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1
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE SAÚDE DA COMUNIDADE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
PRISCILA RIBEIRO CAMPOS PAURA
EQÜIDADE NO ACESSO AO TRANSPLANTE DE RIM
COM DOADOR FALECIDO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Niterói
2010
2
PRISCILA RIBEIRO CAMPOS PAURA
EQÜIDADE NO ACESSO AO TRANSPLANTE DE RIM
COM DOADOR FALECIDO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva, do Instituto de Saúde da
Comunidade da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Saúde
Coletiva.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Dimas Martins Ribeiro
Co- orientador: Prof. Dr. Aluísio Gomes da Silva Júnior
Niterói
2010
3
EQÜIDADE NO ACESSO AO TRANSPLANTE DE RIM
COM DOADOR FALECIDO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PRISCILA RIBEIRO CAMPOS PAURA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva, do Instituto de Saúde da
Comunidade da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Saúde
Coletiva.
Aprovada em 23 de novembro de 2010.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Dr. Carlos Dimas Martins Ribeiro (Orientador)
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Aluísio Gomes da Silva Júnior (Co-orientador)
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Tulio Franco Batista
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Gustavo Corrêa Matta
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fundação Oswaldo Cruz
4
“Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-o segundo a
renovação da vossa mente.”
Romanos 12:2
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sua presença constante em minha vida e por me capacitar,
possibilitando a realização de mais um sonho.
Ao meu marido Marcelo por todo carinho, companheirismo e incentivo.
Ao meu filho Marcelo Júnior pela compreensão e carinho. E ao Daniel que em tão
pouco tempo, compartilhou comigo as angustias e alegrias da realização deste sonho.
Aos meus pais Ana e Celso pelo incentivo e investimento em minha formação,
sem os quais este sonho não seria possível.
As minhas irmãs Patrícia e Paula pelo amor dispensado a mim e por fazerem
parte da minha vida.
Ao prof. Dr. Carlos Dimas Ribeiro pela orientação e sugestões construtivas,
importantes para a realização deste trabalho.
Ao prof. Dr. Aluísio Gomes da Silva Júnior pela valiosa orientação. Por ter me
dado oportunidade de compartilhar seus conhecimentos científicos.
Aos profissionais da Central de Transplante do Rio de Janeiro pelas importantes
contribuições.
A todos os amigos que ajudaram a tornar esta caminhada mais leve e alegre.
A ADRETERJ e a todos as pessoas que aguardam por um transplante de rim,
pelas experiências vividas que contribuíram para que este trabalho se tornasse
realidade.
6
RESUMO
O transplante de rim é uma das opções terapêuticas para o tratamento da
insuficiência renal crônica. No Brasil o transplante é um direito da sociedade,
entretanto a escassez de órgãos de doadores falecidos tem refletido no aumento da
demanda por transplante. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo
analisar o acesso ao transplante de rim no Estado do Rio de Janeiro sob a ótica da
equidade. Buscou-se identificar e analisar dentre os não transplantados classificados
para transplante de rim no ano de 2008 os fatores que dificultam o acesso, a partir
das etapas necessárias para que o potencial receptor se submeta ao transplante e
dentre os transplantados, identificar e analisar a posição ocupada na listagem dos
mais pontuados e o perfil clínico-demográfico deste grupo. Além disso, foi realizado
levantamento bibliográfico e pesquisa de dados secundários. O estudo baseou-se no
consenso de que a Equidade é um princípio constitucional e do Sistema Único de
Saúde e que as opções conceituais influenciam na escolha de critérios distributivos,
nos indicadores utilizados para avaliar o grau de eqüidade e na interpretação dos
resultados para efetividade das intervenções. Entre os resultados, destaca-se o
“soro vencido” (70,6%) como principal motivo de não transplante dentre os
classificados, seguidos de “Não informado” (11%), Contato telefônico (6,9%); Sem
condições clínicas (4,7%); Contra-indicação pela equipe transplantadora (2,7%);
Sem exame (2,4%) e Outros (1,8%). Em relação aos transplantados houve
predomínio do sexo masculino e faixa etária de 40 a 59 anos. A doença de base
predominante foi hipertensão arterial sistêmica seguida da diabetes melitus. 98%
dos transplantes foram realizados no município do Rio de Janeiro e destes 50% pelo
HGB. Tempo de espera em lista com média de 4 anos e mediana de 3 anos. A
posição ocupada na listagem de classificação teve média na 18ª posição e mediana
na 15ª. Em geral, contatou-se que o atual critério de seleção para transplante de rim
apresenta inúmeros limites à implementação de forma equitativa, principalmente no
que tange a organização da rede e no consumo de serviços de saúde. A política
nacional de transplante apresenta ainda uma rede desarticulada que não é capaz de
garantir o acesso as ações e serviços de saúde, não contemplando assim todas as
necessidades de saúde da população usuária dos serviços de transplante no Estado
do Rio de Janeiro e, por conseguinte, acesso equitativo à saúde.
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF/88: Constituição Federal de 1988
CIB: Comissão Intergestores Bipartite
CIT: Comissão Intergestores Tripartite
CNCDO: Central de Notificação, Captação e Distribuição de órgãos e tecidos
CONASS: Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde
CONASEMS: Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde
CTRJ: Central de Transplantes do Rio de Janeiro
CTx: Centro Transplantador
DV: Doador Vivo
DV: Doador Falecido
HCN: Hospital de Clínicas de Niterói
HEMORIO: Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti
HEAA: Hospital Estadual Álvaro Alvim
HGB: Hospital Geral de Bonsucesso
HLA: Antígenos Leucocitários Humanos
HUAP: Hospital Universitário Antônio Pedro
HUCFF: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
HUPE: Hospital Universitário Pedro Ernesto
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano
IRC: Insuficiência Renal Crônica
IT: Itinerário Terapêutico
LOS: Lei Orgânica da Saúde
ME: Morte Encefálica
MS: Ministério da Saúde
NOAS: Norma Operacional de Assistencial a Saúde
NOB: Norma Operacional Básica
PMP: Por Milhão de População
PPI: Programação Pactuada e Integrada
PR: Potencial Receptor
PRA: Reatividade contra painel
SES: Secretaria Estadual de Saúde
8
SESDEC: Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil
SNT: Sistema Nacional de Transplante
SUS: Sistema Único de Saúde
Tx: Transplante
9
Lista de Ilustrações
Figuras
Figura 1 Lista de Espera VS nº Tx realizados. 2001 a 2008 16
Gráficos
Gráfico 1
Distribuição dos indivíduos quanto ao motivo soro
vencido
68
Gráfico 2 Distribuição dos indivíduos quanto a localização por
contato telefônico
72
Gráfico 3 Distribuição dos indivíduos quanto aos motivos de
exclusão na 3ª etapa
75
Gráfico 4 Distribuição dos indivíduos quanto ao motivo contra-
indicação por resultado de crossmatch
83
Gráfico 5 Distribuição dos indivíduos por motivo de exclusão após
o resultado do crossmatch
84
Gráfico 6
Motivos de não transplante dentre os classificados do
ano de 2008
88
Gráfico 7
Distribuição dos transplantados por faixa etária e gênero
no ano de 2008
91
Gráfico 8
Distribuição dos Centros Transplantadores quanto a
origem de inscrição dos transplantados e local de
realização do transplante no ano de 2008
93
Quadros
10
Quadro 1 Tipo de informação dos receptores coletadas a partir
dos prontuários de doadores efetivos de rim no Estado
do Rio de Janeiro
43
Quadro 2
Classificação dos motivos de não-transplante dentre os
potenciais receptores de rim classificados no Estado do
Rio de Janeiro
44
Tabelas
Tabela 1 Lista de Espera VS nº de transplante renal realizado no
Brasil. 2001 a 2008
15
Tabela 2 Lista de Espera VS nº de transplante renal realizado no
Estado do Rio de Janeiro. 2004 a 2008
16
Tabela 3 Distribuição dos transplantados por gênero e faixa etária 90
Tabela 4
Distribuição dos transplantados segundo municípios de
residência e de diálise
94
Tabela 5
Distribuição dos transplantados por doença base
95
Tabela 6
Distribuição dos transplantados por intervalo de tempo
para inscrição no transplante
97
Tabela 7
Distribuição dos transplantados quanto a posição na
listagem de classificação do transplante renal no ano de
2008
99
Tabela 8 Dimensões da Equidade em transplante 102
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
12
1.1. Contexto de estudo 12
1.1.1 O Transplante no Brasil e no Rio de Janeiro 12
2. OBJETIVOS 20
2.1. Objetivo Geral 20
2.2. Objetivos Específicos 20
3. REFERENCIAL TEÓRICO 21
3.1. Direito à Saúde no Brasil 21
3.2. Eqüidade em Saúde 28
3.2.1 Os conceitos de eqüidade em saúde 32
4. MATERIAL E MÉTODOS 42
5. ARTIGO 45
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 108
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 111
12
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo partiu do interesse de conhecer os principais motivos que
fazem com que os candidatos a transplante de rim não consigam ser selecionados,
após serem classificados como os mais compatíveis com o doador. A motivação
inicial se deve a minha inserção profissional no plantão da Central de Transplantes
do Rio de Janeiro, entre os anos de 2005 e 2007, onde pude observar a dificuldade
que os usuários inscritos na lista única de transplante encontravam para ter acesso
aos serviços de saúde e, conseqüentemente, ao transplante. Assim, com base nas
experiências vivenciadas, foi possível verificar a importância de um estudo que
tenha em vista subsidiar a melhoria do Sistema de transplante.
1.1 Contexto do estudo
1.1.1 O Transplante no Brasil e no Rio de Janeiro
O primeiro transplante realizado no Brasil foi o de rim na Cidade do Rio de
Janeiro, em 1964. Desde então, essa atividade teve uma evolução considerável em
termos de variedade de órgãos transplantados e número de procedimentos
realizados. Todos os tipos de transplante são financiados pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), podendo também ser realizados pela iniciativa privada. Atualmente, o
Brasil possui o maior Programa de Transplante Público do mundo, além de ser o
segundo país do mundo em número de transplantes (1) (2).
Segundo Castro (2), a conjunção de diversos fatores tem contribuído para
seu êxito:
A melhora da legislação brasileira, a criação do Sistema Nacional de Transplantes, o financiamento público de grande parte dos procedimentos relacionados a transplantes, as campanhas governamentais de incentivo à doação de órgãos, a qualidade do trabalho realizado pelas equipes transplantadoras (...)
Em 1997 foi sancionada a legislação vigente no Brasil, a Lei Federal nº. 9.434
que trata sobre a disposição de órgãos e tecidos para transplante (3). A partir de
então, diversos decretos, resoluções, portarias e lei foram publicados para
13
instrumentalizar legalmente as atividades relacionadas ao processo de doação-
transplante de órgãos e tecidos no Brasil.
No mesmo ano foi criado, no âmbito do Ministério da Saúde, através do
Decreto Federal nº 2268, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT). A
Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (CGSNT) é o órgão
responsável pela gestão do programa, é assistida por Grupo de Assessoramento
Estratégico (GAE) composta por órgãos, entidades e associações de interesses no
transplante e assessorada tecnicamente pelas Câmaras Técnicas Nacionais (CTNs)
(8). Para execução das atividades de coordenação de logística e distribuição de
órgãos e tecidos no processo de doação/transplante em âmbito nacional, a CGSNT
conta com a Central Nacional de Transplante (CNT) que tem dentre outras
atribuições o gerenciamento da alocação de órgãos e tecidos entre os Estados e
Distrito Federal. (3) (4) (5)
A estrutura organizacional do SNT é desdobrada pelas demais unidades da
federação. Atualmente existem vinte e três Centrais Estaduais e uma no Distrito
Federal, que são as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos
(CNCDO). Também integra o SNT, as CNCDOs Regionais, Organizações por
Procura de Órgãos (OPOs), Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e
Tecidos para Transplante (CIHDOTTs), Equipes e estabelecimentos
transplantadores. (1) (5)
O Sistema de “Lista Única” foi criado a partir da Lei 9.434/97, está previsto no
Decreto 2.268/97 e regulamentado pela Portaria GM nº 3.407/98, este, vigente até
20 de outubro de 2009. Tem como objetivo organizar a lista de espera para os
receptores de órgãos e tecidos provenientes de doadores falecidos. É constituído
pelo conjunto de potenciais receptores brasileiros, natos ou naturalizados, ou
estrangeiros residentes no país inscritos para recebimento de cada tipo de órgão,
tecido, célula ou parte do corpo, e regulado por um conjunto de critérios específicos
para a distribuição deles a estes potenciais receptores, assim constituindo o
Cadastro Técnico Único (CTU). (3) (4) (5) (6)
14
A inscrição no CTU gera um número de registro, o Registro Geral da Central
de Transplantes, ou RGCT. Esse número deve ser informado ao potencial receptor
para que este tenha acesso a informações sobre sua a situação na lista de espera.
Em relação ao critério de alocação, cada órgão ou tecido tem um critério
específico para distribuição sendo a grande maioria por antiguidade, no qual quem
se inscreve primeiro irá transplantar primeiro, ou seja, a principal pontuação é o
tempo de espera em Lista. A exceção deste critério estão o dos órgãos fígado e rim,
no primeiro a seleção do receptor é feita pela gravidade, medida através da
pontuação do Meld/Peld (Portaria nº 1.160/2006), neste modelo transplanta primeiro
quem está mais grave ao invés de quem está inscrito há mais tempo, e no
transplante de rim, o critério de seleção é por compatibilidade HLA, passando a
vigorar em território nacional a partir da Portaria nº 783/2006. Em ambos os casos o
tempo de espera em lista é usado como critério de desempate. (7) (8)
No que se refere a quem pode ser doador, a legislação brasileira prevê dois
tipos de doadores, o doador vivo e o doador falecido. O doador vivo refere-se ao
indivíduo saudável, disposto a doar órgão ou tecido para fins de transplante. Sendo
permitido apenas para órgãos duplos, parte de órgãos ou tecidos desde que não
ofereça riscos a saúde do doador. A doação inter-vivos pode ser feita por cônjuge ou
parentes consangüíneos até o quarto grau inclusive (doador relacionado). Quando o
doador é “não aparentado” (não-relacionado), faz-se necessária autorização judicial
prévia, além do parecer do comitê de ética do Hospital Transplantador (5). O doador
vivo necessita se submeter a exames de compatibilidade dentre outros e
atendimento psicológico e social, onde será verificado o grau de motivação para o
ato da doação.
Após a morte é necessário que a família do falecido tenha autorizado a
doação (9). Neste caso a doação pode ocorrer em situação de morte encefálica ou
de “coração parado”. No Brasil para haver doação de órgãos após a morte, neste
incluído o do rim, é necessário que o doador esteja em morte encefálica, após a
parada do coração, só é permitida a doação de tecidos.
15
A política nacional de transplante trata ainda de assuntos referentes ao
financiamento dos transplantes, publicidade, prontuários, compulsoriedade da
notificação da morte encefálica, sansões penais e administrativas, dentre outros
temas previstos nas diversas legislações sobre o tema. (10)
Apesar de possuir uma das melhores políticas de transplante no cenário
internacional, o número de transplantes realizados no país, quando analisado em
relação à necessidade da população, é ainda insuficiente. Conforme dados da
Associação Brasileira de Transplante de Órgão (ABTO), “apenas a metade dos
potenciais doadores que se estima existir é notificada, e somente um em cada cinco
destes, transforma-se em doador efetivo” (11). Estima-se que de 1% a 4% das
pessoas que morrem em hospital, apresente quadro de morte encefálica e das que
morrem em unidades de tratamento intensivo, esse percentual aumente para 10% a
15% (12) (13).
A escassez de órgãos para transplante é uma realidade internacional o que
tem fomentado avanços tecnológicos e freqüentes revisões nas contra-indicações
relativas e absolutas do potencial doador, ampliando a possibilidade de
aproveitamento dos órgãos doados.
O trabalho de Ribeiro e Schramm aponta quatro estratégias para enfrentar o
problema de escassez de órgãos: a) atuar na prevenção da doença e na promoção
da saúde, tentando evitar que as pessoas venham a precisar de um transplante,
diminuindo “a incidência de hipertensão arterial e diabetes mellitus, ou suas
complicações, reduzindo a necessidade de transplante de rins, considerando-se que
elas são as principais causas de falência renal”; b) “buscar alternativas terapêuticas
menos custosas e/ou prescindir dos órgãos e tecidos de pessoas vivas ou mortas.
Nesta perspectiva cita-se a engenharia genética e, em particular, a utilização das
células-tronco”; c) aumentar a obtenção de órgãos e tecidos, e d) centrar-se nos
mecanismos e critérios de seleção dos pacientes que deveriam se beneficiar de uma
política pública de transplante de órgãos e tecidos. (14)
Apesar do SUS investir desde 2004 financeiramente no transplante
aumentando de R$ 409,4 milhões para R$ 824,2 milhões em 2008, os números de
16
potenciais doadores ainda é sub-notificado e o número de pessoas que se
inscrevem para transplante com doador falecido aumenta a cada ano, refletindo
diretamente no aumento do tempo de espera em lista para o transplante. (11) (15)
(16)
Figura 1 - Lista de Espera VS n° Tx realizados. 2001 a 2008.
Fonte: ABTO, 2008
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, coube à Secretaria Estadual de
Saúde instituir a CNCDO/RJ, Central de Transplantes do Rio de Janeiro (CTRJ) que
é responsável pela coordenação de todos os processos relativos à doação-
transplante de órgãos e tecidos no Estado.
O Estado do Rio de Janeiro teve, no ano de 2008, 421 potenciais doadores
(27,4 pmp), mas apenas 71(4,6 pmp) se tornaram doadores efetivos. Ao analisar o
perfil destes, constata-se que os doadores são majoritariamente do sexo masculino
(61,19%), de uma população adulta economicamente ativa (74,62%), tendo como
principal causa da morte o acidente vascular cerebral (38,80%). (16)
Foram registradas na Central de Transplante do Rio de Janeiro (CTRJ),
referente a dezembro de 2008, 7.741 pessoas inscritas na “Lista Única”, destas
3.466 aguardavam pelo transplante de rim.
17
Tabela 1 - Lista de Espera VS nº de transplante renal realizado no Brasil. 2001 a 2008.
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Txa realizado 3117 3042 3185 3486 3373 3286 3460 3780
DVb
1853 1849 1825 1695 1753 1760 1709 1747
DFc
1264 1193 1360 1791 1620 1526 1751 2033
LEd
23812 28127 30125 32668 31973 33209 34108 34789
%tx ano/LE 13% 11% 11% 11% 11% 10% 10% 11%
a Tx: Transplante
b DV: Doador vivo
c DF: Doador falecido
d LE: Lista de espera
Tabela 2 - Lista de Espera vs nº de transplante renal realizado no Estado do Rio de Janeiro.
2004 a 2008.
ÓRGÃO 2004 2005 2006 2007 2008
LE – RIM 2555 3299 3349 3651 3466
Rim DF 148 119 116 122 79
Rim DV 135 102 110 85 86
Tx realizado 283 221 226 207 165
%tx ano/LE 11% 7% 7% 6% 5%
Fonte primária: CTRJ/SNT. Elaboração da autora
Conforme dados acima, a demanda por órgãos para transplante é crescente
e por mais que o aumento nacional no número de transplante tenha se mantido, não
é suficiente sequer para a manutenção dos números da lista de espera.
Os dados do Estado demonstram que cada ano a procura por transplante de
rim é maior e que o número de cirurgias realizadas é inferior a esta demanda. Em
18
estudo realizado entre os anos de 2004 a 2006, Marinho contextualiza o Rio de
Janeiro no cenário nacional, num movimento oposto ao observado no restante do
país e com quantidades de transplantes “baixas quando comparadas aos demais
estados da região Sul e Sudeste”. (17)
Nesta investigação, analisaremos o transplante de rim, como uma das
modalidades de tratamento para uma doença de elevada morbi-mortalidade e cuja
incidência e prevalência tem aumentado progressivamente em “proporções
epidêmicas” no Brasil e em todo o mundo que é a insuficiência renal crônica (IRC)
(18) (19). Os números do Rio de Janeiro ratificam esta constatação e o que se
observa é que em relação ao número de pessoas que fazem diálise no Estado, os
de inscritos para transplante é menor que o esperado. Em São Paulo, a proporção
do número de receptores inscritos, em relação ao número de pacientes em diálise, é
de aproximadamente 50%. (20)
A política de atenção a pessoa com Insuficiência renal crônica prevê acesso
integral a esta população usuária do SUS, contemplados pelos diferentes níveis de
atenção e complexidade, garantindo a possibilidade de escolha terapeutica e dentre
as modalidades disponíveis encontra-se o transplante (18). O custo elevado para
manter pacientes em tratamento renal substitutivo (TRS) tem sido motivo de grande
preocupação por parte de órgãos governamentais, responsáveis por subsidiar 95%
desse tratamento. Em 2002 estimava-se terem sido gastos R$ 1,4 bilhões no
tratamento de pacientes em diálise crônica e com transplante renal no Brasil (19).
São diversas as variáveis que influenciam na sobrevida do órgão e/ou
receptor de transplante renal, incluindo fatores relacionados com o doador, com o
órgão doado e com o receptor. Quanto ao primeiro, inclui-se o tipo de doador (vivo
ou falecido), a idade e a causa de óbito. Quanto ao segundo, deve ser ressaltada a
qualidade do órgão doado, dependente, entre outros aspectos, do tempo de
isquemia fria (intervalo de tempo entre a retirada no doador e o transplante no
receptor). Quanto ao receptor, cita-se a idade, as co-morbidades (obesidade;
hepatopatia, infecções latentes, diabetes melittus, hipertensão arterial, dislipidemia,
etc.), o risco imunológico (sensibilização e compatibilidade HLA, marcadores virais
19
pré-transplante, re-transplante, etnia, hemotransfusões e gravidez) e o uso de
imunossupressores, considerando-se sua efetividade e efeitos colaterais. (21)
Como se pode observar são diversas as etapas e serem cumpridas, variáveis
a ser consideradas, instituições envolvidas e recursos materiais utilizados, desde os
mais simples aos mais complexos científicos e tecnológicos. Nesta diversidade de
etapas a serem cumpridas podemos observar muitos entraves para o pleno
funcionamento do Programa de Transplantes e, exatamente por isso, ele deve ser
analisado sob o princípio da eqüidade e sob a ótica do direito a um serviço de
qualidade e inclusivo, pelos usuários do transplante.
20
2. OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo desta investigação é analisar o acesso ao transplante renal no
Estado do Rio de Janeiro, sob a ótica da eqüidade.
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Identificar e analisar os obstáculos para o não-transplante entre os Potenciais
Receptores listados mais pontuados para as doações de rim realizadas no
ano de 2008;
Identificar e analisar dentre os transplantados a posição ocupada na Listagem
dos mais pontuados gerada pelo SNT 5.0 e o perfil clínico e demográfico.
21
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1. Direito à Saúde no Brasil
O direito à saúde é um dos principais direitos reconhecidos no Brasil. A
Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi a responsável pela ampliação desse direito
e do conceito de saúde em nosso país (22). A partir de sua publicação, surgem
novos instrumentos normativos voltados à redução dos riscos de doenças e de
outros agravos à saúde, bem como ao estabelecimento de condições que
possibilitem o acesso universal, igualitário e regionalizado às ações e serviços que
visem a promoção, proteção e recuperação da saúde, para que este direito seja de
fato uma realidade (23).
