especial
na Argentina, Bolívia e Venezuela, com destaque para as estatizações de
empresas;
1.4 Metodologia
Objetivando a melhor coleta de dados e informações, bem como relacioná-
las e analisá-las, de forma a alcançar os resultados esperados, o presente trabalho
utilizou o método de pesquisa analítico-descritiva. A base explicativa foi teórica, com
18
estudo da bibliografia, e empírica com produção e coleta de dados e devida
interpretação (DEMO, 2000, p. 166).
A pesquisa foi realizada de forma quali-quantitativa. Qualitativa no que se
refere a efeitos das reformas neoliberais na América do Sul e análise dos discursos
políticos e seus aspecto histórico-descritivo. Quantitativa na captação de dados
econômicos e sociais dos efeitos do Consenso de Washington na região, nos dados
estatísticos das privatizações e expropriações de empresas.
Foram utilizadas fontes bibliográficas como livros, artigos científicos, e outros
meios de informação encontrados em periódicos. Debates televisivos de cunho
jornalístico e acadêmico com especialistas, também foram utilizados como
agregadores de conteúdo à pesquisa.
Considerando a análise de Bierrenbach (2007) e sua divisão proposta sobre
o Consenso de Washington, o autor divide as medidas em duas categorias: as cinco
primeiras - disciplina fiscal; uma mudança nas prioridades para despesas públicas;
reforma tributária; liberalização do sistema financeiro, e taxa de câmbio competitiva -
referem-se à estabilização econômica, ou seja, podem ser de caráter temporário
para reajustamento das economias. As outras cinco medidas - liberalização
comercial; liberalização da entrada do investimento direto; privatização das
empresas estatais; desregulamentação; e direitos da propriedade assegurados -
são descritas como políticas que preveem a diminuição da ingerência do Estado na
economia. Destas cinco últimas, duas medidas são mais polêmicas: liberalização
comercial e privatizações de empresas (GIAMBIAGI; ALMEIDA, 2004). A presente
pesquisa foi concentrada nas privatizações de empresas estatais, considerando a
sua maior contradição às expropriações de empresas no século XXI e a correlação
com os direitos de propriedade. De maneira geral, as 10 medidas detêm uma
correlação. O trabalho é composto de três partes.
Na primeira parte do trabalho faz-se um breve relato histórico da América do
Sul e a descontinuidade política e econômica na região. Em seguida é dado o
enfoque conceitual e descritivo das medidas do Consenso de Washington, revisando
suas medidas e destacando a importância das privatizações de empresas estatais
ineficientes no contexto da época do Consenso. São utilizadas como fontes
principais as obras de Williamson (1990) da época da formulação do Consenso, e
artigos mais atuais de Giambiagi e Almeida (2004) e de Symoniak (2011), estes que
fazem uma revisão das medidas e destacam sua importância atual.
19
A segunda parte compreende relata a onda de privatizações da década de
1990 na América do Sul, os erros cometidos, e as consequências de tais políticas
somadas às demais medidas do Consenso e eventuais diferenças notáveis de
aplicação entre os países da região. Nessa seção, busca-se compreender o a
aplicação de medidas relacionadas ao CW e correlacioná-las aos presidentes mais
centralizadores do poder do Estado na economia no século XXI no subcontinente.
A terceira parte apresenta dados e a situação econômica dos países da
América do Sul – principalmente Argentina, Bolívia e Venezuela -, e relata o contexto
no qual surgem governos no século XXI de ruptura da política econômica anterior da
década de 1990.
A quarta seção (na qual se aborda de fato o terceiro objetivo específico)
aborda as principais políticas nacionalistas, populistas, e de fortalecimento do papel
do Estado na economia, e em especial, as expropriações de ativos internacionais
que podem ser consideradas uma evidência de tal fato. Visto que tal política não é
de comum a todos os países, nesta seção são estudados com maior abrangência e
profundidade os casos de Argentina, Bolívia e Venezuela. Embora o Equador faça
parte de tal onda de expropriações, não foi dada ênfase neste país como nos três
anteriores.
2 MARCO TEÓRICO
2.1 Neoliberalismo e Globalização
A aplicação teórica neoliberal no tema do presente trabalho é de muita
relevância. Ao defender o livre comércio e ao papel das instituições internacionais, a
teoria defende uma economia mais livre de controle estatal, com transparência
política, e facilitação das trocas comerciais. Ou seja, certo combate ao protecionismo,
que seria uma forma de entrave às boas relações entre os Estados e gerador de
conflitos. A teoria destaca o papel das organizações internacionais no seu papel em
auxiliar na cooperação dos Estados.
Como teoria de economia política internacional, Williams (2011) relata que o
neoliberalismo econômico relata que o mercado pode produzir resultados sociais
desejáveis. Para isso, o governo deve evitar a utilização de mecanismos
20
interventores, não devendo efetuar o controle de preços, nem barreiras comerciais, e
sim, prezar pela boa governança. Assim, a sociedade se beneficiará das benesses
da modernidade e da globalização.
Há de fato uma correlação entre o neoliberalismo econômico e intensificação
dos efeitos da globalização. Em contraste com as críticas contra esses efeitos,
Baylis, Smith e Owens (2010) em seu livro “The Globalization of World Politics”
relatam os benefícios da globalização reconhecidos pelos neoliberais. Seus
defensores acreditam que aqueles que lutam ou insistem em se fechar aos seus
processos sofrem de fobia global e deixam de adquirir os benefícios da economia
global e internacionalizada. Os autores abordam quatro fatores relevantes da
globalização e seus impactos nos países em desenvolvimento:
1. Com a globalização da economia, mais produtores de um
determinado país podem tirar proveito de mercadorias, processos de
produção e mercados em outros países;
2. A globalização incentiva a difusão do conhecimento e tecnologia,
aumentando as oportunidades de crescimento econômico mundial;
3. Os países em desenvolvimento ao se adequarem às diretrizes
neoliberais obterão uma maior disponibilidade de empréstimos
internacionais apara o crescimento econômico;
4. Quarto, a diminuição das barreiras comerciais e a redução do papel
do governo na tentativa de gerir sua economia, fazem com que
diminua as chances de corrupção e interferência política.
Ademais, a globalização incentiva uma maior integração econômica ente os
agentes públicos e privados na economia (BAYLIS, SMITH, OWENS, 2008, p.137).
2.2 Populismo e Neopopulismo (Conceitos)
Conforme relatado, o populismo, ou neopopulismo (considerando suas
particularidades atuais) não possuem uma definição única e clara, tendo cada autor
uma acepção, e ainda há um debate polêmico em torno de sua definição e
caracterização dos regimes políticos. Contudo, o filósofo político Pierre-André
Taguieff (apud VÉLEZ-RODRÍGUEZ, 2007) caracteriza o populismo como estilo
21
político no qual o policymaker possui muita discricionariedade de atuação e
baseando-se uma falsa legitimação:
“O populismo, oscilando entre o autoritarismo e o hiper-democratismo, bem como entre o conservadorismo e o progressismo reformista – não poderia ser considerado nem como uma ideologia política, nem como um tipo de regime, mas como um estilo político, alicerçado no recurso sistemático à retórica de apelo ao povo e à posta em marcha de um modelo de legitimação de tipo carismático, o mais adequado para valorizar a mudança. É justamente porque se trata de um estilo, uma forma vazia preenchida do seu jeito por cada líder, que o populismo poder ser posto aos serviços de objetivos antidemocráticos, bem como de uma vontade de democratização.” (TAGUIEFF, 2007, apud VÉLEZ 2008, p. 02)
Em 1991, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards, defensores do
liberalismo e economia de mercado, criticam a histórica macroeconomia latino-
americana do populismo, de despreocupação com os constrangimentos externos
que tais políticas possam causar:
Latin America’s economic history seems to repeat itself endlessly, following irregular and dramatic cycles. This sense of circularity is particularly striking with respect to the use of populist macroeconomic policies for distributive purposes. Again and again, and in country after country, policymakers have embraced economic programs that rely heavily on the use of expansive fiscal and credit policies and overvalued currency to accelerate growth and redistribute income. In implementing these policies, there has usually been no concern for the existence of fiscal and foreign exchange constraints. (DORNBUSCH, EDWARDS, 1991, p. 01)
Depois de mais de 20 anos da publicação de “The Macroeconomics of
Populism in Latin America” dos autores acima citados, podem ser identificadas
certas políticas semelhantes no século XXI na América do Sul. Dentre essa políticas
estariam o enfoque político no crescimento e redistribuição de renda, sem se
preocupar intensamente com constrangimentos externos e com a reação de agentes
econômicos às políticas nacionalistas, o que se denomina um “populismo
econômico”.
2.3 A Teoria do Pêndulo de Adam Watson (Adaptação)
O historiador inglês Adam Watson descreve a pendulum theory e a
exemplifica no contexto da ordem nas diversas sociedades internacionais ao longo
da história em seu livro “The Evolution of International Society: A Comparative,
Historical Analysis (1992)”. O autor descreve que o pêndulo internacional oscila
entre sistemas complexos opostos. O sistema internacional de Estados se move
22
entre um sistema hegemônico, onde prevalece a coerção e o domínio, a um sistema
de diversas independências e multiplicidades nacionais. Da hierarquia (império
absoluto) à anarquia (independência absoluta) (WATSON, 1992). Esses extremos
são raros e difíceis de serem alcançados, e os sistemas ocupam uma posição entre
os dois pontos-finais, pois o pêndulo não permanece estático. A presente pesquisa
não analisará o pêndulo de forma à manutenção da ordem internacional conforme
Watson descreve, mas sim, uma adaptação, o movimento regional entre orientações
político-econômicas distintas.
A América do Sul “pendulou” entre vários extremos em sua história:
esquerda – direita; ditadura militar – democracia; liberalismo – desenvolvimentismo;
neoliberalismo – nacional-desenvolvimentismo; abertura comercial – protecionismo
comercial; regimes não “carismáticos” e não distributistas – neopopulismo;
privatizações – estatizações. É intenso o pêndulo entre a diminuição do Estado na
economia latino-americana na década de 90 com a aplicação das medidas
neoliberais e fundamentalistas de mercado, o recrudescimento do Estado na
economia da região no novo século. Como um sistema dificilmente permanece em
um dos extremos, o recrudescimento estatal com o neopopulismo regional apresenta
certos pontos como herança dos anos 90 como a considerável liberdade de entrada
de investimentos internacionais na região.
A movimentação do pêndulo à maior ingerência estatal na economia e à
corrente neopopulista de governo seria uma contrarresposta à hegemonia
dominante, à ingerência norte-americana e das instituições financeiras internacionais
na região. Talvez esse lado do pêndulo sul-americano seja uma reafirmação da
soberania nacional e de independência externa, um choque contra a globalização.
No movimento de oscilação pendular, as crises internacionais exerceriam papel
fundamental, pois é a partir delas que se iniciam grandes reformas e crescimento
dos movimentos sociais por mudança na política e na economia nacional.
23
3 DESENVOLVIMENTO
Breve Histórico Sul-Americano de Descontinuidade Político Econômica
Historicamente, a América do Sul é marcada por períodos de descontinuidade
política e econômica, assim como “movimentos” rápidos e em cadeia. Esses
movimentos ou oscilações são por diversas vezes explicitamente opostos às
situações anteriores, não os configurando como ajustes, mas como revoluções ou
completas reformas. Entretanto, o surgimento de crises econômicas ou grandes
choques políticos - pontos determinadores das mudanças-, fizeram com que
retornassem movimentos e políticas anteriormente derrubados, originando assim um
ciclo, ou um pêndulo vicioso, momentos de “crises e renovações”.
Na primeira metade do século XX, boa parte dos países sul-americanos
passou por restrições cambiais, mercados foram fechados, e ocorreu um
crescimento do protecionismo, sob o pretexto de geração de insumos para o
desenvolvimento nacional e industrialização. Para isso, adotaram o sistema de PSI -
Política de Substituição de Importações5, de forma a impulsionar a industrialização e
produção de bens nacionais. Cabe destacar que, em contraste com tal pensamento,
Llosa (2004) descreve que os países ricos não se desenvolveram por meio da
industrialização, pois isso foi consequência e não a causa do desenvolvimento.
Muitas nações ocidentais já se desenvolviam quando a economia seguia um sistema
baseado na agricultura. Ademais, “Importar bienes de capital para aumentar la
inversión, o invertir la ayuda exterior en la industria local, no produce desarrollo a
menos que las causas del desarrollo – las instituciones del capitalismo liberal –
estén en su lugar” (LLOSA, 2004, p. 109).
A década de 1960 e 1970 foi marcada pela ascensão de regimes militares,
muitos deles apoiados pelo governo norte-americano, de forma a conter o
comunismo crescente na região. Brasil, Uruguai, Chile e Argentina demonstraram
certa repressão ao movimento popular, da estrutura sindical e da esquerda
organizada, bem como qualquer oposição às novas estruturas econômicas
5 A substituição de importações foi um conceito elaborado por economistas da CEPAL
(Comissão Econômica Especial para a América Latina e Caribe) para designar um processo interno de desenvolvimento, estimulado por desequilíbrio externo e que resulta na dinamização, crescimento e diversificação do setor industrial. Portanto, é mais que a produção local de bens tradicionalmente importados (NOVÍSSIMO DICIONÁRIO DE ECONOMIA, 1999, p. 581).
24
(VIZENTINI, 2010). Esses regimes perdurariam até a década de 1980, a década
perdida, marcada pela estagnação econômica latino-americana e deterioração dos
indicadores sociais, com aumento do desemprego e hiperinflação. Stiglitz (2003)
sintetiza os dados hiperinflacionários da região nesse período:
Argentina, Bolivia, Brazil, Chile, Peru, and Uruguay together experienced an average annual inflation rate of 121 percent between 1970 and 1987. One true hyperinflation occurred during this period. In Bolivia, prices increased by 12.000 percent in 1985. In Peru in 1988, a near hyperinflation occurred as prices rose by about 2.000 percent for the year, or by 30 percent per month
6
(STIGLITZ, 2003, p. 343).
O pêndulo se moveu novamente, agora com as eleições de governos
democráticos (embora essa transição democrática tenha sido preparada pelos
próprios governos militares no caso do Brasil). Ficou evidente o colapso do modelo
econômico adotado nos regimes militares na região, baseados no keneysianismo e
desenvolvimentismo, com forte intervenção estatal, além de certo protecionismo
econômico (FRANCO, 2010). Mais uma vez, os EUA seriam fundamentais no
processo de transição democrática e na volta do pêndulo latino-americano, agora,
ao modelo econômico neoliberal.
Llosa critica abertamente o nacionalismo econômico, que segundo ele, foi o
principal causador da crise da década perdida na América do Sul. Para o autor, “La
crisis de los 80’s rompió el hechizo del nacionalismo económico, cuyo fracaso
llevaba mucho tiempo incubándose”. (LLOSA, 2004, p. 87). A suspensão de
pagamentos foi o fim senão o início da crise da década perdida, seguida da
desvalorização e com ela a hiperinflação. A política de substituição de importações
também não logrou os objetivos propostos:
La década de 1980, desmintió, con ironía, los presupuestos esenciales del nacionalismo económico. Entre ellos, el principal: la idea de que, por una parte, los países subdesarrollados reducirían su dependencia respecto de ciertas importaciones y, por otra, achicarían y hasta eliminarían su dependencia respecto de las exportaciones de materias primas. Los países latino-americanos no redujeron sus importaciones de manera significativa y siguieron dependiendo de las divisas. Ése fue el caso del Brasil, por ejemplo, cuyas importaciones disminuyeron, como proporción del PIB, muy modestamente en relación con los niveles anteriores a la política de sustitución de importaciones, aun cuando la composición de lo que se importaba sufrió variaciones. (LLOSA, 2004, p 87).
6 Dados disponíveis em: www.econlib.org/library/Enc/Hyperinflation.html.
25
3.1 Revisitando o Receituário do Consenso de Washington
Após a queda das ditaduras militares7, décadas de autoritarismo e estratégias
de desenvolvimento voltadas ao mercado interno, a globalização se intensificou, e
trouxe consigo efeitos liberalizantes à América do Sul. Logo após o fim da Guerra
Fria, os governos latino-americanos foram aconselhados a adotarem políticas
supostamente neoliberais, ou reformas fundamentalistas de mercado (RODRIK,
2006), para solucionarem suas sucessivas crises econômicas. Essas políticas foram
apresentadas em 1989 numa conferência do Institute for Intemational Economics -
IIE, em Washington, que a princípio, consistia em reuniões informais compostas por
funcionários do governo norte-americano e organismos financeiros internacionais
como o Fundo Monetário Internacional - FMI, Banco Mundial - BM e Banco
Interamericano de Desenvolvimento - BID, de forma a avaliar reformas econômicas a
serem implantadas na região (BATISTA, 1994).
Tais medidas foram adotadas como imposições na negociação das dívidas
externas dos países latino-americanos por parte dos Estados Unidos, e acabaram se
tornando o modelo do FMI e do Banco Mundial para outras regiões, como a Ásia.
John Williamson, conselheiro e pesquisador sênior do IIE, na mesma conferência
criou a expressão “Consenso de Washington” e apresentou, grosso modo, 10
reformas específicas:
Cinco medidas que objetivam um processo de estabilização econômica com
políticas fiscais e ortodoxas, em que o mercado desempenha um papel
fundamental (BIERRENBACH, 2007, p 18):
1. Disciplina fiscal;
2. Uma mudança nas prioridades para despesas públicas;
3. Reforma tributária;
4. Liberalização do sistema financeiro;
5. Uma taxa de câmbio competitiva;
Outras cinco medidas como meios para a redução do tamanho e do papel do
Estado na economia (BIERRENBACH, 2007, p 18):
6. Liberalização comercial;
7 Exemplos: Argentina de 1976 a 1983; Bolívia: Hugo Banzer de 1971 a 1978; Brasil de 1964
a 1985; Chile: Pinochet de 1973 a 1990; Equador de 1972 a 1979; Peru de 1968 a 1980; Paraguai: Stroessner de 1954 - 1989; Uruguai de 1973 a 1985.
