probióticos full.pdf

Upload: fcfc0210

Post on 06-Jan-2016

81 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • Food International Life Sciences Institute

    I LS I EUROPE CONCISE MONOGRAPH SERIES

    PROBITICOS, PREBITICOS E A MICROBIOTA INTESTINAL

  • SOBRE O ILSI / ILSI EUROPEFundado em 1978, o International Life Sciences Institute (ILSI) uma organizao global sem fins lucrativos destinada a melhorar o bem-estar do pblico em geral por meio do avano da cincia. Seu objetivo aprimorar o conhecimento de questes cientficas relativas nutrio, segurana alimentar, toxicologia, avaliao de risco e ao meio-ambiente. O ILSI reconhecido globalmente pela qualidade das pesquisas que apoia, pelas conferncias e workshops internacionais que patrocina, pelos projetos educacionais que inicia e pelas publicaes que produz. A sede do ILSI localiza-se em Washington, DC. O instituto afiliado Organizao Mundial de Sade (OMS) como uma organizao no-governamental, com status consultivo diferenciado na Organizao para Alimentao e Agricultura (FAO) das Naes Unidas.A diviso europeia, ILSI Europe, foi criada em 1986. O ILSI Europe promove a cooperao entre os melhores cientistas para a obteno de consensos cientficos, com base em evidncias, a respeito das reas acima mencionadas. Facilitando essa cooperao, o ILSI Europe auxilia cientistas de diversos setores da sociedade pblicos e privados a melhor explorar questes complexas relativas cincia e a sade, compartilhando conhecimentos e perspectivas exclusivas.O ILSI Europe promove o entendimento e a resoluo de questes cientficas por meio de grupos de especialistas, workshops, simpsios e publicaes subsequentes. O objetivo primordial do ILSI Europe aprimorar a sade pblica.Todas as atividades do ILSI Europe so conduzidas sob a superviso do Comit Cientfico Consultivo. Com sua composio balanceada, o Comit Cientfico Consultivo tem papel importante na avaliao de todas as atividades quanto respectiva validade cientfica e coerncia com a programao do ILSI Europe. O Comit Cientfico Consultivo tambm responsvel por orientar o Conselho de Diretores. A poltica do ILSI estabelece que os Conselhos de Diretores do ILSI e das divises do ILSI sejam, no mnimo, 50% compostos por cientistas do setor pblico; os diretores restantes so representantes das empresas-membro do ILSI.Esta publicao foi realizada com o apoio dos Grupos de Trabalho de Prebiticos e Probiticos do ILSI Europe. Os membros desses grupos de trabalho provenientes da indstria, bem como a composio do Conselho de Diretores e do Comit Cientfico Consultivo, esto descritos no website do ILSI Europe: www.ilsi.eu.As opinies ora expressas e as concluses desta publicao so as opinies do autor, e no representam necessariamente as vises do ILSI Europe ou de suas empresas-membro.

    Non-industry members

    Prof. A. Boobis, Imperial College London (UK)Prof. G. Eisenbrand, University of Kaiserslautern (DE)Prof. C.L. Galli, University of Milan (IT)Prof. A. Grynberg, INRA University Paris 13 (FR)Prof. R. Hurrell, Federal Institute of Technology ETH (CH)Prof. D. Marko, Institute of Food Chemistry and Toxicology University of Vienna (AT) Prof. G. Rechkemmer, Max Rubner-Institut Federal Research Institute of Nutrition and Food (DE)Prof. A. Somogyi, Hungarian Ministry of Agriculture and Rural Development (HU)Prof. V. Tutelyan, National Nutrition Institute (RU)Prof. G. Varela-Moreiras, University San Pablo-CEU of Madrid (ES)

    Industry members

    Dr. M. Knowles, The Coca-Cola Company (BE)Dr. G. Kozianowski, Sdzucker/BENEO Group (DE)Prof. G. Meijer, Unilever (NL)Dr. M. Michalik, PepsiCo International (PL)Prof. J. OBrien, Nestl (CH)Prof. C. Shortt, McNeil Nutritionals (UK)Dr. J. Stowell, DuPont Nutrition & Health (UK)Dr. G. Thompson, Danone (FR)Dr. P. Weber, DSM (CH)

    ILSI Europe Board of Directors

    CargillCosucra Groupe WarcoingDanisco Sweeteners OyDanoneFrieslandCampinaKraft EuropeMead Johnson NutritionNestl Research Center

    NexiraPfizer Consumer HealthcarePuratosRoquette FrresSensusSdzucker/BENEO GroupTate & Lyle Ingredients FranceTereos-Syral

    ILSI Europe Prebiotics Task Force industry members

    Arla FoodsCargillDanoneDicofarmDuPont Nutrition and HealthFrieslandCampinaMead Johnson Nutrition

    Merck Mdication Familiale s.a.s.Nestl Research CenterPfizer Consumer HealthcareProcter & GambleYakult Europe B.V.

    ILSI Europe Probiotics Task Force industry members

  • PROBITICOS, PREBITICOSE A MICROBIOTA INTESTINAL

    porNino Binns

  • 2013 ILSI Europe

    Esta publicao pode ser reproduzida para fins no-comerciais, em sua forma presente e integral, sem a necessidade de autorizao do ILSI Europe. A reproduo parcial e o uso comercial ficam proibidos sem a permisso prvia por escrito do ILSI Europe.

    A Global Partnership for a Safer, Healthier World. , a imagem com crculos concntricos do logotipo do International Life Sciences Institute (ILSI), a logomarca International Life Sciences Institute, bem como a sigla ILSI, so marcas registradas do International Life Sciences Institute, e licenciadas para uso pelo ILSI Europe. O uso dos nomes comerciais e fontes comerciais neste documento serve exclusivamente para identificao e no implica nenhum endosso pelo ILSI Europe.

    Para mais informaes sobre o ILSI Europe, entre em contato

    ILSI Europe a.i.s.b.l.Avenue E. Mounier 83, Box 6B-1200 BruxelasBlgicaTel: (+32) 2 771 00 14Fax: (+32) 2 762 00 44E-mail: [email protected]: www.ilsi.eu

    Impresso no Brasil

    ISBN:

    ILSI BRASILINTERNACIONAL LIFE SCIENCES INSTITUTE DO BRASILRua Hungria, 664 conj. 11301455-904 So Paulo SP BrasilTel./Fax: 55 (11) 3035 5585e-mail: [email protected] 2014 ILSI Brasil International Life Sciences Institute do Brasil

  • PREFCIO 1INTRODUO 2IMPORTNCIA DA MICROBIOTA DO TRATO GASTROINTESTINAL NA SADE E NA DOENA 4 Microbiota do trato gastrointestinal 4 Fermentao e metabolismo bacteriano 6 A barreira epitelial gastrointestinal e o sistema imunolgico 8 Tcnicas de explorao da microbiota gastrointestinal 10O CONCEITO DE PROBITICOS 12 Definio e histrico 12 Seleo de probiticos candidatos 13 Caracterizao e taxonomia 14 Segurana 14 Aplicao de probiticos nos alimentos 14O CONCEITO DE PREBITICOS 15 Definio e histrico 15 Caracterizao dos ingredientes prebiticos 15 Critrios para seleo de prebiticos 16 Aplicao de prebiticos nos alimentos 17EFEITOS DOS PREBITICOS E PROBITICOS NA SADE 17 Desafios de pesquisa 17 Impacto dos prebiticos e probiticos no trato gastrointestinal 18 Impacto especfico dos prebiticos no trato gastrointestinal 20 Impacto especfico dos probiticos no trato gastrointestinal 22 Impacto nas respostas imunolgicas 22PROBITICOS E PREBITICOS: MECANISMOS DE AO 26 Mecanismo geral 26 Trato gastrointestinal e sua microbiota 27 Interao com o hospedeiro 28ABREVIAES 29CONCLUSES GERAIS 30GLOSSRIO 31MATERIAL DE REFERNCIA E LEITURAS RECOMENDADAS 32

    NDICE

    Autor: Nino Binns, NB Consulting (Reino Unido)Editores Cientficos: Glenn. R. Gibson, Universidade de Reading (Reino Unido);

    Mary Ellen Sanders, Associao Cientfica Internacional de Probiticos e Prebiticos (Estados Unidos)Revisores Cientficos: Nathalie Delzenne, Universidade Catlica de Louvain (Blgica)

    e Lorenzo Morelli, Universidade Catlica de Piacenza, (Itlia)Editor da Srie Monografias Concisas: John Howlett (Reino Unido)

    Coordenadores: Agns Mheust, Massimo Ambrosio e Alessandro Chiodini, ILSI Europe (Blgica)Traduzido por: J. I. Nelson Gonzalez

    Revisor cientfico da verso em portugus: Prof. Dra. Maric N. Oliveira, Universidade de So Paulo

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 1

    Desde a introduo do conceito de alimentos funcionais no Japo nos anos 1980, observa-se um interesse crescente nos prebiticos e probiticos, nas combinaes sinrgicas desses elementos, conhecidas como simbiticos, e na importncia desses conceitos para a nutrio humana. Atualmente, os prebiticos e probiticos so frequentemente encontrados em uma variedade de produtos para bebs, crianas e adultos. Qual o interesse dos consumidores nesses ingredientes? Por definio, tanto os prebiticos quanto os probiticos conferem possveis benefcios sade. A populao geral est cada vez mais interessada na manuteno da sade e nos cuidados pessoais, e isso pode ser uma explicao para o interesse dos consumidores.

    Prebiticos e probiticos exercem seus efeitos, pelo menos at certo ponto, por meio da modulao da microbiota intestinal (conhecida anteriormente como microflora). Recentemente, foram publicados resultados de iniciativas de pesquisa multidisciplinar para elucidar a composio e a funo da microbiota intestinal, bem como o papel dos prebiticos e probiticos. Sendo assim, este um momento apropriado e oportuno para se apresentar um resumo desses achados, no contexto de prebiticos e probiticos.

    Devido ausncia de informaes objetivas e facilmente compreensveis para cientistas no-especialistas interessados no assunto, os Grupos de Trabalho de Prebiticos e Probiticos do ILSI Europe decidiram iniciar a redao de uma monografia concisa, com contribuies de especialistas da rea.

    O objetivo da monografia discutir em termos compreensveis os abundantes conhecimentos cientficos atuais sobre prebiticos, probiticos e a microbiota intestinal, inclusive os efeitos resultantes sobre o hospedeiro. A monografia no aborda em detalhes os aspectos regulatrios relativos ao assunto. O desafio para as cincias nutricionais no combater doenas usando frmacos, mas

    sim oferecer manuteno e suporte sade, reduzindo o risco de aparecimento de doenas. Em vez de testar desfechos clnicos relacionados remisso de doenas, nos estudos de interveno nutricional, so os marcadores de sade e doena que devem ser acompanhados e validados. Para influenciar os biomarcadores de risco de doenas, muitas vezes precisamos de conhecimentos aprofundados a respeito dos mecanismos subjacentes envolvidos. assim que as futuras pesquisas na rea de prebiticos e probiticos contribuiro para aumentar o conhecimento e as evidncias atualmente existentes. Com a complexidade desses elementos e dos sistemas com os quais eles interagem (a microbiota intestinal, o sistema imunolgico etc.), compreender os mecanismos envolvidos um desafio em termos de cincia.