Entretanto cabe salientar que o direito a saúde é decorrente das opções
político-constitucionais de uma sociedade, consagradas como “princípios
fundamentais”. Para Silva, estes princípios “revelam a sua importância capital no
contexto da Constituição”, pois seus artigos consagram a “matriz de todas as
restantes normas constitucionais”, ou seja, é a partir dos princípios fundamentais,
expressos nos artigos 1º ao 4º CF/88, que todos os demais princípios ou normas
devem derivar. Assim, o direito à saúde deve estar, sem prejuízo dos outros
princípios, em consonância com os fundamentos da cidadania e da dignidade da
pessoa humana (art. 1º II e III), além de atender aos objetivos fundamentais de
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”; e de “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, I e III). (24)
Para Silva, cidadania deve ser compreendida num sentido mais amplo do que
freqüentemente é associado, ou seja, reduzido a titularidade de direitos políticos
(votar e ser votado), mas para além deste, esta categoria/conceito/princípio, deve
ser interligada aos de soberania popular que remete ao Estado Democrático de
Direito1 e de dignidade da pessoa humana “que atrai o conteúdo de todos os direitos
fundamentais do homem” (art. 5º). Desta forma, decorre do princípio da cidadania,
por exemplo, o direito “gratuito” à educação, à certidão de óbito e nascimento, ou
1 “A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e
regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.
22
apresentação popular de projeto de Lei à Câmara dos deputados, ou ainda a
participação, enquanto sociedade civil organizada, como representante em
conferências e conselhos de políticas e de direitos. (24)
O princípio da dignidade da pessoa humana requer o entendimento de que
para além da defesa de direitos pessoais, este zela pela garantia “das bases da
existência humana”. Decorre deste, o titulo “da ordem econômica”, que não só
protege a livre concorrência, mas tem por fim assegurar “a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social” (art. 170), observando dentre outros, o
princípio da “redução das desigualdades regionais e sociais”, inscrito no inciso VII do
mesmo artigo. Deste princípio fundamental decorre também o título “da ordem
social”, objetivando “o bem-estar e a justiça sociais” (art. 193). (24)
É neste contexto de princípios fundamentais que a saúde é afirmada como
direito social (art. 6º) e inscrita no Título “Da Ordem Social”, a qual tem como
objetivo, o bem-estar e a justiça sociais. Sendo integrada então, na Seguridade
Social que é definida por “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social”, fundada dentre outros objetivos, na
universalidade da cobertura e do atendimento; e eqüidade na forma de participação
no custeio, cabendo então à sociedade seu financiamento de forma direta ou indireta
(art. 193 a 195). (22)
Note-se que esses princípios fundadores em alguns momentos podem ser
imbricáveis o que reforça a existência de uma harmonia de valores pretendida pelo
constituinte, definida por estes como “valores supremos” de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos. Estes valores constam no preâmbulo da Constituição,
como necessários para instituir um Estado Democrático que assegure o exercício
dos direitos sociais e individuais que são: “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça.
Entretanto, por mais que o objetivo da ordem econômica e social seja
assegurar “os ditames da justiça social” e esta seja respaldada pelos valores e
princípios fundamentais (preâmbulo e art. 1º), eventualmente algumas contradições
23
podem causar estranheza, como o de determinado direito social ser dever do
Estado, mas também ser livre à iniciativa privada. Silva nota que: (24)
a Constituição não prometeu a transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, como o faz a Constituição portuguesa, mas com certeza ela se abre também, timidamente, para a realização da democracia social e cultural, sem avançar significativamente rumo à democracia econômica.
Assim, por mais avanço que a CF/88 tenha trazido aos direitos e garantias
fundamentais, nestes incluído o da saúde, e o fez, tende freqüentemente a encontrar
resistências em sua operacionalização, pois apesar de dever ser garantido mediante
políticas sociais e econômicas (art.196), é limitado quando depende de mudanças
no modelo econômico.
A Carta Magna avança ao trazer na Seção da Saúde que: (22)
- A saúde é direito de todos e dever do Estado;
- Este direito deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas;
- Estas políticas devem visar:
1- “A redução do risco de doença e de outros agravos” - Condições de
vida que possibilitem boas condições de saúde e assim a justiça social; (25)
2- “Ao acesso às ações e serviços de saúde” – A atenção à saúde para
sua promoção, proteção e recuperação;
- Estas ações e serviços são: a) de relevância pública; b) sua
regulamentação, fiscalização e controle são de responsabilidade do Poder Público,
podendo sua execução ser realizada diretamente ou através de terceiros e; c)
constitutivos num sistema único;
- Este Sistema será financiado com recursos do orçamento da seguridade
social, dos entes federativos, além de outras fontes e;
24
- A assistência é livre à iniciativa privada;
Consagra ainda seus princípios e diretrizes, definindo-os especificamente na
Lei 8.080/90 e na Lei 8.142/90, nestas acrescem ainda, os objetivos. Assim ficam
expressos nos artigos 196 e 198 da Carta Magna que as ações e serviços de saúde
devem seguir os seguintes princípios e diretrizes: (22) (26) (27)
- Universalidade: O acesso universal pode ser compreendido como
contraposição a idéia de contributividade, assim independe de
pagamento/contribuição à previdência social ou a um seguro saúde, agora todos os
cidadãos brasileiros têm direito às ações e serviços de saúde.
A noção deste direito não deve estar associada a que antes o cidadão
pagava pela saúde e hoje é dado de graça, mas que antes da CF/88 o cidadão
financiava diretamente este direito mediante pagamento, e hoje a forma de
financiamento é indireta através da arrecadação pelo Estado de impostos e
contribuições sociais. (art. 193 e 198 §1º) (22) (25)
- Igualdade: Remete-se ao conceito de que todos são iguais perante a lei em
direitos e deveres, sem distinção de qualquer natureza como: raça, sexo, religião ou
privilégio de qualquer espécie, referidos no artigo 5º da CF. Apesar de o texto
explicitar “acesso igualitário”, diversos autores se utilizam do termo Eqüidade como
categoria que melhor expresse a idéia contida na letra da lei.
Esta discussão será trazida posteriormente, visto ser essencial ao tema deste
trabalho;
- Regionalização: Rede regionalizada e hierarquizada permite um
conhecimento maior, por parte da rede de serviços do SUS, dos problemas de
saúde da população de uma área delimitada, favorecendo ações de vigilância
epidemiológica, sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além de permitir
que se organize a rede em todos os níveis de atenção e em todos os níveis de
complexidade.
25
Dessa forma, o acesso da população à rede deve dar-se por intermédio de
serviços qualificados e resolutivos, para atender e resolver os principais problemas
que são demandados aos serviços de saúde. E organizados de forma a permitir que
o fluxo de referência e contra referência adquira legitimidade perante a população
usuária.
O princípio da hierarquização pressupõe a diferenciação de vários níveis de
atenção, cada qual oferecendo um conjunto de procedimentos e apresentando um
conjunto distinto de recursos tecnológicos. A idéia de regionalização está
relacionada a delimitação de um território, “de modo que a unidade (ou o conjunto de
unidades) possa assumir a responsabilidade, por dar resposta às necessidades dos
serviços de saúde da população que vive nesse território”. (28)
Para que o princípio da regionalização seja efetivo ao ser operacionalizado,
cabe a compreensão de que o território não se limita a mera repartição geográfica
de uma região, “mas um espaço de interação de sujeitos sociais, sendo, portanto,
também cultural, social e político” (29)
- Descentralização: “Corresponde à distribuição de poder político, de
responsabilidades e de recursos da esfera federal para a estadual e municipal”. (22)
Neste sentido, esta diretriz objetiva tanto a desconcentração de poder pelos entes
federativos, quanto de organização do sistema de saúde, o que não deve ser
confundido nem com a redução do papel do Estado proposta pelo ideário neoliberal,
nem com dissolução da noção de Estado. (24)
O objetivo é que, quanto mais perto da demanda a decisão for tomada, mais
chance haverá de acerto. A redefinição das atribuições dos entes federativos, com
um nítido esforço de orientar a regulamentação do sistema, está sendo pautada pela
municipalização, ou seja, pela maior responsabilidade dos Municípios na
implementação das ações de saúde, como indica o art. 7º, IX, a, da LOS;
- Integralidade: Tem sido identificado diversos sentidos para a integralidade
no campo da saúde. Segue então algumas das dimensões possíveis para esta
categoria.
26
*Preventivo e Curativo (nível de atenção) implica no atendimento pelos
serviços de saúde ao indivíduo como um ser integral, submetido às mais
diferentes situações de vida e de trabalho, que o levam a adoecer e morrer. O
indivíduo deve ser entendido como um ser social, cidadão que biológica
psicológica e socialmente está sujeito a riscos de vida. Dessa forma, o
atendimento deve ser feito para a sua saúde e não somente para as suas
doenças;
* Individual e Coletivo - prevenção de riscos e de exposições às
doenças, para manter o estado de saúde de cada um e da coletividade,
incluindo ações de saneamento básico, imunizações, ações coletivas e
preventivas, vigilância à saúde e sanitária dentre outros;
*Intersetorial - O SUS deve garantir o acesso a ações de atenção à
saúde, envolvendo ações entre os diversos serviços da área da saúde e
também em outras áreas, como habitação, meio ambiente, educação,
transporte;
- Participação da Comunidade: compreendido como um espaço no qual a
sociedade civil organizada pode exercer sua cidadania através da democracia
participativa e o controle social em cada esfera de governo. Dar-se-á através das
seguintes instâncias colegiadas:
*Conferências de saúde: reúne-se, no mínimo, uma vez a cada quatro
anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a
situação da saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de
saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou,
extraordinariamente, por este ou pelo Conselho de Saúde;
*Conselhos de saúde: Tem caráter permanente, deliberativo e paritário
(usuários 50% e profissionais de saúde e gestores 25% cada); Suas
atribuições incluem a formulação de estratégias e o controle da execução da
política de saúde referente a cada esfera correspondente inclusive nos
27
aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo
chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.
A principal inovação desses mecanismos consiste em seu caráter deliberativo
e não apenas consultivo o que significa que as decisões sobre as políticas de saúde
terão que ser compartilhadas pelos representantes do poder público e da sociedade.
Além disso, os Conselhos constituem-se em instrumentos de fiscalização pela
comunidade do desempenho das funções estatais, favorecendo uma maior eficácia
na aplicação dos recursos e, portanto, a concretização dos princípios que orientam o
Sistema Único de Saúde. (30)
Cabe ressaltar que ao recepcionar as normas infraconstitucionais, enquanto
essenciais à especificidade da norma geral, e em consulta a trabalhos acadêmicos e
ao de doutrinadores, abre-se a possibilidade de diferenciação entre princípios e
diretrizes, sob diferentes aspectos. (24)(25)(29)(31)
Assim, de 1988 aos dias atuais, houve a publicação de diversas Leis Federais
como as Leis Orgânicas da Saúde criadas para dar maior concretude às normas
constitucionais. Além das normas infraconstitucionais como Decretos, Portarias,
Resoluções e “demais normas infralegais, editadas para regulação das ações e
serviços de interesse à saúde no Brasil”. Entretanto é necessário que sejam criados
não apenas normas jurídicas, mas instrumentos norteadores de sistemas resolutivos
e vontade política. (23)
A Constituição Federal estabelece que os grandes responsáveis pela
organização e execução das ações e serviços públicos de saúde, são os órgãos do
Poder Executivo de cada ente federativo brasileiro e que ora estas atribuições são
exclusivas de um ente, ora estas são concorrentes ou complementares, assim, cabe
a estes implementar políticas públicas de saúde, coerentes aos princípios
constitucionais.
Considerando a posição privilegiada dos princípios fundamentais no
ordenamento jurídico brasileiro, Aith considera que essa visão mais abrangente,
exige do gestor que sejam consideradas as interações entre o direito e o meio no
28
qual ele atua. Pois, é mediante as políticas sociais e econômicas designadas pelo
Estado que o mesmo pode cumprir seu dever constitucional para a efetivação do
direito à saúde, seja através da prevenção de doenças, promoção da saúde ou sua
recuperação. (23)
Mas como garantir o acesso à saúde a todos, em todas as suas
necessidades, sem discriminação ou privilégio de qualquer natureza,
disponibilizando todas as tecnologias, em todos os níveis de atenção, por todos os
entes federativos, de forma a alcançar a justiça social numa sociedade com tantas
desigualdades sociais e econômicas?
Faz-se necessário então, recepcionar a categoria eqüidade como eixo
estruturante rumo à justiça social de forma a reduzir as desigualdades econômicas e
sociais e assim avançar na garantia aos princípios fundamentais constitucional da
dignidade da pessoa humana e da cidadania.
3.2. Eqüidade em Saúde
A eqüidade é um dos princípios fundamentais da Constituição Federal e
norteador do Sistema Único de Saúde no Brasil. A partir deste e em consonância
com os demais princípios, devem ser elaboradas as políticas públicas inclusive as
de saúde.
Explicitamente a categoria eqüidade é pouco utilizada na Carta Magna. Não a
lemos nem entre os valores, princípios, objetivos, direitos e garantias fundamentais e
nem entre os da ordem econômica e social, entretanto ela está presente dentre os
artigos e no que os doutrinadores classificam como igualdade material.
O princípio da igualdade, segundo Aith e Silva, deve ser compreendido nas
suas duas dimensões: a dimensão formal e a dimensão material. (23)(24)
A Igualdade em sua dimensão formal é reconhecida em diversas
constituições enquanto “igualdade perante a lei”. Aplicam e tratam todos igualmente
perante a lei, sem considerar as distinções dos grupos. Na Constituição cidadã
29
baseia-se no art. 5º caput e inciso I, em que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza” e todos “são iguais em direitos e obrigações”.
A dimensão material é quando se especifica as características relevantes
para um tratamento igual, criando regras de proibição e de consentimento diante de
certos fatores. Pode ser observada ao proibir distinções, presente no artigo 7º, XXX
e XXXI, onde constam algumas das regras da igualdade material, explicitando
alguns fatores, como distinção de salário por motivo de idade, sexo, estado civil ou
deficiência. Pode ser observada também quando consente distinção de condições
em relação à idade, sexo e ocupação para aposentadoria prevista no art. 40, III.
Além destes, diversos outros exemplos de igualdade material podem ser
encontrados na CF/88. Ao considerar dentre os objetivos fundamentais
constitucionais o de “reduzir as desigualdades sociais e regionais, Silva afirma que
(24):
[a República Federativa do Brasil] veementemente repulsa a qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a universalidade da seguridade social, a garantia ao direito à saúde, à educação baseada em princípios democráticos e de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, enfim a preocupação com a justiça social como objetivo das ordens econômica e social (arts. 170, 193, 196 e 205) constituem reais promessas de busca da igualdade material.
Já Aith defende que o princípio da eqüidade é diferente do da igualdade, mas
que este em seu sentido material é essencialmente fundado no princípio da
eqüidade. Assim, considerando: a) que estes princípios sejam distintos; b) que a
Constituição apesar de declarar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, permite o direito ao tratamento diferente a determinados grupos,
fatores ou situações; c) que este tratamento diferente é justificável
constitucionalmente quando voltado a reduzir desigualdades sociais, geográficas e
econômicas, ou erradicar a pobreza e a marginalização e d) que a possibilidade de
tratamento desigual é classificada pelos doutrinadores de igualdade material, para
efeito de fundamentação legal, este trabalho irá considerar a igualdade material
como sinônimo de Eqüidade e assim, um princípio e valor constitucional.
30
Enquanto valor constitucional, a eqüidade é um importante instrumento na
garantia da cidadania e dignidade da pessoa humana. Conseqüentemente
influenciará dentre outros direitos e garantias, os já citados direitos sociais, inclusive
no que tange a Saúde.
Para que todos e cada um alcancem as condições necessárias para seu
pleno desenvolvimento, a sociedade deve se organizar num sistema público de
solidariedade sem o qual não se alcança a eqüidade. O Pacto Social permeia todos
os direitos sociais (art. 6º), como a saúde é parte integrante da seguridade social,
juntamente com a previdência social e assistência social, o art. 194 define que:
“compete ao poder público organizar a seguridade social com base dentre outros,
nos objetivos da universalidade da cobertura e do atendimento”. É o que resume
Aith, quando se refere à criação da seguridade social pelo Estado. (23)
(...) tem por objetivo a socialização dos riscos inerentes à vida, ou seja, a sociedade arca com os custos decorrentes dos riscos sanitários e sociais a fim de garantir a todos, sobretudo aos pobres, uma vida digna, através do acesso universal, gratuito e igualitário aos cuidados de assistência social e de saúde que se mostrarem necessários.
A eqüidade perpassa pelos diversos princípios e diretrizes do SUS. E traz
usualmente, implícita ou explicitamente, o conceito de acesso, pode-se assim
afirmar que esta palavra tem suportado diferentes usos: pela presença física de
equipamento e insumos, pela proximidade geográfica, aos profissionais, para todos,
aos níveis de complexidade, viável financeiramente, dentre outros. Quando tratado
em conjunto, Cohn denomina-o por acessibilidade (32)
A acessibilidade, portanto, não se reduz ao conceito de acesso pela proximidade, tal como destacam os documentos de políticas de saúde neste país, nem se traduz na concepção empobrecida de disponibilidade pela presença física dos recursos nas áreas onde existem. A acessibilidade formulada pela população usuária corresponde a relação funcional entre as „resistências‟ que são oferecidas pelos próprios serviços. (...) e o „poder de utilização‟ (...) por parte de quem é atendido e conforma o seu perfil de demanda.
O princípio da eqüidade pode ser expresso sob a ótica da integralidade no
qual é exigido do Estado a organização de uma rede de atenção à saúde que
garanta ao cidadão o acesso a todos os tipos de tratamentos, para todos os tipos de
doenças, em todos os níveis de sua evolução e em todos os níveis de atenção e de
31
complexidade do sistema, de que cada um necessite. Neste sentido, o acesso
integral equitativo deve ser pautado pelo princípio da necessidade da população
usuária.
A universalidade é outro aspecto do princípio da eqüidade. No SUS, a
universalidade é garantida pelo financiamento indireto na atenção à saúde, evitando-
se assim que, barreiras econômicas restrinjam seu uso. Entretanto, os custos
incorridos no consumo de serviços de saúde incluem também, aqueles de transporte
(inclusive para o acompanhante), de espera para o atendimento, de aquisição de
medicamento etc. Esses custos tendem a ser proporcionalmente maiores para os
grupos de menor renda, que geralmente vivem em áreas onde a disponibilidade de
serviços é menor, e carente de rede de apoio formal, dificultando o acesso. A
universalização pressupõe assim a efetivação da acessibilidade (32).
A eqüidade também tem sido utilizada sob a dimensão da eficiência. A
Constituição orienta o mecanismo que deve ser utilizado para alcançar a eficiência
do Sistema que é a descentralização em uma rede regionalizada e hierarquizada. A
eficiência é um dos novos princípios recepcionado pela administração pública,
regida pela regra “da consecução do maior benefício com o menor custo possível”.
(23) O SUS terá suas ações e serviços hierarquizados, executados por instituições
pertencentes aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e
por instituições privadas conveniadas ou contratadas pelo SUS, atendendo aos
diferentes níveis de complexidade e de atenção à saúde e, regionalizada,
compreendendo a noção de territorialidade (território-processo), não
necessariamente restrito à abrangência municipal, objetivando a resolução de
problemas e otimizando os recursos disponíveis. (33) (34)
Em relação à otimização dos recursos disponíveis, se no princípio orientador
das definições de políticas de saúde, preponderar às reformas setoriais orientadas
por eficiência de recursos, incorre-se no risco do princípio da eqüidade ficar
subordinado à dimensão da eficiência e como conseqüência inverte-se os valores.
Vale ressaltar que o princípio da eficiência deve estar pautado pela garantia dos
32
direitos sociais e considerar as necessidades em saúde do cidadão como meta a ser
alcançada. Dois aspectos sobressaem na análise da eqüidade nesta dimensão para
Escorel:
Focalização de políticas – a predominância de políticas universais vs. políticas
residuais e seletivas (focalização com cestas “mínimas”);
Distribuição dos recursos financeiros – critérios baseados em estudos e
modelos sobre eqüidade na alocação de recursos financeiros pautados nos
conceitos de “reserva do possível” e do “mínimo existencial”;
Ao que se refere a eficiência em relação aos objetivos da descentralização,
pode-se observar uma dimensão voltada para a institucionalidade do Sistema de
Saúde que irá refletir num segundo aspecto sobre as instâncias decisórias na
implementação das políticas:
O processo de descentralização real de poder e autonomia para o nível local
de regulação do sistema de saúde e sua conseqüente responsabilização
pelas condições de saúde e assistência aos munícipes;
O processo decisório analisando a presença ou ausência de efetivo e
representativo controle social. (34)
3.2.1 Os conceitos de eqüidade em saúde
As opções conceituais influenciam na escolha de critérios distributivos, nos
indicadores utilizados para avaliar o grau de eqüidade e na interpretação dos
resultados para efetividade das intervenções. (35)
33
Não existe uma única teoria de eqüidade, mas aquela socialmente aceita num
contexto histórico, econômico e cultural, refletindo os valores dominantes de cada
sociedade. Estes valores influenciam na formulação de políticas de saúde de
variadas formas na organização dos sistemas de saúde, sendo necessário então
definir os parâmetros e prioridades que regem as sociedades para então definir o
que se quer universalizar, o que se quer igualar, o quanto e para quem será
distribuído. (36)
No artigo eqüidade na gestão descentralizada do SUS, Lucchese adota como
ponto de partida para as novas definições do conceito de eqüidade em saúde, o
defendido por Whitehead no qual “todos deveriam ter a justa oportunidade de obter
seu pleno potencial de saúde e ninguém deveria ficar em desvantagem de alcançar
o seu potencial, se isso puder ser evitado.” (37)
O Center for Health Equity, Training, Research and Evaluation - CHETRE
apresenta sua síntese conceitual também a partir da definição de Whitehead, no
qual todos deveriam ter acesso aos recursos para suprir suas necessidades em
saúde, traz ainda que a diferença entre as pessoas não deva ser influenciada por
fatores além de seu controle; e que a iniqüidade afetas aos grupos quando ocorrem
diferenças nas condições de saúde, ou diferenças nas características sociais e
demográficas. “Essas diferenças são consideradas iníquas se elas ocorrem porque
as pessoas têm escolhas limitadas, acesso a mais ou menos recursos para saúde
ou exposição a fatores que afetam a saúde, resultantes de diferenças que
expressam desigualdades injustas”. (38)
Estas diferenças desnecessárias ou desigualdades injustas, também são
denominadas por Travassos como iniqüidades e podem ser compreendidas como:
“danos causados à saúde quando a liberdade de escolha de estilo de vida é restrita”,
concepção esta, também defendida por Duarte, Escorel, Luchese e Sen.
(34)(35)(37)(39)
Torna-se necessário distinguir o termo diferença do termo diversidade.
Diversidades são fatores alheios a vontade humana, ou é o resultado de vontades
individuais. Já as diferenças, são referidas às questões éticas, morais e políticas,
34
assim, as diferenças indesejáveis são consideradas socialmente injustas e então
passíveis de intervenção de políticas públicas. Nesta perspectiva, o termo iniqüidade
não se aplica ao conceito de diversidade, o termo parece ser usado apenas ao que é
evitável, ou seja, iniqüidade é então considerada para as diferenças desnecessárias,
injustas e evitáveis. (40)
Fundamentado na obra de Rawls, Beauchamp & Childress discutem a regra
da “Oportunidade Equitativa”, como uma regra de distribuição social que objetiva
reduzir formas injustas de distribuição. Segundo a regra, deve ser oferecida a
pessoa uma chance equitativa na vida, sempre que suas “propriedades
desfavoráveis” não sejam de sua responsabilidade. Rawls se refere a “loteria
natural” e “loteria social”, nas quais todas as nossas habilidades e inabilidades são
originadas e que numa teoria de justiça social, a regra da oportunidade equitativa
deve ser usada para mitigar estes efeitos das loterias da vida. Desse modo, as
inabilidades que restrinjam a liberdade de escolha do estilo de vida devem ser
niveladas, quer pelos motivos de diferenças evitáveis (origem social), quanto pelas
“desvantagens desditosas” (origem biológica). (36)
Porto (39) sintetiza os principais conceitos do pensamento liberal, como:
(...) as tendências preponderantes reconhecem como pilares principais do conceito de eqüidade a distribuição de recursos através de uma discriminação positiva em favor dos mais desfavorecidos e a diminuição das desigualdades que resultam de fatores que estão fora do controle individual. Apesar desta constatação, "a aceitação, quase consensual, de princípios eqüitativos, permanece restrita exclusivamente à definição formal de um direito, sem que na realidade seja assegurado seu efetivo exercício".