26
7. Liberalização da entrada do investimento direto;
8. Privatização das empresas estatais;
9. Desregulamentação;
10. Direitos da propriedade assegurados.
Giambiagi e Almeida (2004), defensores do livre mercado fornecem
argumentos contrários aos críticos do Consenso de Washington. Uma das principais
críticas apresentadas pelos autores é a de que os críticos pouco apresentam
políticas alternativas, ou quando apresentam, são inviáveis ou inconsistentes. Os
autores remetem a Castelar Pinheiro (2003), declarando que o fato de o Consenso
não ter gerado os resultados esperados pode ser passível de três interpretações: a
de que as reformas pecaram em profundidade, a não existência de uma segunda
geração de reformas, e/ou a falta de intepretação da singularidade de cada país.
É importante considerar o contexto sul-americano. Havia entrado em colapso
o modelo de centralização do Estado na economia e desenvolvimento baseado na
substituição de importações. Experiências hiperinflacionárias tomavam conta de
Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, com déficits públicos extremamente elevados para
os padrões internacionais. Um terceiro fator era o da alta proteção da economia
nacional, com baixos índices de importação (ALMEIDA, 2004).
A seguir, explana-se a importância de cada uma das medidas do Consenso
de Washington, e sua interligação mútua, com destaque às privatizações de
empresas estatais. Utiliza-se a análise dos termos da discussão da época com uma
correlação de sua importância na atualidade.
Disciplina Fiscal
A disciplina fiscal era fundamental para ajudar a sanar o contexto de alto
endividamento sul-americano da década de 1980. Como relatado por Almeida (2004,
p. 10), “pode-se discutir se essa disciplina significava ter um resultado fiscal
estritamente equilibrado ou apenas um déficit modesto, mas certamente implicava
reduzir os déficits a níveis substancialmente inferiores aos da época”. Altos e
contínuos déficits fiscais contribuem para a inflação e fuga de capitais (SYMONIAK,
2011).
27
Mudança nas Prioridades das Despesas Públicas
A disciplina fiscal requer duas situações: a diminuição dos gastos públicos,
coeteris paribus, ou o aumento dos ingressos fiscais públicos sem o aumento em
proporção maior dos gastos públicos. Ou seja, a reorientação dos gastos públicos
e/ou o aumento da receita pelo governo. Williamson (1990) identificava cinco áreas
que mereciam maior atenção e discussão quanto às despesas públicas: gastos
militares, administração pública, subsídios, educação e saúde, e investimentos
públicos em infraestrutura.
Williamson (1990) destaca que os subsídios, principalmente subsídios
indiscriminados (incluindo subsídios para cobrir perdas de empresas estatais),
seriam os principais candidatos para serem eliminados ou reduzidos na preferência
nos gastos públicos. O autor reconhece que há circunstâncias em que
cuidadosamente as subvenções específicas podem ser um instrumento útil, desde
que seja favorável à melhoria de alocação de recursos e distribuição de renda,
desde que explicitamente justificados pelo governo.
Diversos autores relatam uma suposta negligência do Consenso de
Washington com os setores ditos sociais. Entretanto, Williamson reconhecia a
importância e a essencialidade dos gastos públicos em educação e saúde,
“proposição que dificilmente encontraria oposição da imensa maioria do espectro
político de quase todos os países da América do Sul” (ALMEIDA; GIAMBIAGI, 2003).
Esses gastos possuem um caráter de investimento (em capital humano), além do
potencial de ajudar os desfavorecidos. Williamson destaca a educação primária
como mais relevante do que a educação universitária, e sugere maiores cuidados
com saúde, visto que os países em desenvolvimento necessitam manter um alto
grau de instrução em sua população, o que contribui para a elevação do padrão de
vida das classes mais baixas e futuros ganhos em produtividade (SYMONIAK, 2011).
Williamson (1990) expõe que outra área da despesa pública que Washington
considerava produtiva é o investimento público em infraestrutura, que promove o
crescimento econômico em longo prazo. A melhoria de infraestrutura favorece a
ligação das economias regionais e desenvolvimento de mercado. Os governos de
países em desenvolvimento poderiam adotar uma estratégia de parceiras com os
investimentos privados para a construção e manutenção de infraestrutura física, de
forma a abrandar os gastos públicos no setor.
28
Reforma Tributária
A reforma tributária, segundo Almeida e Giambiagi (2003), resumia-se em
dois pontos nos termos da discussão à época: a elevação da carga tributária para o
ajustamento fiscal, e a simplificação da arrecadação, cuja complexidade induzia a
evasão (ALMEIDA; GIAMBIAGI, 2003, p. 10). Para Williamson (1990), o princípio era
o de que a base tributária deveria ser ampla e as taxas marginais de impostos
deveriam ser moderadas, sendo um remédio para os déficits fiscais.
Para Symoniak (2011), a reforma tributária pode representar um jogo de soma
negativa ou de soma zero. Isso porque pode ser uma oportunidade para governos
predatórios “saquearem” seus cidadãos, transferindo riquezas de alguns e outros
com o custo de implantação de novas oportunidades econômicas. Contudo, a
tributação pode fornecer recursos necessários ao governo para programas e
serviços que visam aumentar o nível de vida e estimular a criação de emprego. Uma
atividade de soma positiva seria os investimentos do governo em educação, o que
potencializa o aumento da produtividade e dos padrões de vida.
Symoniak (2011) sugere aos países em desenvolvimento o uso apropriado de
políticas fiscais como auxiliadoras do crescimento econômico. Uma dessas políticas
seria a concessão de incentivos fiscais para as empresas privadas para a criação de
setores econômicos robustos e atração de investimentos estrangeiros.
Liberalização Financeira
Almeida (2003) descreve que a liberalização financeira era defendida de
forma a abolir empréstimos e taxas concedidos pelo governo a setores e empresas
específicos, tristes irregularidades presente no passado sul-americano. Os
mercados financeiros domésticos deveriam determinar uma taxa de juros nacional. A
liberalização financeira pressupõe que a taxa de juros seja determinada pelo
mercado e que seja razoavelmente positiva
Para Symoniak (2011), o consenso original defendia que a taxas de juros
deveriam ser determinadas pelo mercado, e não de forma arbitrária. A taxa de juros
relativamente positiva seria benéfica para evitar a fuga de capitais e incentivar o
aumento da poupança. Nesse contexto, o Banco Central deve atuar de forma
estreita com os fluxos e refluxos do mercado. Uma taxa de juros muito alta pode
atrair em demasiado investimentos estrangeiros insustentáveis, que quando
retirados, resultaria em crises e estouro de bolhas financeiras. Uma taxa de juros
29
muito baixa resulta na demanda interna por fundos e falta de capital disponível aos
bancos centrais, além de diminuir a margem de manobra em eventuais crises
econômicas. A interferência do banco central torna-se importante ao suspender a
taxa de juros quando sobem ou descem excessivamente, a fim de manter o seu uso
como um mecanismo de políticas em tempos de crises econômicas (SYMONIAK,
2011, p. 9).
Taxa de Câmbio Competitiva
Williamson (1990) descrevia que as taxas de câmbio, assim como as taxas
de juros, deveriam ser determinadas pelas forças do mercado, podendo sua
adequação ser julgada conforme o objetivo macroeconômico de cada Estado. A
visão dominante em Washington ponderava a taxa de câmbio competitiva como
mais importante do que a forma como é determinada. Para Almeida (2003), a taxa
de câmbio determinada em termos de mercado, bem como a unificação cambial,
evitariam a “cotação artificial”, causadora de vários problemas de balanço de
pagamentos no passado sul-americano.
Williamson (1990) retrata o uso da taxa de câmbio competitiva para o
incremento das exportações, o que, segundo Symoniak (2011), cresceu em
relevância desde a formulação inicial do Consenso:
In the case of a developing country, the real exchange rate needs to be sufficiently competitive to promote a rate of export growth that will allow the economy to grow at the maximum rate permitted by its supply-side potential, while keeping the current account deficit to a size that can be financed on a sustainable basis. The exchange rate should not be more competitive than that, because that would produce unnecessary inflationary pressures and also limit the resources available for domestic investment, and hence curb the growth of supply-side potential (WILLIAMSON, 1990).
O autor ainda descreve que deve haver um nível de confiança por parte dos
entes privados de que a taxa de cambio permanecerá competitiva, de forma que
haja os investimentos em indústria de potencial em exportação. Ademais, a taxa de
câmbio é o primeiro elemento essencial de uma política econômica “outward-
oriented” (internacionalizada ou que deseja se tornar como tal). Havia um convicção
forte em Washington de que a expansão das exportações, especialmente de setores
não-tradicionais, e a internacionalização da economia nacional seriam necessários
para a recuperação econômica latino-americana.
30
As demais cinco medidas, conforme Bierrenbach (2007) visavam à diminuição
do tamanho e do papel do Estado na economia. Justamente esse objetivo faz com
que tais medidas sejam mais polêmicas, principalmente as privatizações e
liberalização comercial. Tais medidas representam o internacionalismo econômico, a
integração dos mercados internacionais, e podem ser consideradas decorrências
“naturais” da globalização econômica (mais adiante, relatar-se-á e contraposição
decorrente de tal pensamento na América do Sul).
Liberalização Comercial
A liberalização comercial é vista por Symoniak como uma oportunidade aos
países em desenvolvimento firmarem um compromisso com a economia “outward-
oriented”. Tal medida, segundo Almeida (2003), visava reduzir o grau de proteção
das economias do final da década de 1980, que ocasionava ganhos extraordinários
a produtores locais em decorrência da diferença de preços no âmbito doméstico e
no internacional.
As importações são valorizadas por Symoniak como benéficas às populações
de países em desenvolvimento, que assim colhem benefícios das economias de
escala e da vantagem comparativa entre produtores. Para o autor, o pretecionismo
contra importações encarece bens intermediários. Seria importante remover medidas
protecionistas que encarecem bens intermediários, o que torna as exportações mais
caras, impactando diretamente os exportadores nacionais, tornando-se prejudicial ao
invés de sustentável (SYMONIAK, 2011, p. 10).
Symoniak relata que a política de substituição de importações impostas pelos
países sul-americanos (vista pelo autor como protecionista) ocasionou o
empobrecimento de suas populações. Ao contrário do que afirmam a maioria dos
governos sul-americanos eleitos no século XXI, Symoniak defende que “em geral, a
liberalização do comércio tem provado ser um mecanismo para o crescimento
econômico e redução da pobreza desde a escrita do Consenso de Washington, em
1989 (SYMONIAK, 2011. p. 11)”.
As medidas protecionistas também podem elevar o grau de corrupção. Tais
políticas podem representar o favorecimento por parte do governo a setores
específicos. Para Williamson (1990), as licenças de importação são a pior forma de
protecionismo e potencializam oportunidades de práticas ilegais e corruptivas.
31
Symoniak descreve que: “protectionism may also breed corruption, or fuel it where it
already exists. Subsidies may be handed out arbitrarily, specific businesses with
government access may be favored, or any number of other corrupt practices may be
undertaken (SYMONIAK, 2011, p. 11).”
Williamson (1990) e Symoniak (2011) admitem a importância no caso de
medidas comercias que protejam o crescimento de indústrias nascentes,
estritamente temporárias. Symoniak aponta que tais medidas favoreceram o
crescimento de indústrias robustas nos tigres asiáticos e no Brasil. Contudo, tais
medidas devem ser aplicadas uniformemente em todos os setores da economia e
que deve haver um plano de revisão remoção de medidas protecionistas de modo
que as indústrias passem da fase infante à maturidade.
Liberalização da entrada de Investimento Externo Direto
A liberalização de entrada de investimento externo direto, segundo Williamson
(1990), não era vista como uma área prioritária para implementação política. Mas
reconheciam-se os benefícios dos investimentos externos diretos (IED), na atração
de ingressos de capitais, habilidades produtivas, know-how, transferência de
tecnologia e conhecimento, além de poder auxiliar na produção de bens necessários
para o mercado doméstico e contribuição para novas exportações. Para o autor, o
nacionalismo econômico era a principal motivação para restrição ao IED, já que se
tratava de um investimento em setor produtivo e que implicaria a remessa de lucros
ao exterior.
Em razão da dificuldade de países com histórico inflacionário em atrair
investimentos de longo prazo, as nações em desenvolvimento deveriam trabalhar
para um ambiente favorável à realização de negócios. Segundo Symoniak:
“This means the creation of strong institutions that provide a degree of predictability. This will make the investment climate more favorable to the inflow of foreign capital in the form of FDI. Governments can also make commitments to organizations such as the World Bank’s Multilateral Investment Guarantee Agency and the Overseas Private Investment Corporation. Doing so allows investors to insure their investments and receive compensation in the event that government actions result in the loss of capital. Tax incentives, such as tax credits for the investment of fixed capital or the education and employment of local citizens, represent another tool governments can use. (SYMONIAK, 2011, p. 12).
8
8 Esse apontamento realizado por Symoniak na relação dos investidores internacionais e o
risco político, é de extrema importância para a análise mais adiante no contexto sul-americano dos anos 2000.
32
Segundo Symoniak (2011), a importância do investimento externo direto tem
crescido, e os métodos preferidos para incentivar o IED têm evoluído. Um deles é a
parceria público-privada, na qual o governo, ao invés de simplesmente oferecer
incentivos ou formar um ambiente de negócios favorável, poderiam realizar a
parceria com entidades privadas aumentando os recursos disponíveis para
benefícios mútuos.
Desregulamentação Econômica
A desregulamentação, de um modo geral, pode ajudar na inserção da
economia na competição de mercado, alavancar a economia, estimular os negócios,
promover uma concorrência mais leal, dificultar práticas de corrupção, diminuir o
comportamento rent-seeking9, além de evitar tratamentos preferenciais do governo a
setores e corporações específicos (WILLIAMSON, 1990; ALMEIDA, GIAMBIAGI,
2003; SYMONIAK, 2011). Para Symoniak (2011), a desregulamentação desencoraja
a corrupção, ao diminuir as oportunidades para os funcionários corruptos
extorquirem subornos ou realocar recursos a seu critério. Os recursos desviados
poderiam ser investidos na contratação de novos funcionários ou incentivos à
inovação, de grande utilidade em mercados competitivos.
Dentre os mecanismos mais comuns de regulamentação nos termos do
Consenso de Washington estão os controles de preços, barreiras de importação,
procedimentos de alocação discriminatória de crédito, taxas de impostos e
limitações implantadas no mercado de trabalho (WILLIAMSON, 1990; SYMONIAK,
2011, p. 15). Belassa et al (1986, p 130 apud WILLIAMSON, 1990), analisam o
excesso de regulamentação nos países latino-americanos na época anterior à
adoção do Consenso de Washington:
A maioria dos grandes países latino-americanos está entre as economias de mercado mais regulamentadas do mundo, pelo menos no papel. Entre os mais importantes mecanismos de regulação econômica estão os controles sobre a criação de empresas e de novos investimentos, as restrições sobre a entrada de investimento estrangeiro e saídas de remessa de lucros, controles de preços, barreiras à importação, alocação discriminatória de crédito, altas taxas de imposto de renda combinadas com mecanismos discriminatórios de redução de impostos, bem como limites de demissão de
9 Rent-seeking se refere ao comportamento de empresas e/ou setores ao buscar privilégios
no mercado por meios políticos ou lobby. De acordo com David R. Henderson, “People are said to seek rents when they try to obtain benefits for themselves through the political arena. They typically do so by getting a subsidy for a good they produce or for being in a particular class of people, by getting a tariff on a good they produce, or by getting a special regulation that hampers their competitors.” Disponível em: <http://www.econlib.org/library/Enc/RentSeeking.html >Acesso em 30/09/12.
33
funcionários.... Em vários países da América Latina, a rede de regulação é administrada por administradores mal pagos. O potencial para a corrupção é, portanto, grande. (...) Isso (oportunidades de corrupção) também discrimina as pequenas e médias empresas que, apesar de importantes geradoras de emprego, raramente têm acesso aos postos mais altos da burocracia (BELASSA et al 1986, p 130 apud WILLIAMSON, 1990). (tradução própria)
Symoniak (2011) relata que a justificativa para a liberalização de capitais é o
ganho em eficiência e produtividade. Porém a intervenção torna-se necessária na
ocorrência de externalidades negativas geradas pelos fluxos desestabilizadores
(SYMONIAK, 2011, p. 15-16).
Uma medida de supervisão econômica que gera muito debate e que se tornou
também necessária é a regulação do mercado de capitais, ponto que deveria ser
revisado após os 20 anos do consenso. As crises do final da década de 1990
demonstraram o potencial dos fluxos de capitais de desestabilizar economias em
curto prazo e em efeito dominó, principalmente na medida em que as economias
regionais se integram.
Direitos de Propriedade Assegurados
Os direitos de propriedade assegurados embora seja o ponto mais
subestimado do Consenso de Washington (talvez por isso seja tratado como a
última medida), são essenciais para o funcionamento do sistema capitalista. Dani
Rodrik (2002) descreve que “os direitos de propriedade e estrita observância da
norma legal são necessários para se chegar à eficiência produtiva”. Symoniak
(2011), conforme a análise de De Soto, apresenta seis efeitos de direitos de
propriedade privada bem definidos:
Hernando De Soto offers the most poignant analysis of why this is the case. He states that well defined private property rights have six effects: fixing the economic potential of assets, integrating dispersed information into one system, making individuals accountable to their commitments, making assets fungible, networking individuals, and protecting transactions. Simply stated, property rights allow for the drafting of binding contracts and the transfer of property from one party to another (SYMONIAK, 2011, p. 16).
Privatizações de Empresas Estatais
A oitava medida do receituário do Consenso de Washington é aqui tratada
como a última, devido à relação mais direta com os objetivos da pesquisa. As
privatizações de empresas estatais significavam nos anos 1990, um meio de alívio
às contas públicas dos Estados em desenvolvimento, principalmente na América do
34
Sul, onde o modelo estatal de gerência de empresas ineficientes e custosas estava
defasado.
