procedimentos técnicos de tradução

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Procedimentos técnicos de tradução _ Uma proposta de reformulação Rafael Lanzetti, Danielle Bessa, FabianaGuedes, Rosana de Freitas e Vinicius Cruz de Moura Resumo: Este artigo apresenta uma nova tabela de procedimentos técnicos de tradução, recategorizada e ampliada, a partir das propostas de Barbosa (1990) e de Lanzetti (2006). Nesta tabela, os procedimentos foram categorizados de acordo com os paradigmas schleiermacherianos de tradução estrangeirizadora e domesticadora (2001ª e b). Com base nessa recategorização, redefinimos os procedimentos técnicos de tradução e incluimos outros a partir da análise de traduções selecionadas, feitas por alunos e profissionais de tradução ao longo de dois anos, de 2006 a 2008. Palavras-chave: tradução, procedimentos técnicos, Schleiermacher Este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de reformulação, recategorização e ampliação da tabela de procedimentos técnicos de tradução compilada por Heloisa Barbosa em seu livro Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta de 1990. Procedimentos técnicos de tradução são, segundo Barbosa (1990: 17), “ações de cunho lingüístico e técnico praticadas por tradutores a fim de realizar pragmaticamente o processo de tradução”. Em seu livro, Barbosa faz um levantamento dos modelos de procedimentos tradutórios de Vinay-Darbelnet (1977), Nida (1964 e 1966), Catford (1965), Vázquez-Ayora (1977) e Newmark (1981). A partir desses modelos, Barbosa compila sua própria proposta de como traduzir a partir de um quadro de categorização dos procedimentos técnicos, pois, segundo a autora, “devido às

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Este artigo apresenta uma nova tabela de procedimentos técnicos de tradução, recategorizada e ampliada, a partir das propostas de Barbosa (1990) e de Lanzetti (2006). Nesta tabela, os procedimentos foram categorizados de acordo com os paradigmas schleiermacherianos de tradução estrangeirizadora e domesticadora (2001ª e b). Com base nessa recategorização, redefinimos os procedimentos técnicos de tradução e incluimos outros a partir da análise de traduções selecionadas, feitas por alunos e profissionais de tradução ao longo de dois anos, de 2006 a 2008.

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Page 1: Procedimentos técnicos de tradução

Procedimentos técnicos de tradução _ Uma proposta de reformulação

Rafael Lanzetti, Danielle Bessa, FabianaGuedes, Rosana de Freitas e Vinicius Cruz de Moura

Resumo: Este artigo apresenta uma nova tabela de procedimentos técnicos de tradução, recategorizada e ampliada, a partir das propostas de Barbosa (1990) e de Lanzetti (2006). Nesta tabela, os procedimentos foram categorizados de acordo com os paradigmas schleiermacherianos de tradução estrangeirizadora e domesticadora (2001ª e b). Com base nessa recategorização, redefinimos os procedimentos técnicos de tradução e incluimos outros a partir da análise de traduções selecionadas, feitas por alunos e profissionais de tradução ao longo de dois anos, de 2006 a 2008.

Palavras-chave: tradução, procedimentos técnicos, Schleiermacher

Este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de reformulação,

recategorização e ampliação da tabela de procedimentos técnicos de

tradução compilada por Heloisa Barbosa em seu livro Procedimentos

técnicos de tradução: uma nova proposta de 1990.

Procedimentos técnicos de tradução são, segundo Barbosa (1990: 17),

“ações de cunho lingüístico e técnico praticadas por tradutores a fim de

realizar pragmaticamente o processo de tradução”. Em seu livro, Barbosa faz

um levantamento dos modelos de procedimentos tradutórios de Vinay-

Darbelnet (1977), Nida (1964 e 1966), Catford (1965), Vázquez-Ayora (1977)

e Newmark (1981). A partir desses modelos, Barbosa compila sua própria

proposta de como traduzir a partir de um quadro de categorização dos

procedimentos técnicos, pois, segundo a autora, “devido às discrepâncias

entre os modelos descritivos de procedimentos técnicos da tradução e à

divergência terminológica entre eles, é necessário propor-se uma nova

caracterização de tais procedimentos” (BARBOSA, 1990: 63). Esse quadro é

reproduzido a seguir:

Page 2: Procedimentos técnicos de tradução

Tabela 1: Proposta de categorização dos procedimentos técnicos da

tradução

Convergência do sistema

lingüístico, do Estilo e da Realidade

Extralingüística

Divergência do sistema

lingüístico

Divergência do Estilo

Divergência da realidade

extralingüística

Tradução palavra-por-

palavra

Tradução literal

Transposição

Modulação

Equivalência

Omissão VS Explicitação

Compensação

Reconstrução

Melhorias

Transferência

Transferência com explicação

Decalque

Explicação

Adaptação

(BARBOSA, 1990: 93)

Page 3: Procedimentos técnicos de tradução

No entanto, pode ser difícil estabelecer fronteiras entre os

procedimentos técnicos da tradução, uma vez que um procedimento pode

requerer outro, ser mesclado com um terceiro, ou mesmo ser conseqüência

de um quarto. Talvez, na atividade tradutória, alguns dos procedimentos e

estratégias que os sujeitos utilizam não façam parte dessas categorizações.

Algumas vezes, os procedimentos e estratégias podem aparecer acoplados

uns aos outros, e seria difícil dizer onde termina um e começa outro, ou qual

deles está numa posição superior na hierarquia de uma determinada ação.

A fim de ampliar o leque de procedimentos, recategorizá-los e defini-

los com mais especificidade, Lanzetti (2006) propõe uma nova tabela,

apresentada a seguir.

1.1. Nova Tabela de Procedimentos Técnicos de Tradução

Lanzetti decidiu, a partir dos paradigmas tradutórios schleiermacherianos

(SCHLEIERMACHER, 2001b), dividir os procedimentos em duas categorias

principais – procedimentos estrangeirizadores e procedimentos

domesticadores. Os procedimentos estrangeirizadores aproximam o texto de

chegada do texto original através do recurso de manutenção de itens

lexicais, estruturas e estilo. Os procedimentos domesticadores afastam o

texto de chegada do texto original, aproximando a tradução das estruturas

linguísticas e da realidade extratextual da língua e da sociedade-alvo.

A seguir, apresentamos a tabela e descrevemos cada um dos procedimentos

categorizados:

Tabela 2: Procedimentos técnicos de tradução – Reformulação proposta por

Rafael Lanzetti (2006)

1. Categorias de procedimentos

Page 4: Procedimentos técnicos de tradução

1.1. Estrangeirizadores

2. Domesticadores

1.1. Procedimentos estrangeirizadores

1. Tradução palavra-por-palavra

2. Manutenção

1. de itens lexicais do texto-fonte (empréstimo)

1. sem aclimatação (empréstimo direto)

2. com aclimatação (aportuguesamento)

3. decalque

4. hibridismo

2. de estruturas sintáticas do texto-fonte

1. manutenção da ordem dos elementos

sintáticos

3. do estilo do texto-fonte

1.1. manutenção do uso de sinais de

pontuação

2. manutenção do registro

3. manutenção do layout

4. manutenção do uso de voz passiva/voz

ativa

5. manutenção do uso de

coordenação/subordinação

6. manutenção do uso de marcadores do

discurso

7. manutenção do uso de referências

(endóforas/exóforas)

8. manutenção da adjetivação

Page 5: Procedimentos técnicos de tradução

9. manutenção da complexidade/fluidez

estilística

4. de itens culturais da cultura-fonte

2. Prodedimentos domesticadores

1. Domesticação do sistema linguístico

1. Transposição

2. Modulação

3. Equivalência

1. de expressões idiomáticas, ditados, provérbios

etc.

2. funcional

4. Sinonímia

5. Paráfrase

2. Domesticação do estilo

1. Omissão

2. Explicitação

3. Generalização (uso de hiperônimo)

4. Especificação (uso de hipônimo)

5. Compensação

1. Ibidem

2. Alibi

6. Reconstrução

1. sintática

2. semântica

7. Equivalência estilística (melhoria)

8. Mudança de registro

9. Mudança de complexidade/fluidez estilística

10. Adaptação

3. Domesticação da realidade extra-linguística

1. Transferência

2. Explicação

Page 6: Procedimentos técnicos de tradução

1. intratextual (entre parênteses, entre vírgulas

etc.)

2. pára-textual (notas do tradutor, prefácio etc.)

3. Ilustração

1.2 Descrição dos procedimentos estrangeirizadores

Os procedimentos estrangeirizadores são dois, a saber: tradução palavra-

por-palavra e manutenção.

A tradução palavra-por-palavra pressupõe que o texto de chegada terá o

mesmo número de palavras do texto original, obrigatoriamente na mesma

ordem sintática.

Ex.: She went to the supermarket yesterday.

Ela foi ao supermercado ontem.

Neste exemplo, embora o número de palavras não seja o mesmo na

tradução, por conta da contração da preposição e do artigo definido, o

procedimento empregado foi a tradução palavra-por-palavra. Esse

procedimento é utilizado todas as vezes em que o texto original não

apresenta nenhuma dificuldade tradutória lexical, estrutural ou cultural e sua

tradução pode ser feita sem nenhuma alteração lexical, sintática ou

extratextual. Embora a tradução palavra-por-palavra tenha ganhado

conotações pejorativas ao longo da evolução da teoria da tradução, esse

procedimento é utilizado em larga escala, principalmente em textos técnicos

por conta de sua simplicidade sintática e consequente universalização

estrutural.

A manutenção, denominada anteriormente por outros autores tradução

literal, é subdividida em quatro subcategorias: manutenção de itens lexicais

do texto-fonte, manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte,

Page 7: Procedimentos técnicos de tradução

manutenção do estilo do texto-fonte e manutenção de itens culturas da

cultura-fonte.

A manutenção de itens lexicais do texto-fonte, também conhecida

como empréstimo, ocorre quando o tradutor decide manter, no texto de

chegada, um item lexical da língua-fonte. O empréstimo pode ser feito sem

aclimatação ortográfica quando, por exemplo, o tradutor decide manter a

palavra feedback no texto de chegada em português; ou com aclimatação,

quando palavras estrangeiras adquirem nova forma ortográfica condizente

com o sistema fonético-ortográfico da língua de chegada. Ex.: New York >

Nova Iorque, whisky > uísque, football > futebol. O empréstimo pode ainda

ser feito por decalque, em que os morfemas formadores da palavra na

língua-fonte são traduzidos para a língua de chegada (ex.: skyscraper >

arranha-céus, hi-fi > alta fidelidade, science-fiction > ficção científica), e por

hibridismo, em que um neologismo é formado a partir de morfemas lexicais

de duas ou mais línguas diferentes (ex.: iceberg, do ing. ice, gelo + alem.

Berg, montanha; e agricultura, do gre. ager, campo + lat. cultura).

A manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte é utilizada

quando tais estruturas ou ordens sintáticas da língua-fonte coincidem com a

estrutura ou a ordem sintática da língua-alvo.

Ex.: Long time no see you!

Há quanto tempo não vejo você!

Neste exemplo, o número de palavras do texto-alvo não é o mesmo do

texto-fonte, portanto o procedimento não pode ser caracterizado como

tradução palavra-por-palavra. No entanto, a ordem estrutural permaneceu a

mesma. No texto-fonte temos [adj. adv. de tempo] + [adj. adv. de negação]

+ [verbo na 1ª pess. do sing.] + [obj. direto], exatamente a mesma estrutura

do texto de chegada.

Page 8: Procedimentos técnicos de tradução

No procedimento de manutenção do estilo do texto-fonte, podem ser

mantidos os sinais de pontuação do texto-fonte, o registro (formal, neutro,

informal), o layout (disposição gráfica dos elementos do texto na página), a

frequência de uso da voz passiva e/ou da voz ativa, o uso de coordenações

e/ou subordinações, o uso de marcadores do discurso (certo, agora, veja

bem, entende, quero dizer, dentre outros), o uso de referências dêiticas

(intratextuais, ou endóforas) através de pronomes dêiticos, sinonímia e

substituição lexical, e referências exóforas (cujos referentes não estejam

presentes no texto); o uso de adjetivação e a complexidade ou fluidez

estilística com que o texto-original tenha sido escrito.