    No entanto, a compreenso da cincia por trs dos mecanismos dos prebiticos e probiticos aumentou substancialmente na ltima dcada, e as iniciativas nessa rea so cada vez mais numerosas, o que nos deixa confiantes de que mais conhecimento cientfico ser gerado. At o momento, j foram documentadas evidncias de muitos possveis benefcios dos diferentes probiticos e prebiticos na sade, sendo que os efeitos so frequentemente especficos de um determinado produto ou estirpe. O surgimento de novas ferramentas fisiolgicas e analticas, inseridas no contexto da pesquisa multidisciplinar, permitir melhor entendimento dos mecanismos envolvidos. Esse entendimento far parte de nossa compreenso geral dos efeitos dos prebiticos, probiticos e simbiticos na sade.

    Temos certeza de que esta monografia concisa, baseada em slidas evidncias cientficas, ajudar a informar um pblico bastante abrangente a respeito da nutrio com prebiticos, probiticos e simbiticos.

    Bernd Stahl, Pesquisa Danone, AlemanhaArthur Ouwehand, DuPont Nutrio e Sade, Finlndia

    PREFCIO

  • 2 Monografias Concisas ILSI Europe

    INTRODUO

    Os micrbios, ou micro-organismos, incluem bactrias, fungos, leveduras e algas. Podem ser encontrados em qualquer lugar do planeta, inclusive ambientes hostis, como os vulces, o leito do oceano e os desertos. So incrivelmente diversificados e adaptaram-se ao longo de milhes de anos para ocupar seus prprios nichos particulares. Em relao aos humanos, os micro-organismos so bem conhecidos por causarem doenas, mas tambm desenvolveram, durante milnios, o poder de trazer benefcios para a humanidade. Os micro-organismos so utilizados na produo de alimentos fermentados, incluindo laticnios, pes, vegetais e, logicamente, vinhos e cervejas, entre outros. Graas a seu potencial de ao extremamente seletiva, tambm so indispensveis para o desenvolvimento e a produo de frmacos, como os antibiticos, e para a produo de ingredientes alimentares, como as vitaminas e o cido ctrico. Os micro-organismos tambm esto envolvidos na produo de muitas outras substncias qumicas e enzimas, e so usados no processamento do lixo.

    A maioria das 1014 bactrias do intestino encontrada no intestino grosso (clon) e, nos ltimos 30 anos ou mais, o interesse na populao microbiana intestinal a microbiota e em seu ambiente tem se intensificado. Muitas pesquisas demonstraram que os residentes habituais do intestino (micro-organismos comensais) esto longe de ser apenas habitantes passivos do trato gastrointestinal (GI), mas interagem com seu hospedeiro de forma bastante intricada. Eles so capazes de modular os efeitos de bactrias potencialmente nocivas, causar impacto no trato gastrointestinal, na digesto, no metabolismo e no sistema imunolgico do hospedeiro, e at influenciar funes muito alm do intestino.

    O conceito de que as bactrias contidas nos alimentos podem beneficiar a sade surgiu no comeo do sculo

    20 e frequentemente atribudo ao cientista russo Ilya Metchnikoff, ganhador do Prmio Nobel. Ele criou a hiptese de que o consumo de grandes quantidades de leites fermentados contendo bactrias do tipo Lactobacillus (leite azedo) poderia proporcionar maior longevidade e qualidade de vida, j que essas bactrias chegavam ao clon e limitavam as atividades de micro-organismos indesejveis. Metchnikoff, portanto, considerou o trato intestinal como um rgo que poderia ser manipulado para melhorar a sade, colocando-se bactrias exgenas no intestino. Foi assim que produtos como iogurtes e leites fermentados ganharam popularidade aps a Primeira Guerra Mundial, mas foi somente nos anos 1980 que a venda desses itens contendo probiticos comeou a crescer rapidamente primeiramente no Japo e, depois, na Europa, durante os anos 90.

    Bactrias probiticas podem ser definidas como micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, proporcionam benefcios sade do hospedeiro (FAO/OMS 2001). Elas podem interagir com bactrias comensais e tambm podem ter impacto direto sobre o hospedeiro. A compreenso dessas interaes um dos principais desafios de futuras pesquisas. Outros desafios importantes incluem compreender os mecanismos de ao dessas bactrias, explicar de forma mais especfica quais estirpes de probiticos podem oferecer quais benefcios sade, e definir os nveis de consumo necessrios para atingir esses efeitos.

    O conceito de prebiticos surgiu mais recentemente. Os japoneses foram os primeiros a reconhecer o valor dos oligossacardeos no-digerveis, inicialmente em raes animais, j que a adio desses ingredientes alimentao de leites ajudava a aliviar e prevenir fezes lquidas (diarreia). Os pesquisadores japoneses reconheceram tambm o valor dos oligossacardeos no leite humano e demonstraram posteriormente que o consumo de fruto-oligossacardeos

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 3

    (FOS) e galacto-oligossacardeos (GOS) levava a um aumento nas bifidobactrias intestinais e estimulava o crescimento desses micro-organismos no intestino humano. No entanto, somente em 1995 foi introduzido o conceito cientfico de modulao da microbiota intestinal humana por prebiticos. Desde ento, uma mirade de informaes de pesquisas tem se acumulado. Prebiticos podem ser definidos como ingredientes seletivamente fermentados, que resultam em alteraes especficas na composio e/ou atividade da microbiota gastrointestinal, proporcionando benefcios para a sade do hospedeiro (Gibson et al., 2011).

    Atualmente, mais de 60% dos alimentos funcionais destinam-se melhora da sade digestiva, sendo provavelmente os prebiticos e probiticos os mais comuns em todo o mundo. Os probiticos e prebiticos exercem seus efeitos no hospedeiro pelo intestino, utilizando mecanismos de ao distintos, bem como complementares.

    Esta monografia concisa descreve os conceitos de probiticos e prebiticos para utilizao na dieta humana e explora as bases cientficas dos potenciais benefcios para a sade humana. Em termos gerais, as pesquisas at o momento indicam que esses ingredientes alimentares oferecem possveis benefcios e no geram nenhum risco sade. Na verdade, uma variedade de prebiticos e probiticos naturais, principalmente dos gneros Lactobacillus, Bifidobacterium e Saccharomyces, j consumida h muito tempo em todo o mundo, seja como parte de dietas tradicionais, ou na forma de alimentos funcionais modernos.

  • 4 Monografias Concisas ILSI Europe

    IMPORTNCIA DA MICROBIOTA DO TRATO GASTROINTESTINAL NA SADE E NA DOENA

    Microbiota do trato gastrointestinalAs bactrias coabitam normalmente com humanos e encontram-se associadas a vrios tecidos, incluindo a pele, o trato vaginal, o trato respiratrio e o trato gastrointestinal. Os micro-organismos ocorrem em todo o trato gastrointestinal (Figura 1), sendo que a maioria reside no clon.

    As mais comuns dentre as vrias bactrias que habitam a cavidade oral so os estreptococos. As bactrias no colonizam o estmago em grandes quantidades, devido ao baixo pH e ao trnsito rpido desse rgo; ainda assim, no estmago de um adulto saudvel, pode haver 103 bactrias para cada mililitro (mL) de contedo gstrico, sendo os principais habitantes os lactobacilos, enterococos, helicobactrias e bacilos.

    O duodeno tambm tende a ser cido e apresenta trnsito rpido; alm disso, recebe secrees pancreticas e bile, que criam um ambiente hostil para os micro-organismos.

    Ali, predominam os lactobacilos e estreptococos, com nmeros totais em torno de 102104 por mililitro. No jejuno e, particularmente, no leo, h aumento gradual no nmero e na diversidade das bactrias presentes.

    Finalmente, o clon contm a maior parte dos micro-organismos gastrointestinais, com at 1011 organismos por mililitro. Antes do nascimento, no h micro-organismos presentes no trato gastrointestinal, mas a colonizao ocorre rapidamente durante ou aps o parto. A microbiota exata a ser desenvolvida depende de fatores como o tipo de parto e o ambiente em que este ocorre, a microbiota da me e a forma de alimentao. As bifidobactrias dominam a microbiota fecal de bebs saudveis alimentados com leite materno; j os bebs saudveis alimentados com frmula apresentam variedade maior de organismos presentes, incluindo bifidobactrias, bacteroidetes, clostrdios, enterobactrias e estreptococos. No desmame, ocorrem alteraes no nmero e na diversidade da microbiota intestinal, que gradualmente passa a se parecer com a dos adultos.

    Quando a microbiota adulta se estabelece, mais ou menos aos 2-3 anos de idade, ela relativamente estvel em um mesmo indivduo, mas ainda pode ser influenciada pela dieta, doenas, uso de medicamentos (principalmente antibiticos) e envelhecimento.

    FIGURA 1.

    Trato gastrointestinal humano. UFC, unidades formadoras de colnias (adaptado de Sanders, 2007).

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 5

    Os micro-organismos intestinais podem ser comensais (micro-organismos colonizadores nativos de uma pessoa) ou temporrios (micro-organismos de passagem). Alm disso, esses micro-organismos podem ser benficos, potencialmente nocivos ou patognicos. Os micro-organismos considerados benficos geralmente fermentam carboidratos, no produzem toxinas e podem proporcionar uma srie de potenciais benefcios para o hospedeiro, como a interao com o sistema imunolgico e a inibio competitiva de patgenos. Esses micro-organismos incluem os gneros Bifidobacterium, Eubacterium e Lactobacillus.

    O intestino delgado o principal alvo de muitas infeces exgenas, como as causadas por rotavrus, Salmonella typhimurium e alguns tipos de Escherichia coli, geralmente contrados a partir de gua ou alimentos contaminados. No entanto, todos os indivduos carregam micro-organismos com potencial patognico oportunista. Entre os mais importantes, encontra-se o Clostridium difficile, que pode se tornar proeminente e causar diarreia e inflamao graves, caso as condies no intestino sejam alteradas por doena ou medicamentos. O C. difficile frequentemente torna-se um patgeno transmissvel pela contaminao de alimentos ou superfcies, especialmente em hospitais e casas de repouso. Outros micro-organismos colnicos indesejveis, como as bactrias peptolticas e as redutoras de sulfato, no causam doenas agudas, mas podem estar associados produo de toxinas, pr-carcingenos, carcingenos e gases txicos (como sulfeto de hidrognio). Isso pode resultar no aumento da susceptibilidade do hospedeiro a patgenos temporrios, diarreia associada a antibiticos e, possivelmente, doena inflamatria do intestino e sndrome do intestino irritvel.

    Os probiticos so temporrios, embora alguns deles possam pertencer a espcies que tambm so organismos comensais usuais. Alguns probiticos, embora no todos, tambm so capazes de se replicar e persistir no intestino, pelo menos temporariamente, mas desaparecem alguns dias aps a interrupo de sua ingesto.

    Embora as pesquisas recentes tenham fornecido grande quantidade de informaes sobre a composio geral da microbiota intestinal, h pouca certeza em relao composio microbiana normal (eubiose) do intestino. Isso se deve, em partes, dificuldade de se estudar o que acontece dentro do trato gastrointestinal de um indivduo saudvel. Portanto, no h definio do que seria uma microbiota normal ou saudvel, embora isso seja um dos objetivos primordiais das pesquisas atuais. Os indivduos podem apresentar uma microbiota razoavelmente estvel, mas a variao interindividual existente considervel.