Nos termos de discussão da época da elaboração do Consenso, Williamson
(1990) descrevia as implicações positivas da política de privatizações de empresas.
De modo geral, a privatização pode resultar em benefícios às contas públicas em
curto prazo, com os ingressos fiscais da venda da empresa, e em longo prazo,
devido a não necessidade de financiamento por parte do governo, abrandando
assim, a pressão sobre o orçamento público (WILLIAMSON, 1990). Outro ganho
muitas vezes discutido é o do aumento da eficiência em relação às empresas
estatais. Segundo Williamson (1990) há uma participação direta e pessoal de
incentivados gestores nos lucros da empresa e que são responsáveis perante
aqueles que atuam dentro da corporação. Já o possível dano da privatização, é o de
que, quando a empresa privatizada se torna ineficiente, há um maior risco de
falência em comparação às empresas estatais, que possuem diversos subsídios do
governo para sanar situações de crise, além da possibilidade de recorrerem ao
Tesouro Nacional correspondente ao Estado (WILLIAMSON, 1990; YANO, 2008).
O Consenso de Washington não foi a primeira tentativa norte-americana de
implantar o modelo de privatizações de empresas na América do Sul. O Plano Baker
de 1985 pode ser considerado a primeira política oficial dos EUA para promover a
privatização estrangeira (WILLIAMSON, 1990). O Plano consistiu na primeira
tentativa de reestruturação das dívidas das economias em desenvolvimento, cuja
proposta consistia em empréstimos por parte dos bancos comerciais e das
organizações multilaterais. Em contrapartida, buscavam-se reformas nos países
devedores e em desenvolvimento, de forma a conter a instabilidade econômica e a
dívida fiscal, promovendo o crescimento. Porém, não obteve o resultado desejado.
A segunda tentativa foi o Plano Brady que teve início em 1989, que previa a
reestruturação dos serviços da dívida externa e formação de crédito novo (MORAIS;
PORTUGAL, 2000). Desde então, o FMI e o Banco Mundial têm incentivado a
privatização na América do Sul e em outras regiões em desenvolvimento.
John Williamson (1990) descreve a forma como a privatização não é bem
vista por governos nacionalistas: “The lack of a strong indigenous private sector is
one reason that has motivated some countries to promote state enterprises. This is
again a nationalistic motivation and hence commands little respect in Washington.” O
economista inglês opina que nem sempre o serviço público é inferior à ganância
35
privada como força motivadora. Há circunstâncias em que na ocorrência de custos
marginais menores do que o custo médio, como os transportes públicos ou spillovers
ambientais, a regulação governamental seria de grande valor (WILLIAMSON, 1990).
Symoniak (2011) alerta que a política de privatizações necessita de revisão, e
defende que em muitas circunstâncias ela deve ser incentivada. O autor considera
que Williamson foi correto ao descrever os benefícios a curto e longo prazo das
privatizações de empresas estatais. O governo obtém recursos da venda das
empresas, e com o tempo corta gastos para manter a empresa, aumentar a
produção, incentivar a inovação, e se manterem competitivas (SYMONIAK, 2011,
p.13). Além disso, gestores e funcionários de empresas privatizadas se mantêm
incentivados a serem produtivos e eficientes, em um sistema de lucro e perdas. “This
has not changed; it still remains a basic economic principle and individuals respond
to incentives (…) The threat of losing money or losing one’s job will encourage that
individual to increase their efficiency and productivity” (SYMONIAK, 2011, p. 13).
Contudo, apesar de seus incentivos e benefícios decorrentes, Symoniak
alerta para as condições sobre as quais as privatizações devem ser realizadas. Os
processos de privatização devem ser transparentes e justos, contando com o
interesse da população como um todo, e não de indivíduos ou grupos poderosos. A
outra condição é a de consideração de quais setores das corporações devem ser
privatizados com a possibilidade do apoio público em determinados setores. Às
vezes, como no setor de transporte público, o apoio público pode tornar o serviço
menos custoso ao consumidor, não encarecendo o serviço.
3.2 A Onda de Privatizações de Empresas na América do Sul nos anos 1990
Rodrik (2002) descreve que no período de adoção da ISI – industrialização
por substituição de importações, apesar da América do Sul ter produzido empresas
de sucesso (exemplo da Petrobras em 1953 no governo Vargas), a região possuía
uma estrutura industrial diversificada demais a ponto de prejudicar a eficiência.
Houve um acúmulo de empresas de baixa produtividade, que não acompanhavam o
ritmo das empresas de alto desempenho.
A disciplina de mercado dos anos 1990 no subcontinente, sob a forma de
abertura comercial, resultaria na eliminação de empresas ineficientes. Em razão
36
disso, países como Brasil, Argentina e Chile passaram a incrementar os
investimentos em indústrias intensivas em capital e em recursos naturais. O autor
ainda discorre que no período da ISI, os governos sul-americanos ofereciam
massivos incentivos (proteção), porém insuficiente disciplina (castigo). Na década de
1990, o processo é invertido. Foram oferecidos poucos incentivos, porém uma
disciplina considerável trazida pelo mercado competitivo e abertura comercial 10
(RODRIK, 2002). Nesse campo, as privatizações de empresas estatais ineficientes
seriam a questão fundamental desse processo.
A oitava e talvez a mais polêmica das medidas propostas seja a política de
privatização de empresas estatais. Yano e Monteiro (2008) analisam os incentivos
às privatizações e seus efeitos na produtividade:
No que se refere ao processo de privatização, as principais motivações que orientaram essa política foram as crises fiscais do estado e a notória ineficiência das empresas estatais. De acordo com a literatura, a análise teórica do processo de privatização sugere que, em se tratando do desempenho das empresas públicas em determinados setores, ganhos em eficiência seriam observados, estivessem essas empresas inseridas num mercado competitivo. Sob administração privada, há tendências de melhoras na estrutura de incentivos gerenciais, reduzindo fontes de ineficiência, como excesso de pessoal, e possibilitando o aumento do investimento, uma vez que a própria natureza privada da empresa possibilita maior poder de alavancagem de recurso e amplia as garantias dos empréstimos (YANO; MONTEIRO, 2008, p. 3).
De fato, as privatizações na América Latina haviam se iniciado no segundo
ano da ditadura de Pinochet11 no Chile em 1974. Em 1982, México e Jamaica
seguiram com a primeira fase de seu programa de privatizações, que foi
impulsionado pelo presidente mexicano Carlos Salinas em 1988 e por Carlos
Menem em 1989 na Argentina. Posteriormente, Bolívia, Brasil, Colômbia, El
Salvador, Guatemala, Nicarágua e Panamá contribuíram para a generalização da
onda de privatizações dos anos 90 na América Latina. Essa onda não foi seguida
por Uruguai, Paraguai, Costa Rica, Honduras e Equador e muitos países caribenhos
(em alguns casos como resultados de um referendo), porque inicialmente as
10
Segundo Rodrik (2002), o Leste asiático, região não desenvolvida no século XX, ofereceu tanto disciplina como incentivos a suas empresas na década de 1960 e 1970. Isso em parte, justifica o sucesso de muitas empresas da região a posteriori.
11 As privatizações de empresas faziam parte da política e visão neoliberal do presidente
chileno Auguste Pinochet, que buscava uma estabilização econômica e também implementava políticas fiscais restritivas. Mais de 550 empresas foram privatizadas em seu governo, com incentivos aos empresários e créditos concedidos. Os objetivos iniciais eram além da estabilidade econômica, os ingressos fiscais e desenvolvimento do mercado chileno de capitais (ESTACHE; TRUJILLO, 2004).
37
privatizações geraram poucos ingressos fiscais públicos (ESTACHE; TRUJILLO,
2004).
Ocorreu uma notável facilitação dos fluxos internacionais de bens, serviços e
capitais, e a região integrou-se em maior grau aos mercados internacionais,
alcançando um aumento na atração de investimentos externos. Esse fato foi
acelerado pela política de privatizações e liberalização dos fluxos comerciais, vistos
pelo modelo neoliberal sugerido como forma de auxiliar no crescimento econômico
nacional e aumento da eficiência produtiva, com destaque ao aumento de ingressos
fiscais (YANO, 2008). Corporações estrangeiras foram incentivadas pelas isenções
fiscais, quebra de barreiras alfandegárias, diminuição de taxas e impostos de
importação, empréstimos subsidiados e outros subsídios indiretos (ARBIX, 2002).
Considerando a avaliação de Llosa (2004) sobre as reformas neoliberais na
América do Sul, verificamos mais uma vez o “pêndulo” de descontinuidade na região.
As reformas, segundo o autor, tiveram como ponto de partida o “Estado mamute” do
século XXI, e permitiram a transição de uma economia nacionalista a uma economia
“de mirada al exterior”; de um padrão comercial baseado na substituição de
importações a outro orientado às exportações; de um Estado que produzia e
consumia demasiadamente a outro de que se inibiu de intervir de forma direta em
muitas zonas da vida econômica e social (LLOSA, 2004).
Para Llosa (2004), a política de privatizações de empresas e serviços é
símbolo das reformas da década de 1990 na América do Sul. Conforme Yano e
Monteiro (2008), as principais motivações de tais políticas foram as crises fiscais dos
Estados e a notória ineficiência das empresas estatais. Contudo, uma privatização
bem sucedida, acompanhada das demais reformas, deve considerar o tipo de
quadro institucional que preside a transição, o tipo de processo político construído
durante o processo de mudança e das políticas pós-privatizações (LLOSA, 2004).
No contexto sul-americano, o Chile é pioneiro na política de privatizações de
empresas estatais, possui tal histórico desde os anos 1970, sob o governo de
Auguste Pinochet. A partir dos anos 90, especialmente após o Consenso de
Washington, a política privatizadora adquiriu proporções hemisféricas, começando
por Argentina e Peru, e posteriormente no Brasil. Llosa (2004) identifica três ondas
de privatizações na América do Sul na década de 1990. A primeira envolveu a
privatização de empresas industriais e comerciais; a segunda o setor de serviços
como energia, água, telecomunicações, assim como instituições financeiras e
38
projetos de infraestruturas na área de transporte; e a terceira, com menor audácia e
ambição em relação às outras duas, os fundos de pensão e sistemas de
aposentadoria, cuja reforma esteve longe de ser finalizada (LLOSA, 2004).
O Chile é também o país da América do Sul que mais adotou modelo de
neoliberalismo econômico em sua história. Isso se deve ao pioneirismo na
formulação política econômica do modelo, o que ajudou a tornar o país atualmente a
economia mais aberta da região. O país passou pela experiência neoliberal antes
mesmo do Reino Unido de Margareth Thatcher, que proferia diversas vezes a frase
“There is no alternative (TINA)”, se referindo à falta de alternativas plausíveis além
do neoliberalismo nos anos 1980 aos países em desenvolvimento (MUNCK, 2003).
A onda de privatizações no Chile se iniciou na década de 1970 no governo de
Auguste Pinochet, sob formulação econômica dos Chicago Boys12, e possuiu três
fases. A primeira fase, entre 1974 e 1978, consistiu na privatização de 550
empresas, e fizeram parte as companhias que haviam sido nacionalizadas na
administração Allende13. O Estado chileno privatizou primeiramente a companhias
industriais e comerciais, e depois as instituições financeiras. Após a recessão do
começo dos anos 1980, tem-se início a segunda fase. Entre 1984 e 1989 foram
vendidas as maiores empresas de infraestrutura (ao redor de 30), como o setor de
telecomunicações e energia elétrica, e empresas dedicadas a produtos industriais,
recursos naturais e matérias-primas.
O objetivo declarado desta segunda fase era o incremento da distribuição de
propriedade mais do que a maximização dos ingressos fiscais. Já as privatizações
da década de 1990, especialmente no final do período, tinham como preocupação
maior os ganhos em eficiência produtiva (LLOSA, 2004; ESTACHE; TRUJILLO,
2004).
Tras las experiencias de Chile y Mexico, en la década de 1990 América Latina se entregó con fervor a la privatización. Había llegado la hora de desandar mucho de lo andado en las décadas anteriores; las producción y el comercio debían estar en manos de la empresa privada. Mediante una
12
Os Chicago Boys formavam um grupo de jovens economistas chilenos oriundos da Escola de Economia da Universidade de Chicago (EUA) que conduziram no Chile de Pinochet (ocupando os mais elevados cargos nos ministérios) uma política de estabilização de nível de preços e inserção de reformas que buscaram dar ao mercado um papel maior na regulação econômica do país. Os Chicago Boys foram bastante influenciados pela linha de pensamento monetarista veiculada por Milton Friedman e foram responsáveis por tornar o Chile o primeiro país a seguir a doutrina neoliberal (LIRA, 2010).
13 O então presidente Salvador Allende governo o Chile de 1970 a 1973. O governante
pertencia ao Partido Socialista, e tinha como uma das orientações de suas políticas a nacionalização de empresas. Em 1973, 630 empresas eram controladas pelo Estado chileno .
39
combinación de ventas directas, subastas, ofertas en Bolsa y concesiones de largo plazo, y con la asesoría de los bancos de inversión para la fijación de precios mínimos, los gobiernos latinoamericanos obtendrían, desembarazándose de muchas de las entidades “estratégicas”, fondos sustanciales de inversores locales y, en especial, extranjeros (LLOSA, 2004, p. 228).
Segundo Estache e Trujillo (2004), a privatização foi um componente-chave
na estabilização econômica argentina. De acordo com os autores, o governo de
Carlos Saúl Menem (1989 a 1999) foi notoriamente marcado por tal política, que
recebeu apoio popular também em razão do marketing e publicidades realizados em
sua administração para tais reformas. Entretanto, o processo ocorreu, nem sempre
de forma transparente, ou aberta à concorrência pública, e os recursos auferidos
não serviram de abatimento da dívida pública, que continuou numa trajetória de
crescimento (ALMEIDA, 2008). E, como destacam Estache e Trujillo:
Cabe destacar que el 50% de los 23.000 millones de dólares americanos obtenidos entre 1990 y 1997 se utilizaron para sanear la deuda pública aunque, en algunos casos, el gobierno contrajo una nueva deuda en el proceso, al asumir el control de la deuda de algunas de las empresas públicas que estaban siendo privatizadas (ESTACHE; TRUJILLO, 2004, p.74 ).
O governo de Carlos Menem negociou em torno de 400 empresas em menos
de três anos (incluindo as unidades em que as corporações estatais foram divididas).
Ao contrário da experiência chilena, que se concentrou primeiramente na
privatização da indústria e no comércio, a Argentina privatizou inicialmente os
serviços públicos, em particular os serviços de infraestrutura. A importância relativa
dada a esse setor é resultante da crise fiscal do Estado, que restringiu os
investimentos e consequentemente reduziu o nível de eficiência e qualidade dos
serviços (ESTACHE; TRUJILLO, 2004).
Em 1990, a Aerolíneas Argentinas e o monopólio de telecomunicações,
empresas públicas emblemáticas do país, foram privatizadas. Em 1993, o maior
conglomerado de gás e petróleo do país, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales – YPF,
foi leiloado inicialmente por 3 bilhões de dólares, e vendido para a espanhola Repsol
por 13 bilhões de dólares (ESTACHE; TRUJILLO, 2004). Estache e Trujillo (2004)
relatam que o governo argentino de Menem, como forma de demonstrar o
compromisso político com as reformas e com o setor privado, firmou tratados
internacionais com os governos dos principais investidores no país, como a Espanha,
Itália e França.
40
Uma situação curiosa e ao mesmo tempo alarmante quanto à política de
privatizações de Menem relatado por Estache e Trujillo (2004), foi o lançamento no
mercado de ativos tais como as ações argentinas referentes às cataratas do Iguaçu,
o que gerou uma forte reação pública contra o governo. Reação esta, agravada
pelas recessões do final da década de 1990, e especialmente após o estourou a
crise de 2002 no país, quando a privatização dos serviços públicos foi tema central
entre os críticos e a imprensa (ESTACHE; TRUJILLO, 2004).
Sob a administração de Fujimori (1990-2000), o Peru privatizou empresas
estatais em larga escala, conforme seu programa de ajuste de ajuste
macroeconômico e busca pela atração de investidores privados estrangeiros. O
país iniciou sua política de privatizações em 1991 de forma modesta, privatizando 23
companhias nos dois anos seguintes. O processo se acelerou: em 1994, 29
empresas; em 1995, 28 companhias; e em 1996, 28 companhias. A partir de 1997,
em virtude da recessão, as privatizações se desaceleraram. Até os anos 2000, 200
empresas haviam sido privatizadas sob um total de 9 bilhões de dólares (LLOSA,
2004; ESTACHE; TRUJILLO, 2004).
Las ventas o concesiones14
más significativas de la década abarcaron las telecomunicaciones (Empresa Nacional de Telecomunicaciones y Compañía Peruana de Teléfonos), la generación y distribución de energía (Electroperú y Electrolima), los ferrocarriles (Empresas Nacional de Ferrocarriles), los puertos (Empresa Nacional de Puertos), el petróleo (Petroperú y Petromar), el acero (SiderPerú), la pesca (Pesca Perú), la minería (Centromín y Tintaya) y la banca (Banco Continental). Los grandes conglomerados estatales fueron divididos en distintas unidades y los activos vendidos por separado, quedando varios de ellos bajo control del Estado. (LLOSA, 2004, p. 231)
O Brasil, igualmente ao Peru, começou sua política de privatizações em 1991,
sob o governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992), sendo continuada no
governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes de FHC ascender ao poder em 1994,
apenas 31 empresas haviam sido privatizadas no governo anterior, mesmo que
dentre elas estava a Companhia Siderúrgica Nacional, símbolo nacional. Embora
tenha começado modestamente, em 1996, o governo brasileiro privatizou 20
entidades. Nos anos seguintes, duas grandes entidades estatais seriam privatizadas,
14
“A concessão é uma delegação via contrato da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo poder executivo, não acarretando transformação do serviço público em privado. Comporta uma pluralidade de configurações, portanto não admite um conceito único, determinado e padronizado. Não produz modificação do regime jurídico que se refere à prestação do serviço público. A outorga da concessão não representa retirar o serviço da órbita pública e inserir no campo do direito privado.” Costa (2012). Disponível em < http://www.brasildefato.com.br/node/10768>”. Acesso em 20 de novembro de 2012.
