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PREFÁCIO DO EMBAIXADOR JOÃO GOMES CRAVINHO APRESENTAÇÃO POR KARINE DE SOUZA SILVA CONCURSO DE MONOGRAFIAS DA UNIÃO EUROPEIA MONOGRAFIAS VENCEDORAS DO 4º, 5º, 6º E 7º CONCURSOS DE MONOGRAFIAS DA UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL

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PREFÁCIO DO EMBAIXADOR JOÃO GOMES CRAVINHOAPRESENTAÇÃO POR KARINE DE SOUZA SILVA

CONCURSO DE MONOGRAFIAS DA UNIÃO EUROPEIA

MONOGRAFIAS VENCEDORAS DO 4º, 5º, 6º E 7º CONCURSOS DE MONOGRAFIAS DA

UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL

UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL

CONCURSO DE MONOGRAFIAS DA UNIÃO EUROPEIA

MONOGRAFIAS VENCEDORAS DO 4º, 5º, 6º E 7º CONCURSOS DE MONOGRAFIAS DA

UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL

União Europeia no BrasilBrasília - 2018

DELEGAÇAO DA UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL

CHEFE DA DELEGAÇÃOEmbaixador João Gomes Cravinho

CHEFE DA DELEGAÇÃO ADJUNTOClaudia Gintersdorfer

CHEFE DO SETOR POLÍTICO, ECONÔMICO E DE INFORMAÇÃOStefan Simosas

COLABORAÇÃO/AGRADECIMENTOSKarine de Souza Silva

Rosana Corrêa Tomazzini

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃOIvan Vieira Piseta

IMAGEM DE CAPASelo comemorativo de 10 Anos da Parceria Estratégica União

Europeia - Brasil, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

Delegação da União Europeia no BrasilSHIS QI 07 Bloco A - Lago Sul

Brasília - DF - 71615-205Telefone: +55 (61) 2104-3122

[email protected]

As opiniões expressas pelas autoras e pelos autores ao longo do livro não refletem, necessariamente, a posição oficial da União

Europeia sobre os temas específicos mencionados.

CONCURSO DE MONOGRAFIAS DA UNIÃO EUROPEIA

UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL. Concurso de Monografias da União Europeia: Monogra-fias vencedoras 4º, 5º, 6º e 7º Concursos de Monografias da União Europeia no Brasil. 1. ed - Brasília, 2018, 289 p.

ISBN 978-85-54204-00-6

1.União Europeia. 2. Relações União Europeia-Brasil. 3. Cooperação União Europeia-Brasil. 4. Integração Region-al. 5. Integração econômica. 6. Países da União Europeia. 7. Política Externa. 8. Relações Internacionais. 9. Direitos Humanos. 10. Políticas Sociais 11. Mercosul. 12. Relações União Europeia-Mercosul. 13. América Latina

SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................. 9

João Gomes Cravinho

APRESENTAÇÃO ..................................................... 11

Karine de Souza Silva

PARTE I

De pária a paymaster: o papel da Alemanha na União Europeia (1951-2015) ................................................... 17

Jéssica Luciano Gomes

A atuação do comitê das regiões e a diplomacia subnacional multi-nível na União Europeia .............. 40

Cairo Gabriel Borges Junqueira

União Europeia: a luta pelo reconhecimento identitário e a questão da cidadania supranacional ..................... 61

Vanessa Capistrano Ferreira

Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia: origens e causas da conformação da mais paradigmática das políticas comunitárias ......................................... 81

Patricia Nasser de Carvalho

Mais do que monólogo, quer-se diálogo: a interação entre as cortes supranacionais europeias e a integração através dos Direitos Humanos ................................... 100

Alessandra Prezerpiorski Lemos

O multilinguismo na União Europeia: vantagens e motivações de uma agenda politica na primeira década do novo milênio .......................................................... 125

Ivan Vieira Piseta

PARTE II

Parceria Estratégica no Papel: Análise do Discurso das Declarações Conjuntas das Cúpulas União Europeia - Brasil .......................................................................... 150Angélica Saraiva Szucko

União Europeia e Brasil: a construção da parceria estratégica sob o aspecto da promoção democrática ..................................................................................... 173

Rafael Corrêa Fonseca

Os dez anos da parceria estratégica União Europeia – Brasil: os desafios e consonâncias de um projeto de cooperação estratégica ............................................... 198

Victor Domingues Ventura Pires

A cooperação na área de segurança: uma análise da construção da parceria estratégica entre Brasil e União Europeia durante o governo Lula (2003-2010) ........... 224

Lisa Belmiro Camara Freitas

Relações econômicas entre Brasil e União Europeia: apostar no Mercosul como interlocutor? .................... 249

Brenda Reis Nadler Prata

O Acordo de Associação entre o MERCOSUL e a União Europeia sob uma perspectiva evolutiva: fatores nacionais, regionais e internacionais moldando as relações entre os blocos ............................................ 270

Rafael Schmuziger Golzweig

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PREFÁCIO

A União Europeia e o Brasil compartilham valores comuns, além de fortes laços culturais e históricos. As relações bilaterais se fortaleceram com o estabelecimento da nossa parceria estratégica em julho de 2007, quando a União Europeia reconheceu o Brasil como um de seus princi-pais parceiros mundiais. A parceria abrange várias áreas temáticas, incluindo mudanças climáticas, energias renováveis, luta contra a pobreza e a exclusão social, além de apoio ao desenvolvimento sustentável.

Hoje representamos economias promissoras e com muitos inte-resses compartilhados. Trabalhamos juntos para enfrentar desafios globais, valorizamos o multilateralismo e estamos comprometidos com o reforço da integração regional e global como um dos meios mais eficazes para promo-ver a paz, a estabilidade e a segurança em nossas respetivas regiões. Somos parceiros para o futuro.

O mundo está em fluxo e mutação rápida, e a União Europeia e o Brasil já demonstraram que juntos podem fazer a diferença, trilhando caminhos relevantes para a governança global num mundo desgovernado. Sobre a maioria dos desafios comuns compartilhamos preocupações e prio-ridades. O futuro da globalização exige diálogo internacional profundo. O Brasil é um parceiro estratégico para a União Europeia no mundo, o que significa que contamos com o Brasil para, juntos, ajudarmos a melhorar o mundo. Por outro lado, os nossos povos precisam de prosperidade, e é por isso que estamos entrando numa fase decisiva para um acordo abrangente entre a União Europeia e o Mercosul. Somos de longe o maior investidor e parceiro econômico para os países do Mercosul, incluindo o Brasil, mas temos consciência de que podemos criar melhores condições ainda para a nossa prosperidade comum.

A cooperação entre a União Europeia e o Brasil não se restringe ao comércio e aos investimentos. Ambos somos profundamente multila-teralistas, queremos reforçar a ONU e outras organizações multilaterais,

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e acreditamos que nossos povos e as gerações futuras merecem todo o nosso compromisso para tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Mudanças climáticas, os direitos humanos, os objetivos de desenvolvimento sustentável são alguns temas importantes. Os desafios internacionais são de grande escala e podem por vezes ser desconcertantes e desanimadores. Mas sabemos que a amizade entre a União Europeia e o Brasil fornece-nos uma âncora que valorizamos, e que reforçaremos ainda mais nestes tempos conturbados que vivemos.

A União Europeia hoje é uma presença muito substantiva no mun-do contemporâneo. Temos mais de 500 milhões de cidadãos, que são ci-dadãos de vários países mas que são também cidadãos da União Europeia com direitos específicos que resultam disso, como o direito de trabalhar e morar em qualquer parte da União. Somos o maior bloco comercial do mundo, somos também, de longe, o maior doador de assistência ao desen-volvimento e de ajuda humanitária. E em poucos anos a Europa construiu também um projeto monetário que representa hoje a segunda moeda mais amplamente usada no mundo, o Euro.

Existe um amplo espaço para melhorar a compreensão da União Europeia, o seu papel no cenário mundial e aumentar o conhecimento so-bre os objetivos das politicas da União Europeia. Esta publicação fornece um instrumento para melhor explicar o que é a União Europeia e como as nossas relações com o mundo inteiro funcionam. Esta obra, que tem a participação dos ganhadores do Concurso das Monografias nos anos 2014-2017, acadêmicas e acadêmicos de várias universidades brasileiras e de distintas áreas do conhecimento, tem como o objetivo principal apresentar alguns dos principais temas no cenário da academia brasileira sobre a União Europeia e sobre as relações entre o Brasil e a União Europeia.

Desejamos uma boa leitura.

João Gomes CravinhoEmbaixador da União Europeia no Brasil

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APRESENTAÇÃO

I

A presente obra objetiva apresentar alguns dos principais debates no cenário da academia brasileira sobre a União Europeia (UE), bem como os contornos preponderantes do seu diálogo po-lítico com o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e, sobretudo, com o Brasil.

Ao tomar essa direção, a obra se constrói em torno de dois eixos basilares: de um lado, desvenda questões que estão na ordem do dia da agenda integracionista europeia, e que atestam para a faceta sui generis do mais complexo modelo de integração regional do cená-rio hodierno; de outro lado, evidencia-se a preocupação de situar os mecanismos de cooperação entre atores no contexto das alterações advindas dos novos processos internacionais que favorecem intera-ções em uma sociedade multifacetária que demanda a coordenação de esforços para a formulação de respostas aos grandes desafios mundiais. Neste sentido, identificam-se as congruências, tensões e contradições do relacionamento euro-sul-americano que, desde os primórdios revela-se marcado por interesses ora convergentes, ora divergentes, mas que podem se traduzir em mútuas conveniências.

II

O desfecho da Segunda Guerra Mundial coincidiu com a inauguração da era dos regionalismos, enquanto fenômeno político que incita a cooperação e a integração dos Estados. Nesta ambiência,

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nasceu a União Europeia e, na sequência, em outras partes do globo, muitas entidades estatais começaram a institucionalizar aproxima-ções de diferentes níveis.

Nomeadamente, foi o fim da guerra fria que abriu portas e janelas para a cooperação mais generalizada, estimulando o surgi-mento de Organizações Internacionais, propiciando a subscrição de novos acordos e a revitalização daqueles existentes.

A desestabilização do antigo modelo westfaliano de Estados se revela na paulatina perda da capacidade estatal de encetar políticas públicas próprias. Deste modo, vários problemas de caráter social, econômico, comercial, ambiental, entre outros, não mais encontra-vam capacidade resolução confinada nas fronteiras estatais e, muito menos, sob a égide dos antigos acordos firmados. Essa foi a principal motivação para a subscrição de Tratados como os que instituíram o Mercosul e a União Europeia. Uma vez consolidadas, tais instâncias de poder sentiram a necessidade de iniciarem intercomunicações des-tinados a fazer frente às necessidades emergentes e formular respos-tas mais eficazes às problemáticas de grande envergadura impostas tanto nos cenários interno, como no ambiente internacional, ressal-tadas no contexto de acelerada crise mundial.

Nesse panorama de desafios, há espaço para revisões, críti-cas e demandas por mecanismos de aprofundamentos do modelo integracionista europeu mas, também, são evidenciadas as possibili-dades que se abrem pelas ondas de interdependência que propiciam a efetivação de acordos extra-bloco destinados a persecução de con-veniências próprias. São múltiplos os campos de interesses e variadas são as estratégias que a União Europeia concebeu para formalizar as aproximações com o MERCOSUL e com o Brasil Este é o universo no qual se insere o presente estudo.

Apresentação

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III

O livro está dividido em duas partes. A primeira delas apre-senta alguns debates atuais sobre a agenda da União Europeia, e contém questões relacionadas à arquitetura institucional, ao protago-nismo dos grandes Estados no contexto das esferas de poder supra-nacional, além de tópicos especiais sobre políticas comuns, cidada-nia, direitos humanos e multilinguismo. Estes temas problematizam e evidenciam a institucionalização do poder supranacional como uma das mais espetaculares inovações políticas desde Westfalia.

A segunda parte dedica especial atenção às relações euro--sulamericana, concedendo lugar de destaque às nuances da parceria estratégica firmada entre o Brasil e a União Europeia, oficialmente instituída no ano de 2007. Neste momento, a obra privilegia as pau-tas de negociações e aprecia alguns dos principais assuntos que são objetos de conexões e polêmicas. As divergências e convergências entre as partes são enaltecidas de um modo crítico e elucidativo que conduz à proposição de caminhos para a concretização de uma alian-ça garantidora de mútuos benefícios. Por fim, é exposto o panorama dos entendimentos e desentendimentos entre a Europa comunitária e o Mercosul.

IV

A produção do livro contou com a participação de acadêmi-cas e acadêmicos de diversas universidades brasileiras e de distintas áreas do conhecimento como Ciência Política, Direito, Economia, Relações Internacionais, entre outras. A contribuição de “vários olhares” torna a obra plural ao passo que descarta explicações mo-nolíticas e evidencia o estado da arte das produções brasileiras sobre

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regionalismos.Esta coletânea reúne artigos elaborados por pesquisadoras

e pesquisadores de várias unidades da Federação brasileira e que fo-ram alguns dos ganhadores dos concursos de Monografias da União Europeia nos anos 2014-2017.

A integração dos artigos em uma obra baseou-se na plura-lidade de visões e favorece a publicização de pesquisas gestadas em centros de pesquisa de séria trajetória científica. O resultado dessas interconexões encontra-se plasmado neste livro que pretende trazer algumas luzes aos debates sobre regionalismos e despertar o interes-se para novos estudos sobre integração regional e sobre as relações entre Brasil e União Europeia.

O trabalho é fruto da iniciava da Delegação da União Europeia no Brasil que tem continuadamente estimulado, através dos Concursos de Monografias, o aprofundamento de debates sobre as matérias aqui contidas e a visibilização das investigações que es-tão sendo realizadas nas Universidades brasileiras que privilegiem o entendimento da integração como mecanismo de enfrentamento às ameaças da vida cotidiana, mas também de concretização da demo-cracia e dos direitos humanos.

Profa Dra Karine de Souza SilvaCátedra Jean Monnet de Integração Regional

Universidade Federal de Santa Catarina

Apresentação

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I Parte

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DE PÁRIA A PAYMASTER: O PAPEL DA ALEMANHA NA UNIÃO EUROPEIA (1951-2015)

Jéssica Luciano GomesUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

6º Concurso de Monografias da União Europeia no Brasil

Resumo

A Alemanha presenciou, em apenas um século, a forte alteração de suas relações com as demais potências europeias. De epicentro em duas guer-ras mundiais, a país dividido territorialmente e ocupado militarmente, na atualidade a Alemanha faz parte do núcleo central do processo deci-sório europeu. Sua influência econômica, financeira e política na União Europeia é evidente. Porém, pelo perfil pouco assertivo de sua política externa, o país muitas vezes se esquiva em exercer um papel de lideran-ça. Contudo, em situações difíceis (como a crise da moeda e questão da imigração), é cobrado ao país uma postura mais ativa pela comunidade europeia. Nesse sentido, esse artigo tem por objetivo investigar os an-tecedentes, os condicionantes e os desdobramentos das relações entre a Alemanha e o bloco europeu.

Palavras-chave: Alemanha; política externa alemã; União Europeia.

Introdução

Durante a Guerra Fria, a divisão da Alemanha em República Federal da Alemanha (RFA) e República Democrática Alemã (RDA) foi resultado da geopolítica da época, caracterizada pelo conflito capitalista-socialista. Cabia a cada lado alemão, consequentemente, alinhar-se ao respectivo hegemon, com espaços de manobra restritos.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

Os dois lados passaram por momentos de afastamento, ocasionado pela Doutrina Hallstein, e de aproximação, com a Ostpolitik1. Após a reunificação alemã, em 1990, questionou-se a projeção que a “nova” Alemanha teria no cenário internacional. As opções para o país reu-nificado eram continuar a aliança com os Estados Unidos – e, con-sequentemente, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte –, que se mantinham desde a divisão do país, e colaborar ativamente para o processo de integração europeu, que à época se aprofundava com a integração monetária. Vinte e cinco anos depois, a política externa alemã permanece sendo caracterizada por essas duas verten-tes, a dimensão regional – com o fortalecimento da União Europeia – e a dimensão internacional, com a parceria transatlântica com os Estados Unidos.

A Alemanha prezou pelo bom relacionamento com os ame-ricanos, uma consequência da passagem da República de Bonn para a República de Berlim. Porém, a literatura especializada aponta alguns eventos que poderiam ter enfraquecido tais boas relações: o posicio-namento contrário da Alemanha à Guerra do Iraque e as denúncias de espionagem perpetradas pelo governo estadunidense durante o governo de Barack Obama. Apesar de avanços e recuos, a política bilateral alemã-americana caracteriza-se pela manutenção de relações amistosas (PATERSON, 2014).

No que diz respeito à União Europeia, ao longo dos anos, a Alemanha tornou-se um paymaster2 em seu interior. O país financia

1 A Doutrina Hallstein, batizada em homenagem ao Ministro das Relações Exteriores Walter Hallstein, ocorreu durante o mandato de Konrad Adenauer (1949-1963). Consistia no não-reconhecimento da RDA (que era chamada pelo lado ocidental de “zona de ocupação soviética”) e, por conseguinte, no rompimento de ligações com qualquer país que a reconhecesse. A Ostpolitik tinha caráter antagônico, e promoveu a aproximação com os países do Leste Europeu, durante a vigência do chanceler Willy Brandt (1969-1974). Para uma análise mais detalhada dessas duas políticas, ver Câmara (2013).2 Paymaster é o país que arca com a maior parte dos custos financeiros de um processo de integração regional.

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De pária a paymaster: o papel Da alemanha na União eUropeia (1951-2015)

grande parte dos custos da integração, advoga pelo fortalecimento da zona do Euro e tem a maior representação de eurodeputados no Parlamento Europeu. A crise econômica na Grécia, em 2015, sus-citou uma série de debates quanto à eficácia do bloco europeu em contingenciar crises, à viabilidade da zona do Euro e ao papel de lide-rança que a Alemanha desempenharia na União Europeia. Esperou-se que a Alemanha tivesse um papel proativo na resolução da crise, porém as divergências internas e partidárias tornaram essa liderança mais difícil3.

As relações com dois grandes “adversários” históricos da Alemanha seguiram uma lógica própria do subsistema europeu de poder. Regionalmente, as relações com a França foram as propulso-ras do início do processo europeu de integração. Segundo Paterson (2011, p.61, tradução minha), essa aliança se caracterizava no fato de que a “Alemanha precisava da França para mascarar sua força e a França precisava da Alemanha para mascarar sua fraqueza”. Assim, seria possível à Alemanha ser vista como “menos ameaçadora por outros membros” do bloco (BULMER; PATERSON, 2010, p.1058, tradução minha). Os governos de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy tinham posições semelhantes e, muitas vezes, conjuntas em relação à União Europeia, principalmente em temas econômicos. Entretanto, a crise econômica europeia e questões internas – como o desem-prego e a perda da competitividade da indústria francesa – enfra-queceram tal aliança (GUERÓT; KLAU, 2012). Por isso, as relações entre François Hollande e Angela Merkel não se assemelham aos de governos anteriores.

Para que se possa demonstrar os meandros de ação da política

3 Em relação à crise econômica grega, as principais divergências se deram entre a chanceler Angela Merkel, seu vice Sigmar Gabriel e o Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble. Esse, um dos principais e mais tradicionais políticos da União Democrata Cristã (CDU), é a favor da austeridade financeira e da saída da Grécia da zona do Euro, ainda que de forma temporária. Ver Siza (2015).

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

externa da Alemanha, faz-se necessário compreender também os mecanismos internos de articulação política. A política externa alemã sofre grande influência dos estados federados (Länder), dos partidos políticos4, do Tribunal Constitucional Federal, dos movimentos so-ciais e da opinião pública5. Em uma pesquisa de opinião realizada em 2014, 68% dos entrevistados afirmaram ter um grande interesse em temas de política internacional (KÖRBER STIFTUNG, 2014), o que pode influir na execução da política externa alemã, principalmente durante as eleições nacionais. Essas questões serão levadas em consi-deração na análise do caso em tela.

Além da bibliografia acerca do tema, serão analisados dis-cursos de líderes políticos, notas oficiais, notícias e entrevistas em veículos de comunicação. O trabalho está dividido em três seções: na primeira seção, demonstra-se a importância da Alemanha na cons-trução da unificação europeia; na segunda seção, avalia-se o papel desempenhado por Angela Merkel na resolução de conflitos e crises que vêm ocorrendo no bloco; na terceira seção, subdividida em duas, pontua-se as relações entre a Alemanha e dois grandes parceiros eu-ropeus, a França e o Reino Unido. Na quarta e última seção, faz-se as considerações finais.

4 Tradicionalmente, os partidos alemães dividiam-se da seguinte forma: à direita, o União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Democrático Liberal (FDP); à esquerda, o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Verde (Bündis 90/Die Grüne). Aos longos dos anos, o surgimento de novos partidos alterou essa configuração. Agora, o eleitorado divide-se também entre o partido A Esquerda (Die Linke), formado por membros de dois outros partidos de esquerda, o Partido Pirata (Piratenpartei), que promove principalmente a liberdade digital e a transparência na política, e o Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland), que advoga pela saída do país da zona do Euro. Ver Paterson (2010b), Dalton (2014), Hornsteiner e Saalfed (2014).5 Tendo isso em mente, o Auswärtiges Amt lançou o Review 2014 – Aussenpolitik weiter denken (Pensar a política externa mais a fundo), um relatório que contou com a participação de acadêmicos, estudantes, empresários e funcionários do Ministério que opinaram sobre como a política externa alemã deveria ser conduzida e qual a posição que o país deveria ocupar no mundo (AUSWÄRTIGES AMT, 2014).

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De pária a paymaster: o papel Da alemanha na União eUropeia (1951-2015)

1. a ImPortâncIa da alemanha Para a crIação e o desenVolVImento da unIão euroPeIa

De acordo com Paterson (2011), o início do processo de in-tegração do continente europeu, na década de 1950, possibilitou a inserção da República Federal da Alemanha (RFA) naquele subsis-tema de poder. Isso ocorreu, segundo o autor, pela introdução do país como um ator de fato, já que a RFA se caracterizava de maneira diferente dos demais Estados da Europa Ocidental: o território esta-va sob ocupação estrangeira, com uma nova capital federal, e sua po-lítica de segurança e defesa estava subjugada à proteção dos Estados Unidos e da OTAN. Com isso, a “participação em instituições supra-nacionais permitiu à Alemanha Ocidental modificar seu status sub-jetivo, ter de volta o acesso a mercados de exportação e fortalecer sua fraca e debilitada identidade estatal” (PATERSON, 2011, p.58, tradução minha).

Apesar disso, houve discordância internamente quanto à consecução de uma política externa alemã para o continente. O SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands), principal partido de esquerda, era favorável ao fortalecimento e à reestruturação interna do país, sendo a política europeia um fator secundário. Já o CDU (Christlich Demokratische Union Deutschlands), à direita, advogava pelo fortaleci-mento do país ao incipiente processo de unificação do continente. Foi somente durante a década de 1960 em que as lideranças políticas da Alemanha perceberam as vantagens decorrentes de uma maior aproximação com o bloco europeu, por meio das benesses econômi-cas e da possibilidade de uma maior identidade europeia aos cidadãos alemães (PATERSON, 2010a). Coube, então, ao chanceler Konrad Adenauer (1949-1963) a tarefa de fortalecer as relações do país com a Comunidade Econômica Europeia e iniciar o que Paterson (2010a) denominou como a “vocação europeia” da Alemanha.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

O chanceler Adenauer postulava a integração do continen-te, o fortalecimento das relações franco-alemãs e a busca pela paz como objetivos da recém-criada República Federal da Alemanha. Possivelmente, esses objetivos também podem ser explicados pela biografia de Adenauer que, por já ter idade avançada quando chegou ao mais alto cargo no país, vivenciou questões difíceis para o conti-nente, como as duas guerras mundiais e a instabilidade advinda da rivalidade entre Alemanha e França6 (EUROPEAN UNION, 2013)

Assim, durante o regime de Adenauer importantes mar-cos foram alcançados. A Alemanha foi uma das fundadoras da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, a gênese do processo europeu de integração7. Em 1955, a Alemanha entrou na OTAN, o que pode ser entendido como uma maneira de facilitar decisões conjuntas, entre as lideranças europeias e estadunidenses, de questões de segurança e defesa. E em 1963, foi assinado entre França e Alemanha o Tratado de Amizade, que promoveu a estabilidade das relações entre vizinhos, marcadas pela turbulência e pela insegurança (EUROPEAN UNION, 2013).

A longa trajetória de integração europeia culminou com o Tratado de Maastricht, de 1992, que criou os três pilares e a união monetária8. Ao mesmo tempo, a Alemanha passava por um processo

6 Paterson (1998, p.20-21) salienta que a administração Adenauer teve um caráter personalista, colocando- o como um líder com intenções visionárias, baseadas no multilateralismo e na “europeização” da Alemanha. Por ter sido o primeiro chanceler da RFA, ele tinha maior espaço para colocar essa visão em prática, não sendo tão restringido pelo sistema que se seguiu, mais institucionalizado e estável. Por outro lado, a “semi- soberania” a qual o país estava subjugado dificultava grandes opções de política externa, e aliar-se aos parceiros ocidentais acabou sendo a melhor estratégia.7 Também fizeram parte Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda (EUROPEAN UNION, The history of the European Union. Disponível em http://europa.eu/about-eu/eu-history/index_en.htm#goto_2). Acesso em 03 de novembro de 2015.8 O primeiro pilar se refere à criação da Comunidade Europeia; o segundo, ao desenvolvimento de uma política externa e de segurança comuns; e o terceiro, à consecução de objetivos de cooperação comuns em matéria penal. O documento pode ser acessado em sua totalidade pelo link, http://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C:1992:191:FULL&from=EN. Acesso em 03 de novembro de 2015.

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De pária a paymaster: o papel Da alemanha na União eUropeia (1951-2015)

de instabilidade econômica e política, decorrentes da reunificação, ocorrida dois anos antes. O fortalecimento do bloco europeu po-deria, assim, ser uma salvaguarda para a Alemanha. Como afirma Paterson (1998, p.28, tradução minha), o governo de Helmut Kohl (1982-1998) concebia “[...] a Alemanha e a unidade europeia [como] dois lados de uma mesma moeda. A unidade europeia criava as pré- condições para a unidade alemã, e essa, quando alcançada, necessitou da unidade europeia como um elemento fortalecedor”.

Entretanto, Baun (1995, p.606, tradução minha) acredita que o Tratado de Maastricht foi uma “resposta política à reunifica-ção alemã”. Segundo o autor, o aprofundamento da integração foi uma tentativa de entrelaçar, progressivamente, a Alemanha à União Europeia, e assim evitar possíveis reviravoltas nacionalistas ou beli-cosas. O bloco serviria, dessa maneira, como uma forma de “conter” a Alemanha. Moravcsik (2012, p.55, tradução minha), por outro lado, interpreta de maneira realista o papel da Alemanha na implementa-ção do Tratado de Maastricht e da consequente União Econômica e Monetária, ao afirmar que

a maior motivação da Alemanha para a moeda única, ao contrário do pensamento popular, não era nem para ajudar sua reunificação, nem para realizar um esquema idealista e federalista para a união política europeia. Em vez disso, ela foi usada para promover o seu próprio bem-estar econômico por meio de mercados abertos, de uma taxa de câmbio competitiva e de uma política monetária anti-inflacionária.

Ao longo dos anos, houve oscilações quanto à demonstração dessa “vocação europeia”. No pós-reunificação, conjecturou-se acer-ca do possível fortalecimento e da maior demonstração de força da Alemanha no cenário internacional. Durante o governo de Helmut Kohl, houve o embate entre duas possibilidades de política externa: o fortalecimento da consecução dos interesses alemães, com uma

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

política externa mais ativa e atuante, ou a maior participação do país na União Europeia, sendo o país limitado pelas instituições suprana-cionais. Por fim, o governo da recém Alemanha reunificada optou pela “europeização” como principal orientação de sua inserção inter-nacional (PATERSON, 2010a)9.

O que se presencia na atualidade é uma política alemã e eu-ropeia cada vez mais entrelaçada. A Alemanha está no centro de todas as tomadas de decisão da União Europeia. Ruano (2013) ex-plica esse processo por meio do upload, que seria um rito de passa-gem entre a política nacional alemã e a política da União Europeia (Europeanization)10. Por estar em posição privilegiada no bloco, à Alemanha seria facultada a opção de moldar as políticas europeias de acordo com as preferências do governo alemão. Para que o upload ocorra, segundo a autora, seriam necessários duas pré-condições: a definição do interesse, que faz parte da agenda do país, e o poder, visto aqui como uma habilidade em formar coalizões para a aprova-ção do interesse.

Na esfera política, a “vocação europeia” da Alemanha foi demonstrada de forma mais notória quando o país presidiu o Conselho da União Europeia em 2007. Após o insucesso na apro-vação da Constituição do bloco, era necessário garantir a aprovação do Tratado de Lisboa. O papel de Merkel ao “usar seu capital de

9 O debate entre uma “Alemanha mais europeia” ou uma “Europa mais alemã” ainda se mantém. Ulrich Beck (2015) faz uma análise do processo pelo qual a Alemanha se conduziu, de um país dividido e suscetível aos interesses de seus aliados europeus e estadunidenses, a um país central para a manutenção da União Europeia. Para o autor, apesar da evidente importância do país para o bloco, a “Europa alemã” carrega uma conotação negativa, pois “está historicamente contaminada e fere um tabu altamente sensível, porque evidencia a nova situação do poder” (BECK, 2015, p.99). Numa entrevista, quando questionada se a Europa está se tornando mais alemã em decorrência da grande influência do país no bloco, a chanceler Merkel respondeu: “Não queremos isso [das wollen wir nicht]” (Canal ZDF, 16 de agosto de 2015, minuto 4:12).10 Ruano (2013) define ainda mais duas formas de policy transfer entre os níveis nacionais e supranacionais: download e sideways. O primeiro diz respeito à conformação das políticas domésticas às políticas do bloco, e o segundo ocorre por meio da convergência entre as duas instâncias.

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De pária a paymaster: o papel Da alemanha na União eUropeia (1951-2015)

liderança para salvar o Tratado de Lisboa permaneceu verdadeiro à sua vocação europeia” (PATERSON, 2014, p.173, tradução minha).

Há indícios de que essa “vocação europeia” será posta em prática com maior vigor durante a atual gestão da chanceler, quan-do se analisa o discurso oficial. O ministro Steinmeier afirmou que “quando penso em política externa alemã, penso na Europa. A políti-ca externa alemã deve ser europeia” (CARNEGIE EUROPE, 2015, tradução minha). Merkel, ao se dirigir ao Bundestag, declarou que “a Europa é forte e robusta. A Alemanha é forte e robusta. Mas também devemos pensar se a Alemanha somente está bem quando a Europa está bem” (DIE BUNDESKANZLERIN, 2015, tradução minha).

Pelo exposto, percebe-se como foi imprescindível o papel da Alemanha na história do bloco europeu. A opção europeia, que a princípio foi protelada, demonstrou-se como aquela que possibilitava não somente a entrada alemã no jogo político europeu, mas também como aquela que reunia a maior quantidade de benefícios políticos e econômicos para o país.

2. angela merkel e a unIão euroPeIa: lIdando com crIses e desafIos (2005-2015)

No início de seu primeiro mandato, em 2005, Merkel mos-trou indícios de que iria se comprometer com o fortalecimento da integração europeia, ao mesmo tempo em que promoveria o for-talecimento da Alemanha. A primeira visita oficial de Merkel como chanceler direcionou-se para as cidades de Paris, Bruxelas e Londres, e para instituições como a OTAN e a União Europeia. Merkel afir-mou, na ocasião, que “precisamos na Europa de uma Alemanha for-te” (MERKEL UND CHIRAC..., 2005, tradução minha). No dis-curso de posse perante o Bundestag, Merkel declarou que a política europeia e a política alemã têm valores comuns e, devido à posição

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geográfica do país, ele deveria atuar como um mediador no continen-te (DIE BUNDESREGIERUNG, 2005).

Nesses dez anos de gestão Merkel, muito se discutiu acer-ca do papel de liderança da Alemanha no cenário europeu, princi-palmente em momentos de crise no bloco. Autores como Paterson (2011) e Morisse-Schilbach (2011) explicaram a atuação alemã como um “hegemon relutante” e um “hegemon benigno”, respectivamente. Para Paterson, a Alemanha se tornou um hegemon durante a crise da zona do Euro. Contudo, esse papel não coube ao país por esco-lha, e sim por necessidade. Isso ocorreu, segundo o autor, por duas razões principais: pelo estilo de liderança de Merkel, que prefere a ponderação e a conciliação, em detrimento de escolhas rápidas e uni-laterais; e pelos fatores domésticos, como a capacidade de o Tribunal Constitucional Federal (TCF) em influir na política externa alemã para o bloco11. Segundo Morisse-Schilbach (2011, p.28, tradução minha),

Hegemonia liberal ou benigna não é somente sobre as ati-tudes imperiais e de conquistas, ou sobre o uso de poder coercitivo. Outros mecanismos mais sutis devem ser empregados. Dois meca-nismos são apontados pela literatura: por um lado, os interesses do líder e, por outro, os instrumentos e estratégias específicas para per-suadir outros Estados a aceitarem suas regras. Um hegemon benigno tem por objetivo criar uma ordem econômica liberal a fim de promo-ver seus próprios interesses econômicos (e também seus interesses de segurança).

Segundo a autora, a Alemanha exerceria o papel de “hegemon

11 A capacidade de o TCF em interferir na política alemã para a União Europeia demonstra ora a relutância do Órgão em aprofundar a integração, ora a aceitação da primazia do direito europeu sobre o alemão. O TCF legislou também sobre temas como o resgaste econômico para países do bloco em crise, sobre as eleições ao Parlamento Europeu e sobre o aprofundamento da integração europeia (DRIFTING INTO POLITICS..., 2014).

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benigno” ao criar instituições supranacionais e “carregar o extraor-dinário fardo de mantê-las” (MORISSE- SCHILBACH, 2011, p.30, tradução minha). Esse papel, segundo a autora, não é natural à Alemanha e foi outorgado pelas outras lideranças europeias. Com a crise da zona do Euro e da Grécia, o país tende a atuar de maneira unilateral e a perder esse status “benigno”.

Credita-se ao fato de a Alemanha exercer uma política ex-terna de baixo perfil às qualidades pessoais de Angela Merkel, que cresceu na Alemanha Oriental, que se prolonga a tomar decisões, que prefere a conciliação em vez da decisão unilateral (PACKER, 2014). De qualquer forma, a sociedade alemã tem demonstrado in-dícios de que é contrária a uma liderança mais efetiva do país. Em uma pesquisa de opinião realizada em 2014, 60% dos entrevistados afirmaram ser contrários a um maior envolvimento do país no cená-rio internacional - em 1994, esse número era de 37%. Entre as razões principais apontadas, a maior parte dos entrevistados afirmou que o país deve, primeiramente, resolver os problemas internos; outros, principalmente aqueles acima dos 60 anos de idade, argumentaram que a história alemã não permite uma política externa mais assertiva; defendeu-se também que o papel exercido pela Alemanha é pequeno para que mudanças no sistema internacional possam, de fato, aconte-cer (KÖRBER STIFTUNG, 2014).

Como se pode perceber, a Alemanha exerce um papel mais ativo e de liderança na União Econômica e Monetária europeia (UEM), não somente pela preponderância econômica do país, mas também porque os elementos da UEM lhe são benéficos. Busch (2014) argumenta que, apesar dos aspectos negativos iniciais ocorri-dos pela introdução do Euro (como o aumento da taxa real de juros), a moeda comum seria muito favorável ao país. Questões internas, como a manutenção do aumento dos salários, possibilitaram ao país

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elevar sua competitividade, em comparação a outros países da zona do Euro. Assim, a Alemanha pôde aumentar o índice de exportações, das taxas de crescimento e do produto interno bruto.

Além disso, o processo de alargamento do bloco em direção a países do Leste Europeu (como Eslovênia, Eslováquia, Hungria, Polônia, República Tcheca) possibilitou que empresas alemãs tercei-rizassem parte de sua produção para esses países, nos quais há meno-res custos trabalhistas (PATERSON, 2014, p.166).

No ano de 2015, ficou evidente que a Alemanha possui tais pré-condições, principalmente durante o manejo de questões difíceis. Durante a crise na Grécia, Merkel propôs o pacote de ajuda econô-mica ao país grego, mas teve que enfrentar oposições dentro de seu partido, o CDU, e de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças e um dos principais nomes do partido. Essa ajuda, contudo, não foi benevolente. Um estudo realizado pelo Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica mostrou que a crise grega gerou lucros para os ban-cos alemães, por meio de pagamento de juros e da compra de tí-tulos (LEIBNIZ-INSTITUT FÜR WIRTSCHAFTSFORSCHUNG HALLE, 2015). Além disso, a Alemanha é uma das maiores credoras do continente, e a estabilidade da economia e da moeda europeia é muito importante para a indústria do país, a mais competitiva do bloco (MORAVCSIK, 2012).

A Alemanha foi o país europeu que mais recebeu pedidos de asilo provenientes da Síria, entre 2011 e 2015 (SOBELMAN, 2015). Ao abordar a questão dos refugiados, Merkel instou à cria-ção de soluções em nível supranacional, como a reforma do sis-tema comum de concessão de asilo, o Regulamento Dublin (DIE BUNDESKANZLERIN, 2015). A despeito de o tema dividir opi-niões domesticamente, a chanceler verbalizou, em inúmeras oca-siões, a necessidade de acolhimento aos refugiados. Mesmo com o

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fechamento temporário da fronteira com a Áustria (CRISE DOS REFUGIADOS..., 2015) e o aumento de atos violentos contra abri-gos de imigrantes (VIOLÊNCIA CONTRA..., 2015), a abordagem de Merkel configura como um dos poucos momentos nos quais ela teve uma postura de liderança e um comprometimento factual com os direitos humanos, uma amostra de alinhamento entre o discurso oficial e a prática política.

Todavia, exercer uma liderança efetiva ainda é custoso à ad-ministração Merkel, já que a chanceler opta pela conciliação multi-lateral. Possivelmente, isso pode ser explicado porque uma lideran-ça alemã mais ativa, ainda que seja necessária, traria ressentimentos baseados no passado do país. Como demonstra a revista Der Spiegel (BLOME et al, 2015), ao ser criticada pelas medidas austeras imple-mentadas pela chanceler, Merkel é muitas vezes comparada a Adolf Hitler, e a Alemanha ao “Quarto Reich”.

Pode-se concluir que a Alemanha foi de suma importância para o avanço do processo de unificação do bloco. Visto como uma “ameaça” ou com desconfiança pelos policymakers europeus, o país logrou atingir uma posição privilegiada na União Europeia. A gover-nança regional da Alemanha apresenta, principalmente, caráter eco-nômico. Suas vantagens na área possibilitaram ao país ter voz ativa em questões importantes e, com isso, estar numa posição de lideran-ça prática, mesmo que o discurso oficial não coadune tal posição.

3. relações com ParceIros euroPeus

Analisar as relações da Alemanha com as duas principais po-tências europeias (França e Reino Unido) é importante para que se possa averiguar se as decisões alemãs referentes à União Europeia ocorrem de maneira unilateral ou se há uma convergência entre os principais centros de poder do continente. A seguir, serão analisadas

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as relações com a França (item 3.1) e com o Reino Unido (item 3.2), a partir de 2005.

3.1 Relações com a FRança

Como explicado anteriormente, as boas relações entre França e Alemanha eram vistas como o meio necessário para o su-cesso do processo de integração europeu. Por serem rivais históricos, empreender a paz entre os dois países significava criar canais seguros para o funcionamento do comércio, da política e das instituições do bloco.

Entretanto, como afirma Daehnhardt (2013b, p.154), ao lon-go dos anos “os interesses que orientaram os decisores políticos em Paris e em Berlim nunca foram completamente convergentes e os dois países seguiram projetos contrastantes para a integração euro-peia”. Após 50 anos do Tratado de Elysée, assinado como uma de-monstração de amizade, a agenda bilateral pauta-se, principalmente, por temas pertinentes à União Europeia, já que os dois países com-põem o núcleo-duro do bloco.

A estabilidade franco-alemã, além de servir aos propósitos da União Europeia, colaborou também de maneira unilateral. Para a França, as relações bilaterais com a Alemanha possibilitaram a manutenção da soberania francesa em um ambiente de integração e cooperação a fim de restringir a prevalência alemã no processo decisório do bloco e a opção de contribuir, com a visão francesa da geopolítica mundial, para a formulação de políticas de segurança e defesa, notadamente a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) (DAEHNHARDT, 2013b).

Durante os mandatos de Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, a aproximação entre os dois países revelou-se mais evidente, tan-to que foi cunhado o termo “Merkozy” pela mídia internacional.

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Inicialmente, houve divergências entre ambas as partes em temas- chave, como ajuda financeira a países em crise. Todavia, a crise do Euro, em 2010, fez com que houvesse a necessidade da criação de uma liderança associada, e França e Alemanha fizeram de suas de-savenças problemas secundários (DAEHNHARDT, 2013b). Dessa forma, os dois países conduziram um pacote fiscal para a solução da crise, em 2011 (CARNEGY;MILNE, 2011).

Com a chegada de François Hollande ao poder, em 2012, essa proximidade não mais se mostrou tão evidente. Em 2014, o pre-sidente francês declarou que não iria cumprir as metas de déficit do bloco até o ano de 2017 e, ademais, a administração de Hollande deu indícios de ser contrária ao programa de Merkel para a solução de crises financeiras (SMALE; ALDERMAN, 2014), já que Merkel pro-punha a austeridade e a fomentação da poupança e Hollande instava ao crescimento econômico (DAEHNHARDT, 2013b).

Hollande tentou retomar o equilíbrio anteriormente con-quistado, ao “[...] modificar o relacionamento com terceiros países, através de um estilo mais inclusivo, passando a consultá-los, e ao posicionar-se entre a Alemanha, representativa dos países credores da zona norte do euro e os países do sul, endividados e obrigados a cumprir um denso programa de austeridade” (DAEHNHARDT, 2013b, p.156). Ficou claro para a França que, mesmo que haja diver-gências quanto à abordagem necessária para lidar com crises, a par-ceria com a Alemanha é imprescindível, principalmente por questões econômicas. Há diferenças significativas entre os dois países, princi-palmente nas taxas de Produto Interno Bruto (PIB) e de desemprego (ver a tabela adiante). Contar com o apoio da Alemanha, a maior economia da zona do Euro, torna-se imperativo para a França.

Apesar das diferenças econômicas entre França e Alemanha, dos estilos de liderança entre Merkel e Hollande e das propostas feitas

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para a resolução de crises na União Europeia, a estabilidade franco--alemã é componente fulcral para o bloco. Sem ele, temas importan-tes, como resgastes financeiras e acolhimento de refugiados, correm o risco de não serem postos em prática com a urgência necessária.

3.2 Relações com o Reino Unido

Assim como a França, o Reino Unido configurou-se como um dos grandes inimigos da Alemanha durante as duas guerras mun-diais. Diferentemente dos franceses, essa rivalidade findou-se com o término do conflito. Ao longo dos anos, os britânicos foram vistos como parceiros confiáveis, seja por sua participação nas maiores or-ganizações do mundo (OTAN, G-7, G-20), seja pela sua importância econômica para a região (FEDERAL FOREIGN OFFICE, 2015).

As relações atuais entre Alemanha e Reino Unido inserem--se na lógica da integração europeia. Para os alemães, é interessante fortalecer essa parceria, pois “Londres é vista como uma aliada pode-rosa para a criação de oportunidades na Europa em um mundo glo-balizado” (MÖLLER, 2014, p.23, tradução minha). O Reino Unido, apesar de não fazer parte da zona do Euro e de pôr em prática uma política isolacionista em relação ao bloco, tem um papel estratégico na União Europeia, por ser um forte aliado militar e por manter rela-ções muitos próximas aos Estados Unidos.

Por isso, o referendo vindouro acerca da possível saída do Reino Unido do bloco traz muitos questionamentos. Para a Alemanha, o desligamento britânico acarretaria, além de danos comerciais, uma mudança de eixo, relegando mais poder à França e aos países do Sul. Ademais, a perda de um grande parceiro em temas de segurança poderia fazer com que os outros membros da União Europeia exigis-sem contrapartidas vindas da Alemanha (MÖLLER, 2014).

A troca de visitas oficiais entre Inglaterra e Alemanha

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ocorrem frequentemente. Em uma delas, em 2014, o primeiro-mi-nistro David Cameron afirmou que, no tocante à União Europeia, “nós devemos ser mais abertos, mais flexíveis, mais competitivos” (DIE BUNDESKANZLERIN, 2014, tradução minha). Em 2015, Cameron sugeriu às lideranças do bloco um pacote de reformas, as quais serão disponibilizadas para votação no referendo. Entre elas, constam alterações no mercado único, diminuição do processo bu-rocrático para pequenas empresas, acordos comerciais especiais com os Estados Unidos, Índia e Japão, mais poder aos parlamentos na-cionais, leis mais rígidas para imigrantes e diminuição de benefícios sociais. Há muita divergência entre aos Estados- membros, e a apro-vação dessas reformas está sujeita à capacidade inglesa de diálogo e de cooperação. A Alemanha, por exemplo, discorda em relação a mudanças na política migratória e em políticas sociais (LEONARD, 2015b).

Em momentos de crise, o euroceticismo12 amplia-se entre a população e acaba sendo a argumento motivador de alguns partidos políticos. No caso inglês, o UKIP (UK Independence Party) foi o partido que obteve a maior porcentagem de votos nas eleições de 2014 ao Parlamento Europeu (26.77%), o que lhe deu direito a 24 cadeiras (EUROPEAN PARLIAMENT, 2014). O aumento da participação de partidos eurocéticos, aliado à relutância inicial de David Cameron em cooperar para a solução da crise dos refugiados13, poderiam ser indícios do descontentamento da população britânica em relação à União Europeia, e um vislumbre do resultado do referendo.

Independentemente do resultado, fica claro que, para a visão

12 O euroceticismo caracteriza-se pela descrença nos efeitos benéficos da União Europeia e de suas instituições. Ver Tostes (2009).13 Inicialmente, o governo de Cameron afirmou que não iria acolher refugiados vindos da Síria, já que o Reino Unido é um dos maiores contribuintes de ajuda humanitária ao país. Entretanto, o intenso debate na mídia e na sociedade europeia gerado pela crise fez com que a administração inglesa afirmasse que aceitaria vinte mil refugiados, ao longo de cinco anos (LEONARD, 2015a).

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inglesa, o status quo da União Europeia necessita ser alterado. Caso o Reino Unido se desvincule da integração, as perdas econômicas serão significativas, já que ele é um dos grandes partícipes do comércio intra-bloco (ver tabela abaixo). Caso ele permaneça, os policymakers europeus necessitarão reavaliar grande parte das políticas de integra-ção, o que exige um grande esforço multilateral.

consIderações fInaIs

Pelo exposto, é possível afirmar que a política exterior de Merkel é sui generis. Ela difere de todos os chanceleres anteriores, pois os momentos históricos moldaram as orientações de suas políticas. Konrad Adenauer precisava fortalecer os laços com a incipiente inte-gração europeia para inserir o país nas relações continentais. Gerhard Schröder necessitava lidar com graves problemas internos, como o alto desemprego e a economia desestabilizada. Já Merkel conduz uma das maiores economias exportadoras do mundo, com níveis de emprego estáveis e alto índice de aprovação popular. As questões que a Alemanha enfrenta hoje – como o aumento da imigração – são também enfrentadas pelo resto do continente. Com isso, há a alter-nativa de buscar soluções conjuntas e supranacionais.

Isso se reflete no comportamento alemão no que tange à go-vernança regional e ao seu relacionamento com parceiros transatlân-ticos e continentais. Na União Europeia, a Alemanha está no centro da resolução de crises. Com isso, o desfecho para problemas impor-tantes (crise econômica, aumento do número de refugiados, proteção ao clima) depende do bom relacionamento que o país mantém com a França, uma grande aliada, e com o Reino Unido que, apesar de se manter distante das políticas do bloco, é um forte parceiro comercial. Manter um bom relacionamento com a Alemanha significa manter a estabilidade no bloco. Dessa maneira, a Alemanha é vista como um

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“país estabilizador”, que promove o diálogo e a cooperação em um ambiente multilateral. A importância do país para a União Europeia é, portanto, imprescindível.

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A ATUAÇÃO DO COMITÊ DAS REGIÕES E A DIPLOMACIA SUBNACIONAL MULTI-NÍVEL NA UNIÃO EUROPEIA

Cairo Gabriel Borges JunqueiraUniversidade de Brasília

4º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

Por ser o único processo de integração regional que conseguiu alcançar o patamar de união econômica e monetária, mesmo que de maneira imperfeita, a União Europeia é referenciada como modelo e inspiração para outros blocos regionais cujos níveis de cooperação encontram-se em estágios menos avançados. A integração nos moldes europeus con-seguiu adensar uma série de relações entre atores e fez do continente um palco de intensa barganha política, econômica, social e cultural, no qual a União Europeia, propriamente dita, os Estados nacionais e os atores subnacionais – mormente regiões e governos locais – construíram o chamado “triângulo de relacionamento” e deram suporte ao conceito de Governança Multi-Nível presente nos debates teóricos das Relações Internacionais. Desde o Tratado de Maastricht (1992) houve um aumen-to significativo no entendimento de que as potenciais benesses desem-penhadas pelas subnacionalidades seriam um ponto positivo para ser adensado no rol integracionista. No tratado fora criado o Comitê das Regiões, o primeiro organismo designado e aberto à participação subna-cional que possibilitou o engajamento regional no bloco através da ou-torga de funções consultivas aos governos locais e regionais. Ademais, o Comitê das Regiões é a principal instância formalmente reconhecida como tal que leva as demandas subnacionais ao âmbito regional. No presente artigo, objetiva-se analisar o órgão com vistas a discriminar sua forma de institucionalização e vínculos com a União Europeia, sistema-tizar a formulação de sua agenda temática e caracterizar suas principais iniciativas e atividades. Em virtude de seu caráter consultivo na política da União, ou seja, sua impossibilidade de possuir poderes decisórios di-retos, parte-se da hipótese de que a influência subnacional proveniente do Comitê das Regiões ainda permanece em níveis baixos e iniciais, mas

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que vem crescendo e tende a aumentar nos próximos anos. Outrossim, com os resultados obtidos, conclui-se que a inserção internacional dos atores subnacionais, fenômeno notadamente conhecido na literatura como paradiplomacia, inserida no Comitê das Regiões deve ser vista de maneira positiva e propositiva no desenvolvimento integracionista. Ver-se-á que a agenda e as atividades do órgão são consolidadas, plurais e atendem aos interesses dos cidadãos europeus. Por fim, promovendo unidade em suas ações discursivas e empíricas e levando-se em consi-deração a intensa troca de diálogo entre as esferas políticas do bloco, o presente artigo enfatiza que o termo “diplomacia subnacional multi--nível” pode ser usado como meio de se difundir os ideais requeridos atualmente pelo Comitê das Regiões no interior do bloco.

Palavras-chave: União Europeia; Comitê das Regiões; Governança Multi-Nível

Introdução

A última década do século XX trouxe uma série de mudan-ças para as relações internacionais. O Estado-nação, o qual seguiu na maior parte da história contemporânea uma lógica centralizadora, unitária e coesa, passou por um processo de reestruturação e des-centralização, perdendo a capacidade de responder satisfatoriamente a todas as demandas do Sistema Internacional. A partir dos anos de 1990, consolidou-se a ideia de que o Estado não é mais considerado um ente político isolado, está inserido em redes mundiais de intera-ção e tem predileção por relações de cooperação (MARIANO, 2007).

Dois grandes processos contribuíram para tal constata-ção, sejam eles a intensificação da Globalização e o aumento da Interdependência. Com a integração global entre países e o reorde-namento das relações de poder, a Globalização colocou certa dúvida na onipresença do Estado estipulada pelas correntes teóricas realistas das Relações Internacionais. Ademais, ocorreu um acentuado cres-cimento na reciprocidade entre países através de fluxos de dinhei-ro, informações, bens e pessoas, o qual encontrou maior espaço no

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

mundo interdependente e multipolar pós-Guerra Fria (KEOHANE; NYE, 2005).

Como consequência dessa recente realidade, novos atores emergiram com real capacidade de agir nas relações internacionais. Grandes corporações transnacionais, sindicatos, empresas, organiza-ções internacionais, organizações não governamentais e, com especial ênfase para o artigo que ora se apresenta, blocos regionais e atores subnacionais1 passaram a dividir mais espaços com os governos cen-trais. Gerou-se uma ótica de que o fomento da integração regional seria benéfico aos países promotores de tal iniciativa. Por seu turno, os chamados atores subnacionais aumentaram em qualidade e quan-tidade sua abrangência de ações externas, provendo a criação de uma nova literatura acadêmica que passou a denominar conceitualmente de paradiplomacia (SOLDATOS, 1990) a toda inserção internacional proveniente desses atores.

Em virtude desse ímpeto internacional derivado das subna-cionalidades, os processos de integração regional tornaram-se arenas em potencial para o desenvolvimento e a ampliação das ações da-quelas. Assim como sustenta Selcen Öner (2004), na própria União Europeia gerou-se uma ótica participativa que as colocou como níveis políticos relevantes para o alargamento do processo integracionista. Destarte, as regiões subnacionais europeias serviriam como meio de aumentar a conexão entre os Estados e a sociedade civil, gerar um “triângulo de relacionamento” entre os entes políticos e pragmati-zar a ideia de “governar em vários níveis”, ou seja, de Governança Multi-Nível (MARKS, 1993) na União Europeia. Conforme afirma Estevão de Rezende Martins (2012, p. 203):

1 No caso específico da União Europeia, tem-se como sinônimo de “atores subnacionais” a noção de “regiões subnacionais”. Dentre elas podem-se citar os länder alemães, os cantões suíços, as comunidades autônomas espanholas, os departamentos franceses, os condados irlandeses, os conselhos distritais dinamarqueses e as províncias belgas.

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A AtuAção do Comitê dAs Regiões e A diplomACiA subnACionAl multi-nível nA união euRopeiA

A coabitação entre a realidade das nações e a construção da União [Europeia], conjugada com o renascimento das regiões e das identidades locais, mostra que a nação não é o único ambiente de referência e de identificação dos povos do continente. Nenhuma nação europeia, por mais diversificada em seu interior que seja e por mais que se tenha tentado definir por oposição às outras, nunca foi uma ilha isolada de seu entorno [...]

Esse movimento passou a ser colocado em prática e na es-trutura institucional da União Europeia no Tratado de Maastricht de 1992, considerado um divisor de águas por incorporar oficialmente os interesses públicos subnacionais na União (STUART, 2002). Em seu artigo 198 é oficializada a criação de um comitê de natureza con-sultiva composto por representantes de coletividades regionais e lo-cais, adiante designado por Comitê das Regiões. Ele passou a ser, por excelência, o canal de maior representação subnacional na integração regional trazendo à tona os novos sujeitos políticos do bloco.