    Desvios na composio ou funo da microbiota usual, conhecidos como disbiose, foram observados em alguns estados patolgicos (Tabela 1), mas no se sabe se a alterao da microbiota que causa, total ou parcialmente, o estado patolgico, ou se a alterao nos micro-organismos uma consequncia da prpria doena. Alteraes na microbiota podem certamente ser causadas por uma infeco gastrointestinal ou pelo uso de antibiticos orais para o tratamento de doenas, mas essas alteraes normalmente se corrigem rapidamente sem interveno, e a microbiota do indivduo em questo acaba voltando ao normal. Entretanto, o uso recorrente de antibiticos pode resultar em uma microbiota permanentemente alterada. Um dos objetivos das pesquisas determinar se os prebiticos e probiticos podem acelerar ou melhorar a correo da microbiota aps a ocorrncia de uma agresso.

    TABELA 1.Estados patolgicos que j foram associados a alteraes na microbiota gastrointestinal (adaptado de Sanders, 2011)

    Atopia (alergia) e asmaDoena celacaCncer de clonDiabetes tipo I

  • 6 Monografias Concisas ILSI Europe

    Diabetes tipo IIInfeco por HIVDoena inflamatria do intestino (DII)Sndrome do intestino irritvel (SII)Infeces gastrointestinaisDiarreia associada a antibiticos (DAA)Enterocolite necrosanteObesidadeArtrite reumatoide

    Pesquisas atuais tambm sugerem que uma microbiota normal no simplesmente uma coleo de micro-organismos, mas reflete uma inter-relao entre

    diferentes grupos que, possivelmente, trabalham juntos para beneficiar o hospedeiro. Alm disso, acredita-se atualmente que a existncia de uma grande diversidade de organismos no trato gastrointestinal seria benfica ao hospedeiro.

    Fermentao e metabolismo bacterianoComo organismos vivos, todos os micro-organismos necessitam de uma fonte de energia para poder crescer e se reproduzir. Muitos micro-organismos fermentam carboidratos (fermentao sacaroltica), uma atividade aproveitada pelos humanos para a produo de diversos

    TABELA 2.

    Bactrias, modos de ao nos substratos e produtos de fermentao (adaptado de Salminem, 1998)

    Bactrias Modo de ao nos substratos Produtos de fermentao

    Bacteroides Sacarolticas, peptolticas, fermentadoras de aminocidos Ac, Pr, Su, Am

    Eubactrias Sacarolticas, algumas espcies fermentadoras de aminocidos Ac, Bu, La, Am, Sul

    Bifidobactrias Sacarolticas Ac, La, f, EtOH

    Ruminococos Sacarolticas Ac

    Peptoestreptococos Sacarolticas, algumas espcies fermentadoras de aminocidos Ac, La, Am

    Peptococos Fermentadoras de aminocidos Ac, Bu, La, Am

    Clostrdios Sacarolticas, algumas espcies fermentadoras de aminocidosAc, Pr, Bu, La, EtOH, Am, Sul

    Lactobacilos Sacarolticas La

    Propionibactrias Sacarolticas, fermentadoras de lactato Ac, Pr, Am

    Actinomicetos Sacarolticas Ac, Pr

    Estreptococos Fermentadoras de carboidratos e aminocidos La, Ac, Am, Sul

    Metanobrevibactrias Quimiolitotrficas CH4

    Escherichia Fermentadoras de carboidratos e aminocidos cidos mistos, Am

    Desulfovibrio Vrios Ac, Sul

    Fusobactrias Fermentadoras de aminocidos, assimiladoras de carboidratos Bu, Ac, La, Am, Sul

    aa: aminocidos; Ac: acetato; Am: aminas; Bu: butirato; EtOH: etanol; f: formato; La: lactato; Pr: propionato; S: succinato; Sul: sulfetos

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 7

    produtos alimentcios. Por exemplo, na produo de vinhos, as leveduras fermentam os acares contidos no suco de uva para produzir lcool. Na produo de iogurtes, bactrias como os lactobacilos e os estreptococos fermentam o acar do leite (lactose), transformando-o em cido lctico, responsvel pelo sabor azedo caracterstico desses produtos. Na produo do chucrute, as bactrias naturalmente presentes no repolho fermentam os acares, transformando-os em cido lctico na ausncia de oxignio e na presena de 2-3% de sal.

    Semelhantemente, os micro-organismos na primeira parte do clon suprem suas necessidades de energia por meio da fermentao de resduos alimentares e endgenos que escapam da digesto e da absoro

    no trato gastrointestinal superior (Tabela 2 e Figura 2). Muitos micro-organismos metabolizam carboidratos e fibras alimentares1, incluindo polissacardeos (como pectinas, hemiceluloses, gomas, inulina e amidos resistentes), oligossacardeos (como rafinose, estaquiose, FOS, GOS e dextrinas resistentes), acares (lactulose, lactose no absorvida e frutose no absorvida) e poliis (como manitol, lactitol, maltitol e isomalte). As principais espcies da microbiota colnica que fermentam carboidratos pertencem aos gneros Bacteroides, Bifidobacterium, Ruminococcus, Eubacterium e Lactobacillus. Essa ao microbiana resulta na produo de cidos graxos de cadeia curta (AGCC), dos cidos actico, propinico e butrico, e do cido lctico (que convertido predominantemente em cido actico e

    1. Observe que a definio oficial de fibra alimentar varia em diferentes partes do mundo. O termo fibra alimentar usado aqui de forma genri-ca, referindo-se aos componentes alimentares listados.

    FIGURA 2.

    Diagrama mostrando a atividade metablica primria no clon

    Source: Prof. R. Rastall, University of Reading, UK

  • 8 Monografias Concisas ILSI Europe

    cido propinico pelos micro-organismos intestinais). A natureza dos produtos de fermentao depende, em partes, do substrato fermentado e do tipo de bactria (Tabela 2), bem como de outros fatores individuais do hospedeiro. Os AGCC so absorvidos, melhorando a captao de gua e sais, e usados como fonte de energia pelo hospedeiro. O cido butrico tambm a principal fonte de energia das clulas epiteliais que revestem o clon e pode influenciar no crescimento e na diferenciao celular.

    Os gases hidrognio, metano e dixido de carbono tambm so produzidos e podem contribuir para o equilbrio da microbiota. Alm disso, esses gases podem causar flatulncia e distenso, que podem levar a desconforto intestinal caso a ingesta de substratos fermentveis aumente subitamente.

    As bactrias tambm metabolizam outros componentes encontrados no ambiente em que se localizam (Figura 2). Alm de alimentos consumidos pelo hospedeiro, que no tenham sido totalmente digeridos, os substratos para o crescimento bacteriano incluem clulas bacterianas degradadas, mucinas e enzimas provenientes do hospedeiro e clulas intestinais descamadas. As espcies peptococos e clostrdios metabolizam protenas como fonte de nitrognio para seu crescimento e produzem cidos graxos de cadeias ramificadas, como o isobutirato e o isovalerato, bem como uma variedade de compostos nitrogenosos e sulfurosos, alguns dos quais podem ser nocivos. Por exemplo, a amnia, as aminas e os compostos fenlicos podem, em determinadas circunstncias, levar formao de carcingenos, principalmente no clon descendente esquerdo, onde podem prevalecer condies de putrefao. Fitoqumicos, como as isoflavonas e os polifenis, tambm podem ser metabolizados, produzindo componentes menores, como o equol, e pequenas molculas fenlicas, que so absorvidas mais rapidamente. O impacto dessa atividade microbiana na sade humana ainda est sendo investigado.

    medida que aumentam em nmero, as bactrias contribuem para a formao do bolo fecal no reto. Uma boa formao de bolo fecal est relacionada a um trnsito intestinal mais rpido e a um menor risco de constipao e cncer de intestino. Embora as fontes de fibras alimentares no fermentveis, como a fibra de farelo de trigo, sejam as que mais contribuem para a formao do bolo fecal, a massa bacteriana que resulta da fermentao de fibras alimentares mais solveis e resduos de carboidratos tambm contribui para a formao das fezes.

    A barreira epitelial gastrointestinal e o sistema imunolgicoO trato gastrointestinal descrito, s vezes, como o maior rgo imunolgico do corpo humano. Ele representa a maior rea de contato da mucosa do hospedeiro com o ambiente e contm at 80% de todas as clulas que produzem anticorpos. A microbiota intestinal tambm uma parte essencial do sistema de defesa do corpo humano.

    No nascimento, o trato gastrointestinal essencialmente estril e, alm disso, o sistema imunolgico do recm-nascido ainda no est totalmente maduro. O sistema imune torna-se funcionalmente maduro somente aps a exposio a diversas substncias estranhas que entram em contato com o trato intestinal intocado. Estudos em animais criados em condies livres de germes demonstraram que o sistema imunolgico desenvolve-se mal nesses animais, e estes apresentam nveis mais baixos de imunoglobulinas e menos clulas imunolgicas especializadas em sua mucosa intestinal. Os animais criados em ambientes sem germes, portanto, so muito mais suscetveis a doenas do que os animais criados de forma convencional. Esses estudos mostraram tambm que os antgenos microbianos derivados da microbiota intestinal e do ambiente tm papel primordial na maturao do tecido linfoide associado ao intestino (TLAI) e no desenvolvimento de resistncia normal a doenas.

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 9

    O TLAI organizado em diferentes compartimentos, como linfonodos, folculos linfticos e placas de Peyer (Figura 3). O TLAI limita a passagem de bactrias e antgenos alimentares do lmen do trato digestrio atravs da mucosa intestinal. No entanto, esse tecido permite a passagem de antgenos (amostras minsculas de bactrias viveis ou mortas e fragmentos de protenas e peptdeos), usando clulas especializadas, como as clulas M, que cobrem as placas de Peyer, e as clulas dendrticas, que atuam como sentinelas ao longo de toda a mucosa. As clulas apresentadoras de antgenos (CAAs) processam e apresentam antgenos aos linfcitos, um tipo de clula imunolgica. As CAAs,

    portanto, so muito importantes na promoo de uma resposta imunolgica balanceada, conforme tem sido documentado cada vez mais, e exercem impacto alm dos limites do intestino (consulte a seo Interao com o hospedeiro). Levantou-se a hiptese de que a reduo da exposio a micro-organismos exgenos nos pases desenvolvidos e industrializados pode ter levado a um aumento na incidncia de disfuno imunolgica crnica, que leva a distrbios atpicos (alrgicos) e autoimunes, ou doena inflamatria do intestino, devido a alteraes na maturao do sistema imunolgico. Isso ficou conhecido como a hiptese da higiene.

    FIGURA 3.Viso geral esquemtica dos elementos linfoides do sistema imunolgico associado ao intestino

    As placas de Peyer (PP) e os linfonodos mesentricos (LNM) so folculos linfoides intestinais organizados. (AC) Vias de absoro de antgenos no intestino: antgenos no lmen podem ser absorvidos por (A) clulas epiteliais intestinais, (B) clulas dendrticas interdigitais da lmina prpria, e (C) clulas M. A drenagem linftica das PPs e da lmina prpria das vilosidades direcionada aos LNMs (a direo do fluxo linftico est indicada por setas). Reproduzido de Spahn and Kucharzik (2004) com permisso do BMJ Publishing Group Ltd.

