problem based learning

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Fevereiro, 1998 139 1 Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina — UEL. Londrina /PR. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Neusi Aparecida Navas Berbel 1 BERBEL, N. N.: “Problematization” and Problem-Based Learning: different words or different ways? Interface — Comunicação, Saúde, Educação, v.2, n.2, 1998. Two important new proposals are described and analyzed: Methodology of Problematization and Problem-Based Learning. The two proposals, which develop from distinct theories, have common and divergent points. However, according to both proposals, teaching and learning develop from problems. According to Methodology of Problematization, the students are led to identify the problems from a certain reality, while according to Problem-Based Learning, the problems are formulated by specialists, so that they involve all the disciplines which compose a certain curriculum. Although these two proposals are different, they provide the students with new opportunities to learn. Keywords : Problem-Based Learning; Teaching. Duas importantes propostas inovadoras são objeto de descrição e análise comparativa: a Metodologia da Problematização e a Aprendizagem Baseada em Problemas. As duas propostas, que se desenvolvem a partir de visões teóricas distintas, têm pontos comuns e pontos diferentes. Nas duas propostas, o ensino e a aprendizagem ocorrem a partir de problemas. Na Metodologia da Problematização, enquanto alternativa de metodologia de ensino, os problemas são extraídos da realidade pela observação realizada pelos alunos. Na Aprendizagem Baseada em Problemas, enquanto proposta curricular, os problemas de ensino são elaborados por uma equipe de especialistas para cobrir todos os conhecimentos essenciais do currículo. O conhecimento de suas características não permite confundi-las, mas, com certeza, tomá-las como alternativas inspiradoras de um ensino inovador que ultrapasse a abordagem tradicional. Palavras-Chave : Aprendizado Baseado em Problemas; Ensino.

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Page 1: Problem Based Learning

Fevereiro, 1998 139

1 Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina — UEL. Londrina /PR.

A problematização

e a aprendizagem baseada

em problemas:

diferentes termos ou diferentes caminhos?

Neusi Aparecida Navas Berbel1

BERBEL, N. N.: “Problematization” and Problem-Based Learning: different words or different ways? Interface —

Comunicação, Saúde, Educação, v.2, n.2, 1998.

Two important new proposals are described and analyzed: Methodology of Problematization and Problem-Based

Learning. The two proposals, which develop from distinct theories, have common and divergent points.

However, according to both proposals, teaching and learning develop from problems. According to Methodology

of Problematization, the students are led to identify the problems from a certain reality, while according to

Problem-Based Learning, the problems are formulated by specialists, so that they involve all the disciplines

which compose a certain curriculum. Although these two proposals are different, they provide the students with

new opportunities to learn.

Keywords : Problem-Based Learning; Teaching.

Duas importantes propostas inovadoras são objeto de descrição e análise comparativa: a Metodologia da

Problematização e a Aprendizagem Baseada em Problemas. As duas propostas, que se desenvolvem a partir de

visões teóricas distintas, têm pontos comuns e pontos diferentes. Nas duas propostas, o ensino e a

aprendizagem ocorrem a partir de problemas. Na Metodologia da Problematização, enquanto alternativa de

metodologia de ensino, os problemas são extraídos da realidade pela observação realizada pelos alunos. Na

Aprendizagem Baseada em Problemas, enquanto proposta curricular, os problemas de ensino são elaborados por

uma equipe de especialistas para cobrir todos os conhecimentos essenciais do currículo. O conhecimento de suas

características não permite confundi-las, mas, com certeza, tomá-las como alternativas inspiradoras de um

ensino inovador que ultrapasse a abordagem tradicional.

Palavras-Chave : Aprendizado Baseado em Problemas; Ensino.

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140 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

Introdução

Algumas escolas que preparam profissionais para a área da saúde têm

surpreendido a comunidade interna e externa com inovações importantes na

maneira de pensar, organizar e desenvolver seus cursos.

Inspirados em exemplos de experiências de mais de 30 anos, realizadas no

Canadá ( em MacMaster) e na Holanda (em Maastricht) principalmente, e

também por recomendação das Sociedades das Escolas Médicas para países da

África, Ásia e América Latina, várias escolas de Medicina no Brasil vêm buscando

adotar a Aprendizagem Baseada em Problemas ( Problem Based Learning - PBL )

em seus currículos.