Completando vinte anos em 2014 desde a realização de sua primeira reunião, o Comitê é considerado a principal instância sub-nacional articulada e advinda de intenso desenvolvimento integra-cionista. Ao longo dos anos o órgão vem buscando aquilo que fora pontuado em sua Declaração de Missão (COMITÊ DAS REGIÕES, 2009a): ser a Assembleia Europeia dos representantes regionais e lo-cais, dinamizar a cooperação entre os níveis supranacional2 e subna-cional, aumentar a autonomia dos órgãos de poder regionais e locais e promover um constante diálogo com os cidadãos europeus.

Em definitivo, o Comitê das Regiões está unificando o

2 No documento do Comitê das Regiões (2009a) é pontuado que sua ação “[...] política é fundada na convicção de que a cooperação entre os níveis europeu, nacional, regional e local é indispensável para construir uma União cada vez mais estreita e solidária entre os povos da Europa e enfrentar os desafios da globalização”. O termo “supranacional” aparece aqui como ilustração dessa política e pode ser entendido como “[...] um poder de mando superior aos Estados, resultando da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em benefício da organização comunitária, permitindo-lhe a orientação e a regulação de certas matérias, sempre tendo em vista anseios integracionistas” (STELZER, 2004, p. 67-68).

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

discurso e os anseios dos atores subnacionais e dinamizando-os com suas ações empíricas. Consequentemente, firmou-se como institui-ção e conseguiu garantir representação política das regiões e localida-des da União Europeia (NESHKOVA, 2008). Assim, objetiva-se no presente artigo analisar o órgão com vistas a discriminar sua forma de institucionalização e vínculos com o bloco regional, interpretar a formulação de sua agenda temática e caracterizar suas principais iniciativas e atividades.

Por fim, cumpre destacar que a hipótese é de que em virtude de seu caráter consultivo na política da União, ou seja, sua impossi-bilidade de possuir poderes decisórios diretos, sua influência regional ainda permanece em níveis baixos e iniciais, mas que vem crescendo e tende a aumentar nos próximos anos. Conclui-se que a inserção in-ternacional dos atores subnacionais inseridos no Comitê das Regiões deve ser vista de maneira positiva e propositiva no desenvolvimento integracionista. Observar os três aspectos supramencionados pos-sibilitará sustentar a utilização de um novo conceito para fazer jus ao papel desempenhado por ele na União Europeia. Trata-se da ter-minologia “diplomacia subnacional multi-nível”, entendida como a inserção internacional dos atores subnacionais tendo como aporte administrativo e jurídico diretrizes propostas por um bloco regional com características supranacionais.

1. o comItê das regIões: InstItucIonalIzação, agenda e atIVIdades do PrIncIPal canal subnacIonal na unIão euroPeIa

O Comitê das Regiões é o canal central de participação subnacional na União Europeia porque é formal e constitucional-mente reconhecido como instituição legítima do bloco. Conforme mencionado, sua criação está estipulada no artigo 198 do Tratado de Maastricht (1992). Em momentos posteriores, houve um aumento

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do rol de suas competências evidenciado nos artigos 263 até 265 do Tratado de Amsterdam (1997), exigência de maior legitimidade de-mocrática por parte de seus membros mostrada no Tratado de Nice (2001) e possibilidade de salvaguarda de suas prerrogativas junto a instâncias jurídicas da União formalizada no artigo 256a do Tratado de Lisboa (2009).3

Com os alargamentos e tratados europeus, o Comitê das Regiões adquiriu, progressivamente, maior coesão interna e maior possibilidade de fazer valer seus ideais junto às instituições centrais do bloco regional: Comissão Europeia, Conselho de Ministros e Parlamento Europeu. Formado por 28 delegações, uma para cada país membro do bloco, o Comitê é composto atualmente por 353 autoridades regionais e locais, conforme mostrado no quadro abaixo:

membRos do comitê das Regiões poR delegação nacional

Fonte: Comitê das Regiões (2012)

Divide seu trabalho em sete comissões especializadas nos seguintes temas: Cidadania, Governança e Assuntos Institucionais

3 Os Tratados de Maastricht, Amsterdam, Nice e Lisboa encontram-se disponíveis n’O Portal da União Europeia (EUROPA, 2014).

Alemanha, França, Itália e Reino Unido 24

Espanha e Polônia 21

Romênia 15

Áustria, Bélgica, Bulgária, Grécia, Hungria, Países Baixos, Portugal, República Tcheca e Suécia

12

Dinamarca, Eslováquia, Finlândia, Irlanda, Lituânia e Croácia

9

Eslovênia, Estônia e Letônia 7

Chipre e Luxemburgo 6

Malta 5

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

e Externos; Política de Coesão Territorial; Política Econômica e Social; Educação, Juventude, Cultura e Investigação; Ambiente, Alterações Climáticas e Energia; Recursos Naturais; e Assuntos de Ordem Administrativa e Financeira. Sua composição é deliberada pelo Conselho de Ministros, mas quem aprova seu regimento interno é o próprio Comitê. Ademais, quaisquer recomendações provindas do órgão devem ser encaminhadas a instâncias superiores.

Seus princípios alicerçam interesses e valores comuns que se estabelecem em uma nova dimensão do desenvolvimento do pro-cesso de integração regional europeu (STUART, 2002). O Comitê das Regiões foi criado para dar sustentação a uma nova fase no re-lacionamento entre a União Europeia e os atores subnacionais. Age em uma via de mão dupla, pois, além de demandar poderes a esses entes políticos, barganha por maior aproximação com a sociedade civil. De tal sorte, acompanhando a ótica da União Europeia ser ob-servada como modelo de gestão para outras organizações interna-cionais (MALAMUD; SCHMITTER, 2006), a exemplo do Mercado Comum do Sul (Mercosul), pode-se afirmar que o Comitê é o coro-lário subnacional no bloco.

Realizadas as primeiras considerações, cumpre dizer que cada uma das variáveis será apreciada a seguir. Primeiramente, analisar-se--á a questão da institucionalidade para que depois sejam pontuadas as observações concernentes à formulação de sua agenda e o feitio de suas iniciativas e atividades centrais. A dita precária institucionaliza-ção consultiva do Comitê das Regiões é balanceada por uma agenda temática densa e multifacetada e uma série de ações que vão ao en-contro das diretrizes do ordenamento desenvolvimentista europeu.

Institucionalmente, o Comitê das Regiões detém caráter consultivo para com as instituições centrais da União Europeia, atua por meio de pareceres e resoluções, não possui poderes de decision--making e é dependente da deliberação da Comissão e do Conselho de

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Ministros. Portanto, suas ações são parcialmente limitadas e depen-dentes das iniciativas dos governos nacionais (ALLEN, 2010), fazen-do com que o mesmo permaneça em uma relativa “histerese política” (MEDEIROS, 2004) retardante de suas efetividades políticas.

Todavia, mesmo com tais limitações, o Comitê continua sen-do uma instituição necessária à articulação subnacional na União, porque atua proativamente na defesa dos interesses subnacionais em cooperação com as instâncias supranacionais e nacionais. Sua carac-terística consultiva não denota impotência (CHRISTIANSEN et al, 1996) e ele já conseguiu trazer à tona novos sujeitos políticos, melho-rar as demandas das sociedades civis e ampliar o exercício democrá-tico intra-bloco.

Sobrevém não somente de seu caráter isento de decisão, mas também da concentração de poder nas mãos dos Estados nacionais europeus a constatação de que o grau institucional do Comitê das Regiões permanece em níveis baixos. Mesmo assim, ele vem crescen-do com o passar dos tempos e tende a aumentar no futuro próximo. Por ser uma instituição jovem e tratar-se de um importante locus de comunicação com o nível doméstico, essa tendência crescente deve ser vista como ponto positivo que denota, progressivamente, maior atividade subnacional no seu interior.

Grande parcela da literatura que versa sobre o Comitê das Regiões o coloca em um nível dito precário de institucionalização em razão de um motivo principal: ausência de poder decisório di-reto combinado com uma política intergovernamental4 por parte dos Estados. Todavia, tal precariedade deve ser observada de forma relativa, pois o Comitê impacta, mesmo que indiretamente, inúme-ras diretrizes políticas da União Europeia, enfatizando-se o caso dos

4 O que caracteriza um bloco intergovernamental é o fato do mesmo ser capitaneado por chefes de Estado e não por órgãos de caráter regional.

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Fundos Estruturais e Fundo de Coesão Europeus.5

Ademais, sua agenda é bem ampla e exemplificada pelo ex-tenso rol de temáticas abrangidas por suas sete comissões. No site oficial6 estão pontuadas quais são suas áreas de atuação, sejam elas: agricultura e desenvolvimento rural; cidadania; ambiente e energia; crescimento e emprego; cooperação internacional; mobilidade e transportes; e política regional. Todas temáticas são desenvolvidas pela Comissão Europeia e há influência direta da mesma no segmen-to colocado em prática pelos atores subnacionais.

Além da Comissão, o Conselho de Ministro também consul-ta o Comitê em matéria de coesão regional e social, infraestrutura, política de empregos, política social, saúde, educação, meio-ambien-te e cultura (COMITÊ DAS REGIÕES, 2010b). Política ambien-tal, social e legislação pública perfazem a influência subnacional nas políticas regulatórias do bloco e é na questão do desenvolvimento econômico que o Comitê barganha por maiores recursos.

Sobretudo nas publicações oficiais do Comitê das Regiões (2011, 2013b) é possível observar que sua agenda é marcada por ten-tativas de gestionar iniciativas sobre coesão territorial e econômica, dirimir desigualdades entre as regiões e governos locais e aproximar seus ideais para com outras instituições como o Parlamento Europeu. Para os próximos dois anos, ele almeja compatibilizar os interesses da União para com os cidadãos, aumentar os investimentos para as subnacionalidades, estimular a inserção internacional das mesmas, fortalecer o peso político dos seus membros e colocar em prática a

5 Os Fundos Europeus são instrumentos financeiros da política regional do bloco que procuram minimizar as desigualdades de desenvolvimento entre os níveis integracionistas e subnacionais (FONTAINE, 2003), sendo que entre 2007 e 2013 existiram aproximadamente 450 programas lançados pela União Europeia para abranger essa finalidade (ALLEN, 2010). Juntos, os Fundos compreendem cerca de 35% do orçamento comunitário e constituem a segunda rubrica orçamental europeia (EUROPA, 2014). 6 Para informações detalhadas sobre organização, atividades, políticas, notícias, eventos, publicações e afins, vide página oficial do Comitê das Regiões disponível em: <cor.europa.eu>.

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estratégia do bloco denominada “Europe 2020”7. Além das temáticas empíricas, o Comitê apresenta retorici-

dade em sua agenda, ou seja, exibe um discurso teórico e acadêmico com o intuito de unificar as múltiplas vozes de seus mais de 350 membros. Para a presenta análise, vale mencionar o que está dispos-to no “Livro Branco do Comitê das Regiões sobre a Governação a Vários Níveis” (COMITÊ DAS REGIÕES, 2009b). A instituição se ampara no conceito de Governança Multi-Nível, o qual é amplamen-te divulgado atualmente tanto em estudos sobre integração regional quanto em investigações das Relações Internacionais. Compreende um sistema de constante negociação entre governos de diferentes níveis – supranacional, nacional, regional e local – como resultado de intensa barganha institucional e decisória, a qual estimula a des-centralização de funções políticas para além dos Estados nacionais (MARKS, 1993; MARKS, HOOGHE, 2005).

O Comitê das Regiões utiliza o conceito para sustentar o au-mento da participação e da influência subnacional intra-bloco. Por isso o uso do discurso é importante e necessário no que tange ao futuro do órgão como instância gradativamente ativa nas decisões da União Europeia. Ver-se-á na subseção a seguir que essa terminologia é válida quando da sustentação da “diplomacia subnacional multi-ní-vel”, sendo que, por ora, cumpre observar que a pluralidade presente em sua agenda vai ao encontro de suas diligências.

De acordo com sua postura oficial, o Comitê das Regiões (2012) detém seis principais atividades: emitir pareceres, lançar reso-luções, fornecer informações em relatórios de impacto para a União,

7 Trata-se da política central da União Europeia para trazer crescimento econômico às regiões após as sucessivas crises financeiras iniciadas em 2008. O Comitê monitora e apresenta estudos para o Conselho de Ministros sobre a matéria em questão. Maiores informações podem ser encontradas na publicação “Delivering on the Europe 2020 Strategy – Handbook for Local and Regional Authorities” (COMITÊ DAS REGIÕES, 2013a).

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

salvaguardar o princípio de subsidiariedade8, realizar eventos diversos e propagar estudos de interesse geral. As duas primeiras iniciativas fazem jus ao caráter consultivo do Comitê e são as principais ações para participação nas tomadas de decisão regional. Os relatórios de impacto têm como finalidade a apreciação da Comissão para ver se determinada política afeta positivamente os planos subnacionais. Por sua vez, defender a subsidiariedade é um modo de assegurar a institu-cionalização do Comitê já ponderada anteriormente. E, por fim, rea-lizar eventos e publicar estudos compreendem iniciativas de difusão e fortalecimento da imagem da instituição para com outras da União Europeia.

As ações do Comitê acompanham o desenrolar de sua agen-da e vai adiante de seu limitado caráter institucional. Procuram ar-ticular os níveis supranacional, nacional e subnacional. E, mais im-portante ainda, intensificam o debate interno e tentam estabelecer unidade no discurso subnacional. Discurso esse que, em definitivo, acompanha o aparato teórico-conceitual previamente mencionado. Pode-se afirmar que o Comitê das Regiões desenvolve suas agendas e atividades para dirimir sua limitação consultiva e, para tanto, a noção de Governança Multi-Nível aparece como peça-chave dessa realida-de. Valendo-se do debate sobre esse conceito e as variâncias termino-lógicas da paradiplomacia – e.g. inserção internacional de atores sub-nacionais –, a seguir será sustentado que a “diplomacia subnacional multi-nível” é um termo em potencial a ser usado para evidenciar a participação subnacional proveniente do Comitê.

8 É um dos pilares de apoio dos atores subnacionais na União Europeia. Evidencia a máxima de que os assuntos devem ser tratados no nível mais baixo possível (KEATING, 1995). Dito de outro modo, mostra que as decisões devem ser tomadas o mais próximo dos cidadãos, resultando em maior autonomia aos Estados, regiões e governos locais europeus.

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2. a dIPlomacIa subnacIonal multI-níVel na unIão euroPeIa

Nos estudos sobre atores subnacionais, o conceito mais co-nhecido e difundido para se referir à inserção internacional de regiões e governos locais, especificamente no caso europeu, é a paradiplo-macia, termo criado por Panayotis Soldatos (1990) correspondente à abreviação de parallel diplomacy. Mesmo assim, uma das definições mais utilizadas é a de Noé Cornago (2004, p. 251), o qual aponta que a paradiplomacia

[...] pode ser definida como o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional.

Anteriormente, Ivo Duchacek (1984) já havia definido como micro-diplomacia global ao padrão que compreende a procura de cooperação econômica e política com grandes centros de poder por parte dos governos subnacionais. E denominou de paradiplomacia regional transfronteiriça ao estabelecimento de ligações formais ou informais entre os mais diversos estados, províncias, regiões, locali-dades, etc.

Com o passar dos anos, outros autores foram dando novos contornos terminológicos à paradiplomacia, dentre os quais se pode citar a diplomacia constituinte (KINCAID, 1990), política externa sub-estatal (WOLFF, 2007), paradiplomacia transnacional (KAISER, 2003 apud MAGONE, 2006) e diplomacia de múltiplas camadas (HOCKING, 2006), sendo essa última pressuposto de interação en-tre os níveis nacionais e subnacionais de governo na consecução de suas políticas exteriores.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

Todos os termos supramencionados advêm da literatura anglo-saxã e, por conseguinte, são aplicadas à União Europeia de modo geral e ao Comitê das Regiões, especificamente. A paradiplo-macia surgiu e a área científica das Relações Internacionais procurou elencar abordagens teórico-conceituais para servirem como possí-veis patamares de observação da mesma. Aglutinando esse debate de proporções mundiais com as de caráter regional, a Governança Multi-Nível apresentou uma nova roupagem para se notar o compor-tamento de outros atores na Política Internacional.

O ponto central da Governança Multi-Nível reside no fato da decisão política de determinada instituição perpassar diferentes esferas de influência, não mais condicionando-a à centralidade esta-tal, mas sim aos níveis supra e subnacional (MARKS, 1993). Havendo descentralização da decision-making inclusive para os atores subnacio-nais e levando-se em consideração que o Comitê das Regiões advoga progressivamente e tem como pilar de sustentação a internaciona-lização de seus membros e da instituição, propriamente dita, vê-se que existem pontos em comum entre esse debate e a excursão ex-terna subnacional. Dito de outra maneira, a Governança Multi-Nível representa a interdependência dos governos territoriais nacionais e subnacionais de determinada região.

É dessa relação recíproca entre Governança Multi-Nível e paradiplomacia, a qual também pode ser denominada de diploma-cia de múltiplas camadas (HOCKING, 2006), que o presente artigo presume a nomenclatura “diplomacia subnacional multi-nível” como recurso conceitual que visa ilustrar a atuação do Comitê das Regiões na União Europeia, bem como servir como possível aparato retórico para a instituição subnacional.

Quando do debate sobre o nível de participação institucional na estrutura da União Europeia, as temáticas presentes em sua agen-da, bem como o desenvolvimento de suas atividades e iniciativas,

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viu-se que o Comitê das Regiões demanda e apresenta as seguintes características:

1. Introdução e progressivo desenvolvimento partici-pativo dos atores subnacionais nos processos deci-sórios europeus;

2. Diálogo ativo com governos nacionais e cidadãos europeus;

3. Pragmatização do princípio de subsidiariedade;

4. Estímulo à descentralização política; e

5. Unificação do discurso e dos interesses tanto dos seus membros de forma individual quanto do órgão como um todo.

Cumpre destacar que esses cinco pontos perfazem o que é sustentado pela Governança Multi-Nível: divisão de tarefas entre dis-tintos níveis e atores políticos. O Comitê das Regiões entende que a redação de pareceres e a emissão de recomendações às instituições centrais da União Europeia permitem a influência subnacional no bloco, mas almeja adquirir maiores poderes na legislação regional, haja vista que aproximadamente 70% da mesma é empregada pelos poderes locais e regionais, representa em torno de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) da União e dois terços do total das despesas em investimentos públicos (COMITÊ DAS REGIÕES, 2010a).

Além disso, o Comitê afirma oficialmente que seu papel de-sempenhado nos últimos 20 anos é ponto de apoio para a diminui-ção do déficit democrático no bloco e motivo estimulador de maior accountability na União Europeia. É daqui que sobressai sua defesa em relação à noção de “cidadania europeia”, pois seus membros agem sobre o princípio de que os atores subnacionais são as esferas públicas mais próximas das populações civis e, por isso, melhores

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instrumentos na gestão das demandas sociais. A questão da subsidiariedade é observada em ações do

Comitê para estimular o debate interinstitucional. O exemplo dos Fundos Estruturais e Fundos de Coesão Europeus ilustram essa constatação, sendo que ainda pode ser destacada a progressiva ten-tativa dos atores subnacionais em aumentar seus diálogos com o Parlamento Europeu. Esse princípio foi coroado com o Tratado de Lisboa (2009), o mesmo que reconheceu explicitamente o princípio de auto governança local e regional dentro dos Estados membros da União.

O estímulo à descentralização política fala por si só. Quanto maior a distribuição de funções e poderes dos governos centrais aos corpos governamentais locais e regionais, maior a possibilidade do Comitê das Regiões em adquirir poderes de facto e de jure para ir além do seu atual estágio parecerista e consultivo. Vale reiterar que a noção de Governança Multi-Nível não rejeita o papel desempenhado pelos Estados, mas, pelo contrário, admite que tais atores não mais detêm todas as competências para as tomadas de decisão.

Finalmente, para fins do presente artigo, a principal carac-terística do Comitê das Regiões reside na tentativa de unificar o dis-curso e os interesses dos atores subnacionais. E é nesse quesito que a “diplomacia subnacional multi-nível” aparece como destaque, pois serve de fio condutor e caráter retórico para o Comitê fortalecer seu discurso interno perante a União Europeia. Sua composição é am-pla e heterogênea, pois abrange regiões subnacionais de diferentes proporções políticas, econômicas, sociais, culturais e territoriais. De tal sorte, sem apresentar um diálogo comum não existe a possibili-dade do Comitê barganhar por maiores influências diretas no nível regional.

Mesmo sendo amplamente utilizado na academia, o termo paradiplomacia não aparece nas publicações oficiais do Comitê das

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Regiões. Entretanto, os atores subnacionais europeus se valem do discurso da Governança como meio de se estimular suas atuações e ações. O discurso teórico-conceitual aparece com singularidade em sua agenda e estimula suas atividades e iniciativas. Aqui se encontra o “valor social” dos trabalhos acadêmicos desenvolvidos na área de Relações Internacionais e, de maneira ímpar, sobre os atores subna-cionais, mormente na proposição de novas terminologias a exemplo da diplomacia subnacional multi-nível.

Se o grau institucional do Comitê é precário, suas agendas e ações estão sendo consolidadas empírica e teoricamente e devem ser vistas como ponto positivo e propositivo para salvaguardar os inte-resses subnacionais. Assim, viu-se o quão profícuo é o debate sobre Governança Multi-Nível que nasceu no próprio contexto europeu e ampliou-se à esfera das Relações Internacionais enquanto ciência e área de estudos.

Sistematizando as noções da própria Governança Multi-Nível presente oficialmente nas publicações do Comitê com a con-ceitualização de paradiplomacia amplamente divulgada na acade-mia, propôs-se a utilização da “diplomacia subnacional multi-nível” como recurso retórico de sistematização dos anseios subnacionais. Gradualmente, a inserção internacional dos atores subnacionais é fo-mentada nas relações internacionais e sua vertente regional adquire importância no desenvolvimento da União Europeia, a qual aparece como único exemplo de bloco com características supranacionais ca-paz de sustentar administrativa e juridicamente a diplomacia subna-cional multi-nível.

conclusão

Objetivou-se, no decorrer do presente artigo, analisar o Comitê das Regiões no seio da União Europeia tendo em vista a

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

discriminação de três variáveis: grau de institucionalização, compo-sição da agenda temática e sistematização das atividades e iniciati-vas. Em momento posterior, elas possibilitaram trazer o debate teó-rico-conceitual das Relações Internacionais e da subárea de atores subnacionais, exemplificados pela Governança Multi-Nível e pela paradiplomacia, respectivamente, e sustentar a utilização do termo “diplomacia subnacional multi-nível” como recurso a ser utilizado no discurso oficial do Comitê em sua barganha constante por maior voz no bloco.

Com a revisão da literatura e das publicações oficiais da insti-tuição, confirmou-se a hipótese de que a influência subnacional pro-veniente do Comitê das Regiões encontra-se em níveis baixos e ini-ciais, principalmente pelo seu aspecto consultivo e pela concentração de poderes nas mãos dos Estados. Contudo, viu-se que em razão da pluralidade temática de sua agenda e da amplitude de suas iniciativas, sua influência vem crescendo e tende a aumentar nos próximos anos na medida em que também vai se desenvolvendo o nível integracio-nista da União Europeia.

Além da integração nos moldes europeus ser vista como mo-delo a ser acompanhado por outros processos integracionistas, po-de-se afirmar o mesmo do Comitê das Regiões: a primeira instância formalmente criada e aberta à participação subnacional em um bloco regional. Com a observação sobre a feição dos tratados, com desta-que para o Tratado de Maastricht (1992), foi possível observar que a União Europeia forneceu as bases para a articulação subnacional no seu interior.

Das três variáveis analisadas, o aspecto meramente consulti-vo da institucionalidade do Comitê das Regiões aparece como empe-cilho para o aumento de sua influência intra-bloco. Todavia, há que se destacar o quão amplas, fundamentadas e próximas dos cidadãos europeus encontram-se a formulação de sua agenda, bem como a

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execução de suas atividades. Barganhando por maiores recursos, o Comitê almeja ser a instância intermediária entre o aparato supra-nacional da União Europeia e o nível doméstico exemplificado pela sociedade civil.

Sumariamente, cumpre ratificar que o Comitê das Regiões, ao longo dos seus 20 anos de existência, vem buscando a unificação de discurso entre seus membros. Para continuar sendo a assembleia dos representantes subnacionais na União, o órgão conseguiu prag-matizar uma nova fase de relacionamento entre a integração regional e os atores subnacionais. Fase essa que é incipiente e evidencia um novo rumo proveniente das relações internacionais nas últimas dé-cadas, seja ele a intensificação no número de atores e níveis políticos capazes de complementar as políticas externas estatais.

O Comitê das Regiões conseguirá ampliar seus anseios de-cisórios somente com um discurso comum tanto em suas vertentes práticas como teóricas. Na prática, suas ações mostram que ele segue as diretrizes das instituições centrais europeias e acompanha o desen-volvimento integracionista. Na teoria, sua agenda promove debates e reuniões internas de cunho conceitual, ou seja, para se problematizar como os 353 membros atuais podem juntar esforços discursivos para valer suas vozes a nível regional. É aqui que a Governança Multi-Nível apresenta seu destaque e, em comunhão com a paradiplomacia e seus inúmeros sinônimos como a própria diplomacia de múltiplas camadas, sustentam a diplomacia subnacional multi-nível da União Europeia.

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UNIÃO EUROPEIA: A LUTA PELO RECONHECIMENTO IDENTITÁRIO E A QUESTÃO DA CIDADANIA SUPRANACIONAL

Vanessa Capistrano FerreiraUniversidade Estadual Paulista

4º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

A partir da análise da ordem jurídica da União Europeia, este trabalho buscou identificar a representação normativa vigente dos grupos cul-turais europeus – majoritários e minoritários – e, o projeto político de construção de um espaço público comum. Com a utilização da Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas, e da Teoria da Luta por Reconhecimento, de Axel Honneth, foi possível evidenciar os limites e as possibilidades da afirmação de uma cidadania supranacional — cal-cada no estabelecimento de uma identidade comum europeia e na ideo-logia de harmonização social no interior do bloco — e também dos paradoxos que perpassam o âmbito multicultural da integração europeia e a necessidade de reconhecimento e modificação na esfera identitá-ria do bloco. Esta investigação constituiu-se como um esforço teórico essencial para a compreensão dos atuais empecilhos sociais europeus causados por medidas político-jurídicas implementadas pelos órgãos coordenadores da integração na sociedade civil. Deste modo, esta pes-quisa utilizou-se da corrente crítica do pensamento social fundamenta-da, basicamente, nos estudos habermasianos e honnethianos. Outros importantes autores contribuíram com o fornecimento de concepções teóricas alternativas, com o objetivo de complementar a análise inicial-mente proposta, tais como: Kathryn Woodward, Klaus Eder, Bernhard Giesen e José Murilo de Carvalho. Assim, o desenvolvimento deste trabalho se baseou em um tipo de investigação predominantemente documental. Ao fim, pretendeu-se, como resultado esperado, questio-nar as concepções correntes acerca da possibilidade de criação de uma identidade comum europeia através da efetivação da cidadania supra-nacional e a manutenção da harmonia social por meios exclusivamente político-jurídicos. Arguiu-se, desta maneira, os efeitos colaterais de tal

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

implementação normativa nas sociedades europeias contemporâneas e a necessidade iminente de reestruturação político-institucional no atual projeto integracionista europeu.

Palavras-chave: Cidadania Supranacional Europeia; Identidade Comum; Harmonização Social.

Introdução

O atual cenário internacional tem sido caracterizado por pro-fundas transformações decorrentes do fenômeno da globalização. A partir dos anos de 1980, diversos Estados passaram a atuar na nova lógica global, aderindo alianças, tratados e/ou coalizões para se in-serirem internacionalmente. A consolidação de mecanismos de coo-peração e negociações supranacionais passou a ser prioridade para a condução e desenvolvimento interno dos Estados nacionais, afetan-do diretamente toda a esfera social. Dimensões da vida humana fo-ram atingidas por essa nova dinâmica e, como desafio, encontrou-se a necessidade da combinação otimizada entre valores universais e particulares (MEDEIROS, 1996, p. 105).

Nessa perspectiva, o modelo mais utilizado para a inserção internacional por parte dos Estados nacionais tem sido o processo de integração regional. A União Europeia é hoje um exemplo único de integração nos mais diferentes níveis: econômico, político, jurídi-co, social e cultural. Desde o seu surgimento, o bloco europeu bus-cou construir paralelamente à sua estrutura econômica um comple-xo ordenamento jurídico, calcado na assinatura de protocolos, atos e tratados constitutivos, com a intenção de estabelecer instituições supranacionais que passassem a implementar políticas econômicas e sociais unificadas, a fim de criar um verdadeiro significado político e identitário para o bloco e seus respectivos nacionais.

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União EUropEia: a lUta pElo rEconhEcimEnto idEntitário E a qUEstão da cidadania sUpranacional

A partir disso, quando analisamos o tratado fundador da Comunidade Econômica Europeia (CEE) – Tratado de Roma assina-do em 1957 – podemos notar o interesse dos Estados signatários já em seu preâmbulo de “[...] estabelecer os fundamentos de uma união sem fissuras mais estreita entre os países europeus”. Apesar do seu caráter econômico, no art. 117, já é possível notar a intenção de “[...] harmonizar os sistemas sociais dos Membros da Comunidade [...]”.

A ideologia de harmonização e manutenção da coesão social, embora enunciada muitas vezes de maneira indireta, manteve-se na elaboração do Tratado da União Europeia (TUE) assinado em Maastricht em 1992, ordenamento esse que instituiu formalmente a “União” e promoveu a integração nos seus mais diferentes âmbi-tos. No título XIV do TUE, intitulado “a coesão econômica e social”, é possível notar sutilmente tal ideologia expressa no art.130: “A fim de promover um desenvolvimento harmonioso no conjunto da Comunidade, esta desenvolverá e prosseguirá a sua ação no sentido de reforçar a sua coesão econômica e social” (grifo nosso).

Sobre as disposições comuns do TUE, no título 1 art. B ob-serva-se que a UE atribuiu-se os seguintes objetivos: “[...] a promo-ção de um progresso econômico e social equilibrado e sustentável, nomeadamente mediante a criação de um espaço sem fronteiras in-ternas e o reforço da coesão econômica e social [...]”. Sendo essas, as premissas elementares para que as partes contratantes reafirmem que “[...] o fomento da coesão econômica e social é vital para o pleno desenvolvimento e o sucesso duradouro da Comunidade [europeia]” (Protocolo relativo à coesão econômica e social do TUE).

Esse audacioso projeto de formação de uma Europa politi-camente unida e harmônica a partir da produção de normas jurídicas que regulam os âmbitos sociais e culturais pelas instituições europeias se sustenta a partir do estabelecimento de uma controversa cidadania

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

supranacional. Para o autor Lynn Dobson (2006), a cidadania supra-nacional é uma forma operacionalizada de construção e aprofunda-mento da União, traduzindo-se em um conjunto de direitos e deveres entre os indivíduos e os seus respectivos Estados. Entretanto, com a utilização do argumento de José Murilo de Carvalho (2010) quando discute o tema no Brasil, pode-se entender a cidadania como algo além de um conjunto de direitos, sendo ela, acima de tudo, um sen-timento de pertencimento a uma dada comunidade, a uma sociedade política com determinados valores e tradições em comum.

A ideia de cidadania, portanto, tem caminhado junto com a conformação da ideia de nação, sendo ela consubstancializada em substratos essencialistas1 e vinculada a padrões tipicamente excluden-tes de pertencimento. Ainda recorrendo à Carvalho (2010), ela se desenvolve em paralelo ao sentimento de nacionalidade estando tam-bém vinculada ao campo simbólico. Ou, como propõe o autor, existe uma cidadania exterior às formalidades das relações entre Estado e sociedade, a qual se manifesta em representações, tradições, costu-mes e práticas sociais, sendo formadora de uma identidade coletiva so-cial. É nesse campo que a cidadania supranacional instituída pela União tenta implementar a criação de uma identidade comum e formar um espírito europeu para que se garanta a consolidação da harmonização so-cial e o sucesso das políticas da Comunidade, outrora vistas como

1 As concepções identitárias que envolvem reivindicações essencialistas versam sobre “quem pertence” e “quem não pertence” a um determinado grupo étnico, nas quais a identidade é vista como estável e fixa. Algumas versões de identidades étnicas estão ligadas a questões de parentesco, outras encontram-se vinculadas a uma versão essencialista da história, do passado, dos costumes, dos ritos e do estilo de vida assumido por determinada comunidade (WOODWARD, 2000, p. 12-14). Embora o escopo de atuação da cidadania verse sobre bases universalistas, sua vinculação às fronteiras fixas e ao pertencimento simbólico, transformam-na em um processo que não consegue evitar a exclusão e o estabelecimento de oposições binárias que delimitam quem está dentro e quem não está (IVIC, 2012).

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antidemocráticas2. Na síntese da legislação europeia sobre o modo de utilização do Tratado de Amsterdã aparece a seguinte instrução: “[...] a instauração da cidadania europeia visa reforçar e promover a identidade europeia [...]” (EUROPA, 2012, grifo nosso).

Tais suposições já haviam sido propostas pela sociologia po-sitivista, da qual Augusto Comte (1798-1857) foi o precursor. Essa ideologia glorificou a sociedade europeia do séc. XIX e é perceptível ainda nas sociedades atuais. Ela busca resolver possíveis conflitos e/ou divergências sociais por meio da exaltação à harmonia entre os in-divíduos, a coesão e o bem-estar social, tendo no Estado o seu prota-gonista da ordem (COSTA, 2005, p.73). Esses pressupostos são alvos de inúmeras críticas, uma vez que, são contrários à conflitualidade social necessária ao pleno desenvolvimento do processo democrático nas sociedades complexas contemporâneas.

A sociedade é apresentada por Jürgen Habermas e Axel Honneth como um terreno de rivalidade constante entre diversos valores culturais e identitários. A vida política se transforma em uma arena onde se confrontam ideais particulares e se expressam diferen-tes identidades, necessárias para a construção de um Estado de direi-to legitimamente democrático. Tal Estado não deve apenas garantir a equidade de direitos entre os seus respectivos cidadãos, mas também e, principalmente, gerar oportunidades para que esses possam fazer valer os seus direitos independentemente de suas tradições, costumes e histórias em comum (HABERMAS, 2003).

Assim, Habermas (2000, p.149) propõe um Direito que permita a coexistência de formas de vidas distintas, onde todas as

2 O déficit democrático da UE se refere a não participação da sociedades nos processos de aprofundamento da integração. A distância entre a sociedade e as decisões tomadas a partir de “cima”, isto é, dos Estados e das elites políticas europeias. Muitos autores nacionais e estrangeiros abordam essa questão a partir de diversas perspectivas, sejam elas relacionadas aos processos de tomada de decisões, de formação de partidos políticos europeus, ou de inexistência de um real espaço público no interior do bloco.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

culturas tenham oportunidades igualitárias de se desenvolverem sob as diretrizes de seus próprios mundos de heranças, sem que sejam submetidas às formas de inferiorizações sociais – seja por grupos majoritários ou pelo Estado jurídico-coercitivo homogeneizador. O reconhecimento dessas prerrogativas presentes em um Estado de-mocrático de direito possibilita o surgimento de uma realidade social capaz de abarcar culturas das mais variadas possíveis, perpetuando-as na sua forma mais convencional ou transformando-as conforme suas próprias necessidades evolutivas (HABERMAS, 2000, p.148-149).

Garantir a heterogeneidade das identidades é, portanto, o primeiro passo para a consolidação de uma política de reconhecimento, respeito às diversidades e desenvolvimento de um regime democráti-co. A harmonização social vai contra todos os princípios da existência da diferença, como também defende Axel Honneth:

[...] eis a existência da diferença, como ele [Hegel] diz, que permite à eticidade passar de seu estágio natural primeiro e que, em uma série de reintegrações de um equilíbrio destruído, a levará finalmente a uma unidade do universal e do particular. Em sentido positivo, isso significa que a história do espírito humano é concebida como um processo de universalização conflituosa [...] (HONNETH, 2009, p.44).

Desse modo, segundo as concepções críticas habermasianas e honnethianas, com o objetivo de se estabelecer um povo europeu, através da construção da identidade comum e da consolidação da cidada-nia supranacional (calcada em um projeto de harmonização), o processo de integração europeu segue por um caminho com perigosas ambi-valências. Pois, velhos apelos etnonacionais fundados em um espírito do povo acaba por transformar-se em um mecanismo de defesa contra tudo que é considerado estrangeiro. Leva-se, ao desapreço de outras nações e à inferiorização de minorias nacionais, étnicas, e religiosas historicamente negligenciadas na história ocidental.

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Integrar o semblante cultural formado por ideais essencialistas de identidade aos aspectos político-jurídicos da integração não apenas compromete os princípios de fundamentação das regras democráti-cas ocidentais, mas também emoldura dificuldades intransponíveis à uma cidadania pretensamente pós-nacional – inclusiva e abrangente (HABERMAS, 2002; CRUICKSHANK, 2011; IVIC, 2012). Assim, o foco central desse trabalho consiste em elucidar os paradoxos que perpassam as cláusulas dos tratados constitutivos europeus, acerca da tentativa de criação de uma identidade comum europeia a partir da cidada-nia supranacional, como uma forma de se alcançar a coesão social e/ou harmonização no interior do bloco. Busca-se demonstrar a dificuldade de surgimento de capacidades sintetizadoras das diferenças em meio a um cenário de diretrizes normativas impositivas, estabelecidas de “cima” para “baixo”.

1. falsa solução: cIdadanIa euroPeIa como uma construção sImbÓlIca

A cidadania supranacional estabelecida pelo TUE, tornou-se um marco histórico não apenas para os seus respectivos Estados e cidadãos, mas também e, sobretudo, para todos os demais processos integracionistas em fase de formação. O tema coloca-se como pedra angular nos debates regionalistas sendo considerado essencial para todos aqueles que almejam um caminho em direção à uma coopera-ção política mais profunda. Supera-se, as tradicionais arenas da inte-gração regional e oferece-se um novo modelo de legitimação no nível internacional (JACQUOT; WOLL, 2003, 01-06).

No entanto, o tema da cidadania assim como o da democra-cia – seu parente ideológico – apresenta-se de modo difuso, sendo constantemente modificado por práticas políticas e adaptado con-forme as mais variadas mudanças históricas (GIESEN, 2001, p. 36).

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O seu ideal de universalidade foi introduzido na Europa, a partir da filosofia iluminista, a qual combinava o universalismo categórico da razão com uma práxis altamente exclusiva do discurso. Muitos filóso-fos do esclarecimento, tais como Voltaire, Rousseau, Grotius, Kant, Locke e Montesquieu, construíram uma base transcendental para a criação de uma nova comunidade política humana, a qual poderia se estender para além das fronteiras territoriais dos Estados europeus e da história cristã.

Apesar de seu ideal de universalidade e inclusão em torno dos direitos naturais do homem na sociedade, a cidadania foi instituí-da como um novo modelo de privilégios. Estabelecia-se, no interior das comunidades políticas, relações de igualdade entre aqueles que estavam incluídos e, excluía-se a maior parte da população dos as-suntos públicos. Seu caráter ambivalente, ligava-se ao seu conteúdo contraditório, pois ao mesmo tempo em que seus elementos-chave versavam sobre o universalismo, os direitos, a razão e a igualdade, sua abrangência simbólica atrelava-se aos indivíduos através de um ritual político comunitário exclusivo (EDER;GIESEN, 2001, p.06-07).

Segundo Pollak (1992, p. 200), os fenômenos de constru-ção de identidades coletivas observados desde o séc. XVIII na Europa, encontraram ressonância nos modelos teórico-práticos da cidadania contemporânea. Esta passou a representar não apenas os direitos ci-vis e políticos dos indivíduos para com os Estados nacionais, mas também a essência de grupos, seus laços de unidade, seus desejos de continuidade histórica e coerências socialmente impostas3. Nessas construções simbólicas, artificialmente forjadas, os sentimentos dos cidadãos passaram a ser delimitados por fronteiras fixas, estando

3 Do ponto de vista prático e teórico o tema da cidadania desdobra-se em torno de três paradigmas principais: o paradigma individualista, o paradigma político e o paradigma coletivo. A ascensão de concepções essencialistas ligam-se necessariamente ao último modelo apresentado, referindo-se às práticas rotineiras e regras de solidariedade.

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presentes num determinado tempo histórico e produziram ideais de coesão entre elementos que anteriormente não possuíam qualquer harmonia.

Historicamente, a conexão entre o tema da cidadania e dos sistemas simbólicos presentes na formação de identidades coletivas essencia-listas, propiciaram e ainda propiciam um sentido à experiência social das divisões e desigualdades existentes em uma determinada comu-nidade. Constituem-se meios pelos quais alguns grupos são constan-temente inferiorizados e não reconhecidos na esfera político-jurídica (WOODWARD, 2000, p. 07-19). Esse processo de subjetivação de identidades pré-definidas, fronteiras fixas, valores e tradições em co-mum, encontrou espaço no projeto europeu de cidadania a partir da década de 1970, expondo-a a claros limites de eficácia.

Em 1973, com a tentativa de estabelecer uma cooperação política mais estreita entre os Estados-membros europeus e superar as inimizades do passado, a Cooperação Política Europeia (CPE) ela-borou a Declaração sobre a Identidade Europeia, a qual versava sobre o estabelecimento de bases, de valores, de herança comum e afirmava em termos de política externa, a identidade comunitária da integra-ção perante o sistema internacional. Nesse momento, a identidade eu-ropeia passou a forjar laços de engajamento emocional tendo como finalidade conquistar, não apenas uma identidade coletiva no continente, mas também construir um maior compartilhamento de ações entre o bloco europeu e suas respectivas sociedades (VEÇOSO, 2011).

Para Giannattasio e Scudeller (2011, p. 173), a ideia de iden-tidade europeia surgiu de um artifício jurídico para construir uma fu-tura cidadania capaz de garantir a ordem através do sentimento de per-tencimento étnico-cultural. Elaborou-se uma estratégia de superação das antigas disputas estatais e seus cidadãos, bem como um preen-chimento conveniente das enormes lacunas acerca da legitimidade do

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bloco no escopo social. A identidade comum europeia seria uma forma eficiente de manter não apenas a coesão entre os Estados, mas também garantir a continuidade da integração no nível sócio-cultural de iden-tificação social (JACQUOT; WOLL, 2003, p.01).

Em 1986 é criado o “Comitê ad hoc Povo Europeu” pelo Conselho Europeu de Fontainebleau, o qual teria a função de for-talecer a identidade europeia e criar símbolos facilmente perceptíveis pelos cidadãos dos Estados-membros das Comunidades Europeias. Em seu primeiro relatório é proposto a criação do passaporte euro-peu, a unificação dos diplomas universitários e a adoção de símbolos comuns, tais como: a bandeira, o hino, o lema, o dia da Europa e os times esportivos.

A elaboração de tal simbolismo evidencia a necessidade das comunidades europeias de vincularem os direitos dos cidadãos à sím-bolos fixos e de alto teor significante. No segundo relatório sobre o Povo Europeu, há a padronização da simbologia europeia, a qual defi-niu as diretrizes precisas sobre o desenho da bandeira. O hino tam-bém foi elaborado, bem como escolhido o dia da Europa, os selos postais e os emblemas que representariam futuramente as comunida-des interna e externamente.

Curti (2012, p.03-04) sustenta que os símbolos adotados pelo Comitê ad hoc Povo Europeu realizaram uma ligação entre identidade e cidadania mantendo a natureza subjetiva da nação europeia. O valor de cada símbolo visava despertar um sentimento de confiança, leal-dade e devoção para com a suposta “supernação”, sendo ainda capa-zes de construir uma identidade coletiva que legitimasse seus processos e instituições. Assegurava-se a coesão cívico-social inicialmente pre-tendida no Tratado de Roma e, expressava-se o significado exato de uma União Europeia homogênea, perfeita, sem um começo e/ou fim. Sendo ainda, insígnia dos princípios emergentes da Revolução

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União EUropEia: a lUta pElo rEconhEcimEnto idEntitário E a qUEstão da cidadania sUpranacional

Francesa, da Era do Esclarecimento e da cultura judaico-cristã. Com rigor, a simbologia europeia constituiu-se como um

importante instrumento político de formação de um espírito europeu e o Direito assumiu a essencial posição de mediador nesse processo. Em 1992, é instituída formalmente a cidadania supranacional, a qual posteriormente seria aprimorada pelo Tratado de Amsterdã em 1999 (CRUICKSHANK, 2011). Além de conservar as diretrizes trazidas pelos relatórios desde a década de 1970, a cidadania europeia não ape-nas visava reforçar a identidade comum como também acentuava suas contrariedades e ambivalências.

No tratado de Amsterdã é reforçado a alusão direta dos direi-tos de cidadania comunitária ao princípio de nacionalidade4, adquirido previamente no âmbito de um Estado-membro do bloco, tornan-do-a ainda mais um direito complementar. Seu caráter essencialista é acentuado ao se vincular explicitamente ao critério de nacionalidade (CRUICKSHANK, 2011). Uma vez que, a mesma passou a ser atre-lada a aspectos excludentes de pertencimento a uma determinada na-ção, a um patrimônio histórico, cultural, étnico, linguístico e outras características relacionadas às fronteiras fixas e identidades simboli-camente definidas em torno de um ideal nacional (IVIC, 2012).

Sua estreita vinculação às soberanias estatais, transforma-ram-na em um paradoxo, especialmente no que diz respeito ao seu projeto político final (politique finalité) de se constituir sob as bases supranacionais e se fundamentar em um substrato pós-nacional (WALKENHORST, 2008; HABERMAS, 2012). Seu engajamento na instauração e promoção de uma identidade comum com o estabe-lecimento de símbolos padronizados e fronteiras fixas levaram os pressupostos cidadãos, inicialmente pautados nas prerrogativas do

4 “É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado membro. A cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui” (TRATADO, 1999).

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pluralismo, a um ideal de demos europeu e de construção de uma “su-pernação”. Tal postura político-jurídica não corrige suas anteriores fraquezas procedimentais no campo da democracia e da legitimação política, mas sim limita a prossecução de formas ampliadas de reco-nhecimento social na esfera identitária do bloco, apresentando-se como uma falsa solução (KERCHOVE, 2002, p. 217).

Para Gosewinkel (2001), o sentido de cidadania sofreu um processo de “nacionalização” e passou a definir quem devia perten-cer a um grupo e quem não devia. Com a ascensão de sentimentos de pertença e de ligações emotivas vagas à nação, as concepções de cidadania e nacionalidade passaram a ser confundidas, tornando-se uma pré-requisito para a obtenção da outra – assim como ocorreu no interior da cidadania europeia. Segundo o autor, a nacionalidade e a cida-dania são elementos distintos, e esses não devem ser confundidos, ou ainda, fazerem menções a aspectos étnicos-culturais, religiosos, e/ou se vincularem às existências tradicionalmente simbólicas.

Um novo desenho institucional em torno da cidadania deve ser realizado, exigindo o rompimento desse antigo modelo estado-cêntrico com suas atuais vinculações aos princípios de nacionalidade e ao pertencimento simbólico. A cidadania deve procurar quadros alter-nativos não mais vinculados exclusivamente em parâmetros locais e/ou tradicionais, mas sim consubstancializar-se em modelos mais de-mocráticos, cujos princípios se assentem na busca pela participação efetiva, pela dignidade humana, pelo pluralismo, sem que ocorram inferiorizações ou termos exclusivistas em suas diretrizes. Cenários que priorizam a diversidade em detrimento da homogeneização e o conflito intersubjetivo-moral ao invés da harmonia, oferecem panoramas mais compatíveis com a complexidade do atual cenário internacional, como defende a corrente crítica do pensamento social (SANTOS, 2003, p.43).

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2. fundamentação crítIca Para um ProJeto PolítIco normatIVo InclusIVo: uma alternatIVa Para a euroPa

Segundo Habermas (2001) (2002) (2003) é possível ques-tionar esse habitual entrelaçamento entre os ideais identitários e as concepções cidadãs. Para o autor, quando as instituições político-jurí-dicas insistem em atribuir nacionalidades a seus respectivos cidadãos, transformando-as em identidades nacionais, levam à eclosão de lutas por reconhecimento pautadas em reivindicações alternativas, fundamentadas em identificações de culturas diversas, tradições historicamente nega-das, costumes negligenciados e etc.

A fim de formular alternativas para essa problemática, Habermas (2001) propõe a chamada identidade pós-convencional. Para o autor, no paradigma comunicativo, essa identidade é desenvolvida através do processo de desenvolvimento das competências indivi-duais baseadas no agir e no comunicar-se. Somente a partir disso que os indivíduos podem adquirir uma consciência moral, uma vez que essas relações são desempenhadas pelo Ego e Alter. Dessa forma, [...] “o Eu pós-convencional é o indivíduo que vai se emancipar das normas e convenções sociais, construindo intersubjetivamente a história e o mundo social, e assumindo co-responsavelmente a tarefa de autode-termina-se” (JUSTINIANO, 2007, p. 48). Assim, o Eu pós-convencional expressa o momento no qual o sujeito se insere em um novo tipo de ligação social, individualizando-se junto a outros sujeitos de ação e de fala.

Logo, o Eu pós-convencional forja sua identidade tendo como base a sua liberdade em relação às exigências normativas, onde se radica, sobretudo, a liberdade de se posicionar criticamente e cons-cientemente perante os demais. A reivindicação nesse discurso é que

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o sujeito passe do patriotismo nacional para o patriotismo constitucional5, ou seja, onde não haja apenas o reconhecimento da história em comum de um povo ou de uma consciência histórica nacionalista, mas sim um olhar para além das fronteiras comunitárias, tendo em vista um projeto de emancipação de toda a pessoa, a partir de suas particulari-dades e diferenças (JUSTINIANO, 2007, p.65).

A existência de sociedades multiculturais, tais como a Suíça e os Estados Unidos, revela que uma cultura política, construída sobre princípios constitucionais, não depende necessariamente de uma origem étnica, linguística e cultural comum a todos os cidadãos [...] não é necessário amarrar a cidadania democrática à identidade nacional de um povo; porém [...] ela exige a socialização de todos os cidadãos numa cultura política comum. (HABERMAS, 1997, p. 289, grifos do autor).

Assim, a teoria da ação comunicativa habermasiana ganha espa-ço nessa situação, onde uma possível solução para o convívio das sociedades multiculturais exige a execução da ação comunicativa entre os indivíduos e a recuperação da esfera pública como elo intermediário da esfera privada e do próprio Estado democrático. Para o autor, so-mente a ação comunicativa tem a potencialidade de produzir uma cultura política comum, sendo esta o cerne para o desenvolvimento de uma democracia deliberativa, na qual a decisão é tomada por meio da discus-são ao invés da ordem. Nesse contexto democrático, os indivíduos se vinculam uns aos outros por meio de laços políticos e cívicos, regen-do o rumo da coletividade através da formação de uma vontade em comum acerca da condução de sua política e normatização de seus direitos.

Além dessas alternativas político-sociais, Habermas (2001)

5 O Patriotismo Constitucional refere-se ao apoio social (dos cidadãos do Estado democrático constitucional) embasados na comunidade legal (não nas formas de vida e tradições) e no contexto histórico em que o sistema de direitos é elaborado e interpretado. Tal sistema deve ser moldado à sensibilidade das diversidades e integridade das diferentes formas de vida coexistindo dentro de uma sociedade multicultural, sendo fundamental a distinção da integração entre os níveis políticos e culturais (HABERMAS, 2000, p. 151).

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também perpassa sobre o âmbito do direito civil e coletivo, afirman-do que este deve conter acima de tudo a expressão do espírito dos povos que representa, abrangendo suas particularidades, costumes e espe-cificidades. Defende assim, uma “[...] legislação que se assente sobre a carência de sua sociedade, a qual o conjunto mesmo julga. Esses princípios jurídicos não se encontram em oposição com relação às idiossincrasias nacionais, antes resultam de uma combinação singular dos espíritos do povo” (HABERMAS, 2001, p. 24). Deste modo, é possível afirmar que os atos normativos devem expressar as vontades de um determinado povo, ou no caso das sociedades multiculturais, uma combinação de seus vários espíritos, emergindo da pluralidade de inspirações e não da harmonização dos conflitos. Ou seja, “[...] a ‘Nova Europa’ [...] deverá nascer da vontade de seus povos e não de um desenho feito a portas fechadas, em uma Bruxelas que não tem, nem poderia ter, todas as respostas em suas mãos.” (CAMARGO, 1993, p. 210).

Assim, somente com o desenvolvimento pleno desses fato-res, envolvendo as identidades pós-convencionais, o patriotismo constitucio-nal, e o estabelecimento de um direito racional que se assente sobre as demandas provindas das necessidades dos povos que se pode haver de fato uma democracia, ou seja, uma democracia deliberativa. Tais con-cepções habermasianas vão nitidamente contra os atuais princípios norteadores do processo interestatal de integração europeu, o qual é fundamentado na busca pela harmonização social, através da criação da identidade comum pela transferência do antigo modelo de cidadania nacional ao âmbito supranacional, sem que haja um verdadeiro es-forço de inclusão de referências culturais diversificadas em meio a um processo de diferenciação. Para o autor, “[...] não é possível conservar um sistema social se não forem satisfeitas as condições de conservação dos seus membros” (HABERMAS, 1983, p. 97) e o estabelecimento

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de uma “[...] consciência da pertença conjunta que tornará possível que os confederados associados livremente identifiquem-se recipro-camente como cidadãos” (HABERMAS, 2001, p. 26-27).

É possível estabelecer um paralelo ao pensamento de Axel Honneth (2009), o qual defende que as normas jurídicas só podem ser elaboradas a partir de projeções sociais que são consequências do constante conflito moral e identitário de um determinado povo durante a sua evolução. Em outras palavras, para o autor, a harmonização social prevista no sistema normativo ocidental e no ordenamento jurídi-co europeu restringe tais ações evolutivas por impedir suas formas naturais de expressão social. Segundo Honneth (2009), o conflito é fundamental para se alcançar o devido reconhecimento das diferen-ças quando a igualdade normativa descaracteriza ou não contempla as diversas especificidades dos povos.

Sua ideia principal é que somente após a consolidação das di-versas e instáveis mudanças sociais pode-se fazer algumas referências às pretensões normativas inscritas nas relações de conflito pelo reco-nhecimento recíproco. Interessam-lhe os conflitos que se originam de uma experiência de desrespeito social, de um ataque à identida-de pessoal e consequentemente coletiva, capaz de suscitar uma ação conjunta que busque reestruturar as relações sociais existentes. Para Honneth (2009), os atos normativos jamais poderão limitar as bases necessárias para que uma sociedade se desenvolva em plena liberdade e autonomia. Além disso, o conflito, não físico, mas intersubjetivo e moral, é essencial para a democratização da sociedade, e é somente através desse mecanismo que se pode chegar de fato a um verdadeiro equilíbrio sociocultural.