Assim, mais do que concordar, que a eqüidade requer uma redistribuição de
recursos, cabe questionar os critérios desta redistribuição, sob quais princípios e em
qual teoria de justiça distributiva ela estará fundamentada.
A Justiça distributiva se refere a uma “distribuição justa, equitativa e
apropriada no interior da sociedade, determinada por normas justificadas que
estruturam os termos da cooperação social”. (36) Deve ser baseada em princípios,
que são:
35
Princípio da justiça formal – Fundamentada em Aristóteles que conceitua a
justiça como: “iguais devem ser tratados de modo igual, e não-iguais devem ser
tratados de modo não-igual”. É um princípio formal, pois não oferece parâmetros de
igualdade, diferente do princípio de justiça material que explicita, especifica e refina
os critérios relevantes a serem utilizados.
Princípio da Justiça material - Os principais princípios são: “a todas as
pessoas uma parte igual”; “a cada um segundo a sua necessidade”, “a cada um de
acordo com seu esforço”; “a cada um de acordo com sua contribuição”; “a cada um
de acordo com seu merecimento”; “a cada um de acordo com as trocas do livre
mercado”.
Estes princípios podem ser usados no contexto de diversas políticas públicas
e não necessariamente serem antagônicas. Na seguridade social brasileira, inserida
nela a saúde, estão presentes alguns princípios: na Previdência social é usado o da
“contribuição”, na Saúde “a todos uma parte igual” e na Assistência social “a cada
um segundo a sua necessidade.”
Turner diferencia quatro tipos de eqüidade: ontológica, de oportunidade, de
condições e de resultados. (39)
A eqüidade ontológica é inerente aos seres humanos, refere-se à igualdade
fundamental entre as pessoas. Varia de abordagens religiosas, passando por
correntes filosóficas.
A eqüidade de oportunidades compõe os princípios das doutrinas liberais,
está na base da teoria social da meritocracia. Considera que dado um mesmo
patamar de direitos (à vida, liberdade e a propriedade), o acesso a posições na
estrutura ocupacional da sociedade, resulta na competição entre os indivíduos,
preenchida apenas pelo mérito pessoal;
O terceiro tipo é o de eqüidade de condições, segundo Turner, as
oportunidades iguais começam no ponto de partida, “apenas pessoas submetidas às
mesmas condições de vida podem vir a ser consideradas „em igualdade' para
36
competir com base em habilidades e méritos individuais”. Esta concepção mais
completa e complexa, dificilmente é alcançada sem significativa alteração no modelo
econômico. Apenas a mudança no modelo social não seria capaz de alterar os
aspectos estruturais na determinação do grau de mobilidade entre as diferentes
classes sociais.
A eqüidade dos efeitos ou resultados é o quarto tipo e neste envolve
mudanças nos critérios de distribuição para transformação das desigualdades de
início em igualdade de conclusão. As medidas políticas ou legislação procuram
compensar os efeitos das desigualdades de condições sociais. A discriminação
positiva age em favor de grupos menos privilegiados aumentando suas
oportunidades e assegurando a eqüidade nos resultados.
No Brasil este tipo pode ser observado pela garantia das cotas nas
universidades para algumas minorias e vagas exclusivas para portadores de
necessidades especiais nos concursos públicos, mas também pode ser visto nos
diversos artigos constitucionais que exemplificam a igualdade material, já
referenciado anteriormente.
Segundo Duarte (39), como os significados mais comuns atribuídos a
eqüidade “são variáveis das expressões „igualdade de acesso‟ e „tratamentos iguais
para as mesmas necessidades‟”, ocupa lugar de destaque nos propósitos das
políticas de saúde, a definição adotada por Turner que coincide com a de “eqüidade
de oportunidades”. A autora afirma que:
A concepção que decorre a partir desta leitura é a de que a cobertura universal dos serviços e a não discriminação de acesso aos recursos de diagnóstico e tratamento, caracterizam um sistema de saúde eqüitativo. Os dois últimos tipos de eqüidade propostos por Turner são desconsiderados.
Contudo, ao confrontar estes tipos de eqüidade propostos por Turner à norma
maior, pode-se perceber que a CF/88 parte sim de um conceito formal de igualdade
refletindo na eqüidade de oportunidade, mas para além deste, existe uma
intencionalidade do constituinte, também expressa, em erradicar a pobreza e reduzir
as desigualdades pelos ditames da justiça social, tentando alcançar a eqüidade de
37
condições, mas efetivamente só consegue mitigar os efeitos das desigualdades
através de políticas que tentem garantir eqüidade nos resultados.
Este contexto é decorrente do momento em que a constituição cidadã foi
gestada e reflete a correlação de forças na disputa de poderes daquele momento
histórico. Por mais avanço que tenha havido em relação aos direitos sociais, o
avanço referente à ordem econômica ainda não fora suficiente para imprimir uma
mudança estrutural na sociedade brasileira. Desta forma, aqueles que não se
sobressaem pelos seus méritos ou esforços, ficam sujeitos às políticas de
discriminação positiva.
Para orientar a operacionalização de ações voltadas à eqüidade, Lucchese
indica a “perspectiva da capacidade” desenvolvida por Sen, no esforço de responder
a indagação: “está se buscando igualdade de quê?” Ele considera que conceitos de
pobreza e de grupos vulneráveis não podem ter em vista apenas os rendimentos
econômicos, mas considerar pobreza como privação de capacidades. Para Amartya
Sen, (37)
a adequação dos meios econômicos não pode ser julgada independentemente da real possibilidade de “converter” rendimentos e recursos em capacidades”. (...) Rendimentos adequados para fugir da pobreza variam com as características pessoais e das circunstâncias”. (...) “Possuir rendimentos inadequados não é um caso de ter rendas abaixo de uma dada linha de pobreza e sim de ter rendas abaixo do que é adequado para gerar níveis específicos de capacidades para o indivíduo em questão.
A proposta é que para além de elaborar políticas eqüitativas voltadas para os
grupos economicamente mais vulneráveis sob a ótica financeira, seja realizado um
diagnóstico da pobreza como privação de capacidades para então conseguir
alcançar a real necessidade de cada um a cada momento. Assim é preponderante
considerar que não apenas a situação econômica interfere nas iniqüidades, mas
também as oportunidades de escolhas que o indivíduo tem (ou não) de influenciar
seu estado de saúde ou a situação em que vive, ou seja, suas necessidades. (34)
O fundamento ético do princípio de igualdade é que a distribuição de serviços
de saúde efetivos - que impactam positivamente a sobrevivência e/ou a redução de
incapacidades, da dor ou do desconforto - devem estar disponíveis segundo as
38
necessidades de cada indivíduo. Dessa forma, a definição de prioridades na
distribuição de serviços efetivos só é eticamente aceitável enquanto estratégia de
transição para uma situação de universalidade de acesso com base em
necessidades.
Para Travassos (35), é importante distinguir o conceito de eqüidade em
saúde do conceito de eqüidade no uso ou no consumo de serviços de saúde.
Tal distinção parece-me importante, pois os determinantes das desigualdades no adoecer e no morrer diferem daqueles das desigualdades no consumo de serviços de saúde. As desigualdades em saúde refletem, dominantemente, as desigualdades sociais, e, em função da relativa efetividade das ações de saúde, a igualdade no uso de serviços de saúde é condição importante, porém não suficiente, para diminuir as desigualdades existentes entre os grupos sociais no adoecer e morrer.”
No que se refere à eqüidade em saúde, sabe-se que existe uma forte
correlação entre indicadores sanitários e renda per capita e do nível educacional.
Estudos evidenciam que indivíduos socialmente menos privilegiados tendem a
adoecer mais precocemente.
No trabalho de Duarte (39) foram analisadas duas tabelas segundo regiões
do Brasil com dados da década de 90, a primeira sobre indicadores sociais constata
que o analfabetismo e a proporção de pobres no Norte e Nordeste são pelo menos
duas vezes maior que no Sul e Sudeste. Aquelas regiões também são menos
privilegiadas em relação ao abastecimento de água e esgoto sanitário e não seria
diferente o resultado do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com os piores
resultados na região norte e nordeste.
A segunda tabela refere-se aos indicadores de recursos, mortalidade infantil e
esperança de vida ao nascer e os dados mostraram que a região norte e nordeste
tem a menor relação de profissionais de saúde e de leitos por 10.000 habitantes
dentre as regiões, as maiores taxas de mortalidade infantil e menor esperança de
vida ao nascer, diferença esta de 12 anos entre o Sul e o Nordeste.
Estes dados demonstram que as regiões com piores indicadores sociais são
aquelas que têm menor relação de profissionais de saúde, menor investimento
financeiro e que os moradores desta região vivem menos, evidenciando que não
39
houve “esforço compensatório para redistribuição de recursos que privilegiasse as
áreas menos favorecidas”.
Através dos dados sobre as condições de saúde da população pode-se
analisar a distribuição dos riscos de adoecer e morrer. Os vários perfis de doença
não se distribuem igualmente por todas as camadas populacionais. As variações
biológicas, até determinam diferenças nas suas formas de sofrer e adoecer, mas “a
maior parte das diferenças de condições de saúde são socialmente determinadas e
não decorrem de variações naturais, ou de livres escolhas pessoais por estilos de
vida mais ou menos saudáveis”. Os grupos social e economicamente vulneráveis
acumulam a maior freqüência de distribuição de doenças nas diversas origens,
sejam as infecciosas, crônico-degenerativas ou por causas externas. Há quem diga
que estes grupos sofrem duas vezes, são acometidos pelas doenças dos pobres e
dos ricos. (34)
A influência do social no adoecer, resulta no fato de os grupos sociais
apresentarem demandas diversas aos diferentes serviços de saúde, tanto em
termos de volume, tipo de problema e nível de complexidade de acordo com suas
necessidades em saúde. Assim, as diferenças dos grupos social e economicamente
mais vulneráveis precisam ser consideradas na programação da oferta de serviços
quando se busca construir um sistema de saúde mais equânime. (34)
A conceitualização que Cecílio adota reconhece quatro conjuntos de
necessidades de saúde. O primeiro são as boas condições de vida, entendendo-se
que o modo como se vive traduz diferentes necessidades. O segundo conjunto diz
respeito ao acesso às tecnologias que melhoram ou prolongam a vida. É importante
destacar, nesse caso, que o valor de uso de cada tecnologia é determinado pela
necessidade de cada pessoa, em cada momento. O terceiro bloco refere-se à
criação de vínculos efetivos entre o usuário e o profissional ou equipe dos sistemas
de saúde. Vínculo deve ser entendido, nesse contexto, como uma relação contínua,
pessoal e calorosa. Por fim, necessidades de saúde estão ligadas também aos
graus crescentes de autonomia que cada pessoa tem no seu modo de conduzir a
vida, o que vai além da informação e da educação. (42)
40
O conceito de eqüidade no uso ou no consumo de serviços de saúde,
classificado por Travassos, refere-se à igualdade de acesso aos serviços de saúde e
é considerado por Turner como igualdade de oportunidade. Pode ser analisado a
partir de duas dimensões complementares: a geográfica e a social. A primeira diz
respeito às variações entre áreas ou intra-necessidades (eqüidade horizontal); a
segunda refere-se a variações entre grupos intra-áreas (eqüidade vertical). (35)
Dimensão Geográfica - analisa as possibilidades de consumo dos serviços de
saúde de diferentes graus de complexidade por indivíduos com “iguais necessidades
de saúde”. Neste caso adota-se o conceito de eqüidade horizontal, mantendo as
desigualdades existentes previamente à entrada no sistema, compara a utilização de
serviços de saúde entre áreas geográficas e pode ser mensurada a partir da análise
de taxas de utilização entre regiões/estados/municípios. As variações geográficas
refletem a capacidade local de financiamento, o tamanho e a complexidade da rede
de serviços, assim como, a pluralidade do atual sistema de saúde e a capacidade de
compra de serviços de saúde das populações locais. Variações nessas taxas
expressam desigualdades geográficas, mas não necessariamente as sociais. (35)
(43)
Dimensão Social - analisa as possibilidades de consumo dos serviços de
saúde entre os diferentes grupos sociais. Neste caso adota-se o conceito de
eqüidade vertical, pois o tratamento é desigual para grupos sociais com
necessidades distintas dentro de uma mesma região. Reflete o caráter seletivo do
sistema de saúde, pois a organização local desses serviços impacta diretamente o
perfil de desigualdades entre estes grupos. A desigualdade encontrada é decorrente
de uma estrutura plural, fragmentada e geradora de seletividade na oferta dos
serviços, provocando um padrão de uso desigual. As variações existentes nos
sistemas de saúde locais podem reduzir ou ampliar essas desigualdades.
A análise do uso e do consumo dos serviços de saúde, em geral é feita por
tipo (centros de saúde, ambulatórios especializados, policlínicas, hospitais de
emergência) segundo a distribuição geográfica e/ou segundo a distribuição social
(quintis de renda). (43)
41
Considerando estas duas dimensões, pode-se pressupor que uma
distribuição mais equânime de recursos financeiros na saúde entre regiões, apesar
de vir a reduzir as desigualdades geográficas na utilização de serviços de saúde e
ampliar equitativamente o acesso, não é condição suficiente para alterar as
desigualdades sociais (intra-regiões). Para a autora, pode não só não as alterar,
como, eventualmente, vir a aumentá-las, caso não se acompanhe de medidas
reguladoras voltadas para eqüidade. “Destaca-se, assim, a fundamental importância
do desenho do modelo assistencial local para a redução das desigualdades sociais
na utilização de serviços de saúde.” (35)
Travassos afirma que a passagem das condições de desigualdades
existentes hoje no sistema de saúde brasileiro para uma situação mais igualitária
depende, não apenas de maior disponibilidade de recursos financeiros para o setor
saúde, mas de: a) melhor uso dos já existentes; b) implementação de uma política
redistributiva na alocação de recursos entre esferas de governo e organização da
rede local de serviços de saúde voltada para garantir a universalidade no acesso,
por meio de melhor distribuição espacial desses serviços e adequação da oferta às
necessidades dos diferentes grupos populacionais (35) (43).
Diante do exposto, o presente trabalho parte do pressuposto que a equidade
não é sinônimo de igualdade, mas uma forma de alcançà-la. È um princípio
constitucional e pode ser observado na realidade brasileira a partir dos tipos
equidade de oportunidade e equidade de resultados ou efeitos, ainda que para que
se alcance a equidade em saúde fosse necessário garantir a equidade de
condições. Parte-se da definição de que todos deveriam ter a justa oportunidade de
obter seu pleno potencial de saúde e ninguém deveria ficar em desvantagem de
alcançar o seu potencial, se isso puder ser evitado e para que a equidade seja
alcançada faz-se necessário adotar enquanto princípio de justiça distributiva que a
cada um seja dado segundo suas necessidades, como forma de mitigar os efeitos
da loteria da vida.
É sob esta concepção teórica que este estudo pretende analisar se o acesso
ao transplante de rim consegue ter equidade no uso e no consumo dos serviços de
saúde, tanto na dimensão geográfica quanto na dimensão social.
42
4. MATERIAIS E MÉTODOS
Esta investigação é um estudo, de caráter quantitativo, de dados sobre
transplantes de rim com doador falecido no Estado do Rio de Janeiro, durante o ano
de 2008. A pesquisa foi realizada considerando-se várias fases conforme descritas a
seguir.
Na fase exploratória, foi realizada a pesquisa bibliográfica, a pesquisa
documental e a pesquisa de dados secundários. Na pesquisa bibliográfica foi feito
levantamento da bibliografia sobre os princípios constitucionais aprofundando o
tema da Eqüidade e questões afins, buscando balizar a discussão teórico-conceitual
sobre o tema, bem como a operacionalização do conceito. Tal levantamento incluiu
consulta a textos disponíveis na rede mundial de computadores, consulta a teses e
dissertações de mestrado e livros publicados sobre transplante de rim.
Na pesquisa documental, foram analisadas atas de reuniões de câmara
técnica de transplante renal e normas legais que regulamentam a organização dos
serviços de saúde utilizados pelos usuários do transplante. Finalmente, a pesquisa
de dados secundários foi feita com vistas ao levantamento de dados
socioeconômicos, demográficos, e da oferta dos serviços de saúde à pessoa
portadora de insuficiência renal crônica do Estado, através de consultas a bancos de
dados da Central de Transplantes do Rio de Janeiro, Central de Regulação da
Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, DATASUS, Tribunal de Contas União
e ABTO.
No trabalho de campo, foram analisados 55 prontuários de doadores de rim
de janeiro a dezembro de 2008, da Central de Transplantes do Rio de Janeiro. As
informações dos potenciais receptores selecionados ao transplante renal foram
coletadas dos prontuários dos doadores e colocadas em uma planilha do Microsoft
Excell®, composta de identificação codificada do doador, posição do receptor no
ranking da doação e os principais motivos identificados para o não transplante,
dentre os potenciais receptores listados mais pontuados para as doações de rim,
realizadas no ano de 2008. Foram excluídos os prontuários dos doadores oriundos
de outra unidade da federação e os de doações ocorridas no Estado do Rio de
43
Janeiro com receptores de outra unidade da federação. No quadro 01,
apresentamos uma classificação das informações coletadas dos prontuários e, no
quadro 02, uma classificação dos motivos de não-transplante dentre os potenciais
receptores de rim.
Quadro 01: Tipo de informação dos receptores coletadas a partir dos prontuários
de doadores efetivos de rim no Estado do Rio de Janeiro.
Variável Definição
RGCT Registro Geral da Central de Transplante. Número de registro do doador e do receptor de órgãos e tecidos para transplante no Sistema Nacional de Transplante. Cada notificação de potencial doador possui um número de registro, assim como cada potencial receptor possui um único RGCT vigente em todo território nacional.
Data do transplante
Data em que o transplante foi realizado.
Data da diálise Data em que o receptor iniciou a terapia renal substitutiva.
Data da Inscrição Data em que o receptor se inscreveu para transplante.
Nome Iniciais do receptor
Sexo Caracterização do perfil de gênero do receptor
Idade Caracterização da faixa etária do receptor
Centro Transplantador
Instituição hospitalar autorizada pelo SNT para realizar transplante e que realizaram o procedimento no ano de 2008.
Centro de Acompanhamento pré-transplante
Instituição hospitalar autorizada pelo SNT para realizar transplante, responsável por preparar o potencial receptor para realizar o procedimento.
Posição no Ranking
Posição em que o potencial receptor ocupa na listagem gerada a partir de cada doador efetivo.
Município de residência
Município onde reside o receptor.
Município de diálise
Município onde está localizado o Centro de diálise do receptor.
PRA Reatividade contra painel. Percentual de reatividade registrada no último semestre.
Re-transplante Registro de transplante ocorrido anterior ou posterior ao ano de 2008
Motivo Registro no prontuário realizado pelo profissional de saúde plantonista da CNCDO referente ao motivo alegado pelo potencial receptor ou equipe transplantadora para a não realização do transplante. Esta informação também pode ser dada pelo próprio Sistema como no caso do “Soro Vencido”.
Quadro 02: Classificação dos motivos de não-transplante dentre os potenciais receptores de rim classificados no Estado do Rio de Janeiro.
Variável Definição Informações encontradas
Soro Vencido Data do exame de sangue superior a 91 dias ou 15 dias após transfusão sanguínea, inviabilizando o transplante por desatualização da soroteca.
*Sim *Não
Contato Telefônico Refere-se às dificuldades de localização dos PR, que devem ser contatados em curto espaço de tempo pela CTRJ, usualmente pelo número de telefone fornecido em ficha cadastral. Inclui
*Sim *Não
44
telefones errados, atendidos por pessoa que desconhece o PR, que não completa chamada, que está fora de área de cobertura, além do número de conhecidos que não se prontificam em dar recado.
Condições Clínicas Potenciais Receptores que deveriam ser afastados temporariamente da Lista Única para tratamento de saúde e que não avisaram ao CTx, ou que este não comunicou a CTRJ.
*Sim *Não
Exame Potenciais Receptores que alegam ao telefone não ter concluído a realização de exames pré-transplante solicitado pela Equipe Transplantadora, os que nunca realizaram exames ou os que apresentam exames desatualizados.
*Não realizado *Incompleto *Vencido
Crossmatch Exame realizado entre o sangue do doador e do Potencial Receptor constata o risco de rejeição.
*Positivo *Negativo
Equipe Contra indicação alegada pela equipe transplantadora para a não realização do transplante.
*Sorologia Positiva *Isquemia prolongada *Incompatibilidade antropométrica
Outros Motivos que apareceram com menor incidência *Não informado *Óbito *Transplantado *Não compareceu a seleção *Não quer transplantar
Para a análise do material empírico com dados sobre os não transplantados
recorreu-se as etapas de exclusão ao transplante, onde foram identificados em cada
etapa os motivos que fizeram com que o(s) mais pontuado(s) não transplantasse(m).
Posteriormente os motivos foram reagrupados por ordem de ocorrência.
Na análise sobre os transplantados, os dados coletados foram categorizados
em grupos temáticos sobre o perfil clínico-demográfico e a posição ocupada na
listagem de classificação dos mais pontuados para o transplante de rim com doador
falecido.
Os temas diretamente relacionados foram o acesso ao uso e consumo de
serviços de transplante de rim em suas duas dimensões, a equidade horizontal e
vertical, que serão analisados a partir dos sub-temas identificados como as
dimensões da equidade no transplante. Entendendo enquanto equidade horizontal
as diferenças de oferta de serviços entre as regiões do Estado do Rio de Janeiro e
enquanto equidade vertical as diferenças de oferta de serviços entre os grupos
sociais dentro do Estado.
45
5. ARTIGO
EQUIDADE NO ACESSO AO TRANSPLANTE DE RIM COM DOADOR FALECIDO
NO RIO DE JANEIRO
Priscila Ribeiro Campos Paura¹, Carlos Dimas Martins Ribeiro², Aluísio Gomes da Silva Júnior ³
¹ Assistente Social, Especialista em Direito Sanitário e Mestranda em Saúde Coletiva da Universidade
Federal Fluminense – UFF. ² Doutor em Saúde Pública – ENSP e Professor do Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFF.
³ Doutor em Saúde Pública – ENSP e Professor do Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFF.
.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o acesso ao transplante de
rim no Estado do Rio de Janeiro sob a ótica da equidade, evidenciando os fatores
que dificultam o acesso, a partir das etapas necessárias para que o potencial
receptor se submeta ao transplante. Utilizou-se a abordagem quantitativa,
envolvendo análise dos prontuários dos doadores que deram origem aos rins
recebidos pelos receptores do ano de 2008. Além disso, foi realizado levantamento
bibliográfico e pesquisa de dados secundários. O estudo baseou-se no consenso de
que a Equidade é um princípio constitucional e do Sistema Único de Saúde e que as
opções conceituais influenciam na escolha de critérios distributivos, nos indicadores
utilizados para avaliar o grau de eqüidade e na interpretação dos resultados para
efetividade das intervenções. Em geral, contatou-se que o atual critério de seleção
para transplante de rim apresenta inúmeros limites à implementação de forma
equitativa, principalmente no que tange a organização da rede e no consumo de
serviços de saúde. A política nacional de transplante apresenta ainda uma rede
desarticulada que não é capaz de garantir o acesso as ações e serviços de saúde,
não contemplando assim todas as necessidades de saúde da população usuária dos
serviços de transplante no Estado do Rio de Janeiro e, por conseguinte, acesso
equitativo à saúde.
