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Amado da Costa e Silva
Vila Velha, dezembro 2003
Princípios do Tradicionalismo
Gaúcho
O objetivo deste trabalho é auxiliar pessoas
interessadas a compreender o movimento
tradicionalista gaúcho.
Foi elaborado a partir do resumo de algumas
obras e de artigos existentes na internet.
Sumário
1. INTRODUÇÃO ...................................................................... 5
2. SÍNTESE CRONOLÓGICA DO RIO GRANDE DO SUL ......................... 6
3. O RIO GRANDE DO SUL ATUAL ................................................. 9
4. O ÍNDIO .......................................................................... 10
5. O GAÚCHO ........................................................................ 11
6. TRADIÇÃO E TRADICIONALISMO GAÚCHO .................................. 12
7. CENTROS DE TRADIÇÕES GAÚCHAS – CTG´S ............................... 13
8. MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO – MTG .......................... 15
9. CARTA DE PRINCÍPIOS DO MOVIMENTO TRADICIONALISTA ............ 15
10. EXPOENTES DO MTG ............................................................ 17
11. O ANTITRADICIONALISMO .................................................... 17
12. CARACTERÍSTICAS DO FOLCLORE GAÚCHO .................................. 18
12.1 QUERÊNCIA ................................................................................................................... 18
12.2 FOGO DE CHÃO E CHAMA CRIOULA ............................................................................... 18
12.3 REGIONALISMO ............................................................................................................ 19
12.4 NATIVISMO .................................................................................................................. 19
12.5 CRIOULISMO ................................................................................................................. 19
12.6 TELURISMO ................................................................................................................... 20
12.7 MACHISMO GAÚCHO ..................................................................................................... 20
12.8 MISSA CRIOULA ........................................................................................................... 21
12.9 RITO DA MISSA CRIOULA ........................................................................................... 21
13. SÍMBOLOS DA CULTURA GAÚCHA ............................................. 32
13.1 QUERO-QUERO ............................................................................................................. 32
13.2 ESTRELA BOIEIRA ........................................................................................................ 32
13.3 ERVA-MATE E CHIMARRÃO ........................................................................................... 33
13.4 CHURRASCO, ARROZ DE CARRETEIRO E MOCOTÓ ......................................................... 34
14. A INDUMENTÁRIA GAÚCHA .................................................... 37
14.1 CHIRIPÁ ......................................................................................................................... 37
14.2 BOMBACHA .................................................................................................................... 38
14.3 LENÇO GAÚCHO ............................................................................................................. 38
14.4 CHAPEU .......................................................................................................................... 39
14.4.1 Simbolismo do chapeu ............................................................................................ 40
14.5 VESTIDO DE PRENDA .................................................................................................... 41
15. DANÇAS GAÚCHAS ............................................................... 42
16. A ESTILIZAÇÃO DAS DANÇAS GAÚCHAS .................................... 43
17. DIVERSÕES GALPONEIRAS ..................................................... 45
17.1 TROVA ........................................................................................................................... 45
17.2 TRUCO ........................................................................................................................... 46
17.3 ESCOPA .......................................................................................................................... 46
17.4 BOCHA ........................................................................................................................... 47
17.5 CANCHA RETA ................................................................................................................ 47
18. O CAVALO ......................................................................... 47
19. AS TROPEADAS E O RODEIO................................................... 49
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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1. Introdução "Em 1949, integrando uma representação de nove gaúchos brasileiros que
participaram dos festejos comemorativos do Dia da Tradição em Montevidéu,
surpreendemo-nos e encantamo-nos com o tesouro de danças tradicionais que os
platinos naquela ocasião nos desvendaram.
Nós os sul-rio-grandenses, porém, não tivemos uma dança sequer que pudéssemos
apresentar, por mais modesta que fosse e que servisse para traduzir nossa alma
popular!
Quando voltamos ao Brasil, trazíamos o coração oprimido pelo conhecimento de
pertencermos a um povo que esquecera as suas tradições..." - trecho extraído do
livro do Manual de Danças Gaúchas, escrito por Paixão Côrtes e Barbossa Lessa.
A palavra tradição, em seu significado latino, que se desdobra em outros com
certa analogia, refere-se ao ato de transmitir ou entregar. Entretanto, tais
elucubrações etimológicas não fundiram a cuca de Paixão Cortes, Barbosa Lessa e
Glaucus Saraiva, três ginasianos que em 1947 criaram o Departamento de
Tradições Gaúchas do Grêmio Estudantil do Colégio Júlio de Castilhos de Porto
Alegre. Com profundo senso prático eles realizaram o levantamento dos usos e
costumes, músicas, lazeres, crenças, poesias, etc...que lhe estavam sendo
entregues por seus antecessores. Nascia assim uma consciência regional
contrária ao american way life que se apresentava como modelo e firmou-se com
os Centros de Tradições Gaúchas. Posteriormente criou-se o Movimento
Tradicionalista Gaúcho (MTG), que fortaleceu-se na década de 70 com as
Califórnia da Canção Nativa, onde a musica gaúcha adquiriu melhor qualidade e
novos adeptos e com a multiplicação de CTG´s e seus festivais nativistas de
musicas crioulas difundindo assim a cultura, o folclore e a tradição gaúcha além
da divisa e fronteira do Rio Grande do Sul.
O grande desafio dos jovens que iniciaram o MTG era não deixar que as raízes
históricas fossem podadas e fazer com que os hábitos e costumes do Rio Grande
do Sul continuassem sendo cultivados espontaneamente. Com este intuito,
passaram a mostrar às pessoas a importância dos hábitos do gaúcho, buscando
traços apagados da sua cultura, como danças e expressões que já não estavam
mais vigentes naquela época.
Entretanto, com a realização de inúmeros concursos e festivais, muitos dos
Centros de Tradições Gaúchas estão deixando de lado a essência principal do
folclore, que é a participação popular e legítima para caminharem em direção
contrária ao que se propõem, enquanto centros culturais e aos objetivos
primordiais que moveram a criação do MTG.
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2. Síntese cronológica do Rio Grande do Sul Estado mais meridional do Brasil localizado entre o trópico de Capricórnio e o
circulo polar Ártico apresentando um clima subtropical, a sua historia é marcada
por muitas lutas e batalhas de disputa da soberania, conforme a breve síntese
abaixo:
1494
É assinado o tratado de Tordesilhas entre Portugal e Espanha. Por esse tratado a
terra do atual estada do Rio Grande do Sul pertencia à coroa espanhola.
1626
O padre jesuíta Roque Gonzalez de Santa Cruz, nascido no Paraguai, atravessa o
rio Uruguai e funda o povo de São Nicolau, assinalando oficialmente a chegada do
homem branco ao território gaúcho.
1634
O padre jesuíta Cristobal de Mendonza Orellana (Cristóvão de Mendonza)
introduz o gado nas Missões Orientais, o que vai justificar mais tarde o
surgimento do gaúcho.
1641
Os jesuítas são expulsos do Rio Grande do Sul pelos bandeirantes, depois de
fundarem 18 reduções ou povos. Essas aldeias foram todas arrasadas e o gado,
um pouco foi escondido na Vacaria dos Pinhais, outro pouco levaram para a
Argentina e a maior parte se esparramou, virando "chimarrão", que quer dizer
selvagem. Graças ao padre Cristóvão Mendonza, esse gado, que não tinha marca
nem sinal, ficou também chamado de "orelhano".
1750
Assinado o Tratado de Madri entre Espanha e Portugal, pelo qual os portugueses
dão aos espanhóis a Colônia de Sacramento e recebem em troca os 7 Povos das
Missões. Os padres jesuítas espanhóis não se conformam com a troca e os índios
missioneiros se revoltam. Vai começar a chamada Guerra das Missões.
1756
A 7 de fevereiro morre em uma escaramuça o índio José Tiarayu, o Sepé, junto a
Sanga da Bica (hoje dentro do perímetro urbano de São Gabriel) morto pelas
forças espanholas e portuguesas. Três dias mais tarde ocorre o massacre de
Caiboaté (ainda no município de São Gabriel) onde, em uma hora e 10 minutos os
exércitos de Espanha e Portugal mataram quase 1.500 índios e tiveram apenas 4
baixas. Em Caiboaté foi vencida a resistência missioneira definitivamente. Ao
abandonarem as Missões, os jesuítas carregaram o que puderam e incendiaram
lavouras, casas e até igrejas.
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1763
Tropas espanholas invadem o Brasil, apoderando-se do Forte de Santa Tereza e
da cidade de Rio Grande e de São José do Norte.
1776
Os espanhóis são expulsos do Rio Grande. Mas o forte de Santa Tereza jamais
foi recuperado. Hoje está em território uruguaio.
1815
Tropas brasileiras e portuguesas tomam Montevidéu anexando o Uruguai ao
Brasil com o nome de Província Cisplatina.
1824
A 18 de julho desembarcam em Porto Alegre os primeiros 39 colonos alemães. A
25 de julho eles se instalam nas margens do rio dos Sinos, na Real Feitoria do
Linho Cânhamo, hoje a cidade de São Leopoldo.
1835
Explode a Revolução Farroupilha. A 20 de setembro, os revolucionários
comandados por Bento Gonçalves tomam Porto Alegre, capital da Província. As
causas são políticas, econômicas, sociais e militares. A Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul estava arrasada pelas guerras e praticamente abandonada pelo
Império do Brasil, meio desgovernado depois da volta de Dom Pedro I a Portugal.
1845
A 28 de fevereiro os farrapos assinam a paz com o Império do Brasil no
acampamento do Ponche Verde, em Dom Pedrito. O Rio Grande do Sul volta a
fazer parte do Brasil.
1852
Nesse anos aparece a primeira pesquisa sobre o folclore gaúcho, uma coleção de
vocábulos e frases organizados por Antonio Alvares Ferreira Coruja.
1857
Intelectuais gaúchos imigrados na Corte, fundam no Rio de Janeiro a primeira
entidade tradicionalista gauchesca, a Sociedade Sul-rio-grandense, que existe
até hoje.
1865
Em conseqüência da guerra no Uruguai, o ditador paraguaio Francisco Solano
Lopes, declarando guerra ao Brasil, invade o Rio Grande do Sul, em São Borja.
Começa a chamada Guerra do Paraguai. Nesse mesmo ano o Brasil faz aliança com
o novo governo uruguaio e com a Argentina e os paraguaios invasores são
cercados em Uruguaiana, onde se rendem às tropas da Tríplice Aliança.
1868
Funda-se em Porto Alegre a Sociedade Partenon Literário, decisiva para o
regionalismo gauchesco.
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1868
Começa o movimento messiânico dos Muckers, em Sapiranga, liderado por
Jacobina Maurer.
1870
Termina a Guerra do Paraguai com a morte de Francisco Solano Lopes. Mais de
1/3 das tropas brasileiras é constituído por gaúchos, inclusive velhos heróis de
35, como David Canabarro e Antonio de Souza Neto.
1874
Os Muckers, depois de três ataques do exército brasileiro e da Guarda Nacional,
são finalmente afogados em um banho de sangue, vencida a sua resistência.
1875
Começa a imigração italiana no Rio Grande do Sul. Como os imigrantes alemães já
tinham ocupado os férteis vales fluviais, os italianos passam a ocupar as encostas
da Serra.
1888
A abolição da escravatura é proclamada no Brasil quando já no Rio Grande do Sul
não existiam mais escravos. O negro veio para o pampa em 1726, com a frota de
João de Magalhães.
O escravo foi mão-de-obra indispensável nas charqueadas. Como voluntário e
liberto lutou com grande bravura na Revolução Farroupilha. Como escravo e bucha
de canhão lutou galhardamente na Guerra do Paraguai. Um dos maiores heróis da
marinha brasileira foi um fuzileiro negro, gaúcho de Rio Grande, chamado
Marcílio Dias.
1889
É proclamada a República no Brasil. No Rio Grande do Sul o homem do momento é
Júlio de Castilhos. O Partido Republicano Rio-grandense, que não esperava a
proclamação tão cedo, não estava preparado para assumir o poder. O Rio Grande
do Sul, com a República, deixa de ser Província e passa a ser Estado.
1893
Começa a Revolução Federalista contra o Governo Republicano chefiado por Júlio
de Castilhos. Do lado dos revolucionários tomaram parte na Revolução de 93
muitos uruguaios, alguns dos quais do Departamento de San José, os chamados
"Maragatos".
Aos poucos este termo foi sendo usado para designar todos os revolucionários
que usavam como símbolo o lenço vermelho ao pescoço. Os guerrilheiros que
lutaram a favor do governo usavam o lenço branco (mais raramente o verde) e
usavam às vezes uma farda azul com gorro da mesma cor encimado por uma borla
vermelha. Por isso, foram chamados de Pica-paus.
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1894
Funda-se em Montevidéu, no circo dos irmãos Podestá, a Sociedade La Criolla,
entidade tradicionalista que existe até hoje.
1895
Assinada a paz entre Pica-paus e Maragatos e termina a chamada Revolução de
93, que foi sangrenta e brutal, com muitas degolas.
1923
No começo do ano a Aliança Liberal, chefiada por Assis Brasil, deflagra uma
revolução contra o Governo Republicano de Borges de Medeiros. Novamente
lutam nas coxilhas gaúchas maragatos e governistas, mas estes, agora, são
chamados "chimangos". A paz só é alcançada no fim do ano no Castelo de Assis
Brasil, em Pedras Altas, Pelotas.
1924
Jovens tenentes liderados pelo Capitão Luiz Carlos Prestes levantam nas Missões
militares e civis contra o governo brasileiro, de Artur Bernardes. Vai começar a
odisséia da Coluna Prestes. Poucos anos depois a Brigada Militar viajará até de
navio para o nordeste brasileiro a fim de ajudar na caçada da "Coluna Prestes".
1926
A Coluna Prestes continua sua marca invicta pelos sertões brasileiros. Em Santa
Maria, no RS, os irmãos Etchegoyen levantam militares e civis em armas contra o
governo. Apesar de vitórias iniciais o movimento se dissolve sem maiores
conseqüências.
1930
Chimangos e maragatos marcham lado a lado na revolução que derruba o
presidente brasileiro Washington Luiz e coloca no poder Getúlio Vargas. Os
gaúchos amarram os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio de
Janeiro, Capital da República.