41
constituindo os principais processos de privatização do governo FHC. A gigante
mineradora Vale do Rio Doce foi transpassada por 3,6 bilhões de dólares
(privatização esta, que seria bastante criticada pelo presidente Lula em seu governo).
Até então, era a maior privatização da América Latina. Em 1998, a Telebrás –
Telecomunicações Brasileiras S.A. foi transferida por 18,96 bilhões de dólares
(LLOSA, 2004; ESTACHE; TRUJILLO, 2004).
A Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A. não foi posta à venda, mas em 1997 foi
quebrado o monopólio estatal da indústria petroleira, que somava o valor de 30
bilhões de dólares na Bolsa de Valores15. Llosa (2004) avalia as parcerias realizadas
nos outros setores energéticos do Brasil:
En lo que constituyó otra decisión cargada de simbolismo bajo la presidencia de una antigua figura intelectual de la “teoría de la dependencia”, el Brasil renunció formalmente al sueño de la autosuficiencia energética: su red eléctrica se vinculó a la argentina a través de una concesión otorgada a Exxon, mientras que un gasoducto de 2 mil millones de dólares, construido con ayuda financiera del Banco Mundial, unió a Bolivia con San Pablo (LLOSA, 2004, p. 233).
A Bolívia foi o segundo país na América do Sul, depois do Chile, e a primeira
democracia a implementar uma política econômica de ajuste estrutural. Embora
tenham sido iniciadas em 1992, as privatizações ganharam impulso no governo de
Carlos Sanchéz de Lozada a partir de1993, quando o governo leiloou o valor de 90%
dos ativos estatais. De acordo com Estache e Trujillo (2004, p. 75) “os objetivos
específicos eram a atração de investimentos estrangeiros, aumentar a competição e
a eficiência e ajustar as contas públicas”. Além das privatizações, outras reformas
eram a modernização do marco legal, o estabelecimento de marcos regulatórios
independentes, a restruturação dos principais ministérios e a introdução de
incentivos a eficiência no desenho regulatório (ESTACHE; TRUJILLO, 2004). Llosa
(2004) apresenta dados importantes que revelam o grande volume
En los años 1995 y 1996, las desestatizaciones generaron 1,7 millones de dólares, el equivalente a un 25% del PBI. El súmmum de la privatización fue la transferencia de seis monopolios que representaban 12,5% del PBI del país: Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolivia, Empresas Nacional de Electricidad, Empresa Metalúrgica Vinto, Lloyd Aéreo Boliviano y Empresas Nacional de Ferrocarriles (LLOSA, 2004, p. 233-234).
15 O presidente Lula em seu governo (2003-2010) seria um forte opositor da privatização da
até então Vale do Rio Doce e da quebra do monopólio da Petrobras. De acordo com a revista Exame de 2012, as duas entidades são as maiores empresas estatais brasileiras.
42
Além da concessão e da venda simples, uma estratégia utilizada em boa
parte das privatizações na Bolívia foi a de capitalização. Devido a necessidade de
recursos para investimento em determinadas empresas, os ganhadores dos leilões
das privatizações ao invés de comprarem as ações do governo boliviano, este exigia
que os ganhadores investissem nas empresas os recursos em prazos determinados.
Tal política gerou 80% dos 2 bilhões de dólares americanos (ESTACHE; TRUJILLO,
2004). Para Llosa (2004), os monopólios estatais bolivianos eram dotados de
sensibilidade política, e pelo sistema de capitalizações o governo convidava
corporações privadas a formarem joint ventures16 junto com as entidades estatais.
Segundo o autor, mesmo assim a propriedade e o controle do Estado boliviano se
“dissolveram”.
A Venezuela passou por uma constante instabilidade política nos anos 1990,
com tentativas de golpes militares, e guinadas ideológicas. Llosa (2004) descreve
que mesmo assim, houve privatizações de indústrias e serviços públicos. A maior
delas foi a privatização da Compañía Nacional Telefónica Venezolana – CANTV,
“parcialmente vendida em 1991, enquanto que o resto das ações do Estado foram
oferecidas através das Bolsas de Valores de Caracas e de Nova York na segunda
metade dos anos 90” (LLOSA 2004, p. 234).
O setor de petróleo, o mais importante na política venezuelana, também
passou por um período de abertura ao capital privado e estrangeiro. Na
administração de Carlos Andrés Pérez (1989-1993), foi incentivada a participação do
setor privado relacionada à produção de petróleo, bem como a abertura ao capital
estrangeiro para o investimento direto na exploração e produção em novos campos,
a partir de 1992, que continuaria até 1995, já na administração de Rafael Caldera
(NEVES, 2010).
A abertura ocorre tanto na ampliação das atividades da PDVSA fora da Venezuela, especialmente no refino – cerca de 40% do petróleo venezuelano tem seu refino em unidades da PDVSA nos Estados Unidos, outros 20% em refinarias da companhia no Caribe e na Europa – quanto na entrada de capital estrangeiro como investimento na produção interna, em novos campos e em campos exploratórios de alto risco (NEVES, 2010, p. 58).
16
“Traduzindo-se ao pé da letra, a expressão joint-venture quer dizer "união com risco". Ela, de fato, refere-se a um tipo de associação em que duas entidades se juntam para tirar proveito de alguma atividade, por um tempo limitado, sem que cada uma delas perca a identidade própria.” Wolffenbüttel, Andréa (2007). Disponível em: http://ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2110:catid=28&Itemid=23 Acesso em 20 de novembro de 2012.
43
Conforme Neves (2010), a internacionalização das atividades da PDVSA
gerou um decréscimo nas exportações, visto que o petróleo cru exportado possui
menor valor comparado com o refinado. Para fazer frente às dívidas, a Venezuela
rompe o compromisso com as cotas da OPEP, elevando a produção de forma a
reter ingressos fiscais e sanear as dívidas contraídas. Segundo o autor, a PDVSA
tornou-se um ‘Estado dentro do Estado’, “negociando diretamente com as
companhias, sem, muitas vezes, levar em consideração planos estratégicos dos
governos” (NEVES, 2010, p. 58).
Para Llosa (2004), a febre de privatizações na década de 1990 na América do
Sul ajudou na captação de um fluxo massivo e diversificado de investimentos
estrangeiros. Corporações multinacionais elevaram sua participação nas vendas das
principais empresas da região. Boa parte destas companhias eram estadounidenses,
alemãs, espanholas, francesas e italianas. A presença de empresas espanholas era
mais notável. Começou com a Telefónica e Iberia, depois se destacaram as gigantes
do setor energético como a Repsol, Endesa e Iberdrola, e posteriormente (a partir de
1996) os bancos, como o Banco Santander, Banco Bilbao Vizcaya e o Banco Central
Hispano. Esses e outros bancos espanhóis chegaram a controlar quase um terço
dos ativos de todas as instituições financeiras da América Latina (LLOSA, 2004).
As privatizações também aumentaram a competição de mercado entre as
empresas sul-americanas e ajudou a diversificar a origem do capital estrangeiro.
Empresas brasileiras, argentinas, chilenas e venezuelanas, relacionadas com
diversas atividades tais como telecomunicações, petróleo e gás, construção,
Tecnologia e Informação, agora competiam de forma mais acirrada com corporações
estadunidenses, canadenses, europeias e asiáticas (LLOSA, 2004).
Um benefício notável da privatização foi a elevação das taxas de
investimentos, de eficiência e produtividade, e consequentemente, aumento da
rentabilidade (conforme a figura abaixo) . Boa parte das empresas estatais na
América do Sul eram fontes de déficit fiscal antes dos anos 1990, com exceção no
Chile, na Colômbia e, em menor medida, no Brasil (LLOSA, 2004).
Melhoras nos índices sociais e serviços básicos também foram verificados.
No caso argentino, as privatizações contribuíram para a redução da mortalidade
infantil. Llosa (2004) relata que antes de 1995, a taxa de mortalidade infantil
declinava em ritmo mais ou menos parecido em todos os municípios da Argentina.
Estudos indicam que depois de 1995, nos municípios onde a água havia sido
44
privatizada o índice de mortalidade infantil acelerou sua queda entre 4,5% e 10%
(LLOSA, 2004).
Tabela 1
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados de “The Privatization Paradox”, Latin American
Economic Policies, Segundo trimestre, vol. 18, Washington D.C. Departamento de Investigações do
Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2002, p.1. apud LLOSA, 2004, p. 237.
Llosa (2004) apresenta dados que corroboram para a certificação do aumento
de rentabilidade das empresas privatizadas na América do Sul:
La rentabilidad de las empresas privatizadas creció 51% en la Argentina, 61% en el Perú, 41% en México, 8% en Chile y el Brasil, 10% en Colombia y 5% en Bolivia. La producción de esas empresas aumentó entre 25 y 50%, según el país en cuestión, y la productividad, medida en función de las ventas por trabajador, se disparó entre 25 y 112%: Chile y el Perú registraron mejoras de más de 80% (LLOSA, 2004, p. 237).
Llosa (2004) relata que no ano 2000, a política de privatizações perdeu
“oxigênio”, com uma queda de quase 60% de tal medida de transferência de ativos
estatais. Isso em razão de que cada país possui seus setores “intocáveis” ou
essenciais para o desenvolvimento nacional. O Chile, apesar de pioneiro nas
privatizações, manteve o setor mineral, especialmente cobre (componente
fundamental nas exportações do país), 40% do setor nas mãos do Estado por meio
da Corporación Nacional de Cobre - Codelco,
Para o Brasil, Venezuela e Equador (e Argentina, a exemplo da emblemática
nacionalização da YPF em 2012), a venda de ativos do setor de petróleo e gás é
51
61
8 8 10 5 0
10
20
30
40
50
60
70
Argentina Peru Chile Brasil Colombia Bolivia
Aumento da rentabilidade das empresas privatizadas na década de 1990
45
bastante polêmica, pois além de essencial, as altas nos preços de tal campo
representam um grande atrativo aos governos manterem a propriedade de tais
recursos. Por outro lado, ainda se permite a participação de capital privado no
negócio de forma parcial ou como sociedades de capital misto com o Estado
(LLOSA, 2004). “Descontando estas considerables excepciones y otras más, es
indiscutible que en la década pasada ninguna otra región del mundo, ni siquiera
Europa Central, sucumbió a la fiebre de la privatización como lo hizo América Latina
(LLOSA, 2004, p. 238).”
3.3 Crises do final dos anos 1990 na América do Sul
Na década de 1990, a América do Sul ainda possuía grandes limitações à sua
inserção de forma mais competitiva na economia mundial. Muitas ainda persistem na
maioria dos Estados da região, porém de forma mais tênue. Limitações como a
vulnerabilidade externa, o atraso tecnológico, a ausência de uma infraestrutura
adequada, a crise fiscal do Estado e o alto endividamento externo (LEME, 2010),
dificultaram uma maior efetividade dos benefícios das medidas liberalizantes, já que
eram problemas com raízes históricas.
A liberalização financeira da década de 1990 e a falta de controle de capitais
possuiu um custo. Do ponto de vista da desregulamentação financeira-comercial
adotada pelas nações desenvolvidas e em desenvolvimento no final da década 1990,
Vizentini (2006) afirma:
A eliminação das regulamentações financeiras e comerciais criaram um sistema fortemente especulativo, no quadro de um sistema monetário internacional altamente permeável (grande facilidade de transferência e de evasão fiscal) e da articulação de verdadeiros circuitos subterrâneos e informais, geridos no âmbito de empresas privadas e não-controlados por governos (VIZENTINI, 2006, p.299).
No final da década de 1990, o subcontinente sul-americano novamente em
sua história passava por uma crise financeira e certo desgaste econômico-social.
Um caso a parte seria o da Argentina, país erroneamente considerado um fiel
seguidor da modelo econômico neoliberal e de alinhamento automático com os
Estados Unidos, mas que passou pela mais grave recessão econômica da região.
No início de seu mandato, o presidente Menem (1989-1999) controlou a
inflação e obteve certo crescimento econômico graças ao currency board (câmbio
46
atrelado ao dólar) e ao ingresso de recursos externos, possibilitado pelas
privatizações e desestatizações na economia (BANDEIRA, 2002). Contudo, ao final
do mandato no ano de 1999, o déficit argentino na conta corrente do balanço de
pagamentos era de US$ 12,5 bilhões, e o déficit na balança comercial de US$ 2,17
bilhões. Tais déficits iniciaram uma especulação e desconfiança crescente na
economia do país, o que levou a uma ligeira suspensão dos empréstimos,
investimentos direto e em portfolio. As exportações argentinas tornaram-se muito
caras em razão da a Lei de Conversibilidade (currency board) dificultando o
equilíbrio fiscal prometido e não cumprido pelo governo posterior de Fernando de La
Rúa (1999-2001). “À Argentina não restou alternativa senão o default, isto é, a
suspensão do pagamento da dívida externa que saltou de US$132 bilhões para
US$ 141 bilhões, no início de 2002 (BANDEIRA, 2002)”.
Os setores mais dinâmicos e rentáveis da economia (petróleo, eletricidade, telefonia, bancos etc.) foram privatizados e entregues aos investidores estrangeiros. No período de 1990 a 1998 o governo vendeu 20 bilhões de dólares de empresas estatais, sendo 60% para estrangeiros. As antigas empresas estatais faziam remessas de lucros que pioravam o saldo do balanço de pagamentos. A recessão interna e o desemprego em massa, ao reduzirem o poder de compra da população, ajudavam a manter a paridade cambial. A Argentina retrocedeu no tempo e voltou a ser uma nação primário-exportadora. A crise social atingiu níveis insuportáveis no fim da década de 1990, quando a taxa de pobreza chegou à marca de 30%( NEUTZLING, 2008, p, 17).
Giambiagi e Almeida (2003) relatam que apesar de o Estado argentino ser
considerado por muitos como um “aluno aplicado” das medidas neoliberais, o país
que teve seu PIB encolhido em 20% entre 1999 e 2003, não seguiu os ditames da
disciplina fiscal e taxa de câmbio de mercado associados ao Consenso de
Washington. Isso se deve ao currency board adotado até o estouro da crise de 2002,
aumentando assustadoramente a dívida externa e os saldos negativos no BP do
país.
O Brasil, embora com sua grande dimensão econômica regional, também
sofreu com a crise do final da década. Apesar de o Plano Real de Fernando
Henrique Cardoso em 1994 ter diminuído a inflação para um dígito anual, a taxa de
câmbio real cresceu, encareceu as exportações brasileiras, o que resultou em
déficits fiscais crescentes na balança comercial (BANDEIRA, 2002). Bandeira (2002)
apresenta os dados que remetem à crise financeira brasileira:
47
O déficit na balança comercial alcançou US$38,1 bilhões em seu
montante de 1996 a 2000;
A dívida externa saltou de US$ 123,4 bilhões, em 1990, para US$ 235
bilhões, em 2000, cerca de 100% de aumento;
O déficit na balança de pagamentos em 1999 representava cerca 60%
das exportações, o que abalou a confiança dos investidores.
Embora o governo FHC tenha promovido um ajuste econômico que reduziu o
déficit fiscal de mais de 10% do PIB, em 1999, para 4% em 2000, houve um
desgaste no início de seu segundo mandato (1999-2003), resultado também do
ataque especulativo de 1999 que desvalorizou o real (BANDEIRA, 2002). Segundo
Bandeira (2002) o Brasil continuava como um dos países com maior desigualdade
na distribuição de renda, de grande indigência a pobreza de amplas camadas
sociais, mesmo estando entre os 10 maiores PIBs do mundo.
O Chile, maior experiência neoliberal da região, também passou por um
período de certo desgaste de sua situação econômica e social no final da década de
1990:
Sua dívida externa duplicou nos anos 90, saltando de US$ 18,5 bilhões (1990) para US$ 39 bilhões (2000), 9% de sua força de trabalho estava desempregada (dezembro de 2000), quase um milhão de pessoas viviam abaixo do nível de pobreza e cerca de 700.000 famílias estavam
endividadas, como quase toda a classe média (BANDEIRA, 2002, p. 139).
A Bolívia, apesar da evolução nos índices econômicos, não apresentou
grandes melhoras nos índices sociais, e passou por uma turbulenta agitação dos
movimentos sociais. Segundo Bandeira (2002), a estabilidade econômica e o
crescimento econômico a uma taxa média de 3,9%, entre 1990 e 1998, e a inflação
de 7.000%, em 1985, para 3%, em 1999, não contribuiu para diminuir os índices de
pobreza em que mais da metade da população boliviana (63%), especialmente a de
origem indígena, vivia no ano 2000. 17
Um momento de tensão social foi o conflito da água de Cochabamba. O
levante popular ocorreu nos dias 7 e 8 de abril de 2000, envolvendo também os
plantadores de coca e trabalhadores das cidades, contra o aumento das tarifas de
água da cidade. De acordo com Bandeira (2002) desde 1985 as condições sociais
17
Tal situação supostamente vivida pela comunidade indígena boliviana e por representar a maioria da população do país, contribuiria significativamente para a ascensão de Evo Morales ao poder em 2006, de origem indígena e líder dos plantadores de coca.
48
na Bolívia estavam em franca deterioração. Mais de 80% dos camponeses do país
foram levados à condição de miséria, e a questão agrária não foi resolvida. O
movimento se intensificou e se alastrou a outros setores sociais como os estudantes
e policiais que também reclamavam das condições de vida. O presidente Hugo
Banzer decretou estádio de sítio por 90 dias intensificando a repressão (BANDEIRA,
2002).