Paralelamente, cursos de Enfermagem nos Estados do Rio de Janeiro, Minas

Gerais, São Paulo e Paraná têm realizado importante movimento de incorporação

da Problematização em suas atividades curriculares normais e especiais. Tais

práticas (com a Problematização) já vêm sendo utilizadas por quase duas décadas

na preparação de Auxiliares de Enfermagem em serviço ou não, em Minas Gerais

e Rio de Janeiro.

Na Universidade Estadual de Londrina — PR, há seis anos desenvolvem-se um

projeto especial de ensino, na área da saúde, através da Problematização, tendo

como referência o Método do Arco, de Charlez Maguerez (apud Bordenave, 1982).

Tais inovações têm tido repercussões importantes. Tanto as positivas, por

suas características, pressupostos e conseqüências diferenciadas, provocadas pelo

discurso e pela prática daqueles que passam a apreciar as novas maneiras de

ensinar e de aprender, quanto as negativas, provocadas pelas resistências

naturais às mudanças e também por aqueles que, apressados, fazem pequenas

adaptações em suas práticas tradicionais (e então os resultados em geral não são

os esperados) e passam a denominá-las inconvenientemente com os termos que

aqui estamos considerando para análise e discussão - Aprendizagem Baseada em

Problemas e Problematização.

Desejosos de disseminar tais práticas educativas para ampliá-las no ensino,

enquanto propostas ou experiências, muitos são os que escrevem ou comentam

sobre elas. Observamos uma variedade muito grande de termos com os quais são

designadas, como por exemplo, técnica de ensino, método de ensino,

metodologia, pedagogia, proposta pedagógica, proposta curricular, estratégia de

ensino, currículo PBL, procedimento metodológico etc.

Page 3: Problem Based Learning

Fevereiro, 1998 141

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

Ainda observamos os que anunciam uma destas propostas com o nome da

outra, considerando que se trata do mesmo assunto ou aqueles que julgam que o

exercitar de uma das propostas é condição suficiente de preparo para a adoção

da outra.

Tais constatações constituíram o desafio para a elaboração deste texto, com

o qual pretendemos caracterizar a Problematização e a Aprendizagem Baseada

em Problemas, para podermos, junto com o leitor, responder à questão do título

que o anuncia: a Problematização e a Aprendizagem Baseada em Problemas são

diferentes termos ou diferentes caminhos?

Empenhar-nos-emos em defender a tese de que são diferentes caminhos.

Para provar essa tese, buscaremos destacar os pontos em que se aproximam e

os pontos em que se diferenciam as duas propostas.

Enquanto isso, vamos expondo ao leitor o nosso entendimento até o

momento e que nos permite uma designação diferente para as duas propostas: a

primeira - como Metodologia da Problematização e a segunda - provisoriamente

como Proposta Curricular de Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL) pela

observação de como vem sendo adotada em escolas de Medicina da UNESP-

Botucatu, na FAMEMA-Marília, na UEL-Londrina, entre outras instituições do país.

Entendemos que a necessidade desta comunicação, que não pretende ser

conclusiva mas provocativa, ocorre porque as duas propostas aqui consideradas

trabalham intencionalmente com problemas para o desenvolvimento dos

processos de ensinar e aprender. Esse fato facilita uma conclusão apressada ou

equivocada por aqueles que ainda têm poucas informações sobre as duas

propostas e as vêem superficialmente defendidas/explicadas por profissionais

da saúde e mesmo da educação.

A Metodologia da Problematização: algumas características.

Vamos iniciar caracterizando a Metodologia da Problematização, conforme

vimos formulando teórica e praticamente, nos últimos seis anos.

A primeira referência para essa Metodologia é o Método do Arco, de Charles

Maguerez, do qual conhecemos o esquema apresentado por Bordenave e Pereira

(1982). Nesse esquema constam cinco etapas que se desenvolvem a partir da

realidade ou um recorte da realidade: Observação da Realidade; Pontos-Chave;

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142 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

Teorização; Hipóteses de Solução e Aplicação à Realidade (prática). De seu autor

e do próprio esquema de Bordenave e Pereira não se obteve mais informações, o

que nos estimulou a buscar um entendimento mais profundo para poder utilizá-

lo amplamente.