3. O Rio Grande do Sul atual
Situado no extremo sul do continente, confrontando-se ao norte com o estado de
Santa Catarina, ao leste com o oceano Atlântico e tendo fronteiras na região da
Prata com os países: Uruguai ao sul e Argentina ao oeste, o Rio Grande do Sul
ocupa aproximadamente 3% do território brasileiro e abriga 6% da população
nacional. É um dos maiores produtores de grãos e um importante pólo comercial do
Brasil. O mapa do Rio Grande do Sul tem a forma de um coração, inspirando alguns
poetas gauchescos que também o imaginam como a pegada de um casco de cavalo
no chão do pampa Os rios gaúchos pertencem à bacia do Uruguai ou ao conjunto
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de pequenas bacias voltadas para o oceano Atlântico. O rio Uruguai é o mais
extenso rio do estado, separando-o de Santa Catarina e da Argentina. Os
principais rios da vertente atlântica desembocam nas duas maiores lagoas do
Brasil, a lagoa dos Patos, que se liga a lagoa Mirim através do canal de São Gonçalo
e ao Atlântico pela barra do Rio Grande. O estado possui 497 municípios
distribuídos entre a zona rural e a urbana, entre as quais se destacam, a capital
Porto Alegre, Canoas, Pelotas Passo Fundo, Rio Grande e Uruguaiana que faz
fronteira com a Argentina. As serras gaúchas são um espetáculo à parte tendo
Gramado e Canela como pontos turísticos de rara beleza e Caxias do Sul um
importante, centro econômico e financeiro do estado.
A economia do estado tem grande expressão no setor agropecuário, onde os
destaques ficam por conta das plantações de arroz, soja, aveia, uva, trigo fumo,
cebola, milho; rebanhos de ovinos, suínos e bovinos de raças selecionadas,
destinadas ao corte e à produção de leite. A avicultura e a apicultura também
estão em evidencia, e a indústria sulista tem grande importância nos setores de
bens de consumo como alimentos, vestuário, couro e calçados.
4. O índio A cultura indígena deu significativa contribuição à formação do tradicionalismo e
folclore gaúcho sendo considerada como a semente da cultura gaúcha. Muitas são
as classificações dos povos indígenas que viviam entre o oceano Atlântico e a
margem esquerda do rio Uruguai. De acordo com a maioria dos historiadores,
havia naquela região três grandes grupos indígenas: guaranis, pampeanos e gês.
Os guaranis ocupavam as margens da lagoa dos Patos, o litoral norte do atual
Rio Grande do Sul, as bacias dos rios Jacuí e Ibicuí, incluindo a região dos
Sete Povos das Missões. Dominaram também a parte central e setentrional
entre os rios Uruguai e Paraná, bem como a parte sul da margem direita do rio
da Prata e o curso inferior do rio Paraná. Havia entre os guaranis três
subgrupos principais: os tapes (indígenas missioneiros dos Sete Povos), que
ocupavam as margens dos rios a oeste do atual território do Rio grande do Sul
e o centro da bacia do rio Jacuí; os arachanes ou patos, que viviam às margens
do estuário do Gauíba e na parte ocidental da lagoa dos Patos; os carijós, que
habitavam o litoral, desde o atual município de São José do Norte até
Cananéia, ao sul de São Paulo. Apesar da variedade de dialetos, o tupi-guarani
era o tronco lingüístico comum a esses grupos indígenas.
Os pampeanos constituíram um conjunto de tribos que ocupavam o sul e o
sudoeste do atual Rio Grande do Sul,a totalidade do território da República
Oriental do Uruguai, os cursos inferiores dos rios Uruguai, Paraná e da Prata.
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Os subgrupos e tribos mais conhecidos entre eles foram os charruas, guenoas.
minuanos, chanás, iarós e mbohanes. Todos falavam a língua guíchua, com
poucas variações dialetais.
Os gês (kaingangs) possivelmente eram os mais antigos habitantes da banda
oriental do rio Uruguai. É provável que essas tribos começaram a se instalar no
atual Rio Grande do Sul por volta do século II a.C. Ocupavam o planalto rio-
grandense de leste a oeste e abrangiam vários subgrupos: coroados, ibijaras,
gualachos, botocudos, bugres, caaguás, pinarés e guaianás. Estes últimos, no
início do primeiro milênio d.C., foram expulsos pelos guaranis da região
posteriormente denominada Sete Povos das Missões. Os gês do atual Rio
Grande do Sul foram dizimados pelos bandeirantes, guaranis missioneiros,
colonizadores portugueses, brasileiros e ítalo-germânicos. Os grupos que vivem
atualmente nas reservas de Nonoai, Iraí, Tenente Portela migraram de São
Paulo e Paraná, no século passado, durante a expansão da lavoura cafeeira. São
conhecidos desde 1882 por kaingangs ("kaa" = mato; "ingang" = morador),
conforme foram denominados genericamente por Telêmaco Borba (o mais
importante estudioso e defensor dos indígenas no século passado).
5. O Gaúcho Denominação gentílica dada aos filhos do Rio Grande do Sul. “El gaucho” é a
denominação dos campesinos do Uruguai e parte da Argentina, o que mostra a
força de um povo sem fronteiras. A palavra gaúcho não tem origem segura e
várias são as hipóteses de origens indígenas e européias tais como: canto triste
ou uivo de cão, espécie de foice usada pelos minuanos e charruas, tropeiro em
espanhol, vagabundo, esperto, homem de mau costume, caçador de gado
chimarrão, entre outras. O Gaúcho é o fruto de um caldeamento étnico como o
resultado natural de uma necessidade econômica, de onde surgiu o homem capaz
de se aventurar nas vacarias para caçar o gado. Inicialmente iam ao território do
atual Estado do Rio Grande do Sul somente fugitivos, desertores do exercito e
pessoas fora da lei, a maioria deles eram filhos de portugueses e espanhóis com
índias das Missões. De inicio esses fugitivos eram chamados de Guascas, palavra
que significava, tira de couro cru, depois passaram a ser chamados de Gaudérios,
que significava, índio vago, andarengo e solitário. Entretanto, como a maioria
dessas hipóteses leva a uma ligação com gado, rebanhos, pastagens, tropeiros há
uma denominação comum entre os países da bacia do rio da Prata (Argentina,
Brasil e Uruguai) que o gaucho significa homem do pampa, ou seja, pessoa
dedicada a vida pastoril, que para nós barsileiros, o campesino sul-rio-grandense.
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6. Tradição e tradicionalismo gaúcho A tradição é o ato de transmitir os fatos culturais de um povo através de suas
gerações. É a transmissão de lendas, narrativas, valores morais e espirituais,
acontecimentos históricos, hábitos inveterados de pais para filhos. É a memória
cultural de um povo, é um conjunto de idéias, usos e costumes, recordações e
símbolos conservados pelo tempo e pelas gerações. Poucos são os estados da
federação que possuem tradição e o Rio Grande do Sul é um desses.
O Tradicionalismo é a arte de colocar em movimento as peças de uma tradição, é
um estado de consciência que busca preservar as boas coisas do passado sem
conflitos com o progresso por cultos e vivencias. É um movimento popular que visa
auxiliar o Estado na consecução do bem coletivo, através de ações que o povo
pratica com o fim de reforçar o núcleo de sua cultura, um movimento que se
caracteriza por identificar os valores da tradição inseridos no plano da cultura
da sociedade sul-rio-grandense, com o intuito de preservá-los, difundi-los e
organizá-los. As entidades precursoras do tradicionalismo organizado são as
seguintes:
1854 – Instituto Histórico e Geográfico da Província – PA/RS
1857 – Sociedade sul-rio-grandense – Rio de Janeiro/RJ
1868 - Sociedade Partenon Literário – PA/RS
1881 – Clube 20 de Setembro – São Paulo/SP
1898 – Grêmio Gaúcho – PA/RS
1899 – União Gaúcha – Pelotas/ RS
1900 – União Gaúcha Lourenciana – São Lourenço/RS
1901 – União Gaúcha – Rio Grande/RS
1901 – Grêmio Gaúcho – Santa Maria/RS
1901 – Grêmio Gaúcho – Dom Pedrito/RS
1902 – Grêmio Gaúcho – Encruzilhada do Sul/RS
1902 – União Campestre – Pelotas/RS
1902 – Clube Gaúcho Arealense – Pelotas/RS
1904 – Grêmio Gaúcho – Sant’Ana do Livramento/RS
1938 – Sociedade Gaúcha Lombagrandense – Novo Hamburgo/RS
1943 – Clube Farroupilha – Ijuí/RS
1947 – Departamento de Tradições Gaúchas do Colégio Julio de Castilhos –
Porto Alegre/RS.
1948 – O primeiro CTG, o "35 Centro de Tradições Gaúchas" – Porto
Alegre/RS
Embora não sejam exclusividade da cultura gaúcha, destaca-se alguns valores
básicos dessa tradição que fazem parte da maneira gaúcha de ser brasileiro:
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- o espírito associativo (práticas de cooperação de solidariedade e apreço pela
comunidade que têm suas origens na necessidade de união para a defesa nas
guerras de fronteira e na necessidade de sobrevivência dos imigrantes);
- o nativismo (o amor ao solo natal, que não foi dado gratuitamente: diferente
de outros brasileiros, sabe o gaúcho que não foi um donatário, mas um
conquistador - “esta terra tem dono...”);
- o respeito à palavra dada (só a palavra de honra do Duque de Caxias
conseguiu fazer os farrapos deporem as armas);
- a defesa da honra (apenas como exemplo, lembre-se que o maior desastre
moral dentre as hostes farroupilhas decorreu de ofensas à honra e culminou com
o lamentável duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires);
- a coragem (o próprio Rio Grande não teria surgido se não fosse a coragem dos
pioneiros, o desassombro dos imigrantes);
- o cavalheirismo (o gaúcho sempre se distinguiu pela nobreza das ações, pela
prática de altos feitos na consideração dos seus semelhantes);
- a conduta ética (basta que se observem os grandes escândalos da vida política
nacional e se constate que eles não costumam medrar no Rio Grande);
- o amor à liberdade (as idéias liberais nem eram conhecidas no Brasil, quando
aqui se fez uma revolução em nome da liberdade, igualdade e humanidade);
- o sentimento de igualdade ( a história da escravatura no Rio Grande foi
diferente, a participação dos negros nas tropas farroupilhas foi emblemática,
não se observa no Rio Grande a acentuada hierarquização da sociedade comum na
maior parte dos outros Estados federados);
- a politização (desde o berço obrigou-se o gaúcho às lides políticas, o
estancieiro era chefe político e militar, o peão soldado e cidadão);
- o senso de modernidade (mais pioneiro do que bandeirante, o gaúcho
madrugou em relação ao Brasil no liberalismo, na criação de um partido político
moderno, no exercício da ditadura positivista, etc.).
Deve-se destacar que não se está afirmando que a sociedade gaúcha é a melhor,
mas por suas características culturais determinadas por uma formação histórica
diferente, diverge da sociedade nacional.
7. Centros de Tradições Gaúchas – CTG´s São entidades associativas, sem nenhuma conotação político partidária, credo
religioso ou de raça, com finalidade da aplicação dos princípios e objetivos
publicados na Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho, com
estatuto e uma diretoria que responde judicial e extra-judicialmente. Seus
mandatários recebem uma nomenclatura simbólica oriunda da linguagem campeira
e geralmente sua administração é composta da seguinte forma:
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Patrão (presidente)
1o e 2o Capataz (vice-presidente)
1o e 2o Sota Capataz (secretário)
1o e 2o Agregado das Pilchas ou fiel (tesoureiro)
1o e 2o Agregado das Falas (orador)
Capataz geral (encarregado de serviços gerais).
Patrão de honra (presidente de honra)
Conselho de vaqueanos (conselho deliberativo ou fiscal)
Peão caseiro (encarregado da limpeza)
O conselho de vaqueanos é formado por associados e tem como objetivos zelar
pelo cumprimento dos estatutos e auxiliar a patronagem no cumprimento de suas
atribuições.
Cada centro ainda pode ter diretores (posteiros) artístico, cultural, esportivo e
campeiro. Além da patronagem os CTG's elegem suas primeiras, segundas e
terceiras prendas nas modalidades mirim, juvenil e adulta. Geralmente os CTG's
possuem sedes urbanas e campeiras e a sua maioria possui Piquetes de Laçadores
ou Nativistas, que são equipes especializadas em praticas campeiras e que
participam de competições. Os CTG's zelam pelo código de Ética Tradicionalista
e no Rio Grande do Sul, são agregados em 27 Regiões Tradicionalistas.
As reuniões dos Centros de Tradições Gaúchas são denominadas simbolicamente
de:
Charla - Reunião administrativa, especialmente da Patronagem, mas poderá ser
aplicada também as do Conselho de Vaqueanos;
Chimarrão - Reunião de confraternização dos sócios entre si e destes com a
Patronagem, que faz uma prestação de contas, informa e dá esclarecimento
sobre o andamento das atividades do C.T.G.;
Chimarrão Festivo - Reunião na forma da alínea anterior, porém acrescida de
atividades artístico-culturais, com a participação de convidados especiais ou
abertas ao público;
Ronda - Vigília cívica levada a efeito diariamente, durante as comemorações da
Semana Farroupilha, nos locais onde arde a Chama Crioula, complementada
geralmente, com apresentações artísticas e culturais;
Fandango - Baile animado com música regional gauchesca, em que somente
participam das danças pessoas tipicamente trajadas com vestimenta gaúcha;
Lida - Reunião de trabalho que pode ser geral ou abranger determinados setores
como Secretaria, Tesouraria ou Invernada.
As excursões oficiais dos Centros de Tradições Gaúchas são designadas por
Tropeadas.
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8. Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG O MTG é um organismo federativo sem objetivos econômicos, político ou pessoal,
que coordena e dá assessoramento aos eventos promovidos pelos CTG's. Foi
criado em 28 de outubro de 1966 no XII Congresso Tradicionalista Gaúcho. Tem
como filiados os CTG’s, Piquetes de Laçadores ou Nativistas e Grupos Folclóricos.
São mais de 2000 CTG’s no Brasil além dos existentes nos Estados Unidos da
América, Paraguai, Portugal e Hong Kong. No Rio Grande do Sul o MTG está
dividido em 27 regiões Tradicionalistas.
9. Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista Os objetivos do MTG são traçados a partir das decisões adotadas pelo Congresso
Tradicionalista, que se reúne anualmente e são substanciadas em documento
denominado “Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho”. A "Carta
de Princípios" atualmente em vigor foi aprovada no VIII Congresso
Tradicionalista, levado a efeito no período de 20 a 23 de julho de 1961, em
Taquara, e fixa os seguintes objetivos do Movimento Tradicionalista Gaúcho:
I - Auxiliar o Estado na solução dos seus problemas fundamentais e na conquista
do bem coletivo.
II - Cultuar e difundir nossa História, nossa formação social, nosso folclore,
enfim, nossa Tradição, como substância basilar da nacionalidade.
III - Promover, no meio do nosso povo, uma retomada de consciência dos valores
morais do gaúcho.
IV - Facilitar e cooperar com a evolução e o progresso, buscando a harmonia
social, criando a consciência do valor coletivo, combatendo o enfraquecimento da
cultura comum e a desagregação que daí resulta.
V - Criar barreiras aos fatores e idéias que nos vem pelos veículos normais de
propaganda e que sejam diametralmente opostos ou antagônicos aos costumes e
pendores naturais do nosso povo.
VI - Preservar o nosso patrimônio sociológico representado, principalmente, pelo
linguajar, vestimenta, arte culinária, forma de lides e artes populares.
VII - Fazer de cada CTG um núcleo transmissor da herança social e através da
prática e divulgação dos hábitos locais, noção de valores, princípios morais,
reações emocionais, etc; criar em nossos grupos sociais uma unidade psicológica,
com modos de agir e pensar coletivamente, valorizando e ajustando o homem ao
meio, para a reação em conjunto frente aos problemas comuns.
VIII - Estimular e incentivar o processo aculturativo do elemento imigrante e
seus descendentes.
IX - Lutar pelos direitos humanos de Liberdade, Igualdade e Humanidade.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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X - Respeitar e fazer respeitar seus postulados iniciais, que têm como
característica essencial a absoluta independência de sectarismos político,
religioso e racial.
XI - Acatar e respeitar as leis e poderes públicos legalmente constituídos,
enquanto se mantiverem dentro dos princípios do regime democrático vigente.
XII - Evitar todas as formas de vaidade e personalismo que buscam no
Movimento Tradicionalista veículo para projeção em proveito próprio.
XIII - Evitar toda e qualquer manifestação em proveito próprio.
XIV - Evitar atitudes pessoais ou coletivas que deslustrem e venham em
detrimento dos princípios da formação moral do gaúcho.
XV - Evitar que núcleos tradicionalistas adotem nomes de pessoas vivas.
XVI - Repudiar todas as manifestações e formas negativas de exploração direta
ou indireta do Movimento Tradicionalista.
XVII - Prestigiar e estimular quaisquer iniciativas que, sincera e honestamente,
queiram perseguir objetivos correlatos com os do tradicionalismo.
XVIII - Incentivar, em todas as formas de divulgação e propaganda, o uso sadio
dos autênticos motivos regionais.
XIX - Influir na literatura, artes clássicas e populares e outras formas de
expressão espiritual de nossa gente, no sentido de que se voltem para os temas
nativistas.
XX - Zelar pela pureza e fidelidade dos nossos costumes autênticos, combatendo
todas as manifestações individuais ou coletivas, que artificializem ou
descaracterizem as nossas coisas tradicionais.
XXI - Estimular e amparar as células que fazem parte de seu organismo social.
XXII - Procurar penetrar e atuar nas instituições públicas e privadas,
principalmente nos colégios e no seio do povo, buscando conquistar para o
Movimento Tradicionalista Gaúcho a boa vontade e a participação dos
representantes de todas as classes e profissões dignas.
XXIII - Comemorar e respeitar as datas, efemérides e vultos nacionais e,
particularmente o dia 20 de setembro, como data máxima do Rio Grande do Sul.
XXIV - Lutar para que seja instituído, oficialmente, o Dia do Gaúcho, em
paridade de condições com o Dia do Colono e outros "Dias" respeitados
publicamente.
XXV - Pugnar pela independência psicológica e ideológica do nosso povo.
XXVI - Revalidar e reafirmar os valores fundamentais da nossa formação,
apontando às novas gerações rumos definidos de cultura, civismo e nacionalidade.
XXVII - Procurar o desportamento da consciência para o espírito cívico de
unidade e amor à Pátria.
XXVIII - Pugnar pela fraternidade e maior aproximação dos povos americanos.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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XXIX - Buscar, finalmente, a conquista de um estágio de força social que lhe dê
ressonância nos Poderes Públicos e nas Classes Rio-Grandenses para atuar real,
poderosa e eficientemente, no levantamento dos padrões de moral e de vida do
nosso Estado, rumando, fortalecido, para o campo e homem rural, suas raízes
primordiais, cumprindo, assim, sua alta destinação histórica em nossa Pátria.
10. Expoentes do MTG - João Cezimbra Jacques: Militar. Ensaísta. Nasceu em Santa Maria (RS) em
1849. É o Patrono do Tradicionalismo gaúcho por ter sido um batalhador pela
afirmação do Tradicionalismo Gaúcho.
- João Simões Lopes Neto: Jornalista, teatrólogo, contista e folclorista. Nasceu
em Pelotas (RS) em 1865.Pregou a valorização do gauchismo, seus usos e
costumes. Deixou um rica obra literária.
- João Carlos Paixão Cortes: Pesquisador, folclorista, cantor e ensaísta. Nasceu
em Santana do Livramento (RS) em 1927. Redescobriu e retomou grande parte
das danças gaúchas e suas coreografias. Contribuiu significativamente para o
engrandecimento da tradição e folclore gaúcho.
- Glaucus Saraiva: Poeta regionalista. Nasceu em São Jerônimo (RS) em 1925. Um
dos pioneiros do MTG. Autor da Carta de Princípios do MTG. Escreveu belas
poesias gauchescas. É um guia orientador da organização tradicionalista gaúcha.
- Luiz Carlos Barbosa Lessa: Advogado, jornalista, historiador, compositor,
pesquisador, contista e romancista. Nasceu em Piratini (RS) em 1929. Liderou o
movimento que fundou o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, o 35 CTG.
Dedicou sua vida ao Tradicionalismo Gaúcho. Possui uma vasta obra .literária. Foi
a maior autoridade do MTG
- Antonio Augusto Fagundes: Advogado, compositor , colunista e radialista.
Nasceu em Alegrete (RS) em 1934. É um dos precursores do MTG na televisão
divulgando os valores nativistas.
11. O antitradicionalismo Dentre os vários motivos do antitradicionalismo gaúcho destacamos os seguintes:
a) por ter a gauchada, com a revolução de 1930, acabado com a política do
café com leite que dominava o Brasil, criando uma ira nas elites da região
sudeste;
b) por ser um movimento que não discrimina classes sociais e que busca a
preservação dos usos e costumes de um povo, sem militância política, racial
e religiosa e que não está a serviço das elites dominantes;
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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c) por ser o gaúcho oriundo de um estado com história diferente dos demais,
marcada com muitas lutas e batalhas por fronteiras tendo amor a terra
natal;
d) por ter o gaúcho emigrado para outras regiões do Brasil transformando-as
produtivas.
Esse antitradicionalismo é mais perceptível na mídia onde determinados
programas de rádio e televisão procuram deturpar os usos e costumes do povo
gaúcho. Acredito que a melhor resposta para essas pessoas seria difundir o
boicote tanto a esses programas como aos produtos que os financiam.
12. Características do folclore gaúcho O folclore é o maior patrimônio espontâneo de um povo, pode ser definido como o
conjunto preservado das tradições populares, o conhecimento do povo. É uma
ciência que estuda os fatos sociais, culturais, artísticos ou tradicionais de um
povo. No Rio Grande do Sul esse acervo floresce com a convivência do homem
simples do pampa, das mescladas raças do litoral, do espírito construtivo dos
missioneiros e o senso destemido dos povoadores europeus, africanos e nativos.
12.1 Querência
Uma das palavras mais forte do dicionário tradicionalista. De origem espanhola,
significa lugar querido, recanto predileto e vem de querer. Querência é o
conjunto das coisas que nos faz feliz, é o melhor lugar do mundo.
12.2 Fogo de chão e chama crioula
As longas e frias noites de inverno nas primitivas tribos indígenas levaram os
nativos a descobrir o fogo de chão. Próximos de suas ocas construíam locais onde
as famílias reuniam-se ao redor do fogo, alimentado pela tradicional lenha do
angico, um pai-de-fogo, guarda fogo ou tição-mestre garantia a sobrevivência da
fagulha calorosa que aquecia o gelo das noites e ao redor deste fogo os homens
contavam às crianças suas aventuras do dia a dia enquanto as mulheres suas
façanhas nos momentos solitários enquanto os homens caçavam ou guerreavam.
Surgia dessa forma a tertúlia gaúcha. O fogo de chão aquecia o sentimento do
nativo mestiço, germinando o núcleo do folclore gaúcho. Com a tradição do fogo
de chão surgiram os galpões crioulos, cobertos de capim, barreados, de pau-a
pique, taboas ou costaneiras, chão batido, os galpões de estâncias foram as
sementeiras do tradicionalismo gaúcho. Para o gaúcho o galpão é uma instituição
onde convivem supostos associados compostos pelos empregados das estâncias,
patrões e visitantes que trocam idéias, bate papos sem solenidades ou
formalismos, local das charlas ao redor de um fogo de chão sorvendo um
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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chimarrão num local onde reina a oportunidade eqüitativa entre peões e patrões.
A convivência galponeira é tão tradicional que na fazenda do Boqueirão em São
Sepé há um fogo de chão acesso há mais de dois séculos, sua chama remonta os
tempos da formação de São Sepé, sesmaria concedida em 1791 a José dos
Santos Cardoso.
O fogo é o símbolo da fertilidade, do calor e da claridade, o fogo simbólico
aquece o sentimento patriótico e a chama crioula encarna o espírito heróico dos
farroupilhas, conservando aceso os ideais de justiça e liberdade sempre
defendidos pela tradição gaúcha. Em setembro de 1947 foi acesa a primeira
chama crioula e a ronda da chama crioula é a expressão do orgulho ideal do
gaúcho, pois está no espírito de fraternidade que busca a aproximação dos povos
numa convivência social harmoniosa. O fogo de chão, o galpão, a charla e o
chimarrão formam um quadrinômio de sustentação da simplicidade gauchesca.
12.3 Regionalismo
Regionalismo é o movimento que trata dos interesses de uma região. É a corrente
artística voltada aos temas da terra e se inspira nos elos regionais. Do
caldeamento dos diversos povos que aportaram à Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul, mesclado à influencia do império nativo já existente, floresceu o
regionalismo gaúcho com influências espanhola, portuguesa, italiana, alemã,
polonesa, africana e brasileira distinguindo-se as maneiras de falar, cantar,
declamar, cumprimentar, alimentar-se e que se desenvolve em função de
particularidades culturais, naturais e econômicas. A tradição é a cultura e o
regionalismo a alma do povo.
12.4 Nativismo
O nativismo gaúcho é tudo aquilo que é próprio do lugar de nascimento e que
conserva as características originais. É um movimento artístico que defende a
natureza, com seu aproveitamento racional sem perder seus valores. Há uma
forte exaltação às lides campeiras. Prega a justiça social, econômica e financeira
com as leis emanadas da natureza. Na década de 70 a música nativista brotou
dentro do MTG com a realização da Califórnia da canção, aumentando o desejo de
cantar as coisas do Rio Grande do Sul, num trabalho de pesquisa chamado de
música raiz e que muito ajudou no amadurecimento musical gaúcho.
12.5 Crioulismo
Crioulo é tudo aquilo que é nascido e criado numa determinada região. Qualquer
cruzamento ou produção de dois seres, embora nativos de determinados lugares,
em novas terras produzirá descendentes crioulos. O escravo nascido no Rio
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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Grande do Sul era chamado de crioulo para diferenciar do negro africano. Dentro
do MTG o crioulismo figura como viveiro de trastes, pilchas, móveis e utensílios
adornos, entre outros. O que é cria ou “prata da casa”, dizemos ser crioulo. No
Rio Grande do Sul costuma-se cantar o parabéns crioulo para o aniversariante,
conforme letra abaixo de autoria do compositor gaúcho Dimas Costa:
Parabéns Crioulo
Parabéns, parabéns
Saúde e felicidade
Que tu colhas sempre todo dia
Paz e alegria na lavoura da amizade
- "Que o Patrão Celeste te conceda com a Sua benevolência muitas e muitas
campereadas na invernada da existência"
Parabéns, parabéns
Saúde e felicidade
Que tu colhas sempre todo dia
Paz e alegria na lavoura da amizade
- "Reunidos no mesmo afeto te abraçamos neste dia e para que siga a festança
repetimos com alegria"
Parabéns, parabéns
Saúde e felicidade
Que tu colhas sempre todo dia
Paz e alegria na lavoura da amizade
Que tu colhas sempre todo dia
Paz e alegria na lavoura da amizade, paz e alegria na lavoura da amizade.
12.6 Telurismo
É a influencia do solo de uma região sobre os usos e costumes de um povo. É a
força que brota das entranhas da terra. Graças ao telurismo criou-se a imagem
do gaúcho amante da liberdade, um ser indomável, habitante das planícies dos
pampas sulinos.
12.7 Machismo gaúcho
Até meados do século XV o território do atual estado do Rio Grande do Sul
chegou a ser chamado de Terra-de-Ninguém. Se por um lado o tratado de
Tordesilhas garantia à coroa espanhola aquelas terras, por outro os bandeirantes
exploravam em busca de gado, cavalo e escravos. Dessa forma a vida nos pampas
bis
bis
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Amado da Costa e Silva
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era rude e perigosa, quando num rancho nascia um piá, a reação primeira da
parteira era: - é um macho! e o pai sentenciava: - mais um voluntário para
guardar as nossas fronteiras! A vida rude nas estâncias, as campanhas
revolucionarias e a guarnição dos domínios territoriais contribuíram para esse
legado machista.