As tensões, porém, voltaram a agravar-se meses depois, quando se anunciou a construção de três bases militares na região de Chapare, com o suporte dos Estados Unidos no marco da luta antidrogas, e outras manifestações de protesto eclodiram, acarretando o bloqueio das estradas e violentos choques entre tropas do exército e camponeses, que se opunham à erradicação dos cultivos de coca e à Ley de Aguas por impedir o funcionamento das redes a seu cargo. A renúncia de Banzer configurou-se como a única saída para apaziguar o país (BANDEIRA, 2002, p. 140).
A Venezuela também passou por uma forte crise econômica, instabilidade
política e agitação social, entretanto, não datados unicamente do final da década de
1990. Em 1989, o povo saiu às ruas repudiando um pacote econômico de aplicação
pretendida pelo recém-ascendido presidente Carlos Andrés Pérez nos moldes do
consenso (BANDEIRA, 2002).
Após uma tentativa de golpe de Estado em 1992, o tenente-coronel Hugo
Chávez é detido, porém começa a ganhar popularidade entre o povo venezuelano.
Isso foi notável com a ascensão ao poder em 1998, no partido MRV – Movimiento
Quinta República, sendo eleito com 56 %dos votos, com o apoio de outros partidos
de esquerda (NEVES, 2010), e promessa de uma revolução pacífica e democrática
(BANDEIRA, 2002).
Contudo, Chávez não conteve a crise econômica e social, mesmo favorecido
pelos altos preços do petróleo18. Desastres naturais também contribuíram para a
crise e para a desestabilização do governo. Enchentes e desabamentos do fim de
1999 resultaram na fuga de capitais e prejuízos avaliados entre US$ 15 e US$ 20
bilhões (BANDEIRA, 2010). Em 2002, o presidente abandona o modelo de bandas
cambiais a fim de evitar a saída em massa das reservas internacionais:
As reservas internacionais caíram de US$ 16,1 bilhões de dólares, em janeiro de 2001, para US$ 12,2 bilhões, em dezembro, a maior queda em uma década, o que reduziu as reservas do Banco Central em 23,7%. Cerca de US$ 700 milhões evadiram-se da Venezuela somente na primeira semana de fevereiro de 2002 (BANDEIRA, 2010, p.143).
18
A Venezuela, juntamente com o Equador, foi um dos dois únicos países da América do Sul a ter, na segunda metade dos anos 90, saldo positivo na sua balança comercial, devido às exportações de petróleo para os Estados Unidos (BANDEIRA, 2002).
49
Entre 2002 e 2004, o governo de Chávez passaria por forte crise institucional.
Além da quebra do sistema de bandas cambiais, outras reformas econômicas
realizadas foram a redução de gastos em 7% e corte de dívidas do governo pela
metade, provocando a desvalorização excessiva da moeda local, o bolívar, e
motivando protestos no centro de Caracas (BANDEIRA, 2010). Uma tentativa de
golpe de Estado foi realizada em abril de 2002, com apoio dos Estados Unidos, mas
fracassou em razão da “popularidade da oposição popular e repúdios dos demais
países da América do Sul” (BANDEIRA, 2010, p. 143).
Apesar da crise internacional vivida pela América do Sul nos anos 1990 ser
vista muitas vezes como a crise do neoliberalismo ou do Consenso de Washington,
Bandeira (2010) reconhece que a conjuntura desfavorável é pré-existente ao período
da tentativa de adoção do pacote. Porém, na década de 1990, especialmente no
final, agravaram-se os problemas históricos do aumento da dívida externa e dos
déficits na balança comercial e na balança de pagamentos.
Em tais circunstâncias, tornou-se cada vez mais difícil para os países da América do Sul atender ao serviço da dívida externa, até então feito, em parte, com o saldo positivo da balança comercial, situação agravada também pelas remessas de lucros, royalties e transferências clandestinas, que recresceram em consequência da desnacionalização das empresas, sobretudo estatais, ao passarem para o controle de capitais estrangeiros (BANDEIRA, 2010, p. 146).
Para Llosa (2004), o erro nas privatizações na América do Sul foi a maneira
como ela foi conduzida e não a política em si. Para o autor, as privatizações, assim
como reformas na região, apresentaram a falha de o Estado no tratamento da
propriedade dos ativos. “A preocupação inicial dos governos era a urgência de obter
ingressos fiscais da venda das empresas ou a redução de obrigações por meio de
trocas de investimento” (LLOSA, 2004, p. 246). Os Estados atuaram como se os
ativos estatais fossem ativos pertencentes ao Estado como tal e não aos
trabalhadores que haviam misturado o seu trabalho a eles, ou de forma mais ampla,
os membros da sociedade que se esforçaram para manter a existência das
empresas.19 Para o autor, o Estado escolheu os beneficiários e trocou com eles os
direitos de propriedade em troca de dinheiro, sem participação social no processo.
19
A importância da participação e aprovação da população no processo de privatizações de empresas é relatado na primeira seção “revisitando o receituário do Consenso de Washington”, em análise realizada por Symoniak.
50
Llosa (2004) considera a onda de privatizações realizadas na América do Sul
na década de 1990, como viciada em estatismo e não representando uma transição
ao mercado livre. A transição do nacionalismo econômico ao neoliberalismo,
segundo o autor, foi uma transição da posse dos ativos, mas não dos direitos de
propriedade, que seguiram sendo prerrogativas estatais.
La política privatizadora no ha sido adoptada con igual entusiasmo por todos los países, su aceptación disfrutó de un soporte bastante amplio hasta los 3 o 4 últimos años. Las dificultades económicas en América Latina a consecuencia de la crisis Asiática de 1997 canalizaron el rechazo de muchas reformas, incluidas las privatizaciones. Se pasó de um apoyo muy amplio, revelado por una encuesta de las Naciones Unidas en 1995 (United Nations, 1999), a un rechazo creciente, como se puso de manifiesto en las encuestas del Latino barómetro entre 1998 y 2003 (ESTACHE; TRUJILLO, 2004).
3.4 A Guinada à Esquerda e as Expropriações de Ativos Internacionais
Se o pêndulo sul-americano é movido por alguma força que o faz pender para
o lado, essa seria a crise econômica, política e social. A crise da década perdida de
1980 de hiperinflação e estagnação fez a América do Sul abandonar o Estado
desenvolvimentista, conforme Cervo (2007)20 - marcado pela ISI, pelo protecionismo
comercial, regulação financeira e da ingerência excessiva do Estado na atividade
econômica - , ao Estado de adoção neoliberal, de aproximação dos países ricos
(especialmente com os Estados Unidos), de abertura comercial, de atração aos
investimentos estrangeiros e de diminuição do papel do Estado na economia.
A crise do final da década de 1990, de suspensão de pagamentos e de
estagnação, teria grandes consequências no espectro político regional. As reformas
liberalizantes da década de 1990 pareceram não gerar o crescimento esperado,
movendo a América Latina para a esquerda, e seus governos aumentaram os gatos
para reduzir a pobreza e desigualdade (FUKUYAMA, 2011, p.48). Na virada do
século, surgiram governos mais colidentes com a agenda neoliberal e hegemônica,
contudo “marcando um movimento muito mais heterogêneo em comparação com a
uniformidade observada na década imediatamente anterior” (COUTINHO, 2006, p.1).
Conforme Ayerbe (2008) descreve, o período compreendido na virada do século XX
para o século XXI na América do Sul foi caracterizado por três elementos:
20
Ou mesmo “Estado-mamute”, conforme descreve Llosa (2004).
51
Esgotamento do ciclo econômico marcado pela liberalização de mercados, no contexto do Consenso de Washington (os governos que ascenderam foram legitimados pela oposição ao receituário); Crítica ao modelo dominante, e tentativa de construção de alternativa de poder estatal, movidos por forças políticas e movimentos sociais; e
Emergência de governos preocupados com a revalorização do protagonismo do Estado em relação ao mercado, com o objetivo de recuperar capacidades de gestão nos âmbitos interno – especialmente na promoção de equidade social – e externo, em busca de afirmação regional no âmbito sul-americano e maior autonomia nas relações com os Estados Unidos (AYERBE, 2008, p. 9).
Na primeira metade da década do início do século XXI ocorre uma onda
inédita de governos de orientação de esquerda, nacionalistas e social-democratas.
O movimento iniciado por Chávez em 1998, desencadeou uma série de governos
preocupados com recrudescimento do Estado na economia: Ricardo Lagos no Chile
(1999) (mesmo com o saldo relativamente positivo das reformas). Lula no Brasil
(2002); Nestor Kirchner na Argentina (2003); Tabaré Vásquez no Uruguai (2004); e
Evo Morales (2005) na Bolívia. A exceção seria Álvaro Uribe, que por conta da maior
preocupação com a segurança interna e no controle do narcotráfico, alinha-se
automaticamente com os Estados Unidos. “Cada um a seu modo reexamina
privatizações, aberturas comerciais, reformas previdenciárias e trabalhistas, de
modo bastante pragmático na maioria das vezes” (LIMA; COUTINHO, 2007).
Lima e Coutinho (2007) descrevem a intensidade particular das mudanças
políticas-econômicas nos países sul-americanos. Brasil e Chile não representaram
uma ruptura radical quanto aos governos anteriores, pois promoveram mais
continuidades do que mudanças. Contudo, produziram ajustes estruturais,
implantaram políticas de aproximação com setores populares, e interromperam o
processo de redução do Estado. A Argentina sim, em razão da intensa crise de 2002
e a instabilidade institucional e grande agitação social decorrente, implantaria
mudanças mais nítidas, como a interrupção de pagamentos e renegociação da
dívida externa. Segundo os autores, no extremo da mudança estaria a Venezuela
com o socialismo do século XXI, e posteriormente a Bolívia e o Equador. O Peru
indica uma moderação na guinada à esquerda (LIMA; COUTINHO, 2007).
Quanto ao caráter político da maioria dos governos sul-americanos surgidos
no século XXI, Rodríguez (2008) relata a presença do neopopulismo como
aproximação das causas sociais, afastamento das elites, o personalismo do
“salvador ou messias”, e o nacionalismo presente nas nacionalizações de ativos, e
52
maior controle e gestão das empresas estatais. O autor critica o fato de que os
presidentes neopopulistas utilizarem a políticas estatizantes como forma de angariar
apoio popular, e arrefecer o nacionalismo, além de sempre acusarem as políticas
liberais dos governos anteriores:
De um modo paradoxal, os neopopulismo telúricos latino-americanos (Chávez, Correa, Morales, Lugo) partem para um acirramento da onda estatizante, a fim de reagir contra as privatizações efetivadas pelas elites liberal-conservadoras nos momentos anteriores. Elas teriam traído a causa do povo ao entregar às multinacionais a riqueza do país. Sem que tal processo signifique uma racionalização do Estado, os novos messias partem para estatizar em nome do povo, politizando, nos casos mais moderados (como no populismo petista) as agências reguladoras, que são tiradas do domínio dos técnicos e entregues às lideranças sindicais, essas sim representativas do povão. No contexto dessa nacionalização, emerge uma espécie de mágica econômica, que produz resultados alvissareiros (RODRÍGUEZ, 2008, p. 9).
Carvalho (2008) divide os países de governos de orientação de esquerda em
duas classificações: “esquerda boa” e “esquerda má”. Na primeira, estariam Brasil,
Chile, e Uruguai que não promoveram grandes mudanças (conforme anteriormente
descrito), e respeitam o bom comportamento convencional. No segundo grupo
estariam Argentina, Bolívia, Venezuela e Equador (este de experiência mais recente
em relação aos demais), que não respeitam tal manual. Segundo Carvalho (2008),
os paradigmas econômicos de Argentina, Venezuela e Bolívia no século XXI
possuem comum tais elementos:
Tolerância com a inflação, mas com superávits fiscais significativos;
Ruptura dos contratos como instrumento de política econômica
possível, mas não sistemático, com objetivos diversos: fortalecer
empresas estatais, aumentar a receita fiscal, reduzir pressões
inflacionárias, além de objetivos políticos;
Ampliação do protagonismo estatal na política econômica:
direcionamento da inversão, valorização das estatais, controle de preços,
controles sobre o câmbio e comércio externo;
Despreocupação com “ganhar credibilidade dos mercados”, ao lado de
discurso favorável ao investimento privado (CARVALHO, 2008, p.190).
Analisar-se-á os casos mais emblemáticos de tentativa de retorno do
protagonismo do Estado na ingerência econômica na primeira década do século XXI,
53
com maior destaque às expropriações de ativos internacionais na Argentina,
Venezuela e Bolívia.
3.4.1 Venezuela
Ao ascender ao poder em 1999, Hugo Chávez enfrentava forte oposição
interna, de elites tradicionais e acarretando em uma polarização política (AYERBE,
2008). Contudo, apesar do discurso carregado de radicalismo, no início de seu
primeiro mandato o presidente optou pela continuidade de boa parte da política
econômica de Rafael Caldera, à exceção da política petroleira. Manteve a ministra
de Finanças, Maritza Isaguirre, do governo anterior, assim como os compromissos
firmados com o FMI, e enfatiza o equilíbrio macroeconômico e controle da inflação
(LANDER; NAVARRETE, 2007, p. 14 apud CARVALHO, 2008, p 192). Entretanto,
segundo Carvalho (2008), apesar do controle inicial da inflação, ocorreu um forte
declínio nos investimentos privados, e em razão disso, o governo venezuelano se
concentrou na atuação perante a OPEP, para a recuperação dos preços do petróleo
e nas iniciativas para atrair investimentos externos (CARVALHO, 2008, p.192).
Após 2002, depois do mal sucedido golpe de Estado contra Chávez
(conforme relatado), houve uma reestruturação do corpo de diretores da PDVSA, e o
governo passou a exercer um maior controle da empresa estatal. A renda gerada
pela gigante petroleira foi em certa medida utilizada em gastos sociais, e na criação
de fundos para sanar a desigualdade social. Estes fundos foram o FONDESPA –
Fondo para el Desarrollo Económico y Social del País criado em 2004, e o FONDEN
- Fondo de Desarrolo Nacional S.A, criado em 2005, ambos para incrementar a
recuperação econômica e os investimentos na área social. O governo limitou a
receita apropriada pela PDVSA em US$26 por barril, e o restante foi destinado a um
sistema de fundos, a exemplos dois citados (CARVALHO, 2008). Segundo Carvalho
(2010), “o gasto total subiu para 30% do PIB em 2006 e o gasto social saltou de
8,2% do PIB em 1998 para 13,6% do PIB em 2006 (Sisov e BCV), e passou a
representar 44% do gasto total (contra 34,7% em 1998)” (CARVALHO, 2010, p. 192).
Em 2004 ocorre um plebiscito o qual mantém Chávez no poder, o que
ajudou a legitimar o seu governo. O presidente então passa a comportar-se de
forma muito confrontacionista no sistema internacional, bem como “questionador dos
54
valores e interesses das democracias de mercado, em particular dos EUA”, e na
promoção da revolução bolivariana (VIOLA; LEIS, 2007, p. 177). Contudo, tal
relação é contraditória. A Venezuela é altamente dependente da exportação de
petróleo para os EUA, e das importações industriais para abastecer o mercado
interno. Isso significa que o país manteve certo grau de abertura comercial mesmo
mantendo políticas nacionalistas.
O governo chavista adotou a política de câmbio fixo a partir de 2005 de forma
a reduzir a inflação e regular a economia (CARVALHO, 2008). Exemplo de aumento
do protecionismo e regulação estatal, a centralização do câmbio ocorreu em 2003
quando foi criada a Comissão de Administração de Divisas – CADIVI, que passou a
emitir as licenças de importação e administração do fechamento dos contratos de
câmbio (CARVALHO, 2008, p.193)
Chávez acumulava poder pessoal e foi fortalecido pelos altos preços do
petróleo, o que o ajudou em sua reeleição em 2006 com 62,9% dos votos, além de
garantir o controle da maior empresa do país, a PDVSA, responsável por cerca de
60% das receitas fiscais (NEVES, 2010; VIOLA; LEIS, 2007). O presidente
demonstrava uma capacidade inusitada de intervir não só na política latino-
americana, como na política mundial (VIOLA; LEIS, 2007). A partir de então, seu
governo elevaria o discurso de “mudanças estruturais mais profundas, sob a
bandeira ‘socialismo do século XXI’” (AYERBE, 2008, p. 10). E em contraponto às
relações hemisféricas com EUA, propõe uma Alternativa Bolivariana para as
Américas (ALBA), aprofundando os componentes anticapitalistas de seu regime, que
se efetivaria mais fortemente com a execução de projetos de governo como a
criação de canais estatais acompanhadas do combate aos canais de comunicação
privados da oposição, e as nacionalizações de empresas que haviam sido
privatizadas, especialmente as dos setores de telecomunicações e energia
(AYERBE; 2008; NEVES, 2010; VIOLA; LEIS, 2007).
De acordo com Neves (2010), em 2007 foram nacionalizadas de forma
negociada com os antigos proprietários duas empresas que haviam sido privatizadas
na década de 1990 durante as reformas neoliberais dos governos anteriores: na
área de telecomunicações a Compañía Anónima Nacional de Teléfonos de
Venezuela – CANTV, por meio da compra da maioria das ações, que havia sido
privatizada em 1991 no governo de Carlos Andrés Perez (1989-1993); e no setor de
55
eletricidade a Servicio Eléctrico de Nueva Esparta y Electricidad de Caracas –
SENECA, depois de acordos com empresas americanas.
Neves (2010) descreve que no setor de petróleo, Chávez realizou alterações
nos direitos de propriedade. O presidente anunciou em abril de 2006 o aumento de
60% na participação da PDVSA nos grandes projetos da Faixa do Orinoco, o que
gerou atritos com as americanas Exxon Mobil e Conoco Philips, que rechaçavam
formar uma companhia mista com maioria do capital acionário nas mãos do governo
venezuelano 21 . Porém, após negociações e promessas de indenizações não
cumpridas, “os contratos de parceria foram finalmente implantados em maio de 2007”
(NEVES, 2010, p.87).