Na manutenção de itens culturais da cultura-fonte, o tradutor decide

reproduzir o item cultural do texto-fonte no texto de chegada sem nenhuma

explicação ou explicitação. Isso ocorre principalmente quando o tradutor

julga que o item cultural presente no texto-fonte é compreensível ao público-

leitor do texto de chegada.

1.3 Descrição dos procedimentos domesticadores

1.3.1 Domesticação do sistema lingüístico

Os procedimentos de domesticação do sistema linguístico pressupõem

mudanças na estrutura do texto-fonte ao traduzi-lo à língua-alvo para que se

adeque à estrutura sintática e lexical da língua de chegada.

1.3.1.1 Transposição

Transposição é a mudança da ordem sintática de um ou dois

elementos sintáticos do texto-fonte. Ocorre por razões de obrigatoriedade

sintática ou pragmática da língua de chegada.

Ex. 1: Rick is a very tall man.

Rick é um homem muito alto.

Page 9: Procedimentos técnicos de tradução

Neste exemplo, o sintagma nominal [very tall] foi transposto da

posição anterior ao núcleo do sujeito no texto original para a posição

posterior ao núcleo do sujeito no texto de chegada. Aqui, a transposição é

pragmaticamente obrigatória, já que a sentença [Rick é um muito alto

homem] seria apragmática.

Ex. 2: German scientists discovered a new type of stem-cell on Friday.

Na sexta-feira, cientistas alemães descobriram um novo tipo de célula-tronco.

Neste exemplo, a transposição do adjunto adverbial de tempo do fim

da sentença no texto-fonte para o início da sentença no texto-alvo não era

obrigatória. No entanto, a partir de observações de textos jornalísticos,

parece que, em português do Brasil, prefere-se colocar os adjuntos

adverbiais de tempo e lugar no início das sentenças, ao contrário do inglês

americano, em que os adjuntos adverbiais aparecem com mais frequência

no final das sentenças.

1.3.1.2 Modulação

A modulação ocorre quando a palavra do texto-fonte muda de classe

gramatical ao ser traduzida para a língua-alvo.

Ex. 1: Introducing the concept of gene.

Introdução ao conceito de gene.

Neste exemplo, a palavra [introducing], um verbo no gerúndio, é

modulada para um substantivo na língua de chegada.

A modulação também ocorre quando um verbo no gerúndio é

traduzido para o infinitivo ou vice-versa.

Ex. 2: Connecting the cables.

Page 10: Procedimentos técnicos de tradução

Como conectar os cabos.

1.3.1.3 Equivalência

O procedimento de equivalência é dividido em duas subcategorias –

equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios; e equivalência

funcional.

A equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios ocorre

quando há, na língua de chegada, uma expressão idiomática, ditado ou

provérbio com o mesmo valor semântico e que use os mesmos símbolos ou

alusões da expressão idiomática da língua-fonte.

Ex. 1: Not all that glitters is gold.

Nem tudo que reluz é ouro.

Ex. 2: Better late than never.

Antes tarde que nunca.

Ex. 3: Can you give me a hand?

Você pode me dar uma mão?

Nos dois primeiros exemplos, provérbios populares ingleses foram traduzidos

pelos correspondentes na língua portuguesa, que utilizam os mesmos

símbolos e possuem o mesmo valor semântico dos provérbios da língua-

fonte. No exemplo 3, a expressão idiomática [to give a hand] foi traduzida

pela sua correspondente em português, que utiliza igualmente o mesmo

referente [mão] e possui o mesmo valor semântico.

A equivalência funcional ocorre quando a expressão idiomática, provérbio ou

ditado da língua-fonte não possui correspondente na língua-alvo com os

mesmos símbolos e referentes, mas utiliza outros para chegar ao mesmo

valor semântico. Possuem, portanto, a mesma função semântica.

Page 11: Procedimentos técnicos de tradução

Ex. 4: The one who sleeps with dogs wakes up with fleas.

Quem se junta aos porcos, farelo come.

Ex. 5: The squeeky wheel gets the grease.

Quem não chora não mama.

No exemplo 4, o ditado popular foi traduzido por outro com a mesma

estrutura lógico-sintática, porém com outros referentes. No exemplo 5, o

ditado traduzido por equivalência funcional não possui a mesma estrutura

sintática, mas expressa o mesmo valor semântico-funcional.

1.3.1.4 Sinonímia

A sinonímia é utilizada quando o tradutor traduz um elemento lexical

do texto-fonte por um sinônimo na língua-alvo.

Ex. 1: My uncle used to play the accordion we he was young.

Meu tio tocava sanfona quando era jovem.

Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar um sinônimo para [accordion],

sanfona, no lugar de acordeon.

Ex. 2: Chelsea won the championship on the last round.

O Chelsea venceu o certame na última rodada.

Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar o sinônimo certame no lugar da

tradução imediata para championship, campeonato.

1.3.1.5 Paráfrase

A tradução por paráfrase ocorre quando o tradutor decide utilizar

estruturas mais longas e menos diretas para expressar, no texto-alvo,

elementos do texto-fonte. O eufemismo geralmente é construído a partir de

paráfrases.

Page 12: Procedimentos técnicos de tradução

Ex. 1: In my opinion, the President lied about the corruption scandal.

Na minha opinião, o presidente faltou com a verdade em relação ao escândalo de corrupção.

Neste exemplo, o tradutor decidiu usar uma estrutura parafrástica

eufemística para expressar o verbo [to lie] do texto-fonte.

A paráfrase também ocorre quando uma estrutura sintática da língua-

fonte precisa ser traduzida por uma estrutura mais longa na língua-alvo.

Ex. 2: How proficient are you in Chinese?

Como você avalia seu grau de proficiência em chinês?

Aqui o tradutor utilizou uma estrutura parafrástica, portanto mais longa, para

expressar o mesmo valor semântico da estrutura sintética da língua-fonte.

1.3.2 Domesticação do estilo

Os procedimentos de domesticação do estilo pressupõem mudanças

na estrutura estilística do texto-fonte para que se adeque à estrutura

estilístico-pragmática da língua-alvo.

1.3.2.1 Omissão

A omissão é utilizada quando o tradutor decide não traduzir para o texto-alvo

algum item lexical ou estrutura do texto-fonte.

Ex.: Capoeira, an interesting blend of dance and martial arts, is facing gradual revival in Brazil.

A capoeira está passando por uma gradual revitalização no Brasil.

Aqui o tradutor decidiu omitir o aposto relacionado à capoeira no texto-alvo,

talvez por considerar que o público-leitor do texto traduzido não necessitava

da explicação dada no texto-fonte.

Page 13: Procedimentos técnicos de tradução

1.3.2.2 Explicitação

O procedimento de explicitação é utilizando quando o tradutor decide

acrescer ao texto-alvo alguma informação não expressa no texto-fonte.

Ex.: The IRS may collect over 2 billion dollars in taxes this year.

Este ano, a Receita americana deve arrecadar mais de 2 bilhões de dólares em impostos.

Neste exemplo, o tradutor decidiu explicitar a informação de que se tratava

da Receita dos Estados Unidos, já que tal informação, subentendida no texto

original, daria a impressão, no texto-alvo, de que se tratava da Receita

Federal brasileira.

Ex. 2: Elite Squad was the Golden Bear Award-Winner in 2008.

O filme Tropa de Elite foi o vencedor do Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim em 2008.

Neste exemplo, o tradutor explicitou o item lexical filme e a informação de

que o prêmio foi concedido no Festival de Cinema de Berlim.

1.3.2.3 Generalização e especificação

Os procedimentos de generalização e especificação ocorrem quando o

tradutor utiliza, para traduzir um determinado item lexical do texto-fonte,

hiperônimos e hipônimos, respectivamente.

Ex. 1: When I opened the door, my palmtop was not there anymore.

Quando abri a porta, meu computador não estava mais lá.

Neste exemplbo, o tradutor utilizou generalização do termo palmtop, pois

usou o hiperônimo computador.

Ex. 2: The famous Brazilian “farofa” is made with fried flour and sausages.

Page 14: Procedimentos técnicos de tradução

A famosa farofa brasileira é feita com farinha de mandioca e linguiça.

Aqui o tradutor decidiu especificar o tipo de farinha utilizada através de um

hipônimo, farinha de mandioca. O uso desse recurso pode ter ocorrido

porque o tradutor, de posse da informação que faltava no texto-fonte,

considerou que era seu dever incluí-la no texto-alvo.

1.3.2.4 Compensação

Compensação é a tentativa, por parte do tradutor, de utilizar o mesmo

recurso estilístico usado no texto-original, porém com referentes ou símbolos

diferentes. A compensação é ibidem quando ocorre no mesmo lugar

(parágrafo ou período) onde o recurso estilístico reproduzido do texto-

original se encontra; e alibi quando o tradutor, vendo-se impossibilitado de

reproduzir o mesmo recurso estilístico do texto-original no mesmo lugar em

que aparece, decide fazê-lo em outro parágrafo ou outro período do texto-

alvo. A compensação é utilizada geralmente quando há, no texto-fonte,

incidências de jogos de palavras, rimas e anedotas.

Ex.: “You sit here and car.”

“OK, what kind of car am I?”

“A 280-Zit.”

“Você fica aqui e finge que é um carro”

“Tá certo, e que tipo de carro eu sou?”

“Um Mercedes Classe A-cne.”

No diálogo acima, retirado de um filme de comédia americano, dois irmãos

estavam conversando sobre a promissora carreira de modelo de Kate, a

irmã. A menina queria treinar para o próximo trabalho que iria realizar, o de

modelo numa exposição de automóveis. Para tanto, ela pede que o irmão

finja ser um carro (…you sit here and car.), a fim de que possa fazer as poses

Page 15: Procedimentos técnicos de tradução

de modelo. O irmão adolescente pergunta a Kate que tipo de carro ele seria,

ao que ela responde 280-Zit, uma alusão ao Datsun 280Z, um carro luxuoso

conhecido do público norte-americano, acrescido do jogo de palavra [Z

zit], uma alusão ao fato de o irmão ser um adolescente cheio de acnes. Ao

traduzir, o tradutor, vendo-se impossibilitado de usar o mesmo referente

para produzir o jogo de palavras, decidiu usar o Mercedes Classe-A, um carro

igualmente luxuoso e conhecido do público-leitor brasileiro, com o qual

poderia construir a polissemia utilizando a palavra acne, mantendo assim a

comicidade do texto original.

1.3.2.5 Reconstrução

O procedimento de reconstrução pressupõe mudanças na ordem

sintática e na estrutura estilística de toda a sentença (reconstrução sintática)

ou na estrutura lógico-semântica da sentença (reconstrução semântica) a

fim de manter o valor semântico do texto-fonte.

Ex. 1: We examined the patients after taking the prescribed medicine and came to the conclusion that the substances utilized are harmless.

Os pacientes foram examinados após tomarem a medicação prescrita e chegou-se à conclusão de que as substâncias utilizadas são inofensivas.

Neste exemplo, a voz ativa do texto-fonte foi reconstruída para a voz passiva

no texto-alvo.

Ex. 2: Specialists are convinced that the WTC Twins were demolished rather than crashed down by the airplanes.

Os especialistas estão convencidos de que a causa da queda das torres gêmeas foi implosão, e não a colisão com os aviões como antes se pensava.

Neste exemplo, o tradutor reconstruiu sintaticamente todo a oração

subordinada objetiva indireta, substantivando os verbos demolish e crash,

Page 16: Procedimentos técnicos de tradução

acrescentando o substantivo causa, o verbo-cópula ser e o predicativo do

sujeito, além de uma oração adverbial no final do período. Esse tipo de

construção mais nominalizada que verbalizada é muito comum em textos

jornalísticos no Brasil. No inglês, a tendência parece ser inversa – os jornais

em língua inglesa, de acordo com nossa observação, parecem preferir a

verbalização.

Ex. 4: The father arrived, hugged his daughter and kissed her in the mouth.

Ao chegar, o pai deu um abraço em sua filha e a beijou na testa.

No exemplo 4, o tradutor decidiu reconstruir semanticamente o período e

substituiu o referente boca por testa. Ao ser indagado sobre o porquê da

escolha, o tradutor em questão afirmou que, no Brasil, é muito incomum um

pai dar um beijo na boca de sua filha de 15 anos e preferiu usar uma

estrutura semântica que não chamasse a atenção dos leitores, mais

“neutra”.

Ex. 5: Oh, your test was not bad at all, Alex.

Alex, sua prova está muito boa.