Honneth (2009) defende que o reconhecimento das sin-gularidades é fundamental para a reprodução da sociedade e o au-mento de seus próprios valores. O não reconhecimento de direitos a

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determinados grupos majoritários ou minoritários tem como conse-quência o abalo no valor do auto respeito. Eles passam a ser feridos na perspectiva intersubjetiva de serem reconhecidos como sujeitos de igual valor. Assim, os conflitos sociais são, antes de tudo, lutas por reconhecimento que colocam em pauta a busca pela dignidade humana, pela integridade física e pelo reconhecimento do valor das diversas culturas e modos de vida diversificados, contra infrações políticas e jurídicas. Tratando-se de sociedades multiculturais, as exigências de reconhecimento devem considerar a presença de referências culturais alternativas que se posicionam umas em relação às outras pretenden-do a mesma legitimidade.

Em suma, os autores da corrente crítica do pensamento so-cial empenham-se na tarefa de formular alternativas teóricas para a criação de um novo modelo normativo que abarque as diferenças com a prossecução de ideais de identidade e de cidadania diferentes, não mais pautados nas ideologias de harmonização, coesão e homogenei-zação, tipicamente observadas desde o séc. XVIII e ainda presentes nas formulações supranacionais europeias. O objetivo desse modelo crítico-reconstrutivo é investir em processos dialógicos e diatópicos, onde o conflito intersubjetivo-moral assume a arena dos debates sociais e das formações individuais presentes na tarefa de “reconhecer-se-no-ou-tro”. Contraria-se por meio disso, as tentativas de criação de uma iden-tidade comum pautada em termos essencialistas, através da consolidação da cidadania supranacional e do anseio de harmonia social por meio de atos normativos burocraticamente estabelecidos e homogeneizantes.

conclusão

Esse trabalho buscou enfatizar a importância da sociedade e de suas interações conflitivas para a consolidação de novas alter-nativas teórico-práticas para a ampliação das tradicionais arenas da

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cidadania no interior do processo integracionista europeu. Até o mo-mento, os atores sociais foram tratados pelas instituições europeias como variáveis secundárias e intermediárias, tornando-se, quase sem-pre, em eixos que facilitavam, bloqueavam e/ou atrasavam a adapta-ção político-econômica dos Estados membros no bloco. Esses fo-ram, não apenas negligenciados do ponto de vista participativo, mas também erroneamente teorizados no que tange às questões identitá-rias e às concepções cidadãs (MULLER, 2000, p.02).

Os conceitos habermasianos e honnethianos, bem como ou-tras colaborações teóricas trazidas da sociologia política e da filoso-fia, enriqueceram o tema no sentido de ressaltar a essencialidade do rompimento de antigos modelos cidadãos e aterem-se às lutas por reco-nhecimento, às reivindicações por respeito às diferenças, à participação comunicativa da sociedade nos processos políticos e à necessidade de formulação de um espaço público inclusivo e democraticamente insti-tuído. Com base nessas propostas, é possível afirmar que a cidadania supranacional só superará o seu atual quadro limítrofe, acerca do reco-nhecimento do outro e dos modos de vida diversificados, se ampliar suas dimensões conceituais respeitando, acima de tudo, os direitos fundamentais de todos os seus povos, independentemente de suas matrizes culturais.

A promoção de símbolos padronizados e fronteiras fixas não ferem apenas o projeto político final europeu de se formar sob as bases supranacionais e apresentar elementos pós-nacionais mais in-clusivos e abrangentes, mas, principalmente, mascara os mecanismos de participação cidadã. Leva-se o projeto político europeu a uma real decadência por considerar apenas as decisões do “euro-clube” por trás das cortinas de Bruxelas. As reformulações das diretrizes cida-dãs na Europa são ímpares para o resgate do controle sócio-políti-co e a continuação da reflexão sobre uma sociedade pós-nacional

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politicamente auto constituída.

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POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM (PAC) DA UNIÃO EUROPEIA: ORIGENS E CAUSAS DA CONFORMAÇÃO DA MAIS PARADIGMÁTICA DAS POLÍTICAS COMUNITÁRIAS

Patrícia Nasser de CarvalhoUniversidade Federal do Rio de Janeiro

5º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

Tomando-se a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE) como objeto principal, o propósito deste trabalho é discutir as origens da integração agrícola da Europa nos anos 1960 e as razões pelas quais o setor foi considerado uma área “especial”, capaz de justificar a con-tinuidade do vultoso suporte dos governos por mais de cinco décadas. A importância econômica e geoestratégica da agricultura tem origem histórica e cultural e nos valores da sociedade dos Estados europeus e justifica o modo diferenciado e privilegiado com o qual essa política foi tratada no âmbito das políticas comunitárias. Portanto, o excepcionalis-mo da agricultura sustenta o discurso da PAC e a legítima importância perante a sociedade. Como consequência, apesar das contradições, essa política se sustenta por mais de cinco décadas mantendo a sua essência protecionista.

Palavras-chave: Política Agrícola Europeia, agricultura, protecionismo

Introdução

Tomando-se a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE) como objeto principal, o propósito deste trabalho é discutir as origens da integração agrícola da Europa nos anos 1960 e as razões pelas quais o setor foi considerado uma área “especial”, capaz de justificar a continuidade do vultoso suporte dos governos

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por mais de cinco décadas. A importância econômica e geoestraté-gica da agricultura tem origem histórica e cultural para os valores da sociedade dos Estados Nacionais da Europa e justifica o modo diferenciado e privilegiado com o qual essa política foi e ainda é tra-tada no âmbito das políticas comunitárias. Oficialmente instituída em 1962, na esteira dos desdobramentos do pós-II Guerra Mundial, a PAC, desde então, e apesar de diversas controvérsias geradas relativas à geração de excedentes, ao exorbitante peso no orçamento comu-nitário, às divergências quanto aos recursos a serem recebidos, aos tipos de instrumentos operacionais e ao alto preço dos bens agrícolas instituídos no mercado comunitário, permanece sustentada por um discurso político que legitima o seu alto grau de protecionismo inter-na e externamente.

Desde as primeiras décadas do processo de integração, a PAC simbolizou o aprofundamento da integração econômica pela promoção do comércio intra-regional, da estabilidade de preços e da segurança alimentar. Dado que a PAC é a política comunitária setorial mais antiga e a que mais envolveu interesses diversos Estados mem-bros, tendo em vista as heterogêneas condições estruturais de cada mercado agrícola e das posições dos grupos políticos organizados, ela nasceu das tentativas de conciliação de posições comuns relativas à sua operacionalização em um complexo sistema decisório de ins-tituições comunitárias. As negociações sobre o seu formato original se estenderam por toda a década de 1950 em um difícil processo de barganhas políticas dentro dos países e entre eles (FEARNE, 1997).

O propósito dos governos era criar uma política capaz de fortalecer o papel da agricultura nas economias nacionais, cujos go-vernos viam a necessidade de continuar fortalecendo o setor agrícola, que após um longo período de fome e escassez de alimentos (PRIKS, 2012), já havia conseguido modernizar a agricultura, primordialmente

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por meio de iniciativas públicas. Com o passar do tempo, outras fun-ções importantes foram acrescidas ao discurso dos defensores da PAC para legitimá-la, como a proteção ao meio ambiente, a promo-ção da sustentabilidade territorial e a inibição do êxodo rural, mas os objetivos iniciais do PAC permaneceram inalteradas ao longo da história da UE.

No entanto, no decorrer das décadas o setor adquiriu impor-tância econômica desproporcional no Produto Interno Bruto (PIB) das economias europeias da UE – hoje em torno de 2% em média – e na empregabilidade da mão de obra, cuja participação foi declinando cada vez mais rápido desde os anos 1960 – chegou a ser 30% nos anos 1950 e atualmente está em torno de 5% –, apesar de que os gastos comunitários permanecem em níveis bem elevados, próximo a 40% do total orçamento (TANGERMANN e CRAMON-VON TAUBADEL, 2013).

Além disso, as assimetrias geradas em termos de produção e renda no mercado interno levaram às constantes necessidades de re-formas, às insuficientes mudanças estruturais na PAC e às discrepân-cias geradas por uma política que deveria ser redistributiva de recur-sos a fim de promover o desenvolvimento rural. Até hoje a PAC não conseguiu eliminar as diferenças estruturais, sobretudo depois dos alargamentos dos anos 2000, quando 13 Estados membros se torna-ram associados da UE. Ainda permanece a grande heterogeneidade da agricultura, tanto em termos de padrões de especialização pro-dutiva, estrutura produtiva, quanto em termos do tamanho das pro-priedades. Com o alargamento da UE, a heterogeneidade aumentou, o que dificultou ainda mais um acordo sobre reformas (FEARNE, 1997). Ademais, a eficiência da PAC aparenta estar centrada na orga-nização integrada do setor agrícola que conseguiu eliminar a gran-de volatilidade de preços e cujo alto nível de renda garantido aos

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produtores rurais – outro objetivo da PAC, que ganhou maior proje-ção quando a Europa alcançou autossuficiência alimentar, sobretudo a partir da metade dos anos 1950 (ZOBBE, 2001) –, instigou-os a investir em um concentrado número de bens cultivados em áreas agrícolas muito extensas e de propriedade de poucos.

Por todos esses motivos, embora a PAC tenha se tornado a mais paradigmática das políticas setoriais comunitárias, por ter lo-grado alcançar o nível de segurança alimentar na Europa Ocidental no pós-II Guerra e influenciar diversas outras políticas comunitárias – como a política comercial e a política de meio ambiente – e aquela que por mais tempo cumpriu com o objetivo de construir uma ima-gem unificada da Europa, a equação econômica da PAC não se ex-plica, isto é, a PAC não tem importância primordialmente econômica no processo europeu de integração regional. As suas razões são fun-damentalmente históricas e culturais, pois estão ligadas a importância que a agricultura teve e ainda têm para a vida das famílias campone-sas há séculos (SWINNEN, 2009a), para além de que a agricultura foi vista como uma atividade que capaz de garantir o bem-estar da po-pulação das cidades (KNUSDEN, 2009). A importância econômica, social e política da agricultura é bem maior do que a sua participação no PIB da UE.

1. o Processo euroPeu de Integração regIonal

As primeiras ideias para a constituição da PAC nasceram no início do processo de integração regional da Europa. Ao final da II Guerra Mundial, um quadro de depressão econômica se configurou no continente. A destruição da infraestrutura produtiva e das ligações inter-regionais e os bloqueios terrestres e marítimos interromperam os fluxos de comércio e tanto o de investimentos e configuraram um

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ambiente de escassez de energia e de produtos básicos de consumo. A imediata ascensão dos preços de bens alimentares e a fome gene-ralizada na Europa se tornaram uma realidade não somente para os combatentes, mas para a população das cidades e do campo. Para além dos desequilíbrios fiscais, do endividamento e da ampliação dos déficits de balanço de pagamentos na área econômica, a instabilida-de geopolítica na Europa, as imigrações em massa, as doenças e as grandes perdas humanas marcavam profundamente física e psicolo-gicamente a sociedade (MAIER, 1981).

As frágeis circunstâncias em que se encontravam os europeus instigaram a retomada de antigas “ideias de Europa” com o intuito de promover a paz e a construir uma unidade de povos (PAGDEN, 2002, p. 54). Importantes figuras políticas e grupos de interesses eu-ropeus perceberam que era preciso agir para superar não somente a desordem deixada pelos dois conflitos mundiais e uma grande de-pressão econômica, mas o permanente estado de guerra em que a Europa se encontrava, haja vista que a região havia sido palco do maior número de guerras ao longo da História. Por isso, começaram a ser traçados planos de união sob um mesmo projeto de desenvol-vimento, capaz de estreitar relações políticas entre sociedades com memórias vivas de conflitos, e que ao longo de séculos haviam so-frido sucessivas perdas e aniquilações (SWEDBERG, 1994, p. 379). Construir confiança mútua entre os Estados era uma condição pri-mordial para fazer convergir os seus esforços cooperativos.

Em sua ânsia por buscar soluções concertadas para os seus graves problemas e sabendo que os seus mercados nacionais eram muito pequenos e se encontravam excessivamente debilitados para recuperar por si mesmos a produtividade industrial, os europeus oci-dentais tiveram a certeza de que os Estados Unidos poderiam ser a sua principal fonte de recursos para a imediata restauração econômica,

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além de garantir a sua segurança estratégica, dado o notável avanço econômico, científico, tecnológico que esse país havia alcançado nas décadas anteriores. Àquela altura, os Estados Unidos resolveram as-sumir o seu papel de protagonismo na ordem internacional capitalis-ta do pós-II Guerra, determinando as regras econômicas e políticas e eliminando qualquer chance de recuperação britânica. Do ponto de vista dos norte-americanos, o comunismo era o inimigo mais urgente a ser combatido na Europa, considerado um regime inaceitável na política e na economia. Na verdade, os norte-americanos entenderam que a estabilidade e o crescimento mundial seriam vitais para a sua posição no sistema internacional, que precisava de uma liderança e cujas regras eles poderiam impor. Por essas razões, o seu apoio à re-cuperação da economia europeia por meio do Plano Marshall foi um sinal da ação anticomunista no Continente europeu, sobretudo após o lançamento da Doutrina Truman em 1947. Em 1948 foi criada a Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE) com o propósito de administrar e assegurar a aplicação dos recursos finan-ceiros recebidos dos Estados Unidos. A instauração do Sistema de Bretton Woods a partir de 1944 garantia um ambiente institucional com as condições necessárias para a reconstrução e a retomada do crescimento econômico dos países Aliados sob a hegemonia do dólar e do poder militar norte-americano a partir da promoção do liberalis-mo no comércio internacional (STEIL, 2013).

A despeito da iniciativa norte-americana de garantir a segu-rança – a partir da assinatura do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – e o financiamento à reconstrução da Europa, logo os europeus compreenderam que essa ajuda poderia não ser de longo prazo e, por si só, não resultaria em condições estruturais suficientes para a sua definitiva e forte retomada econômica. Além disso, a expectativa dos líderes da Europa era de que o comércio com a área do dólar

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retornasse rapidamente ao equilíbrio, esperança que foi enterrada com a recessão do fim dos anos 1940 (EICHENGEEN, 2002, p. 145).

Neste cenário, os discursos sobre as “ideias de Europa” ga-nharam ainda mais força e mobilização e se disseminaram a partir de diferentes concepções entre as classes políticas e não políticas no iní-cio dos anos 1950 (SWEDBERG, 1994, p. 380). Diante da instabili-dade geopolítica no contexto da recém iniciada Guerra Fria e as des-confianças com relação a extensão do apoio dos Estados unidos, o objetivo principal dos europeus se tornou recuperar a ordem econô-mica capitalista na Europa pelo aumento da produtividade na região. Sabiam que não haveria paz duradoura entre os europeus ocidentais sem a definitiva retomada da sua capacidade de produzir riqueza.

Dentre as ideias que tiveram maior repercussão na comuni-dade política dos países europeus e suporte dos Estados Unidos, a construção de uma união federativa de Estados europeus e a recupe-ração da concorrência capitalista na região ganharam destaque, tanto por estarem de acordo com os interesses do grande capital norteame-ricano como porque eram defendidos por vários habilidosos e pres-tigiosos políticos que se tornaram seus defensores. O ideal federalista anunciava que a Europa unida, resultado da interdependência das economias e da superação do nacionalismo e da divisão em estados nacionais, sustentaria uma união política e de diversos setores em um equilíbrio dinâmico, conformando um espaço de liberdade, demo-cracia e pluralismo de ideias, crenças e interesses em um tecido social complexo e diversificado (SIDJANSKI, 1992, p. 11).

O ideal federalista pautava-se na ideia de que o processo de integração com o objetivo maior de construção de um mercado co-mum seria gradativo e se consolidaria de setor a setor. A Europa política, por sua vez, seria consequência de uma realidade do êxito

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econômico da integração regional. Para que o plano pudesse ser bem sucedido, a indústria, em primeiro lugar, e a produção de alimentos, em seguida, deveriam sustentar o crescimento econômico. A conces-são de soberania para uma instituição política supranacional, isto é, que fosse para além das ideologias ou partidos de um Estado nação em particular, foi entendida pelos federalistas como uma condição indispensável para unir os povos da Europa sob um mesmo ideal de paz (SIDJANSKI, 1992, p. 11).

Após muitas discussões sobre o caminho exato a ser seguido e ampla penetração dos ideais federalistas, os governos da República Federal da Alemanha e França aprovaram o primeiro passo rumo à integração da Europa Ocidental, seguidos por Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo. O Tratado de Paris de 1951, que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), administra-da por uma instituição supranacional, a Alta Autoridade, designou um modelo próprio de decisão política e independente dos Estados membros (SCHWARZE, 2006), assim como queriam os federalistas.

O bom desempenho da CECA conseguiu restabelecer a confiança na harmonia de interesses comuns no avanço do proje-to de cooperação. Os planos de integração setorial gerenciados por instituições comuns avançaram a partir da metade dos anos 1950, mesmo com algumas divergências. Todavia, a negativa de criação de uma comunidade de defesa e outra de representação de unidade po-lítica entre os europeus mostrou que o desempenho da integração na economia contrastava com as primeiras tentativas de se criar uma união política e de defesa na Europa, fracassadas até aquele momen-to (SIDJANSKI, 1992).

No decorrer daquela década, quando a Europa Ocidental registrou sinais positivos e estáveis de restauração dos padrões de consumo proporcionados, sobretudo, pela estabilidade da economia

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internacional sob a hegemonia dos Estados Unidos, o clima otimis-ta gerado pela CECA conseguia, aos poucos, estabelecer um forte apoio a novos setores da economia em direção de uma crescente aproximação entre os países da Europa Ocidental. Estes pautados na ideia de que somente poderiam restaurar o seu lugar no Sistema Internacional otimizando o uso de suas potencialidades dentro de um mercado comum dirigido por instituições comunitárias.

Nesse sentido, reuniram-se em Roma, em 1957, os mesmos seis países membros da CECA a fim de aprovar o tratado que esta-beleceu a Comunidade Econômica Europeia (CEE) para a formação de um mercado comum. O objetivo era alcançar uma “união cada vez mais convergente” (“an ever closer union”), um plano que parecia sem volta. De fato, as bases para a realização do mercado comum, onde haveria livre circulação de bens industriais sem barreiras pri-meiramente, e, em seguida incluiria capital, serviços e pessoas, e que fosse capaz de promover a unificação econômica e preparar a futu-ra integração política da Europa pela união de Estados federados (SCHWARZE, 2006). A CEE tinha a intenção de alcançar “des réalisa-tions concrètes” e se fazer cada vez mais presente na vida dos cidadãos.

Para sustentar a forte e rápida recuperação europeia, prin-cipalmente da Alemanha e França, os dois maiores Estados em ter-mos econômicos e geopolíticos, era indispensável garantir o forne-cimento de energia e de alimentos para a toda a sociedade, assim como suprir a dependência energética e alimentar da Europa de fon-tes não europeias. Por esse motivo, paralelamente à CEE, foi deci-dido que seria criada a Comunidade Europeia da Energia Atômica (EURATOM), fundada pelo segundo tratado assinado em Roma na mesma data, estipulando as bases de uma união aduaneira desses dois bens (EICHENGREEN, 2002). Gradativamente, inovadoras insti-tuições comuns político-administrativas foram sendo projetadas para

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respaldar as decisões do processo integracionista. Além dos objetivos de cooperação nas áreas de segurança

estratégica, energética e econômica, muitos líderes europeus per-ceberam ainda que o projeto de integração deveria incluir políticas com vistas a asseverar a integridade do indivíduo por meio da pro-moção do desenvolvimento social. A intenção era superar o medo das consequências imediatas da guerra, como a fome e escassez que ainda assombravam a Europa. Por conseguinte, as diretrizes para a integração agrícola, cujo objetivo era garantir a segurança alimentar, indispensável à estabilidade e recuperação do Continente, também foram colocadas no Tratado de Roma. A concepção de que o nível de flutuações dos preços dos bens agrícolas era maior do que outros setores da economia também impulsionou a inclusão do tema agri-cultura nas bases legislativas para a conformação de regras alinhadas para a constituição de um mercado unificado. Esse era um indício de que os europeus consideravam que “os ajustes na agricultura tinham completa conexão com a recuperação e o crescimento geral das eco-nomias europeias” (ZOBBE, 2001, p. 4). Foi nesse contexto que as linhas gerais da política de integração da agricultura, o terceiro setor que recebia atenção dos políticos no âmbito da CEE e cuja política seria levada a termo, foram estabelecidas.

2. FATORES IMPULSIONADORES DA INTEGRAÇÃO AGRÍCOLA NA EUROPA

Em uma magnitude certamente não experimentada em outra região do mundo naquele período, a II Guerra teve um significa-tivo impacto no setor agrícola da Europa, pois causou destruição da infraestrutura e das terras produtivas da região. Por essa razão, a agricultura foi incluída no esforço de guerra para prover alimentos

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para a população e matérias primas para as indústrias (JOSLING, 2009), por meio de racionamento de consumo a fim de assegurar uma oferta suficiente de alimentos para a população não só nas cida-des, mas também nas zonas rurais. Por todas essas razões, um “culto a comida” se difundiu pela Europa no pós-II Guerra. A agricultura foi considerada um setor fundamental para a segurança alimentar e chave para eliminar a fome e a miséria (LASCHI, 2011), além de im-portante para manter a paz no continente.

A insuficiência alimentar e a dependência de importações do exterior estimularam os governos europeus a buscar soluções públi-cas. Na verdade, desde a I Guerra, que foi seguida da grande crise do capitalismo de livre mercado nos anos 1930, mudanças em direção ao gerenciamento econômico por meio da adoção de modelos dire-cionados pelo Estado haviam sido implementadas, o que continuou a ser feito após o fim da II Guerra Mundial. As políticas agrícolas se tornaram mais assistencialistas em vários países do mundo desen-volvido, inclusive na Europa. Como consequência disso, o esforço de reconstrução do pós-guerra acabou aumentando a proteção do setor agrícola de maneira ainda mais significativa. Programas alta-mente financiados pelos governos em pesquisa, extensão e irrigação criaram instituições financeiras para subsidiar empréstimos para pro-dutores, e introduziram sistemas de estabilização artificial de preços (CHANG, 2009). Os países importadores ofereceram assistência às suas comunidades agrícolas restringindo as importações e intervindo nos mercados para manter os níveis de preços e a provisão de renda justa aos produtores rurais. Na prática, os setores agrícolas da maio-ria dos fundadores da CEE se caracterizavam por inúmeros e geral-mente pequenos produtores de propriedades familiares, muitos dos quais não sobreviveriam nos mercados competitivos (SPOERER, 2010, p. 4).

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Portanto, a PAC foi pensada em um contexto de necessidade de garantir a segurança alimentar depois de um longo período de escassez de alimentos e de fome generalizada na Europa. No âmbito das políticas keynesianas do pós-II Guerra, a concepção geral estava no dever do Estado de prover as necessidades sociais básicas e do-mésticas dos cidadãos (KNUSDEN, 2009), além de principal apoia-dor do nível de renda do setor agrícola por meio de políticas con-tra-cíclicas na busca pelo pleno emprego no campo. Imediatamente depois da II Guerra Mundial, a produção agrícola e a distribuição estavam fortemente reguladas e os consumidores foram protegidos, ou seja, as ações dos Estados tinham como meta primordial garantir o bem estar dos cidadãos.

Em pouco tempo, a Europa Ocidental conseguiu superar a carência de alimentos do pós-II Guerra e promover a paz no conti-nente europeu, além de que o setor agrícola parecia ser aquele com maior grau de integração. Por esses motivos, a PAC foi vista como uma política de sucesso, ganhando grande visibilidade perante a so-ciedade, embora as negociações relativas aos níveis de preços míni-mos garantidos pelo governo dos bens agrícolas protegidos tivessem gerado inúmeros conflitos ao longo dos anos 1960 e, mesmo, ao longo das décadas seguintes. Em outras palavras, embora a maio-ria dos países europeus já tivesse logrado a sua segurança alimentar quando da institucionalização da PAC, a política agrícola comum foi percebida pela sociedade como aquela que, em pouquíssimos anos, conseguiu reverter a situação desvantajosa em que se encontravam os agricultores e da população rural.

De fato, a PAC não só permitiu com que o mercado agrí-cola europeu passasse da insuficiência alimentar, como rapidamente ele gerou os primeiros excedentes (LASCHI, 2011). Altos preços e garantias estimularam o crescimento da produção, que ficou atrás da

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capacidade de absorção do mercado. O impressionante crescimento do produto agrícola levou a um aumento espetacular nos gastos da CEE com suporte aos preços. Desde que o sistema da PAC rela-cionou o apoio agrícola com a maior quantidade produzida – o que aconteceu desde o início –, ele inevitavelmente estimulou o cresci-mento da produção e encorajou a intensificação das técnicas produ-tivas. Essa reviravolta foi o resultado de políticas de apoio a renda mais do que a negativa de uma mudança nas vantagens comparativas.

Apesar da heterogeneidade presente no setor rural da Europa desde o fim dos anos 1940, os produtores rurais europeus compar-tilhavam uma característica comum: a ampla saída de trabalhadores do campo em direção à cidade. A modernização e o aumento da produtividade do campo proporcionadas pelas máquinas implicaram na menor demanda de mão de obra na zona rural. Por conseguinte, a política de integração do setor agrícola poderia evitar problemas sociais desestabilizadores e tentar acompanhar o fenômeno geral da modernização das economias europeias.

Nesse contexto, concebida como parte do projeto europeu de integração regional que buscou, desde o início, conciliar as rivali-dades do continente após um longo período de conflitos e alcançar a convergência de interesses, a PAC também priorizou a realização de objetivos no âmbito geopolítico: garantir a segurança, inclusive alimentar, por meio da promoção da eficiência produtiva e estabilida-de social a partir da fixação da população ao campo após um longo período de fome e depressão econômica no entre e nos pós-guerras. Portanto, desde quando foi instituída em 1962, a PAC foi uma políti-ca pensada para integrar não somente o mercado agrícola, mas tam-bém o espaço europeu, evitando o êxodo do campo para a cidade. O aumento de preços corrói o poder de compra dos trabalhadores, sobretudo dos mais pobres, e, dessa forma, a coesão social deve ser

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uma meta dos Estados (KRÖGER, 2009). A instabilidade sistemática dos preços agrícolas foi um fa-

tor-chave em torno do qual foram pensadas as políticas agrícolas em todo o mundo, pois normalmente os políticos pensam que eles po-dem ter impactos sociais relativos à garantia do abastecimento. As incertezas relacionadas às condições climáticas, à qualidade do solo, e às doenças, que provocam diferentes níveis de produtividade em determinados momentos, em geral, resultaram nas flutuações de pre-ços dos bens agrícolas no imediato pós- II Guerra. Além das ques-tões sazonais que afetam a produção e a produtividade agrícola, há ainda as falhas de mercado que justificam a intervenção do Estado na economia, vista, por muitos, como um ato totalmente racional na busca pela maximização do bem-estar da população. Desse ponto de vista, o remédio para as falhas de mercado seria a intervenção estatal vista, por muitos, como um ato totalmente racional na busca pela maximização do bem estar social da população (FEARNE, 1997). Esse foi um elemento de um discurso convincente e conveniente para a defesa da agricultura no escopo do Estado do bem estar social quando a integração agrícola da Europa começou a ser pensada. De outra foram, o setor foi tomado como excepcional em vista dessas razões e, por conseguinte, precisava ser protegido.

De fato, os preços dos bens agrícolas ficaram mais estáveis que os preços mundiais depois de 1962, embora em níveis bem mais altos (ZOBBE, 2001). Assim, o consumo europeu perdeu por ter de pagar altos preços. A relativa estabilidade do mercado europeu também deu mostras de que a PAC, por meio de seus rigorosos ins-trumentos de proteção setorial, conseguiu manter um controle eficaz sobre as flutuações de preços de bens agrícolas. Particularmente na última década, todavia, os preços das commodities, incluindo as agríco-las, vêm mostrando tendência de alta crescente, dentre outros fatores,

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em razão do aumento mundial de sua demanda por parte dos países em desenvolvimento.

No que tange às razões sociológicas, os produtores rurais advogavam por intervenções governamentais no mercado em favor da manutenção do seu nível de renda, que caíam há décadas relativa-mente à média da indústria e dos serviços. Desde a revolução indus-trial, somente durante curtos períodos a renda do setor agrícola cres-ceu em paridade com os demais setores. Isso causou consideráveis dificuldades para os governos constitucionais na Europa, particular-mente entre 1873 e 1929, de lidar com as crescentes disparidades de renda (SWINNEN, 2009b).

Historicamente, em diversos países da Europa esses grupos se organizaram em fortes blocos de pressão dos governos, seja atra-vés de sindicatos e associações, e usaram dessa importância estratégi-ca do campo para demandar apoio em prol do setor agrícola aos go-vernos, justificando a necessidade de a CEE de sustentar e manter a PAC por tanto tempo. A partir dos anos 1950, a “paridade de renda” se tornou uma questão central nos debates de política agrícola e na imprensa agrícola. Em resposta, os governos europeus introduziram uma série de medidas para dar apoio à renda agrícola. Essas medidas como preços mínimos, target prices e quotas de importação foram introduzidas. O sistema regulatório instalado durante a guerra era agora usado para dar apoio à renda agrícola intervindo nos mercados em favor dos produtores (SWINNEN, 2009b, p. 9).

O valor estratégico eleitoral da comunidade rural na maioria dos países europeus durante o período de reconstrução e a capacida-de dos produtores de expressar os seus interesses imediatos de ma-neira efetiva levou a maioria dos governos, a partir do fim dos anos 1940, a prover apoio emergencial aos seus produtores domésticos, a fim de aumentar a produção agrícola doméstica (GUIRAO, 2010, p.

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14). Consequentemente, a PAC foi e ainda é usada para beneficiar uma pequena parcela da sociedade da UE porque reflete o poder po-lítico dos produtores rurais, que, a despeito de serem numericamente poucos em sociedades muito industrializadas em vários dos Estados membros, formam fortes grupos de pressão organizados que reivin-dicam para si o apoio e a proteção das instituições.

O valor social simbólico desses grupos também influenciou a sua projeção durante as primeiras décadas do pós-II Guerra, tendo em vista a visão positiva e até “romantizada” que a sociedade tinha deles (KNUSDEN, 2009). Segundo esse ponto de vista, os produto-res rurais contribuem para a realização dos maiores interesses e obje-tivos em termos de segurança, particularmente acentuados depois do período de guerras na Europa. Assim, justificava-se que a segurança alimentar e a estabilidade de preços eram de interesses públicos e deveriam ser apoiados pelos governos (KRÜGER, 2009). Por essas razões, o discurso “social” e da herança histórica do campo e a neces-sidade de manutenção do patrimônio rural foram bem utilizados pela elite política, os grupos de interesses organizados, que pressionaram seus governos e tomar ações que lhes favorecesse. conclusão

O excepcionalismo da agricultura na Europa, seja pelo lado sociológico, econômico, geoestratégico ou político, explica a impor-tância da agricultura para a Europa e o contexto para a ascensão das primeiras ideias que contribuíram para formulação de uma política agrícola integrada no pós-II Guerra Mundial. No contexto histórico do desenvolvimento do processo de integração europeu, a PAC se confirmou, desde os anos 1960, como uma das mais importantes políticas da história da UE, tanto em termos de mobilização políti-ca, de gestão, de dificuldades de barganhas, de alocação de recursos

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orçamentários, quanto na formação de imagens simbólicas da vida rural na Europa, embasada nas “propriedades rurais familiares”.

No caso da PAC, na maioria das vezes, os elementos políticos se mostraram mais importantes do que os condicionantes econômi-cos, pois desde o começo do seu funcionamento, ela foi uma políti-ca cara para a sociedade e não favoreceu instrumentos operacionais que harmonizassem as diferentes estruturas agrícolas dos Estados membros por meio da promoção de uma política voltada para o de-senvolvimento rural. As instituições supranacionais não conseguiram implementar instrumentos em prol da coesão social e regional e se mostraram pouco eficientes em conciliar interesses dos maiores e mais poderosos Estados membros, mesmo depois das reformas da PAC, que começaram nos anos 1990. Essas “reformas estruturais” não foram paradigmáticas, mas responderam essencialmente aos acontecimentos conjunturais e a necessidade de diminuir os custos da PAC e ao novo conceito de multifuncionalidade e bens públicos (agricultura sustentável, defesa do meio ambiente, saúde, etc..) que conferiram renovados papeis à PAC e modificaram a política externa da UE (política comercial, política de meio ambiente, política de coo-peração em energia renovável). Atualmente, poucos Estados produ-zem os bens mais protegidos e poucos contribuem para o orçamento comunitário de apoio ao setor.

De fato, os objetivos da PAC têm se tornado mais comple-xos, a partir da incorporação de outras metas, complementares à se-gurança da oferta de alimentos e ao apoio ao rendimento do setor, - itens considerados fundamentais no Tratado de Roma de 1957, - e mais relativos ao desenvolvimento sustentável e à conservação do meio ambiente. Agora, o contexto é outro e os desafios da UE são diferentes vis-à-vis à sua fundação e os instrumentos operacionais da PAC se modificaram ao longo das décadas. Todavia, apesar das

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contradições, o lugar da PAC no processo europeu de integração re-gional não mudou com o tempo; ao contrário, ele continuou ocupan-do posição estratégica e privilegiada nos âmbitos político, econômico e social dos países europeus e ainda mantém o seu valor histórico. Essas razões legitimam a importância da agricultura perante a socie-dade e assim a PAC se sustenta por mais de cinco décadas.

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MAIS DO QUE MONÓLOGO, QUER-SE DIÁLOGO: A INTERAÇÃO ENTRE AS CORTES SUPRANACIONAIS EUROPEIAS E A INTEGRAÇÃO ATRAVÉS DOS DIREITOS HUMANOS

Alessandra Prezepiorski LemosUniversidade Federal do Paraná

6º Concurso de Monografias da União Europeia

ResumoApesar da integração europeia sob a égide da União Europeia ter entrado para a história principalmente por causa de seu caráter econômico, não se deve desconsiderar o papel que os direitos humanos tiveram e têm em dar continuidade a tal processo. O papel central dos direitos humanos na UE é o de oferecer um elemento apto a proporcionar legitimidade e ser-vir de fundamento para a intensificação da integração, ao mesmo tempo em que eles se apresentam como limitações a essa mesma integração, não perdendo assim a sua característica de termômetro do uso do poder. Como a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça da União Europeia são cortes que possuem jurisdição a respeito de litígios de direitos humanos, não é falacioso afirmar que a história dos direitos humanos na UE, em grande parte, é a história desses dois tribunais e de seu relacionamento ambíguo. A fim de demonstrar essa ambiguidade, a presente monografia trouxe como exemplo os julgamentos proferidos dos Casos Dublin, em que houve parcial divergência de entendimento entre as Cortes de Estrasburgo e Luxemburgo. A partir de sua análise é possível verificar o potencial positivo que a unicidade de entendimento legal das Cortes pode ter na promoção de uma proteção mais ampla de direitos humanos, assim como explicitar como as divergências en-tre as instâncias julgadores pode trazer, entre outras coisas, insegurança jurídica. Propõe-se, nesse trabalho, que essa ambiguidade poderia ser superada através da adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Palavras-chave: integração europeia; cortes supranacionais europeias; direitos humanos

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Mais do que Monólogo, quer-se diálogo: a integração entre as cortes supranacionais europeia e a integração através dos direitos HuManos

Introdução

O papel central dos direitos humanos na UE é o de servir como fonte de legitimidade e de fundamento para a intensificação da integração europeia e, ao mesmo tempo, servirem como limitações a essa mesma integração, não perdendo assim a sua característica de termômetro do uso do poder.

Como a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça da União Europeia são cortes que possuem competência para julgar litígios de direitos humanos, não é incorreto afirmar que a história dos direitos humanos na UE, em grande parte, é a história desses dois tribunais e do modo como se relacionam.

Se por um lado, quando em concordância, essas Cortes têm o poder de alterar os rumos do ordenamento jurídico-europeu, por outro, quando as divergências se fazem mais aparentes, acabam por trazer insegurança jurídica e um menor nível de proteção dos direitos humanos.

A presente monografia tem como objetivo demonstrar essa ambiguidade presente nas interações entre as duas Cortes e propor uma alternativa que vise, se não eliminá-la, pelo menos diminuir a sua incidência.

Como seria inviável neste trabalho apresentar todas as inte-rações jurisprudenciais realizadas entre as Cortes Europeias supra-nacionais, optou-se por limitar o objeto de análise ao direito ao asilo - em específico - aos chamados Casos Dublin. A escolha foi pautada em três motivos: a) a relevância da matéria face ao fenômeno das grandes migrações a União Europeia decorrentes das guerras trava-das no Oriente Médio; b) a importância que os julgados destas Cortes tiveram na concessão de uma maior proteção àqueles que demandam asilo; c) a controvérsia que ainda existe entre os posicionamentos a respeito da temática de ambas as Cortes.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

O desenvolvimento do conteúdo do trabalho será dividido em três partes. Na primeira delas será apresentado brevemente as duas Cortes Supranacionais Europeias e o modo como se relacio-nam. O segundo tópico, por sua vez, cuidará de mapear as posições destas instâncias julgadoras nos Casos Dublin, ressaltando as con-vergências e divergências de posicionamentos jurídicos. Por fim, na terceira parte se proporá que a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem por parte da União Europeia seria capaz de não só mitigar os efeitos negativos causados pela ausência de uniformi-dade jurisprudencial, como também seria um importante passo para viabilizar e potencializar a integração europeia através dos direitos humanos.

1. um conto de duas cortes: a Proteção JudIcIal dos dIreItos humanos na euroPa

O conto do Tribunal de Justiça da União Europeia e da Corte Europeia de Direitos Humanos se inicia com o fenômeno da inte-gração europeia. A integração foi pensada em duas frentes, sendo a União Europeia (UE) a responsável pela integração econômica e o Conselho da Europa (CoE) o encarregado da promoção da demo-cracia e dos direitos humanos. Entretanto, não demorou muito para que os direitos humanos passassem a ser uma preocupação central também da União Europeia.

Dois são os motivos principais que levaram a essa mudança. O primeiro seria o impacto causado pela integração econômica da Europa em vários aspectos sociais, inclusive na seara dos direitos humanos. O segundo, por sua vez, seria o reconhecimento de que haveria uma carência de legitimidade nas ações da UE, legitimida-de que poderia ser alcançada através não só de prestações negativas (não violar direitos humanos), mas também por meio de prestações

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positivas (assegurar e proteger direitos humanos).O papel central que os direitos humanos passam a desempe-

nhar na União Europeia é o de oferecer um elemento ético-jurídico apto a proporcionar legitimidade e servir de fundamento para a in-tensificação da integração1, ao mesmo tempo em que se apresentam como limitações a essa mesma integração, não perdendo assim a sua característica de termômetro do uso do poder2.

Põe-se, assim, a necessidade bivalente de fortalecer a integra-ção europeia mediante a proteção dos direitos humanos e de garantir esta proteção dentro do processo de integração3.

Neste cenário, o Tribunal de Justiça da União Europeia e a Corte Europeia de Direitos Humanos emergem como protagonistas, motivo pelo qual merecem uma análise mais detida na presente mo-nografia. O primeiro tópico se dedicará a explicar em linhas gerais quais são as funções desempenhadas por ambas as Cortes, o órgão supranacional ao qual estão vinculadas e o modo como ambas têm se influenciado reciprocamente.

1.1. o tRibUnal de JUstiça da União eURopeia

Antes de se constituir a União Europeia propriamente dita, existiam três organizações internacionais europeias estabelecidas na década de 50 que lidavam com questões relacionadas à energia, ao livre comércio e à segurança – as Comunidades Europeias, que ti-nham por objetivo estimular o desenvolvimento econômico através da livre circulação de bens, capital, pessoas e serviços4. Em 1993, o Tratado de Maastricht unificou essas comunidades sob o nome

1 CASAL H., Jesús María. Los derechos humanos en los procesos de integración, p. 251.2 Idem, p. 254.3 Idem, p. 250-251.4 UNIÃO EUROPÉIA. Handbook on european law relating to asylum borders and immigration, p. 17.

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de União Europeia. Atualmente, o termo União Europeia designa a parceria econômica e política de características únicas constituída por 28 países europeus.

Um dos principais órgãos da UE é o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), tanto o é que alguns autores como Katarina Peročević o chamam de “motor da União Europeia”5. É a mais alta instância legal estabelecida no cerne da União Europeia cujo propó-sito inicial era apoiar o processo de integração econômica estabele-cido entre os vários Estados Membros. O tribunal estabelecido em Luxemburgo tem por competência qualquer questão legal que envol-va a interpretação ou aplicação do Direito Comunitário Europeu ou de leis nacionais que derivem deste direito.

Desde o início de seu funcionamento, o TJUE tem passado por inúmeras mudanças formais e materiais que implicaram um au-mento na sua esfera de atuação. Os direitos humanos que não eram uma competência específica deste tribunal, passaram a aparecer em sua jurisprudência com certa frequência a partir do Caso Erich Stauder vs. Cidade de Ulm. Este foi o primeiro julgamento em que o TJUE expressamente reconheceu que existiam direitos fundamentais com-preendidos nos princípios gerais do direito comunitário europeu que deveriam ser por ele assegurados.

Esse posicionamento ganhou força com a alteração pro-movida pelo Tratado de Maastricht de 1992 no Tratado da União Europeia que instituiu expressamente como obrigação da UE e de seus Estados Membros o respeito aos direitos humanos6. De mera obrigação passaram a fundamento da União Europeia com o Tratado de Amsterdã de 1997. Contudo, a consolidação da jurisdição do TJEU em matéria de direitos humanos somente ocorreu com a confecção

5 Peročević, katarina. The multidimensional European system of human rights protection, p. 5.6 Tratado de Maastricht, Artigo F(2).

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da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do Tratado de Lisboa de 2007 e com a ampliação contínua da política e do direito comunitário europeus.

Quanto à expansão do Direito Comunitário Europeu, neces-sário se faz remarcar que agora o corpo legislativo da UE abrange áreas como imigração, direito de asilo, segurança, privacidade, entre outros7. Assim, a União Europeia se consolida como uma entidade com capacidade direta de interferência em aspectos da liberdade e bem-estar humanos, o que demonstra a necessidade de se realizar um controle de sua atuação a partir dos direitos humanos, controle esse tonificado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A Carta dos Direitos Fundamentais da UE foi adotada em 2000 como um instrumento internacional sem força vinculante. Seu conteúdo foi inspirado na tradição constitucional dos Estados Membros e no conteúdo dos demais tratados internacionais de di-reitos humanos, dentre eles a Convenção Europeia dos Direitos do Homem8. Apesar disso, foi facultado à Carta dar uma proteção mais extensiva que as das supracitadas fontes de inspiração de modo a reforçar a função primordial dos direitos humanos na UE9.

A Carta passou a ter status vinculante somente em 2009 quando da entrada em vigor do Tratado de Lisboa de 200710, o que possibilitou ao TJUE verificar se a atuação das instituições da União Europeia e dos Estados Membros no âmbito do Direito Comunitário Europeu estariam de acordo com os direitos humanos11.

7 DE BÚRCA, Gráinne. After the EU charter of fundamental rights: the court of justice as a human rights adjudicator?, p. 169.8 ROSAS, Allan. Is the EU a human rights organization?, p. 5-6.9 NADER, Belisa Carvalho. Os “triângulos normativo e judicial europeus”: a coerência intersistemática em matéria de direitos humanos, p. 31.10 Apesar da Carta dos Direitos Fundamentais ser, em tese, vinculante a todos os Estados Membros da UE, a Inglaterra e a Polônia optaram por limitar a força vinculante desta, em especial ao Capítulo IV que trata da solidariedade, através do Protocolo 30.11 DE BÚRCA, Gráinne. Obra citada, p. 168.

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Se o controle interno dos direitos humanos na esfera da UE encontra-se consolidado, o controle externo ainda não con-seguiu se estabelecer. A este respeito, cumpre citar que o Tratado de Lisboa consignou que a União Europeia aderiria à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e que o Protocolo nº 14 da CEDH alterou-a para que expressamente permitisse a adesão da União Europeia à CEDH e, por consequência, à jurisdição da Corte Europeia de Direitos Humano, a qual realizaria um controle externo.

Muito embora o Tratado de Lisboa possa ser considerado um manifesto da boa vontade em relação à adesão, esta ainda não foi promovida e, ao que parece, está ainda mais longe de o ser após a Opinião nº 2/13 do TJUE. Diante disso, a TJUE mantém-se como a única instância jurídica em solo europeu apta a ter a última palavra no que tange ao Direito Comunitário Europeu.

1.2. a coRte eURopeia de diReitos HUmanos

A Corte Europeia de Direitos Humanos, ao contrário do Tribunal de Justiça da União Europeia, não está ligada à União Europeia, mas sim ao Conselho da Europa (CoE).

O CoE foi fundado em 1949 como uma organização inter-nacional cujo objetivo era assegurar uma maior proteção aos direitos humanos na Europa12. Não é de se estranhar, portanto, que uma de suas primeiras medidas tenha sido a adoção da Convenção Europeia dos Direitos do Homem em 1950, que somente entrou em vigor em 1953. Até os dias atuais este documento internacional permanece sendo o de maior importância dentro do sistema do CoE.

A CEDH, inicialmente, instituiu a Comissão e a Corte Europeia de Direitos Humanos, porém, com a superveniência do Protocolo nº 11, optou-se por somente manter a Corte Europeia a

12 Peročević, katarina. Obra citada, p. 2

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partir de 199813. A Corte Europeia de Direitos Humanos (CtEDH), situada em Estrasburgo, é o órgão judicial a quem compete resolver os litígios relacionados aos direitos humanos previstos na CEDH.

Em comparação ao TJUE, existem algumas diferenças que merecem ser remarcadas. A que possui maior relevância neste estu-do é a de que enquanto a CtEDH foi criada para exercer o papel de uma corte de direitos humanos, o TJUE possui uma jurisdição muito mais ampla, sendo que a competência relativa aos direitos humanos corresponde a apenas uma parcela desta jurisdição.

1.3. a Relação ambígUa estabelecida entRe as dUas coRtes

Diante das breves considerações acima feitas, resta eviden-te que a integração europeia através dos direitos humanos tem sido protagonizada pelas suas Cortes Supranacionais. Não é de todo in-correto, por consequência, concluir que a história dos direitos huma-nos na União Europeia é em grande parte moldada pelo histórico de interação entre as Cortes de Luxemburgo e Estrasburgo14.

A relação estabelecida entras as duas Cortes é ambígua, espe-cialmente no tocante à separação de competências e no modo como suas jurisprudências interagem.

Como demonstrado anteriormente, ambas as Cortes pos-suem dentro de sua jurisdição a competência para julgar litígios en-volvendo direitos humanos, sendo que o TJUE cuida das violações perpetradas em face da Carta Europeia dos Direitos Humanos quan-do se tratar de ato ou omissão relativa ao Direito Comunitário e a CtEDH é responsável por realizar um controle de convencionalida-de, a partir da CEDH, dos atos e omissões dos Estados Europeus.

A princípio, então, essa divisão garantiria que não haveria

13 Idem, ibidem.14 DOUGLAS-SCOTT, Sionaidh. A tale of two courts: Luxembourg, Strasbourg and the growing european human rights acquis, p. 630.

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usurpação de competências. Entretanto, a realidade como sempre se demonstra mais complexa.

Muito embora o TJUE se porte cauteloso e superficialmente não adentre na jurisdição da CtEDH, existe momentos em que ele de fato usurpa a sua competência. Estes momentos ocorrem quando este Tribunal julga dando uma interpretação diversa da consolidada pela CtEDH a respeito de um direito humano previsto tanto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE quanto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que consistiria em clara violação ao artigo 52(3) da Carta15 e em intromissão na jurisdição da CtEDH.

A CtEDH, a seu turno, também se mostrou relutante em apreciar atos relacionados ao Direito Comunitário Europeu, apesar de ter sido conclamada algumas vezes a fazê-lo. Tal postura foi aos poucos se alterando, principalmente a partir da metade da década de 90. No caso Procola vs. Luxemburgo não se absteve de considerar que um ato legal do Estado de Luxemburgo, que introduziu no ordena-mento nacional duas regulações expedidas pelo Conselho Europeu, violava o direito à propriedade previsto no Primeiro Protocolo Adicional da CEDH. Da mesma forma, no caso Cantoni vs. França, a Corte reconheceu sua competência para fazer o controle de con-vencionalidade de um ato legal nacional que era a cópia exata de uma diretiva da Comissão Europeia.

Ainda que haja controvérsia se nestes casos e em casos simi-lares houve invasão de competência por parte da CtEDH, a questão é que tal atitude em relação ao Direito Comunitário Europeu tem repercutido negativamente no TJUE, fazendo com que este tente

15 O artigo 52.3. dispõe que “Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção europeia para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma proteção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla”.

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reforçar o seu papel de intérprete máximo deste direito. Exemplo disso é a Opinião nº 2/13 expedida por este tribunal que rejeitou a possibilidade de adesão da UE à CEDH.

Para além da conflituosidade na determinação das jurisdições de ambas as Cortes, existe igualmente um relacionamento positivo entre as duas que pode ser observado pelo modo como uma se refere aos casos julgados pela outra16.

A título exemplificativo, pode-se apontar o dado apresentado por Gráinne de Búrca em seu artigo intitulado After the EU Charter of Fundamental Rights: the Court of Justice as a Human Rights Adjudicator?. Segundo de Búrca, no período compreendido entre o início da vigên-cia do efeito vinculante da Carta dos Direitos Fundamentais da UE e o ano de 2012, nos dez casos em que o TJUE mencionou a CtEDH ele seguiu o seu posicionamento, o que demonstra o respeito por esta Corte17.

O estabelecimento de um relacionamento coeso entre as duas Cortes no que concerne a sua interpretação de casos similares é salutar para a expansão e proteção dos direitos humanos em territó-rio europeu, assim como para a própria integração europeia.

Para aprofundar esta temática, optou-se por fazer uma aná-lise de alguns casos da Corte Europeia de Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça da União Europeia relativos ao direito ao asilo, mais especificamente, os casos conhecidos como Casos Dublin, para demonstrar como a interação entre a jurisprudência das duas Cortes aumentou a proteção dada a este direito, ainda que o posicionamento delas tenha sido parcialmente divergente.

16 DOUGLAS-SCOTT, Sionaidh. Obra citada, p. 640.17 DE BÚRCA, Gráinne. Obra citada, p. 174.

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2. dIreIto ao asIlo, os casos dublIn e as cortes suPranacIonaIs euroPeIas

É inegável que os direitos humanos tiveram e têm um papel extremamente importante na integração europeia. Boa parte dessa imbricação se deve ao fato de que aos direitos humanos foi garan-tido não só um, mas vários days in court, tanto na Corte Europeia de Direitos Humanos quanto no Tribunal de Justiça da União Europeia. Nesse cenário, a interação entre as duas Cortes Europeias suprana-cionais, isto é, a influência que os julgados de uma exercem sobre a outra merecem maior atenção, em especial nos casos em que há divergências.

Como seria inviável neste trabalho apresentar todas as inte-rações jurisprudenciais realizadas entre as Cortes Europeias supra-nacionais, optou-se por limitar o objeto de análise ao direito ao asilo - em específico - aos chamados Casos Dublin. A escolha foi pautada em três motivos: a) a relevância da matéria face ao fenômeno das grandes migrações à União Europeia decorrentes das guerras trava-das no Oriente Médio; b) a importância que os julgados destas Cortes tiveram na concessão de uma maior proteção àqueles que demandam asilo; c) a controvérsia que ainda existe entre os posicionamentos de ambas as Cortes a respeito da temática.

Este capítulo iniciará apresentando os regulamentos de Dublin. Na sequência, será abordado de forma breve os entendi-mentos adotados pelas Cortes em relação ao tema em seus casos pa-radigmáticos, ressaltando o impacto que eles tiveram na formulação do Regulamento de Dublin III e a divergência que ainda permanece no posicionamento de ambas.

2.1. os RegUlamentos de dUblin

A Convenção de Dublin, o Regulamento de Dublin II e o

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vigente Regulamento de Dublin III foram medidas legais tomadas pela União Europeia para enumerar os critérios e mecanismos que determinariam qual Estado Membro deveria processar os pedidos de asilo feitos em território abrangido pela UE18. Vale ressaltar que o Regulamento de Dublin III se aplica a todos os Estados Membros da União Europeia mais Noruega, Suiça, Islândia e Liechtenstein. Tais medidas integram o Sistema Europeu Comum de Asilo e partem do princípio de que todos os Estados signatários oferecem o mesmo nível de proteção aos asilados (princípio da mútua confiança).

Ao buscar estabelecer critérios para determinar qual Estado seria responsável por processar o pedido de asilo, os Regulamentos de Dublin tentaram evitar dois fenômenos: asylum shopping e refugee in orbit. Asylum shopping seria a prática daquele que pleiteia o asilo de viajar e escolher perante qual Estado vai protocolar seu pedido de asilo usando o critério da conveniência, seja para aumentar as chan-ces de concessão de asilo, seja para escolher um país que ofereça mais oportunidades19. O problema do refugee in orbit, a seu turno, ocorreria quando nenhum Estado se dispusesse a analisar o pedido de asilo20.

Para evitar isso, nada mais natural que criar critérios que es-tabeleçam sem sombra de dúvidas qual seria o Estado competente para processar o pleito de asilo. Tanto o Regulamento de Dublin II como o recente Regulamento de Dublin III foram apresentados como instrumentos que garantiriam essa certeza, contudo, na prática, existiram casos que desafiaram essa presunção.

Os casos que aqui interessam têm como ponto em comum a seguinte situação genérica: pessoa pleiteia asilo no país que não é

18 MOUZOURAKIS, Minos. The Dublin-Strasbourg-Luxembourg triangle: getting the european courts´ dialogue on the suspension of Dublin regulation transfers right, p. 3.19 PETERSSON, Catherine. Recasting the Dublin Regulation: an analysis of the impact of the M.S.S. and N.S./M.E. judgements on the recast of the Dublin Regulation, p. 5.20 Idem, ibidem.

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competente e este quer enviá-la ao país que segundo os Regulamentos de Dublin seria o mais indicado. O problema é que por motivos di-versos as condições a que seria exposto o pleiteante no Estado res-ponsável infringiriam os seus direitos fundamentais/humanos. Nessa situação, o Estado perante o qual foi protocolado o pedido de asilo poderia enviar a pessoa ao Estado competente? Tal envio caracteri-zaria violação de direitos humanos? Essas perguntas foram respon-didas pelas Cortes Supranacionais Europeias em algumas ocasiões, merecendo destaque os casos M.S.S. (CtEDH) e N.S./M.E. (TJUE) a seguir expostos.