12.8 Missa Crioula
Desde o Concílio Vaticano II (1965) a Igreja adaptou a Missa Latina para a língua
vernácula própria de cada região. Em 1967, os padres gaúchos Paulo Aripe e
Amadeu Gomes Canellas, solicitaram uma autorização ao arcebispo de Porto
Alegre, Dom Vicente Scherer, para se rezar a Missa Crioula, que é uma
adaptação da missa católica em linguagem, rima, estilo e símbolos
tradicionalistas. A autorização foi apreciada, aprovada e concedida, na época,
pelo episcopado gaucho, para celebra-la em ocasiões extraordinárias. Desde
então, tornou-se comum entre os Centros de Tradições Gauchas durante as
comemorações do seu aniversário e da semana Farroupilha.
A Missa Crioula é missa católica, do rito latino, mas com cantos, preces, orações
próprias em estilo campeiro. A rima é bastante acentuada na linguagem e oração
litúrgica.
Jesus Cristo, por exemplo é chamado Divino Tropeiro, Nossa Senhora, de
Primeira Prenda do Céu, Deus é chamado de Pai Celeste ou Pai Santo e assim por
diante. Utiliza-se a cruz campeira bem rústica sem o crucificado. Nela são
amarrados os lenços vermelho e branco simbolizando maragatos e chimangos,
respectivamente, entrelaçados revelando a unidade e comunhão da celebração,
dirimindo peleias (brigas) históricas do passado. Utiliza-se o pala branco
(vestimenta do gaucho) no lugar da túnica. A estola do padre é feita de couro, o
cálice é feito da guampa, banhado em ouro por dentro. As galhetas da água e do
vinho também são de guampa. A água para o lavabo é derramada da chaleira preta
numa gamela. As velas podem ser feitas dentro da cuia do chimarrão e assim,
outros símbolos são utilizados: pelego para depositar as ferramentas, facas e
armas. No ato penitencial da missa o sacerdote convida ao desarmamento,
solicitando a todos os presentes para deixar de lado qualquer objeto que possa
ferir. Na entrada da missa há uma procissão com as bandeiras do município, do
estado e do Vaticano. No ofertório são utilizados quaisquer símbolos da tradição:
chimarrão, gaita, churrasco, comida típica da região.
12.9 Rito da Missa Crioula
Entre os vários ritos para a Missa Crioula, um deles está descrito abaixo.
Princípios do tradicionalismo gaucho
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I – COMENTARISTA
Irmãos de todas as querências, bom dia. Em nome do CTG (nome do CTG)
agradeço a presença de todos e em especial ao homem do pala branco, o padre
(nome do padre) e os membros do coral (caso haja), que atenderam nosso pedido
para celebração da Missa Crioula em comemoração (intenção da Missa). A palavra
crioulo era usada, na época do império, para designar o filho do escravo que
nascia nas colônias européias e após a escravidão foi empregada, de forma
pejorativa, para pessoas da raça negra. Em meados do século XX, com o
surgimento do Movimento Tradicionalista Gaucho, procura-se homenagear os
gaúchos da raça negra combatentes das tropas Farroupilhas e do exército
brasileiro que tombaram na guerra do Paraguai, além de resgatar os princípios de
liberdade, igualdade e humanidade, estampadados no pavilhão tricolor, então a
palavra crioulo tornou-se um adjetivo para qualquer produto que utilize matéria
prima genuinamente gaucha. Desta forma, a Missa Crioula é a missa católica, do
rito latino, mas com cantos, preces, orações próprias e objetos com estilo
campeiro gaucho.
O homem do pala branco está chegando, olhando pro seu rebanho estendendo a
mão, juntando ovelhas perdidas pelas estradas e está pedindo morada em seu
coração.
Não é preciso ninguém Lhe dizer quem é. É só ter no coração muito amor e fé.
Sua mãe, a Primeira Prenda do Céu se chama Maria, seu simbolismo uma cruz e o
pala branco que usa é uma cascata de luz, vamos recebê-la com uma salva de
palmas!.
Minha irmã, meu irmão, agora vamos rezar pilchados com a tradição, a Deus Pai
vamos louvar. Acolherados na fé, assim como Deus deseja, nosso Centro de
Tradições Gaúchas é hoje uma verdadeira Igreja. Vamos dizer obrigado a esse
Deus que é amor. Por tudo que nos tem dado, em Jesus nosso Senhor.
Nosso Centro de Tradições Gaúchas celebra a cultura galponeira e com firmeza
não nega a noticia alvissareira, que Deus é o Patrão Celeste, N.Senhora. a
Primeira Prenda do Céu, bom é Jesus, o Divino Tropeiro que todo homem reveste
com o Santo Espírito da Luz. Pedindo graças e a benção por quem já morreu,
peçamos ao Deus imenso, que nos faça povo seu. Peçamos fraternidade, firmeza
na sã doutrina, muita paz, fazendo todos felizes. Do mal cortando raiz, do bem
plantando raízes.
I - CONVITE AO DESARMAMENTO
Irmãos de todas as querências, gaúchos ou não, convido a todos a desprover-se
de todo mal, mágoas e de toda inveja que estamos carregando e de forma
simbólica, colocando toda arma que estejamos portando aqui junto do altar.
Agora com devoção, respeito e muita fé, vamos abrir o peito e cantar juntos o
Princípios do tradicionalismo gaucho
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canto de entrada desta celebração crioula, acolhendo o celebrante, Jesus
Cravado entoemos nesse instante.
II – CANTO DE ENTRADA
Entrada do celebrante e de um casal transportando a Bíblia. Jesus que morreu cravado.> com a lança no coração, > em cada missa de novo >
renova a mesma oblação.
Estribilho (2X) Patrão celeste abençoa, > o teu rodeio cristão
O altar e o monte calvário > são dois montes de oração. > Nos dois altares nós
vemos > a mesma cruz em ação.
Estribilho:
Jesus sobre a cruz pregado, > vertia sangue no chão, > o mesmo corpo com sangue
> teremos vinho e pão.
Estribilho:
O padre oferece a Deus > Jesus na consagração; > a missa tem um valor >igual à
crucificação. Estribilho
Jesus morreu no calvário > por todos, sem exceção, > na missa morre por nós >
reunidos em oração.
Estribilho
RITO INICIAL
PADRE: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
POVO: Amém
PADRE: Companheiros do Rio Grande, Patrícios que eu quero tanto, para vocês eu
desejo todo o amor do Patrão Santo.
POVO: Obrigado, igualmente. Quem nos reuniu foi Jesus, nosso Divino Tropeiro
aqui ao redor desta cruz.
PADRE: Para essa Missa Crioula, nós rezamos irmanados, vamos primeiro pedir
perdão por nossos pecados.
POVO: Perante todos, Patrão Santo, reconheço que eu pequei por minha culpa,
unicamente vos suplico o perdão que eu não mereço, pois, de fato eu me
arrependo humildemente. Vós sois bom e perdoai, eu agradeço por Maria Prenda
e Mãe Clemente, pelos méritos dos Santos eu vos peço, participe desta Missa
totalmente.
PADRE: Afastai sempre de mim toda a maldade nas palavras, nas ações, no
pensamento. Que eu conserve, Senhor Deus, Vossa amizade; desse trilho eu não
me afaste um só momento.
POVO: Conservai-me no bem e na lealdade, dai-nos forças, proteção e Vosso
alento, para sempre ter em mim fraternidade, realizando vosso grande
mandamento.
Princípios do tradicionalismo gaucho
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PADRE: Meus irmãos, que Deus Eterno Vos perdoe e a mim também, mande-nos
graça do além, para nos manter no trilho, em nome do Pai, do filho e do Espírito
Santo.
POVO: Amém
III – CANTO PENITENCIAL
Supremo patrão do céu, tende pena do rebanho 3X
Jesus Divino Tropeiro tende pena do rebanho 3X
Espírito Santo vaqueano, tende pena do rebanho 3X
ENTRELAÇAMENTO DOS LENÇOS COMENTARISTA
Neste momento, convido os irmãos ... para o entrelaçamento dos lenços na cruz
campeira. Vamos unir nesta cruz tosca do mato dois lenços que eram rivais, o
Chimango e o Maragato. A cruz de Cristo nos trouxe, a paz, o amor e o perdão, a
missa crioula ensina, fraternidade e união. Sabemos quanto pelearam de lança,
garrucha e mango, o colorado Maragato contra este branco Chimango. Agora aqui
nesta cruz, termina esta crueldade, os dois lenços amarrados vão se unir pela
amizade.
Lenços unidos na Cruz, vamos cantar glórias rumo aos céus, como membros da
Igreja é honrar o nosso Deus, assim como Ele deseja.
CANTO DA GLÓRIA Honra e glória nas alturas > ao Patrão da Eternidade, > paz na terra às criaturas >
e aos que tem boa vontade. > Nós louvamos, bem dizemos, > vos adoramos com
glória, > e com fé reconhecemos, > oh! Cristo! Rei da vitória. > Nós também
agradecemos > vossa infinita grandeza, > e sempre vos louvaremos > criador da
natureza. > Ao filho onipotente,> Jesus Divino Cordeiro, > que morreu
valentemente > pra salvar o mundo inteiro > Dizemos muito obrigado > por esse
amor tão profundo > Jesus, Cordeiro Imolado, > perdoai os erros do mundo.
>Juntinho do Pai eterno > glorioso reina Jesus, > salvai o vosso rebanho > que
conquistastes na cruz. > Sois o Deus dos corações, > Jesus Cristo eu vos garanto >
junto ao Patrão dos patrões > e com o Espírito Santo > um só Deus que o povo
adora > um só Patrão na verdade, > pelos séculos afora > e por toda a eternidade.
PADRE: Ó Divino Patrão Celeste, vossa palavra de amor, nos conceda o esplendor
de uma vida bem domada, nos caminhos da verdade, buscando felicidade, no
coração da invernada. Isso nós vos suplicamos, por Jesus Divino Tropeiro, que
com o
Espírito Santo foi quem nos amou primeiro. Vós que reinas e vives aqui na
estância do além, recebei nosso louvor pelos séculos.
POVO: amém
IV - 1ª. LEITURA
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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LEITOR: Com licença seu Padre!
PADRE: Pois não índio velho, o que trazes prá nós?
LEITOR: Trago uma mensagem do Patrão Celeste
PADRE: Pois então leia prá nós tchê!
LEITOR: Leitura do Chasque enviado por São Pedro, capataz de Cristo e sinuelo
Espiritual do Rio Grande: Companheiros, o Divino Tropeiro morreu por todos e
nos deixou o exemplo para que seguíssemos seu rastro santo. Ele nunca ofendeu o
Patrão Celeste e de sua boca nunca saiu uma mentira. Quando maltratavam,
injuriavam e caluniavam, não pagou mal com mal. Pelo contrário, continuava
tratando a todos com o mesmo amor. Morreu na cruz em nosso lugar, para pagar
por nossos pecados, matando crucifixados nossos vícios. Como cordeiro inocente,
morreu pelo rebanho, pois éramos como ovelhas perdidas no corredor da
existência e pelo seu sacrifício, reconduziu-nos de volta ao rodeio cristão,
Palavra do Senhor.
POVO: Graças a Deus que ouvimos essa palavra divina transmitida por São Pedro.
E quanta verdade ensina...
COMENTARISTA
A palavra principal para o novo e para o velho é o conselho sem igual que se chama
Evangelho. Ouçamos o que nos diz o Evangelho do amor. Quem deseja ser feliz,
ouve atento o Bom Pastor.
V - CANTO DA ACLAMAÇÃO
Estribilho: Escuta gaúcho, escuta, o evangelho de Jesus, palavra cheia de vida,
caminho verdade e luz.
Pertencemos pois, agora > ao rebanho de Jesus, > foi Ele quem nos salvou >
morrendo por nós na cruz.
Estribilho:
Por isso Ele é o bom tropeiro, > que nos conduz pela igreja; > sempre estaremos
com Cristo,
onde quer que Ele esteja.
Estribilho:
PADRE: Aqui entre nós está o Patrão Onipotente
POVO: E conosco permaneça eternamente.
PADRE: Pelo sinal da cruz, leio a palavra de Deus
POVO: Glorificamos Jesus e o grande Patrão do Céu.
PADRE: Evangelho de Jesus Cristo, conforme São João
POVO: Leia Padre, escutaremos com todo o coração.
PADRE: Companheiros, diz o Divino Tropeiro Jesus; Sou o Bom Tropeiro. O que
dá a vida por
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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seu rebanho. O peão desinteressado, como não é dono do rebanho, não se importa
com a tropa, não a defende e não traz de volta a ovelha que varou a cerca.
Sou o Bom Tropeiro das almas; conheço minhas ovelhas uma por uma e elas
conhecem a minha voz. Assim como o Pai Celeste me confirmou o rebanho das
almas, quero conduzi-las a invernada celeste. Para salva-las, dou minha vida.
Tenho ainda muitas ovelhas esparramadas. Preciso junta-las na mesma invernada
e farei um só rebanho para ser guiado pelo mesmo Tropeiro. Palavra da salvação.
POVO: Louvamos por tudo isso, o Tropeiro Divino, O Cristo...
HOMILIA
PADRE: Fiquemos todos de pé e professemos a nossa fé.
VI - CREDO
POVO: Eu creio num só Deus, meu Pai Celeste, Que tudo fez, tudo criou, tudo
reveste, Que do nada tirou tudo o que é visível, Igualmente Ele é quem fez o que
é invisível. Eu creio no Patrão que está no céu E no Tropeiro Jesus, Filho de Deus
Que do Pai nasceu, porém nunca começou; É Deus de Deus, luz da luz que nos
salvou. Gerado pelo amor de Deus que é santo
Igual em tudo ao Pai do Céu que Ele ama tanto; Para nos salvar desceu do céu com
alegria E se fez homem pelo seio de Maria. Tratando com amor homens ingratos
Morreu na cruz condenado por Pilatos. Para demonstrar que era Deus, às
criaturas, Ressuscitou bem conforme as Escrituras. Subiu aos céus, retornando à
sua Querência, No fim do mundo, voltará com imponência, Há de vir julgar com
justiça a humanidade, Reunindo os bons, na feliz eternidade. Por isso,
firmemente eu acredito, No Espírito Santo, que é também Deus Infinito,
Que com Deus Pai e com Deus Filho é um só Patrão, Nasceu dos dois com direito
à salvação.
Foi Ele quem falou pelos profetas, É quem dirige a humanidade em cancha reta;
Creio na Igreja do Divino Tropeiro, Que prega a fé, congregando o mundo inteiro.