Temos proposto a Metodologia da Problematização como metodologia de

ensino, de estudo e de trabalho, para ser utilizada sempre que seja oportuno, em

situações em que os temas estejam relacionados com a vida em sociedade.

Embora saibamos de sua utilização para cursos como um todo, principalmente

quando diretamente relacionado com a prestação de serviços à comunidade,

como é o caso da formação de Auxiliares de Enfermagem e de cursos para

Gerentes de Enfermagem (como aconteceu na UEL em 1995), temos proposto a

Metodologia da Problematização como uma alternativa metodológica apropriada

para o Ensino Superior.

Estamos conscientes de que nem sempre é a alternativa mais adequada para

certos temas de um programa de ensino. Não pensamos ensinar o uso de crase

através da Problematização, nem a tradução de palavras do português para

outra língua, ou o cálculo de certas expressões matemáticas... O que de social,

ético, econômico ou político estaria aí implicado? Há certamente temas que serão

mais bem aprendidos com uma ou mais alternativas metodológicas da imensa

lista à nossa disposição na literatura pedagógica.

Então, quando oportuna, a Metodologia da Problematização pode ser

desenvolvida como segue.

A primeira etapa é a Observação da Realidade social, concreta, pelos alunos, a

partir de um tema ou unidade de estudo. Os alunos são orientados pelo

professor a olhar atentamente e registrar sistematizadamente o que perceberem

sobre a parcela da realidade em que aquele tema está sendo vivido ou

acontecendo, podendo para isso serem dirigidos por questões gerais que ajudem

a focalizar e não fugir do tema.

Tal observação permitirá aos alunos identificar dificuldades, carências,

discrepâncias, de várias ordens, que serão transformadas em problemas, ou seja,

serão problematizadas. Poderá ser eleito um desses problemas para todo o grupo

estudar ou então vários deles, distribuídos um para cada pequeno grupo.

As discussões entre os componentes do grupo e com o professor ajudarão na

redação do problema, como uma síntese desta etapa e que passará a ser a

referência para todas as outras etapas do estudo.

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Fevereiro, 1998 143

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

Para realizar as atividades da segunda etapa que é a dos Pontos-Chaves, os

alunos são levados a refletir primeiramente sobre as possíveis causas da

existência do problema em estudo. Por que será que esse problema existe?

Neste momento os alunos, com as informações que dispõem, passam a

perceber que os problemas de ordem social (os da educação, da atenção à saúde,

da cultura, das relações sociais etc.) são complexos e geralmente

multideterminados. Continuando as reflexões, deverão se perguntar sobre os

possíveis determinantes maiores do problema, que abrangem as próprias causas

já identificadas. Agora, os alunos percebem que existem variáveis menos diretas,

menos evidentes, mais distantes, mas que interferem na existência daquele

problema em estudo.

Tal complexidade sugere um estudo mais atento, mais criterioso, mais crítico

e mais abrangente do problema, em busca de sua solução. A partir dessa análise

reflexiva, os alunos são estimulados a uma nova síntese: a da elaboração dos

pontos essenciais que deverão ser estudados sobre o problema, para compreendê-

lo mais profundamente e encontrar formas de interferir na realidade para

solucioná-lo ou desencadear passos nessa direção. Podem ser listados alguns

tópicos a estudar, perguntas a responder ou outras formas. São esses pontos -

chaves que serão desenvolvidos na próxima etapa.

A terceira etapa é a

da teorização. Esta é a

etapa do estudo, da

investigação

propriamente dita. Os

alunos se organizam

tecnicamente para buscar

as informações que

necessitam sobre o

problema, onde quer que

elas se encontrem,

dentro de cada ponto -

chave já definido. Vão à biblioteca buscar livros, revistas especializadas, pesquisas

já realizadas, jornais, atas de congressos etc.; vão consultar especialistas sobre o

assunto; vão observar o fenômeno ocorrendo; aplicam questionários para obter

informações de várias ordens (quantitativas ou qualitativas); assistem palestras e

aulas quando oportunas etc..

T.S

., 1

990

Page 6: Problem Based Learning

144 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

As informações obtidas são tratadas, analisadas e avaliadas quanto a suas

contribuições para resolver o problema. Tudo isto é registrado, possibilitando

algumas conclusões, que permitirão o desenvolvimento da etapa seguinte.