  • 10 Monografias Concisas ILSI Europe

    A integridade do revestimento epitelial do trato gastrointestinal essencial para a sade, e o rompimento dessa barreira intestinal pode aumentar o risco de certos distrbios ou doenas intestinais. As clulas epiteliais tornaram-se especializadas e passaram a adotar diversas estratgias para se defender contra patgenos.

    As clulas caliciformes secretam mucinas (glicoprotenas de alto peso molecular), que atuam como uma camada protetora, ajudando a proteger as clulas epiteliais subjacentes contra danos mecnicos e ao direta de compostos qumicos ingeridos ou derivados endogenamente das secrees intestinais. A quantidade e a composio do muco produzido pelo intestino variam de acordo com o local. O intestino delgado tem uma camada espessa e bastante mvel de muco, enquanto o clon apresenta duas camadas: uma mvel, semelhante do intestino delgado, e uma segunda camada mais fina, muito mais viscosa e impermevel que a camada mucosa mvel. Embora os micro-organismos habitem predominantemente o lmen do trato gastrointestinal, eles tambm esto associados camada mucosa e podem aderir s clulas que revestem determinadas reas do intestino delgado, caso a camada mucosa esteja comprometida. Aqui, os micro-organismos benficos podem competir com os patgenos.

    Tanto a camada mucosa quanto as clulas epiteliais foram projetadas para permitir que nutrientes selecionados e outros componentes nutricionais penetrem e, em alguns casos, at passem por elas.

    Alm disso, alguns componentes passam pelos espaos intercelulares. As protenas conhecidas como ocludinas e claudinas ajudam a patrulhar o pequeno espao entre as clulas (juno de ocluso), para controlar o acesso de molculas e partculas estranhas.

    As clulas especializadas de Paneth, localizadas nas criptas do intestino delgado, produzem peptdeos

    antibacterianos conhecidos como defensinas, alm de enzimas defensoras (como a lisozima) e citocinas, que ajudam a proteger o hospedeiro de micro-organismos patognicos.

    Tcnicas de explorao da microbiota gastrointestinalNo passado, os micro-organismos retirados de sua fonte inicial (alimentos, sangue, tecidos ou excretas) eram caracterizados aps serem cultivados em laboratrio. Os micro-organismos em cultura podiam ento ser contados e identificados por microscopia, observao bioqumica e outros testes taxonmicos (de identificao) (consulte a seo Caracterizao e taxonomia para obter mais informaes sobre taxonomia).

    Amostras fecais sempre foram o padro principal de anlise da microbiota intestinal humana, principalmente devido ao acesso restrito a outras partes do trato gastrointestinal. Uma limitao inerente desse mtodo que os micro-organismos expelidos nas fezes, e cultivados em laboratrio, no necessariamente refletem com preciso tudo o que pode ser encontrado nos diferentes segmentos do intestino, particularmente no intestino superior. Mesmo as amostras de bipsias colnicas podem no refletir a situao exata in vivo, j que, antes da exciso, o clon lavado com laxantes, que perturbam a microbiota endgena. Outro desafio na compreenso da composio da microbiota intestinal que muitos micro-organismos ainda no puderam ser cultivados com xito em condies laboratoriais.

    No incio dos anos 1990, pesquisadores desenvolveram uma tcnica chamada hibridizao por fluorescncia in situ (FISH). Usando sondas fluorescentes direcionadas a regies de alta variabilidade do cido ribonucleico ribossmico (rRNA) 16S dentro das clulas bacterianas, foi possvel identificar e quantificar diferentes espcies,

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 11

    e at subespcies, de bactrias. A partir do meio dos anos 90, possibilitou-se o sequenciamento do DNA ribossmico 16S, geralmente obtido por PCR (reao em cadeia da polimerase), o que permitiu aos microbiologistas detectar e identificar micro-organismos sem a necessidade de culturas. Ao mesmo tempo, o sequenciamento revelou uma diversidade muito maior do que havia sido detectado anteriormente com base em culturas. Essas tcnicas permitiram maior preciso na deteco e identificao de espcies especficas, principalmente aquelas que antes eram desconhecidas ou difceis de cultivar a partir de amostras fecais ou intestinais. A anlise independente da cultura de amostras fecais, portanto, levou a uma maior compreenso da complexidade da microbiota intestinal. Tcnicas modernas tambm permitiram que um grande nmero de amostras fosse analisado paralelamente e, assim, expandiram o entendimento da variao interindividual e da estabilidade da microbiota dentro do corpo.

    O codesenvolvimento da tecnologia de sequenciamento de DNA de alto rendimento e da tecnologia da informao (bioinformtica) permitiu o agrupamento e a anlise de quantidades to grandes de dados, que os pesquisadores puderam iniciar novos projetos de extrema importncia para estudar o microbioma humano termo usado para se referir aos genomas coletivos de todos os micro-organismos presentes em um ecossistema (nesse caso, o corpo humano). O Projeto Microbioma Humano (liderado pelos EUA) e o projeto MetaHIT (liderado pela Europa) contemplam um grande consrcio de pesquisa que comeou a estudar e caracterizar a populao microbiana completa do intestino humano e de outras partes do corpo, com o objetivo de fazer uma associao entre a composio e a funo do microbioma e os estados de sade e doena. Muitas das pesquisas atuais a respeito de probiticos e prebiticos fazem interface com esses programas de pesquisa de bactrias comensais em andamento.

    Todos esses projetos ajudaro a esclarecer o papel dos micro-organismos, tanto os comensais quanto os ingeridos, na sade humana.

    A anlise da microbiota intestinal j progrediu imensamente, principalmente nas duas ltimas dcadas, com o uso disseminado de diversas tcnicas moleculares. Essas tcnicas possibilitaram a investigao de componentes desconhecidos da microbiota e a respectiva funcionalidade, bem como de estirpes especficas. Entretanto, alguns desafios permanecem. A maior parte das anlises ainda est restrita s amostras fecais, que podem no representar corretamente a microbiota das partes mais superiores do trato gastrointestinal, ou a microbiota associada s superfcies das mucosas. Do ponto de vista analtico, as novas tcnicas permitem uma anlise precisa e quantitativa da microbiota e, por mais que os limites de deteco ainda estejam altos demais para capturar todos os componentes menos frequentes da microbiota intestinal, possvel pressupor que haver melhoras no futuro. Computadores mais poderosos e novos algoritmos estatsticos tambm sero necessrios para processar a quantidade de dados que no para de crescer.

  • 12 Monografias Concisas ILSI Europe

    O CONCEITO DE PROBITICOS

    Definio e histricoA palavra probitico (origem: do latim pro (a favor) e do grego bios (vida) foi usada pela primeira vez em 1954 para descrever substncias necessrias para uma vida saudvel. Dentre uma srie de definies, a mais usada e aceita a proposta por um painel conjunto da FAO/OMS (FAO/OMS, 2011): micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefcios sade do hospedeiro.

    Conforme mencionado, a hiptese original de que algumas bactrias poderiam beneficiar a sade humana geralmente atribuda a Ilya Metchnikoff, que trabalhou no Instituto Pasteur no incio do sculo 20 (Metchnikoff, 2004). As opinies dele so relevantes at hoje:

    A dependncia dos micro-organismos intestinais em relao aos alimentos possibilita que sejam adotadas medidas para modificar a microbiota em nosso corpo e trocar micro-organismos nocivos por micro-organis-mos teis.

    e

    [...] pesquisas sistemticas devem ser conduzidas para esclarecer a relao entre os micro-organismos intestinais e o envelhecimento precoce, e a influncia de dietas que previnem a putrefao intestinal na lon-gevidade e na manuteno das foras que atuam em nosso corpo.

    O pediatra francs Henry Tissier tambm publicou informaes, mais ou menos na mesma poca, de seu trabalho com crianas com diarreia. Ele descobriu que as fezes dessas crianas continham menos bactrias tpicas em forma de Y (bfidas) do que as fezes de crianas

    saudveis e sugeriu que os pacientes com diarreia poderiam ser tratados com essas bactrias bfidas para ajudar na restaurao da microbiota intestinal saudvel.

    At recentemente, pesquisas cientficas de alta qualidade que pudessem respaldar os benefcios hipotticos dos probiticos eram limitadas, em partes, porque a complexidade do ecossistema intestinal era muito subestimada. Nas ltimas trs dcadas, as pesquisas progrediram e, com o uso das tcnicas moleculares, grandes avanos foram alcanados na caracterizao de probiticos especficos, bem como em nossa compreenso dos respectivos mecanismos de ao e efeitos sobre a sade.

    FIGURA 4.

    Cdigo de nomenclatura, usando o Lactobacillus acidophilus como exemplo

    vIdA

    BACTRIASdOMNIO

    fILO EuBACTRIAS

    REINO fIRMICuTES

    CLASSE BACILLI

    ORdEM LACTOBACILLALES

    fAMLIA LACTOBACILLACEAE

    GNERO LACTOBACILLuS

    ESPCIE ACIdOPhILuS

    ESTIRPE ESTIRPE xx

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 13

    Seleo de probiticos candidatosAlm da segurana, a seleo de uma estirpe de probiticos determinada principalmente pelo respectivo potencial de gerar benefcios aos humanos. Geralmente se considera que, para aplicao em produtos alimentcios, os probiticos precisam ser capazes de sobreviver at que tenham alcanado a parte do trato gastrointestinal em que exercero seus supostos efeitos. Por exemplo, para atuarem no clon, os probiticos precisam resistir a enzimas salivares, cido gstrico, secrees de bile e enzimas no intestino delgado, bem como alteraes de pH e meios qumicos de outros alimentos e bebidas que encontraro durante sua passagem pelo trato gastrointestinal. Alm disso, eles precisam competir com a microbiota residente. Finalmente, uma estirpe

    selecionada precisa atender a uma srie de critrios tecnolgicos, como ser passvel de cultivo em grande escala, apresentar estabilidade gentica e ser capaz de manter sua viabilidade em produtos alimentcios ou suplementos. Portanto, a identificao das estirpes de probiticos adequadas, que justificariam estudos mais avanados, um processo muito complexo e detalhado, que pode demandar um esforo de pesquisa bastante significativo.

    Os probiticos mais frequentemente usados em alimentos so espcies dos gneros Lactobacillus e Bifidobacterium, mas as leveduras, como o Saccharomyces spp., tambm tm sido utilizadas. H uma srie de etapas importantes necessrias para a caracterizao de cada estirpe.

    FIGURA 5.

    Representao das semelhanas e diferenas genmicas de trs estirpes pertencentes mesma espcie

    Species X

    Strain A Strain B

    Strain C

    Genes common to all

    three strains

  • 14 Monografias Concisas ILSI Europe

    Caracterizao e taxonomiaA determinao do gnero, da espcie e da estirpe essencial para a caracterizao completa de um micro-organismo.

    A taxonomia fornece uma primeira ideia das principais propriedades fisiolgicas e metablicas do organismo, indica se h quaisquer potenciais riscos de segurana e permite a diferenciao entre estirpes individuais. Na verdade, a caracterizao completa dos probiticos uma exigncia para a avaliao de qualquer indicao para a rea de sade na Europa.