Aceito um só batismo que perdoa, É a marca santa, que Jesus põe na pessoa. A
morte apenas é porteira para o além, Pois, nossa vida continua sempre. Amém
VII – OFERENDAS
Entram casais com as oferendas; vinho, pão, chimarrão, chaleira, lampião, chapéu,
arreios, laço, relho, etc...
COMENTARISTA
É chegado o momento de levarmos para este altar, aquilo que representa a nossa
vida: nossos trastes da vida campeira, nossas tradições, que queremos ao Pai
Santo ofertar. Neste momento do povo, te ofertamos Bom Patrão, a água nesta
chaleira prá abençoar o coração, a erva mate na cuia, verde erva, chimarrão.
Unidade entre os povos, seja de qualquer nação. Mas um xirú não se esquece, da
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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costela de churrasco, Ao bom Pai que apetece, e fortalece a tradição, Com a
carne gorda no espeto, Tu nos dás a refeição.
E assim termino o meu dia, estirado em qualquer canto, Puxo um pelego prá
terra, e olho naquele chão, E ali nesta lã eu rezo, de pé, de joelhos, deitado, E
agradeço o pão dos céus,
que prá nós aqui é doado, Também lembro de uma cruz, do sangue ali derramado,
Que está dentro desta guampa, em vinho representado. Durante o Santo
ofertório Ao nosso Deus Criador, Vamos cantar de alma aberta Para que Nosso
Senhor, Compreenda que a nossa oferta é feita com muito amor.
CANTO DO OFERTÓRIO
Nesta missa, Patrão do Universo, > ofertamos o vinho e o pão, > em sinal que és
dono de tudo,
somos teus, és o nosso Patrão.
Estribilho: É o sacerdote em nosso nome quem oferece o vinho e o pão e nesta
missa bem crioula vem receber, ó eterno Patrão.
Este pão representa o trabalho, > nossas lutas e preocupações. > Este vinho é o
nosso descanso, > alegrias, prazer e diversões.
Estribilho
Neste pão, que é de trigo, ofertamos > o churrasco, o alimento, a comida > Neste
vinho, que é fruto da uva, > nosso mate, o café, a bebida.
Estribilho
Ofertamos no pão, nosso corpo > com as doenças e com a saúde, > e no vinho
entregamos nossa alma, > nossos erros e nossa virtude.
Estribilho
VIII - ORAI IRMÃOS
PADRE: A Missa não é minha. É vossa irmãos, igualmente. Vos peço
fraternalmente, rezai comigo, portanto, pra que o nosso Patrão Santo a receba
alegremente.
POVO: Pois não Padre, que Deus receba de tua mão este sacrifício, então, em
honra da divindade, mande bênçãos à vontade, para o rodeio cristão.
ORAÇÃO DO OFERTÓRIO
COMENTARISTA
É o momento de oferecer tudo ao Criador de nossa vida. Nossas tropeadas,
nossas lidas. Nestas oferendas entregamos a Deus os símbolos da tradição, que
expressam os sentimentos de nosso coração.
PADRE: Divino Patrão Santo, recebei esta nossa oferta e mandai em troca vossa
benção divina para nos manter na luta contra todo o mal. Por nosso Senhor Jesus
Cristo, que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo.
POVO: Amém
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
28
VIII – BENDITO EUCARÍSTICO
PADRE: Aqui entre nós está o Patrão Onipotente
POVO: E conosco permaneça eternamente
PADRE: Levantai ao alto os corações
POVO: Eles já estão junto ao Patrão dos Patrões
PADRE: Agradecemos ao Patrão da Eternidade
POVO: Ele merece com justiça e dignidade.
PADRE: Ele merece de fato, dignamente e por isso vos pedimos, Patrão Santo,
que o Divino Tropeiro, Jesus Cristo, cuide o rebanho que lhe ama tanto.
POVO: Pelos méritos da Igreja, vos pedimos: manda sempre ao rebanho mais
tropeiros, para continuar o trabalho dos Apóstolos, conduzindo à salvação o
mundo inteiro.
PADRE: Com os anjos, arcanjos, querubins, juntamente com o exército celestial,
agora vamos cantar vossos louvores, ó eterno Patrão Santo, Universal.
CANTO DO SANTO (X2)
Santo, > santo, santo, santo, apenas > santo, santo, santo, apenas > é o Patrão
Onipotente > suas glórias, realmente > mostram-se nas criaturas > glória, glória ao
Patrão nas alturas > e ao Cristo, glória igualmente. > Glória, gloria ao Patrão nas
alturas > e ao Cristo, glória igualmente.
IX – ORAÇÃO EUCARÍSTICA PRÓPRIA PARA A MISSA CRIOULA
PADRE: (de braços abertos diz):
Querido Patrão do Céu, Vós sois santo na verdade, a fonte da santidade que
brota sempre fecunda, jorrando a graça que inunda as almas da humanidade.
(PADRE une as mãos e as estende sobre as ofertas e diz):
Santificai as ofertas, neste altar que eu quero tanto, derramando sobre elas o
Vosso Espírito Santo.
(PADRE traçando o sinal da cruz sobre as ofertas diz): Que elas se tornem para nós Corpo vivo de Jesus e o Sangue do Vosso Filho,
derramado sobre a cruz.
(PADRE tomando o pão nas mãos diz):
Estando para ser entregue e abraçando livremente sua sagrada paixão, Jesus
Cristo onipotente, tomou na mão este pão, depois deu graças, benzendo,
distribui-o aos apóstolos, estas palavras dizendo:
TOMAI E COMEI TODOS VÓS, ESTE É O MEU CORPO SAGRADO QUE POR
VOSSO AMOR NA CRUZ HÁ DE SER CRUCIFICADO.
(PADRE ergue a hóstia, genuflete e segura o cálice dizendo):
DO MESMO MODO, AO FINAL DESTA CEIA SACROSSANTA, JESUS PÔS
VINHO NO CÁLICE E EM SUAS MÃOS LEVANTA, DANDO GRAÇAS
NOVAMENTE OLHANDO AOS CÉUS E BENZENDO FEZ SEUS DISCIPULOS
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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BEBEREM ESTAS PALAVRAS DIZENDO: TOMAI E DELE BEBEI, ESTE CÁLICE
CONTÉM MEU SANGUE NA NOVA ALIANÇA, QUE SÓ PARA O VOSSO BEM,
NO SACRIFICIO DA CRUZ, TUDO SERÁ DERRAMADO PELA SALVAÇÃO DO
MUNDO E EM REMISSAO DO PECADO. CADA VEZ QUE CELEBRARDES ESTE
MISTÉRIO EM FIM, FAZEI-O, EU VOS ORDENO, SEMPRE EM MEMÓRIA DE
MIM.
(PADRE ergue o Cálice, genuflete e diz):
EIS O MISTÉRIO DA FÉ AQUI NA CONSAGRAÇÃO!
POVO: E toda vez que tomamos deste vinho e deste pão anunciamos Vossa morte
e vossa ressurreição: aguardando Vossa vinda para nossa libertação.
PADRE: (de braços abertos, prossegue): Celebrando o memorial da morte e
ressurreição a Vós, divino Patrão, ofertamos imolado Vosso Filho Consagrado
neste vinho e neste pão. Patrão Santo, agradecemos Vossa divina bondade em nos
dar dignidade de estarmos firmes na crença em Vossa augusta presença nos
servindo na humildade. Dai-nos o Espírito Santo, querido Patrão Celestial, para
todos em geral; Vosso Filho, ao comungarmos, na fé e no amor formamos um só
corpo espiritual. Lembrai-vos, também, Pai Santo, da nossa Igreja Divina, que no
mundo peregrina no rumo da eternidade, conduzindo a humanidade. Aumentai o
amor da Igreja no Papa, no Episcopado, no Bispo, nosso prelado; no clero, nos
religiosos e nos cristãos fervorosos, Vosso povo consagrado. Recebei na Estância
Eterna vossos fiéis falecidos, os nossos entes queridos, que partiram na
esperança de chegarem sem tardança à glória dos ressurgidos. De todos aqui
presentes, tende piedade, Patrão, daí-nos participação na graça, na fé e no amor
e unidos no Salvador cheguemos à salvação. Com vossos santos e apóstolos e com
a Virgem Maria, possamos chegar um dia aos eternos resplendores, para cantar
vossos louvores e vos amar com alegria.
(PADRE ergue o Cálice com a Hóstia na paterna dizendo): Por Cristo, com Cristo e
em Cristo, a Vós, Pai Onipotente, toda honra conveniente e toda glória, portanto,
junto ao Espírito Santo Vos damos eternamente.
POVO: Amém
X – PAI NOSSO
PADRE: Fiéis, à ordem de Cristo, agora vamos dizer, a oração do Pai Nosso, que
Ele ensinou a fazer.
POVO: Pai Nosso que estais no céu...
PADRE: Patrão do Céu, afastai-nos todo o mal, do passado, do futuro, do
presente; protegidos de todos os perigos, conservai-nos do pecado sempre
ausente.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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POVO: Por Maria, Mãe de Cristo e Nossa Mãe, mandai paz à humanidade
urgentemente, auxiliados por vossa misericórdia, aumentai a nossa fé pura e
ardente.
PADRE: No Santo amor, Jesus Cristo, vosso filho; convosco reina feliz,
gloriosamente e com o Espírito Santo, Deus também, por todo o tempo, sem fim,
eternamente, enquanto na terra, vivendo a esperança, aguardamos Jesus Cristo
novamente.
POVO: Vosso é o reino, a glória e o poder e para sempre Deus eterno há de ser...
PADRE: Aos Apóstolos, Jesus, Vós dissestes com lealdade; Eu vos deixo a minha
paz.
POVO: Vos pedimos com bondade, não olheis os nossos pecados, olhai a
fidelidade de Vossa Igreja e nos dá a paz, o amor e a unidade, Vós que sois Deus,
com o Pai e com o Espírito da verdade.
PADRE: Conosco a paz do Patrão Onipotente
POVO: O amor de Cristo nos reuniu fraternalmente.
XI – COMUNHÃO
CANTO AO CORDEIRO DE DEUS
Jesus Divino Cordeiro, > Cordeiro, > Divino Cordeiro, > perdão, perdão perdão; >
perdão para o mundo inteiro
Jesus Divino Cordeiro, > Cordeiro, > Divino Cordeiro, > perdão, perdão, perdão; >
perdão para o mundo inteiro.
Jesus Divino Cordeiro, > Cordeiro, > Divino Cordeiro, > a paz, a paz, a paz, > a paz
para o mundo inteiro, > a paz, a paz, a paz, > a paz para o mundo inteiro.
PADRE: Felizes os convidados que vem comer o Cordeiro. Ei-lo aqui como
alimento pra saciar o mundo inteiro
POVO:Meu Divino Cordeiro, não mereço comer-vos agora, vivo neste pão. Por isso
Jesus Cristo é que eu vos peço antes de tudo, limpai-me o coração.
COMENTARISTA: Se o churrasco e o mate saciam minha fome diária de pão,
muito mais o teu corpo e o teu sangue matam a fome de meu coração!
CANTO DA COMUNHÃO
Jesus Cristo, Divino Tropeiro, > feito pão sobre a mesa do altar > vem reunir teu
sagrado > rodeio para a eterna querência levar.
Estribilho: Se o churrasco e o mate saciam minha fome diária de pão, muito mais
o teu corpo e o teu sangue matam a fome do meu coração.
Nosso corpo reclama alimento > que dê força e energia à vontade, > mas também
nosso peito tem fome > de Jesus e de felicidade.
Estribilho
Para saciar nossa fome do corpo > nos concedes o pão material > pra saciar nossa
fome de Deus > nos entregas teu pão Celestial.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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Estribilho
Pois se o mate e o churrasco dão vida > essa vida se acaba na morte, > mas quem
come teu corpo, teu sangue, > sempre tem vida eterna mais forte.
Estribilho
Foi por isso que Tu nos disseste > quem não come meu corpo e meu sangue, > não
tem vida na Estância do Além". > Vem, ó Cristo, alimenta o Rio Grande...
Estribilho
XII - TROVAS LITÚRGICAS
ORAÇÃO DO PADRE
PADRE: Daí-nos a graça, Patrão Santo, de seguirmos daqui por diante, uma vida
nova, sem pecado, inteiramente a Vosso serviço, já que o Divino Tropeiro nos
salvou. Por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo.
POVO: Assim seja
COMUNICAÇÕES
Almoço, patrocinadores, aulas de danças, domingueira.
XIII - JURAMENTO CRIOULO
Meu Patrão da Eternidade:
Diante da minha consciência, prometo pela minha honra de gaucho, guardar
sempre aceso em meu peito o sagrado candeeiro da fé.
Divino Tropeiro de Jesus:
Assumo o compromisso de honrar em toda parte o meu nome de cristão e marca
da cruz que recebi no batismo.
Juro pelas sagradas tradições do meu pago: Defender sempre as leis do
Evangelho e me incorporo nas trincheiras da Igreja para pelear até a morte
contra toda a maldade.
Pela minha bandeira Farroupilha:
Juro defender e honrar a Sagrada Cruz em cuja sombra nasceu e cresceu a fibra
rio-grandense.
Quero guardar este meu juramento:
Até o momento em que eu bolear a perna na Estância do além. Para isso conto
com a ajuda de São Pedro, sinuelo espiritual do Rio Grande e com o auxilio da
Virgem Maria, Primeira Prenda do Céu, amém
PADRE: Já quase no encerramento da Missa Crioula, vamos erguer nossas vozes,
cantando o canto final.
COMENTARISTA
É hora da despedida, queremos agradecer ao Patrão da Estância do Céu a Missa
bem gaucha no Rancho do CTG Saudades da Querência. Pedimos à Virgem Maria,
Primeira Prenda do Céu, que ajude a melhor viver a lição que o altar ensina.
Voltamos pro nosso rancho melhor que viemos.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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XIV - CANTO FINAL
No final desta Missa, pedimos > Tua benção Patrão eternal, > para todos os povos
da terra, > aos cristãos do rodeio geral.
Estribilho:Ninguém mais nos arranca do peito esta fé no estandarte da cruz
seguiremos o rastro seguro do Tropeiro Divino Jesus.