2.2. m.s.s. vs. bélgica e gRécia

O caso M.S.S. vs. Bélgica e Grécia foi julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos em 21 de janeiro de 2011. O pleito, em linhas gerais, girava em torno da história de M.S.S., um afegão que havia entrado na Europa através da Grécia em 2008 e que via-jou para a Bélgica em 2009, onde protocolou o seu pedido de asilo. Como o primeiro país em que ele adentrou foi a Grécia, segundo o Regulamento de Dublin II, vigente à época, seria este Estado o com-petente para processar eventual requerimento de asilo, motivo pelo qual a Bélgica optou por transferir M.S.S. para a Grécia.

M.S.S. recorreu da decisão de transferência alegando que as condições que ele enfrentaria na Grécia seriam péssimas e que have-ria risco de que aquele Estado o transferisse de volta ao Afeganistão, o que violaria o princípio do non refoulement. O recurso foi negado e a transferência se completou, o que fez com que M.S.S. entrasse com uma ação perante a CtEDH aventando violação aos artigos 2, 3 e 13 da CEDH por parte da Bélgica e artigo 3º por parte da Grécia.

A CtEDH aproveitou o julgamento deste caso para alterar o seu entendimento a respeito do princípio da mútua confiança. No

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caso KRS vs. Reino Unido, anterior ao caso M.S.S., a Corte havia de-cidido que havia uma presunção de que os Estados signatários da CEDH cumpriam com as obrigações impostas por este documento internacional (presunção de Bósforo) e que a presunção só poderia ser afastada mediante prova em contrário.

No julgamento de M.S.S. vs. Bélgica e Grécia, restou consig-nado que a presunção de Bósforo não se aplicava por conta da exis-tência da cláusula de soberania contida no artigo 3(2) do Regulamento de Dublin II21. Esta cláusula, que se repete no Regulamento de Dublin III, prevê a possibilidade de um Estado analisar um pedido de asilo, mesmo que não sendo o Estado competente para tanto conforme os critérios estabelecidos naquele documento.

A CtEDH reconheceu que a Grécia violou os artigos 3 e 13 da CEDH devido às condições médias de detenção providas, às terríveis condições de vida a qual o autor foi exposto e às deficiências no procedimento de asilo. Quanto a Bélgica, considerou que esta vio-lou o artigo 3º da CEDH tendo em vista que este Estado transferiu M.S.S. mesmo sabendo que ele seria exposto a condições de vida e detenção que caracterizariam tratamento degradante22.

2.3. n.s./m.e.

O caso N.S. vs. Secretary of State for the Home Department (Reino Unido) foi julgado em conjunto com o caso M.E., A.S.M., M.T., K.P. e E.H. vs. Refugee Applications Commissioner, Minister for Justice, Equality and Law Reform (Reino Unido e Irlanda) pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 21 de dezembro de 2011.

Em ambos os casos, o contexto fático era parecido com

21 MOUZOURAKIS, Minos. Obra citada, p. 4.22 Idem, ibidem.

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o do caso M.S.S. vs. Bélgica e Grécia. Tratavam-se de pedidos de asilo que foram protocolados, respectivamente, na Inglaterra e na Irlanda, mas que, devido aos critérios estabelecidos no Regulamento de Dublin II, vigente à época, deveriam ser aprecia-dos pela Grécia. A diferença é que no caso N.S./M.E. os pleitean-tes de asilo ainda não tinham sido transferidos à Grécia. Outra diferença notável diz respeito ao fato de que foram as Supremas Cortes da Irlanda e da Inglaterra que enviaram o caso ao Tribunal para que este esclarecesse, dentre outas coisas, se o ato de enviar os reclamantes de asilo à Grécia consistiria em uma violação de direitos humanos.

Durante o julgamento, o TJUE asseverou que o Direito Comunitário Europeu impediria que existisse a presunção absoluta de que o Estado responsável pela análise do requerimento de asilo cumpria e protegia os direitos fundamentais estabelecidos no or-denamento jurídico europeu23. Pelo contrário, essa presunção seria relativa, admitindo prova em contrário.

A partir dessa premissa, o TJUE pode concluir que os Estados Membros e as suas Supremas Cortes não deveriam trans-ferir os requerentes de asilo para o Estado Membro responsável quando manifestas as deficiências sistêmicas no procedimento de asilo e quando houvesse forte probabilidade de que as condições de recepção do pleiteante de asilo pudessem caracterizar aquilo que o artigo 4 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE considera como tratamento degradante ou desumano24.

As decisões de ambas as Cortes reconheceram que o Estado no qual foi pleiteado o asilo, mesmo que não competente para a apuração do pedido, não pode enviar o requerente do asilo ao

23 BAERE, Geert de. The court of justice of the EU as a European and international asylum court, p. 7-8.24 Idem, ibidem.

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Estado competente se isso for importar em violações aos direitos humanos deste. A diferença entre elas reside no grau de importân-cia que é dado à constatação de violações sistemáticas de direitos humanos. Enquanto a CtEDH entende que essa constatação é um requisito suficiente para obstar a transferência, o TJUE aparente-mente toma ela como um requisito necessário para impedir o envio do requerente de asilo ao Estado Membro competente.

Se no caso N.S./M.E. havia ainda pairava alguma dúvida de que entendimento do TJUE era no sentido de que a consta-tação de violações sistemáticas de direitos humanos seria um re-quisito necessário para obstar a transferência, nos julgamentos dos casos Bundesrepublik Deutschland vs. Kaveh Puid e Shamso Abdullahi vs. Bundesasylamt tal posicionamento foi expressamente adotado, elimi-nando, então, qualquer dubiedade. Vale frisar que esses dois casos foram julgados quando ainda estava em vigor o Regulamento de Dublin II.

A CtEDH, a seu turno, aproveitou o caso Tarakhel vs. Suíça para definir com maior clareza o seu entendimento relativo à temá-tica. A principal diferença entre este caso e o caso M.S.S. vs. Bélgica e Grécia é que no segundo estava claro que havia uma deficiência sistêmica no sistema de asilo da Grécia, tanto no procedimento quanto nas condições oferecidas aos pleiteantes de asilo, ao passo que no caso Tarakhel vs. Suíça a família Tarakhel estava enfrentando uma possível transferência para a Itália, onde não é possível cons-tatar uma deficiência sistêmica.

Mesmo diante dessa ausência, a CtEDH entendeu que não seria possível a transferência da família Tarakhel para a Itália, pois, analisando-se as suas condições individuais e familiares havia um risco sério e fundado de que uma eventual transferência implicaria em graves violações de direitos humanos. Esta postura da Corte

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reforça que a constatação de violações sistemáticas de direitos humanos dos pleiteantes de asilo é uma condição suficiente, não necessária, a obstaculizar a transferência, esclarecendo que as cir-cunstâncias individuais também poderão impedir que o reenvio dos pleiteantes ao Estado Membro competente se concretize.

2.4. o impacto das decisões na conFecção do RegUlamento de dUblin iii

Muito embora reste nítido que os casos M.S.S. e N.S./M.E. tenham adotados parâmetros diferentes para justificar a impossi-bilidade de reenvio aos Estados Membros competentes para ana-lisar o pedido de asilo, fato é que ambas as Cortes reconheceram que existem circunstâncias que impedem que esta transferência se suceda.

Ao interpretarem de forma similar, ainda que não idênti-ca, a respeito deste aspecto do direito de asilo, ambas as Cortes produziram um forte impacto no cenário jurídico-político euro-peu. Não só criaram um precedente a ser seguido pelas Supremas Cortes Nacionais, como também influenciaram a reformula-ção do Regulamento de Dublin II o que culminou na adoção do Regulamento de Dublin III em 26 de junho de 2013, sendo que este entrou em vigor em 1º de janeiro de 201425.

O impacto é sentido em dois aspectos. Em primeiro lugar, na nova redação do artigo 3(2) que reconhece que existem situações em que é impossível transferir um requerente de asilo para o Estado Membro designado responsável se existirem motivos válidos que le-vem a crer que há “falhas sistêmicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na

25 PETERSSON, Catherine. Obra citada, p. 6.

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acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Outro importante avanço trazido pelo Regulamento de Dublin III igualmente parece ter sido produto das discussões tra-vadas nas decisões colacionadas. Este documento internacional instaurou um sistema de monitoramento para detectar qualquer problema relativo aos procedimentos de asilo de cada Estado signa-tário26, o que inegavelmente facilita na identificação de deficiências sistemáticas ou de condições que possam desaconselhar o reenvio do pleiteante de asilo ao Estado monitorado.

O Regulamento de Dublin III, muito embora ainda possua em si alguns problemas e limitações, demonstra o peso que uma jurisprudência uniforme das Cortes Europeias supranacionais pode ter no cenário jurídico-político europeu e como ele seria desejável. Como um meio de se alcançar essa conformidade jurídica tem se defendido a adesão da União Europeia à CEDH pelos motivos que serão apresentados na sequência.

3. a adesão da unIão euroPeIa À conVenção euroPeIa dos dIreItos do homem como forma de eVItar controVÉrsIas JurIsPrudencIaIs

Se o outro tópico foi dedicado a demonstrar como a uni-vocidade de entendimentos desposados pelas Cortes Europeias su-pranacionais pode ter efeitos positivos, como o teve no âmbito do direito ao asilo, este demonstrará que as divergências entre seus jul-gamentos podem impactar negativamente o ordenamento jurídico europeu, gerando insegurança jurídica, bem como apresentará uma proposta de solução para este problema.

26 PETERSSON, Catherine. Obra citada, p. 6-7.

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3.1. conseqUências negativas das diveRgências entRe as dUas coRtes

O principal problema decorrente das divergências entre os julgamentos da CtEDH e do TJUE é a posição difícil em que se colocam os tribunais nacionais europeus. Se o tribunal nacional é vinculado a ambas as jurisdições e elas apresentam respostas dife-rentes ao caso jurídico, qual seria a que ele deveria seguir? Até o momento não existe hierarquia entre as duas Cortes, então qual o critério deveria ser utilizado para justificar a opção por um ou outro entendimento?

Os casos apresentados demonstram bem como as Cortes podem divergir significativamente, ainda que a resolução dos lití-gios tenham sido similares e tenham propiciado reformas impor-tantes no Sistema Europeu Comum de Asilo27.

O que agrava o problema é a margem de discricionarieda-de aberta pelos posicionamentos conflitantes das duas jurisdições. Além de permitir que os tribunais nacionais escolham o entendi-mento que lhes for mais conveniente, ainda abrem brechas para que eles, na tentativa de conciliar os dois posicionamentos, façam uso de uma interpretação “criativa” que muitas vezes pode deturpar o entendimento defendido nos julgados em que se baseia.

A insegurança jurídica seria, então, causada pela ausência de um critério hábil a eleger qual jurisprudência mereceria ser seguida e pela discricionariedade concedida aos tribunais nacionais na hora de incorporar as decisões das Cortes.

Como possível solução para o problema, muitos têm sugeri-do que seja levada a cabo a adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

27 ORBONS, Koen. EU Accession to the ECHR: is it still worth pursuing after Opinion 2/13?, p. 37-38.

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3.2. a adesão à cedH: a melHoR saída?

Se antes quando se defendia uma possível adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem esta pa-recia um sonho distante, desde 2009 as circunstâncias mudaram. O caminho foi aberto com a ratificação do Tratado de Lisboa de 2007, que incluiu no artigo 6(2) do Tratado da União Europeia uma cláusula que determina a adesão da EU à CEDH, e com a emenda trazida pelo Protocolo nº 14 à redação do artigo 59 da CEDH, emenda que expressamente reconheceu a possibilidade da adesão28.

Um dos principais argumentos aventados em defesa da ade-são diz respeito ao que alguns chamam de déficit dos direitos humanos29. Previamente ao ganho de força vinculante por parte da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, dizia-se que inexistia controle judi-cial interno e externo dos atos e omissões da UE face aos direitos humanos.

Esse panorama se alterou quando a Carta se tornou vin-culante, pois assim o TJUE ficou encarregado de fazer o controle interno. O controle externo, entretanto, até o momento não existe. O argumento aqui seria o de que existe a necessidade de um con-trole externo da UE como modo de suprir o citado déficit. Nesse sentido, defende-se que a submissão da UE à jurisdição da CtEDH importaria no estabelecimento de uma espécie de controle externo sobre a entidade europeia30 e, por isso, seria extremamente valorosa.

Um segundo argumento favorável seria o de que a adesão promoveria uma maior coerência dos padrões mínimos de proteção dos direitos humanos estabelecidos Europa adentro, coerência esta

28 RITLENG, Dominique. The accession of the European Union to the European Convention on Human Rights and Fundamental Freedoms: a threat to the specific characteristics of the European Union and Union Law?, p. 5.29 THE SCHEEK, Laurent. The relationship between the European Courts and Integration through Human Rights, p. 845-846.30 RITLENG, Dominique. Obra citada, p. 7.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

que traria consigo uma maior segurança jurídica nos litígios envol-vendo tais direitos, pois traria previsibilidade31. Essa alegação se re-laciona diretamente com o problema de as Cortes Europeias supra-nacionais defenderem posicionamentos diversos ou parcialmente diversos a respeito do mesmo tema, problema ilustrado através dos comentários aos Casos Dublin. A perspectiva de maior coerência, segurança jurídica e previsibilidade, então, seria o motivo pelo qual se defende que a adesão à CEDH por parte da UE solucionaria o problema das divergências jurisprudenciais estabelecidas entre o TJUE e a CtEDH.

Por fim, um terceiro argumento merece igual atenção. Afora os resultados práticos acima mencionados, uma eventual adesão à CEDH representaria simbolicamente o compromisso político-ju-rídico da União Europeia com a proteção dos direitos humanos, o que aumentaria a sua credibilidade perante não só os Estados Membros, mas também perante os cidadãos europeus, uma vez que importaria no reconhecimento de que nem mesmo ela estaria acima dos direitos humanos32.

Não obstante muitos autores de renome defendam que a adesão seria uma medida jurídico-político necessária para avançar à integração europeia através dos direitos humanos, bem como a própria União Europeia ter sinalizado a favor da adesão quando da alteração do Tratado da União Europeia pelo Tratado de Lisboa; a adesão ainda não logrou se concretizar. Parece, inclusive, que as negociações a seu respeito sofreram um grande revés com a recente Opinião nº 2/13 emitida pelo TJUE, na qual o Tribunal se posicio-nou veementemente contra tal processo.

Foram expostas como razões determinantes a essa decisão o

31 POLAKIEWICZ, Jörg. EU law and the ECHR: will EU accession to the European Convention on Human Rights square the circle?, p. 12.32 ORBONS, Koen. Obra citada, p. 38-39.

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Mais do que Monólogo, quer-se diálogo: a integração entre as cortes supranacionais europeia e a integração através dos direitos HuManos

fato de que o esboço do acordo de adesão apresentado ao Tribunal desconsiderava as características intrínsecas e distintivas da EU em relação aos Estados Membros, além de que eventual adesão acaba-ria por minar a autonomia do Direito Comunitário Europeu e com-prometer o tripé sobre o qual ele está fincado (primazia, unidade e efetividade)33.

Os motivos apresentados pelo TJUE, contudo, não pare-cem ser suficientes para elidir eventual adesão à CEDH por parte da UE. Isto porque a CtEDH, ao contrário do que parece crer o Tribunal, não é uma corte de apelação. É apenas uma corte mais especializada cuja única competência é verificar o cumprimento das obrigações contraídas pelos signatários da Convenção Europeia dos Direitos do Homem34. O princípio de subsidiariedade da Corte de Estrasburgo se aplicaria também em relação ao Direito Comunitário Europeu. Assim, o Tribunal de Justiça da UE continuaria sendo o principal responsável por garantir os direitos previstos na CEDH no âmbito do Direito da União Europeia35.

Outrossim, parece que a rejeição da proposta de adesão é uma tentativa de proteger a autoridade daquele Tribunal. Olvida-se o TJUE que o processo de integração europeia é fortalecido me-diante a proteção dos direitos humanos e que é, ao mesmo tempo, essa garantia de proteção que permite a continuidade do processo de integração. É por isso que se defende que o monólogo tem que abrir espaço ao diálogo entre as Cortes Supranacionais Europeias a fim de que a integração europeia se dê a partir dos direitos huma-nos e não apesar deles.

33 Peročević, katarina. Obra citada, p. 12.34 POLAKIEWICZ, Jörg. Obra citada, p. 8.35 Idem, p. 9.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

conclusão

A presente monografia buscou explorar o tema da integração europeia através dos direitos humanos dada a atualidade e urgência da matéria. Optou-se por explorar a temática tendo como ponto de partida e de chegada o relacionamento estabelecido entre a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça da União Europeia.

Tal opção foi motivada pelo fato de que as decisões destas Cortes têm patrocinado verdadeiras revoluções de Copérnico no di-reito europeu no tocante aos direitos humanos. Como se demonstrou a partir da análise dos chamados Casos Dublin, o estabelecimento de uma jurisprudência uniforme entre as duas Cortes é capaz de causar grandes repercussões não só no plano jurídico, mas também no pla-no legislativo. Exemplo disso é o recente Regulamento de Dublin III.

O grande problema é que ainda existem divergências de entendimentos entre a Corte de Estrasburgo e o Tribunal de Luxemburgo, o que por vezes desacelera a velocidade com que as suas decisões poderiam imprimir mudanças.

Ainda que uma eventual adesão à CEDH por parte da União Europeia não vá resolver todos os problemas aqui aventados no rela-cionamento entre as Cortes - e talvez crie até novos -, parece que ela é a melhor alternativa no momento para trazer mais estabilidade, efe-tividade e proteção aos direitos humanos dentro do sistema europeu de direito e é por isso que se defendeu neste trabalho a sua adoção.

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O MULTILINGUISMO NA UNIÃO EUROPEIA: VANTAGENS E MOTIVAÇÕES DE UMA AGENDA POLITICA NA PRIMEIRA DÉCADA DO NOVO MILÊNIO

Ivan Vieira PisetaUniversidade Federal de Santa Catarina

Graduação em Relações Internacionais

6º Concurso de Monografias da União Europeia no Brasil

Resumo

O multilinguismo é fenômeno do complexo processo de integração da União Europeia. Está calcado em princípios de igualdade e respeito à diversidade do bloco – tanto de seus Estados Nacionais quanto de seus cidadãos. Na década de 2000, foi inserido na agenda de integração principalmente no que tange ao desenvolvimento de compe-tências linguísticas. No presente artigo, apresenta-se o surgimento dessa agenda sob a influência da Estratégia de Lisboa, bem como uma revisão do regime que abarca 24 línguas oficiais no bloco, e o caráter das políticas que promovem a diversidade e a aprendizagem das línguas.

Palavras-chave: Multilinguismo; União Europeia; Estratégia de Lisboa.

Introdução

Nos anos 2000, notou-se um expressivo aumento do número de políticas linguísticas na União Europeia, inclinadas para a propos-ta do multilinguismo, qual seja, o ambiente de coexistência de diver-sas línguas e/ou comunidades linguísticas numa dada área geográfica ou a competência em diversas línguas de um grupo ou indivíduo. Nesse contexto, 2001 foi adotado como o Ano Europeu das Línguas, que promoveu o conhecimento acerca do fenômeno do multilinguis-mo, promovendo o aprendizado das diversas línguas do bloco. Logo, em 2002, foi estabelecido na reunião do Conselho de Ministros de Barcelona o que ficou conhecido como o Objetivo Barcelona, que

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propunha que cada cidadão aprendesse duas línguas além da sua ma-terna. Seguem depois disso, comunicações, resoluções, conclusões, decisões, a partir de agora ‘políticas linguísticas’ das instituições eu-ropeias, como a Comissão, o Parlamento Europeu e o Conselho, que dão corpo à proposta do multilinguismo, configurando-o como um programa importante no processo de integração da União Europeia.

O multilinguismo então é percebido como um novo fenôme-no no processo de integração da União Europeia, tanto pela maneira que o bloco permite a coexistência de 24 línguas oficiais, quanto pelo investimento político gerado pelas suas instituições. Desse modo, o objetivo desse artigo é analisar as motivações para o surgimento des-sa nova agenda, que culminou com a criação de um portfólio especial para o multilinguismo dentro da Comissão, separado do portfólio da educação, em 2007. Além disso, revelar as vantagens do multilinguis-mo como fenômeno parte do processo de integração regional euro-peu. A hipótese é que o multilinguísmo passou a configurar a agenda de integração da União Europeia por que suas instituições e Estados-membros desejam fomentar a criação de uma identidade comum no bloco – uma identidade plural que possibilite a coexistência dessas línguas e, consequentemente, diferentes culturas e etnias.

Assim, a primeira parte do artigo busca trazer a justificati-va e a estrutura oficial trazida pela União Europeia em matéria de multilinguismo, revelando sua importância a partir do que os do-cumentos oficiais têm a dizer acerca do fenômeno, bem como seu Regime e políticas propostas. Na segunda parte do artigo buscou-se responder à pergunta “Quais as motivações para o multilinguismo passar a fazer parte da agenda de Integração da União Europeia com maior expressividade a partir da primeira década do novo milênio?” a partir da análise das políticas linguísticas, de forma a complementar a análise histórica de discurso de Wodak e Krzyżanowski, os quais

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VantagEns E mOtiVaçõEs dE uma agEnda pOlítica na primEira década dO nOVO milêniO

propõem as práticas e politicas linguísticas dentro de um contexto macro-estratégico.

1. o multIlInguIsmo na unIão euroPeIa

a impoRtância do mUltilingUismo paRa o pRocesso de integRação da União eURopeia

As interações entre falantes de diversas línguas tornou-se característica fundamental da União Europeia no passar do novo milênio. Isso se deu principalmente por meio dos diversos alarga-mentos do bloco - Da Comunidade do Carvão e Aço dos seis – Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha e Itália, à União Europeia dos 281. Além disso, o crescente fluxo migratório foi fator contribuinte, observando-se tanto a mobilidade de diversas naciona-lidades entre os países do bloco, quanto à vinda de nacionalidades externas ao bloco. Desse modo, o multilinguismo é considerado pela Comissão Europeia, Instituição Supranacional chave do processo de Integração Regional do bloco, a melhor forma de adaptar-se ao pro-cesso de Globalização – revelando o mote “Unidade na diversidade” como pedra angular do projeto de integração – ao transformar o desafio da diversidade em uma oportunidade de crescimento econô-mico e de reforço à Integração dos Estado-Membros, como revela a Comissão:

É a diversidade que faz da União Europeia aquilo que ela é: não um cadinho no qual as diferenças se esbatem, mas uma casa comum, na qual a diversidade é celebrada e onde as nossas muitas línguas maternas constituem uma fonte de riqueza

1 Os 28 países que configuram a União Europeia são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia e Suécia (UNIÃO EUROPEIA, 2016)

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e uma via aberta para uma maior solidariedade e compreensão mútua. (2005)

Nesse sentido, a importância do Multilinguismo ao processo de integração regional europeu reside no aumento da compreensão entre as culturas que compõem a União Europeia – a partir do au-mento das transações e uma comunicação cada vez mais simplificada – que revelam mais além a possibilidade de uma Identidade europeia plural. Além disso, o multilinguismo sob a ótica europeia permite maior participação dos cidadãos nos fóruns intergovernamentais – permitindo uma melhor democracia no bloco. Para a Comissão (2005), a possibilidade do cidadão europeu de se comunicar com as suas instituições e ler a legislação da UE na sua própria língua nacional, e, portanto ter a possibilidade de participar da construção do bloco sem o impedimento de barreiras linguísticas são condições indispensáveis para a legitimidade e transparência democráticas da União.

Compreensão, solidariedade e participação revelam-se a par-tir dos benefícios do multilinguismo: a mobilidade de pessoas entre os países se tornaria mais fácil, incluso o aumento de empregabili-dade; a competitividade dos cidadãos nos negócios aumentaria e a comunicação nas trocas seriam mais eficientes; ao mesmo tempo, ao invés de ameaçar culturas minoritárias, o multilinguismo por se caracterizar como ambiente de coexistência, respeitaria as línguas minoritárias e identidades nacionais. Sendo assim, o multilinguísmo propõe-se a conectar os cidadãos europeus pelas vias da educação: o aprendizado de outras línguas faladas no bloco é fortemente fo-mentado pelas instituições supranacionais.

As línguas definem a identidade de cada pessoa, mas fazem parte igualmente de uma herança comum. Podem servir de ponte para chegar a outras pessoas e permitir o acesso a outros países e culturas, promovendo a compreensão mútua. (COMISSÃO EUROPEIA, 2008).

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O respeito às línguas como parte da identidade permite tan-to o exercício dos direitos de igualdade de dignidade dos cidadãos europeus, quanto revela uma contrapartida que a União Europeia paga aos seus Estados-Membros, para incentivar o cumprimento das demandas institucionais do processo de integração do bloco (AMMON, 2006).

No que diz respeito à língua como elemento de dignidade, é importante introduzir a noção de valor das línguas. Segundo os auto-res europeus Kraus e Kazlauskaite-gürbüz (2014), o valor das línguas pode ser avaliado a partir da variação do comprometimento de mem-bros de comunidades linguísticas. Tal varia de acordo com vínculos e oportunidades. Nesse sentido, a língua pode ser vista como algo que nos pertence de uma forma única, como um recurso que estabelece um vínculo entre o nosso mundo e a as diferentes instituições da sociedade moderna. Ou também, a língua pode ser vista como um recurso que pode criar barreiras e limitar nossa prática comunicativa a uma estreita gama de experiências (KRAUS; KAZLAUSKAITE-GÜRBÜZ, 2014).

Ainda, afirmam que a variação no comprometimento dos indivíduos varia de acordo com a segurança em relação ao estabeleci-mento da própria língua. Para um grupo que pertence a uma comu-nidade linguística de uma língua não oficial de um Estado, como o basco, as preocupações com vínculos são mais expoentes. Faz parte da dignidade de um professor, por exemplo, poder operar nas mes-mas condições que seus colegas espanhóis ou franceses. Para um professor finlandês, por outro lado, onde sua língua é fortemente estabelecida, a preocupação pode ser em expandir seus horizontes ao poder explorar textos em inglês (KRAUS; KAZLAUSKAITE-GÜRBÜZ, 2014).

Assim, uma política de multilinguismo deve ter enfoque

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nestes dois aspectos, que levam em conta vínculos e oportunidades: promoção da diversidade e proteção de línguas minoritárias. Segundo a Comissão (2008), promoção e proteção do multilinguismo são da-das a partir de acesso e solidariedade: oportunidade de comunicação e aprendizado; acesso aos serviços, fóruns e direitos acordados no Bloco; e tudo isso reforçado por um sentimento de solidariedade que permita uma participação de todos no contexto multilíngue.

Políticas de multilinguismo que favoreçam esses aspectos e seus benefícios decorrentes revelam uma incidência direta na vida dos cidadãos, que são os principais agentes da comunicação. Por meio desses benefícios, tendo em vista que as pessoas passariam a interagir cada vez mais dentro do bloco e com a compreensão inter-cultural atendida, a União Europeia se tornaria mais Integrada como um todo.

o Regime lingUístico da União eURopeia e de sUas institUições

Desde o Tratado de Roma que estabelecia a Comunidade Econômica Europeia (EEC), o princípio que governa o regime lin-guístico do bloco é o da equidade entre as línguas oficiais. Isso quer dizer que todos os documentos oficiais são depositados em versões igualmente autênticas de cada língua oficial dos Estados Membros.

O primeiro pilar do Regime Linguístico seria então o princí-pio da equidade entre as línguas oficiais, vigente e adaptado desde o Tratado de Roma. Outro pilar viria a ser a Regulamentação Nº 1 do Conselho de Ministros de 15 de Abril de 1958, sobre o uso das lín-guas na EEC, que estabelece em seu Artigo 1º que “as línguas oficiais e as línguas de trabalho das instituições da Comunidade são holandês, francês, alemão e italiano”. No seu artigo 2º, estabelece que “docu-mentos endereçados por um Estado-Membro ou por uma pessoa

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objeto da jurisdição de um Estado-Membro podem ser redigidos em uma das línguas oficiais selecionadas pelo remetente; e, a resposta deve ser redigida na mesma língua”. Além disso, a regulamentação es-tabelece quais serão suas línguas oficiais elencadas ao status de língua oficial da União, que uma vez postas, possuem o mesmo status que as outras línguas oficiais do bloco.

O terceiro pilar revela a diversidade linguística como Direito Fundamental, e divide-se em duas Cartas: a Carta Europeia de Direitos Fundamentais, proclamada pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho da União Europeia e pela Comissão Europeia no dia 7 de dezembro de 2000, em Nice – que coloca em seu artigo 22º: “A União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística” (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA, 2007); e entre a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias do Conselho da Europa, assinada por to-dos os Estados também membros da União Europeia no dia 5 de no-vembro de 1992 – o que delega a responsabilidade de decisão sobre políticas linguísticas aos governos nacionais, apesar da Comissão co-laborar com o “incentivo à partilha de boas práticas” (COMISSÃO EUROPEIA, 2016) e a definição de objetivos comuns.

Apesar do multilinguismo que rege na União Europeia es-tar calcado nesses pilares que o revelam como Direito Fundamental dos Estados Membros e dos cidadãos, propõe a equidade entre as línguas oficiais e promove a proteção das línguas regionais e mi-noritárias2; o multilinguismo ainda possui suas limitações funcio-nais. Primeiramente, o multilinguismo simétrico3 aplica-se somente às línguas oficiais de cada Estado. Apesar das intenções positivas da União em relação às línguas minoritárias, a declaração de uma língua

2 Estes pilares foram adaptados no decorrer dos Tratados e alargamentos, expandindo o número de línguas oficiais para 24, entretanto mantendo as disposições estabelecidas.3 Segundo Clyne (1997), o multilinguismo simétrico trata-se do status igualitário entre as línguas, enquanto o assimétrico revela maior status de uma língua sobre outra.

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oficial normalmente acaba por limitar outras línguas (CLYNE, 1997). Entretanto, como visto a declaração do status de uma língua oficial reserva-se aos direitos dos Estados Membros.

Além da assimetria entre línguas oficiais e línguas minoritá-rias, mesmo dentro das instituições da UE, o princípio do multilin-guismo sofre adaptações: no trabalho da Comissão, todas as suas co-municações oficiais externas são operadas de fato em todas as línguas oficias. Entretanto, a comunicação interna, informalmente conhecida como “língua de trabalho”4, é feita geralmente em Francês (primei-ro lugar), Inglês (com cada vez mais espaço), ou alemão – a menos utilizada entre as três. O Parlamento Europeu, por outro lado, além de estabelecer que todos os documentos oficias devem ser redigidos em todas as línguas oficiais, reserva o direito de todos os membros de falarem e serem adereçados em qualquer das línguas oficiais. No caso de grupos de trabalho menores, como delegações e comitês, reduz-se à somente aquelas línguas oficiais requisitadas pelos seus componentes.

Por trás dessas adaptações do multilinguismo nas institui-ções, revelam-se princípios norteadores. No caso da Comissão, os princípios que guiam a comunicação multilíngue são a de eficiên-cia interna e a busca por um denominador comum – qual seja, um código/uma língua compartilhada pela maioria dos participantes em reuniões internas (comunicação suboficial) onde os serviços de interpretação são geralmente indisponíveis (FORCHTNER, Bernhard; KRZYŻANOWSKI, Michał; WODAK, Ruth, 2012). No Parlamento, a expressão das posições nacionais é princípio dessa adaptação. Nesse sentido, a necessidade de expressar o posiciona-mento político de seus participantes, segundo uma posição nacional,

4 As línguas de trabalho ganham esse status informal devido à funcionalidade delas nas instituições. Isso implica que as demais línguas, as outras 21, são meramente oficiais, segundo designação do autor (AMMON, 2006)

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prevalece sobre a agilidade de comunicação.Dadas as características do multilinguismo na União

Europeia, pode-se dizer que o princípio do multilinguismo é fun-damentado mediante a função das línguas – se as línguas oficiais e as línguas de trabalho das instituições da Comunidade são todas as 245, o são no sentido funcional – apesar da presença societal6 do multilinguismo no bloco. Ou seja, a União Europeia regulariza a fun-cionalidade e o status das línguas na medida em que institui que todas as línguas oficiais devem ser obrigatoriamente utilizadas em todas as comunicações oficiais.

2. a PolítIca lInguístIca de Promoção da dIVersIdade e Proteção das línguas mInorItárIas e regIonaIs da unIão euroPeIa

Como visto no tópico anterior, a responsabilidade funda-mental de proteção e promoção das línguas reserva-se aos governos nacionais, mas a Comissão, o Conselho e o Parlamento designam po-líticas a fim de estabelecer metas (objetivos comuns) e compartilhar boas práticas. Tal caráter coordenativo de políticas foi reforçado na década de 2000 pelo Método Aberto de Coordenação, inaugurado no contexto da Estratégia de Lisboa.

Em 28 de julho de 1989 foi instituído pelo Conselho o Programa Língua – que se resumiu em uma série de ações comuni-tárias a serem desenvolvidas em cinco anos, que abrangem a forma-ção contínua de professores de línguas estrangeiras, programas de

5 As 24 línguas oficiais da União Europeia são: alemão, búlgaro, castelhano, checo, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno, estoniano, finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, irlandês, italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês, polaco, português, romeno e sueco (COMISSÃO EUROPEIA, 2016).6 Segundo Clyne (1997) o multilinguismo societal pode ser formado por fatores contextuais como a imigração, o colonialismo, fronteiras internacionais, enclaves etnolinguísticos e a difusão das línguas pelo mundo

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aprendizagem e cooperação educacional intra e inter Universidades, desenvolvimento da autodidática para o aprendizado das línguas nos domínios profissional e tecnológico e apoio financeiro para inter-câmbio de alunos professores.

No presente tópico, em sequência, apresenta-se um breve histórico das políticas linguísticas realizadas entre 1995 e 2014 na União Europeia para depois analisar algumas noções e valores que permearam a agenda do multilinguismo:

Em 1995, o Conselho adota a Resolução (95/C 207/01) re-lativa ao melhoramento da qualidade e à diversificação do ensino e da aprendizagem das línguas nos sistemas educativos da UE, apos-tando no multilinguismo como uma das propostas mais importan-tes no melhoramento do ensino. Ainda no mesmo ano, a Comissão apresenta o Livro Branco “Ensinar e Aprender - Rumo à Sociedade Cognitiva” que foi a primeira obra oficial do bloco a defender o do-mínio efetivo de três línguas da UE. Em seguida, o Conselho adota em 1997 a Resolução (98/C 1/02) que defende o “Ensino precoce” das línguas na UE como fator favorável ao aprendizado posterior de outras línguas e de compreensão e respeito mútuo entre os jovens europeus, contribuindo também para o objetivo do aprendizado de duas línguas além da materna (CONSELHO, 1997).

Os anos 2000 revelam então grande espaço para o desen-volvimento de políticas linguísticas. Em 2000, o Parlamento e o Conselho designam 2001 como o Ano Europeu das Línguas, que, como viu-se, promoveu diversas ações para levantar conhecimento acerca do fenômeno da diversidade linguística, que levantou motiva-ção para as demais políticas da década. Logo, em 2002, o Conselho de Ministros reforça o objetivo de aprender duas línguas europeias além da materna, que passou a ser chamado no âmbito das políticas linguísticas de Objetivo Barcelona.

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A Comissão também passa a emitir políticas, em sua maioria comunicações oficiais, configurando também esse quadro de políti-cas. Em 2003, propõe o Plano de Ação 2004-2006 em resposta ao Conselho de Ministros da Educação, que havia requisitado medidas concretas para promover a diversidade linguística e a aprendizagem das línguas (COMISSÃO EUROPEIA, 2003). Dois anos mais tarde, a Comissão novamente emite Comunicação, estabelecendo “Um novo quadro estratégico para o multilinguismo”, trazendo a conceituação e os valores do termo introduzido em 2003. Em sequência, a Comissão emite em 2008 uma nova comunicação (COM/2008/566) intitulada “Multilinguismo: uma mais-valia para a Europa e um compromisso comum” a qual reafirmou valores e compromissos do multilinguis-mo. Ainda na Comissão, em 2007, institui-se um Portfólio separa-do para o multilinguismo, na pasta do Comissário Leonard Orban. Entretanto, logo em 2010, o multilinguismo retorna ao Portfólio da Educação, Cultura e Juventude, sob o comissário A. Vassilou.

Em continuidade, em 2006, o Parlamento Europeu e o Conselho emitem recomendação (2006/962/CE) sobre as compe-tências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida. Finalmente, em 2007, é instituído um Portfólio separado para o multilinguismo na Comissão, na pasta do Comissário Leonard Orban. Por fim, em 2014, o Conselho emite Conclusões (2014/C 183/06) acerca do desenvolvimento de competências linguísticas, acordando que os Estados-Membros e demais instituições da UE devem avaliar os pro-gressos realizados até então.

2.1 noções e valoRes

Desde 1995, alguns aspectos são comuns na redação des-sas políticas linguísticas. Logo na primeira Resolução do Conselho (1995) a preocupação principal refere-se à competência linguística

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dos cidadãos da União Europeia – reforçada pela aprendizagem ao longo da vida (1996) e pelo ensino precoce (1997). Absolutamente todos os documentos citados versam sobre as competências linguísti-cas dos cidadãos, como prioridade acordada pelos Estados-Membros e instituições da UE.

A partir de 2000, quando estabelecida a Estratégia de Lisboa, que previu que até o fim da década a União Europeia se tornaria a economia baseada no conhecimento mais competitiva do mundo, em resposta aos desafios da globalização, o multilinguismo e princi-palmente o desenvolvimento de competências linguísticas passou a ser incorporado em tal discurso. Nas Comunicações da Comissão de 2003 e 2005 a Estratégia de Lisboa é citada e no “Um novo quadro estratégico para o multilinguismo” a Comissão estabelece que “os planos nacionais para dar estrutura, coerência e orientação a ações destinadas a promover o multilinguismo, incluindo o incremento da utilização e da presença de uma série de línguas na vida quotidiana” (COMISSÃO EUROPEIA, 2005) deveriam se inserir nos mesmos planos de ação de Lisboa. Além disso, a “Resolução do Conselho e do Parlamento de 2006 sobre as competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida” comprova a inserção do multilin-guismo em tal estratégia, mesmo ao destacar a insuficiência de resul-tados das competências de aprendizado ao longo da vida.

O aumento das competências linguísticas revelam vantagens sociais, econômicas e culturais, como visto no primeiro tópico desse artigo. Nesse sentido, alguns valores são destacados como produtos do aumento das competências – diálogo intercultural, acessibilidade, mobilidade e alocação de empregos maximizada, competitividade dos cidadãos, participação democrática. Esses valores também estão pre-sentes no decorrer das políticas linguísticas. Além disso, a proteção identitária-cultural é valor acedido a essas normativas – inicialmente

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da riqueza plural em si (1995) e em segundo momento das línguas minoritárias e regionais. No presente artigo, nos interessam dois va-lores/objetivos além do aprimoramento das competências linguísti-cas: diálogo intercultural e proteção de línguas minoritárias.

A compreensão entre os povos refere-se à ideia de que, o au-mento das competências linguísticas ou do conhecimento de línguas além da materna favoreceria a compreensão e a solidariedade entre os povos, está presente desde o estabelecimento do Programa Língua (CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 1989). Bem como a competência linguística, a possibilidade de maior diálogo in-tercultural, aqui sinônimo de compreensão, figura proposta de todas as políticas linguísticas. Interessante notar o vínculo causal entre as competências linguísticas e a compreensão mútua, o qual manteve mesma redação no decorrer dos anos, de 1989 a 2014. Entretanto, em 2005 e em 2008 a Comissão propõe-se a ir além e fundamentar a compreensão. Segundo ela, a competência linguística “incita-nos a tornar-nos mais abertos a culturas e perspectivas de outros povos” (2005). A política linguística passa em 2008 a objetivar então a sen-sibilização da “opinião pública para o valor e as oportunidades ofe-recidas pela diversidade linguística na UE e incentivar a eliminação das barreiras ao diálogo intercultural” (COMISSÃO EUROPEIA, 2008). E complementa, “as pessoas multilíngues são um trunfo pre-cioso porque atuam como elemento aglutinador entre as diferentes culturas” (COMISSÃO EUROPEIA, 2008). Para a Comissão, enfim, a promoção do diálogo intercultural dar-se-á principalmente pelo reestabelecimento do Objetivo Barcelona, “a língua materna mais duas”, entretanto modificado, pois, uma dessas línguas deveria ser para uso de trabalho e outra como o que ficou conhecido por “ado-ção pessoal”, ou seja, além do aprendizado gramatical da língua, há o incentivo de se aprender de forma aprofundada a cultura, a literatura,

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a história e do povo que fala tal língua (COMISSÃO EUROPEIA, 2009).

A Proteção das Línguas Minoritárias e regionais, por outro lado, é citada e desenvolvida com menos intensidade. Como visto, o próprio estabelecimento de uma língua oficial, por parte de um Estado Nacional, já é desfavorável às demais línguas que compõem esse Estado.

Dando continuidade à nossa análise, até o fim do séc. XX, pouco se versava a respeito das demais línguas além das oficiais. O Programa Língua, por exemplo, versou a respeito das competências linguísticas a fim de permitir a livre circulação de pessoas, bens, ser-viços e capitais – mas indicava também a preservação da diversidade linguística, ainda que não especificasse qual diversidade linguística se referia.

Em sequência, a Decisão do Conselho e do Parlamento de 2000 que designa 2001 o Ano Europeu das Línguas revela em seu 4º parágrafo:

Todas as línguas europeias, sob forma oral ou escrita, são do ponto de vista cultural iguais em valor e em dignidade, e fazem parte integrante das culturas e da civilização europeias (JORNAL OFICIAL DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2000).

Segundo o Grupo de Alto Nível para o multilinguismo, cons-tituído mediante comunicação da Comissão às demais instituições da União Europeia, na primeira década do novo milênio o bloco pas-sou a ter políticas de coesão linguística mais inclusivas, com línguas minoritárias, regionais, de imigrantes e outras vastamente faladas pelo mundo, em um espaço no qual as políticas nessa área versa-vam, até então, somente a respeito das línguas oficiais (EUROPEAN COMISSION, 2008).

De fato, em sequência ao Ano Europeu das Línguas, seu

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relatório revelou a preocupação com relação as demais línguas:Realizaram-se 190 projetos cofinanciados a nível local, regional, nacional e transnacional. (...)Os projetos abrangeram cerca de 60 línguas, verificando-se um bom equilíbrio entre as línguas oficiais, regionais e minoritárias, as línguas dos países candidatos à adesão e as línguas gestuais [...] (COMISSÃO EUROPEIA, 2002).

Logo, no Plano de Ação estabelecido pela Comissão em 2003, levantou-se a preservação de comunidades linguísticas, “quer se trate de línguas ‘oficiais’ ou regionais, línguas minoritárias, línguas fala-das por comunidades migrantes ou línguas gestuais” (COMISSÃO EUROPEIA, 2003). A partir daí, todas as demais políticas emitidas pela Comissão passaram a integrar, pelo menos em seu texto as lín-guas regionais e minoritárias ao implicar a preservação da diversidade cultural.

2.2 JUstiFicativas e debate

Como visto, o aprimoramento das competências linguísti-cas sempre foi objetivo maior da política linguística. Para os autores Michal Krzyzanowski e Ruth Wodak (2011) a política linguística da União Europeia da primeira década do novo milênio se insere no contexto da Estratégia de Lisboa. Tal estratégia fundamenta-se na economia baseada no conhecimento, que, como macro estratégia, se expandiu para diversos campos de política da União – e, seguindo essa linha, o multilinguismo surge como uma nova proposta na mesma época, e os autores propõem seus moldes a partir dessa macro-estra-tégia. A partir dessa linha, as políticas linguísticas da União Europeia na verdade valorizaram o multilinguismo como aspecto aprimorador da capacidade linguística competitiva dos cidadãos europeus.

Wodak e Krzyzanowski, assim como nossa proposta analíti-ca, referenciam em seu artigo as políticas linguísticas supranacionais,

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tais quais recomendações, conclusões, comunicações, entre outros, principalmente da Comissão, a fim de revelar a inserção no discurso textual da Estratégia de Lisboa no programa do multilinguismo. Para os autores, as ideologias linguísticas por trás da política de multilin-guismo se sobressaíram umas as outras durante a década de 2000, deixando algumas ideologias de plano de fundo no decorrer dos documentos.

Nesse sentido, a inserção da Estratégia de Lisboa revela-se como uma resposta aos desafios da globalização e, em seguida, dos alargamentos da União, e, como visto em “Um novo quadro estraté-gico para o multilinguismo” (2005), as políticas linguísticas deveriam se enquadrar nessa Estratégia.

Os autores dividem as políticas linguísticas em três períodos: a) 1997-2004 - o período anterior a inserção do multilinguismo no portfólio da Educação e Cultura; b) 2004-2007 – da inserção do mul-tilinguismo em um portfólio da Comissão; c) 2007-2010 – período no qual o multilinguismo passou a configurar agenda política separa-da na Comissão.

No primeiro período, 1997-2004, destaca-se a intensa con-ceptualização de problemas ligados ao multilinguismo e às línguas, buscando trazer um perfil da diversidade linguística europeia, nor-malmente pelas bases estatísticas, como o Eurobarômetro 54 – “Europeans and their languages”, e relaciona diversas áreas com a política linguística a serem desenvolvidas nos anos seguintes.

Já no segundo período, 2004-2007, além da inserção do mul-tilinguismo no portfólio da Educação e Cultura, a importância do multilinguismo passou a ser vista a partir dos documentos desse pe-ríodo. Além de destacarem aspectos econômicos das competências linguísticas, termos sociais e democráticos são utilizados. Ainda nesse período, afirma-se a construção de argumentos acerca da diversidade

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europeia, apesar de termos visto a sua inserção desde 1989, como plano de fundo para as políticas baseadas na lógica da competitivida-de (da economia baseada no conhecimento).

Os autores destacam que nesse período houve a reformulação da Estratégia de Lisboa, que após relatório do Grupo de Alto Nível liderado por Wom Kok, que registrara as falhas de tal Estratégia, des-tacando o Método Aberto de Coordenação como razão chave para a distância da realidade com os objetivos estabelecidos para a década. Segundo apresentado, o Método Aberto de Coordenação trata-se da criação de objetivos comuns e compartilhamento de práticas. Para o Grupo de Alto Nível, a proposição de linhas não-compulsórias de políticas encontraria o risco de baixa implementação e consequen-temente a ausência de mudanças significativas em políticas nacionais (EUROPEAN COMMUNITIES, 2004). O relatório ainda aponta que independente do método, é necessário um grande nível de von-tade política.

Para Schmidt e Radaelli (2004), por outro lado, são somente problemas de aplicação de políticas que demandam grandes mudan-ças da política nacional que levam ao sucesso ou insucesso dessas políticas. O fator a ser levado em conta, portanto, é a facilidade de adequação (goodness of fit) dos Estados em relação às políticas, o que faz com que uns absorvam políticas facilmente e outros tenham que transformar a política nacional. Conceito esse também mediado pelo discurso, ou seja, politicamente construído (SCHMIDT; RADAELLI, 2004). Por esse aspecto, a aplicação e aceitação das políticas linguís-ticas propostas, dentre outros, pela Comissão, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, dependem da capacidade política institucional de agir e da vontade política para tal.

Voltando à análise de Wodak e Krzyzanowski, o período de 2004-2007 ainda revela a tentativa de legitimação democrática da

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Comissão, no que pode ser visto como a possibilidade de partici-pação dos fóruns supranacionais, e citam o Quadro Estratégico de 2005, o qual destaca que para a legitimidade e transparência da União, a comunicação é fator indispensável e, nesse sentido, a participação democrática dos cidadãos europeus não deveria enfrentar quaisquer barreiras linguísticas (COMISSÃO EUROPEIA, 2005).

Por fim, no período 2007-2010, agora com o multilinguismo com portfólio separado na comissão, as políticas voltam a ser orien-tadas pela Estratégia de Lisboa, mas com um novo campo semânti-co para o multilinguismo, abordado em cinco áreas mais uma (essa última adicionada pelo autor segundo a Comunicação de 2008): 1) aspectos culturais e sociais do multilinguismo; 2) superar as barreiras linguísticas a nível local; 3) a importância da língua para prosperi-dade; 4) aprendizagem ao longo da vida; 5) meios de comunicação social, novas tecnologias e tradução; 6) dimensão externa do multi-linguismo. Assim, o período final revela um novo entendimento do multilinguismo, com aspectos influenciados pela Estratégia de Lisboa (3, 4 e 5) e outros novos, como a dimensão externa, que estende o en-tendimento de diálogo intercultural para as relações externas da UE.

Enfim, sob a ótica dos autores, aponta-se o risco de o mul-tilinguismo perder seu poder como campo político em seu próprio direito, e suas políticas passarem a serem feitas como suporte a provi-sões e objetivos de outros campos de política. A preocupação central de Wodak e Krzyzanowski, em sua análise crítica, é demonstrar na política linguística da UE a possível substituição de valores tradicio-nais da cultura europeia, como diversidade e educação, por valores meramente econômicos, como o desenvolvimento de habilidades para o desenvolvimento da União Europeia, como a economia ba-seada no conhecimento mais competitivo do mundo – que entram na gama de outras políticas voltadas a essa macro estratégia, como

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tecnologia da informação e da comunicação ICT.Além da Estratégia de Lisboa, a discussão apresentada, a

saber, as motivações para a inclusão do multilinguismo com maior expressividade na agenda, tenta também ser respondida pela ótica da Reforma Constitucional e Institucional da União, o que nos leva a proposta de participação democrática citada na Comunicação da Comissão referente ao Quadro Estratégico, de 2005. A partir des-sa visão, o multilinguismo estaria inserido como tentativa de legi-timar a União Europeia como instituição democrática e reforçar o discurso da integração, em meio às discussões do Tratado de Lisboa como proposta de Constituição Europeia. Os debates políticos do início da década de 2000 foram dominados pelo discurso da de-mocracia em meio ao fraco apoio público à Integração Europeia e ao ceticismo em relação a esse processo questionava sua finalidade (KRZYZANOWSKI; WODAK, 2010). Entretanto, as demais polí-ticas linguísticas, após 2005, deixam de versar sobre a participação democrática dos cidadãos a partir do desenvolvimento de competên-cias linguísticas – o que nos leva a concluir que, apesar do contexto institucional poder revelar motivação para a inclusão de meios de legitimação política em outras áreas, como o próprio multilinguismo, a Reforma da UE não gerou transformações significativas na política linguística como a Estratégia de Lisboa o fez.

conclusão

A União Europeia, como proposta sui generis de integração re-gional segundo seu Direito Comunitário, desde as propostas de Jean Monnet, tem em seu cunho a diversidade como pedra angular em um processo de delegação de soberania a instituições supranacionais, visando em última instância a paz. No caso das políticas linguísticas, o projeto europeu revela-se mais uma vez singular, por apresentar a

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coexistência pacífica de 24 línguas oficiais e demais 60 regionais e mi-noritárias, a partir de princípios que propõem a língua como direito fundamental dos cidadãos e garantem sua proteção e de políticas que promovem a diversidade e o diálogo intercultural.

O discurso do multilinguismo, inserido nesse contexto, pro-põe o aumento/aprimoramento de competências linguísticas dos cidadãos diante de um grande aumento de transações linguísticas, de forma a transformar o que poderia ser uma complicação técnica, devido ao respeito que a União presta às 24 línguas oficiais, em vanta-gens competitivas a partir de uma economia baseada no conhecimen-to. Desse modo, esse mesmo discurso traz em seu programa soluções que respondam a esse desafio – principalmente pelo incentivo na educação. Tal discurso está inserido também na macro estratégia de Lisboa, como visto em Krzyzanowski e Wodak (2011), e busca con-ciliar suas justificativas por meio de um discurso que aponta maiores possibilidades democráticas. Ainda que os autores observem que o discurso que valora a integração, e a compreensão mútua a partir do diálogo intercultural, ficam como plano de fundo da política linguís-tica em detrimento da economia baseada o conhecimento, ainda po-de-se afirmá-los como produtos do aprendizado das línguas. De fato, a proposta de que cada cidadão deve aprender duas línguas além da materna, uma para utilização no trabalho e uma de adoção pessoal – exigindo do aluno o contato com outras culturas – possui efeitos em matéria de diálogo intercultural e compreensão mútua. Bem como os Programas que financiam intercâmbios, como o Erasmus, Marie Curie, Da Vinci, Sócrates, entre outros, promovendo contato direto entre as diferentes culturas. Em sentido amplo, tal empatia entre as culturas promove a integração na medida em que promove a União Europeia como uma instituição de valores, identidades, culturas, co-nhecimentos e espiritualidades unidos em sua própria diversidade.

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Assim, a partir do modelo multilinguístico da União Europeia, uma política linguística deve asseverar esses aspectos em seu discurso e aplicá-los além dos objetivos econômicos, assegurando o respeito aos Direitos Linguísticos Universais e Comunitários e possibilitando oportunidades às comunidades linguísticas desfavorecidas automati-camente pelo estabelecimento de línguas oficiais dentro dos Estados Nacionais. Os desafios e desgastes sofridos no âmbito das políticas linguísticas são aqueles mesmos enfrentados pelo próprio processo de integração regional da União, principalmente no que se refere ao Método de Coordenação Aberto, que urgem por uma maior partici-pação e comprometimento ativo dos Estados Membros na busca da tolerância e da paz, como previa Monnet em seu projeto inicial.

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II Parte

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PARCERIA ESTRATÉGICA NO PAPEL: ANÁLISE DO DISCURSO DAS DECLARAÇÕES CONJUNTAS DAS CÚPULAS UNIÃO EUROPEIA - BRASIL

Angélica Saraiva SzuckoUniversidade de Brasília

7º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

A parceria estratégica entre a União Europeia e o Brasil, que completa 10 anos em 2017, elevou as relações bilaterais a um novo patamar, instituin-do um diálogo mais próximo, além da cooperação em inúmeros setores. O presente artigo avalia esta parceria no plano do discurso oficial me-diante a análise dos textos das declarações conjuntas das Cúpulas União Europeia - Brasil. Desta forma, pretende-se identificar quais as priorida-des em comum e observar a evolução do relacionamento bilateral.

Palavras-chave: parceria estratégica; Cúpulas União Europeia - Brasil; análise do discurso.

Introdução

Em 1960, o Brasil e a então Comunidade Econômica Europeia estabeleceram o início de um relacionamento bilateral, com a troca de missões diplomáticas. Desde então, esta relação, pautada por vínculos hstórico-culturais, passou por diversas mudanças. Foi apenas nos anos 1990, após a criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), inspirado no modelo de integração europeia, que

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Parceria estratégica no PaPel: análise do discurso de declarações conjuntas das cúPulas união euroPeia - Brasil

se intensificou essa aproximação entre as duas regiões, com as as-sinaturas do Acordo de Cooperação Institucional entre o Conselho Mercado Comum do MERCOSUL e a Comissão Europeia, em 1992, e do Acordo-Quadro de Cooperação Inter-regional MERCOSUL - Comunidade Europeia.