No exemplo 5, o tradutor decidiu reconstruir o vetor de sentido negativo do

texto-fonte e transformá-lo num texto-alvo com vetor de sentido positivo,

utilizando para tanto o procedimento de reconstrução semântica.

1.3.2.6 Equivalência estilística

A equivalência estilística, também conhecida como melhoria, é usada

quando o tradutor inclui no texto padrões retóricos relacionados com a

tipologia textual a qual o texto pertence. Esse recurso é utilizado geralmente

para explicitar características estilísticas da tipologia textual não presentes

no texto-fonte.

Page 17: Procedimentos técnicos de tradução

Ex.: The little girl said she was carrying a basket of food to her grandmother.

A menininha disse que estava levando uma cesta de doces para a vovozinha.

Neste exemplo, o tradutor utiliza o procedimento de equivalência estilística

para traduzir basket of food por cesta de doces e grandmother por

vovozinha. Após identificar que o texto-fonte pertence à tipologia textual

conto infantil, o tradutor decidiu explicitar, no texto-alvo, padrões retóricos

pertencentes a essa tipologia que não estavam explícitos no texto-fonte.

1.3.2.7 Mudança de registro

A mudança de registro ocorre quando o tradutor decide traduzir um

texto com registro informal para linguagem formal (ou neutra) ou vice-versa.

Ex.: Hey, asshole, I’m going to bust your head all over this fucking parking lot!

Ei, seu babaca, eu vou estourar seus miolos por toda essa droga de estacionamento!

Neste exemplo, o tradutor evitou utilizar palavras ofensivas de baixo calão e

decidiu “neutralizar” o registro do texto. No entanto, essa decisão nem

sempre cabe ao tradutor. As agências de tradução que prestam serviços de

tradução para dublagem e legendagem de material áudio-visual, por

exemplo, possuem regras estritas de uso de palavras de baixo calão e

coloquialismos. Os tradutores que trabalham para tais agências precisam

seguir os manuais de estilo fornecidos pelas empresas.

1.3.2.8 Mudança de complexidade/fluidez estilística

O procedimento de mudança de complexidade/fluidez estilística é mais

amplo, e sua observação pressupõe a análise de todo o texto traduzido. A

mudança na complexidade estilística do texto é alcançada através do uso de

Page 18: Procedimentos técnicos de tradução

outros procedimentos tradutórios domesticadores do sistema linguístico, do

estilo e da realidade extralinguística. Esse procedimento é utilizado quando,

por alguma razão, o tradutor ou o cliente consideram que o texto original é

complexo ou simples demais estilística ou semanticamente e o público-leitor,

por essa razão, não o aceitaria naturalmente.

1.3.2.9 Adaptação

O procedimento de adaptação também só pode ser observado a partir

de uma análise de todo o texto traduzido e é alcançado através de outros

procedimentos descritos neste trabalho. A adaptação ocorre, por exemplo,

quando um texto originalmente escrito para o público adulto é traduzido

para ser publicado para o público infantil, ou quando o texto-fonte foi escrito

originalmente para o cinema e é traduzido para ser publicado como

romance. A adaptação pressupõe mudanças profundas no estilo do texto,

adaptando-o ao novo contexto editorial e/ou ao público ao qual se destinará

a tradução.

1.3.3 Domesticação da realidade extralinguística.

Os procedimentos de domesticação da realidade extralinguística

implicam mudanças ou substituições dos itens culturais e referências

exóforas presentes no texto-fonte.

1.3.3.1 Transferência

Transferência é a substituição de um item cultural do texto-fonte num

item cultural de mesma função no texto-alvo.

Ex. 1: Mount McKinley has the height of 135 Statues of Liberty.

O Monte McKinley possui a altura equivalente a 165 estátuas do Cristo Redentor.

Page 19: Procedimentos técnicos de tradução

Neste exemplo, o tradutor decidiu substituir a referência à Estátua da

Liberdade por uma referência mais próxima do público-alvo, já que muito

mais brasileiros têm idéia aproximada da altura do monumento ao Cristo

Redentor que da Estátua da Liberdade novaiorquina.

Ex. 2: My daughter is going to throw a great party at her Sweet 16.

Minha filha vai dar uma grande festa nos seus 15 anos.

No exemplo 2, o tradutor decidiu substituir o referente à festa de debutantes

aos 16 anos nos EUA e Inglaterra pela referência à tradição latina de celebrar

o começo da idade adulta aos 15 anos.

Ex. 3: Jesus é o Cordeiro de Deus.

Jesus é a Foca de Deus. (tradução da Bíblia para a língua Ynuit)

No exemplo 3, os tradutores da Bíblia para a língua Ynuit dos esquimós

habitantes do Norte do Canadá e Groenlândia expressam sua preferência

pela domesticação através de transferência de itens culturais dos judeus

palestinos para itens conhecidos de fácil compreensão dos esquimós que

possuem as mesmas importância e função nas duas culturas.

1.3.3.2 Explicação

O procedimento de explicação é utilizado quando o tradutor

acrescenta, no texto-alvo, um aposto elucidando a composição ou função de

um determinado elemento da cultura a que pertence o texto-fonte. A

explicação pode vir entre parênteses ou entre vírgulas (explicação

intratextual), ou em nota de rodapé, nota do tradutor (NdT), nota de fim de

livro ou no prefácio (explicação paratextual). As edições da Bíblia para

estudo contêm muitas explicações paratextuais sobre termos-chave das

línguas dos originais para acrescentar elucidações sobre polissemias e

implicações não expressas pela tradução.

Page 20: Procedimentos técnicos de tradução

1.3.2.3 Ilustração

O procedimento de ilustração é utilizado quando o tradutor acrescenta ao

texto formas gráficas, ícones ou desenhos/fotos para tornar clara a tradução

do texto-fonte. Este procedimento é geralmente utilizado em manuais

técnicos, em que fotos dos aparelhos, botões, substâncias ou materiais

referidos no texto-fonte aparecem ao lado de seus referentes.

As descrições dos procedimentos técnicos de tradução independem de

qualquer julgamento quanto à legitimidade ou à adequação de uso. O

emprego de cada procedimento é altamente dependente do contexto

tradutório e das personagens envolvidas no contrato de tradução. Cabe aos

pesquisadores de tradução, principalmente aos que realizam pesquisas

cognitivas através de protocolos verbais e textuais, investigar como e por

que os procedimentos são utilizados nos mais diversos contextos tradutórios,

tanto em tradução técnica como em tradução literária.

Por fim, é possível dizer que as fronteiras entre os procedimentos não são

estáticas e por vezes podem se apresentar congruentes. Procedimentos de

transposição e reconstrução podem se confundir em determinadas

situações, os limites da adaptação e da mudança de registro podem não se

apresentar claros, os procedimentos de paráfrase e explicitação podem, em

determinados contextos, ser considerados congruentes, dentre muitos

outros problemas de análise detectados. Cabe ao pesquisador e ao crítico de

tradução estabelecer essas fronteiras onde a tabela aqui apresentada possui

hiatos.

Abstract: This article presents a new, recategorized and enlarged table of translation procedures based on the previous works of Barbosa (1990) and Lanzetti (2006). The procedures were categorized according to the translation paradigms proposed by Schleiermacher (2001a & b), namely – the foreignizing and domesticing translation paradigms. Based on this recategorization, we redefine existing translation procedures and include

Page 21: Procedimentos técnicos de tradução

others as of the analysis of translations done by translators in training and professional translators collected within the years of 2006 and 2008.

Key words: translation, translation procedures, Schleiermacher

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas: Pontes, 1990

CATFORD, J. C. A linguistic theory of translation. Oxford: Oxford University, 1965

LANZETTI, Rafael. Domesticação e Estrangeirização nas Estratégias e Procedimentos Tradutórios de Tradutores Aprendizes. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. Dissertação de Mestrado do Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, 2006

NEWMARK, Peter. Approaches to translation. Oxford: Pergamon, 1981

NIDA, Eugene. Toward a science of translating: with special reference to principles and procedures involved in Bible translating. Leiden: Brill, 1964

___________ . Principles of translation as exemplified by Bible translating. In: BROWER, Reuben A. On translation. Nova Iorque: Oxford University, 1966

SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Über die verschiedenen Methoden des Übersezens, 2001a. In: HEIDERMANN, Werner (org.) Antologia: Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis: Editora UFSC, p. 27-86, 2001a

SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Sobre os diferentes métodos de tradução. Trad.: Margarete von Mühlen Poll, 2001b. In: HEIDERMANN, Werner (org.) Antologia:

Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis: Editora UFSC, p. 26-87, 2001

VÁZQUEZ-AYORA, G. Introducción a la traductología: curso básico de traducción. Washington: Georgetown University, 1977

VINAY, J.-P. e DARBELNET, J. Stylistique comparée du français et de l’anglais: méthode de traduction. Paris: Didier, 1977

Edições

Page 22: Procedimentos técnicos de tradução

o Edição número 7 – 2009 o Sobre a Revista do ISAT o Contato

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© Copyright 2009 Instituto Superior Anísio Teixeira

MÉTODOS EM TRADUÇÃO

TRADUÇÃO COMUNICATIVA

Tem como objectivo tornar a mensagem mais acessível ao destinatário.

A tradução, segundo este método, realiza-se na perspectiva do

destinatário. É, portanto, mais um ofício que uma arte.

Características mais relevantes:

- é melhor que o original, na medida em que ganha em força e clareza,

embora perca em estilo;

- permite corrigir ou melhorar o enunciado, dando esclarecimentos em

notas de rodapé.

- suprime ambiguidades ou faltas de clareza

- elimina repetições;

- elimina ou clarifica a gíria;

Page 23: Procedimentos técnicos de tradução

- normaliza o estilo do autor;

TRADUÇÃO SEMÂNTICA

 

Tem como objectivo recriar o texto respeitando o preciso sentido das

palavras. Este tipo de tradução preserva o estilo do autor.

Características mais marcantes:

- é inferior ao original, pois perde em clareza na transmissão da

mensagem;

- as correcções e aperfeiçoamentos são inadmissíveis;

- não requer adaptações culturais.

TRADUÇÃO INTERPRETATIVA

 

Tem como objectivo transmitir uma mensagem, após a apreensão global do sentido. Permite reformulações, criando equivalentes contextuais inéditos. Defende a tradução livre, desde que se respeitem as intenções do texto de partida.

O texto é encarado como um todo (não se traduzem palavras, mas um discurso determinado por uma situação, num contexto preciso).

A tradução é um acto de comunicação e de (re-) criação.

Page 24: Procedimentos técnicos de tradução

O sentido depende de factores linguísticos, extra-linguísticos e situacionais, visto que o processo interpretativo se realiza ao nível da língua em situação.

Este método pressupõe duas fases:

1. Interpretação global da mensagem;

2. (Re-)criação do texto na língua de chegada.

Na consecução desta 2a fase, dever-se-ão ter em conta os seguintes aspectos:

- clareza de ideias;

- correcção ortográfica;

- pontuação;

- correcção gramatical;

- selecção adequada do vocabulário;

- nível de língua.

 

Vantagens deste método:

- os alunos associam palavras à intenção comunicativa;

- privilegia a espontaneidade, a capacidade comunicativa, mais do que a correcção gramatical.

 

Inconvenientes deste método:

Page 25: Procedimentos técnicos de tradução

- dificuldades linguísticas grandes, quer na língua de partida, quer na de chegada.

TRADUÇÃO COM BASE NA ANÁLISE DO DISCURSO

 

Tem como objectivo atender à globalidade do texto. Traduzir textos e

não palavras ou frases.

Principais conceitos:

- Coesão, isto é, a articulação entre as frases gramatical e lexicalmente;

- coerência, isto é, unidade nocional e lógica do texto.

Propriedades de um texto:

- estilo;

- intenção do texto;

- intenção do tradutor;

- tipo de texto;

- correcção formal e lexical;

- nível de língua;

- função da linguagem;

Page 26: Procedimentos técnicos de tradução

- pontuação;

- contexto epocal, situacional e referencial;

- sexo e idade do autor;

- situação do leitor;

- grau de formalidade/generalidade;

- características pragmáticas.

Conclusão:

  Antes de escolher o método deve proceder-se à seguinte análise:

Tradução - Acto de comunicação

    Autor

 

 

 

 

Destinatário

 

 

 

 

Contexto situacional:

- Quem fala?

- A quem fala?

- Qual o objectivo?

- Qual o contexto?