    Mtodos moleculares modernos devem ser usados para a identificao de espcies e estirpes, por serem muito mais confiveis que os mtodos fenotpicos. Graas aos progressos tecnolgicos recentes, o sequenciamento do genoma completo de uma estirpe nova no mais to caro ou demorado, o que abre caminho para a caracterizao detalhada de estirpes especficas e a comparao destas com parentes prximas. H um Cdigo Internacional de Nomenclatura que deve ser usado para dar nomes a todos os micro-organismos (Figura 4).

    Com base na avaliao de propriedades fenotpicas e genotpicas, a taxonomia microbiana agrupa as espcies relacionadas em gneros e, mais ainda, as estirpes relacionadas em espcies. Entretanto, mesmo pertencendo mesma espcie, diferentes estirpes podem ser diferenciadas por propriedades genticas e fisiolgicas exclusivas (Figura 5).

    SeguranaMuitos organismos probiticos pertencem aos gneros representados no grupo funcional de bactrias conhecidas como bactrias de cido lctico, que tm sido consumidas com segurana h muitos anos e, portanto, pressupe-se que sejam ingredientes seguros

    para uso na indstria de alimentos. Para formalizar e assegurar esse conceito, foi proposto um sistema de avaliao de segurana pr-comercializao, que d direito ao status QPS (Qualified Presumption of Safety, ou suposio de segurana qualificada) na Comunidade Europeia. Em suma, pode-se fazer uma avaliao de segurana de grupos selecionados de micro-organismos de um determinado grupo taxonmico (ex: gnero ou grupo de espcies relacionadas) com base em quatro pilares de informao (identidade, base de conhecimento, possvel patogenicidade e uso final). Se o grupo taxonmico e a caracterizao at o nvel de estirpe no gerarem preocupaes de segurana, ou se as possveis preocupaes de segurana puderem ser solucionadas e excludas, o organismo pode receber o status QPS. Portanto, se for possvel demonstrar inequivocamente que uma determinada estirpe de micro-organismos pertence a um grupo qualificado com QPS (como Lactobacillus ou Bifidobacterium), avaliaes adicionais de segurana para esta estirpe ficaro restritas apenas a testes de resistncia a antibiticos. Caso um micro-organismo no esteja contemplado com status QPS, provvel que seja requerida uma avaliao de segurana completa antes que ele possa ser usado na indstria de alimentos.

    Aplicao de probiticos nos alimentosOs organismos probiticos so usados em uma variedade de alimentos, principalmente na categoria de laticnios, mas tambm em suplementos nutricionais, em forma de cpsulas ou comprimidos. Como a viabilidade uma propriedade indispensvel dos probiticos, o produto final deve manter uma quantidade adequada de probiticos vivos at o fim de sua validade. A adio de um probitico a alimentos ou suplementos ser considerada uma indicao de sade somente se houver benefcios documentados com base em estudos clnicos

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 15

    de alta qualidade com humanos, utilizando o produto em questo e os desfechos adequados. Esses estudos tambm devem ser capazes de demonstrar qual seria a dose segura e eficaz do probitico nos alimentos. Assim como a legislao de segurana alimentar, as normas que regulam as indicaes de produtos alimentcios na sade variam em diferentes pases e regies, e indicaes de produtos comerciais contendo probiticos devem cumprir critrios que, em alguns casos, incluem a aprovao da indicao pelas autoridades regulatrias antes da comercializao do produto.

    O CONCEITO DE PREBITICOS

    Definio e histricoConforme mencionado, os japoneses foram os primeiros a reconhecer o valor dos oligossacardeos fermentveis, primeiramente com a rao para sunos e, depois, nos anos 1980, com a identificao dos oligossacardeos do leite humano. No entanto, somente em 1995 foi introduzido o conceito de prebiticos para modulao da microbiota intestinal. Embora tenham sido propostas muitas definies, ainda no se chegou a um consenso a respeito de uma nica definio para o termo prebiticos. A mais recente foi cunhada na reunio de 2010 da Associao Cientfica Internacional de Probiticos e Prebiticos (ISAPP) (Gibson et al., 2011):

    Prebiticos alimentares so ingredientes seletiva-mente fermentados, que resultam em alteraes es-pecficas na composio e/ou atividade da microbiota gastrointestinal, assim proporcionando benefcios para a sade do hospedeiro.

    Caracterizao de ingredientes prebiticosEmbora isso no esteja estipulado como exigncia na definio de prebiticos, at o momento, apenas os compostos de carboidratos foram estudados em relao a sua atividade prebitica. A maior parte das pesquisas foi conduzida com frutanos ou seja, com o polissacardeo inulina ou com fruto-oligossacardeos (FOS) derivados de diversos cultivares ou da sacarose e galacto-oligossacardeos (GOS). Estudos em humanos confirmaram a ocorrncia de fermentao seletiva e alterao da microbiota para esses ingredientes, que,

  • 16 Monografias Concisas ILSI Europe

    portanto, foram relacionados a potenciais benefcios para a sade. Prebiticos candidatos ou emergentes ainda precisam de mais evidncias em humanos para que possam ser totalmente estabelecidos como prebiticos. Esses prebiticos candidatos incluem o dissacardeo lactulose, outros oligossacardeos e dextrinas resistentes, polissacardeos como polidextrose, arabinoxilanos e amidos resistentes, bem como alguns poliis como lactilol e isomalte.

    Alguns prebiticos ocorrem naturalmente em alimentos como chicria, cereais, agave e leite. Entretanto, a maior parte dos alimentos contm apenas indcios, e por isso adotou-se a iniciativa de refinar os ingredientes ativos desses cultivares ou produzi-los sinteticamente (ex.: por processos enzimticos, qumicos ou trmicos), para que se atinjam os nveis em que os prebiticos podem exercer seus efeitos.

    Muitos prebiticos e candidatos a prebiticos se enquadram atualmente na definio nutricional e regulatria de fibra alimentar e so rotulados como nutrientes dessa categoria. Eles compartilham com as fibras alimentares as propriedades de resistncia digesto e (para algumas fibras) fermentabilidade, mas os prebiticos estabelecidos diferenciam-se das fibras alimentares devido seletividade em sua fermentao. Observe que os mono e dissacardeos normalmente no so considerados fibras alimentares, de acordo com as definies da UE e do CODEX.

    Critrios para seleo de prebiticosOs prebiticos apresentam uma ao complementar, embora distinta, em relao aos probiticos. Probiticos so micro-organismos exgenos ingeridos para promover um efeito especfico sobre a sade. Por outro lado, o conceito de prebiticos baseia-se na estimulao seletiva da prpria microbiota benfica do hospedeiro, com o

    prebitico atuando como substrato de fermentao (seletiva), estimulando o crescimento e a atividade do micro-organismo ou do grupo de micro-organismos especfico de interesse e, consequentemente, levando ao efeito desejado sobre a sade.

    essencial que se mea o efeito do prebitico candidato sobre o crescimento bacteriano; a simples constatao de que a fermentao ocorreu no suficiente. Embora os testes in vitro possam ser usados para triagem de possveis candidatos, o crescimento dos micro-organismos-alvo deve ser quantificado em estudos clnicos, aps um curto perodo de alimentao com nveis aceitveis de consumo, para que o status de prebitico seja estabelecido. Alm disso, estudos de alimentao humana so indispensveis para se demonstrarem benefcios sade.

    O principal local de ao dos prebiticos no clon. Portanto, os prebiticos precisam resistir aos efeitos da acidez gstrica e das enzimas digestivas para chegarem intactos ao clon. Ao chegarem, os prebiticos conferem seus supostos benefcios, estimulando o crescimento e/ou as atividades metablicas das bactrias que os fermentam. Os principais gneros alvejados pela ao dos prebiticos so as bifidobactrias e os lactobacilos, embora isso possa mudar medida que se expande nosso conhecimento da diversidade e da funcionalidade microbiana. No entanto, deve-se considerar a hiptese de que os prebiticos exercem efeitos diretos sobre a sade, influenciando, por exemplo, o sistema imunolgico ou a ligao dos micro-organismos aos receptores.

    Os prebiticos e probiticos podem ser combinados em simbiticos. Nesse caso, os efeitos dos dois componentes devem ser sinrgicos. O crescimento do probitico no intestino pode ser estimulado pela fermentao do prebitico, e/ou o prebitico pode

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 17

    ajudar a criar um ambiente intestinal mais favorvel, no qual o probitico se torna mais competitivo.

    Aplicao de prebiticos nos alimentosConforme observado anteriormente, alguns prebiticos ou prebiticos candidatos ocorrem naturalmente e so amplamente consumidos em baixos nveis em uma dieta normal. Os ingredientes prebiticos comerciais, GOS e frutanos, so usados em alimentos para bebs, mediante comprovao de sua segurana e eficcia; em alguns pases, pode ser necessria uma aprovao pr-comercializao. Em alimentos para consumo geral, o nvel desejvel de ingesto de prebiticos varia entre 2 e 20 g por dia, dependente do ingrediente e do efeito pretendido.

    Essas quantidades podem ser rapidamente incorporadas em uma gama de alimentos como cereais, pes, confeitaria, biscoitos, iogurtes, pats, molhos e bebidas. Semelhantemente ao caso dos probiticos, os benefcios sade dos prebiticos candidatos precisam ser demonstrados em estudos clnicos.

    EFEITOS DOS PREBITICOS E PROBITICOS NA SADE

    Desafios de pesquisaPara se demonstrar que probiticos e prebiticos tm efeitos benficos para a sade humana, devem-se fornecer evidncias provenientes de estudos de interveno nutricional em humanos. Evidncias de suporte podem ser reunidas a partir de estudos com rao animal (estudos in vivo) e estudos laboratoriais que examinem sangue ou amostras de tecidos coletadas de humanos ou animais (estudos ex vivo), ou ainda da anlise de clulas isoladas e cultivadas em laboratrio, submetidas a diversas condies experimentais (estudos in vitro). Esses estudos no-humanos podem fornecer informaes sobre mecanismos de ao, mas sozinhos no so adequados para comprovar benefcios para a sade humana.

    Um dos fatores que tem atrapalhado o progresso das pesquisas que contemplam o impacto dos alimentos funcionais, incluindo probiticos e prebiticos, na sade, a falta de biomarcadores de sade gastrointestinal e de funo imunolgica que sejam universalmente aceitos. Nesse contexto, os biomarcadores servem como marcadores substitutos dos desfechos de sade; por exemplo, o nvel sanguneo de colesterol bem aceito como um indicador do risco de doenas. Os marcadores aceitos para a funo gastrointestinal incluem a formao de bolo fecal e o tempo de trnsito pelo trato gastrointestinal, e estes podem ser usados para demonstrar os benefcios dos prebiticos e probiticos. H diversos marcadores usados que se referem ao sistema imunolgico, mas falta conhecimento sobre o valor preditivo de marcadores isolados de funo, como funo de clulas imunolgicas, nveis de citocinas ou produo de anticorpos, em relao sade imunolgica

  • 18 Monografias Concisas ILSI Europe

    geral. A relevncia desses marcadores imunolgicos ainda no foi estabelecida, mesmo quando se utiliza mais de um marcador. A ausncia de marcadores estabelecidos significa que desfechos clnicos, como a reduo da suscetibilidade a infeces, a melhora da resposta a vacinas, ou a reduo da durao de sintomas validados, ainda so mais bem aceitos como evidncias de benefcios do que alteraes nos biomarcadores.