PALAVRAS-CHAVES: Equidade, Equidade no acesso, Transplante de Órgãos,
Direito à Saúde, Direito Sanitário.
46
INTRODUÇÃO
O Transplante no Brasil e no Rio de Janeiro
O primeiro transplante realizado no Brasil foi o de rim na Cidade do Rio de
Janeiro, em 1964. Desde então, essa atividade teve uma evolução considerável em
termos de variedade de órgãos transplantados e número de procedimentos
realizados. Todos os tipos de transplante são financiados pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), podendo também ser realizados pela iniciativa privada. Atualmente, o
Brasil possui o maior Programa de Transplante Público do mundo (1), além de ser o
segundo país do mundo em número de transplantes (2).
Em 1997 foi sancionada a legislação vigente no Brasil, a Lei Federal nº. 9.434
que trata sobre a disposição de órgãos e tecidos para transplante (3). A partir de
então, diversos decretos, resoluções, portarias e lei foram publicados para
instrumentalizar legalmente as atividades relacionadas ao processo de doação-
transplante de órgãos e tecidos no Brasil.
No mesmo ano foi criado, no âmbito do Ministério da Saúde, através do
Decreto Federal nº 2268, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT). A
Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (CGSNT) é o órgão
responsável pela gestão do programa, é assistida por Grupo de Assessoramento
Estratégico (GAE) composta por órgãos, entidades e associações de interesses no
transplante e assessorada tecnicamente pelas Câmaras Técnicas Nacionais (CTNs)
(8). Para execução das atividades de coordenação de logística e distribuição de
órgãos e tecidos no processo de doação/transplante em âmbito nacional, a CGSNT
conta com a Central Nacional de Transplante (CNT) que tem dentre outras
atribuições o gerenciamento da alocação de órgãos e tecidos entre os Estados e
Distrito Federal. (3) (4) (5)
A estrutura organizacional do SNT é desdobrada pelas demais unidades da
federação. Atualmente existem vinte e três Centrais Estaduais e uma no Distrito
Federal, que são as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos
(CNCDO). Também integra o SNT, as CNCDOs Regionais, Organizações por
47
Procura de Órgãos (OPOs), Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e
Tecidos para Transplante (CIHDOTTs), Equipes e estabelecimentos
transplantadores. (1) (5)
O Sistema de “Lista Única” foi criado a partir da Lei 9.434/97, está previsto no
Decreto 2.268/97 e regulamentado pela Portaria GM nº 3.407/98 (6), este, vigente
até 20 de outubro de 2009. Tem como objetivo organizar a lista de espera para os
receptores de órgãos e tecidos provenientes de doadores falecidos. É constituído
pelo conjunto de potenciais receptores brasileiros, natos ou naturalizados, ou
estrangeiros residentes no país inscritos para recebimento de cada tipo de órgão,
tecido, célula ou parte do corpo, e regulado por um conjunto de critérios específicos
para a distribuição deles a estes potenciais receptores, assim constituindo o
Cadastro Técnico Único (CTU). (3) (4) (5) (6)
No que se refere a quem pode ser doador, a legislação brasileira prevê dois
tipos de doadores, o doador vivo e o doador falecido. O doador vivo refere-se ao
indivíduo saudável, disposto a doar órgão ou tecido para fins de transplante. Sendo
permitido apenas para órgãos duplos, parte de órgãos ou tecidos desde que não
ofereça riscos a saúde do doador. A doação inter-vivos pode ser feita por cônjuge ou
parentes consangüíneos até o quarto grau inclusive (doador relacionado). Quando o
doador é “não aparentado” (não-relacionado), faz-se necessária autorização judicial
prévia, além do parecer do comitê de ética do Hospital Transplantador (5). O doador
vivo necessita se submeter a exames de compatibilidade dentre outros e
atendimento psicológico e social, onde será verificado o grau de motivação para o
ato da doação.
A política nacional de transplante trata ainda de assuntos referentes ao
financiamento dos transplantes, publicidade, prontuários, compulsoriedade da
notificação da morte encefálica, sansões penais e administrativas, dentre outros
temas previstos nas diversas legislações sobre o tema. (10)
Apesar de possuir uma das melhores políticas de transplante no cenário
internacional, o número de transplantes realizados no país, quando analisado em
relação à necessidade da população, é ainda insuficiente. Conforme dados da
48
Associação Brasileira de Transplante de Órgão (ABTO), “apenas a metade dos
potenciais doadores que se estima existir é notificada, e somente um em cada cinco
destes, transforma-se em doador efetivo” (3).
A escassez de órgãos para transplante é uma realidade internacional o que
tem fomentado avanços tecnológicos e freqüentes revisões nas contra-indicações
relativas e absolutas do potencial doador, ampliando a possibilidade de
aproveitamento dos órgãos doados.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, coube à Secretaria Estadual de
Saúde instituir a CNCDO/RJ, Central de Transplantes do Rio de Janeiro (CTRJ) que
é responsável pela coordenação de todos os processos relativos à doação-
transplante de órgãos e tecidos no Estado.
Foram registradas na Central de Transplante do Rio de Janeiro (CTRJ),
referente a dezembro de 2008, 7.741 pessoas inscritas na “Lista Única”, destas
3.466 aguardavam pelo transplante de rim.
Conforme dados acima, a demanda por órgãos para transplante é crescente
e por mais que o aumento nacional no número de transplante tenha se mantido, não
é suficiente sequer para a manutenção dos números da lista de espera.
Os dados do Estado demonstram que cada ano a procura por transplante de
rim é maior e que o número de cirurgias realizadas é inferior a esta demanda. Em
estudo realizado entre os anos de 2004 a 2006, Marinho contextualiza o Rio de
Janeiro no cenário nacional, num movimento oposto ao observado no restante do
país e com quantidades de transplantes “baixas quando comparadas aos demais
estados da região Sul e Sudeste”. (15)
São diversas as etapas e serem cumpridas, variáveis a ser consideradas,
instituições envolvidas e recursos materiais utilizados, desde os mais simples aos
mais complexos científicos e tecnológicos. Nesta diversidade de etapas a serem
cumpridas podemos observar muitos entraves para o pleno funcionamento do
Programa de Transplantes e, exatamente por isso, ele deve ser analisado sob o
49
princípio da eqüidade e sob a ótica do direito a um serviço de qualidade e inclusivo,
pelos usuários do transplante.
Direito à Saúde no Brasil
O direito à saúde é um dos principais direitos reconhecidos no Brasil. A
Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi a responsável pela ampliação desse direito
e do conceito de saúde em nosso país (20). A partir de sua publicação, surgem
novos instrumentos normativos voltados à redução dos riscos de doenças e de
outros agravos à saúde, bem como ao estabelecimento de condições que
possibilitem o acesso universal, igualitário e regionalizado às ações e serviços que
visem a promoção, proteção e recuperação da saúde, para que este direito seja de
fato uma realidade (21).
Mas como garantir o acesso à saúde a todos, em todas as suas
necessidades, sem discriminação ou privilégio de qualquer natureza,
disponibilizando todas as tecnologias, em todos os níveis de atenção, por todos os
entes federativos, de forma a alcançar a justiça social numa sociedade com tantas
desigualdades sociais e econômicas?
Faz-se necessário então, recepcionar a categoria eqüidade como eixo
estruturante rumo à justiça social de forma a reduzir as desigualdades econômicas e
sociais e assim avançar na garantia aos princípios fundamentais constitucional da
dignidade da pessoa humana e da cidadania.
Eqüidade em Saúde
A eqüidade é um dos princípios fundamentais da Constituição Federal e
norteador do Sistema Único de Saúde no Brasil. A partir deste e em consonância
com os demais princípios, devem ser elaboradas as políticas públicas inclusive as
de saúde.
Explicitamente a categoria eqüidade é pouco utilizada na Carta Magna. Não a
lemos nem entre os valores, princípios, objetivos, direitos e garantias fundamentais e
50
nem entre os da ordem econômica e social, entretanto ela está presente dentre os
artigos e no que os doutrinadores classificam como igualdade material.
O princípio da igualdade, segundo Aith e Silva, deve ser compreendido nas
suas duas dimensões: a dimensão formal e a dimensão material. (21)(22)
A Igualdade em sua dimensão formal é reconhecida em diversas
constituições enquanto “igualdade perante a lei”. Aplicam e tratam todos igualmente
perante a lei, sem considerar as distinções dos grupos. Na Constituição cidadã
baseia-se no art. 5º caput e inciso I, em que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza” e todos “são iguais em direitos e obrigações”.
A dimensão material é quando se especifica as características relevantes
para um tratamento igual, criando regras de proibição e de consentimento diante de
certos fatores. Pode ser observada ao proibir distinções, presente no artigo 7º, XXX
e XXXI, onde constam algumas das regras da igualdade material, explicitando
alguns fatores, como distinção de salário por motivo de idade, sexo, estado civil ou
deficiência. Pode ser observada também quando consente distinção de condições
em relação à idade, sexo e ocupação para aposentadoria prevista no art. 40, III.
Aith defende que o princípio da eqüidade é diferente do da igualdade, mas
que este em seu sentido material é essencialmente fundado no princípio da
eqüidade. Assim, considerando: a) que estes princípios sejam distintos; b) que a
Constituição apesar de declarar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, permite o direito ao tratamento diferente a determinados grupos,
fatores ou situações; c) que este tratamento diferente é justificável
constitucionalmente quando voltado a reduzir desigualdades sociais, geográficas e
econômicas, ou erradicar a pobreza e a marginalização e d) que a possibilidade de
tratamento desigual é classificada pelos doutrinadores de igualdade material, para
efeito de fundamentação legal, este trabalho irá considerar a igualdade material
como sinônimo de Eqüidade e assim, um princípio e valor constitucional.
Enquanto valor constitucional, a eqüidade é um importante instrumento na
garantia da cidadania e dignidade da pessoa humana. Conseqüentemente
51
influenciará dentre outros direitos e garantias, os já citados direitos sociais, inclusive
no que tange a Saúde.
A eqüidade perpassa pelos diversos princípios e diretrizes do SUS. E traz
usualmente, implícita ou explicitamente, o conceito de acesso, pode-se assim
afirmar que esta palavra tem suportado diferentes usos: pela presença física de
equipamento e insumos, pela proximidade geográfica, aos profissionais, para todos,
aos níveis de complexidade, viável financeiramente, dentre outros. Quando tratado
em conjunto, Cohn denomina-o por acessibilidade (32)
A acessibilidade, portanto, não se reduz ao conceito de acesso pela proximidade, tal como destacam os documentos de políticas de saúde neste país, nem se traduz na concepção empobrecida de disponibilidade pela presença física dos recursos nas áreas onde existem. A acessibilidade formulada pela população usuária corresponde a relação funcional entre as „resistências‟ que são oferecidas pelos próprios serviços. (...) e o „poder de utilização‟ (...) por parte de quem é atendido e conforma o seu perfil de demanda.
O princípio da eqüidade pode ser expresso sob a ótica da integralidade no
qual é exigido do Estado a organização de uma rede de atenção à saúde que
garanta ao cidadão o acesso a todos os tipos de tratamentos, para todos os tipos de
doenças, em todos os níveis de sua evolução e em todos os níveis de atenção e de
complexidade do sistema, de que cada um necessite. Neste sentido, o acesso
integral equitativo deve ser pautado pelo princípio da necessidade da população
usuária.
A universalidade é outro aspecto do princípio da eqüidade. No SUS, a
universalidade é garantida pelo financiamento indireto na atenção à saúde, evitando-
se assim que, barreiras econômicas restrinjam seu uso. Entretanto, os custos
incorridos no consumo de serviços de saúde incluem também, aqueles de transporte
(inclusive para o acompanhante), de espera para o atendimento, de aquisição de
medicamento etc. Esses custos tendem a ser proporcionalmente maiores para os
grupos de menor renda, que geralmente vivem em áreas onde a disponibilidade de
serviços é menor, e carente de rede de apoio formal, dificultando o acesso. A
universalização pressupõe assim a efetivação da acessibilidade (32).
52
A eqüidade também tem sido utilizada sob a dimensão da eficiência. A
Constituição orienta o mecanismo que deve ser utilizado para alcançar a eficiência
do Sistema que é a descentralização em uma rede regionalizada e hierarquizada. A
eficiência é um dos novos princípios recepcionado pela administração pública,
regida pela regra “da consecução do maior benefício com o menor custo possível”.
(21) O SUS terá suas ações e serviços hierarquizados, executados por instituições
pertencentes aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e
por instituições privadas conveniadas ou contratadas pelo SUS, atendendo aos
diferentes níveis de complexidade e de atenção à saúde e, regionalizada,
compreendendo a noção de territorialidade (território-processo), não
necessariamente restrito à abrangência municipal, objetivando a resolução de
problemas e otimizando os recursos disponíveis. (34)
Em relação à otimização dos recursos disponíveis, se no princípio orientador
das definições de políticas de saúde, preponderar as reformas setoriais orientadas
por eficiência de recursos, incorre-se no risco do princípio da eqüidade ficar
subordinado à dimensão da eficiência e como conseqüência inverte-se os valores.
Vale ressaltar que o princípio da eficiência deve estar pautado pela garantia dos
direitos sociais e considerar as necessidades em saúde do cidadão como meta a ser
alcançada. Dois aspectos sobressaem na análise da eqüidade nesta dimensão para
Escorel: Focalização de políticas e distribuição de recursos financeiros;
Ao que se refere a eficiência em relação aos objetivos da descentralização,
pode-se observar uma dimensão voltada para a institucionalidade do Sistema de
Saúde que irá refletir num segundo aspecto sobre as instâncias decisórias na
implementação das políticas: O processo de descentralização real de poder e
autonomia para o nível local de regulação do sistema de saúde e sua conseqüente
responsabilização pelas condições de saúde e assistência aos munícipes; e o
processo decisório analisando a presença ou ausência de efetivo e representativo
controle social. (34)
Os conceitos de eqüidade em saúde
53
As opções conceituais influenciam na escolha de critérios distributivos, nos
indicadores utilizados para avaliar o grau de eqüidade e na interpretação dos
resultados para efetividade das intervenções. (35)
Não existe uma única teoria de eqüidade, mas aquela socialmente aceita num
contexto histórico, econômico e cultural, refletindo os valores dominantes de cada
sociedade. Estes valores influenciam na formulação de políticas de saúde de
variadas formas na organização dos sistemas de saúde, sendo necessário então
definir os parâmetros e prioridades que regem as sociedades para então definir o
que se quer universalizar, o que se quer igualar, o quanto e para quem será
distribuído. (36)
No artigo eqüidade na gestão descentralizada do SUS, Lucchese adota como
ponto de partida para as novas definições do conceito de eqüidade em saúde, o
defendido por Whitehead no qual “todos deveriam ter a justa oportunidade de obter
seu pleno potencial de saúde e ninguém deveria ficar em desvantagem de alcançar
o seu potencial, se isso puder ser evitado.” (37)
O Center for Health Equity, Training, Research and Evaluation - CHETRE
apresenta sua síntese conceitual também a partir da definição de Whitehead, no
qual todos deveriam ter acesso aos recursos para suprir suas necessidades em
saúde, traz ainda que a diferença entre as pessoas não deva ser influenciada por
fatores além de seu controle; e que a iniqüidade afetas aos grupos quando ocorrem
diferenças nas condições de saúde, ou diferenças nas características sociais e
demográficas. “Essas diferenças são consideradas iníquas se elas ocorrem porque
as pessoas têm escolhas limitadas, acesso a mais ou menos recursos para saúde
ou exposição a fatores que afetam a saúde, resultantes de diferenças que
expressam desigualdades injustas”. (38)
Estas diferenças desnecessárias ou desigualdades injustas, também são
denominadas por Travassos como iniqüidades e podem ser compreendidas como:
“danos causados à saúde quando a liberdade de escolha de estilo de vida é restrita”,
concepção esta, também defendida por Duarte, Escorel, Luchese e Sen.
(32)(33)(35)(37)
54
Torna-se necessário distinguir o termo diferença do termo diversidade.
Diversidades são fatores alheios a vontade humana, ou é o resultado de vontades
individuais. Já as diferenças, são referidas às questões éticas, morais e políticas,
assim, as diferenças indesejáveis são consideradas socialmente injustas e então
passíveis de intervenção de políticas públicas. Nesta perspectiva, o termo iniqüidade
não se aplica ao conceito de diversidade, o termo parece ser usado apenas ao que é
evitável, ou seja, iniqüidade é então considerada para as diferenças desnecessárias,
injustas e evitáveis. (40)
Fundamentado na obra de Rawls, Beauchamp & Childress discutem a regra
da “Oportunidade Equitativa”, como uma regra de distribuição social que objetiva
reduzir formas injustas de distribuição. Segundo a regra, deve ser oferecida a
pessoa uma chance equitativa na vida, sempre que suas “propriedades
desfavoráveis” não sejam de sua responsabilidade. Rawls se refere a “loteria
natural” e “loteria social”, nas quais todas as nossas habilidades e inabilidades são
originadas e que numa teoria de justiça social, a regra da oportunidade equitativa
deve ser usada para mitigar estes efeitos das loterias da vida. Desse modo, as
inabilidades que restrinjam a liberdade de escolha do estilo de vida devem ser
niveladas, quer pelos motivos de diferenças evitáveis (origem social), quanto pelas
“desvantagens desditosas” (origem biológica). (36)
Assim, mais do que concordar, que a eqüidade requer uma redistribuição de
recursos, cabe questionar os critérios desta redistribuição, sob quais princípios e em
qual teoria de justiça distributiva ela estará fundamentada.
A Justiça distributiva se refere a uma “distribuição justa, equitativa e
apropriada no interior da sociedade, determinada por normas justificadas que
estruturam os termos da cooperação social”. (36) Deve ser baseada em princípios,
que são:
Princípio da justiça formal – Fundamentada em Aristóteles que conceitua a
justiça como: “iguais devem ser tratados de modo igual, e não-iguais devem ser
tratados de modo não-igual”. É um princípio formal, pois não oferece parâmetros de
55
igualdade, diferente do princípio de justiça material que explicita, especifica e refina
os critérios relevantes a serem utilizados.
Princípio da Justiça material - Os principais princípios são: “a todas as
pessoas uma parte igual”; “a cada um segundo a sua necessidade”, “a cada um de
acordo com seu esforço”; “a cada um de acordo com sua contribuição”; “a cada um
de acordo com seu merecimento”; “a cada um de acordo com as trocas do livre
mercado”.
Estes princípios podem ser usados no contexto de diversas políticas públicas
e não necessariamente serem antagônicas. Na seguridade social brasileira, inserida
nela a saúde, estão presentes alguns princípios: na Previdência social é usado o da
“contribuição”, na Saúde “a todos uma parte igual” e na Assistência social “a cada
um segundo a sua necessidade.”
Turner diferencia quatro tipos de eqüidade: ontológica, de oportunidade, de
condições e de resultados. (39)
A eqüidade ontológica é inerente aos seres humanos, refere-se à igualdade
fundamental entre as pessoas. Varia de abordagens religiosas, passando por
correntes filosóficas.
A eqüidade de oportunidades compõe os princípios das doutrinas liberais,
está na base da teoria social da meritocracia. Considera que dado um mesmo
patamar de direitos (à vida, liberdade e a propriedade), o acesso a posições na
estrutura ocupacional da sociedade, resulta na competição entre os indivíduos,
preenchida apenas pelo mérito pessoal;
O terceiro tipo é o de eqüidade de condições, segundo Turner, as
oportunidades iguais começam no ponto de partida, “apenas pessoas submetidas às
mesmas condições de vida podem vir a ser consideradas „em igualdade' para
competir com base em habilidades e méritos individuais”. Esta concepção mais
completa e complexa, dificilmente é alcançada sem significativa alteração no modelo
econômico. Apenas a mudança no modelo social não seria capaz de alterar os
56
aspectos estruturais na determinação do grau de mobilidade entre as diferentes
classes sociais.
A eqüidade dos efeitos ou resultados é o quarto tipo e neste envolve
mudanças nos critérios de distribuição para transformação das desigualdades de
início em igualdade de conclusão. As medidas políticas ou legislação procuram
compensar os efeitos das desigualdades de condições sociais. A discriminação
positiva age em favor de grupos menos privilegiados aumentando suas
oportunidades e assegurando a eqüidade nos resultados.
Segundo Duarte (39), como os significados mais comuns atribuídos a
eqüidade “são variáveis das expressões „igualdade de acesso‟ e „tratamentos iguais
para as mesmas necessidades‟”, ocupa lugar de destaque nos propósitos das
políticas de saúde, a definição adotada por Turner que coincide com a de “eqüidade
de oportunidades”. A autora afirma que:
A concepção que decorre a partir desta leitura é a de que a cobertura universal dos serviços e a não discriminação de acesso aos recursos de diagnóstico e tratamento, caracterizam um sistema de saúde eqüitativo. Os dois últimos tipos de eqüidade propostos por Turner são desconsiderados.
Contudo, ao confrontar estes tipos de eqüidade propostos por Turner à norma
maior, pode-se perceber que a CF/88 parte sim de um conceito formal de igualdade
refletindo na eqüidade de oportunidade, mas para além deste, existe uma
intencionalidade do constituinte, também expressa, em erradicar a pobreza e reduzir
as desigualdades pelos ditames da justiça social, tentando alcançar a eqüidade de
condições, mas efetivamente só consegue mitigar os efeitos das desigualdades
através de políticas que tentem garantir eqüidade nos resultados.
Este contexto é decorrente do momento em que a constituição cidadã foi
gestada e reflete a correlação de forças na disputa de poderes daquele momento
histórico. Por mais avanço que tenha havido em relação aos direitos sociais, o
avanço referente à ordem econômica ainda não fora suficiente para imprimir uma
mudança estrutural na sociedade brasileira. Desta forma, aqueles que não se
sobressaem pelos seus méritos ou esforços, ficam sujeitos às políticas de
discriminação positiva.
57
Para orientar a operacionalização de ações voltadas à eqüidade, Lucchese
(37) indica a “perspectiva da capacidade” desenvolvida por Sen, no esforço de
responder a indagação: “está se buscando igualdade de quê?” Ele considera que
conceitos de pobreza e de grupos vulneráveis não podem ter em vista apenas os
rendimentos econômicos, mas considerar pobreza como privação de capacidades.
Para Amartya Sen,
a adequação dos meios econômicos não pode ser julgada independentemente da real possibilidade de “converter” rendimentos e recursos em capacidades”. (...) Rendimentos adequados para fugir da pobreza variam com as características pessoais e das circunstâncias”. (...) “Possuir rendimentos inadequados não é um caso de ter rendas abaixo de uma dada linha de pobreza e sim de ter rendas abaixo do que é adequado para gerar níveis específicos de capacidades para o indivíduo em questão.
A proposta é que para além de elaborar políticas eqüitativas voltadas para os
grupos economicamente mais vulneráveis sob a ótica financeira, seja realizado um
diagnóstico da pobreza como privação de capacidades para então conseguir
alcançar a real necessidade de cada um a cada momento. Assim é preponderante
considerar que não apenas a situação econômica interfere nas iniqüidades, mas
também as oportunidades de escolhas que o indivíduo tem (ou não) de influenciar
seu estado de saúde ou a situação em que vive, ou seja, suas necessidades. (34)
Para Travassos (35), é importante distinguir o conceito de eqüidade em
saúde do conceito de eqüidade no uso ou no consumo de serviços de saúde.