A quarta etapa é a das hipóteses de solução. Todo o estudo realizado deverá

fornecer elementos para os alunos, crítica e criativamente, elaborarem as

possíveis soluções. O que precisa acontecer para que o problema seja

solucionado? O que precisa ser providenciado? O que pode realmente ser feito?

Nesta metodologia, as hipóteses são construídas após o estudo, como fruto

da compreensão profunda que se obteve sobre o problema, investigando-o de

todos os ângulos possíveis.

A quinta e última etapa é a da Aplicação à Realidade. Esta etapa da

Metodologia da Problematização ultrapassa o exercício intelectual , “pois as

decisões tomadas deverão ser executadas ou encaminhadas. Nesse momento, o

componente social e político está mais presente. A prática que corresponde a

esta etapa implica num compromisso dos alunos com o seu meio. Do meio

observaram os problemas e para o meio levarão uma resposta de seus estudos,

visando transformá-lo em algum grau” (Berbel, 1996, p.8-9).

Completa-se assim o Arco de Maguerez, com o sentido especial de levar os

alunos a exercitarem a cadeia dialética de ação - reflexão - ação, ou dito de outra

maneira, a relação prática - teoria - prática, tendo como ponto de partida e de

chegada do processo de ensino e aprendizagem, a realidade social.

Em síntese, a Metodologia da Problematização tem uma orientação geral

como todo método, caminhando por etapas distintas e encadeadas a partir de

um problema detectado na realidade. Constitui-se uma verdadeira metodologia,

entendida como um conjunto de métodos, técnicas, procedimentos ou atividades

intencionalmente selecionados e organizados em cada etapa, de acordo com a

natureza do problema em estudo e as condições gerais dos participantes. Volta-se

para a realização do propósito maior que é preparar o estudante/ser humano

para tomar consciência de seu mundo e atuar intencionalmente para transformá-

lo, sempre para melhor, para um mundo e uma sociedade que permitam uma

vida mais digna para o próprio homem.

Com todo o processo, desde o observar atento da realidade e a discussão

coletiva sobre os dados registrados, mas principalmente com a reflexão sobre as

possíveis causas e determinantes do problema e depois com a elaboração de

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Fevereiro, 1998 145

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

hipóteses de solução e a intervenção direta na realidade social, tem-se como

objetivo a mobilização do potencial social, político e ético dos alunos, que

estudam cientificamente para agir politicamente, como cidadãos e profissionais

em formação, como agentes sociais que participam da construção da história de

seu tempo, mesmo que em pequena dimensão.

Está presente, nesse processo, o exercício da praxis e a possibilidade de

formação da consciência da praxis, como já buscamos demonstrar em texto

anterior (Berbel, 1996, p.7-17).

A Proposta Curricular de Aprendizagem Baseada

em Problemas e algumas de suas características

Conforme Sakai e Lima (1996), temos a seguinte apresentação sobre a

Aprendizagem Baseada em Problemas:

O PBL é o eixo principal do aprendizado teórico do currículo de

algumas escolas de Medicina, cuja filosofia pedagógica é o

aprendizado centrado no aluno. É baseado no estudo de

problemas propostos com a finalidade de fazer com que o aluno

estude determinados conteúdos. Embora não constitua a única

prática pedagógica, predomina para o aprendizado de conteúdos

cognitivos e integração de disciplinas. Esta metodologia é

formativa à medida que estimula uma atitude ativa do aluno em

busca do conhecimento e não meramente informativa como é o

caso da prática pedagógica tradicional.

Encontramos importantes referências sobre a Aprendizagem Baseada em

Problemas na Home Page da UEL, 1997 (http://www.uel.br/uel/pbl/). Nesse

material lemos que, a partir de definições importantes relacionadas às finalidades

do currículo do curso,

prepara-se um elenco de situações que o aluno deverá saber/

dominar. Este elenco é analisado situação por situação para que se

determine que conhecimentos o aluno deverá possuir para cada

uma delas. Este elenco constitui os temas de estudo. (...) Cada

tema será transformado em um problema para ser discutido em

um grupo tutorial, quando se tratar de um tema que diga respeito

à esfera cognitiva.