A aproximação adensou-se na década subsequente. Em 2004, foi firmado, ainda, o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica entre Brasil e União Europeia, e, em 2006, o então presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, visitou, o Brasil estreitando os laços desse relacionamento bilateral e pavimentando o caminho para uma cooperação mais profunda. Finalmente, em 2007, estabeleceu-se a parceria estratégica entre a União Europeia e o Brasil, durante a realização da primeira Cúpula UE-Brasil, em Lisboa.

Nos anos seguintes, a realização das cúpulas manteve uma periodicidade quase anual até 2014; foram lançados dois Planos de Ação Conjunta (2009-2011 e 2012-2014); e ampliou-se a cooperação nas mais diversas áreas. De fato, a parceria estratégica pressupõe uma intensificação dos contatos, a qual ocorre por meio tanto dos encon-tros entre os representantes oficiais nas Cúpulas UE-Brasil, quanto dos inúmeros diálogos setoriais que se multiplicaram ao longo dos anos abarcando diferentes temáticas, como comércio e investimen-tos, mudança do clima, segurança e paz, entre outros.

Neste trabalho, serão analisadas as declarações conjuntas re-sultantes das Cúpulas UE-Brasil, de maneira a avaliar a evolução da parceria estratégica no plano do discurso oficial (High Level Political Dialogue). Desta forma, este artigo não pretende discorrer nem sobre as ações concretas e projetos oriundos desta parceria, nem a respei-to do andamento dos diálogos setoriais, mas, sim, compreender o que significa a ideia de parceria estratégica para a União Europeia e para o Brasil expressa nos textos oficiais e quais são suas prioridades

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

comuns. De modo a alcançar esse objetivo, primeiramente será expli-

citado o método de análise do discurso, considerando a influência do contexto histórico-social. Em segundo lugar, será apresentado um breve histórico das sete Cúpulas UE-Brasil já realizadas e quais os principais temas que aparecem como prioridades compartilhadas. Na sequência, a partir da classificação temática dos parágrafos das declarações conjuntas, será analisada a evolução da parceria estratégi-ca no plano do discurso oficial, enfatizando as mudanças ao longo do tempo. Posteriormente, serão apontados, nas considerações finais, os desafios dessa parceria estratégica para os próximos anos.

1. o mÉtodo da análIse do dIscurso

A linguística surge como ciência a partir dos traba-lhos de Ferdinand Sausurre, tendo como marco a publicação póstu-ma do Curso de Linguística Geral, em 1916. A língua (“langue”), que se estabelece em oposição à fala (“parole”), é o principal objeto teórico da linguística (HAK; HELSLOOT, 1995). Nesse sentido, a língua é entendida como um sistema de signos, isto é, um conjunto de uni-dades organizadas formando o todo, a qual pode ser analisada de diferentes formas, a exemplo da fonologia, da morfologia, da sintaxe e da semântica.

A análise do discurso consolidou-se, apenas na década de 1960, como um campo interdisciplinar, principalmente em função da publicação do livro Analyse automatique du discours de Michel Pêcheux, em 1969, obra em que se adotou uma perspecti-va mais filosófica, histórica e psicológica para o estudo da língua. Diferentemente da linguística pura, a análise do discurso pretende ir muito além da língua como um sistema de signos e busca com-preender as relações sociais e as perspectivas de efeitos em torno

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Parceria estratégica no PaPel: análise do discurso de declarações conjuntas das cúPulas união euroPeia - Brasil

dos enunciados. Desta forma, procura-se muito mais interpretar os significados do que limitar-se à análise linguística. De acordo com Pêcheux (HAK; HELSLOOT, 1995), o discurso representa o lugar em que se estabelece a relação entre a língua e a história, e, por este motivo, é preciso considerar os contextos nos quais este ocorre.

O discurso implica uma exterioridade à língua ainda que necessite da materialidade que é inerente a ela, para manifestar-se. Segundo Michel Pêcheux (HAK; HELSLOOT, 1995), dois conceitos são muito importantes para a análise do discurso: 1) o intradiscurso (dito), que corresponde ao encaixamento empírico na sequência tex-tual, ao fio do discurso; e 2) o interdiscurso (não-dito), que remete à memória discursiva e às condições sócio históricas de produção do enunciado.

“The meaning of words in a discourse (i.e. in a text or utterance) is explained by their relations to other words that are not said: words that could have been said but were not, words that were said previously (either in the same occasion or on other occasions), and words that could not be said. This interrelatedness between words is what Pêcheux calls “metaphoric’ relations, and their meaningeffect is called metaphoric effect (…) This theory of meaning is the bedrock of his instrument for (automatic) discourse analysis (HELSLOOT; HAK, 1995, p. 13).

Dentre as possibilidades de análise do discurso, Pêcheux apresenta, em seu livro de 1969, dois métodos denominados não lin-guísticos, por não se vincularem, aparentemente, à ideia original da linguística: a contagem de frequência e a análise por categorias temá-ticas (HAK; HELSLOOT, 1995). O primeiro consiste, basicamente, na contagem do número de vezes que um determinado signo linguís-tico, em geral uma palavra ou elemento léxico, aparece numa sequên-cia textual. A vantagem desta abordagem reside na possibilidade de captar os dados de maneira objetiva e processá-los estatisticamente por meio de mecanismos computacionais; todavia, como, em alguns casos, o mesmo signo linguístico pode ter diferentes significados,

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perde-se a capacidade de analisar mais profundamente outros aspec-tos do discurso.

Enquanto este primeiro método caracteriza-se por uma pers-pectiva infra linguística, o segundo, por sua vez, trabalha no nível supra linguístico, com o intuito de compreender um determinado segmento textual atravessando sua estrutura linguística. Desta forma, a análise por categorias temáticas funciona com base no estabeleci-mento de indicadores (uma palavra, uma sentença e/ou um tema) ca-pazes de codificar, em grupos, os significados expressos no texto. A partir dessa codificação, é possível realizar investigações mais exten-sas, considerando as ideias centrais expressas nos textos enunciados. Neste trabalho, o segundo método será adotado, de maneira a reali-zar uma análise inicial mais geral das declarações conjuntas resultan-tes das Cúpulas UE-Brasil, com o objetivo de identificar os principais temas e prioridades da parceria estratégica entre ambos, bem como de observar a evolução do relacionamento bilateral. Desta forma, pretende-se compreender o significado desta parceria estratégica no plano do discurso oficial. 2. as cúPulas unIão euroPeIa-brasIl

De modo a ressaltar os principais assuntos abordados em cada uma das sete Cúpulas UE-Brasil realizadas até hoje, esta seção apresentará um breve histórico das reuniões, destacando também seus aspectos conjunturais. Conforme mencionado anteriormente, os discursos devem ser estudados com base em seus contextos his-tórico-sociais, e, nesse sentido, é interessante observar como estes influenciaram o formato das declarações conjuntas UE-Brasil.

Em julho de 2007, foi realizada, em Lisboa, a primeira Cúpula União Europeia – Brasil, com a presença dos respectivos represen-tantes oficiais naquele momento: o primeiro ministro de Portugal e

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Parceria estratégica no PaPel: análise do discurso de declarações conjuntas das cúPulas união euroPeia - Brasil

presidente do Conselho da União Europeia, José Sócrates; o presi-dente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso; e o pre-sidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Neste encontro, estabeleceu-se a parceria estratégica entre a União Europeia e o Brasil, fundamentada em seus laços históricos, culturais e econômicos, bem como nos princípios e nos valores compartilha-dos, como a democracia, o Estado de direito, a promoção dos direi-tos humanos, a economia de mercado e a defesa do multilateralismo como principal mecanismo para lidar com os novos desafios globais.

“On the historic occasion of their first summit, the EU and Brazil decided to establish a comprehensive strategic partnership, based on their close historical, cultural and economic ties. Both sides share fundamental values and principles such as democracy, rule of law, promotion of human rights and basic freedoms and a market-based economy. Both sides agree on the need to identify and promote common strategies to tackle global challenges, including in peace and security issues, democracy and human rights, climate change, biodiversity, energy security and sustainable development, fight against poverty and exclusion. They also agree on the importance of complying with obligations under existing international disarmament and non-proliferation treaties. The EU and Brazil concur that the best way to deal with global issues in through effective multilateralism, placing the UN system at its centre.” (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2007, p.2)

O trecho inicial da declaração conjunta da primeira Cúpula União Europeia - Brasil esclarece as prioridades da parceria, as quais são sempre retomadas nas declarações posteriores. O objetivo das cúpulas, como encontros entre os representantes oficiais de ambos os lados, é fortalecer o diálogo político e a cooperação entre as partes. De 2007 a 2014, essas reuniões de alto nível ocorreram com uma fre-quência quase anual. Desde então, há um hiato na organização desses encontros, principalmente, devido a fatores políticos domésticos das partes, como a instabilidade política brasileira por conta do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e o estabelecimento

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do governo do presidente Michel Temer, do lado do Brasil; e o au-mento no fluxo de imigrantes para o continente europeu e a recente decisão britânica em sair do bloco comunitário, do lado da União Europeia. O gráfico abaixo ilustra a realização das cúpulas durante estes 10 anos de parceria estratégica:

As sete Cúpulas, que aconteceram no período entre 2007 e 2014, buscaram estreitar o relacionamento entre a União Europeia e o Brasil e reafirmar os valores e princípios compartilhados por ambos, bem como aprofundar a cooperação setorial. Os textos das declarações conjuntas refletem estes objetivos no plano do discur-so oficial; todavia, é interessante analisar como determinados fato-res conjunturais também aparecem, de alguma forma, nas temáticas abordadas nos encontros. Por esta razão, expõe-se um breve pano-rama das cúpulas para, posteriormente, na seção seguinte, analisar

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mais especificamente com base nos elementos textuais agrupados em categorias, como se manifestou a evolução desse relacionamento bilateral ao longo dos anos.

Na primeira Cúpula União Europeia – Brasil, foram refor-çadas as visões compartilhadas em diversos assuntos bilaterais, regio-nais e globais, buscando intensificar o diálogo político e a parceria estratégica. Dentre os principais assuntos abordados, além dos ob-jetivos e dos princípios que já foram mencionados, destacam-se: a necessidade de reforma da ONU, principal organismo multilateral do sistema internacional; o compromisso em concluir o acordo comer-cial entre a União Europeia e o MERCOSUL, o qual aprofundaria as relações econômicas entre os dois blocos regionais, reforçando seus respectivos processos de integração; o fortalecimento do diá-logo na área de meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, com o estímulo a novas formas de energia renovável e ao uso de biocombustível e de tecnologias de baixo carbono; a reafirmação dos princípios de liberalização do comércio e o comprometimento em concluir a Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC); e a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) adotados no âmbito das Nações Unidas. Com base nesses fundamentos, a União Europeia e o Brasil comprometeram-se a elaborar um Plano de Ação Conjunta, de modo a operacionalizar a cooperação nas áreas de interesse comum.

“The EU and Brazil agree that their strategic partnership involves commitments to deepen mutual understanding, to expand common ground and to enhance cooperation and dialogue in areas of mutual interest. They agree to swiftly make their strategic partnership operational, result-oriented and forward-looking. The EU and Brazil will jointly work in designing an Action Plan to implement those objectives in view of the next Summit.” (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2007, p.6)

De fato, na II Cúpula União Europeia - Brasil, em dezembro

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de 2008, no Rio de Janeiro, foi apresentado o primeiro Plano de Ação Conjunta (2009-2011), com o framework da parceria estratégica para os próximos três anos. Participaram desse encontro, como represen-tantes oficiais, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva; o presidente francês, que ocupava a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, Nicolas Sarkozy; e o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. Em função da crise financei-ra global que se instalou no segundo semestre de 2008, as questões econômicas, de regulamentação financeira e de cooperação entre ins-tituições governamentais dominaram o debate. O texto da declara-ção conjunta reconheceu os esforços que deveriam ser feitos para a estabilização dos mercados financeiros e para o crescimento da eco-nomia global. Os demais temas de interesse comum também reapa-recem no texto oficial, a exemplo das menções às importâncias do (i) multilateralismo e da reforma da ONU; (ii) da mudança do clima como um dos desafios mais importantes da comunidade internacio-nal; e (iii) da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio com grande enfoque ao desenvolvimento sustentável e a er-radicação da pobreza. Ambas as partes lamentaram a impossibilidade de concluir a Rodada Doha na OMC em função das divergências em algumas temáticas, como a agricultura, e comprometeram-se com o fortalecimento dos mecanismos regionais de integração.

O Plano de Ação Conjunta almejava gerar benefícios concre-tos da parceria estratégica para ambas as sociedades. Este plano divi-dia-se em quatro áreas: 1) promoção da paz e segurança por meio de um sistema multilateral efetivo, o que compreende os temas de respei-to aos direitos humanos e à democracia; desarmamento e não proli-feração de armas de destruição em massa; combate ao terrorismo, ao crime organizado e à corrupção; prevenção de conflitos; peacebuilding; entre outros assuntos relacionados à segurança; 2) fortalecimento da

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parceria econômica, social e ambiental para a promoção do desen-volvimento sustentável, abrangendo a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; 3) promoção da cooperação regio-nal, incluindo a ampliação do diálogo entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e o compromisso com a agenda UE-MERCOSUL; e 4) promoção de ciência, tecnologia e inovação e dos intercâmbios culturais. Com base nesse plano, delinearam-se ações efetivas e o aumento dos diá-logos setoriais que favorecem a cooperação (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2008).

Da III Cúpula União Europeia - Brasil, realizada em outubro de 2009, em Estocolmo, participaram, como representantes oficiais, o primeiro ministro da Suécia e presidente do Conselho da União Europeia, Fredrik Reinfeldt; o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso; e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. As discussões centraram-se, especialmente, nas temá-ticas de mudança do clima e na preparação para a Cúpula do Clima em Copenhague, que ocorreria meses depois, em dezembro de 2009. Nesse sentido, ressalta-se que, dos 38 parágrafos da declaração con-junta, 11 destinavam-se a temas ambientais, representando quase 30% do texto oficial. Outros temas recorrentes, como o reforço dos princípios de democracia e dos direitos humanos, a opção pelo multilateralismo como forma de lidar com os desafios globais, a re-forma da ONU, os efeitos da crise financeira global e o impacto na economia mundial, a não conclusão da Rodada Doha e o apoio à não proliferação nuclear também estiveram presentes no texto final da declaração conjunta (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2009). Na ocasião, o fortalecimento dos mecanismos regionais tam-bém foi debatido, com a menção à violação da ordem constitucio-nal em Honduras, com a deposição do presidente Manuel Zelaya. A

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União Europeia e o Brasil reforçaram, ainda, o suporte à solução de dois Estados, Israel e Palestina, para o conflito no Oriente Médio. É interessante notar que, pela primeira vez, faz-se referência ao po-sicionamento de ambos em relação a casos específicos do sistema internacional, além das constantes temáticas mais gerais de amplitude global.

A IV Cúpula União Europeia - Brasil ocorreu em julho de 2010, na cidade de Brasília, com a presença do então presiden-te do Conselho da União Europeia, o belga Herman Van Rompuy; do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso; e do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Vale ressaltar que a consolidação dessa parceria estratégica entre a União Europeia e o Brasil deve-se muito ao relacionamento próximo entre Durão Barroso e Lula, os quais encabeçaram os quatro primeiros encontros de alto nível.

Mais uma vez, os temas da mudança do clima e da crise eco-nômico-financeira global pautaram a agenda. Além de reiterar os princípios basilares da parceria estratégia, a declaração conjunta men-cionou situações conjunturais, como a entrada em vigor do Tratado de Lisboa na União Europeia em 01 de dezembro de 2009; a escolha do Rio de Janeiro para sediar a Rio +20 em 2012; e a mediação do Brasil e da Turquia na questão nuclear iraniana. Foram abordados, ainda, os progressos na implementação do Plano de Ação Conjunta, fazendo referência a diversos eventos e acordos firmados no período (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2010).

Na V Cúpula União Europeia - Brasil, realizada em Bruxelas, em outubro de 2011, estiveram presentes o presidente do Conselho da União Europeia, Herman Von Rompuy; o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso; e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, acompanhada por diversos ministros. O destaque

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do encontro foi a alusão à dimensão social da globalização e aos efei-tos da crise financeira, com ênfase na necessidade do desenvolvimen-to de uma economia verde sustentável como mecanismo para criação de empregos, para o crescimento da economia e para a erradicação da pobreza. Sublinhou-se, também, o papel crucial da educação e da cooperação acadêmica, bem como da pesquisa e da inovação cientí-fico-tecnológica, na promoção do desenvolvimento (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2011).

No que tange aos desafios globais, os representantes ofi-ciais reafirmaram o compromisso em ampliar o diálogo político de maneira a gerar mais posições convergentes no plano internacional, a exemplo do G20, da OMC e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Além disso, novamente, a União Europeia e o Brasil declararam suas preocupações com algumas si-tuações específicas do sistema internacional, como os acontecimen-tos no Norte da África, especialmente na Líbia e na Síria e o conflito palestino-israelense.

Na ocasião, reconheceu-se o progresso realizado pelo pri-meiro Plano de Ação Conjunta (2009-2011), principalmente com o aumento dos fluxos de comércio e de investimento e a ampliação da cooperação setorial. Ademais, estabeleceu-se o segundo Plano de Ação Conjunta (2012-2014) também com o prazo de três anos. À semelhança do anterior, o novo plano dividia-se nas mesmas quatro áreas: 1) promoção da paz e segurança; 2) fortalecimento da parceria econômica, social e ambiental; 3) promoção da cooperação regional; e 4) promoção de ciência, tecnologia e inovação.

A VI Cúpula União Europeia – Brasil ocorreu em janeiro de 2013, em Brasília, novamente com a presença do belga Herman Von Rompuy, do português José Manuel Durão Barroso e da presiden-te brasileira Dilma Rousseff, juntamente com seus ministros. Neste

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encontro, foram reconhecidos alguns avanços da parceria estratégica até o momento, como o desenvolvimento de diálogos setoriais en-volvendo iniciativas em 30 áreas diferentes e o aumento significativo dos fluxos comerciais e de investimento com a União Europeia, que passou a assumir a posição de principal parceiro comercial do Brasil.

Na temática ambiental, reiterou-se a satisfação com a realiza-ção da Rio +20, em junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro, e com a adoção do documento final da conferência, The Future We Want, bem como a necessidade de trabalhar conjuntamente para a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ademais, foi ressaltada a redução do desmatamento na Amazônia, a importância do Protocolo de Nagoya sobre a biodiversidade e a inevitabilidade de ampliar o acesso a energias renováveis. No plano securitário, destaca-ram-se a defesa do desarmamento e da não proliferação; os assuntos de segurança pública, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de pessoas; a ampliação do diálogo sobre paz e segu-rança internacional, incluindo missões de peacekeeping e peacebuilding; e menções a casos específicos, a exemplo da situação na Síria, da questão nuclear do Irã e das instabilidades no continente africano, especialmente no Mali e na Guiné-Bissau. No âmbito dos princípios e valores, foi reforçada a promoção dos direitos humanos por meio da defesa da igualdade de gênero, dos direitos indígenas e das pessoas LGBTI, da liberdade de crença e de religião, bem como o comba-te ao racismo e à xenofobia (COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION, 2013).

A declaração conjunta resultante da VI Cúpula foi a mais longa, totalizando 46 parágrafos. O texto faz referência a diversos as-suntos específicos e demonstra a convergência de posições de ambos no âmbito internacional e a evolução do relacionamento bilateral ao longo dos anos. A União Europeia e o Brasil ampliaram a cooperação

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na área de ciência e tecnologia, com o aumento dos intercâmbios acadêmicos por meio do programa Ciências sem Fronteiras, e inicia-ram projetos para a cooperação trilateral, especialmente com países africanos de língua portuguesa. A parceria estratégica euro-brasileira contribuiu também para a aproximação da União Europeia com ou-tros países latino-americanos e para a realização da primeira Cúpula UE-CELAC, em Santiago, também em janeiro de 2013, na sequência da VI Cúpula União Europeia - Brasil.

A VII Cúpula União Europeia - Brasil realizou-se em feverei-ro de 2014, em Bruxelas. Este foi o último encontro entre os repre-sentantes oficiais desde então. É interessante notar que o formato e o estilo de escrita da declaração conjunta resultante desta cúpula altera-ram-se, como indicam a adoção da primeira pessoa do plural, “nós”, em vez da terceira pessoa, “a União Europeia e o Brasil”, utilizada nos textos anteriores. Logo no início da declaração, são elencadas as três áreas prioritárias da parceria estratégica bilateral no momento:

“Today, we focused our discussions on how to use and develop the full potential of our strategic partnership in three key areas of co-operation that are of vital interest to our citizens: first, how to ensure strong, balanced and sustainable economic growth and job creation, including in new emerging fields; second, how to cooperate more effectively on key foreign policy issues, as well as humanitarian cooperation; and third, how to further our partnership on addressing global challenges we face in areas such as sustainable development, climate change, environment, energy, human rights and international cyber policy”. (COUNCIL OF TH EUROPEAN UNION, 2014, p.1)

Basicamente, no texto final, aparecem os mesmos temas re-correntes nas declarações anteriores: princípios e valores, economia, meio ambiente, segurança, ciência e tecnologia, além de alusões a casos específicos. Nesta reunião, considerou-se a possibilidade de estabelecer os objetivos para um terceiro Plano de Ação Conjunta (20152017), o qual nunca se efetivou. Outras aspirações também

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permaneceram pendentes, como a conclusão da Rodada Doha no âmbito da OMC e a assinatura de um acordo comercial entre a União Europeia e o MERCOSUL, apesar das constantes declarações na in-tenção de finalizá-los.

A declaração conjunta resultante da VII Cúpula, quase tão longa quanto a anterior, contabilizando 45 parágrafos, dedicou cerca de um quinto do espaço para tratar do posicionamento da União Europeia e do Brasil em relação a assuntos pontuais de determinados países, a exemplo das situações no Haiti, na Síria, no Mali, na Guiné-Bissau, na República Centro-Africana, no Sudão do Sul, além do con-flito entre Israel e Palestina, da questão nuclear do Irã e da elaboração de uma nova constituição na Tunísia. Com efeito, esta declaração apresenta forte caráter político e demonstra uma convergência das posições europeias e brasileiras em inúmeras questões internacionais.

Além dos tradicionais temas econômicos-financeiros, am-bientais e securitários, a área de ciência e tecnologia ganhou mais destaque nas duas últimas cúpulas. Na declaração de 2014, a União Europeia e o Brasil reconheceram os novos desafios da era ciberné-tica, comprometendo-se a cooperar no que se refere à governança da Internet. A declaração conjunta ainda reforçou a importância do for-talecimento dos mecanismos regionais de integração, dando ênfase à parceria estratégica birregional entre a União Europeia e a CELAC, e do multilateralismo, como instrumentos para lidar com as temáticas de alcance global.

Ao longo destes 10 anos de parceria estratégica, realizaram--se sete Cúpulas União Europeia - Brasil. Esses encontros entre os representantes oficiais e os textos das declarações conjuntas serviram de base para delinear as prioridades desse relacionamento estratégico e os rumos para a cooperação setorial. A análise do texto das decla-rações conjuntas auxilia na melhor compreensão do significado deste

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relacionamento bilateral no plano do discurso oficial, ainda que, nem sempre, as intenções se materializem em ações concretas.

3. ParcerIa estratÉgIca no PaPel

Considerando os textos das declarações conjuntas resultan-tes de cada uma das Cúpulas União Europeia - Brasil, este trabalho se utiliza do método de análise do discurso por categoria temática e busca classificar cada um dos parágrafos das declarações entre os temas mais recorrentes ao longo dos encontros. Optou-se por con-ceber os parágrafos das declarações como segmentos textuais que expressam ideias e significados consistentes em si mesmos. Nesse sentido, cada parágrafo foi classificado com base na ideia central que seu enunciado transmite.

Por conseguinte, foram selecionadas sete categorias: 1) prin-cípios e valores; 2) temas econômico-financeiros; 3) temas ambien-tais; 4) temas de paz e segurança; 5) temas de ciência e tecnologia; 6) casos específicos; e 7) outros. Para cada uma destas categorias temá-ticas, escolheram-se alguns critérios e indicadores (palavras e expres-sões) de maneira a viabilizar a classificação.

Para a primeira categoria, considerou-se as menções aos princípios e aos valores basilares da parceria estratégica, como a de-mocracia, a promoção dos direitos humanos e a defesa do multila-teralismo como mecanismo para lidar com os desafios globais, bem como as intenções mais abrangentes do relacionamento bilateral. Nesta categoria, agruparam-se os parágrafos que expressam o desejo quanto à preservação destes princípios e valores, os quais, em geral, aparecem no início de todas as declarações.

A categoria econômico-financeira remete aos fluxos de co-mércio e de investimento, aos efeitos da crise financeira global, à Rodada Doha e ao acordo comercial entre União Europeia e Brasil.

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Na categoria ambiental, por sua vez, estão inclusas as referências à mudança do clima, ao desenvolvimento sustentável, às energias re-nováveis e à preservação da biodiversidade, entre outros temas simi-lares. Normalmente, estes foram os temas que dominaram as discus-sões nas cúpulas, muitas vezes influenciados pelos desdobramentos da conjuntura internacional, como a crise financeira de 2008 e a con-ferência sobre mudança do clima, em 2009.

A categoria temática de paz e segurança vincula-se aos tre-chos sobre desarmamento; não proliferação nuclear; e combate ao terrorismo e aos crimes transnacionais. É importante salientar que uma parte dos casos específicos, classificados na sexta categoria, tam-bém poderia encaixar-se como assuntos de paz e segurança; todavia, como se tratam de menções a situações pontuais de determinados países, preferiu-se enquadrar no tema de paz e segurança apenas as questões que demandam cooperação no âmbito global.

A quinta categoria abrange os temas de ciência, tec-nologia, educação e inovação e a alusão aos programas e aos proje-tos de cooperação que propiciam o desenvolvimento destas áreas, a exemplo dos intercâmbios acadêmicos. A sexta categoria temática, conforme mencionado, trata de referências pontuais a situações con-junturais de determinados países no sistema internacional, como o caso palestino-israelense, as instabilidades no continente africano e o conflito na Síria.

Finalmente, na sétima categoria, encaixam-se os outros as-suntos que não puderam ser claramente classificados nas categorias anteriores. Esta última categoria inclui, por exemplo, os parágrafos introdutórios das declarações que citam os representantes oficiais que participaram da Cúpula ou, ainda, os trechos relacionados à pro-moção de um maior intercâmbio cultural e à necessidade de interação entre as sociedades civis.

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As tabelas abaixo resumem a compilação da classi-ficação por categoria temática dos textos das declarações conjuntas. Por um lado, a primeira tabela mostra a categorização em números absolutos dos parágrafos; por outro lado, a segunda permite observar em termos percentuais quanto espaço de cada declaração foi dedica-do a cada um dos temas. tabela 1: análise poR paRágRaFo das declaRações conJUntas Ue-bRasil poR categoRia temática

Fonte: elaboração da autora

tabela 2: análise peRcentUal das declaRações conJUntas Ue-bRasil poR categoRia temática

Fonte: elaboração da autora

A partir destes dados, é possível identificar quais as prio-

ridades da parceria estratégica entre a União Europeia e o Brasil

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apontadas pelo discurso oficial em cada uma das cúpulas e como se sucedeu o desenvolvimento dos temas ao longo dos anos. O gráfico abaixo possibilita uma visualização melhor dessa evolução por cate-goria temática:

O déficit democrático da UE se refere a não participação da sociedades nos processos de aprofundamento da integração. A distân-cia entre a sociedade e as decisões tomadas a partir de “cima”, isto é, dos Estados e das elites políticas europeias. Muitos autores nacionais e estrangeiros abordam essa questão a partir de diversas perspectivas, sejam elas relacionadas aos processos de tomada de decisões, de for-mação de partidos políticos europeus, ou de inexistência de um real espaço público no interior do bloco.

Os resultados obtidos conduzem a algumas conclusões e re-flexões sobre estes 10 anos de parceria estratégia, ao menos, no que se refere às intenções e ao discurso oficial. O texto da declaração conjunta da primeira Cúpula União Europeia - Brasil, como era esperado, cen-trou-se nos princípios e valores, que foram a temática central de mais

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de 40% dos parágrafos, com o intuito de estabelecer as características fundamentais da parceria estratégia que então se instaurava. Nas decla-rações seguintes, esse percentual cai e tende a estabilizar-se em torno dos 17%, com um ligeiro aumento na quinta cúpula.

Por um lado, os temas econômico-financeiros e ambientais são significativamente presentes em todas as sete cúpulas e correspondem, respectivamente, em média, a 21% e 17% dos textos. Em contrapar-tida, o espaço dedicado às categorias temáticas de paz e segurança e de ciência e tecnologia oscilou bastante nas declarações conjuntas; e a referência a casos específicos no sistema internacional, inexistente nos dois primeiros encontros, aumentou substancialmente.

De certa forma, pode-se dizer que há um déficit relativo nos valores obtidos para a área securitária, especialmente na quinta cúpu-la, o que se explica porque, agruparam-se, nesta categoria, apenas as referências a temas mais gerais de paz e segurança, como o combate ao terrorismo e aos crimes transnacionais e a defesa da não prolifera-ção de armas nucleares e de destruição em massa. Em 2011, mais do que temas gerais de paz e segurança, ganharam destaque as alusões a casos específicos, como a questão nuclear do Irã e o conflito palesti-no-israelense, as quais, conforme já indicado anteriormente, ainda que pudessem enquadrar-se também como assuntos de segurança, foram incluídas na sexta categoria da classificação. De fato, a convergência de posicionamentos da União Europeia e do Brasil em relação a determi-nadas situações no sistema internacional reflete, em grande medida, preocupações do ponto de vista da estabilidade regional e da segurança internacional.

Conforme aponta Michel Pêcheux (HAK ; HELSLOOT, 1995), o discurso deve ser analisado a partir de suas conjunturas só-cio históricas. Nesse sentido, observa-se o crescente caráter político das declarações conjuntas ao longo dos anos, com o aumento das

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referências a casos específicos do sistema internacional. Esta é uma forma de demarcar e de reforçar as posições políticas de ambos os lados, por meio de textos oficiais.

Ademais, ressalta-se a influência de determinados eventos de alcance global na elaboração das declarações. Sendo assim, na II Cúpula, em dezembro de 2008, meses após o início da crise fi-nanceira mundial, os temas econômicos ganharam preponderância, respondendo por 31%, quase um terço, dos parágrafos do texto final. Em 2009, na III Cúpula, foi a vez da temática ambiental ganhar desta-que, com a coordenação e preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP15), que se realizaria dois meses depois do encontro bilateral. Desta forma, 29% dos parágra-fos da declaração conjunta foram dedicados a assuntos como a mu-dança do clima, o desenvolvimento sustentável e o uso de energias renováveis.

É interessante observar também a ausência de parágrafos de-dicados aos temas de ciência e tecnologia nas terceira e quarta cúpulas, quando predominavam, além da reiteração dos princípios e dos valo-res do relacionamento bilateral, os assuntos econômicos, ambientais e securitários. Com a criação, em 2011, do programa brasileiro Ciência sem Fronteiras, para incentivar a pesquisa e o intercâmbio acadêmi-co, observa-se um crescimento das menções às temáticas de inovação tecnológica e de cooperação acadêmica a partir da quinta cúpula com menções significativas nos dois últimos encontros.

De modo geral, a análise dos textos das declarações conjun-tas das Cúpulas União Europeia – Brasil evidencia como prioridades da parceria estratégica as áreas econômica, ambiental, securitária e de ciência e tecnologia. Enquanto os primeiros encontros concentravam--se mais nos assuntos econômico-ambientais; nas últimas cúpulas, ob-serva-se um relativo equilíbrio entre as temáticas, resultado, também,

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Parceria estratégica no PaPel: análise do discurso de declarações conjuntas das cúPulas união euroPeia - Brasil

da ampliação da cooperação em diferentes áreas, por meio dos diálo-gos setoriais e dos planos de ação conjunta.

Ademais, destaca-se a coordenação política e a convergência de posicionamentos de ambos em relação a casos específicos no sis-tema internacional nas últimas declarações conjuntas. A evolução do relacionamento bilateral pode ser observada com a crescente inclusão de tópicos e um maior equilíbrio entre as principais temáticas. A análise das declarações conjuntas UE-Brasil permite concluir que existe um conjunto de prioridades em comum, expressas por meio do discurso oficial, que amparam essa parceria estratégica de dez anos.

consIderações fInaIs

Com base na análise dos textos oficiais das declarações con-juntas das cúpulas União Europeia – Brasil, pode-se identificar os princípios e os valores que regem o relacionamento bilateral, as áreas consideradas prioritárias e os assuntos de interesse comum; é preciso considerar, no entanto, que nem sempre os discursos se desdobram em ações concretas. O discurso serve como uma fonte de reflexão sobre as intenções de ambos os lados, mesmo que estas, muitas vezes, acabem limitadas por outros fatores internos e externos.

Com efeito, a inexistência de novos encontros desde 2014 está relacionada com as instabilidades que tanto a União Europeia como o Brasil vêm enfrentando nestes últimos anos. Apesar das intenções, na prática, o relacionamento bilateral deteriorou-se e deixou de ser prio-ridade para ambos. Ainda que a cooperação setorial se mantenha nas mais diversas áreas, a dificuldade em avançar neste relacionamento, es-tabelecendo novos planos de ações conjuntas, contribui para que boa parte desta parceria estratégica de 10 anos permaneça apenas no papel.

Desta forma, é necessário que se restabeleça a or-ganização desses encontros de alto nível para que a parceria possa

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

realmente se fortalecer nos próximos anos e para que a cooperação em inúmeras áreas se consolide cada vez mais. Não obstante, a União Europeia e o Brasil precisarão, primeiramente, lidar com seus desafios internos de modo a estarem aptos para uma cooperação mais profunda no âmbito bilateral.

referêncIas bIblIográfIcas

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UNIÃO EUROPEIA E BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA PARCERIA ESTRATÉGICA SOB O ASPECTO DA PROMOÇÃO DEMOCRÁTICA

Rafael Corrêa FonsecaPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais7º Concurso de Monografias da União Europeia

ResumoEste trabalho aborda a construção da parceria estratégica entre União Europeia e Brasil tendo como ponto principal a análise do papel destes na promoção da democracia. A discussão é feita a partir da releitura dos posicionamentos brasileiros como defensor democrático a partir da década de 90 e do bloco europeu desde a sua constituição. Levando-se em consideração as variadas formas de promoção seja ela direta, indire-ta, através da criação de condicionalidades democráticas e de parcerias, argumenta-se que o Brasil foi escolhido como parceiro também pelo seu papel em mantenedor da democracia em sua esfera de influência e que a mesma é um dos pilares necessários para o sucesso do programa de Política Externa tanto do Brasil como da União Europeia.

Palavras-chave: Promoção e proteção da democracia; parceria estraté-gica; inserção internacional do Brasil; Europa como ator global;

Introdução

A relação entre Brasil e União Europeia (UE) é já de longa data, notadamente desde os anos 1960 com parcerias econômicas. No decorrer das décadas seguintes a relação entre os dois atores foi sendo alterada até o ponto que culminou com o reconhecimento da União Europeia pelo Brasil como seu parceiro estratégico, o que foi formalizado em 2007 em Lisboa, através da qual a Europa reconhecia

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

o país como seu maior aliado estratégico na América do Sul. O estabelecimento da parceria coincide com o momento de

crescente relevância do Brasil no cenário internacional e com a busca da União Europeia por parcerias com potências globais como forma de promoção do multilateralismo e aumento da presença do bloco no tratamento dos temas da agenda internacional (SILVA, 2011)

Os dois parceiros possuíam ainda valores em comum como, o Estado de direito, a democracia, o respeito aos direitos humanos e o multilateralismo. Essas são justamente as bases sobre as quais os acordos de parceria estratégica são construídos. O que se propõe no presente trabalho então é discutir o papel da União Europeia e do Brasil como promotores da democracia (tanto em estados vizinhos, quanto em demais estados), levando em consideração não só a atua-ção de cada um, como também os limites às mesmas.

O que se pretende é demonstrar que não só a maior proemi-nência do Brasil no cenário internacional, mas também a relevância do mesmo na promoção da democracia, assim como é o caso da Europa, fez com o que a parceria estratégica se tornasse interessante para ambos, tendo como base a expansão dos preceitos democráticos como forma de garantir que os objetivos principais das respectivas políticas externas fossem alcançados.

Para tal, o presente trabalho será dividido em três partes: na primeira irá se analisar o papel do Brasil como promotor da demo-cracia; na segunda parte o foco será no papel da União Europeia como tal; por fim será analisada a parceria estratégica com base na promoção da democracia.

1. brasIl como Promotor da democracIa

As políticas de promoção à democracia do Brasil serão con-sideradas no presente trabalho do período de governo de Fernando

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União EUropEia E Brasil: a constrUção da parcEria Estratégica soB o aspEcto da promoção dEmocrática

Henrique Cardoso até o de Dilma Roussef. Considerando-se este re-corte, podemos dividi-las em três fases. Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso o foco do país era majoritariamente na defesa da legalidade democrática através das organizações regionais e sub-re-gionais, em especial a Organização dos Estados Americanos (OEA). Segundo Schönwälder, no entanto, ao mesmo tempo em que essa era a postura, o Brasil recusou interferência quando princípios democrá-ticos eram abalados de maneiras mais sutis (Schönwälder, 2014:15).

Já no mandato de Lula, apesar de o Brasil ter continuado a intervir em casos de interrupções na democracia em países membros da OEA, o foco mudou no sentido que maior ênfase foi dada às organizações sub-regionais, nas quais o país tinha mais influência. O princípio de não interferência continuou presente, representando a partir de então uma postura diferente perante a ONU, na qual o país se recusou a condenar práticas de inúmeros países que estavam sob um regime autocrático, se posicionando juntamente com outras potências emergentes, como Índia e Indonésia, mas contrário àquelas do Ocidente (Schönwälder, 2014:15).

Já no governo de Dilma Roussef, o Brasil retornou à sua tra-dicional postura com relação a direitos humanos na ONU, ao mesmo tempo em que seguia o caminho da política externa de seu antecessor no sentido de se aproximar de países lusófonos, em especial aqueles na África (Schönwälder, 2014:15). A análise a seguir será feita, por-tanto, com um recorte da política externa destes três governantes, não deixando porém de considerar o início da política de promoção da democracia brasileira, como forma de se estabelecer um paralelo.

Desde a redemocratização do Brasil, em 1985, o país vem se mostrando mais contundente com relação ao tema da democra-cia em sua Política Externa. Como a maior economia da América do Sul, o país vem se posicionando como um interlocutor para os

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

problemas regionais como, por exemplo, na Organização do Estados Americanos (OEA).

A política externa brasileira tem como base os princípios da não-intervenção e da soberania nacional, o que muitas vezes gera (e gerou) conflitos com o seu papel como promotor da democra-cia e dos direitos humanos (STUNKEL, 2016). Segundo Santiso (2002), entretanto, este aparente conflito entre os pilares da sua po-lítica externa e aquilo que ele promove não impediu que o Brasil se tornasse progressivamente mais dedicado ao papel de promotor da democracia.

O Brasil, que tem um papel mais tímido na promoção direta da democracia, justamente considerando os pilares de não-interven-ção e de respeito à soberania nacional dos demais países, vem sendo particularmente importante na institucionalização de cláusulas de-mocráticas em suas áreas de influência, como na OEA e no Mercosul (SANTISO, 2002, p.397).

Como dito o Brasil recuperou a sua democracia em mea-dos dos anos 80 e teve como seu primeiro presidente civil José Sarney, após mais de duas décadas de um regime autocrático mi-litar. Importante ressaltar que não só a democracia brasileira era recente neste contexto, mas também de grande parte da América Latina. Durante este período e até meados dos anos 90 a atuação do Brasil neste sentido era modesta, tendo este “apoiado a inclusão de uma referência à democracia em um novo preâmbulo à Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA)”, e ainda “se esquivou de propostas de uma intervenção no Suriname como resposta a um golpe militar” em 1990, e “decidiu tomar uma postura discreta diante do fechamento do Congresso pelo Presidente Alberto Fujimore” em 1992 (STUENKEL, 2016, p.120-121).

Além disso, em 1994, o Brasil se absteve, enquanto membro

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União EUropEia E Brasil: a constrUção da parcEria Estratégica soB o aspEcto da promoção dEmocrática

do Conselho de Segurança da ONU, de apoiar a Resolução 940, que tinha como objetivo autorizar o uso da força no Haiti para restituição do presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido deposto em um golpe de Estado em 1991. (STUENKEL, 2013:343 ; STUENKEL, 2016:121; Valenzuela, 2004: 8; United Nations, 2017).

Isso demonstra que “fortalecer a democracia fora das fron-teiras do Brasil era menos importante para o governo brasileiro do que resolver os desafios internos de consolidação da própria demo-cracia” (STUENKEL, 2016:121), o que nos mostra que “a con-solidação da democracia no Brasil e a ancoragem da sua política externa em valores democráticos estão intimamente conectadas e se reforçam mutuamente.” (Santiso, 2002:398-399).

Percebe-se então uma atuação mais modesta do Brasil nos eventos citados, e que, apesar de ter condenado alguns eventos, nota-damente no Haiti e no Peru (1991 e 1992, respectivamente). A partir do governo Fernando Henrique Cardoso, a política externa brasileira passou a priorizar mais as relações regionais, buscando não só forta-lecer o Mercosul, que havia sido criado em 1991, como também para se estabelecer como líder regional.

No contexto do bloco regional, passou a haver então um maior ímpeto para institucionalizar cláusulas democráticas como for-ma de fortalecer o bloco (Santiso, 2003: 344; Stuenkel, 2013; 343). Neste contexto, foram formulados documentos com o intuito citado acima, quais sejam: a Declaração de las Leñas, em 1992, que antecede o governo de Cardoso; Declaração sobre o Compromisso Democrático no MERCOSUL, em 1996, que teve como contexto a tentativa de golpe de Estado no Paraguai; Protocolo de Ushuaia, em 1998, que incorpo-rou a Cláusula Democrática ao Mercosul, e, já sob o governo Dilma, o Protocolo de Montevidéu, em 2011.

Em 1996, já sob o governo de Cardoso, o Brasil enfrentou

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

um momento crítico para a sua política externa e o seu papel como promotor da democracia. Neste momento, se desdobrou uma crise política no Paraguai que exigiu um maior posicionamento do país com relação ao que estava ocorrendo. Fatores importantes para di-ferenciar a atitude do Brasil perante este caso são, a proximidade do país com o Paraguai, tanto geográfica quanto de parceria, já que o mesmo fazia parte dos membros fundadores do Mercosul, e as carac-terísticas específicas da crise, que se caracterizava não por constituir uma interrupção irregular da democracia, e sim por uma ameaça imi-nente às regras constitucionais e à legitimidade democrática (Santiso, 2003: 347).

A crise institucional caracterizou-se por um confronto entre o então presidente Juan Carlos Wasmosy, eleito no ano anterior, e o general Lino Oviedo, que após exibições de um comportamen-to cada vez mais ambicioso, foi demitido pelo presidente, porém o mesmo se recusou a deixar o seu posto. Essa negação iniciou a crise, que se desdobrou em uma pressão, por parte de Senadores apoia-dores do general Oviedo, pela renúncia de Wasmosy, o que foi re-chaçado por demais atores internacionais, como Brasil, Argentina e Estados Unidos, que declararam, na ocasião, o seu apoio a Wasmosy. (Valenzuela, 1997: 43-45; Hoffman, 2005: 86-88)

Wasmosy se manteve então no poder e, para dirimir a crise, fez um acordo político com Oviedo e o nomeou Ministro da Defesa e, em troca, este abriu mão do comando do Exército. Nos anos sub-sequentes, após um ganho gradual de poder e popularidade, Oviedo despontou como forte candidato à presidência do Paraguai. Receoso da possibilidade de vitória do general, Wasmosy ordenou o seu julga-mento por um Tribunal Militar Extraordinário, que o sentenciou a 10 anos de prisão por atentado contra a ordem constitucional.

Mesmo preso, Oviedo apoiou o candidato Raul Cubas Grau,

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que venceu as eleições com o slogan “Cubas para governo, Oviedo para poder”. Somente três dias depois, o novo presidente eleito or-denou a soltura do general Oviedo, decisão que foi derrubada pelo Supremo Tribunal do país. No entanto, Cubas se recusou a obedecer a decisão da corte, o que desencadeou o início de um processo de im-peachment apoiado pelo seu então vice-presidente Luís Maria Argaña, assassinado pouco tempo depois.

Os acontecimentos geraram então repercussões sociais e po-líticas que fizeram com que Cubas renunciasse ao posto de presiden-te. Com o cargo vago, o presidente do Senado, Luis Gonzales Machi assumiu a presidência. O Brasil, mantendo o posicionamento obser-vado nos acontecimentos de 1994, se manifestou assertivamente de forma a defender que retrocessos antidemocráticos não ocorressem no Paraguai. Como diz Santiso:

Sob a liderança brasileira, o Mercosul expressou seu apoio ao sistema democrático paraguaio. O Brasil tratou de forma significativamente aumentada o risco de uma interrupção do processo de democratização, alterando, consequentemente, as percepções e posições dos atores domésticos. A crise paraguaia de 1996 incrementou também a determinação do Mercosul, o maior mercado da região, de fortalecer seus mecanismos institucionais de promoção e proteção da democracia. Em junho de 1996, foi adicionada uma “cláusula de democracia” às exigências aos seus membros, aumentando, portanto, os custos das ações inconstitucionais no futuro (Santiso, 2002: 407)

O que se pode observar com relação à postura brasileira du-rante o período, portanto, é que suas ações foram tomadas de forma mais assertiva. As atitudes do Brasil foram assim tomadas devido às particularidades da relação do país com o Paraguai, mas essa nova postura não se restringiu aos acontecimentos no país vizinho. Estes são tidos como responsáveis por uma alteração na postura brasileira na temática da democracia.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

O próximo acontecimento de destaque na América Latina foi em 2002, quando o presidente Hugo Chávez sofreu uma tentativa de golpe de estado. O ex-presidente chegou a ser deposto após ma-nifestações populares e um movimento com participação das forças armadas. Porém o golpe não foi bem sucedido e alguns dias depois ele reassumiu a presidência.

A reação do Brasil neste caso, assim como no do Paraguai, foi enfática, tendo reagido prontamente através de meios bilaterais e multilaterais. Bilateralmente o país se mostrou preocupado com a situação da Venezuela, lamentando a ruptura com a ordem institucio-nal e dizendo não reconhecer o governo golpista. Multilateralmente o Brasil insistiu para que a situação na Venezuela (2002) fosse tratada sob a luz da Cláusula Democrática do Grupo do Rio (Santiso,2002: 410).

Posteriormente, no governo de Luís Inácio Lula da Silva a postura de promoção e apoio aos esforços de proteção à democra-cia foram mantidos (Stuenkel, 2013: 344), mesmo que com algumas mudanças de ênfases e tonalidades (Vigevani, Cepaluni, 2007:282). O governo Lula teve como característica uma assertiva com relação aos princípios defendidos pelo Brasil de defesa da soberania e dos inte-resses nacionais (Vigevani, Cepaluni, 2007:296). Tensões entre fun-damentos da política externa brasileira e o seu papel como promotor e protetor da democracia.

Em 2005, diante da crise política no Equador, o país mobi-lizou-se para tentar a sua resolução oferecendo asilo ao presidente Lúcio Gutierrez após o processo de impeachment. A atitude foi con-siderada ambígua pois a motivação para o processo de retirada do presidente havia sido a decisão deste de dissolver a Suprema Corte como forma de conter os protestos contra ele. Ou seja, o proces-so de impedimento estava ocorrendo após um ato contra a ordem

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constitucional. O governo brasileiro colocou o esforço em retomar a tranquilidade na situação do Equador como justificativa para as atitudes tomadas (Huelsz, 2009:192). No mesmo ano o Brasil apoiou as ações da OEA na Nicarágua, assumindo um papel mediador na crise política do país. Dentre as ações tomadas, houve o apoio finan-ceiro para o monitoramento das eleições municipais da Nicarágua (Stuenkel, 2013:344).

Em 2009, diante de um golpe de Estado em Honduras, o Brasil se posicionou de forma contrária ao que estava acontecendo de forma enfática. Na ocasião o presidente Manuel Zelaya foi retirado de seu cargo e do país de forma coercitiva (Garcia, 2010:123). Neste caso, diferentemente do que vinha ocorrendo até então, o Brasil de-cidiu aplicar sanções como forma de punição. Dentre as sanções aplicadas pelo país, que foram organizadas em sua maioria no plano multilateral (OEA), estavam incluídas a retirada formal do embaixa-dor brasileiro de Honduras e a suspensão de acordos econômicos e militares com o país. A intenção ao agir através da OEA tinha como objetivo criar uma coalizão de países pela defesa da democracia no país, com o intuito de garantir o retorno do presidente eleito às suas funções (Garcia, 2010: 126; Stuenkel, 2013: 344).

Outra característica que pode ser observada durante o gover-no Lula é o engajamento em ações de promoção e proteção da de-mocracia em regiões além da América do Sul e Latina, em especial na África, no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O engajamento brasileiro deu-se através da implementação de projetos de fomento às melhorias democráticas nos países re-ceptores, mesmo que estas não fossem explicitamente denominadas como tais.

Este tipo de ação faz parte do que é chamado por Abdenur e Marcondes (2016:2) de democracia por associação. Além das ações

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

supracitadas, ações identificadas explicitamente como de promoção da democracia foram utilizadas, mas tais medidas, que se aproxima-vam daquelas aplicadas pelos países do Norte, só foram adotadas quando requisitadas pelos países receptores. Como exemplos desta forma de ação temos os acordos de cooperação entre Brasil e Guiné-Bissau, Cabo Verde e Angola, que versavam sobre legislação eleitoral no primeiro caso e com o objetivo de melhorias nas instituições le-gislativas nos dois outros (Stuenkel, 2013:345; Abdenur; Marcondes, 2016: 2). Além disso o Brasil participou ativamente na organização e fiscalização eleitoral (Abdenur; Marcondes, 2016: 9, tradução nossa).

O último acontecimento de grande importância na atuação brasileira no sentido de buscar promover e proteger a democracia foi quando houve a remoção do então presidente paraguaio Fernando Lugo mediante um processo de impeachment que teve como caracte-rística mais chamativa a sua duração de apenas 24 horas. Lugo foi, na ocasião, acusado de desempenhar mal suas funções e foi removido rapidamente da presidência por meio de um processo que foi deno-minado de golpe parlamentar.

A reação do governo brasileiro veio rapidamente na forma de uma condenação expressa da destituição de Lugo, chamando atenção para o caráter antidemocrático da ação. A ação seguinte foi tomada em conjunto pelos membros do Mercosul, em que os che-fes de Estado da Argentina, do Uruguai, Venezuela e Brasil decidi-ram pela suspensão do Paraguai tendo como base legal a Cláusula Democrática do Bloco (Protocolo de Ushuaia) (Monte, 2015: 115-119). O país foi também suspenso da UNASUL posteriormente.

O que podemos concluir depois da análise é que o Brasil pos-sui um papel de suma importância e que foi aumentando em sua as-sertividade com o passar do tempo e da sucessão de governos. Ainda que nas ações no decorrer de sua atuação como promotor e defensor

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da democracia, o Brasil tenha sido constrangido pelos princípios fun-damentais da política externa brasileira de não intervenção e supre-macia, o papel do país deve ser levado em consideração. Como dito anteriormente, a atuação mais relevante do Brasil neste tema se deu através do incentivo à criação das condicionalidades democráticas. Toda a questão da redemocratização, em todos seus aspectos, tem se mostrado como uma constante na atuação brasileira e na sua inserção no sistema internacional.

Outro ponto importante de se observar é que a política ex-terna brasileira se dedica mais à proteção da democracia, no sentido de tentar evitar as rupturas do sistema democrático, do que no senti-do de promoção do modelo democrático. Portanto, diferentemente dos países do norte, a intenção do Brasil reside mais em proteger aquilo que foi conquistado. Isso se conecta ao princípio da não inter-venção, pilar da política externa do país.

2. a unIão euroPeIa como Promotora da democracIa

A UE já é hoje reconhecidamente uma importante promoto-ra da democracia no cenário global, tendo desenvolvido uma ampla gama de comprometimentos políticos e instrumentos que visam a desenvolver a democracia e a promovê-la não somente no contexto da sua integração regional, como também para além disso. O quadro da política externa do bloco visa a expandir a forma como a UE veio a apoiar o desenvolvimento democrático através da expansão de seus preceitos e suas regras para além de suas fronteiras (Youngs, 2009:895).

Democracia, direitos humanos e paz são valores que estão intimamente ligados ao processo de integração europeia desde a sua concepção (Ferreira-Pereira 2010: 290). Isso é facilmente explicado

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

justamente pelo contexto em que nasceu o projeto integracionista europeu: o pós-guerra. Um dos motivos centrais para a criação do projeto da integração foi justamente a manutenção da paz, ou seja, a estabilidade do continente, e isso se daria através do respeito à demo-cracia e as suas regras e aos direitos humanos.

À medida em que o processo foi avançando, o respeito aos direitos humanos e à promoção da democracia passaram a ser não só princípios basilares sobre o qual a integração era construída, como também objetivos concretos da política externa do bloco (Ferreira-Pereira, 2010:290).

Com o fim da Guerra-Fria e a reunificação do continente e, posteriormente, a redemocratização dos países do centro e leste europeu, assim como a adesão dos mesmos ao ideal de democracia liberal, seguido pela inclusão de vários destes no bloco, essa tendên-cia foi consolidada com a movimentação da União Europeia de uma potência continental para uma global e dos seus esforços de se esta-belecer como uma promotora da paz e definidora de normas global (Ferreira-Pereira, 2010:290).

No entanto, como nos informa Bacarani (2010), as políticas de promoção de democracias não constituem um fim em si mesmas, ou seja, não eram o objetivo final da política externa europeia e sim um meio para alcançar os objetivos primários da mesma, quais sejam, segurança e prosperidade econômica (Bacarani, 2010:303). No mes-mo sentido Youngs (2009), ao tratar sobre o assunto das condiciona-lidades democráticas, diz que, para a UE, existem preocupações que vão além das condições democráticas de um certo estado com o qual a mesma se relaciona, que irão moldar, assim, o uso das condiciona-lidades democráticas (Youngs, 2009:896).

Entretanto a democracia como algo institucionalizado na União Europeia não coincidiu com a gênese da mesma. Nos tratados

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institutivos da UE não havia nenhuma menção à palavra “democra-cia”. A primeira menção à uma cláusula democrática no contexto da integração foi feita em Janeiro de 1962, quando foi aprovado pelo Parlamento Europeu o relatório Birkelbach, no qual condições políticas necessárias foram estabelecidas para a associação a então Comunidade Econômica Europeia (CEE) (Bacarani, 2010:306).