No que se refere à eqüidade em saúde, sabe-se que existe uma forte
correlação entre indicadores sanitários e renda per capita e do nível educacional.
Estudos evidenciam que indivíduos socialmente menos privilegiados tendem a
adoecer mais precocemente.
Através dos dados sobre as condições de saúde da população pode-se
analisar a distribuição dos riscos de adoecer e morrer. Os vários perfis de doença
não se distribuem igualmente por todas as camadas populacionais. As variações
biológicas, até determinam diferenças nas suas formas de sofrer e adoecer, mas “a
maior parte das diferenças de condições de saúde são socialmente determinadas e
não decorrem de variações naturais, ou de livres escolhas pessoais por estilos de
58
vida mais ou menos saudáveis”. Os grupos social e economicamente vulneráveis
acumulam a maior freqüência de distribuição de doenças nas diversas origens,
sejam as infecciosas, crônico-degenerativas ou por causas externas. A influência do
social no adoecer, resulta no fato de os grupos sociais apresentarem demandas
diversas aos diferentes serviços de saúde, tanto em termos de volume, tipo de
problema e nível de complexidade de acordo com suas necessidades em saúde.
Assim, as diferenças dos grupos social e economicamente mais vulneráveis
precisam ser consideradas na programação da oferta de serviços quando se busca
construir um sistema de saúde mais equânime. (33)
A conceitualização que Cecílio adota reconhece quatro conjuntos de
necessidades de saúde. O primeiro são as boas condições de vida, entendendo-se
que o modo como se vive traduz diferentes necessidades. O segundo conjunto diz
respeito ao acesso às tecnologias que melhoram ou prolongam a vida. É importante
destacar, nesse caso, que o valor de uso de cada tecnologia é determinado pela
necessidade de cada pessoa, em cada momento. O terceiro bloco refere-se à
criação de vínculos efetivos entre o usuário e o profissional ou equipe dos sistemas
de saúde. Vínculo deve ser entendido, nesse contexto, como uma relação contínua,
pessoal e calorosa. Por fim, necessidades de saúde estão ligadas também aos
graus crescentes de autonomia que cada pessoa tem no seu modo de conduzir a
vida, o que vai além da informação e da educação. (42)
O conceito de eqüidade no uso ou no consumo de serviços de saúde,
classificado por Travassos, refere-se à igualdade de acesso aos serviços de saúde e
é considerado por Turner como igualdade de oportunidade. Pode ser analisado a
partir de duas dimensões complementares: a geográfica e a social. A primeira diz
respeito às variações entre áreas ou intra-necessidades (eqüidade horizontal); a
segunda refere-se a variações entre grupos intra-áreas (eqüidade vertical). (35)
Dimensão Geográfica - analisa as possibilidades de consumo dos serviços de
saúde de diferentes graus de complexidade por indivíduos com “iguais necessidades
de saúde”. Neste caso adota-se o conceito de eqüidade horizontal, mantendo as
desigualdades existentes previamente à entrada no sistema, compara a utilização de
serviços de saúde entre áreas geográficas e pode ser mensurada a partir da análise
59
de taxas de utilização entre regiões/estados/municípios. As variações geográficas
refletem a capacidade local de financiamento, o tamanho e a complexidade da rede
de serviços, assim como, a pluralidade do atual sistema de saúde e a capacidade de
compra de serviços de saúde das populações locais. Variações nessas taxas
expressam desigualdades geográficas, mas não necessariamente as sociais. (35)
(43)
Dimensão Social - analisa as possibilidades de consumo dos serviços de
saúde entre os diferentes grupos sociais. Neste caso adota-se o conceito de
eqüidade vertical, pois o tratamento é desigual para grupos sociais com
necessidades distintas dentro de uma mesma região. Reflete o caráter seletivo do
sistema de saúde, pois a organização local desses serviços impacta diretamente o
perfil de desigualdades entre estes grupos. A desigualdade encontrada é decorrente
de uma estrutura plural, fragmentada e geradora de seletividade na oferta dos
serviços, provocando um padrão de uso desigual. As variações existentes nos
sistemas de saúde locais podem reduzir ou ampliar essas desigualdades.
A análise do uso e do consumo dos serviços de saúde, em geral é feita por
tipo (centros de saúde, ambulatórios especializados, policlínicas, hospitais de
emergência) segundo a distribuição geográfica e/ou segundo a distribuição social
(quintis de renda). (43)
Considerando estas duas dimensões, pode-se pressupor que uma
distribuição mais equânime de recursos financeiros na saúde entre regiões, apesar
de vir a reduzir as desigualdades geográficas na utilização de serviços de saúde e
ampliar equitativamente o acesso, não é condição suficiente para alterar as
desigualdades sociais (intra-regiões). Para a autora, pode não só não as alterar,
como, eventualmente, vir a aumentá-las, caso não se acompanhe de medidas
reguladoras voltadas para eqüidade. “Destaca-se, assim, a fundamental importância
do desenho do modelo assistencial local para a redução das desigualdades sociais
na utilização de serviços de saúde.” (35)
O presente estudo tem o objetivo de analisar o acesso ao transplante renal no
Estado do Rio de Janeiro, sob a ótica da eqüidade.
60
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado levantamento de dados demográficos, e da oferta dos serviços
de saúde à pessoa portadora de insuficiência renal crônica do estado, através de
consultas a bancos de dados da Central de Transplantes do Rio de Janeiro, Central
de Regulação da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, DATASUS, Tribunal
de Contas União e ABTO.
No trabalho de campo, foram analisados 55 prontuários de doadores de rim,
de janeiro a dezembro de 2008, da Central de Transplantes do Rio de Janeiro. As
informações dos potenciais receptores selecionados ao transplante renal foram
coletadas dos prontuários e colocadas em uma planilha do Microsoft Excell®. Foram
excluídos os prontuários dos doadores oriundos de outra unidade da federação e os
de doações ocorridas no Estado do Rio de Janeiro com receptores de outra unidade
da federação.
Foram coletadas as seguintes informações dos transplantados: Número de
registro do doador e do receptor de órgãos e tecidos para transplante no Sistema
Nacional de Transplante; a data em que o transplante foi realizado, data de diálise e
de inscrição para transplante; iniciais do nome, sexo e idade; instituição hospitalar
autorizada pelo SNT para realizar transplante onde o procedimento aconteceu e
onde o transplantado se inscreveu; município de diálise e de residência; PRA, re-
transplante, doença base; tempo de espera em lista para transplante. E as seguintes
informações dos não-transplantados: posição em que o potencial receptor ocupa na
listagem gerada a partir de cada doador efetivo e motivo alegado pelo potencial
receptor ou equipe transplantadora para a não realização do transplante.
Os motivos alegados para a não realização do transplante seguiram a
seguinte classificação: soro vencido (sim ou não); localização dos potenciais
receptores por contato telefônico (sim ou não); condições clínicas adequadas (sim
ou não); realização de exames pré-transplante (não realizado, incompleto ou
vencido); crossmatch (positivo ou negativo); contra indicação alegada pela equipe
transplantadora (sorologia positiva, isquemia prolongada ou incompatibilidade
61
antropométrica), não informado e outros motivos (óbito, transplantado, não quer
transplantar ou não compareceu a seleção).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O processo seletivo para o transplante renal com doador falecido
Toda pessoa portadora de insuficiência renal crônica em tratamento dialítico e
sem contra-indicações clínicas tem o direito a se inscrever no Sistema de Lista Única
para transplante de rim da CNCDO local (6). Para isso deve procurar um hospital
transplantador credenciado ao SNT que encaminhará o paciente à CNCDO local
para efetivar sua inscrição. Neste momento o paciente receberá um número de
Registro (RGCT) vinculado ao Sistema informatizado do SNT, tornando-se assim um
potencial receptor. Assim, toda pessoa com número de RGCT está legalmente
inscrita no Cadastro Técnico Único (CTU) ou “Lista de Espera” de transplante com
doador falecido (10).
a) Critério de alocação e o Sistema de pontuação para o transplante de rim
com doador falecido
O Sistema de Lista Única foi previsto na Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de
1997, preconizado no Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997e na Portaria nº
3.407/GM, de 5 de agosto de 1998, mas foi após a publicação da Portaria nº 783/GM
de 12 de abril de 2006, que dispõe sobre a obrigatoriedade de uso do sistema
informatizado do SNT para informações sobre doação e transplante e para o
gerenciamento da lista de espera que o critério de alocação de transplante renal
passa a ser o de compatibilidade HLA (antígenos leucocitários humanos). (8) (10)
Até julho de 2006, a seleção de potenciais receptores para transplante de rim
era baseada no tempo de espera em lista, ou seja, a posição dos candidatos estava
diretamente relacionada ao tempo decorrido da data de inscrição no Sistema de
Lista Única. Outros critérios excludentes e de classificação também eram
considerados e, se atendidos, legitimavam o candidato inscrito há mais tempo a
transplantar primeiro.
62
Em cumprimento à Portaria nº 783/2006, a partir de julho do mesmo ano, o
sistema de Lista Única passou a ser operacionalizado pelo software do SNT (versão
5.0) que contém os dados de todos os inscritos na Lista de Espera (8). Este
Programa recebe as notificações de morte encefálica, seleciona os potenciais
receptores para os órgãos de um determinado doador, obedecendo aos critérios
definidos pela norma vigente.
Para fins de transplante de rim, a seleção de potenciais receptores será
processada mediante identidade ABO e por exame de histocompatibilidade,
avaliadas as incompatibilidades no sistema HLA entre doador e receptor. (5)
O critério de seleção passa então a ser o de compatibilidade HLA, ou seja,
não existe mais uma posição pré-determinada, agora quaisquer das 3.466 pessoas
inscritas na lista única para transplante de rim com doador falecido pode ser
potencialmente a próxima a transplantar.
O sistema de pontuação define a listagem gerada pelo Sistema 5.0 no caso
concreto de um doador específico, exerce assim, um papel de seleção gerando um
processo de exclusão mais amplo, no qual estão inseridas as regras do critério de
alocação. Nesta etapa pode-se identificar três dimensões, a técnica, a legal e a
ética.
Sob a dimensão técnica o software é programado para excluir potenciais
receptores com sistema ABO diferente do doador e filtrar dentre os que têm mesmo
grupo sanguíneo, os que se encontram com o status ativo, para então pontuá-los
segundo número de incompatibilidades, conforme legislação em vigor. Ainda nesta
dimensão o sistema pontua potenciais receptores em prioridade para transplante, o
tempo de inscrição no Cadastro Técnico Único e os que têm o PRA alto.
Contudo, apesar da legislação ser clara sobre o critério de alocação a ser
usado e pretender ser justa ao prever critérios excludentes, de classificação e de
urgência, a legislação na época da pesquisa era incompleta por não atribuir os
pesos relacionados a cada critério, publicados em Portaria ou outro instrumento
legal de publicidade, fazendo com que a dimensão legal também mereça ser
63
analisada, ou seja, não fica explícito nem na norma, tão pouco o SNT ou DATASUS
disponibiliza a informação em site, prejudicando assim a efetivação do princípio
constitucional do controle social. (6) (44)
Com a publicação da portaria nº 2600/09 contempla-se então este quesito,
tornando-se de conhecimento público não apenas o critério de alocação para o
transplante de rim, mas discrimina cada item considerado para pontuação e o peso
que cada item tem, explicitando ainda os critérios de exclusão, desempate, e
tratando de assuntos como pontuação para criança e adolescentes e transplante em
pessoas com função renal agravada, mas que ainda não estejam em programa de
terapia renal substitutiva (transplante preemptivo). (5)
Outro aspecto legal que deve ser considerado é que tanto a portaria nº
3407/98, quanto a atual 2600/09 admite que os Estados definam critérios
diferenciados na alocação dos órgãos, o que fez com que o Estado de São Paulo já
antes de 2009 utilizasse sistema próprio com critérios diferenciados, como por
exemplo, criar pontuação para o receptor menor de 18 anos quando o doador
também fosse menor de 18 anos. (44) Apesar de ser um exemplo positivo, tanto que
a Portaria vem depois de três anos corrigir este equívoco, deve-se ter atenção a este
tipo de permissão, pois se o cadastro técnico único é nacional, a sociedade, e nesta
os potenciais receptores, acredita disputar a chance do transplante, pelo menos em
igualdade de oportunidade em todo o território nacional, apesar das evidentes
diferenças regionais.
Cabe considerar que tanto a ausência de norma de conhecimento público,
quanto a existência desta permitindo diferenças regionais, implicam no
enfraquecimento de estudos estatísticos e análises sobre a equidade de acesso ao
transplante no Brasil. (44)
Sob a dimensão ética há de se analisar as opções tomadas pelo Sistema
Nacional de Transplante na escolha desta pontuação, ou seja, a partir da dimensão
técnica adotada, que peso foi dado em cada item considerado para pontuação.
Pode-se constatar, por exemplo, que a nova Portaria manteve a mesma pontuação
para o HLA e PRA, mas agora pontua diabéticos, doador inter-vivo e define as
64
regras para o transplante preemptivo. É através do critério de seleção e seu sistema
de pontuação que se define a população usuária que terá mais ou menos chance de
transplantar.
b) Estar apto para o transplante
Além do critério de alocação, existem alguns quesitos que necessitam ser
atendidos para que a pessoa já inscrita também consiga concorrer ao transplante no
momento da avaliação clínica e nas etapas que antecedem a cirurgia.
Não basta estar inscrito para se estar apto. Apenas é considerado apto, ou
seja, “ativo”, aquele potencial receptor que: a) esteja com a soroteca atualizada
(amostra do soro do receptor); b) com os exames para estudo de pré-transplante em
dia (avaliação clinico-laboratorial); c) seja localizado rapidamente via telefone, d)
encontre-se em condições de saúde básicas para se submeter a uma cirurgia de alto
risco; e) consiga comparecer em tempo hábil para a avaliação clínica que precede
os instantes da cirurgia. Além destes, também são considerados os resultados do
crossmacth2, PRA, do grupo sanguíneo e do HLA como fatores excludentes de um
candidato a transplante renal.
Isto quer dizer que os inscritos que não estejam com status “ativo”, estarão
categorizados como “semi-ativo” (afastados temporariamente) ou “removido”
(afastado definitivamente). Os semi-ativos são os potenciais receptores que foram
afastados temporariamente, devido às condições clínico-laboratorial, por suspensão
da equipe, ou perda de seguimento. Os removidos são aqueles que se encontram
no cadastro técnico único, mas que foram afastados defnitivamente em virtude de
óbito, transplante, contra-indicação absoluta, desistência, abandono de tratamento
ou transferência para outra CNCDO. (5)
No ano de 2008 a Central de Transplante do Rio de Janeiro tinha em seus
registros 25% de potenciais receptores “ativos” e 75% “semi-ativos” inscritos em
Lista de Espera para transplante de rim com doador falecido.
2 Prova cruzada, exame que compara o nível de rejeição do sangue do doador com o do receptor.
65
Uma vez aptos, os potenciais receptores eram classificados pela
compatibilidade HLA e se houvesse empate, os critérios de desempate eram: tempo
de espera em lista, idade, painel de reatividade (PRA)3 e urgência.
Para a definição se o paciente é apto ou não e seleção do(s) receptor(es)
renal(is), segue-se o seguinte fluxo4:
Após a notificação de Morte encefálica e da autorização familiar, o sangue do
doador era enviado para o HEMORIO, instituição responsável em realizar a
sorologia, e o HLA do doador;
Laboratório de Imunogenética do HEMORIO informa à Central de
Transplantes do Rio de Janeiro (CTRJ) o resultado do HLA do doador;
CTRJ digita o resultado no Programa “SNT 5.0”;
O Programa compara o HLA do doador com o dos potenciais receptores (PR)
e gera uma listagem nominal de pontuação em ordem decrescente;
CTRJ identifica os Potenciais Receptores (PRs) que estão com a soroteca
atualizada, os localiza por telefone para deixá-los de sobreaviso e verifica
alguns critérios de aptidão;
CTRJ envia listagem nominal com os 10 (dez) primeiros selecionados para o
Laboratório de Imunogenética realizar o crossmatch;
Laboratório de Imunogenética realiza o exame crossmath e envia o resultado
deste e do PRA para a CTRJ;
3 PRA – Avaliação laboratorial que “mede” o percentual de reatividade que há no organismo de cada pessoa, no
caso, potencial receptor, em relação a diversidade étnica, dado este que pode ser alterado a cada transfusão
sanguínea, re-transplante e gravidezes. 4 Fonte: Central de Transplante do Rio de Janeiro. Referente ao ano de 2008.
66
CTRJ comunica ao Centro Transplantador (CTx) o nome dos PRs com
crossmatch negativo e avisa a estes, o local e horário da avaliação clínica
prévia ao implante;
Os PRs devem chegar no horário e local marcados para a avaliação da
equipe médica do CTx;
O CTx selecionará um ou dois candidato(s), conforme número de rins doados,
que atenda(m) aos critérios de aptidão respeitando o(s) que tenha(m) a
maior pontuação na Listagem do Sistema 5.0;
O CTx dispensará os demais não selecionados e, se necessário, justificará
por escrito à CTRJ, o motivo de não ter selecionado os 2 primeiros
candidatos listados no crossmatch.
Todo este processo deve acontecer dentro do período de isquemia do órgão,
que é o tempo em que o sangue deixa de perfundir o órgão do doador até a hora em
que se implanta cirurgicamente no receptor. No caso do rim, o limite de tempo ideal
é de até 24 horas, podendo ser estendido até 36 horas (45).
Nesta diversidade de etapas a serem cumpridas podemos observar muitos
entraves para o pleno funcionamento do Programa de Transplantes e o baixo
número de doadores efetivos não é o único impeditivo para realização de transplante
de rim com doador falecido no Brasil. Na análise sobre o acesso ao transplante de
rim no Brasil deve-se considerar não apenas o número de órgãos ofertados, mas as
condições em que se encontra o potencial receptor enquanto aguarda ser
beneficiado.
Dos prontuários analisados foram identificados cinqüenta e cinco doadores de
rins que beneficiaram noventa e seis receptores no Estado do Rio de Janeiro.
Foi possível constatar com os dados a seguir que não basta ser um potencial
receptor com maior pontuação na seleção pela compatibilidade HLA para conseguir
transplantar, este deverá reunir condições sob diferentes aspectos, sendo
67
justamente nesta fase (pré-transplante) que se encontram os maiores problemas. Os
principais motivos de não estar apto para receber o transplante foram categorizados
e serão analisados conforme as etapas de exclusão do processo de seleção que o
potencial receptor passa até ser transplantado.
Considerando os números da CTRJ, dos 3466 potenciais receptores inscritos,
uma média de 870 conseguiram participar deste processo seletivo, já que os demais
estavam afastados temporariamente. Diante de um doador específico, dentre os 870
que é o somatório de todos os grupos sanguíneos, exclui-se os potenciais
receptores sem identidade ABO e então o Sistema 5.0 “distribui” os órgãos ao gerar
a listagem dos mais pontuados. A partir desta listagem dá-se início a 1ª etapa do
processo de seleção do candidato a transplante de rim.
Etapas para a realização do transplante
1ª Etapa – Listagem dos mais pontuados (verificação da exclusão por
Soro Vencido)
É nesta etapa que o software emitirá a relação nominal dos mais
pontuados e a CTRJ terá acesso ao nome de quem deverá transplantar. Nesta
listagem consta dentre outras informações o RGCT do potencial receptor, o Centro
transplantador a que está vinculado, sua pontuação, classificação e a data do último
soro.
É partir da informação sobre a data do último soro que se identifica aqueles
que serão excluídos pelo motivo “soro vencido”. Ao identificar esta informação, a
equipe de plantão deve excluir este potencial receptor do processo de seleção já
68
que o sangue deste, não poderá ser submetido ao crossmatch (exame de prova
cruzada).
O “soro vencido” foi o principal motivo identificado para a não realização do
transplante no ano de 2008, 635 pessoas deixaram de transplantar por, no momento
do ranking, estar com o soro vencido. Das 954 pessoas que perderam a
oportunidade de transplantar no referido ano, este item representou 66,6% do total
dentre todos os motivos identificados. Cabe considerar que esse número é
superestimado, pois o mesmo candidato pode ser chamado mais de uma vez em
situações de compatibilidade com diversos doadores do mesmo grupo sanguíneo.
Gráfico 1 – Distribuição dos indivíduos quanto ao motivo soro vencido
Dois exames são fundamentais para a realização do transplante: o
crossmatch (prova cruzada) e a reatividade de anticorpos contra painel (PRA). O
primeiro é um exame realizado entre o sangue do doador e do Potencial Receptor
para constatar o risco de rejeição crônica, quando o resultado é negativo significa
que este risco é controlado e quando o resultado é positivo significa que o risco de
rejeição é aumentado. Neste caso a possibilidade de reversão de rejeição é quase
nula e é um fator clínico previsível na literatura da área médica. O segundo exame é
o PRA que avalia a probabilidade do paciente encontrar doador contra o qual
apresente crossmatch positivo em dada população, evitando assim que haja
transplante com doador que possua antígenos contra os quais o receptor já
apresenta anticorpos. Juntos estes testes de histocompatibilidade previnem a
69
rejeição hiper aguda nas primeiras 48 horas e diminuem o risco de rejeição aguda
ou acelerada na primeira semana após o transplante. (46)
Estes exames são realizados a partir da amostra do soro coletado a cada 90
dias ou 15 dias após transfusão sanguínea, em todo potencial receptor para
transplante renal. A não atualização do soro implica na veracidade do resultado
influenciando a qualidade do exame.
A coleta e processamento do sangue (soro) necessário para realizar o PRA e
o Crossmatch é realizado pelo HEMORIO, instituição pública, de qualidade
reconhecida, que funciona diariamente atendendo os potenciais receptores de
transplante de rim com doador falecido (de 2ª a 5ª feira, das 10 às 12h) e consegue
atender toda a demanda da Lista Única. Apesar de não haver nenhuma pesquisa
com dados sobre os principais motivos de falta no comparecimento trimestral ao
HEMORIO pelo Potencial Receptor, podem-se elencar algumas hipóteses. Se
considerar que apenas um único local realiza coleta e processamento do sangue
dos Potenciais Receptores provenientes das diversas regiões do Estado do Rio e
que este deslocamento muitas vezes distante e carente de meios de transporte
disponíveis e gratuitos tem que ser feito a cada três meses, há de se considerar que
a universalidade de acesso fique comprometida. Outro fator relacionado a
organização do serviço é o horário de funcionamento que devido a restrição pode se
transformar numa barreira de acesso. Somam a este, o fato de que ainda está
relativamente recente a mudança do modelo e a socialização da informação pode
não estar ocorrendo de forma eficaz, além destes a de se considerar o fato de que
esta população usuária, freqüentemente vive momentos de indisposição e de co-
morbidades, características da insuficiência renal crônica.
Os prejuízos sócio-econômicos e as condições clínicas desta população
usuária não são exclusivos ao Estado do Rio de Janeiro, e legislação vigente já
apresenta alternativa de enfrentamento deste problema responsabilizando os
centros de diálise no envio periódico do soro de seus pacientes inscritos no
Cadastro Técnico Único para transplante ao laboratório de histocompatibilidade a ele
referenciado. Conforme disposto na resolução em vigor - RDC nº 154, de 15 de
junho de 2004, (47)
70
4.6.3 O serviço de diálise deve encaminhar formalmente o paciente, acompanhado do relatório médico atualizado, ao estabelecimento e equipe escolhidos para realização do transplante, comprometendo-se a encaminhar, trimestralmente,amostras do soro coletado, além de informar a situação clínica e o status em lista de espera.