A partir de então, Hugo Chávez começou a planejar a diversificação da
economia, dos mercados e dos destinos do refino e das parceiras, além de evitar a
atrofia dos demais setores produtivos. Para isso, dependia dos recursos da venda
petróleo, além aproveitar racionalmente os ingressos fiscais, explorar novos campos
e aumentar a produção. Tais medidas faziam parte do Plano Siembra Petrolera
(NEVES, 2010), assim descrito pelo presidente:
“…hoy estamos implementando un programa estratégico llamado Plan Siembra Petrolera, usando la riqueza del petróleo para que Venezuela se convierta en un país agrícola, un destino turístico, un país industrializado con una economía diversificada. Estamos invirtiendo miles de millones de dólares en infraestructura: generadores de electricidad que usan la energía térmica, un gran ferrocarril, caminos, carreteras, nuevos pueblos, nuevas universidades, nuevas escuelas, recuperando tierras, fabricando tractores y dando préstamos a los agricultores. Un día no tendremos más petróleo, pero eso será en el siglo veintidós. Venezuela tiene petróleo para otros 200 años” (NEVES, 2010, p. 87).
Chávez ensaiou uma aproximação com a China e com a Índia, de forma a
diversificar os mercados e reduzir o grau de dependência em relação às exportações
de petróleo aos Estados Unidos. Neves (2010) destaca que o custo de exportação
de produtos aos dois países asiáticos é alto, em razão da Venezuela não possuir
saída ao Pacífico e não há como os petroleiros passarem pelo Canal do Panamá.
Além disso, a China importa em maior parte o petróleo do Mar Cáspio, aventura-se
na exploração do petróleo do Mar da China e não possui a capacidade de refino do
petróleo venezuelano (rico em enxofre), como os Estados Unidos possuem (NEVES,
2010).
21 Cronología de nacionalizaciones y expropiaciones en Venezuela desde 2007, 13/ 05/2010.
Disponível em < http://globovision.com/articulo/cronologia-de-nacionalizaciones-y-expropiaciones-en-venezuela-desde-2007>. Acesso em 20 de novembro de 2012.
56
Segundo Neves (2010), Chávez também buscava a diversificação das
parcerias no setor petroleiro, o que poderia criar possibilidades para a Petrobras. O
presidente procurava atrair companhias que não fossem parte do conjunto
tradicional das parcerias das nações desenvolvidas formado em grande parte pela
Exxon, a Shell e a Brititish Petroleum. Empresas não tradicionais desse conjunto
seriam aquelas oriundas, por exemplo, da China, Índia, Rússia e Brasil. Para Neves
(2010), nesse contexto a Petrobras pode ganhar espaço na Venezuela, ao refinar o
petróleo vindo do país, na medida em que Chávez opte por “abrir os mercados de
Argentina e Brasil, com o Grande Gasoduto do Sul” (NEVES, 2010, p. 87).
Neves (2010) exibe dados da relevância da PDVSA, e também aborda o viés
negativo do setor petroleiro. O setor é orientado às exportações, sendo que apenas
20% da produção são consumidas internamente, e o excedente de capital incentiva
as importações. Em 2010, a PDVSA empregava “cerca de 45 mil trabalhadores, o
que representa 0,7% da população economicamente ativa do país. O setor petroleiro
representa cerca de um terço do PIB, 50% das receitas governamentais, e 80% das
exportações do país (NEVES, 2010, p. 88).” Contudo, a concentração da economia
no setor desestimula a inovação em outras cadeias produtivas. Além disso, os
trabalhadores não são incentivados à capacitação, pois o setor petroleiro não gera
uma grande demanda por pessoal qualificado (NEVES, 2010, p.88).
Por fim, Neves relata um paradoxo no qual se contradiz o desenvolvimento
social na Venezuela (o que foi profundamente criticado nos discursos contra o
Consenso de Washington e privatizações) com a concentração econômica no setor
petroleiro:
Essa concentração não atinge apenas o setor industrial, mas também o setor agrícola, que não é estimulado a oferecer uma alternativa de geração de renda. A situação gera um paradoxo: a necessidade de se investir no setor petroleiro para aumentar as receitas e colocar o plano de desenvolvimento social em prática, estimula-se ainda mais a concentração da inovação em apenas um setor da economia, fundamento do processo de concentração de renda no país. A geração de empregos por capital empregado na extração de petróleo é baixa. Investimentos de cerca de US$ 4 bilhões para extração de petróleo na Faixa Petroleira do Orinoco, por exemplo, geram cerca de 700 empregos diretos após a conclusão das obras. Durante a construção, o número de funcionários em um investimento desses pode chegar a 6 mil, mas são postos de trabalho de existência relativamente curta, e, levando em consideração o valor total dos investimentos é, ainda assim, baixo (NEVES, 2010, p. 88).
57
3.4.2 Bolívia
As nacionalizações de empresas na Bolívia e o governo de Morales (2006 à
atualidade) são atrelados à reação popular e aos movimentos sociais. Apesar da
estabilidade econômica alcançada pela Bolívia com as reformas pró-mercado, o país
passou por uma forte polarização política e social. Segundo Viola e Leis (2007, p.
178), “a região leste, com sua cultura empreendedora, conseguiu nos últimos 15
anos um alto e continuado crescimento econômico; o altiplano, preso a uma cultura
introvertida e estatista, permaneceu estagnado”. Tal discrepância fez crescer “um
movimento indigenista, popular e nacionalista contrário aos projetos de investimento
estrangeiro” e “contra a concessão a empresas estrangeiras da produção e da
exportação de gás natural” (VIOLA; LEIS, 2007, p. 178; AYERBE, 2008, p.10) . Em
2003, o presidente Sanchéz de Lozada renuncia e abre-se uma crise institucional na
Bolívia.
O vice-presidente Carlos Mesa assume o poder até junho de 2005, quando
por mais uma vez a convulsão social o fez renunciar, fazendo com que o Congresso
Boliviano elegesse para presidente, Eduardo Rodríguez Veltzé, que conduziu o país
até as eleições no final de 2005. Em dezembro, é eleito Evo Morales, líder dos
plantadores de coca, ex-deputado pelo Movimento ao Socialismo - MAS. Para Viola
e Leis (2007), a eleição de Morales tornou o país à beira da desintegração, com sua
tentativa de estabelecer uma república indígena no país e “implementação de uma
política estatista populista (nacionalização das indústrias de petróleo e gás, reforma
agrária, aliança com o regime chavista)” (VIOLA; LEIS, 2007, p. 179). Ayerbe (2008)
expõe que o nacionalismo presente na expropriação:
O novo presidente se mostra decidido na promoção de ações em favor da ampliação do controle estatal das riquezas naturais, confrontando interesses de empresas multinacionais dos setores de gás e petróleo, inclusive de origem brasileira, com implicações para as relações da Bolívia com seus países vizinhos (AYERBE, 2008, p. 10).
A recuperação do controle sobre os recursos naturais fazia parte da
orientação geral de “refundar o Estado” (CARVALHO, 2008). Para isso, Evo Morales
rompeu contratos com empresas estrangeiras para a estatização do gás e petróleo,
os quais segundo o presidente eram ilegítimos pelas condições em que tinham sido
assinados nos governos anteriores (CARVALHO, 2008, p. 195).
58
A nacionalização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos - YPFB em
2006 teve como estratégia similar à de Hugo Chávez com a PDVSA. Evo Morales
anunciou a associação com o capital estrangeiro, com a criação de empresas mistas
ou de tipo de joint ventures, e detendo as ações majoritárias sobre o controle do
Estado (DURAN GIL, 2008). Segundo Duran Gil (2008), o Estado boliviano ao
recuperar a propriedade jurídica da YPFB, aumentou o imposto relativo, contudo, em
primeiro momento, “manteve intacto o essencial do negócio nas mãos das
transnacionais petrolíferas que operam no país com mínimo investimento: o
monopólio da extração, da prospecção e, sobretudo, da comercialização (DURAN
GIL, 2008, p. 43)”. Apesar disso, no processo de nacionalização, o conflito entre o
governo Morales e as transnacionais petrolíferas se apresentou como se fosse um
conflito entre países (Espanha, que defendeu a Repsol YPF; Brasil, a Petrobras etc.),
gerando atritos com a comunidade internacional (DURAN GIL, 2008, p. 61).
Para Carvalho (2008), “as relações entre conflitividade política, ruptura de
contratos, e política econômica ‘cuidadosa’ são muito singulares na trajetória do
governo Morales” (CARVALHO, 2008, p.195). O autor descreve que o superávit
fiscal elevado (4% do PIB) garantido pelas nacionalizações do petróleo e gás
permitiram um aumento do gasto social por parte do governo. Entretanto, tal folga
fiscal também foi uma fonte de conflito com a oposição e com os governos regionais
“na disputa pela apropriação deste excludente fiscal gerado pelos conflitos do
governo com as empresas estrangeiras” (CARVALHO, 2008, p. 195).
Duran Gil (2008) descreve que as mudanças socioeconômicas realizadas por
Evo Morales, revelam traços neopopulistas em seu governo. Dentre elas:
A implementação de uma política nacional-desenvolvimentista com forte controle do Estado, viabilizando assim uma modalidade de capitalismo de Estado de tipo periférico, o que implicava a reconquista da soberania nacional e, por conseguinte, a recuperação dos recursos naturais articulada a uma política de nacionalização (DURAN GIL, 2008, 43).
Duran Gil (2008) critica o fato de o governo Morales preferir se contentar com
as rendas do setor de petróleo na implantação de programas redistributistas e
projeto neodesenvolvimentista, em vez de utilizar os recursos energéticos de forma
a promover o desenvolvimento industrial do país com qualidade. Segundo o autor,
ocorre a defesa do “Estado rentista” (conforme relatado nas seções anteriores por
Llosa) e não o “Estado produtor” ou industrializador, resultando na permanência do
59
estágio atraso no desenvolvimento, baseando-se no histórico modelo mineiro-
extrativo da economia boliviana ao longo do século XX (DURAN GIL, 2008, p. 43).
3.4.3 Argentina
Após uma severa crise econômico-financeira atravessada em 2001 e 2002,
marcada pela conversibilidade (já descrita anteriormente), a Argentina apresentaria
uma notável mudança político-econômica. Conforme relata Carvalho (2008):
Esta política se formou a partir da ruptura drástica e unilateral de contratos: o bloqueio dos depósitos bancários e sua conversão forçada em pesos a um câmbio fixado pelo governo; a moratória da dívida externa com agentes privados, e a alteração dos contratos com concessionárias de serviços públicos que haviam adquirido empresas estatais nas confusas privatizações do início do governo Menem (CARVALHO, 2008, p. 193)
Depois do amplo conflito interno, Néstor Kirchner, ex-governador da província
de Santa Cruz, é eleito em 2003 e seria responsável por essa mudança, marcada
por intervencionismo, maior ingerência dos instrumentos econômicos, inclusive como
forma de legitimação, e encaminhamento do processo de normalização institucional
(AYERBE, 2008, CARVALHO, 2008). Ayerbe (2008) relata que a Argentina
apresentava “um descrédito das lideranças tradicionais, emergência de movimentos
sociais radicalizados, que não convergem na direção de um modelo alternativo,
recolocando o Partido Justicialista no centro da política nacional” (AYERBE, 2008, p.
9-10). Segundo o autor, tal aspecto implicaria na inserção regional do país, que se
aproximaria dos países vizinhos sul-americanos e revisaria o alinhamento
automático com os Estados Unidos que vigorou até 2001 (AYERBE, 2008).
De acordo com Viola e Leis (2007), o presidente Nestor Kirchner nos
primeiros anos de seu mandato recebeu apoio entusiasmado da opinião pública e do
povo, em razão de ter negociado a dívida pública com o FMI e da recuperação
econômica do país. Carvalho (2008) relata que a distribuição de renda mínima para
todos os lotes de desempregados foi uma política de grande importância, que
segundo o autor, ”operou na forma keynesiana típica em um país afundado em
gravíssima recessão (CARVALHO, 2008, p. 194)”. Tal medida elevou a receita
tributária, ajudou a sair rapidamente da recessão, declínio da inflação e o governo
passou a receber maior apoio popular.
60
A política cambial no governo Kirchner se baseava na “meta de câmbio real
estável e desvalorização para induzir as exportações em manter o equilíbrio externo,
em um contexto de conflito com os credores privados e grande dificuldade de obter
financiamento de qualquer tipo”. Política semelhante adotada no Chile de 1984 a
1997 (CARVALHO, 2008, p. 194).
Para Viola e Leis (2007), Kirchner apresentava uma economia protecionista
para os parâmetros do século XXI. Um exemplo disso foram as restrições
quantitativas impostas às exportações de carne e controles de preços de diversos
itens, na época da pressão inflacionária em que houve uma recuperação dos preços
das commodities em 2004 (CARVALHO, 20008, p. 194).
Carvalho (2008) descreve que “o ritmo de crescimento acelerado, em torno de
8% a 9% ao ano, fez que já em 2005 o PIB recuperasse todas as perdas sofridas
com a longa depressão iniciada em 1998” (CARVALHO, 2008, p. 195). Contudo, a
divulgação dos índices de preços oficiais do Instituto Nacional de Estadísticas y
Censos – INDEC “gerou grande desconfiança de que a inflação corrente estaria
próxima a 20% ao ano, embora os índices apontem níveis pouco superiores a 10%”.
(CARVALHO, 2008, p. 195). Para Viola e Leis (2007, p. 169), ficou claro que o
governo argentino manipula os índices de inflação.
Viola e Leis (2007) destacam a mudança de prioridade da política externa
argentina em relação aos governos anteriores. “O nacionalismo é o paradigma
dominante nas elites argentinas desde 2002, em contraste com o predomínio liberal
da década de 1990” (VIOLA; LEIS, 2007, p. 170). Os autores descrevem que a partir
de 2007, Kirchner promove uma maior aproximação com o governo chavista e maior
interdependência energética com a Bolívia. Além disso, a Argentina se distancia
ainda mais dos Estados Unidos, apesar do alinhamento quanto à matéria de direitos
humanos.
No plano das reestatizações, Pimenta (2008) relata que Kirchner passou a
exigir mais investimentos das empresas privatizadas, “ao mesmo tempo em que se
recusa a aumentar as tarifas a aumentar as tarifas das empresas de serviços
básicos: água, luz e gás”. Seguindo tal preceito, Kirchner reestatizou os Correios,
que foram umas das últimas privatizações de Menem, declarando a má qualidade
dos serviços prestados; e criou a Enarsa (Energia Argentina Sociedade Anônima),
com a finalidade de recuperar a independência em relação ao petróleo (PIMENTA,
2008).
61
A estratégia neo-desenvolvimentista oficial promove a regulação dos serviços privatizados, observada por muitos analistas econômicos como um mérito do governo, conforme observa Katz (2007). O autor afirma ainda que Kirchner escolheu um caminho distante da submissão menemista, buscando reestatizar ou criar empresas estatais somente nas áreas que apresentavam deficiências e onde as concessionárias não prestaram serviços satisfatórios. Assim, Kirchner não saiu simplesmente privatizando as empresas, mas sim cancelando as concessões por maus serviços prestados. Dessa maneira, Kirchner também promoveu a estatização da empresa Aguas Argentinas (PIMENTA, 2008, p. 95).
A Argentina iniciou uma política de nacionalizações, especialmente depois da
crise de 2002, sob o pretexto de controlar a dívida pública e a remessa de capitais
ao estrangeiro. Muitas empresas argentinas que passaram para o controle privado
durante a gestão de Carlos Menem foram retomadas ao controle do Estado nos
governos seguintes. Entre as companhias que foram recuperadas pelo Estado
argentino, além da já relatadas foi Administradoras de Fundos de Aposentadoria e
Pensão em 2008.
Em 2012, o principal e mais polêmico debate sobre expropriações é do a
nacionalização dos ativos da YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Argentina),
que estava sob controle acionário da multinacional espanhola Repsol desde 1999,
quando foi leiloada por Menem. O Governo Cristina Kirchner decidiu que 51% das
ações da companhia (as antigas ações da Repsol) passariam ao controle do
governo federal, enquanto os outros 49% serão distribuídos entre as províncias. O
governo argentino e suas províncias produtoras de petróleo responsabilizam a
Repsol por não cumprir compromissos de investimentos e que isso, supostamente,
obriga os países a importar grandes volumes de hidrocarbonetos. Argumento, claro,
negado pela multinacional e pelo governo espanhol.
62
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da pesquisa corroboram para a ocorrência do pêndulo sul-
americano, em especial nos países enfatizados Argentina, Bolívia e Venezuela. O
“pêndulo” se movimentou de uma época marcada pela liberalização econômica,
diminuição do Estado na economia, privatizações de empresas estatais ineficientes,
a um Estado mais atuante na economia no século XXI, nacionalizando ativos
internacionais. Conforme descrito, a contraposição das reformas dos anos 2000 em
relação às medidas implantadas na década de 1990 é mais marcante em relação à
retomada de empresas que foram privatizadas na década anterior, exemplificadas
pelas empresas petrolíferas PDVSA da Venezuela, YPFB da Bolívia e YPF da
Argentina.
Para a superação das condições de hiperinflação e estagnação econômica, a
América do Sul não restava alternativa senão integrar-se aos mercados
internacionais. Essa foi a orientação seguida pelos governos democraticamente
eleitos na região na década de 1990, a favor do internacionalismo para o retorno do
crescimento econômico. Além de empréstimos internacionais disponíveis, esses
governos poderiam elevar o volume de capitais estrangeiros e de investimentos.
Igualmente, a adoção de uma economia de mercado significa uma maior facilidade
dos países em adquirirem benefícios da globalização, como a difusão tecnológica e
novos processos produtivos.