Segundo Pridham (2005) o relatório decidiu que “Apenas es-tados que garantirem em seus territórios práticas verdadeiramente democráticas e respeito aos direitos e liberdades fundamentais po-dem se tornar membros da Comunidade1 (Pridham, 2005:30, tradução nossa). Um efeito desta condicionalidade foi que em 1962 a Espanha, sob o governo de Franco, teve o seu status de associação derrubado e somente um acordo comercial foi firmado. Algo similar ocorreu com a Grécia após o golpe de 1967. Após o ocorrido a CEE decidiu congelar sua associação com o país (Bacarani, 2010: 306).

O final da década de 1970 e o início dos anos 80 foram mar-cados pelo processo de acessão da Grécia, Portugal e Espanha à CEE e pela Declaração sobre a Democracia na reunião do Conselho Europeu em Abril de 1978. Ela determinava que o respeito e a manu-tenção da democracia parlamentar e dos direitos humanos em todos os estados membros eram “elementos essenciais para a sua parti-cipação como membro da CE”. Como afirma Bacarani (2010), de uma forma geral, a literatura nos mostra que o papel exercido pela Comunidade Europeia no processo de consolidação da democracia dos três países supracitados no decorrer dos anos 80 se deu de forma indireta. Ou seja, a estratégia de promoção da democracia “foi mar-cada por uma distinta falta de procedimentos e sua operação através de uma abordagem ad hoc e uma tendência contínua de reagir aos

1 ‘Only states which guarantee on their territories truly democratic practices and respect for fundamental rights and freedoms can become members of the Community.’ (Pridham, 2005:30, original)

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

eventos, ao invés de tentar determinar os seus resultados.” Com a criação de facto da União Europeia como hoje a co-

nhecemos mediante a assinatura do tratado de Maastricht em 1992, o desenvolvimento da democracia se tornou um dos objetivos de sua Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Ao contrário do que havia acontecido com os países que passaram a fazer parte do bloco em meados da década de 80, a UE passou a exercer um papel direto no processo de democratização dos países candidatos a mem-bros da Europa Central e do Leste que foram aceitos em 2004.

Estes países haviam sido parte do antigo bloco soviético e não partilhavam dos modelos de democracia defendidos pela UE. O ponto central da mudança nas relações com estes países foram as reuniões de Copenhague (1993) e Luxemburgo (1997) do Conselho Europeu. Em 1993 os chefes de estado e governo dos membros do bloco europeu concordaram que aqueles países associados do Centro e Leste europeu poderiam ter o status de membro concedido, ape-sar de que, pela primeira vez, a promessa de entrada no bloco veio acompanhada pela determinação de condições formais estabelecidas, dentre as quais a democracia.

Em 1997, o encontro de Luxemburgo do Conselho Europeu lançou os requisitos de pré adesão ao bloco que teriam que ser aplica-dos a todos os países candidatos da Europa central e do leste, o que permitiu que a Europa passasse, ao implementar condicionalidades democráticas, de influência indireta no processo de democratização para a forma de influência direta por vantagem negocial. As cláusulas democráticas determinadas em Copenhague foram então traduzidas em reformas específicas para cada candidato à participação no blo-co. Ademais, o progresso de cada candidato na demanda passou a ser monitorada pela Comissão Europeia em relatórios específicos. Finalmente a UE começou a recompensar aqueles que cumprissem

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os requisitos com ligações institucionais, como por exemplo o início das negociações de adesão, e assistência econômica.

O que se pôde perceber desde o início do século XXI é a tentativa da UE de replicar a estratégia, que até então vinha sen-do bem sucedida de democracia através da integração não apenas com os atuais candidatos, mas também com os possíveis candidatos dos Balcãs e, além destes, aqueles que não são candidatos prospec-tivos, mas que fazem parte da política de boa vizinhança europeia adotada pela Europa com relação aos países próximos (Bacarani, 2010:306-310).

Para além do contexto da integração e dos que eram abar-cados pela política de convivência adotada pela União Europeia, a dinâmica do bloco transcendeu estes limites e cobriu relações em múltiplos níveis e parcerias com várias regiões do globo. O fato de que políticas de respeito aos direitos humanos e de promoção de princípios democráticos adquiriram um peso substancial na estrutu-ra de condicionalidades pensada por Bruxelas, inclusive no que diz respeito ao framework de políticas de desenvolvimento e acordos bila-terais e multilaterais, como é o caso do Brasil, em que pode ser perce-bido o uso de um modelo de estímulos adotado pela União em suas relações internacionais. O mesmo pode ser observado nos casos em que ações coercitivas foram utilizadas como forma de punir Estados que não incorporaram a forma de comportamento guiada por prin-cípios adotada pela UE (Ferreira-Pereira, 2010: 296).

Podemos então perceber que a democracia e a promoção da mesma é algo de grande importância na política externa europeia, tanto no sentido de promoção de valores, como uma forma de garan-tir a estabilidade nas relações. Outra característica digna de nota é que, seja através de modelamento de comportamento, do oferecimento de vantagens ou da inserção de condicionalidades democráticas não só

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

no contexto da União Europeia e do seu entorno, mas também em relações bilaterais e multilaterais no contexto internacional, que o pa-pel do bloco é mais proeminentemente promotor da democracia do que no caso brasileiro, que se comporta mais como um defensor da mesma.

3. a ParcerIa estratÉgIca brasIl-unIão euroPeIa

O questionamento central do presente trabalho é com rela-ção ao que motivou a criação de uma parceria estratégica entre Brasil e União Europeia. Ou seja, quais os fatores que influenciaram a esco-lha do Brasil e não de algum outro país da América Latina como par-ceiro. Ademais, busca-se compreender também quais as vantagens advindas desta aproximação para o Brasil. Tudo isso vem sendo ana-lisado sob a ótica dos dois atores como promotores da democracia.

A União Europeia tinha como preferência as negociações com blocos e por isso, em suas relações com terceiros países sem-pre havia preferido as relações intra-blocos. Por exemplo, no caso da América Latina, a preferência sempre foi por relações com o Mercosul ou a Comunidade Andina e demais grupos ao invés de se relacionar bilateralmente com cada país. Esse padrão parece ter sido alterado com a assinatura da parceria estratégica com o Brasil (Ceia, 2008:83), por isso a importância de se estudar o tema.

O primeiro ponto que se pode observar ao revisar a literatura foi a maior participação do Brasil na questão da promoção da demo-cracia. Isso demonstra não só uma maior preocupação do país com o tema, mas também um maior protagonismo tanto regionalmente, considerando não só o Mercosul, como também todo o contexto da América do Sul e também da América Latina, como também obser-vando as relações Sul-Sul.

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União EUropEia E Brasil: a constrUção da parcEria Estratégica soB o aspEcto da promoção dEmocrática

Posteriormente observamos a atuação do bloco europeu com relação à democracia, isto é, a importância da democracia em seu contexto de formação, assim como a prioridade dada à mesma em sua política externa. O que foi observado é que, com o passar do tempo e do nível e objetivos da integração, além da reação aos even-tos externos (com foi o caso do fim da Guerra Fria). Com o avanço da integração, tanto com relação ao aprofundamento quando alarga-mento, a UE foi se posicionando de forma a obter maior presença internacional buscando uma expansão em suas relações multilaterais e bilaterais.

As relações entre Brasil e União Europeia datam do início dos anos 1960, porém as configurações da dita relação foram se alte-rando e se aperfeiçoando com o passar do tempo e do refinamento das instituições de cada um. Após a criação da CEE as relações bra-sileiras com o continente se tornaram delicadas, especialmente com relação a temas de acesso ao mercado europeu e barreiras tarifárias (Silva, 2011:2).

Com o fim do sistema Bretton Woods e a posterior crise do petróleo no início da década de 1970, a CEE percebeu uma certa vulnerabilidade na região e optou pela aproximação das regiões pe-riféricas do globo como forma de alcançar uma fonte alternativa de ampliar a sua rede de fornecimento e escoamento de produção (Silva, 2011:2).

Neste contexto, surgem os acordos de primeira geração2, sendo que um acordo bilateral de tal natureza foi firmado com o Brasil em 1973 e se caracterizava por ter caráter estritamente comer-cial e sem garantir qualquer vantagem além daquelas advindas do

2 São três as principais características desses acordos: 1) Contemplavam relações comerciais, de caráter não-preferencial. 2) Foram firmados com nações latino-americanas consideradas como de relevante potencial econômico; 3) Foram assinados bilateralmente entre um Estado e a CEE, ou seja, ainda não há, nesse período o nascimento de acordos entre a CEE e os modelos integração regional latino-americanos. (Silva, 2011: 2)

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Alguns anos depois, já em 1980, foi assinado o Acordo de

Cooperação, que teve sua entrada em vigor anterior à adesão dos países ibéricos ao bloco europeu. Este acordo se caracterizava como sendo de segunda geração por ir além do conteúdo estritamente comercial.

Com a entrada de Portugal e Espanha no bloco em 1986, países com laços profundos com a América Latina, a entrada em vigor do Ato Único Europeu, que introduziu uma nova etapa na cooperação bilateral da CEE e possibilitou que a mesma se tornasse a maior parceira econômica do Brasil e, finalmente, com a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992, a relação entre os dois atores evoluiu de forma a possibilitar a assinatura do Acordo-Quadro de Cooperação entre a Comunidade Europeia e o Brasil. (Silva, 2011: 3-4)

Este acordo se caracterizava por ser de terceira geração e ex-trapolava os termos dos acordos firmados anteriormente por incluir cláusula democrática

a qual condiciona a parceria institucional ao respeito dos princípios políticos pluralistas e dos direitos humanos e, por outro lado, da cláusula evolutiva, que permite às partes de ampliar as áreas de aplicação do acordo sem a necessidade de renegociá-lo integralmente. Sem embargo, para regimes políticos recém saídos de experiências autoritárias, esta condicionalidade contribui para a consolidação da democracia na América Latina, de forma geral e, no Brasil, de forma particular. Ainda, a flexibilidade introduzida pela cláusula evolutiva dos acordos de terceira geração oferece à CEE a possibilidade de adaptar os incrementos dos referidos acordos segundo o ritmo de amadurecimento político-econômico dos seus parceiros. (Medeiros, Leitão; 2009:9)

Isso nos mostra a intenção da Europa não só de promo-ver acordos economicamente interessantes, mas acordos do tipo que

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aconteçam em um quadro de respeito à democracia e direitos huma-nos. Retomando o que foi dito anteriormente, isso demonstra mais uma vez o empenho da União Europeia em promover a democracia, mas não como o objetivo final e sim como a base sobre as quais seriam construídas as relações com demais países ou blocos, como forma de garantir maior estabilidade e prosperidade econômica.

Isso nos informa também a importância da escolha do Brasil como parceiro direto, pois este, como demonstrado, não só vinha demonstrando seu empenho na promoção e defesa da democracia, como também o seu papel como potência influenciadora na região.

Com o avanço da integração europeia começaram a serem constituídas parcerias estratégicas com alguns países. O interesse em se fazer isso era o de firmar laços especiais com algumas potências de certa importância no cenário internacional com o objetivo de pro-mover o multilateralismo global através de relações bilaterais (Silva, 2011:6)

Os Estados escolhidos como parceiros estratégicos compar-tilhavam de algumas

características que os conferia posição de destaque no cená-rio internacional e, portanto, nos interesses da UE. Todos possuíam grande dimensão geográfica e/ou populacional, relevância econômi-ca e influência política no âmbito global e/ou regional. Em quase todos os casos pode-se destacar que a União é a principal parceira co-mercial dos Estados com os quais firmou a parceria. Ademais, as par-cerias têm como característica a ausência de um formato ou padrão pré-definido, isto é, apesar de serem constituídas sobre as mesmas bases, ela são operacionalizadas de forma diferente, de acordo com as características de cada parceiro e cada parceria. (Silva, 2011:6-7)

Dentre as motivações temos, primeiramente, o fato de que as tentativas de construção de uma relação mais próxima com o

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

Mercosul, até então o foco principal da União Europeia, haviam sido frustradas. A falha em estabelecer um acordo de livre comércio com o bloco, levaria a UE a se interessar pelo Brasil como parceiro polí-tico e econômico, o que se transformaria posteriormente na parceria estratégica (Ferreira-Pereira, 2015: 5).

Outro fator foi a percepção da crescente importância política e econômica do Brasil tanto regionalmente quanto mundialmente, especialmente após o aumento das interações sul-sul que o país foi estabelecendo, notadamente sob o governo de Lula. A construção de dita parceria viria então a reconhecer o status do Brasil como um poder emergente (Ceia, 2008:84; Ferreira-Pereira, 2015:5-6).

A parceria viria então como algo positivo tanto para o Brasil, que buscava maior reconhecimento como potência regional e queria suas demandas atendidas a um nível global, como o seu pleito por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e as preo-cupações com a Rodada de Doha, e para a UE que vinha buscando uma maior presença tanto como ator global, como um contraponto à influência norte-americana (Silva, 2011:6; Ferreira-Pereira 2010:290; Ferreira-Pereira, 2015:6).

Além disso, a UE demonstrava preocupação com a crescente presença do populismo nacionalista na América do Sul, o que aca-bou criando instabilidade política no continente e, especialmente, no avanço das relações entre a região e o bloco. Apesar da crescente preocupação com o tema o bloco europeu não emitiu nenhum tipo de resposta significativa com relação à situação política da região. O estabelecimento da parceria estratégica foi o primeiro movimento neste sentido, isto é, uma relação com a liderança mais ativa da região viria a funcionar como um contrapeso ao populismo radical de es-querda da América do Sul (Ceia, 2008: 86).

Esta instabilidade nas relações advindas do cenário político

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União EUropEia E Brasil: a constrUção da parcEria Estratégica soB o aspEcto da promoção dEmocrática

dos países da América Latina nos mostra, mais uma vez, a importân-cia da agenda de promoção democrática da União Europeia.

Portanto, em 4 de Julho de 2007 foi assinada em Lisboa a parceria estratégica UE-Brasil, a qual deu início a uma nova fase na relação entre os atores. Esperava-se que esta caracterizaria um maior engajamento bilateral, fundado em um diálogo político que privile-gia o alcance de objetivos comuns (Ferreira-Pereira, 2010: 5-6; Silva, 2011:9). O instrumento foi firmado tendo como base os valores de-fendidos por ambos, como a democracia, o Estado de Direito e so-bre essa base buscariam a defesa do multilateralismo, a promoção dos direitos humanos e a cooperação em lidar com os desafios glo-bais da atualidade (Ferreira-Pereira, 2010:6; Silva, 2011:9).

Segundo o Plano de Ação Conjunta da parceria estratégica Brasil-União Europeia:

O Brasil e a UE atribuem máxima importância à estabilidade e à prosperidade da América Latina e do Caribe e da Europa. O Brasil e a UE concordam em trabalhar juntos no contexto de sua Parceria Estratégica com vistas ao fortalecimento das relações políticas, econômicas e culturais birregionais. (MRE, 2011: p.27)

O que se pode perceber com o exposto no Plano de Ação é uma preocupação com a estabilidade da América Latina como forma de garantir que os demais objetivos, isto é, o fortalecimento das re-lações políticas e econômicas fossem alcançadas. E as relações inter-continentais não foram as únicas preocupações expostas no acordo, como é possível observar nas propostas de cooperação triangular entre, Brasil, UE e terceiros países3.

O que se pode perceber então é a proeminência do tema

3 Exemplo do compromisso com a atuação triangular pode ser visto no disposição em cooperar em matéria de direitos humanos em países em desenvolvimento por meio da cooperação triangular, por exemplo utilizando instrumentos existentes, como o Acordo da Comunidade Europeia (CE) com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP); (MRE, 2011:2)

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

democracia no acordo de parceria estratégica, o que demonstra não só uma continuidade, como uma tentativa de avanço no estreitamen-to das relações, tendo como base a democracia e a promoção da mesma, como forma de garantir maior estabilidade global e de, com isso, assegurar que os objetivos dos parceiros sejam alcançados.

Por fim, vale comentar que, segundo a percepção da própria UE a criação de uma parceria estratégica formal tem como resultado garantir um jogo de soma positiva para ambas as partes. No caso específico da parceria com o Brasil, pode-se dizer que isso vai ao en-contro dos planos europeus de se firmar como um importante e res-peitado ator global e dos planos brasileiros de ganhar mais relevância no cenário global. Os benefícios mútuos incluiriam ainda uma maior força na promoção de um multilateralismo efetivo tendo como base os princípios democráticos (Ferreira-Pereira, 2010:12).

consIderações fInaIs

O trabalho buscou analisar a parceria estratégica UE-Brasil sob a ótica da democracia, ou seja, como o papel dos dois como pro-motores da democracia influenciou a escolha do Brasil pela União Europeia. O que se conclui é que, apesar da promoção da democracia não ser um objetivo final dos acordos firmados pelo bloco europeu e, em especial, das parcerias estratégicas, a expansão da democracia figura como essencial para a consecução de tais objetivos.

A evolução do Brasil como defensor da democracia ocorre de forma equilibrada com os princípios basilares da política externa do mesmo, quais sejam, não intervenção e respeito à soberania. Este caminho trilhado pelo país coincide com o aumento da sua impor-tância no cenário global e, em especial, com a sua maior dedicação aos esforços de integração do continente latino americano. Estes fa-tores, combinados com a proeminência geográfica e econômica do

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União EUropEia E Brasil: a constrUção da parcEria Estratégica soB o aspEcto da promoção dEmocrática

país contribuíram para que este se tornasse um parceiro desejável para a UE.

Portanto, a congruência dos objetivos europeus e brasileiros em algumas áreas, assim como a relevância de ambos como promo-tores da democracia são fatores que, segundo o exposto, explicam as vantagens do estabelecimento de uma parceria estratégica e demons-tram a possibilidade de somas positivas na relação.

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OS DEZ ANOS DA PARCERIA ESTRATÉGICA UNIÃO EUROPEIA – BRASIL: OS DESAFIOS E CONSONÂNCIAS DE UM PROJETO DE COOPERAÇÃO ESTRATÉGICA

Victor Domingues Ventura PiresCentro Universitário Ritter dos Reis

7º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

As décadas de relações bilaterais entre a Europa e o Brasil foram inicial-mente ofuscadas pelo processo de integração regional promovido pelo Mercosul, entretanto, crises internas e a dificuldade na firmação de um Acordo de Associação Inter-regional e o destaque da economia brasi-leira no cenário internacional, culminaram em 2007 com a 1º Cúpula União Europeia – Brasil, onde firmaram uma Parceria Estratégica, que possuía como características a aproximação em diversos temas de in-teresse mútuo. As Cúpulas e os Planos de Ação Conjunta guiaram os discursos da Parceria Estratégica, estabelecendo seus desafios e pontos de consonância. Neste ano, a parceria completa 10 anos em torno de muitas incertezas diante dos desafios internos de seus parceiros. Para este trabalho, se faz necessária a compreensão e a resolução dos desafios encontrados pela parceria em seus diálogos em torno do comércio, al-teração climáticas, direitos humanos, multilateralismo, democracia, inte-gração regional e segurança internacional, portanto se fará uso das teo-rias da Interdependência Complexa, do Institucionalismo Neoliberal e do Poder Brando para alicerçar as práticas a serem tomadas pela Parceira em um mundo internacional em constante mudança.

Palavras-chave: União Europeia; Brasil; Parceria Estratégica.

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Os dez anOs da parceria estratégica UniãO eUrOpeia-Brasil: desafiOs e cOnsOnâncias de Um prOjetO de cOOperaçãO estratégica

Introdução

As relações diplomáticas entre a Comunidade Europeia e o Brasil remontam ao ano de 1960, entretanto, só começaram a ganhar moldes mais palpáveis com o primeiro Acordo-Quadro (1982), esta-belecido entre a então Comunidade Econômica Europeia (CEE) e o Brasil, que tinha como objetivo regular as relações comerciais. Com novo escopo, o Acordo-Quadro foi aprimorado (1992), expandido a cooperação do país e do bloco para outras áreas, tendo como umas das suas principais características a inclusão da cláusula democrática, onde declara-se que para a continuidade das relações institucionais, há necessidade do respeito aos princípios políticos pluralistas e a pro-teção dos direitos humanos (LEITÃO; MEDEIROS, 2009).

A primeira metade da década de 90 foi especial para essa relação, a assinatura do Tratado de Maastricht (1993), que deu base para a transformação da CEE em União Europeia, junto com o Protocolo de Ouro Preto (1994) que institucionalizou o Mercosul1, como uma opção essencialmente brasileira de saída do eixo do Plano Bush (1990) para as américas, lançaram novos desafios nas políticas externas dos dois atores.

A recém-criada União Europeia buscava processos de in-tegração regional similares ao seu para estabelecer parcerias, e o Mercosul lutava pelo seu espaço em meio a outros processos de in-tegração nas Américas, logo, ter como integrantes as duas maiores economias da América do Sul, Brasil e Argentina2, funcionou como um grande chamariz para a possibilidade de o bloco europeu estabe-lecer negociações mais facilitadas com o mercado sul-americano. A conexão entre os dois blocos não tardou, em 1999 era estabelecido o

1 Precedido pelo Tratado de Assunção, em 1991, que criou o Mercado Comum do Sul (Mercosul), sendo seus signatários Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.2 Informação disponível em: < http://data.worldbank.org/?locations=BR-AR-BO-UY-PY-CLVE-EC-PE-SR-GY-CO>.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

Acordo-Quadro de Cooperação Inter-regional Mercosul – UE, em-basado em quatro pilares: diálogo político, cooperação econômica, fortalecimento da integração e cooperação institucional e questões mercantis. Fora do âmbito regionalista, era estabelecido o Acordo-Quadro de Cooperação Financeira entre o Banco Europeu de Investimento e o Brasil (1995), com a abertura de crédito para várias pessoas jurídicas do direito brasileiro e suas associações, aos estados e municípios (LEITÃO; MEDEIROS, 2009).

As negociações seguiram tanto em termos regionais quan-to bilaterais dentro do século XXI. Em 2002 a Comissão Europeia adotou uma ajuda de custo de 48 milhões de euros para o Mercosul, com o objetivo do fortalecimento do mercado interno e suporte à so-ciedade civil; o Acordo de Cooperação Cientifica e Tecnológica entre Brasil e União Europeia é então assinado em 2004, com enfoque em áreas como biotecnologia, tecnologia da informação e tecnologias limpas.

Entretanto, foi no âmbito do Mercosul que as relações UE – Brasil ficaram mais estremecidas, apesar de as negociações nos mais diversos âmbitos estarem avançadas ou concluídas, as questões co-merciais entre os dois blocos ficaram estagnadas até o ano de 2010. Mesmo com a as renovações de acordos institucionais, encontros ministeriais e do próprio desejo das instituições de selarem o acordo de associação, o congelamento das negociações entre os dois blocos não tardou a chegar, e em 2007, a crise interna no Mercosul que se seguiu por anos, principalmente devido a falhas jurídicas e da assime-tria institucional entre os dois blocos (CABRAL; CABRAL, 2014), e o contínuo expansionismo da UE em suas relações internacionais, levaram ao bloco europeu a reavaliar suas relações com o continente sul-americano e em geral com a própria América Latina.

Então, é realizada em julho de 2007, em Lisboa, a 1º Cúpula

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Os dez anOs da parceria estratégica UniãO eUrOpeia-Brasil: desafiOs e cOnsOnâncias de Um prOjetO de cOOperaçãO estratégica

entre a UE e o Brasil onde institucionalizou-se o país como um par-ceiro estratégico da União Europeia. Este reconhecimento colocou o Brasil em um hall seleto de países, formado em sua maioria por países desenvolvidos ou em desenvolvimento3. Esta nova roupagem das relações bilaterais iniciou-se como uma relação vista como assi-métrica pela maior parte dos analistas, com a UE como o membro mais forte, todavia, como vem demonstrando-se através dos anos, o diálogo entre os dois atores está cada vez mais diagonal, isto em grande parte devido a conjuntura do cenário internacional estar cada vez mais multipolar (LEITÃO; MEDEIROS, 2009).

A Interdependência Complexa, de Nye e Keohane (2012), o Institucionalismo Neoliberal de Keohane (1984) e o Poder Brando de Nye (2012), dão os moldes teóricos para se compreender a Parceria Estratégica entre a União Europeia e o Brasil. A multiplicidade de agendas, a diversificação dos canais de diálogos e o aumento dos números de atores na sociedade internacional, aliado ao conceito de cooperação em um mundo anárquico através dos regimes interna-cionais e das organizações internacionais, demonstram o alto grau de oportunidades em uma relação recíproca de interesses e coope-ração, com reconhecimento mútuo das capacidades dos atores de engajarem-se em uma agenda única. A parceria estratégica cumpre então, como destaca Daniel Jatobá (2013) sobre o Institucionalismo Neoliberal, as três funções básicas das instituições internacionais: (i) ela proporciona o maior grau de comunicação entre os atores, facili-tando o fluxo de informações e, assim, diminuindo as incertezas; (ii) apesar das decisões e vontades exprimidas em um diálogo estratégico não serem vinculantes, a existência da cooperação institucional reduz o medo da trapaça, pois ela aumenta os contatos diretos entre os

3 Até o Brasil ser escolhido os únicos países a terem esse posto eram: Canadá, China, Índia, Japão e Rússia.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

atores envolvidos; (iii) a existência de regras e procedimentos de to-mada de decisão ajuda a modular o comportamento dos atores, evi-tando o temor de ações futuras inesperadas. E por fim o conceito de Poder Brando ajuda a compreender como duas instituições de direito tão distintas em sua formação, podem aproximar-se e reconhecer-se como semelhantes, alterando e construindo suas realidades através da cultura, dos valores políticos e de suas políticas externas, criando um ambiente mais propício a resolução de disputas.

Esses pressupostos teóricos da Parceria Estratégica encon-tram seu alicerce na própria declaração da parceria entre os dois ato-res. Na 1º Cúpula UE – Brasil, entre as temáticas defendidas estão a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), a conclusão do acordo de associação entre a UE e o Mercosul, a segurança interna-cional, a erradicação da pobreza, o desenvolvimento sustentável, a preocupação entorno das mudanças climáticas e o comércio, junto a uma declaração empresarial de parcerias, que focou especialmente nos temas infraestrutura e de parcerias público-privadas (PEREIRA; GONÇALVES; VIDAL; MATTOS, 2016).

A Parceria Estratégica foi realizada em cima dos “Planos de Ação Conjunta Plurianual”; o primeiro compreendia o período de 2008 a 2011, divulgado na 2º Cúpula UE – Brasil, que, além de reite-rar os discursos da 1º Cúpula, adicionou questões políticas à discus-são; e o segundo divulgado na 5º Cúpula em 2011, que compreendia o período de 2011 a 2014.

As benesses da Parceria Estratégica ficam claras em seu dis-curso, porém, é necessário analisar, antes de qualquer detalhe mais específico em torno da parceria, de que maneira seus atores perce-bem o próprio conceito de “Parceria Estratégica”, ou seja, por quais olhos o Brasil enxerga este termo e o ponto de vista da Comunidade Europeia sobre seus parceiros estratégicos, o que será abordado no

203

Os dez anOs da parceria estratégica UniãO eUrOpeia-Brasil: desafiOs e cOnsOnâncias de Um prOjetO de cOOperaçãO estratégica

primeiro capítulo. Feito isto, poderemos analisar os avanços e entra-ves encontrados no caminho da Parceria Estratégica em torno de suas prioridades e ações comuns, especificamente em cinco temas chave referenciados em todas as cúpulas e planos de ação: o multi-lateralismo, o comércio, os direitos humanos, a democracia, a segu-rança internacional e as mudanças climáticas; embasando cada uma em cima de referências teóricas e práticas. Para estas análises e dis-cussões, usaremos a bibliografia acerca do tema, discursos, notícias e informações presentes em bancos de dados.

1. conceItuando “ParcerIa estratÉgIca”

Para começarmos a entender o significado de uma Parceria Estratégica é preciso construir o próprio conceito do termo, e exem-plificar sua aplicabilidade, além da diferença frente a outros modos de cooperação. Uma das maneiras de se construir essa percepção é se-parando as palavras que formam o termo em questão. Uma definição de ambas as palavras é encontrada em Lessa (2013), “parceria seria a associação para alcance de objetivos comuns, envolvendo coopera-ção, associação e colaboração” (LESSA, 2013), enquanto “estratégia seria a qualificação da parceria, a identificação de objetivos relevantes de longo prazo e a existência de interesses e meios para alcançá-los, bem estruturada e planejada pelos Estados, para atingir determinado propósito ou vantagem” (LESSA, 2013).

A junção dos termos “parceria” e “estratégica”, de acordo com Yong Deng (apud FARIAS, 2013), “seria a aceitação mútua da importância dos Estados parceiros”, enquanto para Cameron & Yongian (apud BECARD, 2013) “Parceria Estratégica seria um compromisso de longo prazo entre dois importantes atores com vis-tas a estabelecer uma relação próxima em um número significativo de áreas ou políticas”. Entretanto, essas percepções do termo são

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diferentes da comumente encontrada nos discursos e documentos oficias do Brasil, tanto quanto nos da União Europeia.

Lessa (2013) discorre que o termo “Parceria Estratégica” surgiu no Brasil para contrapor a ideia de parceria fundamental, normal-mente associada aos Estados Unidos (EUA). Logo o adjetivo “estra-tégico” funcionou como um novo rótulo para as relações bilaterais do Brasil com países que surgiam como uma opção a hegemonia dos EUA. A história das parcerias estratégicas do Brasil remonta ao ano de 1957 com o acordo nuclear com a Alemanha e a sua maior participação na discussão da nova ordem econômica mundial, con-tudo, o maior significado dessa nova relação foi o de protótipo ideal para conceituar o termo no linguajar diplomático brasileiro. Ainda de acordo com Lessa (2013), o discurso passa a empregar as parcerias estratégicas como: “relações políticas e econômicas prioritárias reci-procamente remuneradas, construídas a partir de um patrimônio de relações bilaterais universalmente configurado”. Todavia, é possível que as mudanças no cenário internacional tenham afetado essa de-finição histórica da diplomacia. O fim do mundo bipolar e as novas agendas globais permitiram que, não somente interesses políticos e econômicos integrassem a abrangência do adjetivo “estratégica”, mas também interesses sociais e civis, tendo isto encontrado seu alicerce prático na multiplicação de “parceiros estratégicos” do Brasil nos úl-timos anos.

De acordo com Eugênia Barthelmess (apud LESSA, 2009) a União Europeia enxerga, em síntese, o termo Parceria Estratégica como:

“O relacionamento político bilateral singularizado, de característica privilegiada que a União Europeia estabelece com cada um dos integrantes de um determinado grupo de terceiros países, definidos em função da importância do papel de desempenham no cenário internacional” (BARTHELMESS apud LESSA, 2009).

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De acordo com Lessa (2013), essa formulação do conceito é bastante útil, pois deixa claro a construção de uma agenda bilateral, abrangendo em seu significado qualquer Estado que esteja no escopo dos interesses europeus, o que encontra embasamento no chamado “multilateralismo-seletivo” (BECARD, 2013) que defende a ideia que um país deve expandir seu envolvimento global, mas de maneira se-letiva, escolhendo países e organizações que atendam seus interesses, servindo como ferramenta estratégica para alcançar interesses e ne-gociar contendas.

1.1 a paRceRia estRatégica no espectRo das Relações bilateRias

Agora que conceituamos as diferenças entre as percep-ções do Brasil e da União Europeia sobre o conceito de “Parceria Estratégica”, e as definições isoladas do termo, podemos discorrer sobre as características próprias de uma Parceria Estratégica. De acordo com David Shambaugh (apud BECARD, 2013) as relações bilaterais podem ser definidas como harmoniosas (aliados, parceiros estratégicos, parceiros cooperativos) e antagônicas (inimigos, adver-sários e rivais, competidores estratégicos), estando em um extremo do espectro os aliados, e no outro os inimigos.

Ainda na definição de Shambaugh (apud BECARD, 2013), os parceiros estratégicos estão apenas um passo atrás dos aliados e um a frente dos parceiros cooperativos, e de modo a ficar mais cla-ra esta afirmação, rotularemos os principais pontos de diferenciação entre os três.

Como características das alianças temos sua concepção sob a percepção de um inimigo comum, o que leva a um enfoque muitas vezes militar, que acaba demandando um alto nível de formalida-de nas relações; sendo esta, até o momento, o tipo de relação mais

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profunda entre os Estados, normalmente estando sob responsabili-dade da diplomacia e dos meios militares, possuindo data ou meca-nismos de encerramento, além de serem entendidas de maneira mais completa pelas teorias realistas (FARIAS, 2013).

Como refere-se Shambaugh (apud BECARD, 2013), os par-ceiros cooperativos têm suas atividades realizadas de maneira seme-lhante as do parceiro estratégico, sendo essencialmente positivas, entretanto, desenvolvem cooperação limitada, principalmente em questões ligadas a defesa e segurança.

Os parceiros estratégicos, mesmo que forjados sob ameaça, pensam suas articulações tendo em vista as oportunidades de be-nefício mútuo; sua agenda leva em consideração diversos assuntos, não necessariamente temas ligados a segurança, logo não demandam tanta formalidade, com as ações dos parceiros sendo mais bem en-tendidas através de padrões de comportamento. Possuindo uma fle-xibilidade maior em suas obrigações, onde raramente encontram-se decisões vinculantes; seus foros de discussão envolvem governos, empresas e a sociedade civil, e enquanto a interação for contínua, positiva e benéfica a todos atores, dificilmente ocorrerá o fim ou o assoreamento das relações. Portanto, as teorias neoliberais são as que melhor embasam a compreensão da relação entre parceiros estraté-gicos, como o Poder Brando e o Institucionalismo Neoliberal, por exemplo. O primeiro por explicar a forma como o poder se dissemi-na sem meios agressivos, através de forças positivas (cultura, valores e discurso) e o segundo, como o poder pode ser regulado através dos regimes e instituições internacionais (FARIAS, 2013).

Diante dessas análises, aceitaremos para este presente tra-balho que a definição mais acertada para a Parceria Estratégica é dada por Elena Lazarou e Carmen Fonseca (2013), entretanto, tam-bém se deixa claro, que o conceito está em constante mutação e

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aprimoramento, “[...] a Parceria Estratégica é uma ferramenta discursiva que reestrutura o que tradicionalmente foi pensado em termos de diplomacia bilateral entre potencias significantes, o que é mais consistente com um cenário de multipolaridade emergente num mundo inter-relacionado. [...]”. (FONSECA; LAZAROU, 2013).

2. ParcerIa estratÉgIca ue – brasIl: PrIorIdades em comum

A Parceria Estratégica entre a UE e o Brasil iniciou-se em 2007, mas as negociações já estavam em curso um ano antes, quan-do o político português Durão Barroso ocupava a presidência do Conselho Europeu (CE), e que é dado como um dos grandes incen-tivadores da parceria.

A Parceria Estratégica funciona através de cúpulas anuais, que reúnem o Presidente do Brasil, o Presidente do Conselho da UE e o Presidente da Comissão Europeia (VASCONCELOS, 2015). Estes espaços agem como foros de discussão dentro dos chamados Planos de Ação Conjunta do Brasil e da UE, que são uma série de propostas sobre os mais diversos temas: multilateralismo, segurança, combate à pobreza, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentá-vel, direitos humanos, defesa do Estado de direito, comércio, entre outros. O primeiro destes compreendendo os anos de 2008 a 2011 e o segundo de 2011 a 2014.

A fala do presidente Durão Barroso sobre a Parceria Estratégica com o Brasil, sintetiza bem suas prioridades:

”O Brasil é um parceiro importante para a UE. Não só partilhamos laços históricos e culturais estreitos, valores e um forte empenhamento nas instituições multilaterais, mas também a capacidade para dar uma contribuição decisiva para o tratamento de muitos desafios globais como as alterações climáticas, a pobreza, o multilateralismo, os direitos humanos e outros. Ao propor um estreitamento destes laços, reconhecemos o estatuto do Brasil como “protagonista fundamental” para integrar o clube restrito

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dos nossos parceiros estratégicos.” (BARROSO, 2007)

Dentre os temas referenciados no discurso do presiden-te Barroso, nos foros das Cúpulas e nos Planos, podemos destacar cinco que possuem um impacto igualmente profundo tanto para o Brasil como para a União Europeia: o multilateralismo, as mudanças climáticas, a segurança internacional, os direitos humanos e o co-mércio. Entenderemos esses pontos como as prioridades da Parceria Estratégica, e abordaremos suas discussões em âmbito bilateral, seus desafios e as prováveis soluções dos mesmos. Para uma melhor divi-são deste trabalho, os temas multilateralismo e comércio, e direitos humanos e democracia pertencerão a itens únicos de análise, enquan-to o tema mais abrangente da segurança internacional pertencerá a um subcapítulo próprio. A discussão sobre mudanças climáticas, por ser mais específica, terá, também terá seu subcapítulo.

2.1 mUltilateRalismo e coméRcio

A União Europeia, da mesma maneira que o Brasil, passou por alargamentos na última década. O Brasil à frente dos BRICS4, devotando-se a uma diplomacia multilateral, e a UE defendendo o chamado “multilateralismo efetivo”, uma visão de que nenhum país pode cuidar, em uma realidade interdependente, de seus desafios totalmente sozinho (RODRIGUES, 2014), assegurando, em teo-ria, os raciocínios do Institucionalismo Neoliberal (KEOHANE, 1984), estando na defesa das instituições internacionais e de regras para o mundo internacional, tendo atualmente as Nações Unidas como o ente central nesta busca. Bem como define Renard (apud FONSECA; LAZAROU, 2013) a relação bilateral não é a finalité Parceria Estratégica.

O âmbito das Nações Unidas é provavelmente o terreno

4 Grupo formado por países emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

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mais fértil para analisarmos as discussões multilaterais. Desde a 1º Cúpula entre a UE e o Brasil, o tema acerca da reforma da ONU já era discutido, sendo colocado como um dos principais objetivos no plano multilateral no Plano de Ação de 2008, como fica claro neste trecho do documento:

“[...]. Reiteram seu compromisso com uma reforma e revitalização abrangentes das Nações Unidas, a fim de reforçar sua natureza democrática, representatividade, transparência, responsabilidade e eficiência. Com esse objetivo, Brasil e UE reconhecem a necessidade de buscar a reforma dos principais órgãos das Nações Unidas, entre os quais a Assembleia Geral, o ECOSOC e o Conselho de Segurança, com vistas a ampliar a representatividade, transparência e efetividade do sistema.”

Além do discurso, as preposições feitas pela UE e pelo Brasil foram de manter o diálogo de alto nível em questões regionais e internacionais, a consulta mútua e contínua, mantendo agentes em missões na ONU e a manutenção de negociações nos mais diversos eixos internacionais.

No Comunicado Conjunto da 6º Cúpula UE – Brasil, ambos se felicitam devido aos grandes avanços nas relações econômicas bi-laterais, tal qual como é descrito na declaração:

“[...]. Nesse contexto, congratularam-se pela manutenção da posição da União Europeia como principal parceiro comercial do Brasil e maior investidor no País, bem como pela expansão continuada dos investimentos brasileiros na UE, transformando o Brasil no quinto maior investidor no bloco. Os líderes ressaltaram, de um lado, o crescente interesse de empresas europeias em estabelecer ou ampliar presença no Brasil – por meio, inclusive, de parcerias público-privadas – e, de outro, a crescente competitividade das empresas brasileiras no mercado europeu [...]. ”5

Não podendo esquecer de dois pontos de comprometi-mento relacionados ao comércio: a solução da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que segue em disputa

5 Declaração Conjunta da 6º Cúpula União Europeia – Brasil, 2013.

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desde 2001, sem aparente solução; e o retorno das relações com o Mercosul, que possui a UE como seu maior investidor, através do Acordo de Associação Inter-regional, que estabelecerá as regras e normas de comércio e investimentos entre os dois blocos. O Acordo de Associação é uma peça fundamental para a expansão das relações políticas quanto das econômicas da União Europeia com o cone sul. Esta oportunidade não pode ser ignorada, pois, além dos ganhos reais, representa mais um apoio para UE em seus projetos e interes-ses internacionais, logo, a colaboração mútua para a finalização do acordo de associação entre os dois blocos, que voltou a ser negociado em 2010 e pode encontrar seu fim em breve, é algo indispensável (FONSECA; LAZAROU, 2013).

Essencialmente para o Brasil, uma das formas de reaquecer sua economia, seria o investimento no fortalecimento do Mercosul. Um projeto de integração regional mais conciso, não somente traria benefícios aos seus membros, mas tornaria o bloco mais relevante nas negociações internacionais e diante daqueles que são seus parceiros. O destrave do Acordo de Associação para o livre comércio entre o bloco sul-americano e o europeu é uma parte essencial para este retorno, pois funcionará como um teste a capacidade de coesão do bloco entorno de um tema vital para sua manutenção. Como demonstrado no encontro dos chanceleres do Mercosul, realizada em Buenos Aires no dia 9 de março de 2017, nas palavras da chanceler argentina Susana Malcorra:

“[...] E é fundamental para nós que os chanceleres concordemos em como manejaremos as prioridades, qual vai a ser a forma dessa negociação, que tenhamos uma posição bem definida e com uma visão de estratégia que tem como objetivo conseguir o mais rápido possível o acordo com a UE. ”6

Entretanto o multilateralismo, principalmente para a UE, se pôs a prova com a maior crise de refugiados da história; entre os anos

6 Informação disponível em: http://www.efe.com/efe/brasil/brasil/chanceleres-do-mercosul-se-reunem-para-definir-posi-o-em-negocia-com-ue/50000239-3202852

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de 2015 e 2016 cerca de um milhão e trezentos mil refugiados chega-ram ao continente europeu7. Esta realidade junta ao crescente medo ao terrorismo, tem feito crescer um sentimento isolacionista dentro da União Europeia, e do continente europeu como um todo, e que se tornou um dos fatores decisivos para a realização do referendo de saída da UE feito pelo Reino Unido. Enquanto o Brasil, imerso em questões políticas e econômicas, pouco pode fazer para, de alguma forma, aliviar os desafios entorno da questão dos refugiados.

Todavia, cabe a nós lembrar que o intuito de uma Parceria Estratégica, é o de ajuda e colaboração mútua sobre as perspectivas de proveitos futuros. A colaboração e cooperação encontradas na teoria da Interdependência Complexa de Nye e Keohane (2012), com inte-gração em todos os níveis sociais, a disposição a integração nas insti-tuições, a confiança e o investimento nos regimes internacionais, assim como refere-se o Institucionalismo Neoliberal (KEOHANE, 1984) são, neste momento, a resposta mais adequada para evitar uma escala de tensão que logo poderá fugir do controle. As falhas sistemáticas de compreensão destas teorias não devem ser vistas como entraves a um processo de integração regional, e sim uma forma de aprendizado entre as partes. As regras e normas das instituições internacionais e a maior interação entre os Estados fornecerão a capacidade mútua e sincronizada de atuação, dando a própria UE a capacidade de agir nas mais diferentes frentes e ao Brasil, o retorno a um posto de prestigio na América do Sul.

2.1 diReitos HUmanos e democRacia

Como destaca Susane Gratius (2009), a Europa e o Brasil compartilham os mesmos valores e princípios, devido principalmente

7 Informação disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/22/opinion/1482434415_511282.html

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a sua história comum; as fontes iluministas atravessaram o Atlântico e construíram fortes raízes democráticas no Brasil, e mesmo após décadas de relações rarefeitas e sem grandes efeitos, as temáticas de Direitos Humanos e da democracia encontram congruência nas dis-cussões bilaterais entre a UE e o Brasil. A Parceria Estratégica deve ser entendia, neste caso, como mais uma parte colaborativa da pro-moção dos interesses de ambos os atores já que os direitos humanos e a democracia são consideradas bases fundamentais para ambos.

Seja pelo fato de o continente europeu ser berço da demo-cracia e do iluminismo, ou pelo Brasil em seu empenho no período da redemocratização no final dos anos 80, ambos têm comprometi-mentos fortes em âmbito da Parceria Estratégica:

“O Brasil e a UE estão firmemente comprometidos com a promoção e a proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, inclusive o direito ao desenvolvimento, e com a busca da proteção e promoção integrais, em todos os nossos países, dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais para todos. Ambos estão também fortemente comprometidos com os princípios da democracia e do respeito ao primado do direito. [...]”.8

Os pontos de ação do plano incluem a manutenção do diálo-go de alto nível e a consulta constante, tanto para questões multilate-rais quanto bilaterais, nos órgãos responsáveis, que de acordo com o Plano de Ação, permitirão avaliar os desafios que concernem o tema dos Direitos Humanos; e ao mesmo tempo promover o avanço das prioridades políticas em direitos humanos e da democracia, coorde-nando ações conjuntas em foros internacionais. A promoção dos di-reitos humanos e da democracia através de fóruns da sociedade civil UE – Brasil, a busca pela eficácia do Tribunal Penal Internacional e a universalização e manutenção do Estatuto de Roma também são postos como temas chaves para a Parceria Estratégica.

8 Plano de Ação Conjunta UE – Brasil 2008 – 2011.

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Desde a redemocratização o empenho brasileiro em foros internacionais dos mais diversos níveis e assuntos tem sido notável, e, especificamente em relação aos direitos humanos, tem enfatizado uma não politização e não seletividade das decisões tomadas dentro de foros como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH)9. No plano interno, a adoção de programas governamentais focados na área social, principalmente a partir dos anos 2000, como os programas “Fome Zero” e “Bolsa Família”, ajudaram o país a melhorar seus índices sociais, conseguindo até mesmo importar seu modelo para outros locais com desafios semelhantes, destacando-se como um promotor dos direitos humanos. Porém, o Brasil, além de ter índices não satisfatórios em relação à educação, acesso a saúde e saneamento básico, por exemplo, possui dificuldades em reagir con-tra crimes e abusos cometidos em suas vizinhanças, como a supres-são de direitos, de diferentes níveis, na Venezuela.

Em 2007, em vias da comemoração de 50 anos da assinatura dos Tratados de Roma, a primeira ministra alemã, Angela Merkel (2007), proferiu um discurso que contem respostas, além das já apon-tadas na seção sobre o multilateralismo, no que concerne a crise dos refugiados,

“[...]. Qualquer clivagem logo tirara a Europa do rumo [...]. Em resumo, devemos lutar pela unificação europeia e assegurá-la de tempos em tempos [...]. Esse sonho pôde se realizar porque nos deixamos guiar por aquela qualidade que [...] dá à Europa sua alma [...]. É a qualidade da tolerância. [...]”.10

Ao lançar-se luz sob os últimos fatos, é possível denotar que a qualidade que “dá à Europa sua alma” está sendo posta à prova; a crise dos refugiados ameaça aquilo que apaziguou antigos ânimos nacionalistas, O vertiginoso retorno ao protecionismo, o fechamento

9 Informação disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/política-externa/direitos-humanos-e-temas-sociais/3664-política-externa-para-direitos-humanos 10 Discurso proferido pela primeira ministra alemã, Angela Merkel, março de 2007.

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de fronteiras, podem fazer declinar, ou até mesmo arruinar, o plano de uma Europa unificada em torno de valores comuns que, até então, qua a cada dia se tornava uma realidade mais próxima.

O Institucionalismo Neoliberal (KEOHANE, 1984), como já citado, possui parte das respostas necessárias para a solução da crise, entretanto, deverá vir de um diálogo, o mais horizontal possí-vel entre os Estados europeus e a sociedade civil, tanto a sociedade nascida europeia, como aquela que está se integrando a ela agora, a resposta final para a crise. As consonâncias entre todas as partes do sonho de uma União Europeia devem fazer parte desse diálogo, afinal como afirma a própria Merkel: “[...]. Esta é a Europa. Cepticismo, contradições, diversidade, até mesmo clichês bastante apreciados, mas mais do que isso – coragem. A Europa é tudo isso. [...]” (MERKEL, 2007).

2.2 segURança inteRnacioanal

O tema de segurança internacional talvez seja o campo mais amplo dos comprometimentos feitos na Parceria Estratégica entre a UE e o Brasil, abrindo espaço para questões como a não proliferação de armas de destruição em massa, a prevenção de conflitos e a ma-nutenção da paz pós-conflito, a luta contra o terrorismo, prevenção e combate ao crime organizado, incluindo o relacionado ao tráfico e à corrupção.

Como destacam Marcos de Oliveira e Deywisson de Souza (2011) o discurso securitário empregado na Parceria Estratégica não concerne somente a problemas internacionais, mas também a de-safios internos, o que os autores definem como uma humanização da segurança, algo que é dado como tendência, onde o indivíduo é o centro da segurança internacional. Compreendido isto, é possível fazer-se a análise dos temas no entorno da temática de segurança internacional.

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Em relação a ONU, os Estados membros da UE e o Brasil assinaram o Acordo de Não Proliferação de Armas de Destruição em Massa, o que é reiterado no Plano de Ação de 2008, o que é tan-gível em maior grau a União Europeia, já que países membros pos-suem armas nucleares. Em relação ao Brasil, a proximidade brasileira ao governo iraniano permitiu, não somente em âmbito bilateral, mas em triangulação com a UE, como está declarado no Comunicado Conjunto na 6º Cúpula UE – Brasil, a preocupação e a busca por uma solução negociada para a questão nuclear iraniana.

Ainda em âmbito da ONU; o Brasil e os países da UE pos-suem experiências em gestão de crises de diferentes naturezas. O Brasil chefiou a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti, que correu de junho de 2014 até o momento, ao mesmo tem-po em que chefiou missões de imposição e manutenção da paz no Congo. Os países da UE também possuem as mais diversas expe-riências, como a Missão Integrada Multinacional de Estabilização das Nações Unidas na República Centro-Africana e a Missão de Administração Interina das Nações Unidas no Kosovo. O caráter de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU que França possuí, garante a ela certo protagonismo em várias missões, algo que o Brasil vinha buscando com afinco até bem recentemente.

Junto a gestão de crises, ambos se comprometem na manu-tenção do pós-crise, onde Brasil e UE encontram consonância:

“Brasil e UE coincidem em que a comunidade internacional deve se engajar em diálogo sobre atividades de construção da paz em países que estão à beira de ou emergindo de conflitos ou situações de crise. Ambos concordam em que deve ser aprofundada a participação de mulheres naquelas atividades. ”11

O item seguinte ao citado refere-se ao combate ao terro-rismo através do plano multilateral, utilizando-se de convenções e

11 Plano de Ação Conjunta UE – Brasil 2008 – 2011.

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instrumentos internacionais, e tendo como base o direito interna-cional, o direito dos refugiados e o direito internacional humanitário como ferramentas na luta contra o terrorismo.

E por fim, a luta contra o crime organizado, o controle e prevenção às drogas ilícitas e o combate à corrupção; pontos estes que são de extrema importância para o Brasil, que tem seus maiores desafios relacionados ao crime organizado e ao tráfico de drogas ilí-citas. As extensas fronteiras secas, com pouco controle de tráfego tornam o país uma rota de acesso para outros mercados, incluindo o europeu, onde o crime organizado encontra um ambiente favorável ao seu desenvolvimento12. A preocupação bilateral é comum devido a este fato, onde a Europa pode fornecer grande colaboração na par-te tecnológica e de inteligência.

O Brasil e a UE possuem problemas semelhantes, entretanto em escalas diferentes, isto devido as suas próprias capacidades téc-nicas, legislativas e econômicas, o que leva a uma assimetria das re-lações bilaterais em torno do tema da segurança, principalmente em questões internacionais.

Os recentes ataques terroristas ocorridos na França, Alemanha e Bélgica deixaram a Europa em estado de alerta máxi-mo, aliada à crise dos refugiados, e a tensão, quase que permanente, na fronteira com a Rússia, aclimaram-se em uma das tempestades mais instáveis já repousadas sobre o bloco europeu. Isto torna com-preensível a escalada do debate em torno da segurança, alcançando os planos bilaterais, como pode ser visto no empenho declarado no Comunicado Conjunto na 6º Cúpula UE – Brasil, onde há a preocu-pação bilateral acerca dos conflitos na Síria e dos processos de paz no Oriente Médio, onde a União Europeia é um membro ativo, tanto

12 Informação disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/21/política/1411333264_428018.html

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nos fóruns de discussão quanto nas ações militares. Já o Brasil pos-sui experiências de sucesso em negociações na região, tendo como a mais expressiva o acordo acerca do programa do nuclear iraniano, acertado entre Brasil, Irã e Turquia.

2.3 mUdanças climáticas

Um dos principais pontos de congruência da UE e do Brasil versa sobre os desafios climáticos. A União Europeia tem entre seus países, membros com localidades que já sofrem com problemas re-lacionados às mudanças climáticas, como os Países Baixos e a cidade de Veneza, na Itália, que são ameaçados pelo aumento do nível dos oceanos. O Brasil desponta como o detentor da maior reserva hí-drica do mundo, tendo parte significativa de seu território ocupada pela Floresta Amazônica, que, contudo, vem sofrendo graves perdas devido ao desmatamento.

No Plano de Ação Conjunta de 2011 – 2014, Brasil e UE reconhecem a necessidade de uma intervenção em âmbito mundial, como é relatado no parágrafo inicial da secessão relacionada às mu-danças climáticas:

“O Brasil e a UE são parceiros fundamentais na promoção de maior ação internacional em resposta à mudança do clima. Este Plano de Ação procurará fortalecer a cooperação nas negociações internacionais e a compartilhar experiências sobre políticas climáticas domésticas. Assinalam a necessidade urgente de que todos os países desenvolvidos comprometam-se com metas de redução de emissões mais ambiciosas, comparáveis e juridicamente vinculantes, e de que os países em desenvolvimento tomem medidas de mitigação nacionalmente adequadas, no contexto do desenvolvimento sustentável, e de acordo com as responsabilidades comuns porém diferenciadas e as respectivas capacidades.”

Um dos encontros mais importantes em relação ao tema ocorreu em 2011, quando, em vias de preparação para a Rio+20,

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aconteceram os Diálogo de Alto Nível Brasil-UE sobre a Dimensão Ambiental do Desenvolvimento Sustentável e Mudança do Clima, onde foram discutidas questões relacionadas à economia verde, emis-são de gases do efeito estufa, e a busca por uma unidade durante o fórum, como é descrito nas palavras de Arnold Jacques de Dixmude, conselheiro de Meio Ambiente da delegação da União Europeia no Brasil: “Nosso principal desafio é chegar a um acordo multilateral para o clima que seja legalmente obrigatório para todos os países, mas especialmente para os principais poluidores.”13

Em âmbitos unilaterais a União Europeia, em 2014, se com-prometeu, até o ano de 2030, em cortar 40% de suas emissões de gases (em comparação com os níveis de 1990), em um aumento de 27% nos investimentos em fontes de energia renováveis e 27% em melhorias na eficiência energética. Em 2005 o Brasil compro-meteu-se unilateralmente em reduzir 80% do desmatamento ilegal na Amazônia até 2020 (em comparação as décadas de 1996-2005) (AZPÍROZ, 2016).