À exceção de algumas clínicas de diálise como as de Campos, que enviam
periodicamente o sangue da região, esporadicamente mais três centros de diálise do
interior do Estado encaminhavam o soro de seus pacientes. Assim os mais de
noventa centros de diálise, das diversas naturezas de gestão com muito ou poucos
inscritos, não cumpre a referida resolução.
Não se pode ignorar que o cumprimento da RDC nº 154/2004 resolveria a
grande parte dos motivos de exclusão ao transplante que é o soro vencido, mas
existem questões técnicas que terão que ser discutidas em outro momento que é a
qualidade da amostra que chegará ao laboratório de histocompatibilidade, já que a
má conservação desta amostra pode comprometer o resultado tanto do PRA quanto
do crossmatch. No Brasil, estados com alto número de potenciais receptores em
Lista de Espera como o de São Paulo conseguiram transpor as dificuldades técnicas
e de resistência dos centros de diálise no envio do soro, fazendo do cumprimento da
RDC rotina na coleta da amostra do soro.
Nesta etapa, o princípio da equidade pode ser analisado sob a ótica tanto da
eficiência quanto sob o da universalidade. A “gratuidade” necessária para a
efetivação da universalidade deve ser observada para que as barreiras econômicas
não restrinjam o seu uso, neste sentido, o custo com locomoção, tempo de espera
para atendimento e para o deslocamento, devem ser considerados no planejamento
de serviços voltados a atender a necessidade da população usuária dos serviços de
transplante.
Cohn atenta para o fato de que a disponibilidade pela presença física de um
serviço, não é o único fator que deva ser considerado, mas também o poder de
utilização que o usuário dispõe, a legitimidade do fluxo de referência com seus
horários e rotinas e as resistências que são oferecidas pelos próprios serviços. (32)
71
Durante o recadastramento de transplante renal realizado pela Central de
Transplante do Rio de Janeiro, entre os meses de setembro a novembro do referido
ano, os potenciais receptores com status ativo foram convocados a comparecer ao
núcleo de recadastramento instalado no HEMORIO para atualização da soroteca,
atualização dos dados cadastrais e para participar de palestra informativa sobre a
lista de espera e a importância de manterem-se com status ativo para conseguir
transplantar. No momento da palestra foi possível identificar algumas das
dificuldades vivenciadas pelos potenciais receptores e seus familiares e dentre as
questões referentes a esta etapa de exclusão, estão os relatos dos que residem em
municípios distante da capital do Estado, certo grupo registrou durante a palestra
que para conseguir comparecer ao recadastramento sendo transportados por
veículo do município, precisaram embarcar as vinte e três horas do dia anterior,
junto com alguns outros munícipes portadores de outras patologias e que
provavelmente só chegariam às suas residências ao anoitecer. Apesar do transporte
ter sido disponibilizado pelo município, o que não é usual, o custo com as refeições
necessárias seriam custeadas pelos próprios pacientes. Cabe considerar que esta
população usuária tem restrições alimentares fazendo com que o custo não seja o
único fator limitador de uma refeição adequada às necessidades deste grupo. Como
realizar 3 a 4 refeições fora de casa durante um dia sem uma estrutura mínima
adequada?
Assim, os custos tendem a ser proporcionalmente maiores para quem reside
distante dos serviços de saúde, como também para os grupos de menor renda,
grupo este que freqüentemente é duplamente vitimado, primeiro por ter renda abaixo
do necessário para gerir suas necessidades em saúde e segundo por geralmente
residir em locais com pouca disponibilidade de serviços de saúde e carente de apoio
formal, o que demanda maior dependência de rede social de apoio.
Sob a ótica da eficiência a Constituição aponta para a descentralização do
SUS em uma rede regionalizada e hierarquizada, assim ao se apropriar deste
mecanismo de eficiência, os Hemonúcleos poderiam ser utilizados como ponto de
coleta regionalizado, fazendo com que a distribuição geográfica no uso e no
consumo dos serviços de saúde não venha determinar desigualdades evitáveis.
72
2ª Etapa – Contato com os potenciais receptores (momento pré-
crossmatch)
Após a exclusão dos que estavam com o soro vencido inicia-se a etapa de
contato telefônico com os potenciais receptores classificados. Os números são
informados pelos próprios pacientes ou seus representantes legais na época da
inscrição e devem ser atualizados a qualquer momento em caso de alteração.
Entretanto não é incomum identificar problemas através deste meio de
comunicação, apesar de atualmente ser a forma mais efetiva de contato em curto
espaço de tempo.
Os principais problemas identificados nesta etapa foram à existência de
números desatualizados, ou errados, telefones atendidos por pessoa que
desconhece o potencial receptor, celular que não completa chamada ou que está
fora da área de cobertura, além do número de conhecidos que não se prontificam
em dar recado.
Dentre os que não estavam com o “soro vencido”, foi tentado contato com
318 potenciais receptores, mas destes 62 apresentaram algum dos problemas acima
elencados. O motivo “não contatado” representou 20% dentre os que não estavam
com o “soro vencido” e 7% dentre todos os motivos identificados de exclusão para o
transplante.
Gráfico 2 - Distribuição dos indivíduos quanto à localização por contato telefônico
Esta etapa traz diversas implicações que merecem ser consideradas:
256 (80%)
62 (20%)
Contatados
Não contatados
73
a) Quem faz o contato telefônico
No Estado do Rio de Janeiro historicamente quem faz o contato com o
potencial receptor de transplante renal é a CNCDO. É esta quem tenta contato com
a rede social de apoio como o centro de diálise em situações de insucesso com os
números fornecidos. Situação esta bastante limitada por legalmente não ser
atribuição desta instituição. Apesar da legislação em vigor não proibir esta prática, a
responsabilidade pelo contato com seu paciente é da equipe transplantadora. No
caso dos demais órgãos e tecidos, quem faz este contato é a equipe
transplantadora. Assim como nos demais Estados da federação o potencial receptor
de rim é responsabilidade do Centro transplantador que o inscreve.
Estas situações dificilmente acontecem nos serviços de Campos, pois quando
um Potencial Receptor é selecionado, os médicos responsáveis pelas duas equipes
da região são acionados e informam à CTRJ se este está preparado e se
responsabilizam pela comunicação ao seu paciente das etapas seguintes.
b) Acesso a este meio de comunicação
Este item traz um componente sócio-econômico quando é identificado que os
únicos números de contatos são os do Centro de diálise, pessoas conhecidas ou
associação de moradores. Cabe considerar que esta etapa não acontece
necessariamente em dias úteis ou horário comercial, exigindo que esta população
usuária tenha acesso aos meios de comunicação capazes de contatá-las inclusive
nos finais de semana e madrugada.
c) Tempo destinado a esta etapa
A necessidade de rápida localização explica-se pela importância do curto
tempo de isquemia fria que o órgão a ser implantado deve ter. Quanto maior for o
tempo despendido na localização do paciente, maior poderá ser o tempo de
definição de quem irá receber o(s) órgão(s) doado(s), podendo refletir no tempo de
isquemia fria e conseqüentemente na qualidade do enxerto implantado.
74
d) A informação sobre o processo e a importância desta etapa
A socialização da informação sobre o processo não deve ser desconsiderado.
Sensibilizar esta população usuária sobre a importância desta etapa é tão
importante quanto orientá-la sobre os riscos e benefícios da cirurgia, já que o acesso
ao transplante depende também de conseguir informar que sua vez chegou.
Comunicar que tem um órgão compatível não é o único objetivo do contato
telefônico, é através deste contato que se obtém a informação sobre a atual
condição de saúde do potencial receptor e sobre a atualização de seus exames.
Assim, o contato telefônico tem também o objetivo de identificar 10 (dez) potenciais
receptores em que será realizado o exame de prova cruzada. O critério utilizado ao
telefone é perguntar se o potencial receptor se encontra com os exames em dia e se
atualmente encontra-se com algum problema de saúde que inviabilize o transplante.
As respostas recebidas neste contato geram uma nova etapa de exclusões, já
que nem todos os potenciais receptores “ativos” encontram-se em condições de
transplantar.
3ª Etapa – Contatados (Avaliação pré crossmatch)
Foram contatados duzentos e cinqüenta e sete potenciais receptores, destes,
cento e quinze passaram para a etapa seguinte e cento e quarenta e dois foram
excluídos nesta etapa. Após a exclusão dos “sem contato”, foram identificados os
seguintes motivos de exclusão ao transplante.
75
Gráfico 3 – Distribuição dos indivíduos quanto aos motivos de exclusão na 3ª etapa
Sem exames – Potenciais Receptores que alegam ao telefone não ter
concluído a realização de exames pré-transplante solicitados pela Equipe
Transplantadora, os que nunca realizaram exames ou os que apresentam exames
desatualizados.
Este motivo representou nesta etapa 8,5% (12) dos motivos identificados.
Segundo Castro, é uma temeridade submeter alguém a cirurgia sem avaliação pré-
transplante adequada, sendo recomendado o estudo e preparo pré-transplante feito
pela equipe transplantadora com revalidação ao menos anual. “Não raro, problemas
como tumores, obstruções coronarianas severas, infecções crônicas, graves, são
detectados no momento do estudo pré-transplante.” (2)
A legislação não era clara sobre a responsabilidade institucional na realização
de exames para estudo pré-transplante. Havia um consenso tácito de que o hospital
transplantador deveria absorver a demanda de exames ao inscrever o Potencial
Receptor. Por outro lado, há os profissionais de saúde e gestores hospitalares que
defendiam que qualquer instituição pública ou conveniada ao SUS poderia realizar
estes exames, responsabilizando assim os municípios na absorção desta demanda.
No que se refere a regionalização e hierarquização dos serviços, cabe aos
serviços de média complexidade as ações de saúde que demande a disponibilidade
de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos para o apoio
76
diagnóstico e tratamento. Já a alta complexidade é composta por procedimentos que
envolvem alta tecnologia e alto custo. (18)
Em setembro de 2008 foi publicada Portaria GM/MS nº 2041 que dentre
outras estabelece remuneração na realização de exames para inclusão de pacientes
em lista de transplante. No ano seguinte a Portaria nº 2600/2009 ratifica o
pagamento dos exames necessários para a entrada em Lista de Espera, o que foi
um grande avanço, mas conforme demonstrado neste estudo, as pessoas não
conseguem transplantar antes do vencimento de seus exames sendo necessárias
na maior parte dos casos, diversas renovações e estas ainda não foram cobertas
pela nova Portaria. (5) (48)
No ano de 2008 tinham seis equipes cadastradas que realizavam este estudo
pré-transplante e absorviam mais de 95% da demanda. Destes, nem sempre todos
se encontravam em condições de realizar o transplante (implante), neste caso,
continuavam apenas no acompanhamento pré-operatório aos potenciais receptores.
Três estão localizados no município do Rio (HUPE, HGB, HUCCF), dois no
município de Campos (PRORIM, Hospital Municipal Álvaro Alvim) e um em Niterói
(HUAP).
Estes seis hospitais que antes da mudança do critério de alocação de rim, se
programavam para preparar os primeiros de cada grupo sangüíneo têm
semestralmente que: agendar consulta, realizar exames, remarcar a consulta para
avaliação dos resultados dos exames de cada paciente e não raramente encaminhar
para outros serviços, aqueles que apresentaram alteração nos resultados e, é claro,
acompanhá-los até a solução do problema. O resultado é que nem os Hospitais
transplantadores, nem as Equipes transplantadoras (vinculadas a estes hospitais)
têm conseguido atender a demanda. Como conseqüência, os potenciais receptores
que não conseguem ficar preparados são excluídos da seleção de transplante e a
alternativa que alguns poucos privilegiados encontraram, foi de recorrer à saúde
privada pelo menos para realização dos exames.
É sabido que em todos os níveis da assistência existem diversos problemas a
serem superados e que os problemas aqui apontados passam longe de ser
77
exclusivos do transplante, sendo freqüentemente encontrados e denunciados no dia-
a-dia das ações e serviços de saúde pública e de saúde suplementar.
Entretanto no transplante, mais especificamente no que se refere aos
serviços de financiamento público, tem ficado evidente duas formas de organização
e financiamento.
Ambos os modelos tem propostas baseadas nos princípios do SUS apesar de
apresentarem forma de organização e de financiamento de maneira distinta. Os dois
têm prós e contras, mas um fator iguala os dois modelos, ambos não atendem as
necessidades da população usuária do transplante renal. Um tem fonte de
financiamento, mas não cobre todos os procedimentos e o outro cobre todos os
procedimentos, mas não pode extrapolar os tetos de financiamento, ou seja, há
restrição de uso em qualquer dos modelos, ou melhor, ambos não adequaram sua
forma de financiamento as exigências do atual critério de seleção para transplante
de rim. Como o financiamento não é o único entrave a um atendimento integral a
saúde, outros dilemas merecem ser discutidos.
Sem condições clínicas – Potenciais Receptores que deveriam ser afastados
temporariamente da Lista Única para tratamento de saúde e que não avisaram ao
Centro Transplantador ou que este não oficializou a informação a CNCDO.
Este motivo representou a principal causa de exclusão nesta etapa. Seus 27
relatos corresponderam a 19% dos casos de não-transplante dentre os que
conseguiram ser contatados. São relatadas situações de cirurgias pré-marcadas,
doenças diagnosticadas há poucos dias ou há alguns meses e até relatos de que
haviam sido excluídos em seleção anterior por motivo de saúde que ainda se
perpetuava nas seleções seguintes.
A ausência de condições clínicas para o transplante requer uma análise mais
aprofundada em que se consiga identificar quais os multifatores que permeiam este
motivo. Onde se encontra a dificuldade do usuário em comunicar seu atual estado
de saúde? Está na falta de agenda com sua equipe transplantadora ou na falta de
informação de que este dado é importante para o transplante? A falta de
78
acompanhamento com intervalos menos longos pela equipe transplantadora tem
quais causas? Poucos profissionais disponíveis? Demanda institucional reprimida?
Usuários não comparecem na data marcada? Ausência de vínculo equipe-usuário?
Descrédito no transplante? Desculpa para não transplantar naquele dia?
Estas e tantas outras perguntas merecem ser feitas e investigadas. Cabe
considerar que os números encontrados neste motivo de não transplante não
contemplam as condições clínicas daqueles que estavam com o soro vencido e sem
contato telefônico, ou seja, também poderíamos nos perguntar qual é o estado de
saúde destes ativos com soro vencido que sequer foram contactados? Será que
este motivo perderia sua relevância ou reforçaria a importância de identificar o real
número de potenciais receptores “ativos” na lista única de transplante renal no
Estado do Rio de Janeiro?
Nesta etapa, o princípio da equidade pode ser analisado sob a ótica da
Integralidade, ou seja, pautado pelo conceito da necessidade da população usuária
e do cuidado em saúde.
Apesar da CF/88 remeter a integralidade, um conceito restrito a acesso (a
níveis de complexidade e atenção), ao princípio da Integralidade tem-se atribuído
diferentes sentidos, sendo usualmente referidos ao sistema de saúde, à organização
dos serviços e às práticas profissionais. Para que o transplante seja enxergado
como área de atenção à saúde que também precisa ser tratada sob ótica da
integralidade para alcançar a equidade é necessário desconstruir alguns
paradigmas.
É necessário desconstruir a idéia da atenção básica como lugar privilegiado
de práticas integrais, Cecílio afirma que a integralidade não pode ser realizada em
um único serviço, sendo necessário o acesso a todos os níveis de atenção “seja
porque as várias tecnologias em saúde para melhorar e prolongar a vida estão
distribuídas em uma ampla gama de serviços, seja porque a melhoria das condições
de vida é tarefa para um esforço intersetorial”. (42)
79
Entretanto o que se observa é que o usuário tem que travar uma batalha
individual, fruto de um esforço pessoal, árduo e muitas das vezes desesperado para
ser atendido de forma fragmentada e desarticulada. É preciso então, que o sistema
esteja organizado para responder as demandas através de uma rede integrada.
Esta rede requer profissionais de saúde que compreendam e tratem a saúde
com uma abordagem biopsicosocial que permita ver além das demandas
espontâneas trazidas pelos indivíduos, buscando compreender o conjunto de
necessidades de ações e serviços de saúde que um usuário apresente explícita e
implicitamente. E ainda outras necessidades que não estão diretamente ligadas à
doença presente ou a um tratamento específico, neste caso o transplante, mas que
podem interferir no cuidado da mesma. O transplante é apenas uma das
modalidades terapêuticas da Insuficiência renal crônica e o mau funcionamento
renal não é o único problema vivido pelos portadores desta patologia, na maior parte
dos casos é resultado de uma hipertensão arterial ou diabetes não controlados,
doenças estas que não afetam apenas o rim, mas outros órgãos, trazendo diversas
co-morbidades a médio e longo prazos.
A gestão do sistema de saúde é outro aspecto a ser considerado com a
clássica dicotomia entre as ações de caráter individual/coletivo e curativo/preventivo.
A importante articulação entre estas ações traz resolutividade para o usuário.
Conhecer a necessidade da população que se atende pode fazer toda a diferença
para o adequado planejamento das demandas espontâneas e das reprimidas.
Neste sentido, o foco deve ser a população usuária e não a oferta de uma
terapia a uma patologia. Quando um serviço é organizado para ofertar determinado
tratamento sem ter como objetivo principal atender as necessidades do usuário, este
entra e sai dos serviços e suas necessidades de saúde continuam sendo
negligenciadas, sendo apenas tratada uma pequena parte de um todo que muitas
das vezes é conhecido.
Ao analisar a política nacional da pessoa com insuficiência renal crônica,
observa-se que existe a intenção de responsabilizar o Estado com intervenções
desde a atenção primária, com ações de baixa complexidade até chegar às
80
modalidades de terapias de alta complexidade, entretanto quando o Estado
terceiriza, por exemplo, a diálise, este paga pelo material, o número de
procedimentos, o pacote de exames laboratoriais, mas não “paga” ou referencia os
diversos outros cuidados necessários a saúde integral da pessoa com insuficiência
renal crônica. Quem trata das repercussões cardíacas, do comprometimento ósseo,
do cuidado odontológico? (18)
Boa parte destes cuidados que são negligenciados por não ter fonte de
financiamento ou uma rede integrada conhecida de todos, vai refletir em motivo de
exclusão ao transplante. Algumas das conhecidas co-morbidades características da
IRC, são inclusive fator de exclusão de entrada na Lista de Espera quando estão em
estágio avançado, ou seja, por falta de um cuidado integral, tem usuários que sequer
conseguem dispor de seu poder de escolha ao transplante. (49)
Outro fator interessante de se observar nesta Política é que pouco se define
sobre o transplante enquanto modalidade terapêutica da IRC, talvez por pressupor
que o assunto vá ser discutido na Política Nacional de Transplante, mas esta
também só trata do transplante de rim sob a lógica dos procedimentos e não sob a
lógica da atenção aos usuários e então, fragmentada e desconexa não apenas da
necessidade em saúde deste grupo, como da própria rede prestadora de serviços.
Apesar de problemas odontológicos serem motivo de exclusão na seleção para
transplante, não tem código de procedimento para financiamento e os serviços não
são organizados para referenciar dentista para renal crônico. (18)
Conforme Mattos, (50)
“não é aceitável que os serviços de saúde estejam
organizados exclusivamente para responder às doenças de uma população, embora eles devam responder tais doenças. Os serviços devem estar organizados para realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população ao qual atendem.”
Contra-indicações pela equipe transplantadora – Os motivos categorizados
neste item não se referem especificamente a problemas de saúde do potencial
receptor, mas a condições administrativas da equipe ou do hospital em realizar o
81
transplante, ou relacionados a fatores circunstanciais de uma doação como a
incompatibilidade antropométrica entre doador e receptor ou o tempo de isquemia
prolongada agravada pelo fator geográfico, ou ainda resultado de sorologia positiva
no doador em receptor com o mesmo marcador viral negativo.
Em relação a questões administrativas foram identificadas situações como
não renovação da documentação necessária ao recredenciamento do centro e/ou
equipe transplantador, ausência de material cirúrgico ou disponibilidade de centro
cirúrgico/leito disponíveis para a cirurgia ou pós-operatório.
Em relação aos demais fatores, a equipe contra indicou o transplante por
incompatibilidade entre peso e altura nos casos em que o doador era criança
fazendo necessário que o transplante fosse em bloco (implantar os dois rins num
único receptor). Esta causa de não transplante poderia ser resolvida se o próprio
sistema informatizado – SNT versão 5.0 - contemplasse no ranking um filtro, ou seja,
assim como tem um filtro para o sistema ABO, também deveria ter para este item,
assim este potencial receptor nem deveria ter sido listado. Mas se por um lado
caberia um filtro referente a medidas de peso e altura, por outro lado caberia
analisar em quais situações deve-se optar em beneficiar apenas um receptor ao
invés de dois. No caso de um doador pequeno, quer em idade quer em estatura,
qual seria o justo? Beneficiar o mais pontuado ou dois compatíveis
antropometricamente? Na portaria em vigor a opção tomada foi para a Equipe, no
ato da inscrição, definir não apenas o tamanho do enxerto aceitável para dado
receptor, mas informar qual sorologia poderia ser aceita, salvo nas contra-indicações
absolutas previstas na mesma norma. Com isso o outro motivo de exclusão
identificado que se refere ao resultado de sorologia positiva, também seria evitado,
pois o sistema já excluiria automaticamente os marcadores virais incompatíveis entre
doador e receptor. Restaria ainda o motivo tempo de isquemia fria que ora deflagra o
mau funcionamento do programa, ora evidencia a necessidade de regionalização da
Lista Única quando o que está em questão é a distância causada pelo fator
geográfico.
Não informado – A pesquisa considerou as informações constantes no
prontuário, entretanto algumas das informações referente a comunicação com os
82
potenciais receptores não foram registradas no prontuário, mas no livro de
comunicação da Equipe da CTRJ, já que na listagem gerada pelo ranking não existe
espaço suficiente reservado para as justificativas. Nestes casos não foi possível
identificar os motivos relatados. Os motivos não identificados corresponderam a
51,4% (73) do total nesta etapa.