Na revisita ao Consenso de Washington conclui-se que o receituário era
adequado à época do final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Naquele momento,
a América do Sul estava mergulhada em uma dívida externa, uma crise fiscal
crescente, e hiperinflação. Pode-se afirmar que o protecionismo exacerbado e
regulamentação excessiva de suas economias contribuíam para tal contexto
desfavorável ao crescimento. Suas economias não estavam adaptadas a receber os
efeitos positivos da globalização, nem se integravam de maneira eficiente aos
mercados internacionais.
As privatizações foram uma forma viável de aliviar as contas públicas e
aumentar a eficiência e produtivas de muitas empresas estatais. Porém erros foram
apurados como na Argentina de Menem. Apesar do aumento da rentabilidade das
empresas e de que grande parte dos ingressos fiscais era destinada à redução do
déficit fiscal, o governo Menem adotou a estratégia de assumir a dívida das
63
empresas privatizadas, o que contribuía como incentivos ao empresariado, mas não
promovia a redução do déficit no balanço de pagamentos. Na Bolívia, o viés seria a
raiz social e popular da propriedade dos recursos naturais que aumentaria o rechaço
das políticas de privatização. Já na Venezuela, o caráter contrário seria o do
oportunismo de Chávez em se apropriar dos recursos do petróleo para finalidades
políticas.
As crises do final da década de 1990 seriam o turning point na América do Sul.
Mas ao contrário do que muito se afirma, não há uma correlação nítida entre o
Consenso de Washington e a situação desfavorável aos países da região. Conforme
Paulo Roberto de Almeida (2008) descreve, “o mito do Consenso de Washington foi
uma criação da esquerda sul-americana que precisava dispor de um novo inimigo
ideológico”. Ou conforme, Roberto Campos, é a busca por bodes expiatórios para
explicação das causas do subdesenvolvimento da região.
De fato, desgastes nos índices sociais nos países sul-americanos foram
verificados. Aumentou-se novamente a dívida externa, o déficit fiscal, o desemprego
e o baixo crescimento econômico. Surgiram então movimentos sociais e políticos
contrários às medidas implementadas na década de 1990, em especial na Argentina,
Bolívia e Venezuela. A Argentina mergulharia na crise mais grave da região, onde
30% de sua população em 1999 se encontravam na linha da pobreza e o país
retornava a ser um primário-exportador. Se houve alguma relação com o Consenso
de Washington a crise no país, esta esteve relacionada ao fato de a Argentina não
ter seguido dois pontos do receituário: taxa de câmbio competitiva e disciplina fiscal,
pois não foram seguidas em razão da lei de conversibilidade de sobrevalorizava o
peso argentino, e que, dentre tantos efeitos, não reduzia o papel de Estado na
regulação econômica conforme o receituário.
As crises foram resultado da má implementação das políticas de mercado por
parte dos governos, que pecaram ao praticarem de forma muito repentina sem
supervisão, ou mesmo carecendo de profundidade e continuidade dessas reformas,
agravados é claro, pela conjuntura internacional de crise financeira. Aumentou-se
assim, novamente a dívida externa, o déficit fiscal, o desemprego e o diminuiu-se o
crescimento econômico. Esse quadro favorece a emergência de movimentos
sociais ávidos por mudanças politicas. Surgiram então movimentos sociais e
políticos contrários às medidas implementadas na década de 1990, em especial na
Argentina, Bolívia e Venezuela.
64
A Bolívia ficou marcada pela polarização política e social, e pela contradição
de aumento do crescimento econômico e deterioração nos índices sociais. No ano
2000, no episódio “água de Cochabamba” tornava-se notável o descontentamento
popular com o aumento das taxas de água promovidas pelas empresas privatizadas,
o que só aumentou a oposição contra tal política. A Venezuela, no governo Carlos
Andrés Pérez privatizaria a PDVSA, principal companhia nacional, o que gerou
descontentamento popular. O crescimento dos países da região foi acompanhado
por um agravamento da desigualdade de renda e insegurança econômica. O
suposto desgaste dos índices sociais, as crises financeiras do final da década de
1990, e o movimento antiglobalização, contribuíram para o surgimento de governos
contrários ou até mesmo “hostis” aos esquemas de privatização.
Assim esses governos lançaram mão das políticas de expropriações de ativos
internacionais, mesmo com os constrangimentos externos de tais ações. Em sua
maior parte, elas se concentraram em setores energéticos, muitas vezes descritos
como estratégicos para o desenvolvimento nacional, especialmente o setor de
petróleo & gás que em longo prazo é favorecido pelas crescentes altas nos preços.
O que se verifica é um aumento do nacionalismo econômico, político e
ideológico, que põe em dúvida as reais motivações desses governos nas
estatizações e utilização dos recursos expropriados. As expropriações são a forma
mais nítida de oposição ao Consenso de Washington (quando realizadas de forma
indiscriminada), pois contradizem não só as privatizações, como também os direitos
de propriedade, e indiretamente os investimentos externos diretos. Tal ambiente,
também pode por em risco as negociações multilaterais do MERCOSUL com outras
regiões do globo, principalmente com os Estados Unidos e a União Europeia, ou
mesmo a própria integração sul-americana.
No item referente à guinada à esquerda e expropriação de ativos, é
perceptível que os governos que ascenderam sob um diferente espectro político,
principalmente Chávez na Venezuela (1999), Kirchner na Argentina (2003) e
Morales na Bolívia (2006) seriam de certa forma opositores aos esquemas de
privatização. Mas isso se dá em razão muito mais para o pretexto de mudança e
busca por um bode expiatório para justificar as expropriações e o retorno do Estado
no controle das empresas privatizadas na década de 1990. O discurso inflamado de
“salvadores da pátria” e a implantação de medidas populistas são meios para a
65
aproximação da população de classes mais baixas, e cria-se uma ideia de
afastamento das elites, além de promover o nacionalismo econômico.
Mesmo que não represente a mesma intensidade do Estado
desenvolvimentista das décadas de 1970 e 1980, há um retorno do protagonismo do
Estado na economia na primeira década do século XXI, o que se configura no
movimento pendular. As oscilações do pêndulo se apresentam repetidamente na
história sul-americana, conforme relatado. Isso se deve também ao caráter marcante
da instabilidade política e econômica no subcontinente.
Os resultados da pesquisa corroboram a hipótese testada, porém com
observações. De fato, houve um movimento de guinada à esquerda no início do
século XXI na América do Sul, de governos contra certos preceitos do modelo do
neoliberalismo ortodoxo, ao próprio Consenso de Washington. Estes novos
governos assinalavam para a ruptura com as políticas anteriores, de forma a
recrudescer mais uma vez o papel do Estado na economia, além de avanço do
nacionalismo.
Entretanto, apesar do movimento ser bem abrangente, nem todos os países
da região apresentaram o mesmo grau de ruptura com as políticas anteriores. O
Brasil e Chile não representaram uma ruptura radical quanto às políticas
implementadas nos governos anteriores. Sua oposição se baseou mais na retórica
do que na prática política. A Argentina implementou políticas contrárias às anteriores
mais nítidas, em razão dos caos social e econômico que atravessava no início do
século XXI. Os extremos das mudanças seriam os casos de Venezuela, e
posteriormente Bolívia e Equador. Os governantes dos quatro países não só
proferiram o discurso, como elevaram o nacionalismo não só ideológico como o
econômico, como também causariam constrangimentos e críticas internacionais.
66
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Falácias acadêmicas, 2: O mito do Consenso de
Washington. Revista Espaço Acadêmica, nº 88, mensal, setembro de 2008.
ARBIX, Glauco. Da liberalização cega dos anos 90 à construção estratégica do
desenvolvimento. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1): 1-17, maio de
2002.
AYERBE, L. F. (Org.). Novas Lideranças políticas e alternativas de governo na
América do Sul. São Paulo: Ed Unesp, 2008.
BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos
problemas latino-americanos. In: BATISTA, P.N. (et al.). Em defesa do interesse
nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1994.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As políticas neoliberais e a crise na América do
Sul. Rev. bras. polít. int., Dez 2002, vol.45, nº2, p.135-146.
BIERRENBACH, T. S. (s.d.). Democratização e Privatização: A Mudança Estrutural
da América Latina nos Anos 90. Disponível em TBSS:
<http://www.tbss.pro.br/arquivos/textos/DemocraciaePrivatizacaonaAmericaLatina.pd
f> Acesso em 15 de setembro de 2012.
CARVALHO, Carlos Eduardo. Esquerda conflitiva e política econômica: notas
sobre Argentina, Bolívia e Venezuela. In: AYERBE, Luis F. (Org.). Novas
lideranças políticas e alternativas de governo na América do Sul. São Paulo: UNESP
e Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Unesp, Unicamp, PUC/SP, 2008. p. 183-198.
CORREIO DO POVO. Argentina decide nacionalizar a petroleira YPF. Objetivo é
proporcionar autossuficiência no setor. 16/04/2012. Disponível em:
67
<http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=413109 >. Acesso em 20 de
setembro de 2012.
COUTINHO, Marcelo. Movimentos de mudança política na América do Sul
contemporânea. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, n. 27, Nov. 2006 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010444782006000200008&
lng=en&nrm=iso>. Acesso em 17 de Novembro 2012.
DORNBUSCH, Rudiger W. and EDWARDS, Sebastian, Macroeconomic Populism
in Latin America. NBER Working Paper No. w2986. March, 1991. Disponível em:
<http://www.nber.org/chapters/c8295> Acesso em 12 de setembro de 2012. p. 7-13.
DURÁN GIL, Aldo. Bolívia e Equador no contexto atual. In: Luis Fernando Ayerbe.
(Org.). Novas lideranças políticas e alternativas de governo na América do Sul. São
Paulo: UNESP e Programa San Tiago Dantas de Pós-graduação em Relações
Internacionais Unesp/Unicamp/ PUC-SP, 2008.
ESTACHE, Antonio; TRUJILLO, Lourdes. La privatización en América Latina en la
década de los años 90: aciertos y errores. Revista Asturiana de Economía – REA,
nº 31, 2004.
FRANCO, Gutavo H. B. A Década Perdida e a das Reformas. Site PUC-RIO, 30 de
janeiro de 2000. Disponível em: <http://www.econ.puc-rio.br/gfranco/a48.htm>,
acesso em 16/09/12.
FUKUYAMA, Francis e BIRDSALL, Nancy. The Post-Washington Consensus.
Foreign Affairs, March/April 2011.
GIMBIAGI, Fábio e ALMEIDA, Paulo. Morte do Consenso de Washington? Os
rumores a esse respeito parecem muito exagerados. In: Textos para Discussão 103.
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2003.
GONÇALVES, Reinaldo. Novo Desenvolvimentismo e Liberalismo Enraizado.
Site Bresser Pereira, 2012. Disponível em:
68
<http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/novo%20desenvolvimentismo/12.08.Gon
calves,R-Novo_desenvolvimentismo_e_liberalismo_enraizado.pdf> Acesso em 02 de
setembro de 2012.
KARNAL, Leandro et. al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI.
São Paulo, Contexto, 2007. pp.257-275.
KUCZYNSKI, P.; WILLIAMSON, J. Depois do Consenso de Washington:
Retomando o crescimento e a Reforma na América Latina. São Paulo: Saraiva, 2004.
LEME, Alessandro André. Neoliberalismo, globalização e reformas do estado:
reflexões acerca da temática. Barbaroi, Santa Cruz do Sul, n.
32, jun. 2010. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010465782010000100
008&lng=pt&nrm=iso>.Acesso em 10 nov. 2012.
LIMA, M. R. S.; COUTINHO, Marcelo V. Introdução - A América do Sul sob o
Signo da Mudança. In: LIMA, M. R. S.; COUTINHO, Marcelo V. A Agenda Sul-
Americana: Mudanças e Desafios no Início do Século XXI. Brasília: FUNAG, 2007.
LIRA, Francisco Roberto Fuentes Tavares de. Do Socialismo ao Neoliberalismo:
O Chile dos anos 1970. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.3, n. 6, agosto 2010.
LLOSA, Álvaro Vargas. Rumbo a la Libertad: Por qué la Izquierda y el
“Neoliberalismo” Fracasan en América Latina. Editorial Planeta, Buenos Aires, 2004.
MORAIS, I. A. C. e PORTUGAL, M. S. Características da Volatilidade Estocástica
dos Par Bonds da América Latina. Anais do V Encontro Regional de Economia;
2000.
MUNCK, Ronaldo. Neoliberalism, necessitarianism and alternatives in Latin
America: there is no alternative (TINA)? Third World Quarterly, Vol 24, Nº3, p. 495-
511, 2003.
69
NEVES, Rômulo Figueira. Cultura Política e Elementos de Análise da Política
Venezuelana. Brasília: FUNAG, 2010. 152 p.
NEUTZLING JR, J. Argentina: Crise e Ressurreição. Rev. Análise, Porto Alegre, v.
19, n. 1, p. 4-27, jan./jun. 2008.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. Introdução às Relações Internacionais. Temas,
atores e visões. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. 4 ª edição. p. 182-189.
PIMENTA, Camila Augusto. A Argentina na Economia-Mundo: Uma Análise
Sobre o Neodesenvolvimentismo na América Latina. Monografia submetida ao
Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, novembro de 2008.
RODRIK, Dani. Goodbye Washington Consensus, Hello Washington
Confusion? A Review of the World Bank's Economic Growth in the 1990s: Learning
from a Decade of Reform. 2006. Journal of Economic Literature, 44(4): 973–987.
_______________. Depois do Neoliberalismo, O Quê? IN: Desenvolvimento e
Globalização, seminário do BNDES, 12-13 de setembro de 2002. Novos Rumos do
Desenvolvimento no Mundo. Rio de Janeiro, 2002, p. 277-298.
SOUZA, Nilson Araújo de. Economia internacional contemporânea. São Paulo:
Atlas, 2009. p. 122-129.
SMITH, S.; BAYLIS, J. The Globalization of world politics: an introduction to
international relations. 4 ed. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 136-137, 152,
244-248, 470-475.
STIGLITZ, J.E. The Roaring Nineties: A New History of the World’s Most
Prosperous Decade. New York: Norton, 2003. P. 219, 228-231, 343.
SYMONIAK, Jason D. The Washington Consensus. New Voices in Public Policy.
George Mason University. School of Public Policy. Volume 5, 2010/2011.
70
THE ECONOMIST. The real back yard. An interesting reversal in the Western
hemisphere. 14 de abril de 2012.. Disponível em: <
http://www.economist.com/node/21552587> Acesso em 20 de agosto de 2012.
VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. O neopopulismo na América do Sul - aspectos
conceituais e estratégicos. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 54, n. 640, jul. 2008. p.
50-80.
VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctor Ricardo. Sistema internacional com hegemonia
das democracias de mercado: desafios de Brasil e Argentina. Florianópolis: Insular,
2007, 232p.,ISBN: 978-85-7474-339-4. p. 200 – 213.
VIZENTINI, Paulo F. Manual do candidato: história mundial contemporânea.
Brasília: FUNAG, 2006. p. 286-289, 295-299.
WATSON, Adam, The Evolution of International Society: a comparative historical
analysis. London: Routledge, 1992, p. 11- 41.
WILLIAMS, David. International Development and Global Politics: History, theory
and practice. Routledge . 2011. p.111-144.
WILLIAMSON, John. Depois do Consenso de Washington: uma agenda para
reforma econômica na América Latina. Conferência. São Paulo: Semana do
Economista, FAAP, 2003.
_________________. The Washington Consensus as Policy Prescription for
Development: Practitioners of Development Seminar Series. 13 Jan 2004.
YANO, Nina Machado e MONTEIRO, Sergio Marley Modesto. Mudanças
institucionais na década de 1990 e seus efeitos sobre a produtividade total dos
fatores. Encontro Nacional de Economia (36: 2008 dez.: Salvador, BA). Anais. .
Salvador: ANPEC, 2008. Disponível em:
<http://www.anpec.org.br/encontro2008/artigos/200807211610100-.pdf> Acesso em
20 de agosto de 2012.
71
ANEXO I
Ranking dos países da América do Sul de acordo com diferentes indicadores (entre
parênteses a posição de cada país dentro do ranking mundial)22
CADAL 201223 PNUD 201124 The Fund for Peace 201225
The Economist 201126
World Economic Forum 2012-
201327
Democracia Mercado Transparência
Desenvolvimento Humano
Fracasso Estatal (série invertida)
Democracia Competitividade
Econômica
1 Chile (15) Chile (44) Uruguai (154) Uruguai (17) Chile (33)
2 Uruguai (23) Argentina (45) Chile (151) Chile (35) Brasil (48)
3 Brasil (55) Uruguai (48) Argentina (145) Brasil (45) Peru (61)
4 Peru (57) Venezuela (73) Brasil (123) Argentina (51) Colômbia (69)
5 Argentina (76) Peru (80) Paraguai (107) Colômbia (55) Uruguai (74)
6 Colômbia (78) Equador (83) Peru (99) Peru (56) Equador (86)
7 Paraguai (90) Brasil (84) Venezuela (82) Paraguai (62) Argentina (94)
8 Bolívia (99) Colômbia (87) Equador (67) Bolívia (84) Bolívia (104)
9 Equador (103) Paraguai (107) Bolívia (62) Equador (89) Paraguai (116)
10 Venezuela (156) Bolívia (108) Colômbia (52) Venezuela (97) Venezuela (126)
22
Tabela elaborada como atualização do quadro destacado na página 180 do livro “Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina”, de Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis (2007).
23 Salvia, GC. & Alberto, H. (2012) Democracia, Mercado y Transparência 2006. Buenos Aires,
CADAL. 24
Relatório de Desenvolvimento Humano 2011, Brasília, PNUD. 25
Failed States Index 2012, Washington, The Fund for Peace, http://www.fundforpeace.org/programs/fsi/fisindex2012.php
26 Site Revista The Economist: www.economist.com
27
Site do World Economic Forum: www.weforum.org
72
ANEXO II
Expropriações e governos populistas na América do Sul. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/expropriacoes-governos-populistas-america-sul-684666.shtml Acesso em 25 de novembro de 2012.