Contudo é encontrada uma falta de diálogo recente sobre o tema, que permaneceu mais nos campos multilaterais de Brasil e UE, como a ratificação do acordo redigido na última Cúpula do Clima, a COP21, em Paris. Esta falta de diálogo bilateral pode ser alterada com os diálogos setoriais, que preveem 5 milhões de euros para pro-jetos ainda a serem selecionados.

consIderações fInaIs

A Parceria Estratégica UE – Brasil foi um marco nas rela-ções bilaterais, com impactos não somente para seus atores, como para todo um processo de integração regional. As diversas vertentes

13 Informação disponível em:<http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/06/brasil-e-uniao-europeia-debatem-clima-e-economia-verde>

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de seus discursos demonstram que a Parceria Estratégica nunca foi somente sobre a construção de laços bilaterais, mas sim, um grande projeto de aproximação de sociedades com valores e culturas comuns.

A realidade multilateral dos últimos anos pôs entraves nos discursos ditos com tanto empenho nas primeiras Cúpulas, impedin-do que se repetissem com a regularidade acertada para que seus valo-res fossem reafirmados. Entretanto, ambas as partes, devido em sua consonância e seus ideais em comum, se manteve sempre ao aguardo de novas oportunidades.

O neoliberalismo teorizado através da Interdependência Complexa, do Institucionalismo Neoliberal, e do Poder Brando, dão as dimensões da construção dessa parceria e como ela se tornou possível, e como demonstrado, a cooperação, uma vez iniciada, e se mantida sobre laços fortes e com bases sólidas, somente tende a se aprimorar.

Brasil e União Europeia precisam, mais do que nunca, reen-contrar seu caminho de diálogo, muitos de seus planos e desejos dis-cursados ainda não foram realizados; as crises internas de ambos só serão solucionadas quando os medos e entraves forem deixados de lado, e o sentido da Parceria Estratégica for posto em prática; diálogo e cooperação são os únicos caminhos para ambos, a solução de um estado não é mais opção em um mundo interdependente.

A Parceria Estratégica possui todos os ingredientes necessá-rios para se aprimorar, tanto bilateralmente quanto multilateralmente, e a consonância de seus parceiros é a chave para que isso seja feito de forma sólida, já que, a cooperação se tornou a única chance de pre-visibilidade em uma realidade tão inconstante quanto a internacional.

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A COOPERAÇÃO NA ÁREA DE SEGURANÇA: UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DA PARCERIA ESTRATÉGICA ENTRE BRASIL E UNIÃO EUROPEIA DURANTE O GOVERNO LULA (2003-2010)

Lisa Belmiro CamaraUniversidade Federal da Grande Dourados

7º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

O objetivo do presente trabalho é analisar as possibilidades de coope-ração no âmbito da segurança, derivadas da parceria estratégica firmada entre Brasil e União Europeia em 2007. Com este fim, é feito um apa-nhado geral dos paradigmas da política externa brasileira, com enfoque no período do governo Lula (2003-2010). Para complementar a análise, busca-se entender a importância do Brasil para a União Europeia por meio da lente das parcerias estratégicas, que podem ser caracterizadas como ferramentas de ação bilateral do bloco europeu. É possível identi-ficar áreas de potencial cooperação que têm sido contempladas pela par-ceria, como o comércio, a educação e o meio ambiente. Por fim, o caso da segurança é abordado para exemplificar uma das áreas da parceria es-tratégica Br-UE em que não foi possível verificar convergências, apesar da presença do discurso securitário em documentos oficiais relativos à parceria. Com o marco teórico da securitização, analisa-se a divergência nas agendas de segurança dos atores envolvidos, bem como a questão dos Complexos Regionais de Segurança, condicionantes dos diferentes interesses de Brasil e UE.

Palavras-chave: Política externa brasileira – Securitização – União Europeia

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A cooperAção nA áreA de segurAnçA: umA Análise de construção de pArceriA estrAtégicA BrA-sil-união europeiA durAnte o governo lulA (2003-2014)

Introdução

A política externa, isto é o conjunto de ações e decisões de um ator, que pode ou não ser o Estado, em relação a outros atores externos (PINHEIRO, 2004). No caso do Brasil, pode-se afirmar que há uma tradição na política externa, presente durante todo o século XX, de preservar a busca pela autonomia em nível mundial, que pode ser associada a predominância da visão realista e grociana das relações internacionais. Segundo esse paradigma, o sistema inter-nacional é anárquico, o Estado é o principal, porém não único, ator e age de acordo com os interesses nacionais.

Desta forma, uma das iniciativas mais inovadoras da Política Externa Brasileira no período contemporâneo foi o reforço da di-mensão bilateral das relações externas, por meio da criação de “par-cerias estratégicas” entre Brasil e diversos outros atores, como China, Índia e a União Europeia. O presente trabalho propõe a análise das relações entre o Brasil e a União Europeia, ambos atores relevan-tes no cenário internacional a despeito de suas assimetrias, com suas agendas e políticas a serem cumpridas.

O histórico das relações do Brasil com a Europa remonta ao período de formal relação colonial que atravessou o Brasil até a sua independência, responsável pela criação de vínculos culturais e sociais com o continente e que fizeram parte de sua formação. Desde então a cordialidade entre os países europeus e o Brasil tem se mantido, visto que o país mais importante do principal bloco sul--americano é o Brasil e que a União Europeia age com interesse em aprofundar as relações com o bloco.

As parcerias estratégicas se apresentam nesse cenário como uma potencial ferramenta da política internacional, ao facilitar que países e blocos realizem seus mais diversos objetivos. Apesar de o conceito ainda não ter sido totalmente elucidado para os analistas,

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

visto que não se sabe se a parceria significa um status de importância alcançado no sentido da cooperação bilateral, ou se seria o desejo de aprofundar a cooperação entre os atores envolvidos, é eviden-te um aumento gradual no seu uso para qualificar algumas relações. Observa-se um amplo leque de temas abarcados em uma parceria, mas para Lessa (2009), a União Europeia privilegiaria a existência de dinamicidade comercial para firmar uma parceria.

A partir do método histórico o presente texto se orientou pelo marco teórico da Escola de Copenhague1, em especial pela ideia de securitização de Barry Buzan (1998), segundo a qual o fenômeno da segurança torna-se sinônimo de securitização e as questões securi-tizadas são detentoras de prioridade absoluta por serem referentes à sobrevivência. Pretende-se fazer um estudo acerca das limitações e realizações percebidas nos termos da parceria estratégica no que tange à segurança, utilizando os complexos regionais de segurança (CRS), teoria desenvolvida por Buzan e Waever, para demonstrar que Brasil e UE encontram-se situados em diferentes realidades e que a localização geográfica é um fator importante na formulação de polí-ticas de segurança.

Para analisar a dinâmica da ação internacional do Brasil e da UE serão utilizados alguns conceitos fundamentais propostos pela Escola Inglesa, como por exemplo o de sociedade internacional, desenvolvido por Hedley Bull (1995), ao considerar os aspectos de cooperação gerados a partir da dinâmica entre os estados, o que re-sulta na formação de conjuntos de estados dispostos a submeter suas ações às regras e instituições comuns. A política externa dos Estados

1 A Escola de Copenhague define o fenômeno da segurança – que se torna sinônimo de securitização – como o “movimento que leva a política além das regras do jogo estabelecidas e enquadra a questão como um tipo especial de política ou como [algo] acima da política” (BUZAN, et al., 1998, p.19). As questões securitizadas “são apresentadas como ameaças existenciais, requerendo medidas de emergência e justificando ações que fogem das restrições normais do procedimento político” (BUZAN, et al., 1998, p.24).

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é diretamente influenciada pela lógica da sociedade internacional, pois teoricamente busca se adaptar ao contexto internacional resul-tante das regras e instituições comuns da sociedade internacional.

Atrelado a este conceito está o de ordem internacional, que seria, segundo Bull (2002), um padrão de disposição das funções in-ternacionais dos estados com vista a atingir os objetivos da sociedade composta por esses mesmos estados. Ao usar o arcabouço teórico oferecido pela Escola Inglesa como guia deste trabalho, pretende-se analisar historicamente as relações que se estabeleceram entre Brasil e União Europeia, visto que a supracitada escola propõe a constru-ção de teorias a partir da investigação da história em detrimento da universalização proposta pela ciência normativa nas áreas exatas e que posteriormente atinge as ciências humanas e sociais.

Foi feito um recorte temporal que data desde o ano de 2003, início do primeiro mandato do presidente Lula, até o ano de 2010, fim do segundo mandato do mesmo, com a finalidade de entender o cenário em que se deu a consolidação da chamada parceria estraté-gica, firmada em 2007 e em vigor até os dias atuais. Além da intro-dução e das considerações finais, o presente texto está dividido em três segmentos. No primeiro capítulo busca-se entender os eixos que guiaram a política externa do governo Lula, bem como a evolução no desenvolvimento das relações Brasil-UE. Já no segundo capítulo será analisada a atuação internacional de outro tipo de ator, a União Europeia, e suas parcerias estratégicas já firmadas com outros paí-ses. Ademais pretende-se entender a real importância do Brasil para o bloco, afim de esclarecer o significado da parceria estratégica. O último capítulo tem o objetivo de demonstrar uma das limitações identificadas na parceria, a área da segurança internacional, em que é possível assinalar uma série de divergências na agenda dos atores envolvidos. Nas considerações finais pretende-se fazer um apanhado

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

geral do trabalho, amarrando possíveis pontas que podem ter ficado soltas ao longo da construção do mesmo.

1. a unIão euroPeIa durante o goVerno lula

1.1 pRincipais eixos da política exteRna do goveRno lUla (2003-2010)

O presidente Lula da Silva, figura que atingiu a popularida-de por meio da sua liderança carismática, demonstrou a aspiração urgente do Brasil em ser reconhecido como um ator global de peso. Em função de sua própria história de vida demonstrou um olhar mais atento às grandes causas sociais e ao assumir as características ideológicas do Partido dos Trabalhadores demonstrou a forte tôni-ca social que se faria presente nos rumos de sua política externa. Entretanto, Ricupero (2010) identifica um excesso de protagonismo do presidente na diplomacia que a tornou personalista e intransferí-vel, significando afastamento do ideal republicano de institucionali-zação e impessoalidade e aproximação do padrão de lideranças caris-máticas existentes na América Latina. O governo Lula encontra um cenário internacional favorável ao policentrismo, devido ao desgaste do modelo unilateral de Bush e ao cenário econômico em fase de expansão, em que atores intermediários ganham espaço por meio das instituições internacionais.

Definida por Vigevani e Cepaluni (2007) como autonomia pela diversificação, a política externa de Lula buscou alternativas fren-te aos tradicionais parceiros internacionais do Brasil com o objetivo máximo de reduzir as assimetrias decorrentes da globalização, bem como aumentar a capacidade de negociação brasileira, priorizando para isso as relações Sul-Sul e as relações com parceiros não tradicio-nais. Entretanto deve-se considerar que anteriormente tal postura já havia sido adotada nos governos de Jânio Quadros e João Goulart

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com a PEI, nos anos 1950, e permaneceu durante os governos mili-tares, não podendo ser identificada como inovação do governo Lula. Tal diversificação encontrou espaço ainda na figura carismática e na diplomacia presidencial exercida, que resultou com a visita de Lula a 84 países.2

Já Marcelo Fernandes (2014), em sua análise sobre a base discursiva da política externa de Lula, a define como autonomia pela assertividade, visto que os objetivos estipulados diplomaticamente são alcançados por meio de ações internacionais assertivas, o que não implicaria necessariamente em uma mudança na condução da políti-ca externa brasileira. Almeida (2006) destaca que as iniciativas de po-lítica externa brasileiras durante o governo Lula foram voltadas para países com proporções iguais ou menores que as do Brasil, com o intuito de aumentar a influência política em um espaço sem grandes potências, o que resultaria em uma maior assertividade na afirmação do interesse nacional. Por meio de tal estratégia o país chama para si a posição de representante dos países menos favorecidos diante do sis-tema internacional, o que caracteriza a autonomia pela assertividade.

A diplomacia brasileira durante o governo do presidente Lula da Silva passou a exercer um “realismo assertivo” no cenário interna-cional, que resultou em maiores ganhos, porém na sua própria região seu comportamento foi grociano, ao aceitar importantes perdas em favor de uma liderança ilusória (LAFER, 2004 apud FERNANDES, 2014). Fernandes cita alguns exemplos dados pelos críticos, como o entrave entre Brasil e Paraguai pelo preço justo da energia da Usina de Itaipu consumida pelo Brasil e as questões das barreiras comer-ciais com a Argentina, para demonstrar a alteração no modus operandi brasileiro em suas relações vizinhas (FERNANDES, 2014). Além dos fatores já abordados, a balança comercial brasileira perdeu força

2 Dados do Ministério das Relações Exteriores.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

na região, resultado da entrada chinesa nos mercados da América do Sul, o que fez com que a posição hegemônica do Brasil nesses países perdesse força.

Sabe-se que um dos objetivos mais tradicionais da diploma-cia brasileira é a busca por projeção internacional, característica do universalismo, e que propostas de ação externa da política são fun-damentadas a partir deste princípio, porém durante o governo Lula maior ênfase foi dada a esse esforço por reconhecimento, como por exemplo na atenção dada ao multilateralismo e ao desejo latente de obter para o Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Segundo Almeida (2004) o intuito de tornar o sistema internacional mais democrático no âmbito das relações de poder foi uma das bases utilizadas pela diplomacia de Lula para o desenvolvimento da política externa, com esperanças de que isso re-sultasse no assento permanente para o Brasil. A articulação do G-203 nas negociações da Organização Mundial do Comércio, juntamente com a formação do IBAS4, segundo Claudio Ribeiro (2009) tiveram o intuito de elaborar uma agenda comum entre os países exportadores agrícolas do mundo, em oposição às políticas de subsídios agrícolas, com vistas a uma maior liberalização do comércio e demonstraram o compromisso do governo Lula “com uma ordem social e econômica mais “justa” e “igualitária” (RIBEIRO, 2009, p. 188).

A aproximação para com o continente africano tam-bém foi uma das prioridades estabelecidas pela diplomacia de Lula, visibilizada através da abertura de embaixadas em muitos países afri-canos e somada às 17 visitas realizadas pelo presidente ao continente em pouco mais de dois anos. Além disso, a existência de laços cul-turais, o interesse comercial em buscar mercados para os produtos

3 Grupo que inclui formalmente 23 países. 4 Fórum de iniciativa trilateral entre Brasil, Índia e África do Sul.

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brasileiros, a questão da segurança referente ao Atlântico Sul e o re-conhecimento de uma dívida histórica para com a África, devido ao período da escravidão no Brasil, sugeriram o desejo por parte do Brasil de estreitar laços com o continente (MARCONDES-NETO, 2011).

A despeito da fragilidade presente nas relações com o continente africano na década de 1990, é possível identificar ações do governo Lula que revitalizaram essas relações, diferente do que ocorreu no período de FHC, que chegou a desativar embaixadas no continente. No cerne das potencialidades existentes no aprofun-damento das relações afro-brasileiras está o crescente número de Estados africanos que tem passado por mudanças estruturais, tais como a adoção de regimes democráticos, priorização da estabilidade macroeconômica e redefinição de estratégias de industrialização, que levará ao aumento do IED nesses Estados.

A participação brasileira na missão de paz conhecida como MINUSTAH, no Haiti, sinalizou importantes preceitos e objetivos externos da política exercida por Lula, tais como a manutenção da estabilidade na América Latina e Caribe, bem como o compromisso derivado por ser membro da Organização das Nações Unidas. Ao ocupar uma posição de liderança nos assuntos envolvendo a estabili-dade estatal do Haiti, o Brasil não apenas demonstrou solidariedade pelo continente americano, mas também se destacou frente a comu-nidade internacional demonstrando capacidade na solução de con-trovérsias. Segundo Soares de Lima (2004) é possível identificar dois aspectos primordiais presentes nos oito anos de governo de Lula, utilizando a MINUSTAH como exemplo, e que podem ter sido con-sequência da própria história de vida do presidente, que notadamente elevou as causas sociais para além da política doméstica: diploma-cia solidária e princípio da não indiferença. Nas palavras do próprio

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presidente fica claro o desejo de diminuir as disparidades ocasionadas pela globalização: “em um mundo globalizado e independente, nossa contribuição à paz e à democracia é determinada pelo princípio da não indiferença”5.

Apesar da busca pela diversificação, as tradicionais parcerias não foram deixadas de lado, tanto no que diz respeito à potência hegemônica estadunidense quanto ao continente europeu, sendo mantida a cordialidade no trato com os EUA em virtude dos interesses econômicos e cooperativos. Devido ao declínio da hege-monia estadunidense, Pecequilo (2010) afirma que o Brasil buscou projetar seu poder, aproveitando-se do vácuo de poder deixado pe-los EUA para aumentar a possibilidade de defesa dos interesses dos países emergentes. A diplomacia brasileira buscou ainda o reconheci-mento da importância brasileira como parceiro econômico, resultado ainda da perda relativa de poder norte-americana. Já com a Europa é possível identificar um estreitamento das relações, que será analisado no próximo tópico. 1.2 o desenvolvimento das Relações bRasil-União eURopeia

O diálogo existente entre o Brasil e a União Europeia tem seu início formal assentado no ano de 1960 com o estabeleci-mento das relações diplomáticas entre Brasil e a então Comunidade Econômica Europeia. Posteriormente a este marco está o ano de 1984, quando foi inaugurada a Delegação da Comissão Europeia no Brasil, resultado de uma série de aberturas de delegações da UE pelo mundo na década de 80. Segundo o Ministério das Relações Exteriores6, a assinatura do Acordo de Cooperação Institucional en-tre o Conselho Mercado Comum do Mercosul e a Comissão Europeia

5 Discurso do presidente Luis Inácio Lula da Silva na cerimônia de formatura da turma “Celso Furtado” (2002) do Instituto Rio Branco, em 1º de setembro de 2005. 6 Disponível em <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5812-uniao-europeia> Acesso em: 15 de jan. 2017.

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é o próximo evento significativo que inclui a UE e o Brasil, sendo relevante assinalar que a evolução das relações entre o MERCOSUL e a UE constitui um ponto importante para que seja possível o apri-moramento do relacionamento junto ao Brasil.

Sabe-se que a proeminência brasileira no contexto regional foi de fulcral relevância para o aprimoramento das relações com a UE, pois o bloco buscou aprimorar suas relações com os la-tino-americanos por meio do Brasil, o que por sua vez não foi bem visto por outros países latino-americanos, como a Argentina, visto que o Brasil passou a ser o elo principal para construção do pro-jeto europeu na América Latina. Obstaculizadas as relações com o Mercosul devido aos resultados da Rodada Doha7 e sem alternativas no âmbito multilateral, o Brasil foi percebido pela UE como substitu-to para seus objetivos na região e retomou o relacionamento bilateral, característica originária de sua inserção na América Latina.

Inicialmente falava-se apenas em questões comer-ciais e econômicas, entretanto, após o restabelecimento da demo-cracia no Brasil, houve um aprofundamento na interlocução entre os dois atores. A partir de 2004 inicia-se também a cooperação tec-nológico-científica, com a assinatura de mais um acordo, e em 2007 a concretização de mais áreas de diálogo ganha forma com o lança-mento da parceria estratégica Brasil-UE, que estabelece 32 áreas de cooperação. Nesse mesmo ano ocorreu ainda o desenvolvimento do 1º Plano de Ação Conjunta Brasil-UE com vistas a definir de maneira prática as ações entre os anos de 2008 a 2011 e posteriormente, em 2011, ocorreu o lançamento do 2º Plano de Ação Conjunta referente aos anos de 2012 a 2014.

Setores como energia, serviços, desenvolvimento sustentável,

7 “Mercosur: European Community Regional Strategy Paper 2002-2006”. Disponível em: <www.eeas.europa.eu/mercosur/rsp/02_06_en.pdf>. Acesso em 05 de dez. 2010. pp. 15

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

educação e cultura são exemplos das novas áreas em que se preten-deu estabelecer maior diálogo. Na área educacional, por exemplo, os programas Erasmus8 (europeu) e Ciência sem Fronteiras (brasileiro) estimulam o intercâmbio de estudantes por meio das mobilidades acadêmicas e há troca de informações entre Brasil e UE a respeito desses programas e seus resultados9. No desenvolvimento da ciência Brasil e UE também cooperam de maneira próxima por meio de in-vestimentos e pesquisas conjuntas em áreas como biocombustíveis e tecnologia da informação10.

Contudo nota-se que a questão comercial continua tendo maior enfoque por parte de ambos, ao passo que a UE se tornou o maior parceiro comercial do Brasil e o principal destino das ex-portações brasileiras segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. É evidente que o estabelecimento da parceria estratégica sinaliza o anseio por transbordar as relações para além do setor comercial, porém o grande enfoque dado a esta área torna possível questionar se de fato esse transbordamento tem ocorrido e de que maneira a parceria confere ao Brasil um diferencial no relacio-namento entre a UE e outros parceiros.

2. PolítIca InternacIonal da unIão euroPeIa

2.1 a União eURopeia como atoR inteRnacional

Ao tomar a política externa como objeto de estudo geral-mente pretende-se analisar as ações de um Estado, entretanto deve

8 O Erasmus Mundus (EM) é um programa de mobilidade criado e financiado pela União Européia (UE). As atividades do programa têm como objetivo promover a excelência da educação superior e pesquisa dos países europeus e ao mesmo tempo reforçar os laços acadêmicos com países de todo o mundo. 9 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/35871 10 Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5812-uniao-europeia

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ser lembrado que outros atores internacionais também têm suas polí-ticas externas passíveis de serem analisadas, como é o caso da União Europeia, uma união econômica e política constituída por 28 estados europeus.

O fato é que para entender as ações da UE no cenário inter-nacional deve-se deixar de lado o paradigma realista, em que apenas os estados importam, e analisar a natureza específica da UE, que se-gundo Nuno Severiano (1998) não é simplesmente um ator, mas um “ator em processo”. Trata-se de um processo de integração inacaba-do, em contínua construção e composto por um complexo de regras e instituições, sendo este complexo o estruturador da ação política externa da União (TEIXEIRA, 1998).

Ainda para explicar o cerne da movimentação internacional da UE, Teixeira (1998) recorre à história, precisamente durante os anos 50 e 60, quando sua participação na cena mundial era limitada a esfera das relações econômicas e a chamada Comunidade Econômica Europeia11 restringia sua ação comunitária à política comercial co-mum e às políticas de comércio externo. O autor diferencia a anterior atuação da UE da atual utilizando-se dos conceitos de high politics e low politics12, em que as relações puramente econômicas presentes no início do processo de integração são as low politics, ao passo que a diplomacia e as políticas de segurança e defesa existentes atualmente caracterizam as high politics.

Já nos anos 70 é iniciado o processo de transbordamento dessas relações por meio de arranjos nas políticas externas dos estados mem-bros, que configurou o início de uma lógica de intergovernabilidade,

11 Comunidade Econômica Europeia (CEE) foi o processo integracional que antecedeu a União Europeia, em 1958, que objetivava o estabelecimento de um mercado comum europeu. 12 Os conceitos de high politics e low politics são utilizados para caracterizar os temas de maior ou menor importância respectivamente para os atores internacionais dentro da agenda internacional.

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regida pelo princípio clássico da cooperação intergovernamental, que mais tarde ficou conhecida como “Cooperação Política Europeia” (CPE). A CPE era basicamente a tentativa de alcançar coerência diante do cenário internacional, ao propor um alinhamento das po-líticas externas dos estados membros, que até então baseavam seu alinhamento apenas na esfera econômica. Assim, nos anos 80 ocorre a associação da Comunidade Econômica Europeia e da Cooperação Política Europeia, de maneira institucionalizada e como resultado da união formal de dois processos que ocorreram quase que de forma independente, mas que eram complementares para a evolução inte-gracional do que atualmente é a UE (TEIXEIRA, 1998).

A partir da abordagem funcionalista presente na teoria liberal é possível explicar a lógica do transbordamento existente no proces-so integracionista europeu, visto que o chamado spill-over effect pode ser verificado quando há transferência de cooperação para diferentes setores, como consequência do sucesso da realização de tarefas em determinada área. Este processo é, para Haas, desatrelado da política, pois o autor afirma que a evolução da técnica e a dinâmica da troca de informações por parte dos envolvidos na formulação política seriam suficientes para desencadear o transbordamento. Entretanto, o fun-cionalismo sofreu críticas referentes a sua visão da relação entre po-lítica e técnica, o que levou Haas a corrigir deficiências presentes em sua abordagem e reformular o que seria a abordagem neofuncionalis-ta. O autor basicamente adiciona a dimensão política que foi deixada de lado no funcionalismo, ao entender que as decisões geradas no âmbito político têm relevância, mesmo com a praticidade da técnica. A questão dos valores em comum também é incorporada ao neofun-cionalismo, pois passou-se a ter o entendimento de que é necessário que os tomadores de decisão estejam convencidos dos benefícios ge-rados pela integração, mas também de sua importância num contexto

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de interdependência crescente (NOGUEIRA e MESSARI, 2005). É a partir dessa união formal que a UE se desenvolve no pós

Guerra Fria, ao deixar de ser um ator regional e passar a ser um ator de nível global, não mais dividido entre os dois polos de poder carac-terísticos do período de disputa ideológica entre o capitalismo e o so-cialismo. A despeito da unidade formal adquirida, os críticos indicam falhas nas ações iniciais da UE que demonstraram déficit no âmbito das high politics, evidenciadas principalmente na falta de coesão. Essa lacuna só veio a ser preenchida com a criação da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), em 1992, a qual significou um alar-gamento dos objetivos relativos à política externa e que determinou que tais objetivos deveriam ser buscados de maneira conjunta. Em 2007, porém, com a assinatura do Tratado de Lisboa e a reformula-ção do funcionamento da União, a PESC foi substituída pela Política de Segurança e Defesa Comum (PSDC), que foi esboçada desde o Tratado de Amsterdam em 1997, e sua principal alteração refere-se à provisão de defesa comum aos Estados membros em circunstância de ataque ou catástrofe natural. Este breve apanhado histórico da trajetória percorrida pela UE é imprescindível para entender a atua-ção internacional do bloco e como esta trajetória foi importante na construção da UE enquanto ator internacional.

2.1 Parceria estratégica como política europeia Uma das ferramentas recentemente desenvolvidas pela

União Europeia para estabelecer relações bilaterais com outros esta-dos são as parcerias estratégicas, que segundo a especialista Urszula Pallasz (2015), são um meio de fomentar a cooperação internacional. O conceito de parceria estratégica, a despeito de ser cada vez mais usado, ainda encontra-se vago, seja pelo fato de não haver documen-tos públicos da UE que as definam, ou ainda por se constituir de um grupo heterogêneo de países, com diferenças específicas em cada

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parceria. Pallasz expõe dois objetivos operacionais identificados pela UE como críticos no estabelecimento das parcerias estratégicas: uma abordagem mais integrada que poderia ajudar as instituições e estados membros da União a trabalhar de forma mais coerente; e a necessida-de de se fazer estratégias sob medida de acordo com as peculiarida-des de cada parceria. Atualmente a União Europeia possui parcerias estratégicas tanto com regiões, quanto com Estados, sendo com estes últimos um total de 10: Brasil, Canadá, China, Índia, México, Japão, Coréia do Sul, Rússia, África do Sul e Estados Unidos. Com efeito a União tem feito dos investimentos nesses relacionamentos bilaterais uma prioridade, mesmo ao considerar a heterogeneidade do grupo.

Algumas das parcerias estabelecidas, como com EUA e Japão, não eram baseadas em acordos formais, entretanto após a ado-ção da Estratégia de Segurança da UE, em 2003, as novas parcerias passaram a ser estabelecidas formalmente, ao mesmo tempo em que o bloco criava sua nova estrutura legal. Ao analisar os artigos 21 e 2213 do Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 2009, é possível perceber que indiretamente são indicadas as bases legais que pode-riam ser utilizadas para a escolha dos parceiros estratégicos, em que fica explícita a necessidade de convergência normativa e comparti-lhamento de valores, bem como a promoção do multilateralismo nas Nações Unidas. Nota-se que a UE tenta estabelecer um conjunto ideal de procedimentos para construir as parcerias, como ocorreu nos casos das parcerias criadas entre 2003 e 2009, porém após o Tratado de Lisboa a única parceria criada, com a Coréia do Sul, não seguiu os procedimentos anteriores e foi anunciada em um summit, em 2010, sem comunicação ou proposta formais.

13 Acesso aos artigos 21 e 22 do Tratado de Lisboa http://www.lisbon-treaty.org/wcm/the-lisbontreaty/treaty-on-european-union-and-comments/title-5-general-provisions-on-the-unions-external-actionand-specific-provisions/chapter-1-general-provisions-on-the-unions-external-action/101-article-21.html

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Urszula Pallasz elenca ainda três elementos que seriam os principais constituintes da abordagem estratégica da parceria, sendo o primeiro a promoção de comércio e investimento, o segundo a bus-ca por aliados na promoção do multilateralismo e fortalecimento da cooperação internacional, e o terceiro sendo o compartilhamento de encargos em questões de segurança. Percebe-se que a economia con-tinua sendo a base para uma parceria, muito embora outras questões ganhem cada vez mais espaço na dinâmica da cooperação. Quando as propostas de parcerias começaram a aparecer no início dos anos 2000, seu objetivo principal era aumentar o papel econômico global da UE, sob a estratégia de política comercial denominada “Global Europe: competing in the world”, buscando abrir mercados ao redor do globo. Essa densidade comercial presente na parceria pode ser ob-servada nas relações com os EUA por exemplo, parceiro com o qual a UE possui a maior rede prática e legal e que, segundo Pallasz (2015), está engajado juntamente com a União em negociações cruciais para o Transatlantic Trade and Investiment Partnership (TTIP). O mesmo pode ser notado nas relações com o Japão, com negociações atuais referentes também ao livre comércio.

Apesar da falta de formalidade da UE em definir os termos das parcerias estratégicas, o Conselho Europeu afirmou em 2010 que estas são instrumentos para perseguir os objetivos e interesses da União, mas apenas se forem baseados em interesses e benefícios mútuos para os envolvidos. Pallasz afirma que as parcerias são inves-timentos a longo prazo, que devem se manter a despeito das dificul-dades enfrentadas. As parcerias têm a pretensão de legitimar o valor da UE como ator global e reconhecer sua política exterior, entretanto há que se pensar se de fato a parceria tem reais intensões para além da área comercial.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

3. a cooPeração entre brasIl e unIão euroPeIa na área de segurança

3.1 o discURso secURitáRio pResente na paRceRia estRatégica bRasil-União eURopeia

Nesta seção serão examinados os documentos oficiais, lança-dos até 2010, derivados da parceria estratégica entre Brasil e o bloco europeu, com ênfase no que se refere aos aspectos da segurança, a fim de comprovar que a parceria de fato incorporou formalmente outras áreas de cooperação, para além do comércio exclusivamente.

I. Declaração conjunta do lançamento da parceria estratégica Este documento foi emitido em julho de 2007, em Bruxelas,

com o objetivo final de estabelecer os termos que guiariam a parceria estratégica entre Brasil e UE. Já no terceiro ponto do documento é mencionado o compartilhamento de valores comuns entre os ato-res, em questões como democracia e promoção dos direitos huma-nos por exemplo. Aparece também que os signatários concordam com a necessidade de identificar e promover estratégias comuns para enfrentar desafios globais, e, além de incluir áreas como mudanças climáticas, biodiversidade e multilateralismo das instituições inter-nacionais, incluem-se também os assuntos de paz e segurança, pela primeira vez de forma oficial. No oitavo ponto do documento são apresentados alguns desafios nos quais Brasil e UE se comprome-tem a trabalhar em conjunto nos termos da segurança internacional: desarmamento, não proliferação e controle de armas, em particular as nucleares, químicas e biológicas, crime transnacional organizado, tráfico de drogas, armas e seres humanos, lavagem de dinheiro, terro-rismo e imigração irregular.

II. Primeiro Plano de Ação Conjunto (2008-2011) O primeiro tópico deste documento, adotado na Segunda

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Cúpula Brasil-União Europeia, em 2008, menciona que estes concor-dam que a construção da parceria se dará mediante alguns princípios básicos, sendo o primeiro deles a promoção da paz e da segurança abrangente por meio de um sistema multilateral eficaz14. O primeiro objetivo, portanto, propõe a promoção dos direitos humanos e da democracia e defesa da justiça internacional, o que reafirma a co-nexão presente entre democracia e segurança (MELLO, 2008 apud SOUZA e OLIVEIRA, 2011). Já no segundo objetivo o documento atrela a promoção da segurança e da paz ao reforço do multilatera-lismo das instituições internacionais, incluindo a reforma dos órgãos principais da Organização das Nações Unidas.

No terceiro objetivo do documento, a atenção volta-se para o significado mais tradicional de defesa, em que ambos concordam em trabalhar juntos em questões como desarmamento, não-proliferação de armas e promover o diálogo sobre a segurança. O quarto objetivo afirma que as partes buscarão fortalecer as capacidades multilaterais, novamente o multilateralismo relacionado especialmente à ONU é mencionado, com vistas a melhor prevenir conflitos e aprimorar a gestão de crises. É interessante ressaltar que no objetivos relativos à construção da paz e assistência pós-conflito, menciona-se que as par-tes concordam que é necessário o aprofundamento da participação de mulheres nestas atividades e, dando continuidade ao documento, ambos concordam em cooperar na luta contra o terrorismo, na pre-venção e combate ao crime organizado e à corrupção, e, por fim, na prevenção e controle de drogas ilícitas e crimes correlatos.

III. Declarações Conjuntas de 2008 e 2009 A declaração conjunta derivada da II Cúpula Brasil-União

Europeia, que ocorreu no Rio de Janeiro em 2008, teve como ob-jetivo a reafirmação de suas responsabilidades nas três dimensões

14 Retirado do Plano de Ação Conjunto 2008-2011

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da cooperação: temas globais, temas regionais e temais bilaterais. Os temas globais se referem ao fortalecimento do sistema multilateral, crise financeira internacional e economia global, mudança do clima e energia, desenvolvimento do milênio e luta contra pobreza e é pos-sível notar que maior ênfase é dada a esta área do documento. Em contrapartida, a questão da segurança só é mencionada de forma cor-relacionada a outras áreas, a saber: segurança alimentar e segurança energética.

Em 2009, houve o lançamento de outra declaração conjunta, resultante da III Cúpula Brasil-União Europeia, ocorrida na Suécia e que novamente promoveu a reafirmação de compromissos, prin-cipalmente na escala global. Este documento, diferente do anterior, aborda a temática da segurança de forma direta, ao mencionar a tro-ca de informações entre as partes a respeito do contexto de suas regiões. Em outro ponto do documento verifica-se a discussão da questão árabe-israelense, incentivando os envolvidos a encontrarem um denominador comum para viver em paz e segurança. Em geral, em ambas as declarações a presença do discurso securitário não foi priorizada.

3.2 diveRgências nas agendas de segURança do bRasil e da União eURopeia

Ao se referir a política de segurança e defesa do Brasil, Mário Cesar Flores (2006) a define como regional, visto que está restringida à América do Sul e ao Atlântico Sul ocidental, enquanto questões humanitárias, ambientais e, principalmente, econômicas são pensa-das em esfera global. Desta forma, destaca que “em síntese: a agen-da brasileira é global na economia e preocupações humanitárias e ambientais, e regional na segurança” (FLORES, 2006, p. 100). Em contrapartida, Amaury de Souza (2006) explica que construiu-se uma

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percepção de que a maior parte dos problemas do país são de ordem econômica, e por isso a segurança e defesa foram parcialmente estag-nadas, além do fato de o Brasil não ter vivido nenhum dilema securi-tário como ocorreu com outros países de dimensões continentais, a exemplo da China.

Ao pensar a questão da segurança internacional por meio da lente da parceria estratégica entre União Europeia e Brasil, o fator regional torna-se um ponto negativo, pois a contiguidade territorial decorrente do imperativo geopolítico, que situa os atores em regiões geográficas diferentes, faz com suas necessidades nem sempre con-virjam para a mesma direção. Portanto, ao tomar como verdade a importância do entorno regional na definição da política de segu-rança internacional de um Estado, faz-se necessário entender, ainda que basicamente, a segurança na América do Sul, para a partir de aí entender a construção da agenda de segurança brasileira.

O contexto de segurança da América do Sul deve ser pensa-do levando-se em consideração que por um lado as ameaças interes-tatais não têm muita importância e, quando têm, podem ser controla-das com mecanismos regionais, entretanto, por outro lado a violência se faz presente de maneira notável, sobretudo ao analisar as taxas de homicídio e a questão do crime organizado transnacionalmente. A visão brasileira de que o país só pode avançar juntamente com seus vizinhos confere ao Brasil papel essencial no subcontinente, em es-pecial se forem consideradas as capacidades econômicas e políticas, bem como a estabilidade consolidada, que capacitam o país a ajudar a região. Derivada desta visão está o consenso de que a América do Sul faz parte do entorno estratégico brasileiro e esse fato tem tido grande peso na construção da defesa nacional. Também o Atlântico Sul é considerado parte do entorno estratégico brasileiro, visto que a maior parte do comércio internacional do Brasil depende do oceano

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Atlântico para transitar, assim o nosso entorno acaba por se estender até a parte ocidental do continente africano.

De acordo com Medeiros Filho (2014), o complexo regional de segurança da América do Sul é marcado por um paradoxo central, que se situa entre a ausência de guerras formais e o elevado nível de violência social presente no subcontinente. Desta forma é possível perceber que na região o dilema de segurança se daria de maneira invertida, já que a fonte da ameaça deixa de ser o vizinho forte e pas-sa a ser o vizinho débil e incapaz de controlar seu território. Neste caso pode-se falar que os problemas de segurança são mais preocu-pantes que os de defesa (VILLA e MEDEIROS FILHO, 2007 apud MEDEIROS FILHO, 2014).

A despeito de sua tendência regional em termos de seguran-ça, faz-se necessário assinalar que com a crescente inserção interna-cional e com a globalização, o Brasil, bem como a América do Sul, não continuarão à margem das principais linhas de tensão mundial. É possível afirmar que a atuação internacional brasileira em questões de segurança tem sido apenas simbólica, utilizando como exemplo a participação das Forças Armadas em operações de paz das Nações Unidas em países como Chipre, El Salvador e Timor Leste, mas isso não desconsidera que o país tem assumido suas responsabilidades no que tange às ações multilaterais (SOUZA, 2006). Entretanto, para atingir o patamar de influência que deseja, o Brasil deve antes solu-cionar as questões securitárias de sua própria região, fazendo com que a agenda de segurança brasileira esteja diretamente atrelada à sul-americana.

Delineado o contorno constitutivo dos principais assuntos de segurança para o Brasil, por meio do entendimento da importância da América do Sul para este processo, cabe agora verificar em que me-dida a agenda da UE tem incluído o Brasil em suas prioridades. Com

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este fim, será utilizado como base documental os acordos assinados entre Brasil e UE após a assinatura da parceria estratégica e o relató-rio sobre a execução da estratégia europeia de segurança, elaborado em 2008 pelo Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, e que apresenta uma análise de tal estratégia e de seu funcionamento desde o lançamento. Segundo o ex-secretário do Conselho Europeu, Javier Solana, a Estratégia Europeia de Segurança foi adotada em 2003 e desde então tornou-se um marco no que diz respeito ao de-senvolvimento da política externa e de segurança da UE. Pela primei-ra vez em sua história a União atingiu um consenso com relação ao estabelecimento de ameaças, bem como das estratégias necessárias para cumprir com seus interesses em matéria de segurança.

O relatório está dividido em três partes, sendo a primeira referente a desafios globais e principais ameaças, a segunda sobre criar estabilidade na Europa e para além de suas fronteiras e a ter-ceira sobre a Europa num mundo em mudança. Em cada parte são detalhadas as ações realizadas em áreas específicas, como por exem-plo o que se fez com relação a proliferação de armas de destruição maciça, reconhecida potencialmente como sendo a maior ameaça à segurança europeia. Outro exemplo é a questão do terrorismo e da criminalidade organizada abordada pelo relatório, que menciona a estratégia antiterrorista adotada pela União desde 2005 e que obser-va os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Diversos outros temas de relevância para a segurança do bloco são levantados, entre-tanto nota-se que o Brasil é mencionado apenas uma vez em toda a totalidade do relatório e aparece juntamente com outros parceiros estratégicos. Neste sentido, é possível que se questione a efetividade prática, diante das ações da União, do discurso securitário que per-meia o acordo formal da parceria estratégica com o Brasil.

Após a assinatura da parceria, o único acordo firmado no

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âmbito da segurança foi o Acordo Sobre a Segurança da Aviação Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e a União Europeia15, que foi assinado em 2010, porém só em 2013 foi aprova-do pelo congresso nacional. Além deste, de acordo com a Divisão de Atos Internacionais, não foram firmados outros acordos em termos de segurança, o que também contribui para o questionamento so-bre a efetividade prática verificada no discurso securitário da parceria estratégica.

consIderações fInaIs

A partir das ideias apresentadas no presente texto é possível perceber que existiram esforços no sentido de aprimorar as relações entre o Brasil e a União Europeia, contudo apenas no início dos anos dois mil foram iniciadas negociações para que tais esforços ganhas-sem forma. A parceria estratégica Br-UE é o resultado formal de tais negociações e foi concretizada em 2007, após seu período inicial de construção, que se deu durante o governo Lula (2003-2011). Tal fato pode ser identificado como um dos resultados positivos da política externa exercida durante tal período, que apesar de propor um apro-fundamento das relações Sul-Sul, não perdeu de vista parceiros tradi-cionais, como a Europa. A partir de análises da balança comercial e dados do investimento externo direto no Brasil, foi possível perceber o aumento do fluxo nas relações entre Brasil e UE, bem como a sua importância para a política externa brasileira,

As duas partes envolvidas sinalizaram o interesse mútuo na expansão de suas relações por meio da assinatura formal da parceria estratégica, que contemplou diversas áreas no âmbito da coopera-ção. Este texto se guiou pela perspectiva de que a parceria seria um

15 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8610.htm

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status alcançado no relacionamento com a União, pois apesar das fa-lhas discursivas encontradas ao tomar a questão da segurança como exemplo, é possível considerar que existe diferença no tratamento da União para com seus parceiros estratégicos.

Na temática da segurança, a partir da análise de documen-tos oriundos da parceria estratégica, foi demonstrada a presença de um forte discurso com fins securitários, dado que esta temática foi contemplada na maioria dos documentos, tais como as declarações conjuntas de 2008 e 2009. Contudo, com base na ausência de no-vos acordos nesta área desde 2007, com exceção do acordo sobre segurança da aviação civil, não foi possível verificar a prática de tal discurso. Deste modo é possível afirmar que a parceria estratégica representa um amplo de leque de possibilidades para que o desenvol-vimento das relações entre Brasil e UE se amplie, porém é necessário que o discurso seja adaptado de forma que a sua realidade material seja possível.

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RELAÇÕES ECONÔMICAS ENTRE BRASIL E UNIÃO EUROPEIA: APOSTAR NO MERCOSUL COMO INTERLOCUTOR?

Brenda Reis Nadler Prata Centro Universitário Jorge Amado

6º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

A União Europeia, desde sua formação, vem representando para o Brasil um de seus principais parceiros comerciais. Com a criação do Mercosul o diálogo econômico latino-europeu passou a se concentrar no novo bloco sul-americano. Contudo, a UE alterou sua forma de re-lacionamento econômico com o Cone Sul ao perceber o potencial bra-sileiro, e em 2007 propôs ao Brasil uma parceria estratégica exclusiva, fato que gerou certa instabilidade com os países vizinhos. Apesar de firmar uma parceria estratégica com o Brasil, as negociações em torno de um Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e UE se desenrolam até os dias atuais entre os dois blocos que possuem grandes assimetrias. Este trabalho busca compreender, através de uma perspectiva neolibe-ral, focada na Interdependência Complexa, de um contraponto basea-do nas Teorias do Sistema Mundo e da Dependência e a luz da Teoria Neofuncionalista, o papel brasileiro nas relações mercosulinas com a UE e no Acordo de Livre Comércio que vem sendo negociado.

Palavras-chave: Brasil. União Europeia. Integração Econômica.

Introdução

As relações econômicas entre Brasil e Comunidade Econômica Europeia (CEE) remontam os anos 60, segundo Iglesias (2010) o Brasil “ha recurrido a la ‘opción europea’ para desligarse de la dependencia

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respecto a Estados Unidos, el otro eje asimétrico”. Outrossim, com o Ato Único Europeu (1987) a cooperação econômica entre o bloco e o Brasil se intensifica a ponto da antiga CEE retornar ao posto – que nos anos anteriores pertencia aos EUA – de primeiro parceiro comercial do País, de forma que um terço das vendas da América Latina para a CEE configuravam exportações brasileiras, e na contramão das exportações da Comunidade um quinto eram destinadas ao Brasil (MEDEIROS; LEITÃO, 2009).

Segundo Medeiros e Leitão (2009) o bloco europeu percebia o país sul-americano como uma grandeza equivalente no aspecto eco-nômico, uma vez que, o Brasil era um país em desenvolvimento e con-figurava entre os dez maiores PIBs do mundo nos anos 90. Dessa for-ma, em 1992 surge o Acordo Quadro de Cooperação entre CEE e o Brasil e a partir de então, as relações começam a se estreitar, tanto que, em 1994, um novo Acordo-Quadro de Cooperação é firmado entre o país e o Banco Europeu de Investimento. Isto é, a cooperação entre Europa e Brasil é incitada pois o bloco europeu percebe a concorrência que o país poderia representar no cenário latino-americano.

Não obstante, o surgimento do Mercosul em 1991 com a assinatura do Tratado de Assunção por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, atraiu a atenção europeia. E, em 1995, a UE aprofunda suas relações com o bloco mercosulino através do Acordo-Quadro de Cooperação Inter-regional UE-Mercosul. De forma que as relações econômicas entre Brasil e o bloco europeu saem de um foco bilateral e são trabalhados a partir da regionalidade.

À luz da Interdependência Complexa, o aprofundamento das relações econômicas entre os Estados criaria entre eles uma si-tuação de interdependência. Este tipo de relação não significa obri-gatoriamente a existência de benefícios mútuos, uma vez que para

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que a interdependência ocorra certos custos são implicados1. Segundo Keohane e Nye (2012) a interdependência pode ser assimétrica. Destarte, o Estado com menor nível de dependência em relação ao outro tende a barganhar nas relações econômicas. Ou seja, este tipo de relação pode ser uma fonte de poder. De acordo com os neoliberais institucionalistas as instituições internacionais, como OMC e ONU, serviriam para regular estas assimetrias entre os países membros, de forma a reduzir esta situação de dependência.

Esta mudança de foco nas relações econômicas da União Europeia, que antes estavam concentradas no Brasil e passaram a ser direcionadas para o Mercosul, não ocorreu em especial apenas na América do Sul. À época, a economia mundial voltava-se para a formação de blocos econômicos, e seguindo as tendências mundiais a União Europeia passou a utilizar um regional approach (MEDEIROS; LEITÃO, 2009).

Segundo Savini (2001) a União Europeia preconizou o forta-lecimento das relações com o Mercosul, uma vez que os europeus te-miam que ocorresse no continente sul-americano, o enfraquecimento das relações econômicas como se deu com o México, que se voltou para EUA e Canadá após a sua adesão ao NAFTA. Já que, a mesma época, os EUA tentavam se aproximar da América Latina com a pro-posta da ALCA, uma área de livre comércio em todo continente ame-ricano, projeto sugerido na Cúpula de Miami em dezembro de 1994.

Este projeto, na visão das teorias da Dependência e Sistema Mundo, pode ser interpretado como uma forma dos Estados Unidos aumentar a dependência dos países latino-americanos frente ao mes-mo. A Teoria da Dependência defende que o desenvolvimento dos países centrais e a suas relações econômicas com os países periféricos

1 “[ ] a interdependência restringe a autonomia dos Estados e, assim, não se pode saber, a priori, quão custosa ou benéfica será essa relação” (SARFATI, 2005, p. 164, grifo do autor).

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gera o subdesenvolvimento destes. Além disso, os teóricos da depen-dência creem que as instituições internacionais seriam apenas meios que os países do centro utilizariam para manter a dominação sobre os países periféricos (SARFATI, 2005).

Segundo as ideias de Prebisch, as diferenças entre os países se alargam através do sistema de trocas desiguais. Uma vez que os países em desenvolvimento – ou periféricos – se especializam em produzir produtos primários, como as commodities agrícolas e os desenvolvidos – centrais – produzem produtos industrializados com maior valor agregado (SARFATI, 2005). A Teoria do Sistema Mundo (SM) assu-me a existência da dependência entre os Estados periféricos e centrais, Wallerstein (2005) ainda afirma que existiria, além do centro e da peri-feria, a semiperiferia. Na qual se situam países como o Brasil, China e Índia, que estariam localizados em algum lugar entre as duas definições anteriores. Além disso, haveria no SM uma rara mobilidade entre os países, de forma que os Estados periféricos possam se tornar semipe-riféricos, e os mesmos possam se tornar centrais.

Em 1995, após a proposta da ALCA por parte dos EUA, a União Europeia, tendo em vista não perder sua influência na América do Sul, propôs o Acordo-Quadro UE-MERCOSUL, que entra em vi-gor em 1999. O acordo vislumbrava a criação de uma Zona de Livre Comércio (ZLC) entre os dois blocos econômicos. Esta Zona de Livre Comércio com o bloco europeu, que representava, à época, 27% das exportações do Mercosul, seria iniciada com o livre comércio nos se-tores de indústria e serviço, e mais à frente agregaria o setor de agricul-tura (AYERBE, 1998). Da mesma forma que os EUA, na perspectiva das teorias do SM e da Dependência, a possível assinatura desta ZLC pode ser percebida como uma tentativa de dominação europeia sob a América Latina.

Porém, não foram estipuladas datas nem prazos para a

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conclusão da ZLC. Segundo Savini (2001), isso se deveu a dois moti-vos: primeiramente pela situação institucional assimétrica entre os blo-cos, que geraria uma certa cautela por parte do governo brasileiro; e outro motivo seria que a proposta não configurava no topo da agenda internacional de nenhum dos dois blocos. Esta postura pode estar rela-cionada ao fato de que a UE estava em meio à implementação do Euro como moeda comum, a reforma da PAC (Política Agrícola Comum) e em um período de expansão para o Leste Europeu. Já o Mercosul estava consolidando sua União Aduaneira e em meio às negociações com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e Área de Livre Comércio da América do Sul (Alcsa).

Por sua vez, as negociações da Alca progrediram e, em 1996, foi estipulado o prazo até 2005 para a formação ZLC nas Américas. Com o progresso das negociações na Alca também avançaram as ne-gociações com a UE, além das discussões sobre qual acordo bi regio-nal o Mercosul privilegiaria. Contudo, em relação a ZLC com a UE, o tema agrícola foi ponto de entrave nas negociações, pois grandes debates ocorreram sobre a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia. Pondo em evidência a perspectiva neofuncionalista, que de-monstra a relevância dos atores não estatais e que os Estados não se-riam os únicos a decidirem o processo de integração (SARFATI, 2005). No caso, as pressões das elites internas para a proteção deste setor a produtos advindos do Mercosul que teriam um valor menor em com-paração aos europeus.

1. ParcerIa estratÉgIca com o brasIl: o Que motIVa a mudança de foco nas relações da eu com a amÉrIca latIna?

Apesar do aprofundamento das relações com o Mercosul através do Acordo-Quadro de 1995 e das negociações

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sobre o Acordo de Livre Comércio, o foco das relações econômicas europeias com o Cone Sul2 altera-se quando da formação de uma Parceria Estratégica UE-Brasil em 2007.

Várias são as razões apresentadas para essa mudança de foco. Segundo Hoffmann (2009), a mudança ocorre uma vez que o con-texto dos anos 2000 era bastante diferente dos anos 90. O cenário se transforma com o advento do 11 de setembro, a crise econômica das grandes potências e o lançamento do Brasil no sistema internacional como uma potência em desenvolvimento.

Kegel e Amal citando Almeida (2008), comentam que o con-texto econômico da época permitiu à União Europeia uma visão oti-mista acerca do Mercosul, o qual poderia atingir o modelo de integra-ção europeia e afastar o soft power exercido pelos EUA.

Mercosul e União Europeia são dois blocos econômicos bastante diferentes em sua institucionalização. Os blocos partem do pressuposto de Keohane e Nye (2012) de que para que os Estados possam cooperar os mesmos dependem de instituições que seriam capazes de regular estas relações. Os atores do sistema internacional buscariam os regimes internacionais para cooperar e atingir objetivos em comum e para que tenham muitos benefícios. Também diante dessa perspectiva os blocos buscam a criação de uma instituição para aumentar a cooperação política e econômica entre ambos, a qual se-ria o Acordo de Livre Comércio entre ambos. Porém, as duas institui-ções internacionais diferem bastante quanto à sua institucionalização.

Segundo Bela Balassa, a integração econômica é vista como um processo com vários níveis de ampliação comercial. O primeiro seria a Área de Livre Comércio, na qual as tarifas alfandegárias são abolidas, a segunda é a União Aduaneira, que cria uma tarifa alfan-degária comum. O próximo estágio seria o Mercado Comum, onde

2 Neste trabalho, entende-se por países do Cone Sul os países membros do Mercosul.

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são abolidos também os movimentos de fatores. E o último e mais aprofundado estágio de integração é a União Econômica, na qual a UE se encontra (BALASSA apud LAVINAS et al, 1994).

O Mercosul, por sua vez, é um bloco econômico voltado para a criação de um Mercado Comum, cujo modelo seria a anti-ga CEE, que propiciou a formação da UE como conhecemos hoje. Neste sentido, pode-se perceber uma semelhança entre o Tratado de Assunção (TA), carta constitutiva do Mercosul e o Tratado de Roma, que atribuía à CEE a mesma missão de estabelecimento de um Mercado Comum. Segundo Gomes (2012), apesar do TA ado-tar objetivos de uma Organização Internacional de Integração, o Mercosul possui apenas instrumentos típicos de uma OI de coope-ração. O bloco mercosulino tem um caráter intergovernamental, e não atinge a supranacionalidade sui generis do bloco europeu. Segundo Silva e Costa (2013) a supranacionalidade permitiria uma maior par-ticipação da sociedade civil que já é muito forte na Europa, porém não tão presente no dia-a-dia da população dos países mercosulinos.

Por outro lado, segundo a Teoria Neoliberal, as instituições podem ser mais fortes ou mais fracas a depender de fatores. Cada modelo de integração está atrelado às condições históricas, políticas e culturais, que é próprio ao grupo de países envolvidos. No caso, a in-tergovernabilidade seria mais oportuna ao Mercosul ao se verificar as assimetrias internas entre os países do bloco (SILVA; COSTA, 2013).