TRADUÇÃO - DEFINIÇÕES

«A tradução boa é a que capta fielmente, a La traduction, c'est une succession

Page 27: Procedimentos técnicos de tradução

cem por cento, tudo exactamente como lá está, sem a preocupação do resultado estético em Português, que nesses casos pode não ser equivalente, nem se aproximar do resultado estético na língua original. (... traduzir) é conseguir um texto equivalente; quando nos restringimos cegamente ao original, obtém-se um texto que diz o mesmo, talvez, mas que não está dotado dos mesmos encantos orquestrais que o original tem, portanto, não dá o mesmo prazer na leitura.»

(Expresso, 16-5-87)

 

 

 

Faire que ce qui était énoncé dans une langue le soit dans une autre, en tendant à 1'équivalence sémantique et expressive des deux énoncés.

Fondement didactique de Ia traduction technique, Christine Durieux

 

continuelle de prises de décision.

- En traduction écrite, 1'emploi du terme technique exact est un impératif.

- La traduction de textes techniques ne se ramène pas exclusivement à la recherche de correspondances pré-établies de termes techniques.

- II n'y a pas une traduction idéale; il est très souvent possible d'exprimer un même message de différentes façons.

- On ne traduit pas une succession de mots, mais un message, des mots successifs pris isolément qui le composent.

- On ne traduit pas pour comprendre, mais on comprend pour traduire.

- II y a 1'antériorité de la compréhension par rapport au passage à la langue d'arrivée.

Fondement didactique de Ia traduction technique,

Christine Durieux

Em nenhum caso, repetimos, será possível uma tradução sem objectivo bem definido e é este que, em todos os casos, determina a estratégia a adoptar para que tal objectivo seja obtido da melhor maneira possível nas circunstâncias de chegada. Não é o texto de partida o factor determinante, não o é a fidelidade a este, mas a "fidelidade" ao objectivo, à intenção ao destino que se dá ao texto de chegada. O factor central de cada tradução é o texto de chegada.

Podemos estabelecer, portanto, como regra fundamental da tradução a interpretação que o receptor, dentro da sua situação, deverá apreender da mensagem. Esta teoria opõe-se frontalmente à tradicional tradução à letra.

Esboço de Uma Teoria da Tradução, Hans Vermee

 

Page 28: Procedimentos técnicos de tradução

Esboço de uma Teoria da Tradução, Hans Vermeer

 

 

A tradução consiste em reproduzir na língua receptora a mensagem da língua de origem, por meio do equivalente mais próximo e mais natural, primeiramente no que diz respeito ao sentido, em seguida no que concerne ao estilo.

La traduçtion; théorie et méthode, C: Taber e E. A. Nida, Londres, Ailiance Biblique Universelle, 1971

 

 

A tradução é pois a passagem de um texto original, redigido numa língua de chegada. Tem por fim dar a conhecer ao leitor o que foi escrito numa língua estrangeira. Para isso, o tradutor terá obviamente de compreender para traduzir.

Programa de Técnicas de Tradução, Ministério da Educação e Cultura, 10-10-79

.

 

 PROPOSTA DE ACTIVIDADE

1- Ler atentamente os conceitos apresentados nos documentos

2- Deduzir as semelhanças e diferenças entre eles.

3-  Apresentar as conclusões.

 

Tradutor e Intérprete

Natureza do Trabalho

Os tradutores e os intérpretes são os profissionais responsáveis pela transposição de textos ou discursos de uma língua para outra, permitindo que pessoas que escrevem e falam em línguas diferentes possam comunicar entre si. Apesar da maioria das pessoas julgar que ambos traduzem, na realidade não é isso que acontece: em regra, enquanto o tradutor traduz textos escritos, o intérprete interpreta discursos orais.

Os tradutores são os profissionais que traduzem textos de revistas, livros e documentos de diferentes géneros, sejam estes de natureza literária, técnica ou científica. Para tal, lêem e

Page 29: Procedimentos técnicos de tradução

estudam o texto original, apreendem o seu sentido geral e, em seguida, procedem à sua tradução, procurando respeitar com a máxima fidelidade possível as ideias e o pensamento nele presentes e aplicando a terminologia mais correcta. Estes profissionais fazem também a tradução de legendas de filmes, de peças de teatro, de desenhos animados e de programas audiovisuais, para que estes possam ser sonorizados, dobrados ou legendados. Os tradutores que se dedicam à legendagem de audiovisuais são também designados de marcadores de legendas.

Os intérpretes transpõem um discurso oral emitido numa língua para outra língua e funcionam como elo de ligação entre pessoas que comunicam verbalmente entre si em idiomas diferentes. As principais modalidades de interpretação existentes são a interpretação de acompanhamento, a interpretação judicial e a interpretação de conferência. O intérprete de acompanhamento é o profissional que, acompanhando determinada pessoa, interpreta em ambos os sentidos os diálogos que esta estabelece com interlocutores que comunicam numa outra língua. A interpretação judicial, por seu lado, é a interpretação que é realizada no âmbito de um julgamento e a interpretação de conferência é a que tem lugar em reuniões multilíngues formais, designadamente congressos, seminários, conferências, mesas-redondas, encontros ou jornadas.

 

Os intérpretes de conferência recorrem a dois métodos de trabalho distintos, consoante o tipo de reunião: a interpretação consecutiva e a interpretação simultânea. A interpretação consecutiva é o método mais adequado para as conversações que envolvem um número reduzido de idiomas e de participantes, tais como pequenas reuniões técnicas entre especialistas. Nestes casos, o intérprete de conferência encontra-se junto do orador, ouvindo a sua intervenção e tirando apontamentos; em seguida, interpreta integralmente numa outra língua o discurso ocorrido, como se este fosse seu (isto é, na primeira pessoa do singular). O modo simultâneo, por seu lado, é o método mais adequado para encontros que envolvem um largo número de participantes, garantindo a transposição quase imediata dos discursos orais. No modo simultâneo, a equipa de intérpretes instala-se em cabinas (existem sempre, pelo menos, dois intérpretes por cada cabina), junto de um microfone e com auscultadores, e ouve as intervenções faladas numa determinada língua, transmitindo-as em outras línguas, ao ritmo a que são proferidas, para os ouvintes na sala. A interpretação simultânea permite que os participantes num dado encontro multilíngue possam ouvir e falar a sua própria língua durante toda a reunião.

Quer os tradutores quer os intérpretes necessitam de conhecer profundamente as línguas com as quais trabalham, principalmente a sua própria língua. Conhecer a cultura dos países onde essas línguas são faladas é também indispensável, nomeadamente no que se refere à sua actualidade política, económica e social. É-lhes exigido, ainda, o respeito pelo sentido, estilo e espírito do que traduzem ou interpretam. Os manuais técnicos, por exemplo, exigem ao tradutor o domínio aprofundado de termos e expressões técnicas, sob pena de induzir em erro quem os lê. A tradução de um poema requer um conhecimento profundo do seu autor, das respectivas obras e da sua cultura: a linguagem poética baseia-se muito em imagens e metáforas e o tradutor tem que saber reproduzi-las de forma perceptível e, simultaneamente, manter as suas características literárias.

Page 30: Procedimentos técnicos de tradução

Os intérpretes, por seu lado, devem ter uma certa espontaneidade de expressão, dado que a linguagem oral é, normalmente, mais informal que a escrita. Assim, é-lhes necessário conhecer expressões quotidianas e de gíria existentes nos idiomas que dominam e que grande parte das pessoas utiliza quando fala. Devem ter, ainda, uma grande capacidade de concentração e de memória, treino auditivo e rápida compreensão dos discursos orais, de forma a não perderem nenhuma informação: nas conferências, por exemplo, a maioria das pessoas não se lembra que as suas intervenções estão a ser interpretadas, falando muito rapidamente (sobretudo se estiverem a ler). Como agravante, os intérpretes nunca têm a hipótese de voltar a ouvir o que foi dito. É essencial, por isso, que também tenham excelentes faculdades de análise e de síntese, de forma a que, preservando a continuidade e o sentido dos discursos orais, consigam manter o ritmo da intervenção, sem perder informação.

Nos últimos anos, a inovação tecnológica tem trazido algumas modificações ao desempenho destes profissionais. Os tradutores, por exemplo, viram as suas tarefas facilitadas com a ajuda do computador: Graças a ele, é-lhes possível trabalhar o texto com mais facilidade e podem instalar software de apoio à sua actividade, como programas informáticos de tradução, dicionários electrónicos e bases de dados terminológicas. Este tipo de software é bastante útil nas traduções de textos que utilizam expressões muito técnicas e cujas terminologias não são muito familiares ao tradutor. O Serviço de Tradução da Comissão Europeia, por exemplo, é um grande utilizador de ferramentas informáticas linguísticas para a tradução assistida por computador. As ferramentas que usa vão desde a tradução automática até aos dicionários terminológicos, passando pelos sistemas de memórias de tradução, os quais gerem uma base de dados de frases traduzidas anteriormente. O desenvolvimento informático levou também ao aparecimento de software específico para a tradução e marcação de legendas, permitindo que estas duas tarefas possam ser realizadas simultaneamente.

Tradutor e Intérprete

ONDE PODEM TRABALHAR?

De uma forma geral, os tradutores podem trabalhar para editoras livreiras, centros de documentação, gabinetes de tradução, empresas ligadas à actividade turística e ao comércio internacional e organismos estatais. Normalmente, a actividade destes profissionais é exercida individualmente e em regime liberal (como trabalhadores independentes). Existem, todavia, tradutores por conta de outrém nas entidades acima referidas e outros que optam por trabalhar em conjunto e montam empresas ou gabinetes, com vista a prestar serviços às organizações que necessitam ocasionalmente de trabalhos de tradução. Nos últimos anos, estes gabinetes têm tido uma procura crescente devido ao aparecimento das televisões privadas que necessitam de especialistas para a legendagem de filmes, programas e espectáculos estrangeiros. Mais recentemente, a televisão por cabo - com programas legendados em português - veio também criar mais hipóteses de trabalho. No mercado de trabalho internacional, os nossos tradutores têm algumas hipóteses de trabalho (ainda que reduzidas) nas grandes organizações internacionais multilíngues que utilizam o português como língua de trabalho, entre as quais se destacam as instituições comunitárias. Estas organizações, além de empregarem tradutores permanentes, recorrem também a tradutores independentes externos.

Page 31: Procedimentos técnicos de tradução

Tal como os tradutores, os intérpretes são procurados tanto por organismos nacionais e organizações internacionais como por outras entidades que necessitam de recorrer ocasionalmente aos seus serviços. As suas hipóteses de trabalhar como trabalhadores por conta de outrém no mercado nacional são, no entanto, muito mais difíceis, uma vez que praticamente não existem entidades empregadoras nacionais que tenham intérpretes a tempo inteiro ao seu serviço, sendo os intérpretes de conferência particularmente afectados por esta situação. Em Portugal, os serviços dos intérpretes de conferência que trabalham como profissionais liberais são procurados por instituições públicas e entidades privadas que organizam conferências internacionais no país e no estrangeiro (empresas, ministérios, organizações e associações patronais, sindicais e profissionais, etc.).

No mercado internacional, as oportunidades de trabalho dos intérpretes de conferência resumem-se às organizações internacionais com sede no estrangeiro onde as suas línguas de trabalho são necessárias. As organizações internacionais que têm o português como língua de trabalho não são muitas, mas existem algumas que necessitam de intérpretes com o português como língua passiva (língua a partir da qual interpretam para outros idiomas). De entre as potenciais entidades empregadoras de intérpretes de conferência de língua portuguesa, destacam-se as instituições da União Europeia, o Conselho da Europa e as instituições das Nações Unidas. Tal como acontece com os tradutores, estas organizações recrutam os intérpretes de conferência mediante concurso. Como também precisam de recorrer a serviços externos de interpretação, estas organizações criam, ainda, possibilidades de trabalho aos intérpretes de conferência que trabalham como independentes, regra geral, submetendo-os a um teste.