    Outro desafio comum a todas as pesquisas em humanos a variao interindividual, ou seja, a variabilidade dos resultados observados para um desfecho especfico nos diferentes sujeitos. A variabilidade interindividual depende de uma gama de fatores, como gentica, dieta, microbiota, idade, status nutricional e outros fatores relativos ao estilo de vida do hospedeiro. Os pesquisadores tentam controlar essas diferenas, mas precisam incluir um nmero suficiente de sujeitos para compensar essa variao. Alm disso, os efeitos de uma interveno podem ficar mais evidentes em pessoas com alto risco, ou diagnosticadas com uma doena, do que em indivduos saudveis. Frequentemente se questiona se os mesmos efeitos seriam observados em indivduos sos.

    Em todos os casos, fica claro que os prebiticos e probiticos devem ser consumidos com regularidade para conferir benefcios.

    Impacto dos prebiticos e probiticos no trato gastrointestinalMicrobiota intestinalAcredita-se que uma maior proporo de bifidobactrias e lactobacilos indicaria uma composio microbiana mais saudvel. Em partes, isso se baseia em evidncias obtidas de bebs, que sero discutidas posteriormente nesta seo e na seo sobre mecanismos. Essas bactrias tm maior chance de fermentar carboidratos e produzir

    cidos, e normalmente no apresentam potencial de toxicidade.

    H vastas evidncias em humanos, inclusive bebs, assim como em estudos animais e in vitro, de que os prebiticos estabelecidos aumentam a proporo de bifidobactrias e, s vezes, de lactobacilos presentes na microbiota intestinal, enquanto no apresentam efeitos mensurveis sobre outros grupos de bactrias.

    No caso dos probiticos, o consumo de doses adequadas de estirpes de Lactobacillus frequentemente resulta em aumento mensurvel dos lactobacilos nas fezes e, em alguns casos, pode haver at uma reduo dos organismos indesejveis, como estafilococos. Para bebs prematuros, que normalmente carregam quantidades reduzidas de bifidobactrias, h evidncias substanciais de que a ingesto de bifidobactrias no apenas aumenta o nmero desses organismos, mas tambm pode reduzir a quantidade de clostrdios. Na prtica, o efeito dos prebiticos e probiticos na microbiota um tanto quanto varivel, alm de ser difcil de medir, devido aos fatores discutidos na seo Tcnicas de explorao da microbiota gastrointestinal.

    Alm do aumento em nmero ou proporo de determinados micro-organismos, tambm importante considerar a capacidade funcional destes, que pode ser alterada pelo consumo de prebiticos ou probiticos, mesmo quando no ocorrem alteraes em nmero ou proporo. Dados recentes sobre o uso de probiticos em humanos, obtidos com novas tcnicas, permitiram a mensurao de componentes representativos dos genes que esto sendo ativamente expressos em um determinado momento. O elo entre a expresso gnica e os desfechos de sade certamente ser o objeto de futuras pesquisas.

    Tempo de trnsito e formao de bolo fecalH fortes evidncias de que os prebiticos e probiticos podem influenciar a funo intestinal. Acredita-se que

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 19

    esse efeito dos prebiticos seja devido fermentao dessas substncias no clon, resultando no aumento da massa bacteriana e da capacidade de ligao osmtica da gua, contribuindo para o aumento em peso das fezes, maior frequncia de evacuao e fezes mais macias. H tambm algumas evidncias de que os cidos graxos de cadeia curta, principalmente o butirato, tm efeito positivo no endotlio e no peristaltismo, melhorando o trnsito intestinal. Como h uma relao inversa entre a massa fecal e o tempo de trnsito, os prebiticos tambm podem reduzir este ltimo. Em alguns estudos, relatou-se que os prebiticos reduzem os sintomas de desconforto intestinal, como empachamento, dor abdominal e flatulncia. Estudos de algumas estirpes de bactrias probiticas demonstraram impacto na funo intestinal, conforme revelado pela normalizao do tempo de trnsito e reduo de sintomas menores de desconforto intestinal relatados pelos prprios sujeitos. A melhora no tempo de trnsito pode reduzir a atividade putrefativa no clon esquerdo, conforme indicado em alguns estudos, que detectaram nveis reduzidos de poliaminas e metablitos como cresol e indis.

    Esses efeitos reguladores das fezes so considerados benficos para a sade intestinal, reduzindo o risco de constipao. provvel que a melhora na funo fecal tenha importncia em relao populao geral, j que a ingesta de fibras alimentares em pases desenvolvidos quase universalmente mais baixa do que a recomendada, e o nmero de pessoas com queixas de problemas digestivos extremamente alto (mais de 80% em algumas pesquisas com mulheres). Como ocorre com todas as fibras alimentares, a ingesto de nveis muito altos de prebiticos talvez precise ser evitada por alguns indivduos, j que o consumo excessivo poderia resultar em empachamento e, em casos mais graves, fezes aquosas. No entanto, esses sintomas desaparecem com a reduo ou cessao do consumo.

    Quadros inflamatrios intestinais crnicos

    As doenas inflamatrias intestinais (DII) so quadros srios, cuja causa ainda desconhecida. Incluem-se nesse grupo a Doena de Crohn (DC), que pode envolver todo o intestino, embora afete principalmente o intestino delgado, e a colite ulcerativa (CU), que normalmente fica restrita ao intestino grosso. As doenas inflamatrias do intestino esto associadas quebra da funo normal de barreira exercida pelo revestimento epitelial do intestino e o muco a ele associado. Ainda no est claro se a inflamao que causa a quebra da barreira, ou se quebra da barreira que permite que a inflamao se instale. Estudos comparando animais em condies livres de germes e animais em condies normais demonstraram que os animais criados em ambientes estreis so menos suscetveis DII experimental, e que a presena de bactrias comensais pode desencadear e/ou exacerbar quadros inflamatrios intestinais Portanto, a resposta imunolgica inadequada da mucosa em relao microbiota gastrointestinal pode resultar em Doena de Crohn e colite ulcerativa em indivduos suscetveis. H tambm evidncias de estudos clnicos mostrando que o equilbrio de diferentes grupos de bactrias comensais possivelmente se encontra alterado em pacientes com doenas inflamatrias do intestino.

    Muitos estudos em modelos animais, tanto de probiticos quanto de prebiticos, demonstraram um impacto positivo na preveno ou tratamento de DII. Estudos clnicos com pacientes de DC no comprovaram eficcia no prolongamento da remisso da DC, mas h dados promissores, que indicam que alguns probiticos so teis para a manuteno desta. Em outro quadro inflamatrio intestinal conhecido como bolsite, que pode ocorrer aps a cirurgia para tratamento de CU, uma mistura de estirpes de probiticos aparentemente demonstrou ser eficaz, auxiliando na manuteno da remisso. O potencial de utilidade dos prebiticos e simbiticos no manejo de DII j foi demonstrado em

  • 20 Monografias Concisas ILSI Europe

    vrios pequenos estudos com frutanos, principalmente na reduo de marcadores inflamatrios; no entanto, os dados obtidos at o momento no permitem que se chegue a uma concluso definitiva. Embora os dados ainda sejam insuficientes para que se possam determinar com certeza os efeitos dos prebiticos e probiticos na DII, importante lembrar que nenhum dos estudos conduzidos at hoje levantou nenhum tipo de preocupao em relao segurana desses elementos em pacientes com DII, nos nveis de consumo testados.

    Sndrome do intestino irritvelA sndrome do intestino irritvel (SII) um quadro muito incmodo, caracterizado por uma srie de sintomas, como dor abdominal, empachamento e alterao dos hbitos intestinais, que muitas vezes podem alternar entre constipao e diarreia. Considerando-se que sintomas parecidos com esses podem ocasionalmente ser observados na populao em geral, um grupo de critrios especficos (conhecidos como critrios de Roma) foi desenvolvido para uniformizar o diagnstico da SII. Em pases industrializados, a SII acomete de 5% a 20% da populao adulta, com ndices mais altos entre mulheres e indivduos de mais idade. Recentemente, observou-se um aumento do interesse no papel dos processos inflamatrios como possvel causa da SII. Alm disso, em um determinado subgrupo de pacientes, infeces intestinais prvias parecem ter participao no desencadeamento da SII (SII ps-infecciosa). Tambm, em alguns estudos, nveis mais baixos de bifidobactrias foram observados em pacientes com DII, comparados a indivduos saudveis.

    Devido inexistncia de bons tratamentos para DII e identificao de uma microbiota anormal em pacientes de DII, tanto os probiticos quanto os prebiticos tm sido investigados quanto a sua capacidade de auxiliar no manejo desse quadro. Demonstrou-se que algumas preparaes probiticas promovem diminuio do escore global de

    sintomas (soma dos escores de diferentes sintomas) e reduo da dor abdominal; porm no foram confirmadas alteraes em diarreia, constipao ou empachamento. Em outros estudos, algumas estirpes no tiveram nenhum efeito, ou resultaram na piora dos sintomas. Para alguns prebiticos, estudos demonstraram que baixas doses levavam melhora no quadro, mas cargas mais altas levavam ao aumento da percepo dos sintomas. Portanto, sero necessrias mais pesquisas para determinar se so observados benefcios invariveis nos indivduos com DII quando se utilizam prebiticos e probiticos.

    Impacto especfico dos prebiticos no trato gastrointestinalCncer de clonO cncer de clon j foi associado a dietas com baixos nveis de fibras e, portanto, tambm se investigou o potencial dos prebiticos na reduo do risco de cncer de clon, utilizando-se principalmente tcnicas in vitro e modelos animais. Resultados de estudos animais com desfechos como danos ao DNA, focos de criptas aberrantes e tumores no clon indicam que os probiticos talvez reduzam o risco de cncer de clon. Isso respaldado por vastas evidncias in vitro. Os simbiticos foram investigados em alguns estudos animais e descobriu-se que so mais eficazes do que prebiticos ou probiticos isolados. Um estudo com simbiticos (projeto SYNCAN) em humanos detectou uma reduo nos danos ao DNA e na proliferao celular em bipsias de clon. Possveis mecanismos do efeito de prebiticos no risco de cncer de clon foram identificados em estudos animais, e incluem alterao das atividades de enzimas bacterianas intestinais, que modificam produtos de fermentao, e supra-regulao da apoptose (morte celular programada nesse caso, das clulas pr-cancerosas). Entretanto, ainda faltam evidncias definitivas de que determinados prebiticos podem reduzir o risco de cncer de clon,

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 21

    e so necessrios mais estudos humanos prospectivos e multicntricos, com dados mais robustos.

    Prebiticos e nutrio no incio da vidaNo leite materno humano, so encontradas estruturas fucoslicas, galactoslicas e siallicas, que supostamente contribuem para uma microbiota saudvel. Estudos de interveno mostram que frmulas infantis suplementadas com GOS e frutanos, isolados ou combinados, ajudam a estimular as bifidobactrias caractersticas de bebs em amamentao, de modo dose-dependente. Alm disso, bebs alimentados com oligossacardeos apresentam microbiota, pH das fezes e padro de AGCC semelhantes aos de bebs em amamentao. A consistncia e a frequncia das fezes de bebs alimentados com prebiticos (mais macias e mais frequentes) tambm so mais prximas quelas observadas em bebs amamentados do que em bebs alimentados com frmulas comuns. O uso de prebiticos especficos contendo GOS e frutanos nas frmulas infantis uma prtica disseminada e aceita como segura. O alcance dos benefcios resultantes desses probiticos, bem como de outros prebiticos candidatos, ainda um campo de pesquisa ativa para especialistas nessa rea.