Outros – Motivos que apareceram com menor incidência como,
transplantado, falecido, ou paciente contatado, mas que ao telefone alegou não
querer transplantar naquele momento. Corresponde aos que deveriam estar
afastados admistrativamente. Apesar de estes motivos terem aparecido com menor
incidência com 13 relatos (9,2%), ao final do ano pesquisado, a CTRJ realizou um
recadastramento dos potenciais receptores ao transplante renal onde foi identificado
que dentre os potenciais receptores com status ativo, cerca de 20% deveriam ter
sido afastados definitivamente, pois já haviam realizado transplante com doador vivo
ou já haviam falecido. A estimativa do dado se deve ao fato de não ter sido possível
confirmar alguns destes, por falta de documentação oficial dos centros de diálise,
equipe transplantadora e/ou central de regulação da TRS. Foi possível identificar
com o recadastramento que a listagem dos ativos estava superdimensionada por
constar óbitos, transplantados, desistências ou pessoas que deveriam estar
afastadas temporariamente enquanto decidem se querem ou não transplantar. Esta
situação fez com que fosse publicada a resolução Sesdec nº 1004/2010 que
considerando a necessidade de atualização permanente do cadastro de pacientes
em Terapia Renal Substitutiva na Central de Transplantes do Estado do Rio de
Janeiro e a necessidade de garantir a integralidade do cuidado ao paciente portador
de Doença Renal Crônica em Terapia Renal Substitutiva, resolve incluir no sistema
eletrônico estadual de terapia renal substitutiva, dados referentes aos pacientes
cadastrados no sistema estadual de transplante sob responsabilidades das
respectivas unidades de diálise. (51)
Este dado revela a necessidade do sistema informatizado do SNT, não
apenas se interligar com outros sistemas de informações oficiais, mas criar
estratégias de atualização contínua sobre o real status dos potenciais receptores do
transplante. Apesar dos recadastramentos de tempo em tempo serem importantes
mecanismos organizadores da lista única, e tanto no recadastramento realizado em
83
2002, quanto o de 2008 terem sido instrumentos reveladores de uma lista de espera
superdimensionada, Marinho alerta que mutirões de transplante e campanhas
esporádicas para aumento de doações não interferem em resultados mais
permanentes, isto faz com que “o SNT se adapte razoavelmente as questões de
curto prazo, mas não esteja dando respostas capazes de, no longo prazo, melhorar
a eficiência do quadro geral de transplante.” (52)
4ª Etapa – Crossmatch (Prova cruzada)
Foram submetidos a 4ª etapa, os dez primeiros potenciais receptores com
status “ativo”, “soro atualizado”, contatados por telefone ou pela equipe
transplantadora e, que neste contato não apresentaram nenhuma das contra-
indicações listadas na 3ª Etapa. Isto quer dizer que cento e quinze potenciais
receptores tiveram seu soro submetido ao exame crossmatch.
Gráfico 4 – Distribuição dos indivíduos quanto ao motivo contra-indicação por resultado de crossmatch
Nesta etapa define-se dentre os 10 (dez) selecionados quem será excluído
por ter resultado positivo no exame de prova cruzada. Dos que tiveram resultado
negativo foram comunicados por telefone sobre a etapa seguinte que consiste em
comparecer ao hospital avaliador com seus exames em data e horário informados.
Os principais motivos que positivam o resultado da prova cruzada, estão
relacionados ao número de gestações, re-transplante e transfusão sanguínea.
84
Independente do resultado do HLA, o resultado positivo no crossmatch é uma
contra-indicação absoluta para transplante.
5ª Etapa – Avaliação pós-crossmatch (Avaliação pela equipe
transplantadora)
Dos cento e quinze potenciais receptores que tiveram resultado negativo na
prova cruzada e foram encaminhados para o hospital avaliador, foram identificados
os seguintes motivos para exclusão no transplante.
Gráfico 5 – Distribuição dos indivíduos por motivo de exclusão após o resultado do crossmatch
A avaliação pós-crossmatch é a última etapa que antecede ao transplante.
Nesta fase foram identificados os motivos: sem exames, sem condições clínicas,
equipe, não comparecimento a seleção e não informado.
No Estado do Rio de Janeiro, a avaliação para o transplante é realizada pelo
hospital de rodízio da semana, ou seja, o potencial receptor pode ou não
transplantar no hospital em que se inscreveu, depende da escala de rodízio dentre
os hospitais que estão realizando este procedimento. De igual forma a equipe que
fará a cirurgia e o acompanhamento pós-transplante poderá ou não ser a equipe que
o inscreveu e que o tem acompanhado antes do transplante. É esta equipe que não
necessariamente conhece o histórico do potencial receptor, quem irá avaliá-lo para o
transplante.
85
Sem exame – Este motivo aparece novamente na fase pós crossmatch, isto
porque no primeiro contato quem diz se os exames estão em dia e se o resultado é
favorável ao transplante é o próprio paciente ou seu responsável. Nesta fase quem
informa o motivo é o profissional da equipe de transplante, obviamente com outra
leitura do que significa estar com os exames em dia. Corresponde a 16% desta fase
com dez relatos.
Visto que a realização de exames é apenas a questão que deve ser
solucionada em curto prazo, acrescem a este outros mais. Estar com exames em
mãos seria um imenso avanço para aqueles cujo resultado não apresente
anomalias, entretanto, ser selecionado e chegar a minutos de poder transplantar e
neste momento descobrir que o exame só serviu para excluí-lo, é no mínimo uma
incoerência. Situação esta inadmitida expressamente na Lei nº 8.080/90 art. 7º, ao
listar os princípios do SUS, em particular o da igualdade de acesso aos serviços de
saúde (26).
Será que é o potencial receptor quem deve ser culpabilizado por não saber
que seus exames estão em dia? Por que será que pacientes com exames
desatualizados encontram-se como ativos na Lista de Espera? Ou ainda, por que os
exames estão desatualizados?
Estas indagações reafirmam a necessidade de rediscutir o cuidado em saúde
que requer a responsabilização pelo usuário, a reorganização do sistema de saúde
voltado para atender as suas necessidades e não sob a lógica dos procedimentos,
mas que mesmo, enquanto modelo de transição, os serviços sejam organizados a
partir de uma programação que não apenas contemple o número de procedimentos,
mas que seja incluída a regionalização destes serviços com fluxos de referências e
contra-referência previamente definidos.
Condições clínicas – Ocupando 25% (15) das causas nesta etapa, a ausência
de condições clínicas descoberta na hora da avaliação pré-transplante representou o
principal motivo de exclusão identificado nesta etapa, após o motivo “não
informado”.
86
Ao somar os motivos “condições clínicas” e “sem exames” tem-se a maioria
dos motivos identificados, isto quer dizer que todos estes deveriam estar com status
semi-ativo e conseqüentemente não terem sido classificados. Revela também que
se estes potenciais receptores tivessem sido devidamente acompanhados por suas
equipes transplantadoras e tivessem conseguido acessar aos serviços de saúde,
provavelmente a grande parte destes se encontraria em condições de transplantar.
Bellato traz que “adentrar” os serviços de saúde, talvez não seja a maior
dificuldade dos usuários, assim a concepção de acesso (funcional) reduzida a
chegar à porta de entrada de um serviço, deve para além desta, ser confrontada
com a concepção de acessibilidade, na qual é implicada não apenas as múltiplas
dificuldades de chegar ao serviço, assim como de obter resolutividade para os seus
problemas de saúde. (53)
Desse modo, a equidade no acesso aos procedimentos em saúde deve ser
operacionalizada sob a ótica da integralidade, (54)
“como oferta organizada de assistência curativa e de recuperação, garantindo-se referência e contra-referência em uma rede articulada entre o setor ambulatorial e hospitalar que inclua unidades/procedimentos nos distintos níveis de complexidade (baixa, média e alta), com fluxos e percursos definidos e ordenada espacialmente com a demanda populacional de cada território.”
Apesar de nos últimos anos ter ocorrido um aumento na prestação de
serviços especializados de apoio e diagnóstico terapêutico, a referência para os
serviços na média e alta complexidade ainda representa um gargalo no sistema de
saúde.
Nesse sentido, a estratégia para garantir a referência e contra-referência é a
de que seja implementada redes de atenção a saúde no SUS (RAS), uma rede
articulada em todos os níveis de atenção, destinada a garantir a continuidade dos
serviços prestados conforme as necessidades demandadas pelos usuários. (29)
(55)
Conforme Silva e Magalhães Jr, as RAS representam:
87
“uma malha que interconecta e integra os estabelecimentos e serviços de saúde de determinado território, organizando-os sistemicamente para que os diferentes níveis e densidades tecnológicas de atenção estejam articulados e adequados para o atendimento ao usuário e para a promoção da saúde.”
Contra-indicação pela equipe transplantadora – Assim como no motivo de
exclusão pré-crossmacth, os itens que apareceram foram: tempo de isquemia
prolongado com três relatos e incompatibilidade antropométrica com quatro relatos,
este representando 57% da justificativa apresentada pela equipe transplantadora
para não realizar o transplante no receptor classificado.
Isto quer dizer que tiveram alguns potenciais receptores que viveram horas
de angústias e expectativas, passaram por diversas etapas, se deslocaram de
municípios distantes, mobilizaram rede social de apoio, ficaram horas em jejum para
no exame clínico que antecede a cirurgia o profissional responsável informar que
seu peso e altura eram incompatíveis com o do doador. Informação esta existente
desde antes da listagem ser gerada, mas que não foi considerada durante todo o
processo de seleção.
O tempo de isquemia prolongado pode ser um marcador de que os diversos
serviços multisetoriais, necessários para a realização do transplante não estão
desenvolvendo suas atividades em tempo suficiente para serem efetivos, ou que
aspectos geográficos e de disponibilidade de equipes transplantadoras sejam
questões a serem discutidas. Estes são exemplos que reforçam a definição de Sen
quanto a privação de capacidades estar relacionada ao potencial que os usuários
tem de alcançar a real necessidade de cada um a cada momento.
Este item corresponde a 6% das exclusões e se destaca pela necessidade de
aperfeiçoamento do sistema de saúde e da organização dos serviços. A expectativa
é de que o novo sistema informatizado do transplante que está para ser implantado
em todo o Brasil, adequado às normas da nova portaria, venha minimizar estas
insuficiências do atual sistema, tanto no que se refere a pontuação no critério de
alocação para transplante quanto o da organização da rede.
88
Não informado – A pesquisa considerou as informações constantes no
prontuário, assim, nos casos em que as justificativas não foram encontradas no
prontuário, foram categorizadas como “não informado”. Foram registradas 26
ocorrências correspondendo a 43% desta etapa.
Outros – Nesta etapa este motivo correspondeu ao não comparecimento a
seleção com 3 relatos (5%). Ou seja, o potencial receptor passou por todas as
etapas foi convocado a comparecer no hospital para avaliação da equipe
transplantadora prévia a cirurgia, mas não compareceu em horário e local agendado.
Não foram identificadas maiores informações para o motivo de não comparecimento,
não há registro de que tenha sido por desistência do potencial doador, por não
possuir meio de transporte efetivo para comparecimento em horário e local
informado ou qualquer outro motivo que justifique esta ausência nos prontuários
analisados.
Ao reordenar os dados por “motivos” ao invés de por “etapas”, apareceram
em ordem decrescente os seguintes percentuais:
Soro Vencido (70,6%); Não Informado (11%); Contato telefônico (6,9%); Sem
condições clínicas (4,7%); Contra-indicação pela equipe transplantadora (2,7%);
Sem exame (2,4%) e Outros (1,8%).
Gráfico 6 – Motivos de não transplante dentre os classificados do ano de 2008
89
Estes dados evidenciam a importância de resolver a questão da atualização
da soroteca dos potenciais receptores a transplante de rim com doador falecido no
Estado do Rio de Janeiro, quer responsabilizando os centros de diálise no envio
periódico do soro ao laboratório de imunogenética, conforme a RDC nº 154/04, quer
regionalizando os postos de coleta pelos hemocentros, ou repensando outras
alternativas, desde que o foco seja facilitar o acesso ao usuário. Os motivos “sem
condições clínicas” e “sem exames” também remetem a falta de acesso no uso e
consumo dos serviços de saúde. Estes três motivos juntos representam 75% dos
motivos de falta de acesso ao transplante e podem ser categorizados como
desigualdades sanitárias enquanto aspecto das dimensões da equidade em
transplante.
Os motivos “Equipe” e “Outros” apesar da baixa significância estatística
remetem ao mecanismo de seleção dos potenciais receptores, ou seja, como o
sistema informatizado pode ou não, facilitar a escolha pelo potencial receptor a ser
transplantado. A ocorrência de pessoas com status “ativo” inscritas em Lista de
espera que já faleceram, transplantaram, não desejam transplantar, assim como
classificados com incompatibilidade antropométrica ou sorológica com o doador,
reforçam a necessidade de filtros que permitam otimizar a busca pelo melhor
receptor. Neste sentido, faz diferença tanto o sistema de pontuação, quanto a
atualização do status do cadastro técnico único.
Estas ocorrências nos remetem ao aspecto da dimensão da equidade em
transplante referente ao critério de seleção para o transplante.
6ª Etapa – Transplante
Esta etapa refere-se aos que finalmente conseguiram transplantar. No ano de
2008 as cinqüenta e cinco doações foram revertidas em cento e dois transplantes,
entretanto esta pesquisa só analisou os dados dos doadores e receptores oriundos
do estado do Rio de Janeiro, assim ao excluir os oriundos de outros estados da
federação, os dados corresponderam a noventa e seis receptores.
90
Os seguintes dados foram identificados: Idade, gênero, Centro
Transplantador (onde foi o transplante), Centro de acompanhamento de pré-
transplante (onde o potencial receptor se inscreveu para transplante), município do
centro de diálise, município de residência, PRA, re-transplante, data de início de
diálise, data de inscrição para transplante, data do transplante, posição no ranking e
doença de base para a insuficiência renal crônica.
Gênero e Faixa Etária
Tabela 3 – Distribuição dos transplantados por gênero e faixa etária
Variáveis N %
Masc- Fem Total
0 a 17 2-0 2,0%
18 a 29 3-6 7,8%
30 a 39 7-9 14,7%
40 a 49 12-14 26,9%
50 A 59 15-10 24,0%
60 a 69 8-5 12,7%
70 a 79 5-0 4,9%
Total 52-44 100%
Os receptores beneficiados no ano de 2008 eram em sua maioria do gênero
masculino (55,8%). Quanto a idade foi possível confirmar o quanto a pontuação
vigente à época dificultava o acesso das crianças e adolescentes ao transplante,
apenas 2% dos rins implantados contemplaram esse grupo. Cabe ressaltar que após
críticas dos diversos atores sociais pelo país e registradas inclusive nas atas das
reuniões de Câmara técnica estadual, apenas a partir de 2009 com a vigência da
nova Portaria esta situação foi revista e a norma atual passa então a privilegiar esta
faixa etária. (1) Assim, para efeito de pontuação no que se refere à idade, “serão
atribuídos às crianças e adolescentes: 4 (quatro) pontos para potenciais receptores
com idade inferior a 18 (dezoito) anos.” (5)
Conforme esclarecido anteriormente, o sistema informatizado de São Paulo já
pontuava crianças e adolescentes, antes da publicação da portaria 2600/09 o que
fez com que houvesse elevada taxa de transplantes nesta faixa etária em relação
91
aos demais estados da federação. Conforme Pereira, “o alto percentual de
transplantes em crianças, com relação à lista de espera, é explicado pelos critérios
de distribuição vigentes, que priorizam o transplante em crianças quando o doador
tem até 18 anos”. (20)
Apesar de o principal grupo beneficiário estar concentrado na faixa dos 30
aos 59 anos (64%) é possível observar um número relativamente alto de idosos
transplantando (18%), o que há poucos anos atrás era considerado critério de
exclusão. Esse dado reflete a mudança da pirâmide etária brasileira, com o aumento
da expectativa de vida, mas reflete também a melhoria na qualidade de vida e do
tratamento dialítico da pessoa com IRC.
Gráfico 7 – Distribuição dos transplantados por faixa etária e gênero no ano de 2008
Como pode ser observado no gráfico acima, ao analisar o componente de
gênero á faixa etária foi possível perceber que a partir dos 50 anos de idade, o
masculino tende a ser o principal gênero beneficiado.
Centro Transplantador
Quanto ao Centro Transplantador o Hospital Geral de Bonsucesso não foi
apenas o Centro que mais transplantou (51 transplantes) no Estado como também
concentrava o maior número de pacientes acompanhados em pré-transplante, além
de ter sido o responsável por ter preparado 60% dos transplantados do ano de 2008.
92
Apesar de haver outros centros transplantadores públicos e privados cadastrados
pelo SNT, apenas 4 (quatro) realizaram transplante com doador falecido no referido
ano, destes apenas o Hospital Estadual Álvaro Alvim é situado fora do município do
Rio de Janeiro e todos que realizaram este procedimento o fizeram com
financiamento do SUS. No referido ano, apesar de não ter realizado procedimentos
de transplante, os Centros transplantadores HUAP, HSE e HCN foram responsáveis
pelo preparo de cinco (5), quatro (4) e um (1) pacientes transplantados
respectivamente.
Com exceção do HEAA (Campos) todas as equipes realizaram transplante
em paciente dos quais não havia realizado acompanhamento prévio, respaldando-se
na avaliação dos exames de estudo pré-transplante.
Como houve algumas divergências de informações em relação aos números
de procedimentos realizados pelas equipes credenciadas ao SNT, a pesquisa não
considerou os dados publicados pela ABTO, restringindo os dados aos números
fornecidos pela CTRJ/SNT. Segundo Marinho, no ano de 2006 haviam 22 centros
transplantadores credenciados ao SNT o que fez com que o estado do Rio de
Janeiro ocupasse a 3ª posição em número absoluto de centros transplantadores e a
4ª posição na relação per capita, mas ao analisar o número de transplantes per
capita o Estado do Rio de Janeiro desce para a 10ª posição apesar de ser o 5º
estado em número absoluto de transplante tendo realizado 220 procedimentos
naquele ano estudado. “Em um aparente paradoxo com esse desempenho, o Estado
do Rio de Janeiro é razoavelmente bem aquinhoado em termos de disponibilidades
de equipes de transplante per capita.”, mas ao se referir à atividade transplantadora,
o Estado estaria “em situação inferior ao potencial sanitário, humano e econômico
que tem a disposição.” (17)
Já em 2008 houve uma considerável redução no número de centros
transplantadores credenciados ao SNT, ou pelo menos o que se pode observar é
que poucos centros transplantadores efetivamente realizaram este procedimento no
Estado, provavelmente se esta pesquisa fosse sobre os dados de 2006 iria constatar
que no referido ano os números do Estado estavam superestimados por não
considerar os centros que realmente realizaram transplante e sim a quantidade de
93
centros credenciados o que deflagra a necessidade de aprofundar o conhecimento
sobre o número de equipes e centros credenciados para transplante no Estado, o
número dos que realmente estão ativos e outro fator tão importante quanto os
outros, quantos destes fazem o procedimento pelo SUS ou pela iniciativa privada,
considerando o número de potenciais receptores vinculados a cada fonte pagadora.
Conforme os dados da CTRJ/SNT 100% dos transplantes realizados no ano
de 2008 tiveram como fonte pagadora o SUS e 98% dos potenciais receptores
inscritos para transplante de rim estavam vinculados a centros transplantadores
públicos. Houve ainda 1 (um) transplantado que originalmente estava inscrito por
centro transplantador privado, mas foi submetido à cirurgia em um público. Assim,
além de avaliar a disponibilidade de equipes e centros de transplante per capita no
Estado, cabe relacionar este dado a natureza de gestão das referidas entidades com
sua capacidade de responder as reais necessidades da população usuária dos
transplantes.
Gráfico 8 – Distribuição dos Centros Transplantadores quanto a origem de inscrição dos transplantados e local de realização do transplante no ano de 2008
Outro dado analisado por Marinho no que se refere à disponibilidade de
equipes transplantadoras per capita é que esta parece ser muito importante para
94
determinar a quantidade de transplantes per capita nos estados, mas quando
relacionadas ao IDH e aos gastos em saúde per capita esta relação perde
importância não revelando nenhuma associação estatisticamente significativa. (17)
Assim a disponibilidade pela presença física dos serviços de saúde pode não
garantir a acessibilidade ao usuário, mas facilita o acesso equitativo as ações de
saúde. Mesmo que o número de equipes transplantadoras (efetivamente ativas) não
altere a equidade em saúde, é um indicador positivo quando se analisa a equidade
no uso e consumo dos serviços de saúde do transplante. (35)
Travassos afirma que a passagem das condições de desigualdades
existentes hoje no sistema de saúde brasileiro para uma situação mais igualitária
depende, não apenas de maior disponibilidade de recursos financeiros para o setor
saúde, mas de: a) melhor uso dos já existentes; b) implementação de uma política
redistributiva na alocação de recursos entre esferas de governo e organização da
rede local de serviços de saúde voltada para garantir a universalidade no acesso,
por meio de melhor distribuição espacial desses serviços e adequação da oferta às
necessidades dos diferentes grupos populacionais (35) (43).
Município de residência e município de diálise
O dado abaixo registra o local onde os transplantados residiam e onde faziam
diálise.
Tabela 4 – Distribuição dos transplantados segundo municípios de residência e de diálise
Região /Município: Rio de Janeiro
Região /Município Residência
n(%)
Centro de Diálise
n (%)
Rio de Janeiro
Baixada Fluminense
Metropolitana II
Norte/Noroeste
Baixada Litorânea
52 (54,2)
17 (17,7)
8 (8,3)
7 (7,3)
5 (5,2)
55 (57,3)
13 (13,5)
9 (9,4)
7 (7,3)
4 (4,2)
95
Médio Paraíba
Baía da Ilha Grande
Serrana
Centro-Sul
2 (2,1)
2 (2,1)
2 (2,1)
1 (1,0)
2 (2,1)
2 (2,1)
3 (3,1)
1 (1,0)
Total 96 (100) 96 (100)
Com estes dados foi possível identificar que existe uma boa compensação
entre as regiões do estado no que se refere ao local de residência e de diálise, mas
não é o que se observa em relação ao município de inscrição para transplante ou
transplante realizado. A concentração de Centros transplantadores (CTx) no
município do Rio faz com que todo o Estado se inscreva nestes centros e mesmo
nas regiões fora da capital em que existe centro transplantador não é evidente a
permanência dos transplantados próximo ao local de residência, exceto os
transplantados residentes no mesmo município do Centro transplantador. Ou seja,
nesta amostra, identificou-se pelo menos três situações: que apesar de haver um
fluxo formal definido para a TRS nos municípios entre as regiões do Estado, o
transplante não segue a mesma lógica; que para os transplantados de 2008 a opção
tomada foi inscrever-se no município do Rio quando não havia CTx em seu
município e que a existência de CTx no município de residência foi um fator para
fixar o transplantado neste Centro.
Doença Base
Tabela 5 – Distribuição dos transplantados por doença base
Variável N %
Doença Base
Hipertensão Arterial Sistêmica (HÁS) 35 36,5
Diabetes Mellitus (DM) 10 10,4
DM+HAS 4 4,2
Glomerulonefrite Crônica (GNC) 8 8,3
Pielonefrite Crônica 5 5,2
Lupus 2 2,1
96
Nefropatia de refluxo 1 1,0
Glomerulo Esclerose Segmentar e Focal (GESF) 3 3,1
Rins Policísticos 7 7,3
Insuficiência Renal Crônica 3 3,1
ICM 1 1,0
Não Informado 6 6,3
Indeterminado
TOTAL
11
96
11,5
100
No Estado do Rio de Janeiro a doença de base mais prevalente foi a
hipertensão arterial sistêmica seguida da diabetes, as duas foram responsáveis por
50,1% dos dados registrados. Apesar de estar de acordo com os dados da literatura
médica internacional e ser compatível com a prevalência destas doenças na
população de pessoas com insuficiência renal crônica, não é o que tem se
observado nos dados nacionais do transplante. Segundo David Saitovitch, (56)
os dados (nacionais) demográficos e clínicos não surpreenderam, estando, em sua maioria, de acordo com dados da literatura médica internacional. Chama a atenção que a doença de base mais prevalente foi a glomerulonefrite crônica (36%), ficando aquelas atualmente consideradas líderes na etiologia da doença renal, diabetes e hipertensão arterial sistêmica, com índices bem inferiores (5% e 16%, respectivamente). Uma análise contemporânea destes dados deverá esclarecer tal questão.
Cabe considerar que 20,9% das doenças identificadas foram registradas
como insuficiência renal crônica e indeterminado, ou simplesmente não informado, o
que requer uma revisão desta informação no prontuário dos demais potenciais
receptores objetivando a exatidão do dado.
Intervalo de Tempo para inscrição no transplante
Este dado se refere ao intervalo de tempo entre a data de início da diálise e a
data de inscrição ao transplante. Mais de 70% dos transplantados se inscreveram
97
com período inferior a três anos, destes 40% se inscreveram com menos de um ano
em diálise.