No nosso país, o acesso às actividades de tradução e de interpretação não está por enquanto regulamentado, pelo que nada impede que pessoas sem a qualificação apropriada exerçam estas actividades. De facto, quem necessita de serviços de tradução e de interpretação opta, por vezes, por contratar pessoas que, apesar de saberem falar ou escrever correctamente na língua materna e em línguas estrangeiras, não são competentes para assegurar o elevado nível de qualidade e rigor destes serviços, pois não detêm as capacidades pessoais nem os conhecimentos técnicos e linguísticos que são exigidos. Apesar do mercado de trabalho dos tradutores e dos intérpretes especializados não estar saturado - existe procura de serviços de qualidade -, esta situação traz-lhes dificuldades, pois têm de enfrentar uma mão-de-obra não qualificada que lhes retira algumas oportunidades de trabalho.

Em Portugal, a localização geográfica destes profissionais centra-se nos grandes centros urbanos (com destaque para Lisboa e Porto), pois é aí que existe maior necessidade dos seus serviços. No plano internacional, a procura de tradutores e intérpretes de língua portuguesa localiza-se principalmente em Bruxelas, dado que é nesta cidade belga que está situada a maioria das instituições da União Europeia onde o português é uma das línguas oficiais de trabalho.

Tradutor e Intérprete

Page 32: Procedimentos técnicos de tradução

CURSOS

Os cursos superiores existentes na área da tradução e da interpretação são, nomeadamente, os seguintes:

A- Ensino Público:

1- Bacharelato + Licenciatura

- Tradução

. Escola Superior de Educação de Faro da Universidade do Algarve

.  Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria

2- Bacharelato

- Tradução e Relações Internacionais

.Escola Superior  de Educação de Castelo Branco do Instituto Politécnico de Castelo Branco

B- Ensino Particular e Cooperativo

1- Licenciaturas:

- Tradução

. Instituto Superior de Línguas e Administração (Lisboa e Leiria)

- Tradutores e Intérpretes

. Univ. Autónoma de Lisboa Luís de Camões

. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa)

- Tradução e Interpretação em Línguas Modernas

. Instituto Superior de Línguas e Administração (Santarém)

- Ciências da Tradução e Cultura Comparada

. Instituto Superior de Línguas e Administração (Vila Nova de Gaia)

2- Bacharelato + Licenciatura

- Tradução e Interpretação

Page 33: Procedimentos técnicos de tradução

. Instituto Superior de Assistentes e Intérpretes (Porto)

Fonte: Guia de Acesso ao ETradutor e Intérprete

COMPLEMENTO DE FORMAÇÃO 

Apesar de incluírem matérias consideradas úteis para o exercício das actividades de tradução e de interpretação, a opinião das associações profissionais que representam os tradutores e os intérpretes de conferência é a de que, de uma forma geral, estes cursos precisam de ser complementados com uma formação prática adequada às necessidades do mercado de trabalho, aos requisitos impostos pelas organizações internacionais e à complexidade das funções inerentes a estas profissões. De acordo com estas associações, quem queira ser um profissional especializado em tradução e/ou interpretação deve complementar o máximo possível a sua formação, nomeadamente através da frequência de intercâmbios universitários em países estrangeiros e da realização de cursos de aperfeiçoamento, no país e no estrangeiro.

Em Portugal, e na área da tradução, além dos cursos acima referidos, existem, ainda, cursos em Línguas e Literaturas Modernas, com opções curriculares em Tradução. Quem pretenda aprofundar os seus conhecimentos técnicos e linguísticos tem ao seu dispor diversas formações em Tradução (cursos de especialização, pós-graduações, mestrados, etc.), destinadas a diplomados na área e/ou a tradutores profissionais. Além da formação académica, os estudantes e os profissionais desta área devem recorrer também à auto-aprendizagem, procurando obter conhecimentos por outras vias. Com esse objectivo, devem-se equipar com todos os meios formativos auxiliares possíveis, designadamente livros e dicionários de consulta e de investigação, bem como software de apoio a trabalhos de tradução.

A necessidade de complementar a formação académica também é comum aos intérpretes, mas é na área da interpretação de conferência que ela é maior. De acordo com as associações profissionais portuguesas que representam os intérpretes de conferência, a preparação académica óptima para o exercício desta profissão consiste numa licenciatura seguida de uma pós-graduação ou uma especialização em interpretação de conferência. Em Portugal, a única oferta formativa que existe a este nível é o Curso de Especialização em Interpretação de Conferência, ministrado pelo Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho.

A escolha das línguas de trabalho deve ser muito bem pensada e feita de acordo com as necessidades do mercado de trabalho e com o trajecto profissional que se pretende percorrer. Um primeiro factor a ter em conta é que as oportunidades de trabalho são tanto maiores quanto maior o número de línguas com as quais se trabalha: quem domine mais do que uma língua estrangeira pode, à partida, aceitar mais trabalhos do que aquele que só conhece apenas uma língua estrangeira. Por outro lado, deve-se procurar obter uma combinação linguística menos vulgar. Na área da tradução, o mercado de trabalho está sobretudo saturado de profissionais que dominam somente o inglês e/ou o francês, pelo que é aconselhável saber trabalhar com outras línguas. Na área da interpretação, e apesar de alguma saturação, esta combinação linguística continua a ser a

Page 34: Procedimentos técnicos de tradução

mais procurada. Contudo, é conveniente - embora não seja indispensável - poder trabalhar com duas línguas activas (línguas para as quais se interpreta) e dominar pelo menos mais uma terceira, passiva.

No mercado de trabalho internacional, e sobretudo para quem deseje vir a ser intérprete de conferência, a combinação linguística mais procurada nos intérpretes de língua portuguesa é o inglês, o francês e uma terceira língua estrangeira menos habitual. Atendendo às necessidades das instituições europeias, esta terceira língua pode ser o alemão, o dinamarquês, o neerlandês (que compreende o holandês e o flamengo), o sueco, o grego ou o finlandês. No plano internacional, em geral, existe também uma procura crescente de intérpretes que trabalhem com as línguas faladas na Europa central e oriental (russo, polaco, checo, húngaro, etc.) e com aquelas que registam uma crescente projecção internacional, tais como o árabe, o chinês ou o japonês.

Tendo em conta que são chamados a trabalhar sobre os mais diversos temas, é fundamental que tanto os tradutores como os intérpretes desenvolvam, além das suas competências linguísticas, a sua cultura geral. Os textos que traduzem ou os discursos que interpretam podem ser dedicados a áreas tão diversas como economia, agricultura, direito, engenharia, informática ou medicina e é importante que estes profissionais estejam familiarizados com a terminologia utilizada no âmbito dessas matérias, de forma a compreenderem com facilidade o que é dito ou escrito e a preservarem o seu sentido. É essencial, por isso, que tenham curiosidade intelectual, que investiguem sobre o maior número possível de assuntos e procedam a uma actualização diária de conhecimentos. As expressões e os termos técnico-científicos devem ser alvo de uma pesquisa mais atenta, pois são muito específicos e não são utilizados na linguagem comum. Além disso, à medida que o conhecimento científico vai evoluindo, é habitual surgirem novas palavras. Em Portugal, as áreas de medicina, engenharia, economia e direito são aquelas em que existe uma maior quantidade de trabalhos de tradução e de interpretação, pelo que o conhecimento da linguagem utilizada nestas áreas pode constituir uma importante mais-valia no mercado de trabalho.

nsino Superior - Candidatura/98TRADUTORES E INTÉRPRETES

Condições de Trabalho

Os tradutores desenvolvem habitualmente a sua actividade num gabinete, em casa ou nas instalações da entidade contratante, onde reúnem os seus instrumentos de trabalho, tais como um computador (preferencialmente com correio electrónico e Internet), modem, fax, livros, dicionários e outros utensílios e documentação que considerem necessários à sua actividade profissional. O seu ritmo de trabalho é flexível e a sua carga horária semanal é variável, dado que estes profissionais gerem o seu tempo em função do número de trabalhos e dos prazos de conclusão e entrega dos mesmos. Um dos aspectos que distingue claramente a sua actividade da dos intérpretes é o facto de que, ao contrário destes, os tradutores dispõem de tempo suficiente para proceder às consultas bibliográficas necessárias à obtenção de um texto final técnica e linguisticamente correcto.

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A actividade de interpretação, por seu lado, encontra-se associada a uma forte componente de imprevisibilidade, o que obriga o intérprete a preocupar-se sobretudo com a mensagem essencial do discurso transposto e não tanto com a sua transposição integral. Esse factor leva também a que esta profissão seja muito exigente do ponto de vista físico e mental, pois o intérprete necessita de estar altamente concentrado e de acompanhar o ritmo das intervenções, ouvindo e falando ao mesmo tempo. Por esta razão, a resistência física e uma boa saúde constituem requisitos importantes para quem pretenda exercer esta profissão. Ser intérprete significa, ainda, estar disponível para se ausentar de casa, pois é uma profissão com um elevado índice de mobilidade geográfica. Por outro lado, podem desenvolver a sua actividade nos mais diferentes ambientes de trabalho: quando fazem interpretação consecutiva podem trabalhar ao ar livre, enquanto na interpretação simultânea trabalham em cabinas (as quais devem reunir determinadas condições técnicas e estar preparadas para acolher, pelo menos, duas pessoas).

A flexibilidade de horário dos intérpretes varia muito em função do tipo de serviço que prestam. Uma equipa de intérpretes de conferência, por exemplo, pode ser chamada para trabalhar numa conferência de imprensa com uma duração de apenas 45 minutos, no período da manhã, e ser solicitada para interpretar uma delegação durante uma visita, no período da tarde. Em conferência, os intérpretes possuem horários mais rígidos, acompanhando os ritmos das sessões de trabalho (máximo 2 x 3,5 horas/dia), geralmente intervaladas com pausas para refeições e café.

Tradutor e Intérprete

Remunerações

 Os preços cobrados pelos tradutores são determinados em função do idioma (uns são mais bem cotados que outros, consoante se tratem de línguas vivas ou línguas mortas) e do tipo de linguagem que se está a traduzir (corrente, literária ou técnica). O pagamento total do serviço é efectuado com base no número de linhas ou de páginas traduzidas. Os valores normalmente cobrados por estes profissionais são os seguintes:

Tipo de Linguagem: Por página (30 linhas, 60 caracteres cada)

Literária Corrente: Técnica: de 1.940$00 a 3.000$00 de 5.400$00 a 8.550$00 de 6.000$00 a 9.750$00

Fonte: Associação Portuguesa de Tradutores (APT)

Os preços cobrados nas traduções para legendagem variam entre os 2,50 € e os 5 € por cada minuto de audiovisual televisivo. Caso se trate de legendagem para cinema, o valor pago varia entre os 20 € e os 30 €  por cada dez minutos. As revisões de textos obedecem à tabela de preços praticada para as traduções. São ainda cobradas importâncias extraordinárias, quando os

Page 36: Procedimentos técnicos de tradução

trabalhos necessitam de ser executados e entregues num período inferior a 48 horas (+50%) e quando se realizam traduções a partir de gravações (+30%). As retribuições dos tradutores com vínculo à função pública (por exemplo, que trabalham em ministérios) são muito variáveis, pois dependem da carreira e do escalão em que estão integrados. No mercado internacional, e embora estes valores variem, os tradutores que prestam serviços externos às instituições comunitárias podem ganhar cerca de 2000/2500  €. Caso sejam funcionários permanentes, o seu vencimento-base em início de carreira ronda, normalmente, os 3500/4000 € mensais.

Tal como os tradutores, os intérpretes que trabalham nas instituições comunitárias são normalmente bem remunerados. Os intérpretes de conferência independentes que são recrutados pelas organizações internacionais para prestação de serviços são pagos segundo uma tabela de honorários constante de acordos negociados pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC). Segundo essa tabela, recebem uma retribuição líquida na ordem dos 250/300 € por cada dia de trabalho, embora este valor varie ligeiramente consoante a experiência profissional e a instituição a que se presta serviços. Além disso, recebem ajudas de custo para fazer face às despesas de alojamento, transporte e alimentação.

No mercado nacional, a quase totalidade dos intérpretes é profissional independente, pelo que os honorários cobrados variam mais. Os profissionais com maior experiência, porém, tendem a ter como referência os honorários praticados pelas organizações internacionais, dependendo as ajudas de custo dos valores negociados com o cliente. Apesar dos serviços prestados pelos intérpretes poderem ser considerados caros, tal não significa que os seus rendimentos mensais sejam elevados, pois as suas oportunidades de trabalho não surgem todos os dias - o mesmo acontece com os tradutores.