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146 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

A construção do problema, conforme orientações seguidas pela Faculdade de

Medicina da Universidade de Maastricht-Holanda, deve:

1. consistir de uma descrição neutra do fenômeno para o qual se

deseja uma explicação no grupo tutorial; 2. ser formulado em

termos concretos; 3.ser conciso; 4. ser isento de distrações; 5.

dirigir o aprendizado a um número limitado de itens; 6. dirigir

apenas a itens que possam ter alguma explicação baseada no

conhecimento prévio dos alunos; 7. exigir não mais que em torno

de 16 horas de estudo independente dos alunos para que seja

completamente entendido de um ponto de vista científico

(complementação e aperfeiçoamento do conhecimento prévio).

(Sakai e Lima, 1996)

Ao lado dos problemas, são organizadas situações para treinamento de

habilidades psicomotoras, assim como estágios de várias complexidades,

principalmente nos dois últimos anos - de internato. “A esfera cognitiva do

Currículo PBL deve garantir que o aluno estude situações suficientes para se

capacitar a procurar o conhecimento por si mesmo quando se deparar com

uma situação problema ou um caso clínico”.

A Aprendizagem Baseada em Problemas tem o grupo tutorial como apoio para

os estudos. O grupo tutorial é composto de um tutor e 8 a 10 alunos. Dentre os

alunos, um será o coordenador e outro será o secretário, rodiziando de sessão a

sessão, para que todos exerçam essas funções. No grupo, os alunos são apresentados

a um problema pré elaborado pela comissão de elaboração de problemas.

A discussão de um problema se desenrola em duas fases. Na

primeira fase o problema é apresentado e os alunos formulam

objetivos de aprendizado a partir da discussão do mesmo. Na

segunda fase, após estudo individual realizado fora do grupo

tutorial, os alunos rediscutem o problema à luz dos novos

conhecimentos adquiridos. (http://www.uel.br/uel/pbl/)

Nesse mesmo documento lemos que o método, no grupo tutorial, é seguido

em sete passos:

Page 9: Problem Based Learning

Fevereiro, 1998 147

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

1. Leitura do problema, identificação e esclarecimento de termos

desconhecidos; 2. Identificação dos problemas propostos pelo

enunciado; 3. Formulação de hipóteses explicativas para os

problemas identificados no passo anterior (os alunos se utilizam

nesta fase dos conhecimentos de que dispõem sobre o assunto); 4.

Resumo das hipóteses; 5. Formulação dos objetivos de aprendizado

( trata-se da identificação do que o aluno deverá estudar para

aprofundar os conhecimentos incompletos formulados nas

hipóteses explicativas); 6. Estudo individual dos assuntos

levantados nos objetivos de aprendizado; 7. Retorno ao grupo

tutorial para rediscussão do problema frente aos novos

conhecimentos adquiridos na fase de estudo anterior.

Uma carga horária é prevista para o estudo de cada problema. O grupo deve

organizar-se para cumprir os sete passos acima descritos dentro desse tempo—

em geral umas quatro manhãs ou tardes, para poder passar para o problema

seguinte.

São várias as formas de avaliação possíveis dentro do currículo baseado em

problemas. São previstas avaliações por módulos, avaliação progressiva dos

conhecimentos dos alunos, avaliação das habilidades esperadas em cada série e

avaliações informais, em que se observam as atitudes dos alunos. Com relação à

avaliação realizada ao final de cada módulo temático, lê-se na Home Page da

UEL (1997):

...tem por finalidade principal avaliar a qualidade do módulo. Um

módulo temático deve levar os alunos a atingirem determinados

objetivos de conhecimento. O núcleo central do módulo temático

são os problemas desenvolvidos para a abordagem dos temas. Um

bom problema deve ensejar uma boa discussão no grupo tutorial

de modo que ao fim desta discussão os alunos elejam objetivos de

aprendizado adequados ao conhecimento do tema em estudo.

(http://www.uel.br/uel/pbl/)

Não vamos esgotar aqui todas as características de um currículo baseado

em problemas. Vamos acrescentando mais algumas no item a seguir, mas vale

lembrar que para seu gerenciamento, várias comissões são necessárias, como a

Comissão de Currículo, a Comissão de Avaliação, as Comissões Diretoras e

outra que nos interessa ressaltar, a Comissão de Proposição de Problemas.