    Absoro mineralUm dos efeitos especficos e bem estabelecidos dos prebiticos sobre a absoro mineral. H uma vasta quantidade de dados mostrando que os prebiticos aumentam a absoro de clcio, bem como ndice de crescimento e a massa esqueltica em ratos. Alm disso, h alguns estudos mostrando um aumento na absoro de magnsio e ferro. H mais evidncias de melhoras na absoro mineral provenientes de estudos com sunos, que so considerados um modelo melhor para os humanos que os roedores. Vrios estudos de interveno em humanos demonstraram invariavelmente um aumento

    na absoro de clcio. At o momento, h um nico estudo de interveno de longo prazo em humanos que avalia os efeitos dos prebiticos na sade ssea. O estudo foi feito em adolescentes e utilizou uma combinao de FOS e inulina de cadeia longa (50/50). Aps um ano, a densidade mineral ssea e o contedo mineral sseo aumentaram significativamente em determinados stios sseos do grupo suplementado. Ainda so necessrias mais pesquisas especficas de cada substncia para determinar se esse efeito comum a todos os prebiticos ou exclusivo da formulao particularmente estudada.

    Hormnios intestinais e consumo de alimentosDiversos estudos em roedores, principalmente com frutanos, demonstram que as fibras prebiticas na alimentao geram invariavelmente efeitos sobre a ingesta de alimentos e a diminuio da massa gordurosa, embora no haja necessariamente reduo de peso. Dados adicionais desses estudos indicam que o mecanismo por trs disso provavelmente a secreo (estimulada por AGCCs) de peptdeos intestinais, como o peptdeo semelhante ao glucagon (GLP-1), peptdeo YY (PYY) e oxitomodulina, e a reduo na secreo de grelina, sendo que todos estes so secretados por clulas do tipo endcrinas existentes na mucosa. Sabe-se que esses peptdeos afetam a quantidade ingerida de alimentos em animais e humanos. No geral, evidncias de um nmero cada vez maior de estudos em humanos, principalmente com frutanos, do suporte existncia de um efeito do consumo dirio de prebiticos na reduo do apetite, diminuio do peso corporal ou da massa gordurosa, alterao dos nveis de peptdeos intestinais no sangue e melhora da tolerncia glicose. Alguns desses estudos, mas no todos, examinaram a composio da microbiota intestinal; foram comprovadas alteraes dessa microbiota quando examinada. possvel que o impacto dos AGCC no metabolismo da glicose e dos lipdeos tambm seja importante.

  • 22 Monografias Concisas ILSI Europe

    Impacto especfico dos probiticos no trato gastrointestinal

    M absoro de lactoseConforme discutido na seo Fermentao e metabolismo bacteriano, muitos micro-organismos fermentam a lactose, acar encontrado no leite e em laticnios. Embora os bebs utilizem a lactose, que corresponde a at 10% da energia contida no leite, muitas populaes em todo o mundo contm uma alta proporo de adultos incapazes de digerir esse acar. Em humanos e, na verdade, em todos os mamferos, a expresso da enzima lactase infrarregulada em adultos, com a exceo de alguns grupos populacionais, particularmente os de origem europeia. A intolerncia lactose uma condio em que a fermentao colnica da lactose no digerida resulta em efeitos gastrointestinais como dor abdominal, empachamento, borborigmo e laxao. H evidncias de que as bactrias vivas do iogurte, por digerirem lactose, so capazes de compensar a falta de lactases endgenas no intestino delgado. A medida tpica de melhora na digesto de lactose a reduo na excreo de hidrognio na respirao (o hidrognio respiratrio geralmente se eleva quando carboidratos no digeridos chegam ao clon e so fermentados). Essa melhora na digestibilidade reduz os sintomas relacionados intolerncia lactose em alguns indivduos com m absoro.

    Impacto nas respostas imunolgicasOs animais criados em condies livres de germes, conforme mencionado, apresentam um sistema imune subdesenvolvido, o que resulta em menor resistncia a infeces em comparao aos animais criados de modo convencional. Presume-se, portanto, que os organismos comensais so vitais para a maturao do sistema imunolgico. O potencial dos probiticos e prebiticos de impactar respostas imunolgicas e reduzir o risco de infeces tem sido objeto de diversos estudos

    em humanos (discutidos a seguir). Esses resultados, combinados a evidncias de estudos mecansticos que demonstraram alteraes em alguns parmetros imunolgicos, do suporte ideia de que o efeito dos probiticos e prebiticos no sistema imunolgico traduz-se em benefcios de sade mensurveis; no entanto, ainda so necessrias evidncias definitivas.

    Infeco gastrointestinalO intestino delgado o principal alvo de muitas infees gastrointestinais, como as por rotavrus, S. typhimurium e alguns tipos de E. coli. J em 1916, foi relatado que o S. typhimurium teria desaparecido do trato gastrointestinal de portadores saudveis desse organismo, aps a introduo de membros da microbiota intestinal normal. Os probiticos j so h muito tempo associados a uma suposta habilidade de neutralizar bactrias patognicas e, recentemente, vrias estirpes potencialmente benficas foram testadas em estudos controlados.

    A primeira linha de tratamento para sintomas de diarreia a reidratao oral e essa medida no deve ser trocada por nenhum outro tratamento nutricional, principalmente em bebs. Porm, em quadros estabelecidos, alguns probiticos podem ser usados como adjuntos, com superviso mdica, sempre que apropriado. Alguns probiticos parecem ser mais eficazes na melhora dos sintomas quando a diarreia resulta de infeco viral (e no bacteriana), caso sejam usados no incio da infeco e em quantidades suficientes. Em termos de reduo da suscetibilidade a infeces, alguns estudos mostraram diminuio do risco de infeco em bebs (principalmente em pases desenvolvidos) e em idosos institucionalizados ou hospitalizados. A eficcia est claramente dependente da estirpe, ou seja, algumas estirpes so eficazes e outras no. Alm disso, h algumas evidncias de que estirpes especficas de probiticos, assim como alguns prebiticos, podem reduzir o risco de diarreia dos viajantes.

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 23

    Alguns antibiticos podem perturbar significativamente as bactrias comensais, resultando em efeitos colaterais, como diarreia associada a antibiticos (DAA). A incidncia estimada de DAA chega a 25% para alguns antibiticos e isso pode fazer com que os pacientes no concluam o tratamento. H evidncias de que probiticos especficos podem reduzir o risco de DAA e, na verdade, diversas meta-anlises concluram que o risco de DAA pode at cair pela metade em adultos ou idosos, embora esses efeitos sejam mais irregulares em crianas. Os efeitos observados foram associados a um nmero limitado de estirpes especficas de probiticos. No caso de prebiticos, demonstrou-se que a administrao de FOS aps tratamento com antibiticos reduziu a recorrncia de DAA: de mais de 30% no grupo controle para menos de 10% no grupo de prebiticos. Como isso no foi associado a uma diminuio dos indivduos com resultado positivo para C. difficile, tudo indica que o prebitico teve efeito estabilizante na microbiota, promovendo a restaurao da eubiose.

    Infeces por Clostridium difficile so causas frequentes de diarreia em populaes institucionalizadas, por exemplo, nos hospitais e casas de repouso. Essas infeces so normalmente associadas ao uso de antibiticos, mas podem aparecer em decorrncia de outros fatores de risco, como idade acima de 65 anos ou sistema imune comprometido devido a alguma doena. At o momento, os resultados de pesquisas que investigam se os probiticos so capazes de reduzir o risco de infeco por C. difficile, ou reduzir a gravidade ou durao dos sintomas em adultos, so promissores, mas ainda so necessrios mais estudos com teste de hipteses.

    Uma bactria conhecida como Helicobacter pylori est presente no estmago de uma pequena proporo de jovens adultos, mas a incidncia pode chegar a 50% a partir dos 60 anos. Ela coloniza a camada mucosa prxima ao epitlio gstrico e, em algumas pessoas, pode causar gastrite aguda (ou seja, dor, empachamento, nusea e vmitos) e pode levar a gastrite crnica e lceras ppticas. O tratamento

    envolve a administrao de longo prazo de antibiticos fortes e, embora os probiticos no acelerem a erradicao da H. pylori, demonstrou-se em diversos estudos que eles reduzem os efeitos colaterais do tratamento e podem gerar menos perturbaes para a microbiota.

    A microbiota em bebs prematuros restrita e tem composio diferente se comparada de bebs saudveis a termo. Bifidobactrias potencialmente benficas, em particular, no se encontram bem estabelecidas no intestino de prematuros recm-nascidos. A microbiota ainda enfrenta o desafio de bactrias ambientais do meio hospitalar e uso frequente de antibiticos em prematuros, o que confere a essa populao um risco elevado de enterocolite necrosante (ECN). Embora o uso de probiticos ainda no tenha se estabelecido na prtica clnica, diversos estudos demonstraram que estirpes especficas de probiticos podem reduzir o risco de enterocolite necrosante. So necessrios mais estudos para esclarecer quais so as estirpes preferenciais e as recomendaes de dose. Alm disso, para se utilizarem micro-organismos vivos em uma populao to vulnervel, a confirmao da segurana dessa aplicao torna-se um objetivo primordial.

    Outras infecesUma srie de estudos em diferentes faixas etrias investigou o potencial dos probiticos de impactar a suscetibilidade a infeces do trato respiratrio superior (ITRS), bem como a durao e os sintomas do quadro. Esses estudos envolveram diversas estirpes diferentes; algumas reduziram a incidncia, outras reduziram a durao, e a maioria exerceu seus efeitos sobre os sintomas. As evidncias so promissoras, mas a gama de estirpes, a variao de faixas etrias e o desenho dos estudos dificultam as concluses. As evidncias do efeito dos probiticos limitam-se a um estudo de longo prazo recente, de grande escala, no qual bebs que consumiram uma frmula suplementada com uma combinao especfica de GOS/FOS de cadeia longa tiveram menos propenso a ITRS e febre associada, em comparao a bebs alimentados com frmula sem prebiticos.

  • 24 Monografias Concisas ILSI Europe

    H tambm interesse no uso de probiticos na medicina urogenital. Demonstrou-se que algumas estirpes de probiticos melhoram a resoluo da vaginose bacteriana durante tratamento com antibiticos. Possveis mecanismos por trs desse efeito incluem antagonismo antimicrobiano, restaurao de microbiota balanceada e melhora na resposta imune.