Tradutor e Intérprete

Perspectivas

Actualmente, as profissões de tradutor e de intérprete desempenham um papel importante no funcionamento das sociedades modernas, dado que estas necessitam cada vez mais de comunicar entre si, em virtude de fenómenos generalizados como a internacionalização da economia, a rapidez da circulação da informação pelo mundo ou o crescimento da concertação entre países perante questões mundiais (como a defesa do ambiente ou o respeito pelos direitos humanos, por exemplo). Neste contexto, o mercado de trabalho para os tradutores e intérpretes é bastante variado e apresenta boas perspectivas, havendo uma série de possibilidades de trabalho a considerar.

Contudo, as novas exigências do mercado de trabalho, aliadas ao crescente número de pessoas que conhecem e utilizam línguas estrangeiras, têm conduzido a uma crescente especialização destas profissões. Deste modo, quem inicia uma carreira de tradutor e/ou de intérprete deverá contar com um mercado de trabalho exigente e cujo acesso não é garantido pelo mero conhecimento de línguas estrangeiras. Deverá adquirir, por isso, técnicas especializadas em

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tradução e/ou interpretação e é essencial que invista em conhecimentos técnicos e conhecimentos gerais, através, por exemplo, de estágios curriculares e profissionais no país e no estrangeiro e de um esforço constante na investigação e na auto-formação.

O domínio aprofundado de um maior número possível de línguas estrangeiras é, entre outros, um trunfo importante que pode aumentar as hipóteses de trabalho. Apesar do inglês e do francês continuarem a ser línguas bastante requisitadas, a oferta dos que trabalham com esses idiomas é elevada, pelo que é aconselhável estudar outras línguas, nomeadamente as utilizadas oficialmente na União Europeia, bem como as que se prevêem vir a sê-lo, com a integração de novos membros comunitários.

BOM TRADUTOR É AQUELE QUE: 

 

 A- CONHECIMENTOS PRÉVIOS

1- Possui conhecimentos profundos da língua de partida e da língua de chegada;

2- Possui conhecimentos igualmente profundos da cultura e civilização dos países considerados (parâmetros extra-linguísticos)

3- Tem uma cultura geral razoavelmente vasta;

4- Sabe documentar-se - (Pesquisa documental ou temática  em livros especializados (direito, política, sociologia…), obras de divulgação, catálogos, artigos de jornais … ) e (Pesquisa terminológica na língua de origem e de chegada (bancos de dados terminológicos que podem ser solicitados a outros tradutores))

5- Sabe manusear bem os dicionários: bilingues e unilingues 

B-  RECEPÇÃO DO TEXTO:

6 - Analisa o discurso: dados sobre o autor, o/os tema(s) tratado(s), a época da redacção, as circunstâncias históricas, a intenção do autor, o público alvo, o tipo de texto…

7- Analisa os aspectos linguísticos: traduz-se uma mensagem e não palavras (o sentido e não as palavras) daí ser necessário: 

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- limitar e clarificar a situação descrita pelo autor;

- analisar o estilo e o nível ou níveis de língua;

- delimitar elementos de sentido (unidades de sentido); 

- neutralizar as polissemias, pelo contexto ou situação;

 

C- PRODUÇÃO DO TEXTO

8- Toma  decisões (o tradutor é um criador; tem de reformular uma mensagem de um texto de    partida numa linguagem inteligível, precisa, idiomática e inédita na língua de chegada);

 

D- VERIFICAÇÃO/AVALIAÇÃO DA TRADUÇÃO:

9- Faz uma leitura em voz alta do texto de chegada a alguém que não conheça o texto de partida (eliminação de interferências, ambiguidades …);

10- Compara traduções entre si e/ou em relação ao texto de partida (verifica o funcionamento das duas línguas)

TRADUTORES E INTÉRPRETES

Existem várias entidades que podem fornecer informações adicionais sobre esta profissão, nomeadamente:

Associação Portuguesa de Tradutores (APT), R. de Ceuta, 4-B, Gar. 5, 2795 Linda-a-Velha, Tlf. (01) 4198255.

E-mail: [email protected]            Web site: http://www.apt.pt

 

Associação Profissional dos Intérpretes de Conferência de Portugal (APROFIC), Apartado 1117, 1053-001 Lisboa.

E-mail: [email protected]       e           [email protected]

 

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Associação Portuguesa. de Intérpretes de Conferência (APIC), Apartado 12091, 1057 Lisboa Codex.

 

Sindicato Nacional da Actividade Turística, Tradutores e Intérpretes (SNATTI), R. do Telhal, 4 - 3.º Esq.º, 1150 Lisboa, Tlf. (01) 3467170/3423298.

 

Associação  Internationale des Interprètes de Conférence (AIIC), 10, Avenue de Sécheron, Ch - 1202 Genève, Suisse, Tlf. (00.41.22) 9081540,

E-mail: [email protected]                 Web site: http://www.aiic.net

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EM QUADRINHOS: O DESAFIO PARATRADUTORES-MARAVILHAEduardo de Carvalho Cassimiro1

Resumo: O objetivo deste trabalho é estabelecer uma relação entre asvariantes lingüísticas e as identidades dos personagens, mediante a tradução— para o português — da história em quadrinhos “The Challenge of theGods Begins”, cuja protagonista é a super-heroína Mulher--Maravilha. Ostrabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin(1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004),Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros constituem a fundamentaçãoteórica dos autores. Os resultados parecem demonstrar que o apoio teórico(oriundo dos estudos de sociolingüística, gêneros textuais, histórias emquadrinhos, teorias e procedimentos técnicos de tradução e línguaportuguesa) pode contribuir para o aprimoramento da percepção de como asvariantes lingüísticas e imagéticas são usadas na construção da identidadedos personagens. Palavras-chave: tradução, história em quadrinhos, variante lingüística,identidade, Mulher-Maravilha.Abstract: This paper aims at establishing a relation between linguisticvariation and character identity through the translation — into Portuguese —of the comic book story “The Challenge of the Gods Begins”, starred bysuperheroine Wonder Woman. The authors’ theoretical bases are the studiesby Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin (1997), Eguti(1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004), Cassimiro (2004),Gusman (2005) and other scholars. The evidence seems to warrant theconclusion that the theoretical support (on sociolinguistics, genres, comics,translation theory and technical procedures) may help university studentsrefine their skills in discerning to what extent images and linguistic

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variations can contribute to the establishment of a character’s identity incomics.Keywords: translation, comics, linguistic variation, identity, WonderWoman.1 Graduando do Curso de Letras, Tradutores Intérpretes.

Page 21INTRODUÇÃOEste trabalho, que tem como tema As identidades e as variantes lingüísticas nasHQs, consiste na tradução de trechos da história em quadrinhos “The Challenge of the GodsBegins”, cuja protagonista é a super-heroína Mulher-Maravilha. A análise da caracterizaçãodos personagens considera as variantes lingüísticas e imagéticas que compõem a aludidaaventura quadrinhística e apresenta a justificativa das opções tradutórias. O referencial teórico utilizado — que abrange estudos de sociolingüística,estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias em quadrinhos, gênerostextuais e língua portuguesa — vem dos trabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli(1995), Bakhtin (1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004),Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros.O trabalho está dividido em dois capítulos: o primeiro, dedicado àcontextualização, à fundamentação teórica e à apresentação da tradução sugerida; e osegundo, a algumas justificativas das decisões tradutórias do autor.1 - Tem Início o Desafio ao Tradutor1.1 — As “encarnações” da Mulher-MaravilhaA Detective Comics, mais conhecida como DC Comics, é, de acordo com o siteWikipedia2, uma editora norte-americana que figura entre as duas maiores do mundo — noque diz respeito à publicação de histórias em quadrinhos de super-heróis — e detentora dosdireitos autorais de ícones como Super-Homem, Mulher-Maravilha, Batman, Lanterna Verde,Novos Titãs, Legião de Super-Heróis e muitos outros.3

O Universo DC é um ambiente fictício e compartilhado em que ocorre aesmagadora maioria das histórias publicadas pela DC Comics e compõe-se de seres cujascaracterísticas e superpoderes são os mais diversificados: voam, são capazes de erguerincontáveis toneladas, suportam muito mais que tiros de canhão ou explosões nucleares,2 Enciclopédia virtual, cujo endereço é www.wikipedia.org. (Acesso em 10/10/05.)3 A única concorrente à sua altura é a editora Marvel Comics, cujos personagens mais famosos são CapitãoAmérica, Thor, X-Men, Hulk, Homem-Aranha, Demolidor, Homem de Ferro e outros.

Page 32dentre tantos outros feitos admiráveis. Constam de seus cenários lugares reais como aCalifórnia, Nova Iorque e o Brasil, além de inúmeros outros, fictícios, como o planetaKrypton, a cidade submersa de Atlântida, a Ilha Paraíso, a cidade de Gotham e até um MonteOlimpo peculiar. Diversos dos seus eventos históricos correspondem aos ocorridos no mundoreal, mas nem todos.Essa mistura de superpoderes com mundo real, confirma Gusman (2005, p. 7),levou a editora a criar, em seus 70 anos, literalmente milhares de personagens queconquistaram gerações de admiradores em todo o planeta. Pode-se, portanto, incluir entre as

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façanhas dos heróis a notável repercussão que têm, já faz muito tempo, em vários outrosmeios de comunicação, expressão e entretenimento, ou seja, de manifestação cultural, alémdas aventuras impressas4.É nesse contexto que se destaca a Mulher-Maravilha, que Cassimiro (2004, p. 55)define como[uma] super-heroína, originária da Ilha Paraíso, filha da rainha Hipólita — logo,princesa das amazonas —, agraciada pelos deuses gregos (do Olimpo) comsuperpoderes, que veio ao mundo dos homens como embaixadora da mensagem depaz fundamentada na filosofia olimpiana. Chama-se Diana, também conhecida comoDiana de Themyscira ou Princesa Diana de Themyscira, e é dotada deincomensurável força sobre-humana, do poder de vôo, de supervelocidade einvulnerabilidade; exímia guerreira (treinada em todos os antigos métodos gregos decombate corpo a corpo), capaz de desviar e rechaçar qualquer tipo de projétil ou raio(inclusive relâmpagos) com seus indestrutíveis braceletes de prata e possuidora doinquebrável Laço da Verdade (forjado do cinturão da deusa Gaia), o qual compeletodo aquele que por ele é envolvido a dizer a verdade. [A personagem] é sinônimode perfeição (também por causa da sua inigualável beleza física), independência esupremacia feminina. [É a] maior e mais poderosa super-heroína dos quadrinhos (namesma categoria do Super-Homem). Essa campeã dos deuses olimpianos é aindachamada de a Princesa Amazona.O autor (op. cit.) explica que, referente à semântica e ao estilo, necessário se fazeste destaque: há, por exemplo, vários níveis de força sobre--humana no Universo DC. Esse éum dos parâmetros que ajudam a determinar qual personagem é “páreo” para outro. Por isso,naquele glossário, nas notas enciclopédicas de personagens como Super-Homem e Mulher-Maravilha, o substantivo força é duplamente adjetivado (incomensurável força sobre-humanae incomensurável força sobre-humana, respectivamente). Por ser a força deles sobre-humana,poderia parecer desnecessário ou redundante o uso de mais um adjetivo, mas, diante doexposto, entendemos que não seja. 4 Até Gilberto Gil, que compôs Super-Homem, A Canção, fez, na letra, uma nítida referência a um trecho deSuper-Homem, O Filme (ou Super-Homem I): “Quem sabe o Super-Homem venha nos restituir a glória,mudando, como um deus, o curso da História, por causa da mulher?”

Page 43Moretti e Barroso (1991, p. 3) acrescentam que a Princesa Amazona foi criada,em 1941, pelo renomado psicólogo William Moulton Marston (1893–1947) — que usou opseudônimo de Charles Moulton — para expressar as suas teorias sobre o relacionamentoentre homem e mulher. Vale ressaltar que foi o idealizador da personagem quem aperfeiçoouo sistema de testes para o detector de mentiras. O primeiro ilustrador (desenhista) da super-heroína foi H. G. Peters. Rimmels (1996, p. 49) afirma que, a respeito da criação da Mulher-Maravilha,Marston escreveu isto: “As fortes qualidades do sexo feminino têm sido menosprezadas. Asolução óbvia é criar uma personagem feminina com toda a força de um super-homem, mascom o fascínio de uma bela mulher.”Na década de 1970, fez muito sucesso, em todo o mundo, o seriado live action“Mulher-Maravilha” (Wonder Woman) — desenvolvido exclusivamente para a televisão eestrelado por Lynda Carter. Num dos seus episódios — pertencente à primeira temporada,intitulado “A Última Nota de Dois Dólares” —, o major Steve Trevor5 refere-se àprotagonista com estas palavras: “Ela é um assombro: forte, destemida e cheia de compaixão!