Ao correlacionar este dado com a origem do município de residência, foi
possível constatar que no município do Rio de Janeiro se concentra 50% dos
transplantados que levaram menos de um ano para se inscrever para transplante,
mas também concentrou 60% dos transplantados que levam mais de oito anos para
se inscrever. Este dado demonstra que a localização geográfica é um facilitador do
acesso aos usuários no uso e consumo dos serviços de saúde, mas a proximidade
pela presença física não garante a equidade, já que no município em que se
concentra a maior parte dos centros transplantadores e o maior número de
pacientes em diálise, também é o município em que a maior parte dos
transplantados levou mais tempo para se inscrever na lista de espera.
Tabela 6 – Distribuição dos transplantados por intervalo de tempo para inscrição no transplante
Variável N %
Tempo
< 1 ano 33 34,4
1 ano 29 30,2
2 anos 16 16,7
3 anos 3 3,1
4 anos 2 2,1
6 anos 3 3,1
7 anos 1 1,0
8 anos 5 5,2
9 anos 2 2,1
10 anos 2 2,1
PRA e Re-transplante
Dentre os noventa e seis transplantados, apenas seis receptores tinham PRA
acima de 50%, destes três com 100% de reatividade. Neste grupo, 50% faziam
98
diálise há 10 anos em média e os outros 50% há 7,5 anos em média. No que se
refere ao tempo de espera em Lista a média foi de 4, 5 anos. Já no que se refere ao
grupo que tinha PRA igual a zero, a média de tempo em diálise foi de 6 anos e de
espera em lista de 4 anos.
Em relação ao re-transplante nenhum dos receptores de 2008 haviam sido
transplantados anteriormente, mas em busca realizada no ano de 2010 ao
prontuário eletrônico dos transplantados de 2008 foi registrada a re-inscrição de dois
receptores que haviam perdido o órgão em menos de um ano. Este dado não
permite inferir sobre a sobrevida do receptor e do enxerto, mas aponta para a
necessidade do sistema informatizado do SNT colocar em vigor o quanto antes a
nova portaria que responsabiliza as equipes transplantadoras no acompanhamento
pós-transplante a emitir: (6)
III - relatório da produção e acompanhamento dos resultados de transplantes com doadores vivos e falecidos realizados durante os períodos de vigência da autorização, apresentando o resultado de sobrevida de pacientes e enxertos aos 15 dias, 3º, 6º, 12º, 36º e 60º meses, nos casos em que se aplique;
Apesar destes dados desassociados do cadastro técnico único (CTU) limitar a
análise, foi possível com esta amostra identificar que potenciais receptores com PRA
alto leva mais tempo para conseguir transplantar, ou seja, quanto menor o PRA,
menor o tempo de espera em lista para transplante de rim com doador falecido.
Posição no ranking
Tabela 7 – Distribuição dos transplantados quanto a posição na
listagem de classificação do transplante renal no ano de 2008
Variáveis N %
Posição
1ª e 2ª 2 2,1
3ª a 9ª 33 34,4
10ª a 19º 32 33,3
20 a 29º 11 11,5
30º a 39ª 12 12,5
40ª a 49ª 4 4,2
>50ª 2 2,1
TOTAL 96 100
99
Outro dado analisado foi o da posição ocupada no ranking pelo receptor
selecionado. Foi possível constatar que na maioria das vezes, o mais compatível, ou
o maior pontuado não é quem transplanta no Estado do Rio de Janeiro. Apenas 2%
dos transplantados encontram-se na primeira e/ou segunda posição da listagem dos
mais pontuados. Também é minoria o grupo seguinte, ou seja, mesmos que todos
os oito primeiros potenciais receptores selecionados para o crossmatch tivessem
resultado positivo, que não foi o caso, ainda assim o objetivo do critério de seleção
por melhor compatibilidade HLA que é o de transplantar o mais pontuado ao invés
do inscrito há mais tempo, não foi alcançado.
O que se observou foi que na média os transplantados ocupavam a 18ª
posição e na mediana a 15ª posição. Foi identificado na análise dos dados que em
uma doação ocorrida no interior do Estado, por questões geográficas as posições
ocupadas pelos receptores foram a 33ª e 153ª posições.
Tempo de Espera em Lista
Os dois receptores de transplante de rim que levaram mais tempo para
transplantar aguardaram por 17 e 11 anos respectivamente. Dos que levaram menos
tempo aguardaram por 2 e 4 meses. O tempo médio de espera em lista no ano
pesquisado foi de 4 anos e a mediana de 3 anos.
Segundo Marinho (17) o tempo de espera do transplante de rim em 2004,
2005 e 2006 teria o limite inferior de 5,19 ; 5,84 ; e 7,50 anos respectivamente e
limite superior igual ao dobro do limite inferior o que justificaria em parte, o tempo de
espera do receptor que aguardou por mais tempo para transplantar, entretanto o
recorte temporal da pesquisa de Marinho, não considerou os anos que sucederam a
mudança do critério de seleção o que dificulta o aprofundamento da análise. Se
considerarmos o aumento do número de pessoas que ingressam na lista de espera
por transplante de rim ao longo dos anos em todo Brasil, inclusive no Rio de Janeiro,
a tendência seria que o tempo médio de espera estivesse aumentando e não
diminuindo conforme foi observado nos dados apresentados referente ao ano de
2008. Contudo o que se constatou neste ano é que em relação ao tempo de espera
de quem conseguiu transplantar, houve uma diminuição.
100
Cabe considerar que estes dados não se referem ao tempo de espera em
lista dos que ainda aguardam pelo transplante, informação esta que não foi possível
identificar com os dados disponibilizados referente ao ano de 2008, mas permite
concluir que com a mudança do critério de seleção de transplante de rim para o de
melhor compatibilidade HLA ao invés do de antiguidade, favoreceu a que pessoas
com menos tempo de inscrição acessasse o transplante. Este dado deve ser
analisado em conjunto com o tempo de espera daqueles que ainda não
transplantaram para então concluir se este tempo está aumentando ou diminuindo.
O cálculo do tempo de espera em lista é fundamental para identificar a
equidade deste modelo de seleção, entretanto os dados a serem considerados
fazem desta análise uma tarefa árdua diante de tantas variáveis. Para estimar o
tempo de espera em lista é necessário considerar não apenas o tempo que se leva
para conseguir transplantar, mas quem consegue transplantar. Como o critério de
seleção considera a identidade genética, pelo HLA, pontua o PRA, a idade, dentre
outros, é importante saber qual grupo étnico, com qual percentual de PRA, com qual
idade, e com quais equipes os inscritos tem conseguido transplantar. Talvez a
importância de se identificar quais variáveis afetam o acesso ao transplante e
conseqüentemente o tempo de espera em lista perca seu valor, num contexto de
aumento no número de doações efetivas, entretanto num contexto de escassez de
órgãos, o conhecimento destes dados é imprescindível para compreender se o
acesso ao transplante está acontecendo de forma equitativa. Será que este modelo
se auto-regula ou favorece a desigualdade?
A demora no tempo de espera em lista exerce impacto sobre o bem-estar da
pessoa com insuficiência renal crônica, a sobrevida do enxerto e do receptor e a
extensão das co-morbidades no potencial receptor; como conseqüência aumenta a
necessidade de re-transplante, eleva a mortalidade pós-transplante, diminui a
sobrevida do enxerto, além do custo e do sofrimento dos pacientes que estão na
lista e seus familiares. Mas pior do que a demora é a imprevisibilidade do tempo, já
que as incertezas “impedem o planejamento das vidas dos pacientes e seus
familiares, da atuação do sistema de saúde e do funcionamento do sistema
produtivo onde eles por ventura trabalhem.” (17)
101
Apesar da lista de espera ser única e da atribuição das atividades respeitar
uma divisão geopolítica através das CNCDOs, conforme Marinho, a observação das
diferentes probabilidades de realizar transplante, nas diferentes centrais estaduais,
nos diferentes estabelecimentos e equipes médicas autorizados deveria ir além,
caberia (52)
“investigar, pelo menos as diferentes taxas de mortalidade nas filas, a duração dos enxertos, a qualidade e a sobrevida dos pacientes, considerando-se os necessários controles pela gravidade e outras características (como idade, tipo sanguíneo etc) dos casos, e pelas condições sócio-econômica e de acesso aos bens e serviços de saúde de cada pessoa.
Observa-se então que existe uma multiplicidade de indicadores dos
resultados de cada CNCDO, centros e equipes transplantadores como também dos
recursos disponíveis. O referido autor apresenta um modelo resumido dos
indicadores relevantes que deveriam ser contemplados.
Em relação aos recursos (“inputs”) devem ser considerados na análise os
recursos humanos, materiais e financeiros utilizados. Em relação aos resultados
(“outputs”) caberia avaliar o tempo de espera em lista; as taxas de mortalidade em
lista de espera e durante a cirurgia; a sobrevida do órgão e do receptor; a razão
entre os órgãos e tecidos doados e os implantados; a razão entre os quantitativos de
doadores vivos e falecidos; a taxa de notificação de morte encefálica; e “medidas de
equidade horizontal: incluindo a acessiblidade dos serviços para pacientes com
iguais necessidades.” (52)
A partir da análise das etapas de exclusão, do perfil demográfico e clínico dos
transplantados e dos conceitos de equidade foi possível identificar que no acesso ao
transplante de rim com doador falecido algumas questões devem ser consideradas.
Estas questões foram agrupadas por eixos e classificadas como dimensões da
equidade em transplante.
Tabela 8 – Dimensões da Equidade em transplante
Critério de seleção para o
transplante
o Aspectos legais: pontuação diferenciada nos Estados,
publicidade na pontuação dos critérios de alocação
o Aspectos étnicos: Prejuízo para pequenos grupos étnicos;
102
o Aspectos técnicos: Sobrevida do enxerto quando
analisados em relação ao tempo de isquemia fria e ao nº
de lócus e alelos idênticos;
o Aspectos sociais: Custo Social alto;
Desigualdade sanitária
o Acesso aos exames clinico-laboratoriais;
o Distribuição geográfica de recursos/ Porte populacional
dos municípios;
o Distribuição geográfica das Equipes transplantadoras;
o Necessidades em saúde
Demanda e Disponibilidade
o Aumento da prevalência de IRC;
o Aumento da demanda por re-transplante;
o Baixo número de doadores por milhão de população;
o Relação entre o número de pessoas com IRC em TRS e
o número de inscritos para transplante.
Financiamento
o FAEC x Teto de finaciamento
o Relação entre o nº de procedimentos e o tempo em Lista
de Espera
Política de atenção ao
usuário
o Legislação do transplante;
o Política de atenção a pessoa com IRC
Segundo Pereira o sistema utilizado pelo SET-SP,
(...) apesar de pouco tempo de acompanhamento, mostra uma correlação entre pontuação e sobrevida do enxerto. Já a sobrevida em 4 anos, associada à melhor compatibilidade HLA avaliada por número de MM, confirma dados da literatura (ref.: UNOS/Eurotransplant), onde se evidencia a importância deste sistema na evolução do transplante renal.
Entretanto o referido autor aponta que “apesar dos dados apresentados neste
período, faz-se necessário aperfeiçoar a seleção de receptores, mediante
compatibilidade HLA.” Diz ainda que alguns pontos devem ser discutidos como os
referidos “aos receptores sensibilizados, aos receptores que apresentem
homozigose, aos priorizados, às crianças e aos idosos.” (20)
Assim, a análise conjunta destes dados deixa claro que o sistema de
pontuação utilizado até hoje pela maior parte dos entes federativos requer
consideráveis adequações e que mesmo o novo Sistema baseado no modelo do
SET-SP, adequado a Portaria 2600/09, deve ser avaliado respeitando as
especificidades regionais.
103
A realidade nacional não se difere muito do Rio, segundo relatório do Tribunal
de Contas da União (TCU). (15)
Constatou-se, portanto, que a distribuição heterogênea das equipes transplantadoras pelo território brasileiro, as dificuldades para fazer os exames pré-transplante pelo SUS e a suspensão de alguns serviços públicos de transplante geram dificuldades de acesso a esses tratamentos, principalmente para a população de baixa renda, residente distante dos centros transplantadores e que não possui recursos para arcar com gastos de deslocamento e de procedimentos particulares. Observa-se que os pacientes que realizam os exames para o transplante, conseguem inscrever-se mais rapidamente nas listas de espera e, por isso, são beneficiados, (...)
Conforme citação acima, o TCU aponta que no território brasileiro existe má
distribuição das equipes transplantadoras, dificuldades em realizar os exames pré-
transplante pelo SUS, Centros transplantadores com dificuldades administrativas,
dificuldade de acesso pela população por estes centros estarem suspensos, a
dificuldade de acesso sobre cai na população de baixa renda, fator este agravado
por residirem distante dos centros transplantadores e por não possuir recursos para
arcar com os gastos tanto de deslocamento quanto de procedimentos particulares.
Observou ainda que aqueles que conseguem realizar os exames conseguem
inscrever-se mais rapidamente, sendo então beneficiados.
Como garantir que o maior programa público de transplante do mundo, ou
parte dele, não se transformará, em médio prazo, em instrumento de desigualdade
social?
Com esse trabalho foi possível ratificar que a população do Estado do Rio de
Janeiro também tem vivido esta realidade denunciada pelo TCU, mas que o próprio
SUS com seus princípios e diretrizes aponta caminhos para organizar a rede de
atenção aos serviços de transplante.
Cabe agora a apropriação dos mecanismos de enfrentamento dos problemas
previstos pela Constituição Federal e norma infraconstitucional, estando em vigor a
NOAS/2001 que aponta a regionalização como categoria estratégica de “(...) forma a
garantir o acesso aos cidadãos a todas as ações e serviços de saúde necessários
para a resolução de seus problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis.”
(57)
104
O Governo do Estado do Rio de Janeiro catalogou no Plano diretor de
regionalização, os recursos disponíveis e agrupou a assistência em microrregiões
com formação de redes intermunicipais, para diferentes níveis de complexidade (58).
Sabe-se então, por exemplo, que em média 40% das pessoas com insuficiência
renal crônica estão inscritas para transplante e que estas, periodicamente, deverão
realizar determinados exames de média e alta complexidade. Segundo os números
deste documento, sabe-se, por exemplo, que a Região Metropolitana II do Estado
absorve em torno de 15% da demanda por hemodiálise (sem considerar a demanda
reprimida). Estes dados, somados ao da CTRJ, poderiam ser norteadores da
inclusão do Programa de Transplante Renal na rede de referência de média e alta
complexidade do Plano Estadual de Saúde. Plano este que está sendo rediscutido
em função da adequação ao Pacto pela Saúde/2006 (59) e da elaboração do atual
Plano Estadual de Saúde.
Giovanella et. al. aponta que as centrais de marcação de consultas e exames
especializados pode garantir a articulação entre os níveis de assistência - básica,
média e alta complexidade. Nesses casos, uma das tendências tem sido a
construção de Consórcios Intermunicipais, já prevista na legislação do SUS. Esses
consórcios fazem parte de uma “estratégia de cooperação entre municípios cujo
objetivo principal é garantir atendimento à população dos municípios de pequeno e
médio porte que não possuem em seu território todos os níveis de complexidade do
sistema de saúde”.
Caberia então aos gestores da saúde dos diferentes níveis do Sistema,
aprofundar a discussão sobre o tema, utilizando “as instâncias de representação,
monitoramento e pactuação política e administrativa” que envolve as três esferas do
governo e criadas pela NOB/SUS 01/96: a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e
a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), onde se poderia pactuar a contrapartida de
cada município e/ou região (60). Além destas ainda foram criados o Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (Conass).
Na perspectiva da descentralização e da regionalização, em cada
microrregião poderia haver serviços de realização de exames e um serviço
105
especializado (ambulatorial), que se tornasse referência, com profissional qualificado
na especialidade (nefrologista com conhecimentos essenciais sobre transplante).
Este médico, integrante de uma equipe multidisciplinar, referenciaria à rede os casos
necessários (ex. tratamento de Hepatite C, problema cardíaco, entre outros), ou
emitiria parecer ao Centro Transplantador de origem do potencial receptor, relatando
os fatos pertinentes. Assim, tanto os Potenciais Receptores teriam mais chances de
se manterem aptos, como desafogaria a porta de entrada do Programa.
Outras alternativas seriam equipar hospitais públicos, dispostos a realizar
transplantes, de profissionais qualificados e recursos materiais necessários e
credenciá-los para a realização do procedimento. Esta não deixa de ser uma
excelente opção, rumo à acessibilidade geográfica, mas muito mais custosa para o
Estado. Ainda teria a possibilidade de convenio com a rede privada para atender
principalmente as regiões carentes de serviços de transplante público.
É claro que nenhuma sugestão simplista ou unilateral daria conta de resolver
as questões antigas e novas do atual modelo, faz-se então necessária a participação
dos diversos atores sociais envolvidos com o tema para que as dificuldades surgidas
no decorrer das proposições, que certamente irão surgir, possam ser consideradas
pelos diversos saberes até se chegar a um possível consenso.
Enquanto para uns a equidade no acesso fica comprometida por ter um PRA
alto, outros por não conseguir realizar exames, neste grupo, mas do que ter
rendimentos econômicos para, por exemplo, financiar seus exames pré-operatórios,
sua capacidade (necessidade em saúde) fica comprometida por não ter como
interferir no tempo de isquemia dos órgãos doados. Para este grupo a ineficiente
organização de alguns serviços não pode ser compensada por rendimentos
econômicos. Assim, ao elaborar políticas e reorganizar serviços equitativos devem-
se considerar os grupos economicamente mais vulneráveis, mas considerar também
que não apenas a situação econômica interfere nas iniqüidades, como as
oportunidades de escolhas que o indivíduo tem (ou não) de influenciar seu estado de
saúde ou a situação em que vive, ou seja, suas necessidades. Para Amartya Sen,
os conceitos de pobreza e de grupos vulneráveis, não podem ter em vista apenas os
rendimentos econômicos, mas considerar pobreza como privação de capacidades,
106
ou seja, considerar a real possibilidade que o indivíduo tem de converter
rendimentos e recursos em capacidades/oportunidades de escolha. (27)
CONCLUSÃO
Contatou-se que em relação ao princípio de justiça distributiva o critério de
seleção por melhor compatibilidade HLA tem a intenção de ser equitativo criando no
do sistema de pontuação, mecanismo de compensação a grupos em desvantagem.
Tenta-se então, mitigar os efeitos da loteria da vida através da discriminação
positiva.
No que se refere à equidade no uso e consumo dos serviços do transplante,
foi identificado padrão desigual tanto na dimensão geográfica (equidade horizontal)
quanto na social (equidade vertical).
Na dimensão geográfica, os dados demonstraram que a distribuição das
equipes e centros transplantadores estão concentrados em um único município,
assim como apenas um único serviço realiza coleta e análise para o exame de
histocompatibilidade. Esta concentração geográfica em relação a prestação de
serviços também foi observada em relação a origem de residência daqueles que
conseguiram transplantar.
Na dimensão social constatou-se que os potenciais receptores encontram
dificuldades em realizar exames (principalmente os da soroteca) e de manterem-se
em condições clínicas para serem submetidos ao transplante.
O atual critério de seleção para transplante de rim apresenta inúmeros limites
à implementação de forma equitativa, principalmente no que tange a organização da
rede e no consumo de serviços de saúde.
A política nacional de transplante apresenta ainda uma rede desarticulada
que não é capaz de garantir o acesso as ações e serviços de saúde, não
107
contemplando assim todas as necessidades de saúde da população usuária dos
serviços de transplante no Estado do Rio de Janeiro e, por conseguinte, acesso
equitativo à saúde.
108
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, procurou-se verificar a possibilidade de haver acesso
equitativo para o transplante de rim no âmbito do estado do Rio de Janeiro. Isso
representou um desafio significativo, sendo necessária a formulação de um
arcabouço teórico que sustentasse as proposições acerca do tema.
Contatou-se que em relação ao princípio de justiça distributiva o critério de
seleção por melhor compatibilidade HLA tem a intenção de ser equitativo criando no
do sistema de pontuação, mecanismo de compensação a grupos em desvantagem,
tentando mitigar os efeitos da loteria da vida através da discriminação positiva.
Neste aspecto o que se deve considerar é se a pontuação dada a estes grupos tem
conseguido fazê-los transplantar.
No que se refere à equidade no uso e consumo dos serviços de transplante,
foi identificado padrão desigual tanto na dimensão geográfica (equidade horizontal)
quanto na social (equidade vertical).
Na dimensão geográfica, os dados demonstraram que a distribuição das
equipes e centros transplantadores estão concentrados em um único município,
assim como apenas um único serviço realiza coleta e análise para o exame de
histocompatibilidade. Esta concentração geográfica em relação a prestação de
serviços também foi observada em relação a origem daqueles que conseguiram
transplantar.
Na dimensão social constatou-se que os potenciais receptores encontram
dificuldades em realizar exames (principalmente os da soroteca) e de manterem-se
em condições clínicas para serem submetidos ao transplante.
O atual critério de seleção para transplante de rim apresenta inúmeros limites
à implementação de forma equitativa, principalmente no que tange a organização da
rede e no consumo de serviços de saúde.
A política nacional de transplante apresenta ainda uma rede desarticulada
que não é capaz de garantir o acesso as ações e serviços de saúde, não
109
contemplando assim todas as necessidades de saúde da população usuária dos
serviços de transplante no Estado do Rio de Janeiro e, por conseguinte, acesso
equitativo à saúde.
Embora não tenha sido possível realizar a caracterização demográfica e
clínica do cadastro técnico único por centrar-se nos transplantados e pelo recorte
temporal, não permitir analisar a tendência evolutiva dos dados, essa estratégia de
pesquisa possibilitou uma aproximação com a caracterização da população usuária
dos que conseguem e dos que não conseguem acessar os serviços de transplante.
Também nos permitiu olhar os reflexos da Política Nacional do Transplante. Ou seja,
foi possível identificar suas possibilidades e limites, ao mesmo tempo em que
notamos que as diferenças regionais interferem nos resultados.
Em nossas análises, também depreendemos que com métodos quantitativos,
restringimos o conhecimento dos aspectos subjetivos responsáveis por preencher
lacunas do estudo, não consegue, por exemplo, captar os aspectos mais subjetivos
da relação médico-paciente, da trajetória assistencial e sobre a rede social de apoio,
sendo necessárias outras abordagens, que trabalhem, por exemplo, o itinerário
terapêutico percorrido pelo usuário enquanto aguarda o transplante. (61) (62) (63)
Nesse sentido, cabe aqui traçarmos certas ponderações a respeito do Estado
estudado. Apesar de o Estado fornecer serviços de referência para transplante
almejando a integralidade nas suas ações, ao disponibilizar serviço de alta
complexidade do sistema, tornou-se a partir de 2006, inviável a manutenção desta
estrutura diante das condições existentes. Se antes o principal entrave era a
regionalização destes serviços, agora se somam a este, a prestação de serviços
insuficientes. Esta insuficiência irá se manifestar tanto como fator de exclusão, como
de privilegiamento de determinada pessoa ou grupo.
Contudo, a criação de protocolos de atendimento e de fluxos formais dentro
da rede; a criação de uma central de marcação de consultas e exames; a criação de
consórcios intermunicipais como estratégia de cooperação entre municípios; dentre
110
outras estratégias, podem ser primordiais para que o acesso ao transplante para
toda a população se torne mais equitativo.
Em síntese, contatou-se que o acesso equitativo ao transplante renal como
sinônimo de acesso a todos, garantido em todos os níveis de atenção e em todas as
necessidades de saúde da população usuária do transplante tem encontrado
diversos limites a serem transpostos.
111
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