Com Maria no céu, Virgem Prenda; > Padroeira da pátria querida, > abençoa o
Brasil para sempre, > sob o manto da Aparecida.
Estribilho
Com São Pedro, sagrado sinuelo, > Capataz deste pago bendito, > vem levar nosso
heróico Rio Grande > ao rodeio do céu infinito.
Estribilho
PADRE:Voltai para casa com o Patrão Santo dentro do peito.
POVO: Graças a Deus o sacrifício foi feito.
RITO FINAL
PADRE: Aqui entre nós está o Patrão Onipotente.
POVO: E conosco permaneça eternamente.
PADRE: A benção do Patrão Santo desça agora do além e nos conserve, com a fé
sempre no trilho, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
POVO: Amém
PADRE: Termina a Missa companheiros, mas não se acaba nossa fé dentro do
peito.
POVO: É isso mesmo, senhor Padre, graças a Deus o sacrifício foi perfeito.
13. Símbolos da cultura gaúcha
13.1 Quero-quero
Sentinela das coxilhas, ave símbolo do Rio Grande do Sul e pertencente à família
“Vanellus Chilensis”. Possui pontiagudos ferrões em suas asas que exibe
ameaçadores de seu domínios não demarcados por aramados. Vivendo comumente
em casais, habita campos, restingas encostas e banhados, jamais abandonam seus
ninhos e filhotes.
13.2 Estrela Boieira
Estrela símbolo do gaúcho. Estrela D’Alva ou planeta Vênus. Surge no horizonte
ocidental pouco após o anoitecer e no nascente, pela madrugada, antes do sol
lançar seus braços de luz. Desta forma é a guia dos boiadeiros.
Princípios do tradicionalismo gaucho
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13.3 Erva-mate e chimarrão
A erva-mate é a árvore símbolo do Rio Grande do Sul. Descoberta no atual
estado do Paraná, a erva-mate é um grande patrimônio da tradição gaúcha. Os
índios guaranis tinham o hábito de saboreá-la bem antes da chegada dos
europeus ao continente sul americano. Caá significa erva-mate e caá-y a água da
erva, hoje mate amargo ou chimarrão. Muito combatida pela igreja católica
durante o século XVI, época da inquisição, que a tratava como a erva do diabo por
ser de origem indígena. Porém como o seu hábito invadiu o continente, a igreja
resolveu suspender a sua condenação. Os grandes produtores eram Guaíra no
Paraná e os sete povos das missões.
A história do chimarrão ou mate-amargo confunde-se com a história do Rio
Grande do Sul. Inicialmente foi servido num pequeno porongo com canudinho de
taquara. Embora usado como digestivo, alimento, estimulante, o habito do
chimarrão sempre representou o gesto de cordialidade do anfitrião ao receber
uma visita. No seu uso é um ato desagradável o de rebocar a bomba, ou seja,
deslocar a bomba quando dos chupões, fazendo melecar a erva. Quando a erva
estiver sem o topete, diz-se que o mate está lavado. Renova-se o chimarrão
pondo mais erva, o que o gaúcho chama de “encilhar” o mate, sem tirar a já
existente. O último mate antes de partir diz-se “mate de estribo”.
Nas charlas galponeiras, ao redor do fogo de chão foram tomadas as mais
importantes decisões da história sul riograndense. Chimarrão, sangue verde do
gaúcho. Fonte da mais pura seiva, sustentáculo de uma raça destemida.
13.3.1 O preparo do chimarrão
Os ingrediantes;
Erva mate
Cuia e bomba
Água quente
A maneira de fazer;
Esquente a água até a chaleira começar a chiar ou a água começar a formar
bolhinhas (75 a 800C).
Coloque a erva na cuia até cobrir o pescoço da cuia.
Com a palma da mão servindo de anteparo na boca da cuia, incline a mesma
para que a erva se acomode num ângulo de aproximadamente 450.
Coloque um copo de água morna vagarosamente pela parede da cuia e
aguarde alguns minutos para que a erva absorva a água.
Princípios do tradicionalismo gaucho
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Coloque novamente outro copo de água morna e segurando a bomba, tampe
o bocal com o dedão e coloque a parte de trás da bomba contra a parede
de erva.
Introduza a bomba até o fundo da cuia e ainda com o bocal tapado, gire a
bomba aproximadamente 900 e destampe. Observe que o nível da água
descerá.
Puxe o primeiro gole e cuspa fora. Após isso complemente com a água
quente e está pronto teu mate.
As figuras abaixo ilustram o processo.
Figuras – Como fazer um chimarrão
13.4 Churrasco, arroz de carreteiro e mocotó
O churrasco e o arroz de carreteiro são os dois pratos mais característicos da
culinária gaúcha. São muitas as formas de assar churrasco. Sobre as brasas,
labaredas ou sob o calor do fogo com ou sem espeto. Bem ou mal assada a carne é
consumida com muita aceitação. A mais rudimentar forma de assar carne
remonta à época dos índios guaranis que a consumiam assada envolta com
vegetais num buraco. Com a chegada dos portugueses e espanhóis difundiu-se o
sistema de assar nas labaredas ou brasas. Com as revoluções surgiu o sistema de
assar a rês com o couro o qual é retirado após de assado e só ai então a carne
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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recebe o sal ou salmoura. O churrasco está sempre presente na vida do campeiro
gaúcho.
Para fazer um bom churrasco, três coisas são importantes:
a escolha das carnes
o preparo das carnes
o preparo do fogo
Partindo-se da premissa de que quem assa é o fogo e que deve-se respeita-lo
para que o se tenha um ótimo assado, procure seguir as seguintes regras:
1- Ascender o fogo com uma certa antecedência para poder queimar o carvão
eliminando a fumaça inicial que pode deixar gosto ruim na carne. O ideal é colocar
as carnes com as brasas bem acesas e com aquela camadinha de cinzas se
formando, indicando que o fogo está ideal. Entre os muitos métodos práticos e
corretos para iniciar o fogo, dois estão descritos a seguir:
Pegue um pedaço de papel higiênico, ou guardanapo de papel, faça uma ‘tacinha’
usando dois dedos, depois faça uma cavidade na pilha de carvão, e ajeite o papel,
encha com óleo de cozinha usado ou não e acenda. O fogo vai pegar no óleo e
escorrer para dentro do carvão, fazendo um fogo limpo, consistente e garantido.
Outra forma prática é colocar na cavidade da pilha do carvão, um recipiente
metálico (caneca o corte de uma lata de cerveja) com um volume equivalente a um
dedo horizontal de álcool e tomar o cuidado ao ascende-lo.
2- Colocar inicialmente as carnes com os ossos para baixo e a graxa para cima,
sendo assadas mais de longe, para irem baixando conforme vão se aprontando.
3- Um dos segredos do assador é saber regular essa distância para cada tipo de
carne ou de corte. Carne muita perto do fogo "sapeca" fica queimada por fora e a
crosta evita assar por dentro. Carne muito alta só cozinha e perde o gosto.
Existem exceções para alguns tipos de carne. Mas é ai onde entra a prática e a
observação. Uma das dicas para a altura certa, é o barulhinho da graxa pingando
no fogo "tchiii, tchiii, tchii..." se estiver muito perto vai levantar labareda e
queimar a carne. Muito alta, o ritmo do pingar fica lerdo anunciando que temos
pouco fogo. Se levantar labareda é sinal que a carne está muito próxima do fogo.
Nada de cometer a asneira de jogar água, colocar latinhas e outros derivados.
Tem é que levantar a carne ou retirar carão da churrasqueira. A outra dica para
saber se o calor está adequado é colocar a mão na altura das carnes e verificar
se pode suportar até 3 segundos sem queimar a palma da mão.
Se a carne estiver congelada, deixe em temperatura ambiente por cerca de 12
horas.
4- Descongelar com água ou microondas fatalmente irá afetar o sabor e a
textura da carne.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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Carne mal descongelada no fogo é desastre certo. Não adianta achar que o calor
vai terminar o descongelamento. A carne maturada embalada a vácuo, deve ser
aberta no mínimo 30 minutos antes de ir pro fogo, para tirar um cheirinho
peculiar à esse tipo de carne. Costumo passar essas carnes pela torneira para
tirar aquele sangue escuro.
Colocar carne no leite ou no outra substância para amaciar, é sacrilégio. Se a
carne é dura não serve pra churrasco e ponto final.
5- As carnes grandes e sem osso vão para a grelha: Picanha, maminha, entrecot
(contrafilé). Costela, salsichão e medalhões de picanha assam melhor em espetos.
6- O sal antes do fogo endurece a carne. Deixe as carnes pegarem cor e calor
antes de salgar. Tire do fogo e espalhe, sem exagero, sal grosso ou médio por
toda a carne. Volte ao fogo e deixe branquear o sal. Nunca deixe a carne salgada
antes de botar no fogo, é carne dura e seca na certa.
7- Fogo pronto e parelho coloque as lingüiças e carnes menores mais em baixo e
as costelas, maminhas e picanhas no alto.
O churrasco gaúcho é preparado com carne bovina e ovina, espécies aclimatadas,
que pastam sossegados nas imensidões verdes do pampa. A pecuária sempre foi
um dos principais esteios do desenvolvimento da região do pampa. Com o passar
dos anos os estanceiros foram aprimorando seus rebanhos, através da
importação de raças e reprodutores importados.
Hoje encontramos criadores de Hereford, Aberdeen Angus, Charolês, Devon,
entre outras raças de gado especial para produção de carne "especial, de
primeira", pastando "tranquilitos no más" nas planícies gauchas.
Quem já teve o desfrute de experimentar um churrasco de costela de novilho de
Angus, sabe o que é um Churrasco com C maiúsculo!
E os ovinos que eram somente para lã, tem na raça Sufolk (cara negra) e na Ile de France excelentes exemplares de animais apropriados para o prática do assado.
O gado geral de corte nem sempre é puro, mas é o resultado de cruzas que vão
fornecer carne macia, saborosa e gorda. Gorda sim! Para se assar churrasco tem
de ser com carne gorda, pois quem come churrasco não faz regime e para fazer
carne moída ou carne de panela, qualquer zebuino serve.
A cor deve ser vermelho puxando para o rosado, evitando carnes vermelho
escuro (queimadas pelo excesso de tempo no gelo).
Existem cortes mais claros e mais escuros, dependendo se a região do boi
é mais ou menos irrigada de sangue (a picanha e o vazio são das mais
irrigadas, macias e suculentas).
No caso específico da costela, atenção ao corte transversal do osso. Osso
chato e grande é vaca velha na certa. Ossos pequenos e arredondados são
de novilho.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
37
A graxa (gordura) não pode ser amarelo escuro (animal velho), deve ser
clara, cor de manteiga. Graxa muito branca é carne de bufálo.
Se puder enfie o dedo na carne e sinta a sua firmeza/maciez, esse é o
melhor jeito de verificar se a carne é assável.
Se não encontrar a carne que você queria do jeito certo, procure outro
corte ou ataque de carne maturada, dessas embaladas à vácuo, que são
amaciadas na marra e tem procedência garantida. Não se esqueça de abrir
o pacote uma meia hora antes de ir ao fogo, para tirar o "cheirinho"
característico.
As carreatas pelos pampas do Rio Grande do Sul abriram caminhos pelas matarias
e descampados e foram o meio mais eficiente de transporte do suprimento
necessário para erguer-se um rancho. Cortando distancias o carreteiro deixava a
família e a querência, levando consigo entre outras coisas, um fiambre contendo
charque que na hora do almoço ou janta era picado e misturado ao arroz para a
sua refeição.
O mocotó é outro tradicional prato da culinária gaúcha, com forte valor nutritivo
e agradável paladar. É feito com as patas de bovino, mondongo, tripa grossa,
feijão branco, lingüiça, cebola, tomate, alhos e outros temperos. Surgiu nas
estâncias, pelos galpões com as escravas ou chinas que utilizavam as sobras dos
animais, que não eram utilizados pelos senhores da casa grande, para alimentarem
seus filhos.
14. A indumentária gaúcha
14.1 Chiripá
A indumentária usada desde a chegada dos espanhóis até a introdução do gado
era o traje colonial originário da Europa. Constituído por botas de couro curtido
vindo da Rússia, esporas medievais com pequenas rosetas, ceroulas compridas
com crivos e franjas, calções ou Braga de veludo, lã ou algodão justos às coxas
que terminavam após os joelhos. Faixa larga na cintura, camisa de linho, seda ou
algodão sem botões, apertada com cadarços aos punhos, lenço atado à cabeça e
chapéu de abas estreitas e copa alta. Os indígenas usavam o pala-bichará que
constava de um pano de lã retangular com abertura no centro para enfiar a
cabeça. Inicialmente usavam para cavalgar e caçar dois palas, um enrolado na
cintura até os joelhos como saia e outro enfiado pela cabeça. Surge o chiripá,
uma espécie de saia formada por pano retangular, enrolado da cintura aos
joelhos, preso à cintura por uma faixa de lã amarrada por uma guaiaca. Foi usado
até 1825 quando surgiu a bombacha, de origem turca trazida pelos espanhóis.
Atualmente é usado em fandangos e apresentações folclóricas. O chapéu, por
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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uma questão de educação, recomenda-se não ser usado em ambientes cobertos,
pois o mesmo serve para proteção das chuvas e do sol. Entretanto, entendo que
não se pode proibir o uso do chapéu, da boina e do boné tradicionais dos gaúchos
no recinto de um Galpão do CTG, pois tais “coberturas” já não são meramente
peças de um vestuário, são partes integrantes de um símbolo do tradicionalismo
que é a pilcha gaúcha, peças do uniforme daqueles que lutam a em prol da
identidade cultural gaúcha, que é o Movimento Tradicionalista Gaúcho.
14.2 Bombacha
É a peça principal da indumentária masculina gaúcha. Originaria da Turquia, foi
usada na Espanha e depois de trazida para os paises do Prata e em território
gaúcho recebeu aprimoramento para ser usada nas lides campeiras. Seu uso exige
obrigatoriamente camisa com mangas compridas, acompanhadas de botas,
alpargatas, tamancos ou chinelos de couro de estilo gauchesco.
14.3 Lenço gaúcho
As tribos indígenas existentes na época no Rio Grande do Sul, usavam uma tira,
fita ou vincha para prender os cabelos compridos. O lenço de pescoço não surgiu
como um adorno, mas sim da evolução da vincha, pelas circunstâncias da época.