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Todas as virtudes da feminilidade, sem nenhum dos vícios.”O fato de várias versões da origem da princesa amazona terem sido contadas nashistórias em quadrinhos, nos desenhos animados e até mesmo nessa série televisiva éconfirmado por Moretti e Barroso (1991, p. 3), que também reconhecem como a versão“definitiva” daquela que é considerada a maior super-heroína de todos os tempos a suareformulação — proposta, em 1987, pelo argumentista e desenhista George Pérez. Éexatamente uma história dessa última “encarnação” da Mulher-Maravilha que nos serve deobjeto de estudo neste trabalho.5 Segundo o site Wikipedia, o personagem fictício era um oficial do serviço secreto norte-americano por quem aversão original da super-heroína nutria uma paixão platônica. No seriado televisivo, foi interpretado por LyleWaggoner.Estátua (esculpida por Tim Bruckner) baseada na “nova” Mulher-Maravilha, de George Pérez

Page 54Acima, algumas das várias “encarnações” quadrinhísticas da Mulher-MaravilhaVersão original da Mulher--Maravilha, no traço de H.G. Peters (1941)Versão da Mulher-Maravilha constante do Guia de Estilo da DCComics (de 1982) A nova Mulher-Maravilha, deGeorge Pérez: mais poderosa, enada de salto alto! (1987)Versão da Mulher-Maravilha da Era de Bronze dos quadrinhos(1978)

Page 65Acima, as principais “encarnações” televisivas da Mulher-MaravilhaLynda Carter, no papel dasuper-heroína, em cena daprimeira temporada doseriado Mulher-Maravilha(1976)Lynda Carter, no papel da PrincesaAmazona, trajando o uniforme escolhidopara a segunda e a terceira temporadasdo seriado, as quais foram intituladas AsNovas Aventuras da Mulher-Maravilha(1977-1979)A Mulher-Maravilha do desenho animado Superamigos(1973-1984)A Mulher-Maravilha do(recente) desenho animadoLiga da Justiça(2005)

Page 76Em entrevista a Mangels (1987, p. 99–101), Pérez referiu-se especificamente a

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“The Challenge of the Gods Begins”, afirmando tratar-se da primeira parte de um arco dehistórias no qual Diana teve de provar por que ela é tão necessária ao mundo dos homensquanto as amazonas são essenciais à sobrevivência da humanidade. Nessa seqüência deaventuras, ficou esclarecido aquilo que era imprescindível para a consolidação da origem da“nova” Mulher-Maravilha, de modo que, ao final, definiram-se estes detalhes: quem ela é,quem era a Diana de quem a jovem amazona herdou esse nome, por que usa um uniformeinspirado na bandeira norte--americana, o que a torna tão ímpar (e não apenas mais umasuper-heroína) e qual é a sua missão na Terra. Ainda à luz dessa entrevista concedida pelo aclamado George Pérez, tais históriasencadeadas chamariam a atenção quanto ao aspecto visual, uma vez que, nelas, a protagonistase depararia com criaturas da mitologia olimpiana, inclusive, é óbvio, os deuses. Oargumentista (op. cit.) salientou que teve de ler muitos livros e artigos sobre mitologia, dosquais vários eram relacionados às histórias em quadrinhos. Baseou-se mormente na teseWonder Woman from an Amazon Mythology Perspective, de John Palmer, em que estealmejou estabelecer a consonância da Mulher-Maravilha com parte da mitologia grega, a fimde que os mitos “funcionassem” na revista WONDER WOMAN.Na aludida matéria, Pérez também admitiu que grande parte desse últimoreferencial teórico serviu de esteio para a sua recriação da extraordinária super-heroína,permitindo-lhe não só evitar conflitos com o mito das amazonas consolidado em outrasaventuras quadrinhísticas por autores daquela época, como também não entrar emcontradição com as lendas formadas muitos anos antes de o artista ter de trabalhar com essasmulheres. A pesquisa ajudou-o a arquitetar um meio perspicaz de manter as suas amazonas“fiéis” às origens mitológicas ao mesmo tempo em que guardavam algumas peculiaridades.Eram, por conseguinte, as amazonas da DC, com raízes mitológicas baseadas nas históriasescritas por Hesíodo e outros, porém suficientemente independentes, de forma que ele (op.cit.) pudesse criar as suas aventuras sem estar irrestritamente condicionado àqueles mitos. Porfim, quanto aos deuses, Pérez teve de redesenhá-los, pois queria que a revista recebesse umtratamento visual diferente: decidiu “construir” novos deuses porque queria que fossem os daMulher-Maravilha, exclusivamente, ao contrário do que acontecia com os deuses das históriasdos Novos Titãs. Cassimiro (2004, p. 54) define Novos Titãs como um grupo de jovens heróis— com base de operações em Nova Iorque — que constitui uma força formidável em prol dajustiça. Os seus membros mais famosos são Asa Noturna, Moça-Maravilha, Estelar, Mutano,Ravena e Ciborgue, entre outros.

Page 87Acima, os deuses olimpianos de George Pérez (no traço de Phil Jimenez): 1) Possêidon; 2) Zeus; 3) Hades; 4) Dionísio; 5) Apolo; 6) Hera; 7) Héstia; 8) Hermes;9) Afrodite; 10) Ártemis; 11) Atena; 12) Deméter; 13 Héracles.Ao lado, os ascendentes dos deuses doOlimpo, os Titãs da mitologia (notraço de José Luis García-López): 1) Oceano; 2) Cronos; 3) Téia; 4)Hipérion; 5) Ceo; 6) Febe; 7) Réia; 8)Crio; 9) Mnemósine; 10) Têmis; 11)Iápeto; 12) Tétis.

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8Entendemos que todas as considerações acima sejam fundamentais para quepossamos dar conta de uma tradução que faça viver os personagens, conservando as suasmarcas identitárias. Passamos, a seguir, à abordagem das principais características dashistórias em quadrinhos, consideradas um gênero textual.1.2 — As histórias em quadrinhos como gênero textualBakhtin (1997, p. 280) define gêneros textuais como tipos relativamente estáveisde enunciados estruturados a partir de três aspectos gerais de caracterização: o conteúdo (ou aseleção de temas), o estilo (ou a escolha dos recursos lingüísticos) e a construçãocomposicional (que compreende as formas de organização do texto). O teórico do dialogismo(op. cit.) concebe que haja tanto gêneros mais estereotipados quanto mais criativos,maleáveis, plásticos (p. 301).Diante do que exporemos a partir do próximo parágrafo, cremos ser lícito afirmarque as histórias em quadrinhos enquadram-se nessa segunda categoria: a de gêneros textuaismais criativos. Guimarães (2003) conceitua história em quadrinho comoa forma de expressão artística que tenta representar um movimento por meio doregistro de imagens estáticas [...], não se [restringindo], nessa caracterização, o tipode superfície empregado, o material usado para o registro nem o grau de tecnologiadisponível [...], [englobando] manifestações das áreas de pintura, fotografia(principalmente a fotonovela), desenho de humor (como a charge, o cartum, acaricatura e a ideografia).O estudioso (op. cit.) também delimita os principais elementos desse gênerotextual: o primeiro é o próprio desenho, com sua função narrativa, ou seja, sua tentativa derepresentar um movimento, incluindo o cinético (linhas de ação que procuram representar atémesmo a trajetória de objetos em movimento); o segundo, o encadeamento de diversasimagens, procurando representar uma ação que se desenrola num período mais longo (isto é,uma realidade visual cujo espaço tridimensional é representado numa superfície plana edinâmica, enquanto se encena o movimento por intermédio de uma seqüência de imagensestáticas); o terceiro, a utilização de texto escrito, como aspecto de representação da dimensãosonora (ou de um pensamento), no meio da imagem, próximo ao personagem que o emite (ouatribuído a um narrador); e o quarto, o uso de onomatopéia, que, para o autor (op. cit.), é arepresentação gráfica da adaptação — para os fonemas da língua falada — de sons da

Page 109natureza não reproduzidos pelo aparelho vocal humano. Para Guimarães (2003), prevalece nashistórias em quadrinhos a integração do texto escrito à imagem (pictórica).Tais noções são corroboradas por Eguti (1999), que recomenda a leitura dahistória em quadrinhos como um só visual, percebendo-se que a imagem predomina sobre otexto, muito embora o conceito de história narrada seja ampliado e desenvolvido pelaspalavras, as quais, tanto por seu significado quanto por seu aspecto gráfico e visual,complementam a arquitetura da composição de cada quadro. A importância da imagem, ou melhor, dos desenhos nas histórias em quadrinhos étão inegável que muitos aficionados admitem perder o interesse na leitura quando o traço dodesenhista não os atrai. Há, por exemplo, artistas que contrariam acintosamente as premissasmais elementares de alguns personagens. A Mulher-Maravilha, freqüentemente, é vítima

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deles. Ela, que é definida como uma jovem mulher de beleza extraordinária, ímpar, acaba, nãoraro, sendo retratada como uma matrona, o que irrita os seus fãs.Quanto aos recursos lingüísticos, a autora (op. cit.) também reforça que osgrafemas, os sinais diacríticos, os ideogramas e os sinais de pontuação são muito utilizados,ao lado dos balões, que, por sua vez, além de servirem de contorno aos diálogos, expressamidéias, emoções, sentimentos por meio dos mais diversos tipos de traçado.No que concerne aos usos de sinais, gostaríamos de dar destaque a dois: o dasreticências (...), que, conforme pudemos depreender, especialmente da leitura de “TheChallenge of the Gods Begins”, são usadas para marcar hesitação (na fala ou no pensamentode um personagem ou narrador) e o de dois hífens seguidos (--), para denotar quebra ouinterrupção na seqüência linear da fala ou do pensamento (também de um personagem ounarrador), sem que haja, contudo, hesitação do emissor do enunciado. Em tempo, não poderíamos deixar de dar destaque à seguinte afirmação da autora(op. cit.), que se presta a estabelecer ao menos uma das relações existentes entre as varianteslingüísticas e as identidades nas histórias em quadrinhos: “O vocabulário utilizado deve seradequado às personagens, de forma a conferir-lhes a veracidade e a naturalidade daconversação.”1.3 — A tradução e os seus enquadresNo artigo “Do you dig comics?”, Cortiano (1991, p. 39–41) refere-se à traduçãode histórias em quadrinhos, no Brasil, como produto adulterado, mutilado, podre e justificatão desastroso resultado alegando que os tradutores brasileiros são pobres, mal pagos,

Page 1110desprestigiados, esforçados incompetentes e despreparados (até mesmo os que, à época,prestavam serviços à Editora Abril). O crítico (op. cit.) ainda apresenta alguns exemplos detraduções desse gênero textual que implicam redução, corte e simplificação do texto e dasimagens originais, o que considera mutilação. Por fim, discute outras poucas traduções dehistórias em quadrinhos e diz admitir o direito de autoria do bom tradutor (a quem consideratambém um artista), contanto que este não “machuque” o original.A leitura desse artigo, a despeito do tom contundente, serviu-nos de alerta quantoao limite entre adaptar e mutilar um texto e, portanto, quanto ao modo pelo qual traduziríamos“The Challenge of the Gods Begins”. A verdade é que, mediante a leitura de outros artigossobre esse tipo de tradução, já não tínhamos como negar a forte impressão de que o público-alvo de histórias em quadrinhos permanece na expectativa de ser o destinatário de traduçõesfidelíssimas, literais [segundo o conceito de Barbosa (2004, p. 65–66)].A opinião de Passarelli (1995), no nosso entendimento, não destoa dos pareceresdos estudiosos até aqui mencionados, já que ele (op. cit.) entende que até mesmo amodificação de uma cor, na adaptação brasileira de uma história em quadrinhos norte-americana, por exemplo, pode modificar o sentido da mensagem transmitida. No que se refereà tradução desse gênero textual, Passarelli (1995) parece filiar-se à corrente doutrináriadefendida por Theodor (1976, p. 120–121), para quem, em obediência aos ditames do públicoleitor, “o tradutor deve possuir [sic!] perceptividade especial, que lhe permita captar aspreferências do ambiente para o qual traduz e constatar quais são as peculiaridades do autor aser traduzido que se afinem a esses gostos”.Enfim, exigem-se do tradutor superpoderes, porém, apesar de o seu trabalho ser