A União Europeia, motivada pela conjuntura histó-rica, pelo medo e insegurança, além da necessidade de fazer frente à ameaça socialista, buscou desde o início a cooperação através da supranacionalidade (VENTURA, 2003). Já na América do Sul o pro-cesso de integração é diferente, o Mercosul faria parte do “regiona-lismo de segunda onda” (SILVA; COSTA, 2013) que surge da von-tade política dos governos argentino e brasileiro de se aproximar e

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cooperar para atingir objetivos de ambas políticas externas. Segundo Vaz (2002), “Brasil e Argentina seguiam com visões convergentes so-bre a importância do espaço regional como locus de atuação primária e da integração”.

Até 1994, com o Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul permaneceu desprovido de personalidade jurídica. Segundo Santander, a UE teria esperado o bloco sul-americano atingir este objetivo para ser concebido um maior aprofundamento entre as rela-ções dos dois blocos:

Une fois l’integration sud-americaine dotée de sa personnalité juridique, le tissu d’accords préalablement développé laisse la place à l’accordcadre Interrégional UE-MERCOSUL. Ce dernier devait, à terme, donner naissance à une association interrégionale à caractere politique et économique dont le but était de libéraliser réciproquement les échanges commerciaux, promouvoir la stratégie d’investment par les enterprises et renforcer la cooperation politique au niveau international en faisant converger leur position dans les instances internationales (2012, p. 195)3.

Segundo Keohane e Nye (2012), o grau de institucionaliza-ção das instituições internacionais influem no comportamento dos Estados e realmente podem afetar as expectativas sobre a solidez dos acordos. Por outro lado, ao mencionar que a União Europeia teria expectativas que o Mercosul atingisse um modelo supranacional europeu é perceptível nesta situação como as ideias da Teoria do Sistema Mundo se aplicam:

(...) l’Union, qui longtemps cru voir dans le Mercosur le reflet de as prope expérience, espérait qu’em favorisant la cohésion régionale sudaméricaine elle pourrait mieux exporter son modele d’integration, conforter ses intérêts

3 Tradução nossa: Uma vez que a integração sul americana dota-se de uma personalidade jurídica, o impedimento desenvolvido em acordos anteriores dá lugar ao Acordo Quadro UEMERCOSUL. Este deve, afinal, dar à luz uma associação inter-regional de caráter político e econômico na qual o objetivo seria a liberalização recíproca das trocas comerciais, promover a estratégia de investimento entre as empresas e reforçar a cooperação política ao nível internacional e assim convergir as suas proposições nas instâncias internacionais.

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économiques dans la région et consolider son identié et as pojection comme acteur international (2012, p. 193)4

Desta maneira, sob um olhar pautado nas Teorias da Dependência e SM nota-se a dominação que a UE busca exercer no Cone Sul. Como afirmam as teorias, os países centrais tenderiam a im-por a sua visão de mundo aos países da periferia. Consequentemente, criando a expectativa de que os mesmos devem seguir a “cartilha” dos países ricos.

Porém, os dois modelos de integração na Europa e no Cone Sul são distintos, foram formados em diferentes condições e sobre outras perspectivas e objetivos. Portanto, não se pode hierar-quizar as fases de integração, ao modelo de Bela Balassa, de forma a seguir uma linha progressiva dos estágios de integração, aonde a União Monetária deva ser o estágio final a ser atingido, pois deve-se considerar que cada modelo possui suas necessidades e particularida-des além dos seus defeitos e problemas.

No âmbito do Mercosul, o Brasil chegou a se afastar do pro-cesso de integração, e até interrompeu sua participação nas institui-ções do bloco temporariamente, durante a desvalorização do Real em 1999, quando Argentina impôs barreiras aos seus produtos. Essa característica poderia ter deixado a UE cautelosa quanto à possibili-dade de uma relação mais intensa não só no campo econômico, mas também no político e institucional. Ainda que o bloco tenha a deno-minação de “Mercado Comum do Sul”, o mesmo encontra-se ainda em fase de União Aduaneira imperfeita. O que levanta dúvidas por parte da União Europeia quanto à possibilidade de criar uma inte-gração mais profunda no âmbito econômico entre os dois blocos ao

4 Tradução nossa: [...]a União, que por um longo tempo acreditou ver no Mercosul um reflexo da sua própria experiência, esperava que ao favorecer a coesão regional sul-americana ela poderia exportar o seu modelo de integração, confrontar seus interesses na região e consolidar sua identidade e projeção como um ator internacional.

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suspeitar que o Mercosul não teria um real potencial de crescimento (CARVALHO; LEITE, 2013).

Por outro lado, a partir de uma perspectiva do Sistema Mundo como já discutido anteriormente, percebe-se nesta situação que a visão de mundo eurocêntrica por parte da UE. Ao ter expectativas que o Mercosul atinja uma estância supranacional, como defendido por Santander (2012), faz com que esta desconsidere que talvez, como já afirmado por alguns autores anteriormente, a intergo-vernabilidade melhor se adapte ao bloco sul-americano. Assim como o argumento do afastamento da dominação dos EUA tem suas bases abaladas, pois os EUA representa, assim como a UE, um ator central. Portanto com a mesma capacidade de se impor frente os países peri-féricos e semiperiféricos do Cone Sul que a própria União Europeia. Por conseguinte, de acordo com os teóricos do SM, seria indiferente para o Mercosul afastar-se de uma dominação americana de forma a atrair para si mesmo uma dominação europeia.

Para Saraiva e Martins (2009) outro motivo para a aproxima-ção com o Brasil deu-se pela preocupação da UE com a presença de governos “não liberais” na América Latina, dentro e fora do âmbito do Mercosul: como a Venezuela, Bolívia e Equador.

[ ] haveria um interesse europeu, dissimulado, de fortalecer o Brasil em contraposição ao socialismo bolivariano; de impulsionar a liderança brasileira para apoiar a “via brasileña para el desarrollo latino americano que concilie mercado y Estado, generando crecimiento y promoviendo inclusión social” (p.59). (SARAIVA apud AYLLÓN; PINO; SARAIVA, 2014, p.411)

Para Carvalho e Leite (2013), o bloco latino-americano tam-bém teria tido seus motivos internos para o resfriamento das negocia-ções com a UE. Os autores afirmam que com o despontar da China e a crise econômica de 2008, as economias em desenvolvimento cria-ram uma interdependência maior entre si, e menos subordinada às

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potências desenvolvidas. Dessa forma, o Mercosul tendeu a ampliar o comércio com a China e região sudeste asiática, enquanto a influên-cia da UE e EUA foi reduzida, e assim, o Mercosul deixa em segundo plano o Acordo de Livre Comércio com a UE. Além disso, a inclu-são de países do leste europeu na União trouxe preocupações para o Mercosul no caso do firmamento do Acordo de Livre Comércio, pois as concessões aos mesmos poderiam ser superiores e reduzir os benefícios esperados para o bloco.

1.1 o tRatado de livRe coméRcio e sUa estagnação

Acima de tudo, a estagnação do Acordo de Livre Comércio pode ser pontuada como o grande entrave nas relações econômicas entre Mercosul e UE. Para Carvalho e Leite (2013), as negociações sobre o setor agrícola são o principal problema, pois a Política Agrícola Comum Europeia (PAC) da UE é rígida e sofre pressão interna dos segmentos agrícolas. Dessa forma, os produtos agrícolas brasileiros e argentinos representam uma forte concorrên-cia, já que são vendidos a um preço muito mais baixo.

Segundo Savini, “É praticamente inconcebível que a Política Agrícola Comum (PAC) venha a ser desmantelada apenas para favore-cer as importações de produtos agropecuários oriundo do Mercosul” (2001, p. 117). Mas uma vez a teoria neofuncionalista se aplica, pois, os Estados não determinam exclusivamente o processo, uma vez que dependem de pressões internas das elites e grupos de interesse. Isto e o que faz com que a PAC seja tão fortemente defendida durante as negociações do Acordo de Livre Comércio.

Segundo o MRE, para atingir um acordo será necessário con-cessões de ambas as partes, para abertura dos setores frágeis “(...) a UE deverá empenhar seus esforços na liberalização de seu setor

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agrícola ao MERCOSUL. Por outro lado, o MERCOSUL terá que aplicar maior empenho na abertura, para os europeus, de seu setor industrial” (2012, p. 55).

Em 2010 foram revisadas as propostas dos anos anteriores e novas propostas melhoradas foram feitas, no entanto, até os dias atuais ambos os lados não conseguiram atingir nenhum acordo e ainda não há previsão para a criação do Acordo de Livre Comércio entre os blocos. Segundo Malamud (2010), a entrada da Venezuela no bloco sul americano e o crescente protecionismo argentino são motivos para o esfriamento das negociações. O sistema internacional hoje não é mais o mesmo de 20 anos atrás, que na ocasião motivou o surgimento da OMC. Atualmente surgiram novos global players, em especial a China, que vem despontando como gigante no comércio internacional.

It is difficult to explain how the current negotiating impasse has come about, since although all the parties involved proclaim they have the political will to bring the talks to a successful conclusion, once the process gets down to details it becomes impossible to make any progress on specific issues. If, on the one hand, the Mercosur countries focus on denouncing the Common Agricultural Policy (CAP) and on the closure of the European agricultural markets to their products, Europe, on the other hand, bewails the protectionist nature of the Latin American services and manufacturing sectors (MALAMUD, 2010, p. 101)

No “Dilema do Prisioneiro” os atores encontram-se em uma situação de impasse e podem escolher entre cooperar ou não de acor-do com os seus interesses, porém eles não podem se comunicar e nem tem poder sobre as decisões da outra parte. A partir da visão de Keohane (1984) do Dilema, no contexto internacional este tipo de interação ocorreria a todo momento e repetitivamente. Surge, então, a estratégia tit-for-tat onde os atores tendem a agir de acordo com as ações passadas do outro ator em questão. Ou seja, uma vez que uma das partes coopera, a tendência é que incite a cooperação da outra.

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Dessa forma, a cooperação geraria a cooperação da outra parte e vice-versa.

Aplicando a situação analisada, Mercosul e UE encontram-se em um impasse com relação ao Acordo de Livre Comércio onde o protecionismo de uma parte cria um protecionis-mo da outra parte, o que acaba por gerar a estagnação nas negocia-ções. O Mercosul para proteger-se da dependência que pode ser ge-rada pela relação e União Europeia defendendo a PAC, que é o maior exemplo de uma política supranacional existente nos dias atuais. Em todo caso, a visão egoísta dos blocos, pautada na Teoria da Escolha Racional, levando em conta os seus interesses, faz com que a coope-ração não possa ser atingida.

2. o brasIl em meIo Às relações econÔmIcas entre mercosul e unIão euroPeIa

Por todos os motivos explanados, a União Europeia revê o seu approach em relação ao Cone Sul e forma em 2007 com o Brasil uma de suas strategic partnerships. É difícil elencar pontos em comum para todas as parcerias firmadas pelo bloco com diferentes países de-senvolvidos ou em desenvolvimento. No caso do acordo de Parceria Estratégica com o Brasil, além de temas econômicos, foram aborda-dos temas ambientais, de direitos humanos e energia. Segundo Saraiva “A expectativa brasileira de aumento de investimentos e transferência de tecnologia para o Brasil também favoreceram a assinatura do acor-do” (2014, p. 409).

De acordo com a Comissão Europeia este relacionamen-to entre os dois atores pode impulsionar as negociações com o Mercosul, as quais são classificadas como um objetivo prioritário da UE, e que ainda, não foram concluídas devido à falta de progresso

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no setor comercial. A Comissão ainda menciona o comportamento proativo brasileiro na OMC e G20, e classifica o país como um líder regional:

O papel económico e político emergente do Brasil implica também novas responsabilidades para este país, enquanto líder a nível mundial. A parceria estratégica proposta entre o Brasil e a União Europeia deverá ajudar o país a exercer uma liderança positiva no contexto internacional e regional e a empenhar-se com a UE num diálogo global, estratégico, substancial e aberto, tanto no plano bilateral como em instâncias multilaterais e regionais [...]. Nos últimos anos, o país emergiu como um campeão dos países em desenvolvimento nas Nações Unidas e na OMC. A União Europeia e o Brasil partilham valores e interesses fundamentais, incluindo o respeito pelo Estado de Direito e pelos direitos humanos, as preocupações relacionadas com as alterações climáticas e a prossecução do crescimento económico e da justiça social, tanto a nível interno como externo. O Brasil é um aliado vital da UE para fazer face a estes e a outros desafios na cena internacional (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2007, p. 2).

Saraiva e Martins (2009) pontuam que a presidência portu-guesa na Comissão Europeia, com José Manuel Barroso, pode ter impulsionado esta visão europeia sobre a possível liderança regional brasileira. Porém, para os autores essa concepção não agradava aos vizinhos latino-americanos e causava uma tensão na América Latina. O governo brasileiro não possuía tal visão e procurava uma maior integração com os países da América do Sul, através, por exemplo, da criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) em 2008.

Saraiva (2009) afirma que apesar do Brasil possuir limites para se tornar um mediador das relações entre a UE e o Cone Sul, a parceria estratégica direta com o país traz velozes ganhos aos seto-res de tecnologia, educação e meio ambiente. Porém, esta mudança de foco bi regional com o Mercosul para a bilateralidade nas rela-ções com o Brasil são contestadas quanto a suas vantagens para a

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economia brasileira. Assim, conforme afirma Gratius: Para Brasil, la asociación estratégica con la UE tiene tantos beneficios como costos. Su relación privilegiada con Europa sirve ante todo para elevar y reconocer su ascendente posición global, pero crea también un conflicto con sus vecinos y, particularmente, con los países del MERCOSUR (2009, p.46)

Hoffmann (2009) também aponta para os problemas que esta parceria estratégica pode gerar e pontua que o mais importan-te é manter as boas relações com os Estados do Cone Sul e com a Argentina em especial. A autora reforça a premissa de que as duas abordagens da política externa europeia, através do Mercosul ou Brasil, não são incompatíveis, porém a cobertura total das duas não pode ser garantida. Uma vez que os países vizinhos, de toda América Latina, não compartilham da visão europeia sobre a liderança brasi-leira. Dessa forma, a existência de tal posicionamento explícito por parte do Brasil poderia afetar o seu relacionamento com tais paí-ses e a integração do Cone Sul de forma negativa. Isto acarretaria uma reação contrária à esperada pelos europeus de que a parceria com o Brasil poderia ser um meio de avanço das negociações com o Mercosul.

2.1 a viabilidade da lideRança bRasileiRa

De toda forma, a parceria estratégica com o Brasil e os en-traves na relação europeia com o Mercosul “contribuíram para a for-mação de expectativas entre atores econômicos brasileiros de que um acordo poderia ser negociado entre o Brasil e a UE” (SARAIVA, 2014, 414).

Porém, apesar da imagem de potência regional que o Brasil possui no exterior, pontuada inclusive pela UE, Patrício defende que os países do Cone Sul e toda América Latina não compartilham da

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ideia de liderança brasileira: The immediate reaction of the Brazilian Mercosur partners to the launching of the partnership, mainly that of Argentina, was very negative, having also been immediately exploited by another candidate to the role of South American regional power: Venezuela. According to the interviews, Mexico officials also manifested a “lack of understanding” about the establishment of a differentiated approach to Brazil (HOFFMANN, 2009, p.59).

Para reforçar sua imagem o Brasil tem focado em diversas maneiras de manter o seu status de potência no cenário internacio-nal, por exemplo, na busca pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Todavia, para alcançar um posicionamento de liderança, o Brasil precisa buscar em sua região o mesmo respaldo que possui no cenário internacional. Um maior apoio do Cone Sul ao país pode significar um grande avanço na sua condição de potência no sistema internacional (MALAMUD, 2010).

Portanto, desconsiderar o Mercosul em meio as relações eco-nômicas com a UE pode não ser a melhor solução para a situação. O mais provável seria que o Brasil sofresse represálias dos países do Cone Sul assim como ocorrido com o Uruguai quando da tentativa de assinar o Acordo Marco de Comércio e Investimentos do Uruguai com os Estados Unidos em 2007 (MALAMUD, 2010). Os efeitos que tal movimento poderia trazer para o Mercosul podem ser nega-tivos para política externa brasileira no Cone Sul. Além disso, seria contra os termos da tarifa externa comum do bloco mercosulino.

Segundo Patrício, mesmo que o relacionamento UE-Mercosul não atenda a todas as demandas brasileiras, principalmente referente aos interesses comerciais, a prioridade da política externa brasileira é a integração sul-americana e é este relacionamento que deve ser priorizado:

[...] ao negociar o seu próprio acordo com a União Europeia, o Brasil desconsidera o Mercosul, o que, de alguma forma, poderá vir a pôr em causa

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a sua liderança regional. Do mesmo modo, os argumentos de acordo com os quais a parceria UE-Mercosul é fraca, em virtude do desequilíbrio entre os níveis de integração; e de que o relacionamento UE-Brasil será mais profícuo porque fortalecerá a relação da UE com os restantes parceiros sul-americanos e, por conseguinte, a própria relação UE-Mercosul, não convencem. A História assim o tem demonstrado. Posto isto, deve a parceria UE-Mercosul ser estimulada, e não a relação UE-Brasil. Daí a importância do Mercosul em todo o já longo processo de relacionamento entre a Europa Comunitária e a América Latina, cuja visão histórica convém deixar clara (PATRICIO, 2009, p. 65)

Dessa forma, uma vez que o foco da política externa bra-sileira, nos últimos anos, tem sido o diálogo com a América Latina, colaborar com o Mercosul pode ser uma opção mais próxima aos seus objetivos.

É importante perceber que a assinatura em outubro de 2015 do Tratado Transpacífico de Comércio Livre (TPP), que uniu grande-zas econômicas mundiais5, também pode influenciar nas negociações do Acordo. Uma vez que uma ZLC de tamanhas proporcionalidades como o TPP impõe poder no SI. Juntar-se à União Europeia em um Acordo de Livre Comércio poderia estabelecer uma frente de poder dos blocos no cenário internacional e evitar que Brasil e o Cone Sul fiquem à margem das tendências atuais.

Por outro lado, conforme a Teoria da Dependência e a Teoria do SM poderia aprofundar ainda mais as diferenças econômicas en-tre os países periféricos e os países centrais da relação. Tendo em vista que, até os dias atuais, as relações econômicas entre ambos são pautadas na importação de produtos industrializados pelo Brasil e Mercosul, assim como na exportação de principalmente commodities agrícolas.

5 O TPP foi assinado por Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Estados Unidos e Vietnã.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

Na visão de Keohane e Nye (2012), na perspectiva da Interdependência Complexa, não pode se concluir previamente se uma relação será mutuamente benéfica. Percebe-se que uma relação entre Brasil e UE ou UE e Mercosul tratam-se de situações assimé-tricas, onde a UE como ator menos dependente poderia tirar maior proveito da relação. Neste ponto, a teoria se converge com a visão da Teoria da Dependência, porém para a Teoria da Interdependência Complexa “[...] sujeitos com capacidades iguais ou diferentes não de-finem os resultados de uma negociação levando em conta apenas as suas capacidades intrínsecas” (BEDIN, 2000). Cardoso e Faletto concordam:

[…] la superación o el mantenimento de las “barreras estructurales” al desarrollo y a la dependencia, más que de las condiciones económicas tomadas aisladamente, dependen del juego de poder que permitirá la utilización em sentido variable de essas “condiciones ecnómicas” (2011, p. 165)

Ou seja, mesmo que estivéssemos discutindo sobre uma re-lação mais próxima da simetria e dessa forma que fosse mutualmente dependente, ainda assim não se pode garantir que a mesma irá resul-tar em vantagens simétricas, pois muitas são as variáveis.

consIderações fInaIs

Com todos os entraves nas relações entre Mercosul e UE, que refletem na estagnação do Acordo de Livre Comércio entre os blocos, entende-se que apenas poderia se pensar na assinatura do Acordo entre Mercosul e UE a partir da mudança de algumas variá-veis e, assim, a partir do novo cenário analisar quais as implicações para o Brasil no tema.

Para que o Brasil alcançasse uma posição de liderança na assinatura do acordo implicaria o reconhecimento no Cone Sul e

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Relações econômicas entRe o BRasil e a União eURopeia: apostaR no meRcosUl como inteRlocUtoR?

América Latina deste potencial brasileiro. Além disso, seria necessá-rio, para a assinatura do acordo, que ocorresse um menor protecio-nismo nos setores sensíveis dos dois blocos.

Segundo as ideias do neofuncionalismo, o interesse das elites internas dos Estados também influenciaria para essa maior integra-ção comercial entre os Mercosul e UE, de forma que, uma vez que fosse do interesse dessas elites o processo poderia tomar maior força a partir da pressão das mesmas. Porém, o acordo entra em choque com os interesses da elite agrícola europeia assim como da elite in-dustrial brasileira, destarte, a mudança desta variável também influen-cia no relacionamento entre os atores em questão.

Outra variável, que poderia influenciar para a conclusão do acordo, é a percepção europeia sobre a institucionalização do Mercosul. O reconhecimento de que o organismo intergovernamen-tal tem suas falhas e sucessos, assim como todas as formas de inte-gração, pode ser um atalho para o estreitamento das relações. Além disso, a mudança do cenário político em países como a Venezuela e como ocorrido recentemente na Argentina com o fim da era Kirchner, podem ter grandes influências.

O futuro destas relações econômicas é incerto, e dificilmente previsíveis, uma vez que o sistema internacional está em constante transformação.

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O ACORDO DE ASSOCIAÇÃO ENTRE O MERCOSUL E A UNIÃO EUROPEIA SOB UMA PERSPECTIVA EVOLUTIVA: FATORES NACIONAIS, REGIONAIS E INTERNACIONAIS MOLDANDO AS RELAÇÕES ENTRE OS BLOCOS

Rafael Schmuziger Goldzweig

Universidade de São Paulo 4º Concurso de Monografias da União Europeia

Resumo

O entendimento das negociações em torno do acordo de associação entre MERCOSUL e a União Europeia sob uma ótica estrutural e jurí-dica é essencial para compreender os entraves e barreiras existentes nos mais de 10 anos de negociações em torno dele. Este estudo pretende mostrar que a relação entre blocos, mais complexa que relações pura-mente bilaterais, apresenta diversas questões intrínsecas aos países e à estrutura nas quais eles estão inseridos regionalmente que impedem a celeridade no fechamento de propostas. Dessa forma, tomaremos uma análise multinível – nacional, regional e internacional – para pontuar as questões inerentes ao seu atraso, congelamento e processo de retomada. Analisando o perfil comercial de ambos, destacaremos as questões sen-síveis ao acordo e, baseando na estrutura do MERCOSUL, tentaremos buscar as razões por trás dos entraves nas negociações.

Palavras-chave: Acordo de Associação, União Europeia, Integração Regional

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O acOrdO de assOciaçãO entre O MercOsul e a uniãO eurOpeia sOb uMa perspectiva evOlutiva: fOntes naciOnais, regiOnais e internaciOnais MOldandO as relações entre Os blOcOs

Introdução

As negociações em torno do acordo de associação entre o MERCOSUL e a União Europeia foram reiniciadas em maio de 2010 e têm sido uma pauta em destaque nas relações externas dos dois blo-cos desde então. Apesar de o momento atual demonstrar uma opor-tunidade interessante para os países finalmente trocarem as ofertas e consolidarem seus termos, é relevante entender os motivos que estão por trás desse movimento de retomada nas negociações e da anun-ciada urgência em fechar propostas anotadas no período 2010-2014. A relutância por parte da Argentina tem gerado conflitos entre os membros do MERCOSUL, destacadamente com o Brasil, pelo fato de o bloco ser obrigado a negociar acordos comerciais em conjunto, uma vez que o mandato da União Europeia é para que se negocie com o bloco, e não em separado. Do lado europeu, o anúncio so-bre um eventual Acordo de Livre Comércio com os EUA coloca o MERCOSUL em estado de atenção e, tal qual aconteceu em 2004, o acordo sofre a ameaça de ser postergado mais uma vez.

Além de fatores conjunturais, o problema central das ne-gociações tem sido a pauta de produtos e os setores envolvidos no processo de liberalização. A grande problemática posta pelos negociadores do MERCOSUL era a questão da liberalização agrí-cola1, pontualmente com relação aos subsídios contidos na Política Agrícola Comum Europeia. Do lado europeu, pesou muito a ques-tão dos serviços e da liberalização industrial. Críticas protecionistas, porém, permeiam ambos os lados, e essas questões têm sido alvo de negociações tanto de forma bilateral quanto em organismos especia-lizados como a OMC.

Esse trabalho visa responder às questões que vêm sendo

1 ONUKI, Janina. „Political Aspects of the EU-Mercosur Agreement”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. Pp. 38.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

apontadas para a demora nas negociações de uma forma crítica, bus-cando um entendimento dos fatores objetivos (pauta de liberalização, protecionismos e troca de ofertas), da conjuntura regional e, de ma-neira menos latente, da conjuntura internacional. Sob a ótica objetiva buscaremos os fatores principais que influenciaram o congelamento das propostas em 2004 - questão dos subsídios e do protecionismo agrícola e de setores chave como o automotivo e o de serviços. Com o estudo da evolução e dos obstáculos em torno do fechamento do acordo traremos à tona uma questão latente no relacionamento intra MERCOSUL: sua estrutura jurídico-institucional. Os tímidos passos que o bloco tem dado na direção da liberalização comercial mostram uma estrutura engessada por regras e discordâncias que impedem o fechamento de acordos em separado pelos seus membros. É essen-cial questionar essa estrutura no intuito de fortalecer a coesão interna e externa do bloco ou flexibilizando-a para priorizar interesses indi-viduais dos estados.

Partiremos dessa visão como forma de identificar os fatores chave para o entendimento das negociações e de seu constante adia-mento. O perfil econômico da União Europeia e dos membros do MERCOSUL definidos pela OMC irá auxiliar nosso entendimento em torno dos interesses envolvidos entre as partes, enfatizando o peso de certos setores envolvidos nas negociações. Focaremos então no comércio MERCOSUL-UE, e, com essas informações, analisare-mos as razões para o fracasso do acordo em 2004 através da biblio-grafia que trata do tema. Com essa base, e nos fatores que influen-ciaram esse entrave, buscaremos evidências para sustentar a tese de que o entrave nas negociações tem um fundo jurídico institucional.

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O acOrdO de assOciaçãO entre O MercOsul e a uniãO eurOpeia sOb uMa perspectiva evOlutiva: fOntes naciOnais, regiOnais e internaciOnais MOldandO as relações entre Os blOcOs

1. os entraVes e PossIbIlIdades nas negocIações do acordo de assocIação

É importante ter em mente as razões por trás do discurso político entusiasta que vem junto com acordos comerciais desta mag-nitude. O perfil comercial entre os dois blocos é um indicativo im-portante que nos mostra as prioridades de cada lado, assim como eventuais setores que possam ser considerados sensíveis pelos países envolvidos. Com base nos perfis de comércio definidos pela OMC para o ano de 2012, inferimos estatísticas importantes que revelam muito das motivações dos atores envolvidos nas negociações.

tabela 1 – peRFis comeRciais

Fonte: WTO trade profiles 2012.

A tabela acima consolida muitas características do comércio entre os dois blocos. No que tange à pauta comercial, alguns dados chamam a atenção. Em países do Cone Sul, é clara a preponderân-cia de produtos agrícolas no total de suas exportações (entre 35,6%

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

e 73,8% do total exportado), ao passo que a União Europeia tem um foco nas exportações de manufaturados2 (79,1%). O que chama a atenção, porém, é o baixo percentual de importação de produtos agrícolas na pauta comercial do bloco (7,5%). Esse percentual, apesar de representar um valor real muito alto (uma vez que a UE é o maior importador de produtos agrícolas do mundo), ainda é muito baixo3. É um indicativo de que há alguma política voltada ao setor agrícola, o que analisaremos mais adiante.

A garantia de acesso preferencial aos seus produtos agrícolas foi sempre uma preocupação dos membros do MERCOSUL, bilate-ral e multilateralmente. Os europeus, por sua vez, mostram um baixo percentual de importação de agrícolas que tem se mostrado constan-te desde 2005. Analisando o destino e a origem de produtos, é clara a preponderância da UE como um dos principais parceiros comerciais do MERCOSUL. Se desconsiderarmos o comércio intra-MERCO-SUL, a União Europeia desponta como o principal parceiro dos paí-ses do Cone Sul. Esse é mais um indicativo de que há um ambiente favorável à negociação de acordos de liberalização tarifária, uma vez que o fluxo de comércio é relevante em termos percentuais. A libe-ralização afetaria de maneiras diferentes os setores, e é por diferentes razões que se dão os entraves nas negociações. Apesar de afetar a to-dos os setores envolvidos nas propostas de liberalização, alguns têm maior relevância no comércio com a EU. Políticas governamentais de estímulos ao setor, lobbys, outros acordos e protecionismos podem

2 Além disso, no que tange aos serviços, a proporção do comércio com relação ao total exportado chega a 27,7%, faixa atingida apenas pelo Uruguai entre os membros do MERCOSUL, demonstrando uma incipiência desse comércio entre os membros do bloco, se comparados à UE. Apesar do foco em manufaturados, é essencial notar o peso dos serviços na pauta de comércio da UE para entender suas motivações ao negociar. 3 A UE disponibiliza desde 2005 o relatório sobre perfis de comércio. É importante ressaltar que os percentuais apresentados na tabela que se mantêm constantes se analisarmos os dados dos perfis de comércio da OMC desde 2005. Essa consideração é importante, uma vez que os setores envolvidos não tiveram nenhuma mudança substancial na pauta de exportação e importação do MERCOSUL na última década.

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ter sido os responsáveis pelo congelamento do acordo em 2004. Dessa forma, uma análise dos temas e processos envolvidos nas ne-gociações se faz necessária para o entendimento de sua dinâmica.

Por se tratar de uma negociação tarifária, o órgão respon-sável por consolidar as ofertas dos setores, no âmbito brasileiro, é a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), um órgão integrante do Conselho de Governo da Presidência da República que tem por obje-tivo a formulação, adoção, implementação e coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços. No que tange a acordos como o de Associação Inter-regional MERCOSUL – União Europeia, a CAMEX, sob o artigo 23, II da lei 12.527/20114, classifica o tema como sigiloso, argumentando que a divulgação de informações poderia por em risco o curso das negociações entre os dois blocos. Por essa razão, artigos acadêmicos e notícias que tratam do tema não contêm informações técnicas sobre o que se é negocia-do, nem o que afetou pontualmente o não fechamento das propostas em 2004, mas, a partir de ambos, podemos inferir o que influenciou nesse processo.

O período entre 2000 e 2004, na qual as negociações se de-senvolveram de forma acelerada, mostrou claramente a articulação de interesses por trás desse processo. Tanto do ponto de vista diplo-mático quanto do empresarial (a nível nacional e regional), o acordo era visto com otimismo mesmo em um período de crise que afetava o Cone Sul. Rosana Tomazini5 divide esse período das negociações em três fases distintas, nos quais podemos observar os diferentes

4 “Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: [...] II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais.”5 TOMAZINI, Rosana. „Understanding the Association Agreement between the EU and Mercosur: its structure, course of negotiations and the involvement of the business sector”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

interesses e fases na tentativa de implementação do AA. Tais fases foram marcadas pelo caráter técnico, visando intercambiar informa-ções e identificar as barreiras e entraves que existiam na balança co-mercial dos blocos para então criar uma base para apresentar as pro-postas e discutir os conteúdos específicos a serem negociados. Entre as questões levantadas a nível regional, o crescente protecionismo argentino6 se destaca, como visto novamente na retomada das nego-ciações desde 2010, como um dos principais entraves na consolida-ção de uma proposta única do MERCOSUL. A relutância argentina por todo o processo e a pressão por parte de outros membros (em especial do Brasil) na tentativa de coordenar posições têm sido vis-tas como reflexos de questões estruturais no âmbito regional7. Entre outros aspectos, a incapacidade do governo argentino em coordenar a proposta do empresariado, aliada às suas condições macroeconô-micas desfavoráveis, estimulou o país a tomar cada vez mais uma posição protecionista.

No aspecto técnico e setorial a nível nacional, os interesses de certos segmentos da indústria e de grande parte das associações e de produtores agrícolas se mostraram conflitantes e relutantes em muitas fases das negociações, evitando que se chegasse a um consen-so satisfatório sobre a pauta de liberalização em 2004. O posiciona-mento desses setores em contraponto aos interesses da diplomacia brasileira resultou em um grande esforço interno para consolidar posições. Tal como no nível regional, a consolidação de propostas a nível nacional enfrentou diversos retrocessos até chegar a propos-tas preliminares e demandou um esforço político muito grande para

6 Vera Thorstensen corrobora essa situação ao indicar o momento histórico como sendo ideal para o Brasil no fechamento do acordo, momento esse que a Argentina não se encontra. (“Brasil: cansados de esperar”. La Nación, 26/11/2013) 7 SARAIVA, Miriam. “Brazilian Strategic Partnerships with Lula and Dilma Rousseff: the role of the European Union”. German Institute of Global and Areas Studies (GIGA). Março de 2013.

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acomodar os diversos interesses em pauta. Tal relutância, refletida em lobbys e pressões durante todo o processo, evidenciaram clara-mente certos aspectos sensíveis envolvidos na negociação.

Dentre os principais pontos, o “obstáculo agrícola”8 se po-siciona como um desafio central tanto no que tange ao comércio de commodities (soja, minério de ferro, petróleo, café, milho, etanol, tabaco) quanto nos chamados “manufactured agribusiness products” (ce-lulose, suco de laranja concentrado, carnes). As práticas comerciais da União Europeia frente ao MERCOSUL, como notadas nos perfis comerciais dos blocos, sugerem certos entraves possíveis ao acordo. De um lado notamos o protecionismo através de barreiras não tari-fárias e a existência de uma resistência baseada na Política Agrícola Comum da Europa9, que segue a lógica de garantir preços razoáveis aos consumidores ao mesmo tempo em que possibilitam uma re-ceita justa para os fazendeiros e produtores. De outro, temos uma posição assertiva e agressiva do Brasil em demandar a liberalização agrícola, uma vez que a alta competitividade do setor o torna compe-titivo em mercados internacionais10. Considerando a existência des-se embate entre uma política europeia defensiva de protecionismo agrícola e uma posição agressiva pró-liberalização do setor por parte do MERCOSUL, a questão dos subsídios continua uma das razões centrais para a conclusão do acordo. O fracasso em negociar essa

8 ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon e LOHBAUER, Christian. “New and Old Challenges of the Trade Agreement between the European Union and Mercosur”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 20-21. 9 Internamente, ainda, a Europa conta com uma grande oposição da França, país mais beneficiado pelos subsídios agrícolas europeus, e da Espanha, que teve problemas com a Argentina relacionados à nacionalização de empresas espanholas e quebras de contrato. [MALAMUD, p.101] 10 BARRAL, Welber. „The possibility of a win-win: the liberalization of services between the Mercosur and the European Union”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012.

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ConCurso de Monografias da união europeia no Brasil

questão a nível multilateral torna sua inclusão ainda mais essencial11 na pauta das propostas a serem trocadas.

Os setores industriais e de serviços, por serem mais hete-rogêneos em termos de composição e níveis de competitividade aparecem como menos consensuais no fechamento de propostas de liberalização12. Entre as pressões industriais, o setor automotivo foi um caso particular de destaque, no qual os europeus (principalmente a Alemanha) exigiram a abertura, apesar da grande hesitação dos se-tores brasileiro e argentino. Outros produtos de alto valor agregado, como aeronaves, caminhões e tratores, foram ainda tópicos em des-taque na pauta industrial. Tais setores, por contarem com lobbys bem articulados e posicionados no âmbito interno, têm dificultado ofertas satisfatórias de liberalização. O setor de serviços se inclui entre os diversos outros tópicos das negociações que ainda se encontram em uma fase incipiente, cujos detalhes nem começaram a ser delineados (compras governamentais, serviços, propriedade intelectual, facilita-ção de comércio e mecanismo de resolução de disputas). Há uma pressão europeia pela adequação da legislação dos países do Cone Sul em alguns desses setores, e o atraso em implementar medidas que ga-rantam a eficácia dos pontos acordados traz uma relutância adicional por parte dos negociadores europeus.

Dessa forma, e a partir do entendimento técnico dos entra-ves envolvidos nas negociações, elencamos três pontos-chave:

1. Setor Agrícola - grande peso em países do Cone Sul, como analisados em sua pauta de exportações. Esse peso se reflete na existência de lobbys que pressionam no in-tuito de garantir seus interesses. Além disso, despontam

11 SARAIVA, Miriam. “Brazilian Strategic Partnerships with Lula and Dilma Rousseff: the role of the European Union” German Institute of Global and Areas Studies (GIGA). Março de 2013. 12 BARRAL, ibidem, p. 66.

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como setores competitivos e mais coesos, se comparados com outros envolvidos nas negociações. Atualmente, em torno de 70% dos produtos agrícolas podem entrar na UE sem barreiras tarifárias. Os outros 30%, porém, con-tém produtos sensíveis de interesse para o MERCOSUL, resultando em uma distorção de comércio e surgindo como o principal impasse das negociações13.

2. Setor de Serviços - serviços são uma parcela importante no comércio exterior europeu. Por ser ainda incipiente na balança comercial de certos países do MERCOSUL, há uma pressão europeia pela liberalização e regulação desse setor nos mercados sul-americanos. Essa questão envolve diferentes setores e sua complexidade impede que propostas dinâmicas sejam apresentadas e negocia-das entre os dois blocos.

3. Setor Automobilístico - no que tange ao comércio de produtos manufaturados, é conhecido o grande prote-cionismo dos setores automobilísticos em países como o Brasil e a Argentina. A União Europeia reivindica a redução de tarifas desses setores, que pressionam por protecionismo, do lado do MERCOSUL. Esse impasse é uma das questões do acordo, uma vez que tais setores respondem por uma parcela majoritária na exportação de manufaturados pelo MERCOSUL.

Podemos inferir, então, que o interesse do lado europeu prende-se à abertura de mercados no MERCOSUL para seus pro-dutos industriais, serviços, investimentos e participação nas compras

13 ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon e LOHBAUER, Christian. ‘New and Old Challenges of the Trade Agreement between the European Union and Mercosur’. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 21.

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governamentais. A UE tem interesse mais amplo em matéria de li-beralização, enquanto os membros do MERCOSUL se mostraram ofensivos na questão agrícola, procurando defender também setores específicos da indústria e de serviços14. O fator responsável pelo resultado de 2004 foi a recusa da oferta dos países do cone sul pelos europeus. A última oferta propunha que o volume de comércio de bens industriais para liberalização completa fosse de 77%, contra os 88% propostos anteriormente. Não foi possível coordenar uma ofer-ta conjunta satisfatória e o acordo foi deixado de lado.

2. entraVes JurIdIco-InstItucIonaIs na consolIdação das relações externas

Há uma diferenciação técnica nos acordos firmados pela União Europeia que é importante destacar15. As três formas mais comuns são os acordos de comércio, os acordos de cooperação e os acordos de associação. O primeiro, praticamente extinto hoje em dia, visa eliminar tarifas em um determinado período de tempo firmado pelas partes. O segundo visa a cooperação econômica e comercial, in-cluindo ações no intuito de liberalizar determinados setores. Envolve ainda ferramentas de diálogo político entre as partes, garantindo en-contros regulares de autoridades, em busca de uma cooperação mais densa. O terceiro, conhecido como “acordo guarda-chuva”, estabele-ce bases para uma cooperação ampla em diversas áreas (normalmen-te, é usado para estreitar as relações com países antes de integrarem

14 Jorge Peydro Aznar, conselheiro para assuntos comerciais da Comissão Europeia no Brasil, deixou claro essa intenção em 2004: “Queremos um acordo ambicioso, uma área de livre-comércio segundo a definição da OMC - que envolva substancialmente todo o comércio”. Fonte (acessada em 15.12.2013): http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1501:catid=28&Itemid=23 15 TOMAZINI, Rosana. „Understanding the Association Agreement between the EU and Mercosur: its structure, course of negotiations and the involvement of the business sector”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 11.

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a União Europeia) - é nessa categoria que se enquadra o acordo em negociação com o MERCOSUL16.

Enquanto a União Europeia apresenta uma tendência de fe-chamento de acordos de livre-comércio com países de peso econômi-co e comercial consideráveis17, tendo diversos acordos concluídos e estabelecendo uma estratégia de aproximação densa, o MERCOSUL parece estar dando seus primeiros passos18. Com um modesto nú-mero de acordos fechados, o MERCOSUL conta hoje em dia com apenas 3 ALC assinados - Palestina, Egito e Israel, além de poucos acordos de preferência comercial (SACU e Índia)19. Essa tendência, corroborada se analisarmos os acordos-quadro em andamento, com países como Jordânia, África do Sul, México e Turquia, mostra um intento de aprofundar as relações sul-sul, fortalecendo um dos pilares da política externa, moldado no fim do governo de FHC e intensi-ficado na administração de Lula. O fracasso das conversas para o fechamento da ALCA e o foco do Brasil em Doha no âmbito da OMC mostrou uma estratégia que viria a se moldar em termos mais

16 É importante ainda destacar as parcerias estratégicas que o bloco estabelece, categoria na qual o Brasil foi enquadrado em 2007 em vistas do congelamento do acordo de associação. Tais parcerias, por serem realizadas com poucos atores, mostram muito do interesse político e comercial da UE em suas relações externas. Elas são firmadas para estabelecer âmbitos de diálogo e cooperação de forma a aprofundar a integração com países selecionados. No contexto do fechamento do AA com o MERCOSUL, estacionado desde 2004, a parceria veio como forma de impulsionar as negociações ao intensificar a cooperação com a maior economia do bloco. Em termos regionais, a parceria não foi vista com bons olhos pela Argentina, e, ao mesmo tempo, não garantiu benefícios comerciais exclusivos ao Brasil, uma vez que este continuou atrelado à estrutura jurídica do bloco. [SARAIVA, 2013] 17 Entre os acordos em vigor e aqueles em negociação, a UE acumula atualmente mais de cem formas de cooperação comercial pelo mundo. Fonte: Comissão Europeia (acessado em 15.01.2014) - http://ec.europa.eu/enterprise/policies/international/files/ongoing-trade-negotiations_en.pdf 18 MALAMUD, Carlos. “The Future of the EU-Mercosur Negotiations: How Important are Politics?”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. Página 104. 19 Fonte: Itamaraty (acessado em 15.01.2014) - http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-oministerio/america-do-sul/dnc-i-2013-divisao-de-negociacoes-extra-regionais-do-mercosul-i

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definidos na década que se seguiu ao início da Rodada. O Brasil e o MERCOSUL passaram a forjar alianças com os países do Sul, dei-xando questões de comércio sensíveis como a liberalização agrícola e a crítica aos subsídios, protecionismo industrial e liberalização de serviços para serem tratadas no âmbito multilateral.

Avanços reais não foram alcançados nesse âmbito20, porém. Apesar do acordo em Bali dar fôlego ao multilateralismo, o quadro de liberalização comercial não se alterou para o Brasil, e é latente a irrelevância em termos reais dos acordos de livre comércio assi-nados pelo MERCOSUL na última década. O não fechamento do acordo de associação com a UE em 2004 teve a contrapartida do âmbito multilateral. Do lado europeu e norte americano, a estratégia de negociar acordos de livre comércio continuaram mesmo com o fracasso de estabelecê-los com os países do Cone Sul (ALCA e AA com a União Europeia), e muitas negociações deram frutos na última década. Enquanto a UE se consolidou cada vez mais como um bloco, tanto em suas relações intra-regionais quanto em sua política externa, o MERCOSUL se distanciou cada vez mais de uma coesão. A estru-tura jurídico-institucional do MERCOSUL e a estratégia delineada na última década engessaram os membros do bloco ao priorizar o intergovernamentalismo na tomada de decisões, demandando uma coesão muitas vezes impossível de se moldar. A percepção do go-verno e do empresariado brasileiro frente aos holofotes gerados pelo crescimento econômico da última década passou a estimular a ideia de que o bloco aparecia como um empecilho, uma vez que o dinamis-mo das negociações comerciais internacionais era perdido em meio às incongruências entre os membros.

Nessa linha, é importante levar em consideração os níveis

20 TORRENT, Ramon. “EU-Mercosur Negotiations: the History of a Strategy by Default?”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 46-53.

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de análise que embasam essa argumentação. A estrutura jurídica do bloco impede que os membros do MERCOSUL fechem acordos de livre comércio individualmente com países terceiros, delegando ao Conselho Mercado Comum a atribuição de negociá-los21. Na cons-tituição europeia, o órgão responsável pelo fechamento de acordos é Comissão, que detém o mandato exclusivo dessa função. No caso da UE, que seguiu uma fórmula supranacional na construção de suas bases, a delegação de certas funções passa do estado para certas es-truturas do bloco que, dessa forma, minimiza o impacto de questões nacionais individuais na definição de políticas regionais. Essa trans-ferência de soberania não ocorreu no caso do MERCOSUL, e ques-tões técnicas continuam a entravar a evolução de diversos aspectos, mesmo passados mais de 20 anos de sua criação. Nesse sentido, o CMC detém a legitimidade de negociar acordos, mas a definição das propostas e da vontade em fechá-los depende fundamentalmente do comum acordo entre os membros.

3. uma análIse multIníVel das negocIações do acordo de assocIação

O estudo de caso desse artigo mostra os diversos níveis en-volvidos para entender o engessamento do bloco em suas relações externas. A nível nacional, vemos interesses distintos e conflitantes que impedem o bloco que agir de maneira coesa. No caso da União Europeia, esse efeito foi minimizado pela supranacionalização de di-versos temas que antes eram de escopo dos estados, mas, convém lembrar, ainda pesam na definição dos rumos do que é acordado. Nesse sentido, o crescente protecionismo argentino e a relutância em liberalizar por parte do governo e do empresariado apareceram como um dos entraves mais latentes. Uruguai e Paraguai parecem cada vez

21 Artigo 8, inciso IV do Protocolo de Ouro Preto .

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mais dispostos a liberalizar, mas o impedimento institucional nega a esses países a possibilidade de dinamizar suas relações externas (e, nesse ponto, é importante enfatizar a crescente importância da Aliança do Pacífico e a antiga vontade desses países de estreitarem laços com os Estados Unidos). Na visão brasileira, o acordo com a UE surge como uma pauta prioritária. O país se encontra atualmente fora da dinâmica de tratados de livre comércio que tem se intensifi-cado nos últimos anos, e o fato do país perder preferências tarifárias do Sistema Geral de Preferências da OMC em 2014 traz preocupa-ções ao comércio com a União Europeia. O Brasil tem usado seu capital político de forma a possibilitar o fechamento do acordo, mas tanto internamente quanto com relação aos seus vizinhos, o país tem encontrado dificuldades (lobbys, protecionismos e atrasos nas negociações de pontos do acordo). A Argentina, por sua vez, tem intensificado seu protecionismo, e a coordenação de interesses entre o empresariado se mostrou difícil, demandando pressões externas e vontade política interna por parte do governo.

A nível regional, vemos um descompasso entre os membros e uma iminência de repensar suas prioridades e estruturas. Nascido para fomentar a cooperação entre os países, o bloco ainda hoje care-ce de ordenamentos técnicos e estruturas que garantam o dinamismo de suas relações externas. Internamente vemos uma falta de propó-sito comum em alguns aspectos, e seu reflexo demonstra uma opor-tunidade de repensar as prioridades do bloco. O cronograma de libe-ralização flexível apresentado pela União Europeia para concretizar o acordo de associação é um reconhecimento claro dessa ineficiência em coordenar interesses dentro do bloco. Com a Venezuela fora das negociações e a dificuldade de fechar uma proposta única, a flexibili-zação é a única maneira de garantir que um acordo seja concretizado. Nesse quadro, o Brasil se encontra em uma estrutura que impede a

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negociação de acordos com parceiros dinâmicos, e a ascensão do país em foros multilaterais (IBSA, BRICS, G20) traz uma contradição, ao passo que o país se engaja em uma estratégia de se tornar um global player sem, porém, ser capaz de institucionalizar ferramentas de co-mércio eficazes com esses países.

A nível internacional, vemos um contexto de tentativa de recuperação da agenda da Rodada de Doha, apesar de se mostrar menos efusiva do que nos anos que a moldaram. A estratégia de se negociar a liberalização de forma multilateral deve continuar a ser uma das estratégias do Brasil nos próximos anos, mas seus resultados dependem muito do que se for alcançado bilateralmente. A histórica disputa pelo fim dos subsídios e pela liberalização de setores chaves é inerente à negociação do acordo MERCOSUL-União Europeia, e avanços mais substanciais têm se mostrado mais fáceis de serem alcançados a nível bilateral do que multilateralmente. A estratégia de estabelecer um piso em âmbito multilateral antes de se negociar bila-teralmente se mostrou falha com o entrave em Doha, e a iminência do fim das preferências comerciais bilaterais com a União Europeia, além das negociações de cotas e preferências do bloco com Estados Unidos e Ásia, coloca a pauta do acordo novamente como prioritá-ria, explicando o intenso discurso político em torno da retomada das negociações desde 2010.

Nesse contexto, o entendimento do não fechamento do acordo de associação deve partir de uma análise multinível. A coor-denação de interesses internos para fechar uma proposta depende da capacidade de mobilização entre o governo, o empresariado e os setores chaves de cada país. A partir disso, as quatro propostas devem convergir a nível regional para garantir a formação de uma posição coesa que, então, deve ser negociada entre os dois blocos. Esse pro-cesso tem se mostrado lento e conflituoso, se analisarmos todo o

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histórico do acordo e, em partes, questões jurídicas e estruturais do MERCOSUL estão por trás desse quadro.

conclusões

O Brasil terminou 2004 com duas negociações regionais fra-cassadas (a da Área de Livre Comércio das Américas - ALCA - e a do acordo UE-MERCOSUL), apostando no âmbito multilateral22. Regionalmente, o país apostava no fortalecimento do MERCOSUL para negociar em melhores termos com os Estados Unidos. No âm-bito da OMC, o país viu na Rodada Doha23 uma possibilidade de es-tabelecer um patamar de liberalização a nível multilateral que servisse de base para negociar com os europeus numa eventual retomada das negociações. Ambas estratégias fracassaram e o acordo saiu da lista prioridade do país e dos seus vizinhos.

O fechamento do acordo de associação exige uma coorde-nação nacional, regional e internacional muito bem delineadas e os entraves e as dificuldades que o processo tem encontrado são refle-xos de uma série de fatores. Este trabalho tentou mostrar que fatores puramente nacionais podem ser variáveis que impedem o fechamen-to de acordos, mas a inserção desses fatores em uma estrutura regio-nal engessada e sem mecanismos para coordenar uma ação conjun-ta pode influenciar na inércia do bloco em termos de relações com terceiros.

Entre as soluções propostas, ferramentas radicais e refor-mas jurídicas são apontadas no intuito de dinamizar as relações do

22 THORSTENSEN, Vera. O Brasil frente a um tríplice desafio: as negociações simultâneas da OMC, da ALCA e do acorde CE/Mercosul. Cadernos do Fórum Euro-Latino-Americano. Outubro de 2001. A autora destaca, em 2001, a tríplice posição do Brasil frente às suas relações comerciais em 2001. Com dois acordos de liberalização tarifária sendo negociados e uma rodada de liberalização no âmbito da OMC, percebemos o posicionamento do Brasil frente a essas frentes. 2004 mostrou o congelamento do AA com a UE e o fim da ALCA.

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bloco. A desintegração regional visando buscar pragmatismo comer-cial aparece como uma das mais radicais, como forma de perseguir uma estratégia global para o Brasil e outros membros sem as amarras geradas pela imobilidade do MERCOSUL. Há ainda a possibilidade de reformulação jurídica, mantendo propósitos regionais ao mesmo tempo em que se busca uma maior flexibilidade. Nesse sentido, po-de-se acreditar no aprofundamento da institucionalização como for-ma de garantir a coesão. Independente das ferramentas utilizadas, é importante entender as estratégias de política externa dos países para entender a estrutura regional na qual se encontram. Inúmeras propos-tas regionais visaram buscar a congruência de interesses na América Latina, e entre fracassos e acertos, a estrutura regional de hoje vem de um histórico de cooperação bem sucedido. Independente do tipo de integração visado pelos países, o fato que o contexto regional está na pauta de política externa dos países como uma estratégia bem defini-da. Seja apostando na Aliança do Pacífico, ressaltando a importância do MERCOSUL e da UNASUL ou seguindo visões independentes como a da ALBA, o regionalismo é parte da política latino-america-na. A variável regional aparenta ter um peso relevante na definição dos rumos que os países seguem, e, nesse sentido, a cooperação com a Europa deve ser entendida em seus diversos níveis para se chegar a uma análise de sua evolução e seus potenciais avanços.

As perspectivas e o contexto atual devem servir de estímulo para que o fracasso de 2004 não seja repetido. Após a destacada falta de coesão entre os países do Cone Sul, a União Europeia se mostrou flexível ao declarar aceitar tempos de liberalização diferenciados en-tre os membros do bloco. Além disso, Paraguai, Uruguai e Brasil já têm ofertas prontas e aceitáveis, em um primeiro momento, para os níveis europeus. É impossível prever se o acordo sairá dessa vez ou se continuará no nível do discurso político. Se a dificuldade em fechá-lo

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é uma metáfora para as dificuldades em consolidar o MERCOSUL, somente os seus resultados irão dizer. O que é imperativo, porém, é que essa imobilidade estrutural seja repensada em prol do desenvol-vimento econômico de seus membros, evitando deixá-los de fora da dinâmica comercial internacional que se desenha atualmente.

referêncIas bIblIográfIcas

ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon e LOHBAUER, Christian. “New and Old Challenges of the Trade Agreement between the European Union and Mercosur”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 18-26.

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THORSTENSEN, Vera. “O Brasil frente a um tr plice desafio: as negocia es simult neas da OM da A A e do acorde E Mercosul”. Cadernos do Fórum Euro-Latino-Americano. Outubro de 2001.

TOMAZINI, Rosana. „Understanding the Association Agreement between the EU and Mercosur: its structure, course of negotiations and the involvement of the business sector”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 10-17.

TORRENT, Ramon. “EU-Mercosur Negotiations: the History of a Strategy by Default?”. MERCOSUR - European Union dialogue. ApexBrasil, 2012. P. 46-53.

A presente obra objetiva apresentar alguns dos principais debates no cenário da academia brasileira sobre a União Europeia (UE), bem como os contor-nos preponderantes do seu diálogo político com o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e, sobretudo, com o Brasil.

Ao tomar essa direção, a obra se constrói em torno de dois eixos basilares: de um lado, desvenda questões que estão na ordem do dia da agenda inte-gracionista europeia, e que atestam para a faceta sui generis do mais complexo modelo de integração regio-nal do cenário hodierno; de outro lado, evidencia-se a preocupação de situar os mecanismos de cooperação entre atores no contexto das alterações advindas dos novos processos internacionais que favorecem intera-ções em uma sociedade multifacetária que demanda a coordenação de esforços para a formulação de res-postas aos grandes desafios mundiais. Neste sentido, identificam-se as congruências, tensões e contradições do relacionamento euro-sul-americano que, desde os primórdios revela-se marcado por interesses ora con-vergentes, ora divergentes, mas que podem se traduzir em mútuas conveniências.