Quando, no modismo de cortar os cabelos, não haviam mais motivos para o peão
usar a tira atada a cabeça. Foi, possivelmente, conservada, enlaçada ao pescoço,
com as pontas atiradas para trás, como até então. Para cobrir toda a cabeça, foi
usado um pano grande, retangular, com as pontas para trás, nos moldes dos
usados atualmente pelas mulheres.
O lenço desceu da cabeça para o pescoço, ainda com as pontas para trás. Sua
maior afirmação foi quando adotado politicamente, como designativo de cor
partidária. Os companheiros ou inimigos eram reconhecidos, na distância, pela cor
do lenço. As pontas atiradas para trás pouco destacavam a cor - símbolo de luta.
Surgiu, finalmente, o lenço gaúcho, nos moldes atuais, atado ao pescoço, solto ao
peito. Passou a ser instrumento de identificação, ao longe, tremulando ao vento.
Em certo tempo chegou-se a usar o lenço e a vincha, conjuntamente. Hoje, em
certas apresentações artísticas, ainda encontramos o duplo uso.
Há muitas cores de lenços, sendo o branco e o vermelho os mais tradicionais. Há
várias formas de atar o lenço gaúcho. As mais tradicionais são 8 formas. Duas
tem origem política, o Nó Farroupilha, de uso nos anos de 1835 a 1845 e o Nó
Federalista, de 1893 a 1896.
Um lenço esvoaçando ao vento, sobre o peito de um gaúcho, é uma marca
registrada da altivez da indumentária gaúcha. Apesar da cor única, apareceram
lenços de tecido xadrez, existentes até hoje. Não pertence à indumentária
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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gaúcha o lenço de tecido estampado. Com as disputas dos lideres políticos ao
governo do estado em 1893, o lenço vermelho ou maragato foi adotado por
Gaspar Martins, fundador do partido Federalista, enquanto que o lenço branco ou
chimango foi adotado pelo partido republicano de Julio de Castilhos e Flores da
Cunha. Mas de forma alguma, como muitos pensam, na revolução Farroupilha em
1835, o lenço não representava partido, era simplesmente um adorno.
Há inúmeros tipos de nós, os mais usados estão iluistrados abaixo:
Figura 13.1: seqüência do nó simples ou chimango
Figura 13.2: seqüência do nó quatro cantos, rapadura, maragato ou farroupilha
Figura 13.3: seqüência do nó namorado ou de briga
14.4 Chapeu
Antes da chegada do branco, o índio não usava qualquer tipo de cobertura.
Quando muito, prendia os cabelos com fita de couro ou de fibra vegetal que os
castelhanos chamam de vincha. De resto, a farta cabeleira protegia a cabeça do
sol e da chuva.
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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Os portugueses trouxeram dois tipos de chapéu: o de feltro, de copa alta, e o de
palha, comumente chamado de "abeiro". O chapéu de feltro era caro, usado
normalmente por homens de posse. O de palha (de arroz, de trigo ou de milho)
era do homem comum e da gurizada das estâncias. Militares, magistrados e
pessoas importantes usavam até a primeira metade do século 19 o chapéu
bicórnio estilo napoleônico, conforme descrição dos cronistas do passado e de
pinturas de Jean-Baptiste Debret, substituído depois pelo chapéu tricórnio.
Após a guerra do Paraguai, a copa do chapéu de feltro vai se achatar e a aba do
chapéu ficará mais larga, tomando as formas que o chapéu campeiro gauchesco
ostenta até hoje, invariavelmente preso por um barbicacho que passava por baixo
do queixo ou abaixo do lábio inferior. O barbicacho surgiu pela necessidade de
fixar o chapéu á cabeça durante o ato de cavalgar, sobretudo nas galopadas. O
chapéu do tropeiro sempre foi característico: para não juntar água em caso de
chuva, a copa era e ainda é amassada em forma de pirâmide. O gaúcho da
fronteira gosta de usar o chapéu de feltro com abas mais ou menos retas, como o
chapéu português do campino ribatejano. Já o gaúcho serrano tradicionalmente
usava o chapéu desabado na frente e atrás. Depois do advento do cinema e do
caubói, o gaúcho serrano passou a levantar as abas do chapéu dos dois lados.
O chapéu de palha, que tem entre nós a própria idade do Rio Grande do Sul, ainda
é o chapéu por excelência do guri gaúcho. Com a chegada dos colonos alemães e
italianos, o chapéu de palha se popularizou ainda mais, mas sofre de preconceito
por parte dos tradicionalistas, que tendem a identificá-lo com o chapéu do caipira
paulista.
Mas o chapéu mais tipicamente gauchesco, o mais original, era o "chapéu pança de
burro", cortado circularmente da barriga de um muar e amoldado, ainda fresco,
na cabeça de um palanque. Com o uso, perdia o pêlo e tomava uma cor
esbranquiçada, conforme aparece em quadros de Debret.
14.4.1 Simbolismo do chapeu
No século passado o chapéu era cheio de simbolismo que hoje poucos o
conservam, senão vejamos: Não se usava o Chapéu tapeado na testa; era
provocação, falta de respeito. Quem andava de Chapéu na nuca era sinal de
deboche. Tocar levemente com os dedos indicador e polegar na aba do Chapéu
era cumprimento com educação a desconhecido, viajante, etc. Suspender
levemente da cabeça, pegando-o pela copa era um cumprimento respeitoso a
senhoras ou pessoas importantes. Retirá-lo completamente da cabeça e passá-lo
para a mão esquerda, segurando-o pela aba, significava humildade, respeito e
submissão. Cumprimentar de Chapéu na cabeça é sinal de intimidade; é muito
comum entre os jovens. Quem andava de Chapéu enterrado na cabeça, é que
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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andava bem brabo. Botar o Chapéu nos olhos, isto é incliná-lo para frente
cobrindo os olhos com a aba, significava indiferença, fazer que não vê. Quem de
Chapéu inclina-o ligeiramente para traz, mostrando a face, é gesto de franqueza,
honestidade. Ficar de Chapéu dentro de casa é falta de educação, grosseira.
Atirar o Chapéu no chão com força é sinal de revolta e jogá-lo para cima significa
alegria ou vitória.
Algumas pessoas têm falado que não se deve usar chapéu, boina ou boné dentro
do salão de um CTG em bailes ou quaisquer outras ocasiões. É certo que se deve
tirar o chapéu dentro de casa e maiormente à mesa, entretanto, no meu
entendimento, considero o salão de um CTG como o galpão da estância, o espaço
onde a gauchada se reúne para a charla, o mate, o trago, o assado, para ouvir uma
declamação, uma guitarra, uma cordeona, um bombo legüero, para a festa, enfim,
para se cultuar as tradições gaúchas e não a casa do patrão. Portanto, entendo
que não se pode proibir o uso do chapéu, da boina e do boné tradicionais dos
gaúchos nos recintos do CTG, ainda mais levando-se em conta que tais
“coberturas” já não são meramente peças de um vestuário, são partes
integrantes de um símbolo do tradicionalismo que é a pilcha gaúcha.
14.5 Vestido de Prenda
Prenda é uma designação carinhosa que o gaúcho dispensa à mulher. A mulher
gaúcha até 1750 usava o Tipoy, um vestido longo de algodão, de dois panos
costurados entre si com duas aberturas para os braços e uma para o pescoço.
Para apertar o Tipoy, sobre a cintura, era usado um cordão chamado Chumbe. De
1820 a 1870, sob influencia européia, a mulher gaúcha usou vestido de seda ou
veludo, botinhas fechadas, travessa nos cabelos, leque, meias brancas e xale. A
partir daí vestiu-se de forma variada, nas cidades e campanhas, sofrendo as
influencias dos colonizadores europeus. Com o surgimento do MTG, adotou-se o
vestido de prenda que melhor caracterizava a sobriedade e a beleza da mulher
gaúcha. Vestida de chita, sapato simples e uma flor no cabelo, a prenda gaúcha é
o mais original quadro de beleza pintado pela natureza.
Quanto ao vestido de prenda usado nas apresentações dos CTG’s, cabe alguns
comentários esclarecedores:
Em primeiro lugar, no passado não havia o que hoje chamamos de “vestido de
prenda”. O que existia eram os vestidos, as saias, as blusas, os casaquinhos etc.
em voga no seu tempo; eram roupas de uso comum em seu lugar e sua época,
usadas, conforme a classe social, pelas pessoas comuns da campanha e da cidade
grande ou pequena.
Claro está que, nos séculos XVII e XVIII, os trajes não sofriam câmbios
vertiginosos como hoje, mas, já avançava a segunda metade do séc. XIX, a moda
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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passou a ser um item importante no vestuário, com o surgimento de ateliês e
revistas de modas e grandes lojas de departamentos nos países que ingressaram
primeiro na Revolução Industrial, lembrando que Paris, Londres e Madrid eram
importantes centros difusores culturais para todo o mundo dito “civilizado”.
Em segundo lugar, consultando o mestre Luiz Carlos Barbosa Lessa, que diz, em
seu excelente livro “Nativismo – Um fenômeno social gaúcho”, no capítulo 13 “A
invenção das tradições”:
E como é que é o vestido das moças? Como modelo, aproximado, só havia os
vestidos caipiras, das festas juninas de São Paulo, ou as “folhinhas” anuais
distribuídas pela Cia. Alpargatas na Argentina. Paixão encasquetou que deveriam
ser vestidos compridos até os tornozelos; eu argumentei que se nós, rapazes,
estávamos trajando nossas costumeiras bombachas, não carecia que as moças se
voltassem para tão longe nos antigamente; isto não chegou a ser posto em
votação, mas o bigodudo Paixão nos venceu pelo cansaço... (p.66).
Outro trecho emblemático deste problema está na página 110 de outra obra
fundamental do Tradicionalismo, “Danças e Andanças de Tradição Gaúcha”, de
Barbosa Lessa e Paixão Côrtes : “Com referência às prendas, tivemos de
improvisar algum figurino que nos parecesse lógico, enquanto tomávamos
consciência de um novo item a acrescentar aos próximos formulários de pesquisa-
de-campo: a indumentária gauchesca nas festas do passado.” E, mais adiante, na
página 111: “No fim as prendas entraram em cena, com seus vistosos vestidos
floreados”.
Assim sendo, não se pode dizer jamais que houve uma evolução natural do vestido
de época até chegar ao “vestido de prenda”. Evolução pressupõe continuidade e
há um hiato entre as épocas e os contextos. O que houve foi um resgate de
modelos em desuso, já, portanto, fora de moda, com a finalidade exclusiva de
servirem às apresentações das danças que Barbosa Lessa e Paixão Côrtes vinham
pesquisando e recriando. E, mais tarde, a partir daí, o MTG implantou regras para
disciplinar o uso da indumentária feminina, como a proposição do estudioso do
IGTF, Luiz Celso Hyarup, aprovada no 34º Congresso Tradicionalista de Caçapava
do Sul, em 07/01/89, fazendo prevalecer no ambiente tradicionalista a pilcha
“inventada” sobre o traje de época, como informa a Profª Véra Stedile Zattera,
em “Pilchas do Gaúcho – Vestuário Tradicional, Arreios e Avios de Mate”.
15. Danças gaúchas Por ser o gaúcho, nos primórdios tempos, um andarilho, estava constantemente
em contatos com novas correntes culturais nativas, espanholas, portuguesas,
africanas, italianas e alemãs. Trazidas dos mais diversos paises, algumas danças
sofreram variações coreográficas ao serem difundidas nos casamentos e festas
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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que ocorriam nas estâncias do Rio Grande do Sul. Através dos tempos algumas
foram esquecidas, mas o trabalho pioneiro de Paixão Cortes e Barbosa Lessa
conseguiu regatar muitas dessas danças. Os primitivos fandangos ou bailes
campeiros, compunham-se de cantigas do Anu, Balaio, Tirana, entre outras, com
peões sapateando e prendas em sarandeios. Eram danças de pares soltos ou
executadas somente por homens, como a chula. Com o surgimento do Xote, Valsa,
Milonga, Vaneira, Bugio, entre outras, é que as danças ficaram com pares
enlaçados. A seguir apresentam-se características históricas de algumas danças
gaúchas:
Tirana; de origem espanhola mas também difundida em Portugal era dançada
com pares soltos e sapateios, mas com o tempo foi se transformando em
contradança, com momentos de pares soltos e outros de pares enlaçados.
Anu; de origem portuguesa era dançada com pares soltos e sapateios
intercalados de cantigas, mas com o tempo foi se transformando em contradança,
com momentos de pares soltos e outros de pares enlaçados.
Balaio; de origem nordestina que teve suas raízes na chula. Inicialmente dançada
de pares soltos com cantigas e danças. Com a evolução surgiu o balaio híbrido com
momentos de pares soltos e outros de pares enlaçados, sempre com sapateios de
peões e giros de prendas.
Chimarrita; chama-rita, chamarita ou chimarrita, dança de origem portuguesa
dos Açores. É uma dança de roda de pares soltos e posteriormente enlaçados
com alternância de forma.
Dança dos facões; de origem africana eminentemente masculina.
Chula; dança muito difundida em Portugal. Encarna os traços do machismo
gaúcho, retratando a agilidade do peão em clima de disputa. Caracteriza-se pela
agilidade do sapateio do peão sobre uma lança estendida no chão.
Além dessas danças folclóricas, ressalta-se outras de origem portuguesa tais
como; Pezinho, Sarrabalho, Carangueijo e Roseira. Maçanico de origem
nordestina, Xote de quatro passi de origem italiana, Xote de duas damas de
origem alemã, Tatu de origem espanhola e a universal Pau-de-fita. Ainda
destacam-se as danças de salão de pares enlaçados tais como; Rancheira, Cana
verde, Xote, Havaneira, Milonga, Limpa banco, Bugio, Polca e Chamamé. O bugio é
um ritmo musical tido como eminentemente gaúcho.
16. A estilização das danças gaúchas Nos anos idealistas do Movimento Tradicionalista Gaúcho, Paixão Cortes e
Barbosa Lessa percorreram o Rio Grande do Sul e o Rio da Prata efetuando
pesquisas de gabinete (bibliográficas, fonográficas etc.) e de campo, ouvindo
informantes e registrando dados valiosos para o resgate das danças gaúchas
Princípios do tradicionalismo gaucho
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antigas, muitas já extintas como manifestação vigente e a partir daquele
precioso acervo, reconstituíram suas coreografias e melodias, publicando um
manual que serviu de guia para as Invernadas Artísticas dos CTG’s que foram
surgindo, além de gravarem discos contendo tais danças, com finalidade didática.