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148 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

Esta Comissão deve reunir um grupo habilitado na técnica de propor

problemas adequados ao desenvolvimento dos temas elaborados pela

Comissão de Currículo.

Características comuns e diferenciadoras das duas propostas.

Como percebemos pelo já descrito, temos aqui duas propostas metodológicas

bem diferentes. A primeira, como uma metodologia que pode ser utilizada para o

ensino de determinados temas de uma disciplina, nem sempre apropriada para

todos os conteúdos; a segunda, como uma metodologia que passa a direcionar

toda uma organização curricular.

Dentro desta perspectiva, as duas propostas assumem dimensões distintas,

porque a primeira é uma opção do professor e a segunda é uma opção de todo

um corpo docente, administrativo e acadêmico, já que as conseqüências afetam a

todos, durante todo o curso.

Como decorrência da opção feita pela Aprendizagem Baseada em Problemas,

definem-se porções de conteúdos, que serão tratados agora de modo integrado,

definem-se modos de agir para ensinar, para aprender, para administrar, para

apoiar, para organizar materiais ... Há necessidade de providências quanto à

biblioteca, que deve ser suficientemente equipada e espaçosa, horários e

organização de laboratórios, para as atividades opcionais, distribuição de temas

versos tempo, etc. Enfim, definem-se novos papéis para serem desempenhados

por todos os envolvidos. Todas essas características são bastante distintas dos

moldes tradicionais de ensinar e aprender e da organização curricular a que a

maioria quase absoluta das escolas estão acostumadas.

A opção pela Metodologia da Problematização não requer grandes alterações

materiais ou físicas na escola. As mudanças são mais na programação da

Disciplina . Requer sim alterações na postura do professor e dos alunos para o

tratamento reflexivo e crítico dos temas e na flexibilidade de local de estudo e

aprendizagem, já que a realidade social é o ponto de partida e de chegada dos

estudos pelo grupo de alunos.

Os problemas constituem um dos pontos comuns das duas propostas, mas

como já procuramos demonstrar antes (Berbel, 1994) e pelo acima descrito, fica

Page 11: Problem Based Learning

Fevereiro, 1998 149

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

clara a abordagem distinta dos problemas pelos integrantes do processo de

ensino-aprendizagem.

Na Metodologia da Problematização, os problemas são identificados pelos

alunos, pela observação da realidade, na qual as questões de estudo estão

acontecendo. Observada de diferentes ângulos, a realidade manifesta-se para

alunos e professores com suas características e contradições, nos fatos concretos

e daí são extraídos os problemas. A realidade é problematizada pelos alunos. Não

há restrições quanto aos aspectos incluídos na formulação dos problemas, já que

são extraídos da realidade social, dinâmica e complexa.

Na Aprendizagem Baseada em Problemas, os problemas são cuidadosamente

elaborados por uma Comissão especialmente designada para esse fim. Deve haver

tantos problemas quantos sejam os temas essenciais que os alunos devem

estudar para cumprir o Currículo, sem os quais não poderão ser considerados

aptos para exercer a profissão. E, como lemos em Sakai e Lima(1996), devem

“consistir de uma descrição neutra do fenômeno em estudo , ser isento de

distrações e ainda serem completamente entendidos de um ponto de vista

científico” (grifos nossos).

A Aprendizagem Baseada em Problemas tem uma seqüência de problemas a

serem estudados. Ao término de um, inicia-se o estudo do outro. O conhecimento

adquirido em cada tema é avaliado ao final de cada módulo, com base nos

objetivos e nos conhecimentos científicos.

Na Metodologia da Problematização, após o estudo de um problema poderão

surgir outros, como desdobramentos do primeiro, só percebidos pelos alunos

com o estudo aprofundado deste. Os conhecimentos científicos também são

importantes e são buscados na etapa da teorização. No entanto, ao mesmo

tempo são buscadas as percepções ou representações de pessoas que vivem o

problema ou convivem com situações em que está presente, além de informações

de outras fontes. Os diferentes tipos de saberes são conjugados pelos alunos

enquanto constróem seus conhecimentos, que envolvem relações entre o técnico-

científico e o social, político, ético...