73
ANEXO III
A transcrição a seguir foi realizada pelo autor desta monografia, com base nos
vídeos de debate do programa Globo News Painel, do canal por assinatura do Globo
News, da Rede Globo de Produções.
Os debates e entrevistas a seguir são realizados com especialistas nas áreas de
Economia, Política e Relações Internacionais à respeito da onda de expropriações
na América do Sul em 2012, a entrada da Venezuela no Mercosul, a situação
econômica da Argentina, e os desafios brasileiros na região.
http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-painel/t/todos-os-videos/v/vocacao-
argentina-para-desgraca-parece-ser-inesgotavel-diz-economista/1935122/
05 de maio 2012. Acesso em 30 de junho de 2012.
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
Economista/Insper
“Eu acho que é um espírito de contemporização e de evitar conflito. Agora eu
queria colocar esse episódio de expropriação na Argentina no contexto que vem
ocorrendo na Argentina não só a questão da propriedade de ativos e recursos
naturais, mas de toda política econômica do país. Ele já não tem um índice oficial de
inflação confiável. A revista inglesa ‘The Economist’ tirou das suas tabelas de
estatísticas o número da Argentina. Porque o Nestor Kirchner interviu no IBGE de lá
(INDEC), demitiu o presidente, colocou um interventor, mandou mudar a
metodologia, e agora ele multam as consultorias que apresentam previsões de
inflação diferentes da do governo. Estão inadimplentes junto ao Banco Mundial,
junto ao Banco International Settlements, junto ao Clube de Paris. Estatizaram os
fundos privados de pensão, usaram as reservas cambiais para fazerem pagamentos
pontuais arbitrariamente. É um histórico de dominância de racionalidade política de
curto prazo em detrimento de um mínimo de racionalidade econômica. Num país
que tem o pior histórico de declínio econômico da humanidade no século XX. A
74
vocação pra desgraça da Argentina parece inesgotável. É o atual desencanto de ser
argentino, é um país que parece vocacionado pra se destruir.”
Fenômeno latino-americano, esse predomínio do jogo político de um
ordenamento econômico que traga prosperidade, é uma característica histórica da
América Latina há muito tempo. Imaginava-se superado há alguns anos, mas ele
voltou com muita força, com o Chavez, com o Equador, Bolívia, Argentina. Se
expropriações, bravatas e aventuras macroeconômicas trouxessem prosperidade, a
América Latina seria o continente mais próspero do planeta. E países que não fazem
nada disso, exemplo do Canadá, são países extremamente prósperos, com um
ordenamento político que não está sujeito a esse tipo de interferência. Eu acho que
uma das coisas realmente graves na Argentina é o risco da própria democracia vir a
ser destruída, tamanha a confusão.
Um pesquisador americano fez uma conta do número de constituições que
foram promulgadas nos diferentes países da América Latina desde as respectivas
independências, quase 200 anos. São 12, 13 constituições em média por país. Tem
alguma coisa diferente, porque os americanos tem a mesma desde o século XVIII, a
Europa teve guerras e tudo mas não tem essa mesma instabilidade institucional. O
nosso jogo político por alguma característica peculiar, ele é muito conturbado no
mais fundamental das regras institucionais.
Na América Latina temos grupos diferenciados. Chile, Colômbia, México,
Brasil até certo ponto não pertencem a essa onda neopopulista que está
predominado em outros países. Agora olhando a história econômica e política do
nosso continente, os nossos movimentos são muito sincronizados ao longo do
tempo. Nós tivemos ondas de nacional-desenvolvimentismo, ondas de populismo,
que tomaram de conta de praticamente todo o continente nos mesmos períodos.
Será que agora dessincronizou em caráter profundo e permanente ou de novo nós
vamos ver um movimento?
Brasil: Não posso descartar a possibilidade de que de novo comece a
predominar uma ideia muito mais intervencionista casuística. Com alguns indícios
(WAAK: o que seria: a forte presença e atuação do Estado, o controle direto do
Estados dos principais recursos naturais, os chamados setores estratégicos) O que
ocorreu na Vale do Rio Doce, a maneira como o governo está tentando intimidar
bancos, as intervenções na Petrobras que é uma empresa de capital aberto e está
sofrendo grandes pressões, o uso do BNDES de uma maneira muito agressiva para
75
cooptar o empresariado e manter o empresariado brasileiro sobre um regime de
tutela. Mesmo que cada país tenha sua própria dinâmica, provavelmente existem
forças mais profundas que nos carregam na história para posições razoavelmente
semelhantes. (JEAN: EFEITO DOMINÓ CABE TBM O CONCEITO DE FORÇAS
PROFUNDAS DE DOUROSSELLE).
SERGIO FAUSTO
Cientista Político/ Instituto FHC
Argentina caso curioso: um dos poucos países que não teriam uma grande
empresa estatal controlando seus recursos naturais. Tem petróleo mas não tem a
petroleira, Espanha tem petroleira sem ter petróleo.
Descobriram-se reservas importantes não só de petróleo, sobretudo de gás
natural recentemente. A projeção de preços pra esse tipo de energia é favorável a
longo prazo. É natural que um governo se pergunte nesse momento como é que eu
vou ter que criar as condições para eu aproveitar do fato de que a natureza me
ofereceu isso, de que nós descobrimos isto, e de isso pode gerar recursos para o
país. Então a pergunta é legítima, a estratégia a partir desta pergunta me parece
que no caso da Argentina não é uma estratégia, é um impulso que obedece a
fatores de natureza política ideológica.
É preciso entender a dinâmica do que se passa na Argentina. Isso tudo é uma
loucura? Ou esta loucura tem método? Brasil, México, Chile, Colômbia e
crescentemente o Peru, são países com um ordenamento econômico mais previsível.
(JEAN: MELHOR PARA OS INVESTIDORES)
ALBERTO PFEIFER
Diretor Executivo/ Conselho Empresarial da América Latina
Argentina: ameaça a democracia. Indícios: sufocamento da imprensa local e
da oposição, como instrumento político, parte do diálogo. Esse projeto de
manutenção no poder é um projeto quase que totalitarista. (JEAN: AMEAÇA Á
DEMOCRACIA, MANUTENÇÃO DO PODER)
Eu acho que é uma tendência global com a crise financeira que foi um pouco
uma desmitificação do livre mercado como solucionador de todos os problemas
sociais econômicos, então abriu-se espaço para que ideias intervencionistas
voltassem a fazer parte dos receituários econômicos. Então do ponto de vista
76
ideológico, há uma legitimação pra esse tipo de ação. Aqui na América Latina, a
gente encontra de novo vários recortes, e eu creio que alguns países talvez entejam,
embora admitindo um pouco mais de Estado, mas eles têm já um razoável grau de
desenvolvimento institucional que impede que isso se caracterize-se como um
caminho. (JEAN: ÂMBITO GLOBAL, CRISE FINANCEIRA, SCHUMPETER –
DESTRUIÇÃO CRIADORA)
http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-painel/t/todos-os-videos/v/alem-de-
se-destacar-na-america-do-sul-brasil-ja-e-um-pais-globalafirmaeconomista/1935123/
12 de maio de 2012. Acesso em 05 de agosto de 2012
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
Economista/Insper
O Brasil já esteve no limiar do breakout várias vezes. Olhando dos anos 50 pra cá, nós
somos a grande promessa de desenvolvimento. No governo JK, o desenvolvimentismo foi um
momento de empolgação e euforia com o futuro do Brasil. Depois nós tivemos o regime
militar, e no milagre econômico o Brasil estava na capa de todas as revistas econômicas do
mundo e em destaque. Em pleno segundo choque do petróleo, o general Geisel dizia: “O
Brasil é uma ilha de prosperidade em meio a um mar turbulento”. O Brasil parecia destinado a
vocação de país emergente- potência. Fez o programa nuclear, fez o segundo PND. Você olha
pra trás, não aconteceu. Será que dessa vez vai ser diferente?
Se nós queremos que dessa vez seja diferente, nós temos que olhar para nossa
poupança, pro nosso investimento em capital físico e para o nosso investimento em capital
humano. E essas coisas não estão acontecendo no momento em que tudo conspira par a
acontecer, inclusive a demografia. Estamos em um momento de demografia no Brasil,
dividendo demográfico, que é único na história de um país. A relação de dependência é muito
baixa. Tem um numero muito grande de pessoas em idade de trabalho em relação a crianças e
idosos. O que daria ao país um potencial de poupança e investimento pra crescer. Daqui 10,
15 anos, essa bolha de trabalhadores será uma bolha de idosos. Se nós não capitalizarmos
agora, teremos um futuro sombrio, vamos envelhecer antes de enriquecer.
77
ALBERTO PFEIFER
Diretor Executivo/ Conselho Empresarial da América Latina
Avanço brasileiro foi a estabilidade monetária. A nossa democracia, mesmo com
retrocessos, tem avançado do ponto de vista institucional.
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
Economista/Insper
Países que souberam aproveitar seus recursos naturais: Canadá, Austrália e Noruega.
Avanços brasileiros: Programa Ciências Sem Fronteiras, capital humano para o
desenvolvimento do Brasil. A regulamentação da previdência do funcionalismo público, que
ficou anos e anos parada, finalmente foi completada. Porém há retrocessos também.
O que está ocorrendo no BNDES agora é um retrocesso brasileiro. Esse uso do
BNDES, da maneira que está sendo feita parafiscal fora da política orçamentária votada no
Congresso está errada. O ritmo é lento, coisas boas e coisas ruins estão ocorrendo.
http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-painel/t/todos-os-videos/v/situacao-
economica-da-argentina-e-de-desequilibrio-extremo-diz-professor/2020167/
30 de junho de 2012. Acesso em 15 de agosto de 2012.
PhD. EDUARDO VIOLA
Professor de Relações Internacionais/UnB
A situação econômica da Argentina é de desequilíbrio extremo. E a Argentina
é um país politicamente muito instável, diferente do Brasil. Onde se formam
coalisões rapidamente que são capazes de desestabilizar um governo. E hoje
temos uma disputa interna feroz contra o Peronismo, também característica da
historia da Argentina. Peronismo cada vez mais diluído, comparado ao que era
originalmente. Mas cada vez mais compreensivo, no sentido de que grande parte da
sociedade argentina gira em torno do Peronismo. Infelizmente, uma tradição
movimentista, toda uma tradição de hiperpersonalização da política, de prestígio das
instituições. E nesse processo o que permanentemente desde Kirchner, toda a
historia dos últimos 10 anos da política argentina é utilizar totalmente questões
externas para a política interna, inclusive de conflitos absurdos.
78
Criando por exemplo, o conflito com o Uruguai sobre a questão das
“papeleras”. Ela tentou retomar a questão das Malvinas, e da soberania das
Malvinas criar um espírito nacionalista a favor, fracassou. Depois veio a
nacionalização de YPF Repsol, com a mesma dinâmica não deu certo para
recuperar a popularidade que é muito declinante. E agora, nesse tipo de processo é
a ideia de se tornar uma espécie de líder de um modelo de governabilidade
populista. E nesse processo é hiperatuar, e nesse caso foi interessante, foi bem
sucedido, na aliança com Venezuela. E isso é inacreditável, porque como é que o
governo brasileiro não entendeu profundamente esse jogo, porque evidentemente
mesmo com todas essas orientações, digamos partidistas, isso foi demais porque foi
partidista e a rebook de Cristina Kirchner y Chavez.
ALBERTO PFEIFER
Diretor Executivo/ Conselho Empresarial da América Latina
Outro foco de tensão constante do governo de Cristina Kirchner é com o Brasil. E com
essa tensão, na visão dela, se capacita mais internamente enfrenta os produtores brasileiros e
protege os empregos argentinos. Agora, de novo, a falta de uma liderança racional, a falta de
uma doutrina para a América do Sul, que efetivamente caminhe para uma integração virtuosa
permite o aparecimento dessas experiências, que são oportunistas e beletérias. Porque no fim
das contas, o que se está fazendo aqui é destruir o Mercosul como projeto de integração
regional. Esse vai ser o fim dessa história toda. Ele já está desacreditado do ponto de vista de
fornecer um mar normativo para as práticas comerciais, para o investimento externo e interno
direto mais ainda, e cada vez mais vai se depreciando como um órgão de representatividade
politica e de encontro de agendas comuns.
EMBAIXADOR LUIZ FELIPE LAMPREIA
Ex-ministro das Relações Exteriores
O Mercosul foi concebido como um programa de integração comercial antes de mais
nada, um zona de livre comercio e uma união aduaneira. Isso ao longo do tempo foi se
perdendo, a união aduaneira, quer dizer a tarifa externa comum virou uma peneira completa e
o livre comércio também. Hoje nós temos praticamente todos os produtos brasileiros onerados
na Argentina sob taxas, dumping, outros tipos de barreiras que são arbitrárias. Portanto o
Mercosul na sua essência básica que era a liberalização do comércio para criar a integração,
79
como disse a presidente Dilma Rousseff, capaz de criar cadeias produtivas, isso já foi pro
espaço. E a utilização do Mercosul como arma política e ideológica eu acho que termina de
esvaziar a credibilidade da própria instituição.
PhD. EDUARDO VIOLA
Professor de Relações Internacionais/UnB
Concordo plenamente, o deterioro é crescente. Porque há uma coisa decisiva que se
temos dois polos: Argentina e Brasil. Brasil é um polo que tem uma dinâmica
macroeconômica institucional estabilizada com regras de jogo que mais ou menos que se
cumpre, não plenamente. A Argentina não, é um país que está fora do mundo, é um país que
rejeita as regras do jogo do mundo atual, que pouco se interessa, que é instável, que a lógica
interna do país é quebrar permanentemente regras. A política externa é em função de
interesses a curto prazo, e grupos internos de poder.
O Mercosul funcionaria se fosse Uruguai, Brasil, Chile, Colômbia, agora Peru, parece
que estão tendo estabilidade macroeconômica institucional, de qualidades diferentes. A
Argentina é o oposto de um país para integrar-se, é um país em crescente instabilidade.
Estruturalmente, o Mercosul só pode deteriorar-se. A posição brasileira em política externa,
agora incorporando um outro ator, que se soma totalmente com Argentina, como fator de não
de integração senão de juntar-se de um modo profundamente instável e não institucional.
Então é impressionante o processo como se acelera a erosão do Mercosul.
ALBERTO PFEIFER
Diretor Executivo/ Conselho Empresarial da América Latina
Na América do Sul e na América Latina, nós temos basicamente três grupos de países
que estão se definindo. Os países da aliança bolivariana, que tem uma integração,
concordância, convergência bastante ideologizada, liderados pela Venezuela, e entra Equador,
Bolívia, Argentina talvez esteja dentro disso. Temos uma aliança bastante pró-mercado e
liberalizante que é essa aliança dos países do Pacífico, Chile, Colômbia, Peru e México, que
assinaram um acordo recentemente de consolidação das regras comerciais mútuas e de
proposta de integração na grande bacia do Pacífico, a região dinâmica do mundo atual. E
temos esse bloco do Mercosul, que é um bloco que eu diria hoje que é misto, mas que tende a
partir de sexta-feira mais para uma linha ideologizada como discutimos aqui. O problema é
que o Brasil não se contém só na América do Sul, não se contém só a o Mercosul, por seu
tamanho, sua densidade, pelo grau de extrapolação. O Brasil vai além da região. E, ao ele não
80
conseguir se encaixar ou fazer com que a região se encaixe no modelo que lhe seja
conveniente no mundo, modelo que permite a continuidade dos fluxos de investimentos e de
capitais para o Brasil e da inserção de capitais brasileiros no mundo, das multinacionais
brasileiras no mundo, ele pode ser penalizado por isso. A incapacidade de ele se organizar
dentro da região pode gerar malefícios à sua inserção no mundo.
EMBAIXADOR LUIZ FELIPE LAMPREIA
Ex-ministro das Relações Exteriores
Eu concordo plenamente. Eu creio que as apostas de política externa que o Brasil tem
feito na América Latina e também em relação à BRICS, são artificiais, no sentido de que o
tamanho do Brasil, o peso do Brasil não aconselha a que o Brasil faça esse tipo de opção por
determinados grupos muito marcados por uma visão política. Os BRICs não são problemas de
uma visão política, mas o Brasil gostaria que fosse uma espécie de aliança, digamos,
substitutiva à hegemonia americana. Eu creio que nós que temos o desejo e a necessidade de
estar cada vez mais dentro, digamos, do veio central, do crescimento econômico, que passa
certamente pela Ásia-Pacífico e que passa também pelos Estados Unidos, estamos sempre
procurando alternativas que no fundo fogem disso. Porque, a China, é claro que é um país
importantíssimo, não é um país que esteja procurando alianças políticos e militares com
ninguém. Então a busca de politização dos BRICs, assim como uma politização das nossas
relações latino-americanas não servem aos interesses fundamentais do Brasil, em minha
opinião.
PHD EDUARDO VIOLA
Professor de Relações Internacionais/UnB
Eu penso que a partir do que aconteceu na ultima sexta-feira, aumenta a defasagem
entre a política externa brasileira e o que a posição estrutural dos agentes econômicos e
sociais mais dinâmicos da sociedade brasileira que procuram uma politica externa consistente
com uma visão não ideológica do interesse nacional. Então o que eu diria é que se acumulam
forças na sociedade brasileira de contestação da politica externa. Não se isso terá força para
mudar o rumo da politica externa do governo Dilma ou em um governo posterior.
Eu estou pensando precisamente. A maior interdependência econômica com Venezuela é
totalmente favorável ao Brasil e ao empresariado brasileiro. Eu pensando que se vai refinando
uma percepção na qual existe a separação a vantagem da interdependência econômica e as
81
desvantagens dessas ligações complexas e ideologizadas entre o governo brasileiro e o
Chávez por exemplo. A mesma coisa em relação à Argentina.