Apesar da falta de preparo para tão difícil tarefa, em termos de instrumental
teórico-metodológico, o que em nada lhes empana o mérito, mas coloca em dúvida
várias conclusões levantadas, seu trabalho permanece vigente até hoje.
Na década de 70 surgiram inúmeros grupos profissionais e amadores de danças
gaúchas desvinculados dos CTG’s, animados pelas possibilidades de um mercado
específico nascido na esteira do MTG, principalmente nos ramos da propaganda,
do turismo e da diversão pública. Porém, começou também o processo de
estilização das danças gaúchas, com fins puramente artísticos, visando à
competitividade naquele mercado, que lançava assim, uma nova estética: os
grupos uniformizados, os shows vertiginosos, a coreografia, postura e cênica de
balés. Com o sucesso de alguns conjuntos musicais que excursionavam pelo país e
pelo mundo, a grande maioria das Invernadas Artísticas passaram a adotar as
coreografias adulteradas. As danças estão impregnadas do verdadeiro sabor
crioulo do Rio Grande do Sul, são legítimas expressões da alma gauchesca. Em
todas elas está presente o espírito de fidalguia e de respeito à mulher, que
sempre caracterizou o campesino rio-grandense. Todas elas dão margem a que o
gaúcho extravaze sua impressionante teatralidade. Donde as danças gaúchas
surgiram é problema secundário. O que interessa é sabermos que elas realmente
animaram as festas do Rio Grande tradicional, e representaram um incentivo de
alegria aos forjadores da grandeza histórica de nosso rincão.
Entretanto, a maioria dos CTG’s tem contribuído para tornar as danças gauchas
cada vez mais distantes da idéia principal que movia os principais pesquisadores e
idealizadores do MTG, que era a de torna-las mais acessíveis a todas as pessoas.
O que vem acontecendo dentro desses CTG’s é que, indivíduos sem a devida
formação tradicionalista, intitulados de professores da invernada artística e
preocupados tão somente com o julgamento dos seus trabalhos, passam a exigir
detalhes rigorosos das coreografias, as aulas passam a ser ministradas como
forma de adestramento, uma rígida instrução militar, uma ordem unida, além da
imposição de cores, proibição de determinada peça do vestuário e uniformização
dos grupos. Como conseqüência, as pessoas passam a ter uma idéia de espetáculo
e ficam cada vez mais distantes da possibilidade de aprender e reproduzir tais
danças de maneira autêntica e principalmente, espontânea, outras acabam
abandonando o grupo porque as danças tornaram-se um sacrifício ao invés de um
agradável e sadio passatempo, o prazer de dançar foi substituído pelo medo de
não errar. Quando tais centros passam a valorizar mais um espetáculo ou um
Princípios do tradicionalismo gaucho
Amado da Costa e Silva
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concurso e deixam de lado a essência principal do folclore, que é a participação
popular e legítima, caminham em direção contrária ao que se propõem enquanto
centros culturais e aos objetivos primordiais que moveram a criação do MTG.
Quanto à uniformização, o que ocorre é que certas mães não aceitam que suas
filhas usem determinados vestidos, principalmente os de chita (que, segundo elas,
são "tão simplezinhos"), preferindo, pois, que suas filhas mais pareçam "piruas"
em miniatura, com vestidos que estão mais para repolhos. Para tais mães, o
critério beleza - por menos fundamentado que seja e por mais que beire o senso
comum, é superior ao da autenticidade; elas não vêem a pura e singela beleza que
a simplicidade traz em si ou a graça que nasce da espontaneidade e da
naturalidade. É triste ver gente sem o mínimo preparo para tais assuntos
metendo-se nas decisões dos Posteiros das Invernadas Artísticas. A depender
delas, suas filhas, ao invés de andarem pilchadas, logo estarão fantasiadas e o
que era para ser dança de projeção folclórica será ballet ou carnaval.
Outros absurdos que se tem notado, com profundo pesar, são:
a) a prática de danças não gaúchas, a exemplo do Carnavalito (dança indígena dos
Andes argentinos e bolivianos) e da Palomita (dança paraguaia).
b) o uso de termos tais como danças "latino-americanas" e danças gaúchas
(pronuncia-se "gáutxas" - como se gaúcha e gaúcho não fossem o mesmo ente!),
ao invés de danças gaúchas rio-platenses (argentinas e uruguaias).
c) o uso do chiripá por senhoras, as quais o fazem dos mais diversos materiais,
formas e cores, transformando-o em verdadeira fantasia. A ocasião mais
adequada para usá-lo seria num baile de carnaval e não num CTG!
d) o das prendas malambistas e chuliadoras, que fazem dessas danças
exclusivamente masculinas uma ocasião (errada!) de afirmação do feminismo.
e) aquele delírio absurdo a que dão o nome de "boleadeiras de fogo", uma
estilização pirômana do malambo das boleadeiras ao som da canção andina El
Condor Pasa onde peruanos e bolivianos até hoje disputam a sua autoria.
Desta forma faz-se um apelo às pessoas que tenham acesso aos CTG´s para que
façam uma reflexão sobre seus atos e que se proponham a lutar mais ativamente
pelos ideais tão nobres que moveram os precursores do MTG, que tenham
interesse em ler, pesquisar, perguntar “por quê”, para que não sejam
instrumentos de distorção e de estilização dentro dos CTG’s.
17. Diversões galponeiras
17.1 Trova
Com o fim das lides campeiras ao anoitecer nas estâncias, a peonada se recolhe
ao galpão. Um fogo de chão, um churrasco, palheiro atrás da orelha o chirú
Princípios do tradicionalismo gaucho
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campeiro, em seu atavismo, como que voltando do pago, abre a garganta numa
porfia repentista. A convivência diária dos galpões, nos dias de chuva ou
santificados, nos momentos de intervalos para as refeições e nas horas de
recolhimento, propiciou um clima fértil para uma manifestação artística. Com o
aparecimento das trovas galponeiras é que surgiu as famosas “décimas” muito
cantadas nas Missões e Campanha. Nos tempos atuais, no pampa gaúcho, cada
campeiro é um trovador. Alguns expoentes dessa arte foram Gildo de Freitas,
Portela Delavid, Preto Limão, Luiz Muller, entre outros. Nesse ambiente a
gauchada também costuma jogar cartas para se distrair e os jogos mais usados
são:
17.2 Truco
"Criado na Inglaterra no século XVII, esse jogo de cartas sofreu mudanças na
França e Espanha. Na França era chamado de Truc, Truck, Tru ou Truka que
significam "truque". Já na Espanha, o Truc foi adaptado ao baralho espanhol com
40 cartas e também disputado entre duplas ou mano-a-mano.
É um jogo de subterfúgios, malícia, truques e simulações. Como o principal
objetivo do jogo é trucar, o nome foi se deturpando até acabar no nosso truco.
É, talvez, o único jogo de apostas por pontos e não por dinheiro que consegue
entusiasmar ao máximo os participantes. É uma luta entre duas duplas, uma
tentando enganar a outra, recorrendo a toda sorte de ardil, fingindo uma
situação calamitosa quando está em vias de "engolir" os adversários, sempre com
a maior sutileza.
É muito gritado, trocando-se desafios o tempo todo e as duplas se entusiasmando
num crescendo, ansiosamente à espera de uma oportunidade para se vingar dos
oponentes.
Muitas expressões estranhas são ouvidas com freqüênccia entre os jogadores
inveterados: "ladrão de milho", "freguês de caderno", "boi fugido", "papudo".
Durante o jogo, intercalados com as expressões de desafio, ouvem-se também os
mais incríveis lamentos. E assim vão, noite adentro, numa ferrenha guerra
psicológica.
17.3 Escopa
Também conhecida como Escopa de 15, jogo de cartas de origem italiana,
introduzido no Brasil pelos imigrantes italianos no início do século XX.
É jogada por duas, três e até mesmo por quatro pessoas, neste caso, porém, em
parceria. Eliminam-se os 8, 9 e 10 de um baralho (sobram 40 cartas) e atribui-se
às cartas seu próprio valor, sendo que, o Rei o Valete e a Dama valem
respectivamente 10, 9 e 8 pontos e o Ás vale 1. A finalidade do jogo é fazer o
Princípios do tradicionalismo gaucho
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maior número de vazas e escopas, afim de se obter primeiro o número de pontos
convencionados (21 ou 31).
A vaza se faz ao se atingir 15 pontos, por meio de uma combinação entre uma
(apenas uma) carta da mão e uma ou várias cartas da mesa. Quando o jogador
consegue somar os 15 pontos, recolhe todas as cartas utilizadas para a obtenção
da vaza e coloca-as ao seu lado, viradas para baixo.
17.4 Bocha
Jogo de origem espanhola é um dos mais adotados pelo gaúcho. Consiste em
arremessar, desportivamente, bochas de madeira ou de resina sintética, sobre
uma cancha de terra batida, ou de material sintético, numa disputa entre duas
pessoas, visando colocar as bochas o mais próximo de outra menor tratada como
balim.
17.5 Cancha reta
A carreira foi o esporte e o jogo de preferência do homem do pampa. Fazia parte
tanto de negócios que envolviam grandes somas de dinheiro como das
brincadeiras telúricas. Os ginetes, em pleno campo, se desafiavam. Muitas vezes,
no retorno das campeiradas, tiravam cismas de quem possuía o cavalo mais rápido.
Todavia, no geral, "atavam" carreiras para datas específicas, geralmente aos
domingos. Nos primeiros tempos, as carreiras eram disputadas com os cavalos de
trabalho, os crioulos. Esses eqüinos, de origem ibérica possuíam grande
predominância de sangue árabe. Com o passar dos séculos, foram apurados e
terminaram se definindo como raça específica do Cone Sul e muito valorizada nas
atividades de pastoreio.
Os carreiristas sempre preferiam a "cancha reta", de metragem não muito longa.
O percurso podia ser de 260 a 400 metros. Com o hábito das carreiras e
invariavelmente com o volume de dinheiro envolvido no jogo, a atividade também
se transformou em negócio. A paixão de muitos homens pelas carreiras provocou
a perda de grandes fortunas: rebanhos e até estâncias. Conta-se que os gaúchos
chegavam a apostar as próprias mulheres.
18. O cavalo Animal elegante e de exuberante imponência. É o maior companheiro do gaúcho
nas lides campeiras, a maior relíquia de um peão. O cavalo foi introduzido no atual
território sul-rio-grandense, pelos jesuítas nas Missões. O gaúcho nunca se
separa do cavalo, montando-o sempre pela esquerda e usando a direita para laçar.
O gaúcho chama-o carinhosamente de pingo.
Princípios do tradicionalismo gaucho
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Há inúmeros tipos de cavalos e outros tantos de pelagem. Os tipos mais comuns
são:
Cavalo gavião, que é arisco ou aragano, geralmente toma a ponta da manada e
não se deixa pegar.
Cavalo fogoso é o de explosão, salta longe, pede freio.
Cavalo marchador que anda em forma de marcha.
Cavalo redomão é aquele recém domado
Cavalo reiuno é aquele sem dono ou que é do exército.
Cavalo ventena é brigão ou indomável
Cavalo xucro é o selvagem, não domado.
As pelagens mais conhecidas são:
Alazão: cor de canela.
Azulego: um azul quase preto, entremeado de pintas brancas, produzindo um
reflexo azulado.
Baio: cor de ouro desmaiado.
Barroso: cor branca amarelada; há diversas tonalidades: barroso claro,
amarelo, fumaça.
Bragado: grandes manchas brancas pela barriga.
Brasino: vermelho com listras pretas ou quase pretas.
Colorado: cor vermelha.
Jaguaré: fio do lombo e ventre brancos, e os lados de cor preta ou vermelha.
Lobuno: escuro, tirante a cinzento.
Malacara: testa branca, com uma listra da mesma cor que desce até o focinho.
Picaço: animal preto com a cara, ou cara e pés, de cor branca.
Pangaré: tom vermelho-escuro ou mais ou menos amarelado, mostrando-se
como que desbotado no focinho, no baixo-ventre e em algumas outras regiões.
Rabicano: animal que tem na cauda fios de cabelos Brancos.
Ruano: mais claro que alazão, tem cauda, crinas, orelhas e focinho de um
amarelo esbranquiçado.
Salino: pêlo salpicado de pequeninas manchas brancas, vermelhas ou pretas.
Tobiano: escuro com grandes manchas, em geral brancas, formando grande
contraste.
Tordilho: cor do tordo (sabiá), ou seja, fundo branco encardido salpicado de
pequenas manchas mais ou menos negras.
Tostado: semelhante ao alazão, porém mais escuro.
Zaino: castanho escuro.
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19. As tropeadas e o rodeio O atual território do Rio Grande do Sul foi povoado pelos nativos, espanhóis,
portugueses, africanos e outros europeus e anexado ao Brasil com o sacrifício de
muitas vidas. Com a introdução do cavalo e do gado pelos missioneiros, as imensas
planícies rio-grandenses atraíram criadores de todos os quadrantes. As terras
de ninguém não possuíam aramados ou porteiras. As mulas e cavalos eram o meio
de transporte mais utilizado e que foram as bases das primeiras tropeadas que
seguiam para Sorocaba e Itu para então serem exportados para todo o território
brasileiro. Foram as tropeadas que abriram os caminhos para a integração às
demais regiões do Brasil.
Desde o inicio da existência do gado, o gaúcho pára rodeio. Elegia na imensidão do
pampa um descampado onde reunia sua tropa. Montado em seu cavalo cortava
vales, coxilhas no rastro de uma rês desgarrada e assim estabelecia-se uma
verdadeira luta entre o gaúcho, cavalo e o gado. Com o gado reunido o peão
guarnecia a tropa cavalgando em circulo e concentrando o gado. Com a disposição
de uma roda, tal local passou a ser chamado de rodeio. As mais importantes
tarefas dos rodeios eram a castração e a marcação tradicional feita no quarto
direito dos animais. Nos tempos atuais, são encontros festivos visando a exibição
das habilidades campeiras.
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Amado da Costa e Silva
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