    Vacinas

    Estudos em animais j demonstraram de forma convincente que determinadas estirpes de probiticos podem melhorar a resposta imunolgica s vacinas e reduzir o risco de infeces subsequentes. Os estudos em humanos so muito menos frequentes, mas cada vez mais estudos clnicos bem controlados esto sendo

    FIGURA 6.Diagrama ilustrando mecanismos de ao potenciais ou conhecidos dos probiticos

    Esses mecanismos incluem (1) competio por ingredientes alimentares usados como substratos de crescimento, (2) bioconverso de, por exemplo, acares em produtos de fermentao com propriedades inibitrias, (3) produo de substratos de crescimento, por exemplo, EPS ou vitaminas, para outras bactrias, (4) antagonismo direto por bacteriocinas, (5) excluso competitiva para stios de ligao, (6) melhora na funo de barreira, (7) reduo da inflamao, alterando, portanto, as propriedades intestinais para facilitar a colonizao e permanncia, e (8) estimulao da resposta imunolgica inata (mecanismos subjacentes desconhecidos). CEI, clulas epiteliais; CD, clulas dendrticas; T, clulas-T. Fonte: OToole; Cooney (2008).

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 25

    conduzidos. Evidncias preliminares indicam que a resposta a vacinas contra influenza, clera ou doenas da infncia pode ser melhorada por probiticos selecionados, conforme mensurado pelo nmero de indivduos que respondem s vacinas ou pelo aumento do nvel srico de imunoglobulinas. Em relao eficcia dos probiticos, os efeitos so especficos de cada estirpe e, no caso de influenza, variam com diferentes estirpes do patgeno. Um estudo demonstrou evidncias limitadas de reduo no risco de infeces subsequentes com vrus influenza. No caso de prebiticos, embora os resultados em animais paream promissores, os estudos clnicos ainda no so suficientes para respaldar qualquer efeito.

    Quadros alrgicosA alergia pode ser definida, em termos simplificados, como uma reao imunolgica inadequada ou exagerada a antgenos estranhos que, em qualquer outro caso, no representariam risco (principalmente protenas ou peptdeos). Em termos mdicos, a alergia descrita como uma reao de hiperssensibilidade mediada por anticorpos especficos (IgE) ou mecanismos celulares. Alergias comuns incluem reaes a determinadas protenas alimentares (por exemplo, leite, ovos, amendoim, castanhas, soja, glten, peixes, moluscos e crustceos) ou a alergnios ambientais, como plen (febre do feno), caros e pelos de animais. As alergias alimentares so mais comuns em bebs e crianas do que em adultos. As alergias mais srias, que resultam em reao anafiltica (que pode ser fatal, quando a garganta e o trato respiratrio edemaciam e impedem a respirao), so raras, embora sempre tenham sido motivo de preocupao. Os sintomas menos graves de alergia so mais comuns (prevalncia de cerca de 2% para alergias alimentares e 30% para alergias respiratrias) e podem reduzir substancialmente a qualidade de vida para indivduos alrgicos.

    Conforme mencionado anteriormente, a prevalncia de alergias tem aumentado nas sociedades ocidentais.

    H cada vez mais evidncias de que a natureza da microbiota adquirida pelos bebs no perodo ps-parto tem papel importante na maturao do sistema imunolgico. H indicaes de que crianas atpicas tendem a apresentar certo grau de disbiose, com mais clostrdios e menos bifidobactrias que indivduos no atpicos. Alm disso, os dados sugerem que bebs amamentados so menos predispostos a quadros alrgicos. Sugeriu-se, portanto, que os prebiticos podem ajudar a reduzir o risco de desenvolvimento de atopia ou reduzir os sintomas associados de eczema atpico ou rinite alrgica. H evidncias promissoras, com base no acompanhamento de uma interveno, no apenas de que as frmulas suplementadas com prebiticos reduzem a suscetibilidade atopia, mas tambm de que os benefcios podem persistir at os 2 anos de idade. Alm disso, em estudos em bebs com alto risco de alergia, alimentados com frmulas suplementadas por 6 meses, houve reduo dos nveis de IgE e de alguns tipos de IgG.

    Foram conduzidos diversos estudos sobre o impacto dos probiticos no desenvolvimento de sintomas alrgicos em bebs com alto risco de doena atpica. Na maioria deles, as mes consumiram probiticos antes do parto, e os bebs receberam probiticos aps o nascimento. Os resultados mostraram uma reduo no risco de eczema a partir dos 2 anos de idade. No geral, os resultados apontam para a especificidade das estirpes e tambm para a existncia de duas janelas de oportunidade separadas: em primeiro lugar, o consumo de probiticos pelas mes no perodo perinatal e, em segundo lugar, o uso de probiticos durante o desmame. Estudos j concludos ou em andamento tambm abordaram o manejo ou reduo de sintomas alrgicos, incluindo aqueles relacionados a eczema atpico ou rinite alrgica; os resultados so promissores, mas ainda no so conclusivos. Isso provavelmente reflete a complexidade de espectro das doenas alrgicas e o fato de que foram usados vrios desenhos de estudos diferentes.

  • 26 Monografias Concisas ILSI Europe

    PROBITICOS E PREBITICOS: MECANISMOS DE AO

    Mecanismo geralAcredita-se que tanto os probiticos quanto os prebiticos atuem principalmente com base em efeitos diretos ou

    indiretos sobre a microbiota e o ambiente intestinal e/ou sobre as funes do hospedeiro. No caso dos probiticos, consomem-se micro-organismos vivos, em doses que variam de ~108 a 1012 clulas/dia, dependendo do produto. Esse alto nmero de micro-organismos pode ter impacto maior no trato gastrointestinal superior, onde as densidades de micro-organismos existentes so mais baixas, mas acredita-se que esse impacto ocorra tambm no clon. Os prebiticos melhoram o crescimento da microbiota endgena ou, possivelmente, estimulam

    FIGURA 7.

    Os trs nveis de ao dos probiticos

    As bactrias probiticas podem interferir no crescimento ou sobrevivncia de micro-organismos patognicos no lmen intestinal (nvel 1). As bactrias probiticas podem aumentar a funo de barreira e o sistema imunolgico da mucosa (nvel 2) e, para alm do intestino, exercem efeito no sistema imunolgico sistmico, bem como em outras clulas e sistemas de rgos, como o fgado e o crebro (nvel 3). Fonte: Rijkers (2010).

  • Probiticos, Prebiticos e a Microbiota Intestinal 27

    o crescimento de probiticos quando administrados simultaneamente. Portanto, probiticos e prebiticos compartilham muitos mecanismos de ao comuns, mediados pelo impacto dos micro-organismos sobre o hospedeiro, que sero discutidos a seguir. No caso de efeitos relacionados somente aos prebiticos ou apenas aos probiticos, os mecanismos so menos conhecidos e foram mencionados na seo de efeitos na sade.

    Probiticos e prebiticos (por meio da estimulao de organismos comensais) tm efeito e interagem com o hospedeiro com base em dois modos de ao principais, ou uma combinao de aes (Figura 6):

    Impacto dos micro-organismos ou seus respectivos metablitos/enzimas no trato gastrointestinal e micro-biota do hospedeiro.

    Interao com as clulas e o sistema imunolgico do hospedeiro.

    Trato gastrointestinal e sua microbiota

    Conforme observado, as bifidobactrias e os lactobacilos no clon fermentam preferencialmente os carboidratos que escapam da digesto no trato gastrointestinal superior, o que resulta em um pH reduzido no clon. As bifidobactrias podem fermentar frutanos porque possuem uma enzima, a -frutofuranosidase, que, em outras bactrias, no existe ou apresenta atividade mais baixa; isso confere vantagens competitivas s bifidobactrias quando expostas a frutanos no intestino humano. Da mesma forma, a presena da -galactosidase nos lactobacilos ou estreptococos confere vantagens competitivas na fermentao de GOS. A metabolizao de frutanos prebiticos por bifidobactrias produz principalmente os componentes cidos acetato e lactato. A alimentao cruzada desses produtos de fermentao com outras espcies d origem ao butirato e ao propionato. O butirato e o propionato tambm so

    formados pela fermentao direta de outros carboidratos alimentares.

    Os benefcios de um pH mais baixo no clon estimulam a multiplicao e a sobrevivncia dos organismos comensais, que preferem condies mais cidas, e inibem a capacidade de alguns patgenos de se aderirem, crescerem, translocarem-se no epitlio ou colonizarem o trato gastrointestinal. Alm disso, h muito tempo j se sabe, com base em estudos in vitro de fibras alimentares fermentveis, que o butirato melhora a diferenciao celular da mucosa e isso possivelmente promove a funo de barreira do epitlio.

    A fermentao sacaroltica, ao mesmo tempo, reduz o potencial de efeitos adversos da fermentao de protenas e outros processos, que do origem a compostos nitrogenosos e sulfurosos, como a amnia, compostos N-nitrosos e azoicos, bem como sulfetos.

    Muitas bactrias produzem bacteriocinas, que so peptdeos ou protenas destinadas a reduzir a chance de sobrevivncia de organismos concorrentes. Observou-se em estudos in vitro que as bacteriocinas produzidas por bactrias probiticas reduzem a capacidade de patgenos, como a E. coli O157:H7, de se aderirem e invadirem clulas intestinais cultivadas em laboratrio. Tambm j foi relatada produo de bacteriocina aps a administrao de antibiticos. Esse pode ser um dos mecanismos pelos quais os probiticos e prebiticos reduzem a ocorrncia de infeces em humanos e animais, e aumentam a sobrevida de camundongos nos estudos em que se impem desafios letais com patgenos. Evidncias adicionais de suporte para esse mecanismo provm de estudos que utilizaram bactrias modificadas para deixar de produzir bacteriocinas. Nesse caso, esses organismos perdem sua capacidade de impedir a aderncia e translocao de patgenos em estudos in vitro e/ou de reduzir a ocorrncia de infeco/aumentar a sobrevida em animais infectados. Alm

  • 28 Monografias Concisas ILSI Europe

    disso, demonstrou-se in vitro que os probiticos alteram a expresso gnica de alguns patgenos, reduzindo, portanto, a respectiva virulncia.

    Alguns probiticos podem melhorar a funo de barreira da camada mucosa ou das clulas epiteliais. Evidncias de estudos com culturas de clulas indicam que um aumento na produo de mucinas pode ser obtido com a melhora da expresso gnica nas clulas caliciformes produtoras de muco, que revestem o trato gastrointestinal. O aumento da camada mucosa ajuda a proteger as clulas epiteliais da potencial translocao de patgenos e pode melhorar a eliminao de patgenos do trato gastrointestinal.

    Os probiticos podem tambm melhorar a capacidade das clulas especializadas de Paneth de produzir peptdeos antibacterianos conhecidos como defensinas. Essa hiptese respaldada por estudos in vitro que utilizaram clulas epiteliais intestinais (ex: Caco-2), cultivadas em tecido, demonstrando que determinados probiticos podem estimular a expresso do mRNA da -defensina e a secreo de peptdeos em humanos.

    Estudos in vitro indicam que probiticos e prebiticos podem afetar a funo de barreira do prprio epitlio, melhorando a resistncia das junes de ocluso, possivelmente porque exercem efeito sobre as protenas ali existentes (ex.: ocludinas e claudinas). O aumento da expresso de genes que codificam protenas da juno de ocluso foi recentemente demonstrado em um estudo realizado em voluntrios humanos, que consumiram uma estirpe especfica de Lactobacillus.

    Estudos animais e in vitro detectaram que probiticos especficos podem competir com patgenos por receptores nas clulas epiteliais ou na camada mucosa, evitando, portanto, a adeso e translocao de patgenos. Ao mesmo tempo, outros probiticos podem se ligar diretamente aos patgenos, reduzindo a capacidade destes de colonizar o intestino. H