Pela própria responsabilidade em garantir os conhecimentos mínimos

exigidos pelo Currículo, na Aprendizagem Baseada em Problemas os objetivos

cognitivos são todos previamente estabelecidos e os construídos pelos estudantes

deverão coincidir com os dos especialistas do Currículo. Em caso contrário, os

problemas devem ser substituídos para que se encontrem outros mais efetivos

para provocar tais aprendizagens.

Page 12: Problem Based Learning

150 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

Na Metodologia da Problematização não há controle total dos resultados em

termos de conhecimentos. Eles são buscados para responder ao problema em

estudo, este entendido amplamente, considerando-se suas possíveis causas e

determinantes, que em geral ultrapassam os aspectos técnico-científicos. Os

resultados não são de todo previstos, a não ser em termos da vivência das atividades

pelo aluno em todas as etapas do processo. Os conteúdos tanto podem não

satisfazer ao professor em termos do que gostaria de ver apreendido pelos alunos,

quanto podem surpreender ao professor e ao próprio grupo quando descobrem

aspectos e relações não previstos. Se ocorre o primeiro caso, o professor poderá /

deverá providenciar outra

forma e momento para

suprir o essencial do

programa não atingido

naquele tema.

Ambas incluem

hipóteses a serem

formuladas pelos alunos.

Na Aprendizagem

Baseada em Problemas,

as hipóteses são

elaboradas pelos alunos

sobre as possíveis

explicações do problema

antes de seu estudo,

como uma forma de estimulá-los a partir dos conhecimentos que já dispõem,

pelas suas experiências anteriores.

Na Metodologia da Problematização há um momento semelhante a este, mas

aí os alunos analisam as possíveis causas e possíveis determinantes maiores do

problema a estudar. As explicações não são somente relacionadas aos

conhecimentos técnico-científicos. Este é um momento crítico de buscar captar

relações sociais, políticas, econômicas... Também aí os alunos partem de seus

conhecimentos prévios, que poderão ser comprovados ou reformulados pelo

estudo na Teorização. As hipóteses, porém, são formuladas após o estudo,

quando já contando com informações científicas, técnicas, legais, históricas,

empíricas ou outras, formulam as hipóteses de solução, que orientarão a

intervenção na realidade da qual se extraiu o problema.

Page 13: Problem Based Learning

Fevereiro, 1998 151

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

Ambas as propostas incluem também o trabalho em grupo. Na Metodologia

da Problematização, o grupo trabalha junto o tempo todo, com a supervisão de

um professor. Em alguns momentos poderão distribuir tarefas, mas retornam

sempre para o grupo, que vai construindo o conhecimento através das etapas do

Arco. Na Aprendizagem Baseada em Problemas, o grupo inicia junto o

conhecimento e discussão do problema e retorna depois para a rediscussão no

grupo tutorial, quando os estudos individuais já foram feitos. Professores

especialistas podem ser consultados durante o estudo.

Na Metodologia da Problematização, os estudos ocorrem na etapa da

Teorização, quando se buscam as informações sobre os pontos-chave, onde quer

que elas se encontrem, contando para isso com o uso de técnicas e instrumentos

de coleta de dados usuais na pesquisa científica, mas podendo utilizar também

recursos não convencionais, como depoimentos escritos, orais etc., quando

significativos para compreensão do problema.

Na Aprendizagem Baseada em Problemas, o estudo se dá essencialmente na

biblioteca, quando os alunos buscam atingir os objetivos cognitivos que

elaboraram para alcançar, a partir dos problemas.

Deste modo, é possível entender que a Aprendizagem Baseada em Problemas

lança mão do conhecimento já elaborado para aprender a pensar e raciocinar

sobre ele e com ele formular soluções para os problemas de estudo. A

Metodologia da Problematização, além disso, é um desafio para a construção de

novos conhecimentos, pela aproximação da realidade em que o tema em estudo é

vivido por diferentes atores sociais.

Há também uma grande diferença quanto ao uso dos resultados dos estudos.

Na Aprendizagem Baseada em Problemas, os conhecimentos serão utilizados para

resolver os problemas como exercício intelectual e nas práticas de laboratório e/

ou com pacientes.

Segundo Thomson (1996,p.7), além dos objetivos cognitivos “é dada muita

importância à aquisição de habilidades, através de aprendizagem em modelos,

pacientes simulados, observação intensa do que é normal e também a

aprendizagem de habilidades dos estudantes com os estudantes”.

Para a resolução dos problemas, no entanto, o estudo individual é importante

para a retenção dos conhecimentos. Após o estudo individual pelos alunos, esses

resultados são apresentados e discutidos no grupo tutorial, a partir do que

estarão preparados para serem avaliados no final do módulo. Inicia-se, então, o

estudo de outro problema.

Page 14: Problem Based Learning

152 Interface – Comunic, Saúde, Educ 2

NEUSI APARECIDA NAVAS BERBEL

Na Metodologia da Problematização os resultados deverão voltar-se para

algum tipo de intervenção na realidade, na mesma realidade na qual foi

observado o problema, imediatamente, dentro do nível possível de atuação

permitido pelas condições gerais de aprendizagem, de envolvimento e de

compromisso social do grupo.

A etapa da Aplicação à Realidade é uma etapa prática e transformadora. O

grau de intervenção depende de vários fatores, mas alguma intervenção deve

ocorrer ou então não será a Metodologia da Problematização, com os passos do

Arco de Charles Maguerez.

Percebe-se assim que tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada

das duas propostas são diferentes e é possível que a explicação maior esteja em

seus fundamentos teóricos.

Vimos explicando e desenvolvendo a Metodologia da Problematização como

uma alternativa metodológica que busca mediar a concepção Histórico-Crítica da

Educação e o trabalho pedagógico do professor com seus alunos (Berbel, 1995 e

1996). Encontramos para isso respaldo na Filosofia da Praxis (Adolfo Sanchez

Vazquez) e na Pedagogia Libertadora/Problematizadora (Paulo Freire e outros),

com inspiração nos princípios do Materialismo Histórico Dialético. A máxima

ação-reflexão-ação transformadora é o eixo básico de orientação de todo o

processo.

A Aprendizagem Baseada em Problemas tem como inspiração os princípios da

Escola Ativa, do Método Científico, de um Ensino Integrado e Integrador dos

conteúdos, dos ciclos de estudo e das diferentes áreas envolvidas, em que os

alunos aprendem a aprender e se preparam para resolver problemas relativos à

sua futura profissão.

Por todas essas razões cremos ser possível afirmar que Problematização e

Aprendizagem Baseada em Problemas não são apenas dois termos, mas dois

caminhos diferentes de ensino e de formação profissional, com diferentes

conseqüências.

O Curso de Medicina da UEL implantará, em 1998, uma nova proposta

curricular com a opção pela Aprendizagem Baseada em Problemas, para a

organização dos primeiros quatro anos de formação.

Paralelamente a essa inovação, para um curso que completa 30 anos em

1997, a comissão responsável pela organização da proposta se lança também o

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Fevereiro, 1998 153

A PROBLEMATIZAÇÃO E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

desafio de incluir como atividade curricular o Projeto Especial de Ensino (PEEPIN)

que se desenvolve com alunos dos cinco cursos da área da saúde na UEL desde

1992 e que se utiliza da Metodologia da Problematização para essa atividade

acadêmica.

Mesmo sendo dois caminhos, foram considerados compatíveis pela Comissão

de desenvolvimento do novo currículo, por valorizarem a experiência com a

Metodologia da Problematização como “adequada para o desenvolvimento da

interação de professores e alunos no desempenho de atividades de ensino e

pesquisa nos cenários de ensino comunitários e dos serviços de saúde”

(Projeto... 1997, p.12).

Esta abertura é sem dúvida nenhuma promissora. O entendimento profundo

do potencial de cada uma dessas propostas provavelmente permitirá uma

atuação docente criativa, crítica e também cada vez mais conscientemente

política (no sentido da postura político-pedagógica).

Por último, podemos reforçar que o conhecimento das características das

duas propostas como as ensaiadas aqui, as já descritas em outros textos e muitas

outras que podem ser descobertas com a experiência, não permitirá confundi-las,

mas com certeza tomá-las como alternativas inspiradoras de um Ensino Superior

inovador, que ultrapasse a insistente abordagem tradicional. Além disso, devemos

considerar que

“as verdaderas innovaciones serán el resultado de las

características, necesidades e imaginación local de quienes las

hagan... El cambio es parte del proceso educacional. Los métodos

van mejorando y seguiremos aprendiendo”.

Venturelli, J.

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