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um desafio, ele não pode depender da ajuda dos deuses.Discordamos dessa afirmação do autor (op. cit.) porque esse modo de conceber atradução remete-nos à missão impossível de Pierre de Menard, um homem de letras —francês —, da primeira metade do século XX, cujos trabalhos, segundo Arrojo (2002, p.14),têm muito em comum com as teorias tradicionais de tradução, pois esse personagem borgianoconcebe o texto como um objeto de contornos perfeitamente determináveis, acreditando,portanto, que seja possível reproduzir totalmente, em outra língua, as idéias, o estilo e anaturalidade de um texto “original”.Filiamo-nos à teoria de tradução de Arrojo (2002), que rejeita as concepçõestradicionais, logocêntricas do que seja traduzir e propõe o conceito de texto-palimpsesto:

Page 1211... o “palimpsesto” passa a ser o texto que se apaga, em cada comunidade cultural eem cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, outradução) do “mesmo” texto (...), [que] não pode ser um conjunto de significadosestáveis e imóveis, para sempre “depositados” nas palavras (...) O que temos, o queé possível ter, são suas muitas leituras, suas muitas interpretações – seus muitos“palimpsestos”. (p. 23–24)... o texto/ palimpsesto não é um receptáculo de conteúdos estáveis e mantidos sobcontrole, que podem ser repetidos na íntegra. (p. 38)Consideramos conveniente destacar mais duas afirmações da teórica (op. cit.):... é impossível resgatar integralmente as intenções e o universo de um autor,exatamente porque essas intenções e esse universo serão sempre, inevitavelmente,nossa visão daquilo que possam ter sido. (p. 40)... como sugeriu o teórico francês Roland Barthes, qualquer texto, por pertencer àlinguagem, pode ser lido sem a “aprovação” de seu autor, que pode apenas “visitar”seu texto, como um “convidado”, e não como um pai soberano e controlador dosdestinos de sua criação. (p. 40)Ao contrário do que se pode alegar, essa corrente privilegia a noção de traduçãoética e não encoraja o tradutor — como leitor e intérprete do texto--palimpsesto — a fazerdeste o que bem entender, pois impõe ao profissional de tradução muita responsabilidade noque tange à sua formação (isto é, o domínio das línguas com as quais trabalha), ao público-alvo do produto de seu trabalho e à própria tradução (como intermediadora da produção designificados).Arrojo (2002, p. 45) ainda assevera que “quando um leitor ‘produz’ um texto, asua interpretação não pode ser exclusivamente sua, da mesma forma que o escritor não podeser o autor do texto que escreve”. Nesse sentido, os poderes dos tradutores estarão sempresobredeterminados pela sua posição de intermediários no mundo dos homens, no qual:aceitaremos e celebraremos aquelas traduções que julgamos “fiéis” às nossaspróprias [sic!] concepções textuais e teóricas, e rejeitaremos aquelas de cujospressupostos não compartilhamos. (p. 45) (...) As traduções, como nós e tudo o quenos cerca, não podem deixar de ser mortais. (p. 45)

Page 13122- O Tradutor entre Línguas e Mundos2.1 – O tratamento dos personagensDe acordo com Crystal (2000, p. 264), variante lingüística é uma expressão usada

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“na Sociolingüística e na Estilística para indicar qualquer sistema de expressão lingüísticacujo uso seja dependente de variáveis de situação”. Contudo, o modo pelo qual são reunidasessas variantes vai depender do que cada pesquisador entende por dialeto, registro e mesmolíngua. Para alguns sociolingüistas, continua Crystal, “variante tem definição mais restrita: umtipo de linguagem distintiva dependente da situação — um tipo de língua especializada dentrode um dialeto”. (p. 264)Apoiando-se na definição de dialeto proposta por Halliday, Preti (1982, p. 25)acrescenta que, no interior de uma comunidade lingüística, grupos diferentes falam diferentesdialetos. Nesse caso, um dialeto é uma variedade de uma língua. Portanto, para o erudito (op.cit.), “embora não se possa ter a pretensão de que os dialetos sociais sejam claramentedistintos (como são, mais freqüentemente, os dialetos geográficos), ainda assim é possívelestabelecer pelo menos duas variedades.”Ao mencionar essas duas variantes lingüísticas de natureza social, Preti (1982, p.26) introduz os dialetos culto e popular, definindo-os da seguinte forma: o primeiro é aqueleeleito pela comunidade como o que goza de mais prestígio, refletindo um índice de cultura aque todos pretendem (ou deveriam pretender) chegar. O segundo, menos prestigiadosocialmente, é o mais aberto às transformações da linguagem oral do povo.O teórico (op. cit.) ainda caracteriza esses dois dialetos sociais do ponto de vistade suas estruturas morfossintáticas, apontando algumas diferenças mais comumente nelesobservadas em português (p. 27–28): o dialeto culto apresenta, por exemplo, indicação precisadas marcas de gênero, número e pessoa; uso de todas as pessoas gramaticais do verbo, comexceção, talvez, da 2.ª do plural, relegada, praticamente, à linguagem dos discursos e sermões;emprego de todos os tempos e modos verbais; correlação verbal entre tempos e modos;coordenação e subordinação, ou seja, riqueza de construção sintática, etc. O dialeto popular,por seu turno, caracteriza-se pela economia nas marcas de gênero, número e pessoa; reduçãodas pessoas gramaticais do verbo, isto é, mistura da 2.ª com a 3.ª pessoa, no singular; reduçãodos tempos de conjugação verbal e de certas pessoas (por exemplo, a perda quase total dofuturo do presente e do pretérito-mais-que-perfeito — no indicativo —, do presente dosubjuntivo e do infinitivo pessoal); falta de correlação verbal entre os tempos; redução do

Page 1413processo subordinativo em benefício da frase simples e da coordenação; ou seja, umasimplificação gramatical da frase e o emprego dos pronomes pessoais retos como objetos.Do ponto de vista lexical, Preti (1982, p. 28) assevera ser muito difícil estabelecerdistinções mais nítidas entre os dialetos culto e popular além destas: naquele, há maisvariedade vocabular, mais precisão no emprego dos termos e mais incidência de vocábulostécnicos; neste, predomina um vocabulário restrito, de uso muito amplo nos mais diversossentidos, muitas vezes abusivo na gíria e nos recursos enfáticos (como os termos obscenos). Osociolingüista (op. cit.) também afirma que o dialeto social culto, em razão das característicasapontadas anteriormente, prende-se mais às regras da gramática normativa, que é deverasconservadora, de modo que a linguagem culta poderia atingir graus de extrema elaboraçãoque a tornariam preciosa, fora da realidade falada.Embora o texto de “The Challenge of the Gods Begins” seja escrito em línguainglesa, cremos que algumas dessas características referentes às variantes lingüísticas emlíngua portuguesa favorecem a nossa conclusão de que não há de se falar que dele constem

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variantes lingüísticas, uma vez que a sua linguagem enquadra-se inteiramente no registroculto (e o tom chega mesmo a ser solene).É impossível, todavia, deixar de notar uma diferenciação no que se refere aotratamento (por meio da utilização dos pronomes “você” e “tu”), o que nos permiteestabelecer uma correlação entre a variação no uso da linguagem e as identidades dospersonagens. Quando as amazonas falam entre si, usam sempre “você” (mesmo quando umadelas se dirige à sua rainha ou à sua princesa). De idêntico modo, os deuses, quando falamentre si, usam “você” (ainda que uma divindade “menor” dirija-se a Zeus). Para a nossasurpresa, quando as amazonas dirigem-se aos deuses (inclusive Zeus), também usam opronome de tratamento “você”. Somente quando as divindades mitológicas se dirigem àsamazonas, nota-se a adoção de “tu”.Sayão (2001, p. 72–75) — hebraísta, responsável pela Bíblia Poliglota (da EditoraVida Nova) e autor de NVI: a Bíblia do século XXI6 — traz a seguinte contribuição(concernente ao uso dos pronomes) ao nosso estudo:Uma das peculiaridades da NVI é o uso que faz dos pronomes.Algumas pessoas podem ficar confusas ao descobrir que na NVI6 A obra é uma introdução à Nova Versão Internacional (NVI) da Bíblia, na qual o autor afirma que essatradução das Sagradas Escrituras norteou-se por uma “necessidade fundamental de buscar uma tradução que,além de ser fiel à intenção autoral dos escritores bíblicos, [fosse] também acessível ao leitor contemporâneo”.

Page 1514encontrarão os pronomes tu, você, senhor, vós e vocês. Por que essadiversidade? Em primeiro lugar, deve ser dito que a NVI reconhece a diversidadepronominal do português de hoje. O uso mais comum e crescente é odo pronome você(s). Por isso, a NVI o utiliza como forma comumde tratamento entre iguais. Todavia, ninguém fala com Deususando a forma você. Por isso, a NVI prefere manter tu nesse casoe nos outros contextos definidos por deferência. (Grifo nosso)Naturalmente, o contexto é o que determina o uso dos pronomes.Vejamos os exemplos:Mateus 26.63,64Mas Jesus permaneceu em silêncio.O sumo sacerdote lhe disse: “Exijo que você jure pelo Deus vivo: sevocê é o Cristo, o Filho de Deus, diga-nos”.“Tu mesmo o disseste”, respondeu Jesus. “Mas eu digo a todos vós:Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita doPoderoso e vindo sobre as nuvens do céu.”Obs.: Jesus é chamado de você aqui porque está sendo tratado comocriminoso. O contexto é de respeito. Jesus, porém, trata os líderesreligiosos com deferência, expressa por meio de tu e de vós.Atos 25.26No entanto, não tenho nada definido a respeito dele para escrever aSua Majestade. Por isso, eu o trouxe diante dos senhores, eespecialmente diante de ti, rei Agripa, de forma que, feita estainvestigação, eu tenha algo para escrever.

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Obs.: Diante de Agripa, Festo e Berenice, Paulo os tratarespeitosamente por senhores. O rei Agripa é tratado por tu (ti).João 4.9,10A mulher samaritana lhe perguntou: “Como o senhor, sendo judeu,pede a mim, uma samaritana, água para beber?” (Pois os judeus não sedão bem com os samaritanos.)Jesus lhe respondeu: “Se você conhecesse o dom de Deus e quem lheestá pedindo água, você lhe teria pedido e ele lhe teria dado águaviva”.Obs.: A samaritana chama Jesus de senhor, devido à diferença socialentre eles. Jesus a chama de você, por idêntica razão.

Page 1615Não temos a intenção de igualar as divindades da mitologia helênica da Mulher-Maravilha ao Deus bíblico; cumpre-nos, outrossim, admitir que ficamos surpresos com aconstatação de que, em “The Challenge of the Gods Begins”, o critério de uso pronominal éinverso ao da NVI: haja vista que as divindades usam “tu” somente quando se dirigem àsamazonas, e estas, ao se dirigirem àquelas, tratam-nas por “você(s)”. Talvez George Péreztenha optado por conferir prestígio à identidade superior dos deuses do panteão do MonteOlimpo, frisando o distanciamento, a hierarquia entre estes e as amazonas por intermédio daconstrução do discurso dos olimpianos a partir desta possibilidade da variante social culta: ade, como bem advertiu Preti (1982, p. 33), atingir graus de extrema elaboração que podemtorná-la preciosa, muito acima da realidade falada. Até porque o inglês usado pelo escritor nodiscurso dos deuses é o — assim chamado — Middle English, típico, por exemplo, dos textosshakespearianos.É mister consignar que o uso pronominal adotado pelo autor do original foirespeitado na nossa tradução. 2.2 – A tradução e as identidades em variação: apresentação da história em quadrinhos(na língua de partida) e da sua tradução em português (a língua de chegada)“The Challenge of the Gods Begins”, foi originalmente publicada pela DC Comicsno número 10 da revista WONDER WOMAN, em novembro de 1987. A aventura contida nessaedição é, por conseguinte, a décima após a reformulação da Mulher-Maravilha, por GeorgePérez, em fevereiro daquele ano.O enredo é este: por ter derrotado Ares, o deus da guerra, a princesa Diana acabouatraindo para si a atenção dos demais deuses (habitantes do Monte Olimpo), já que tal façanhanão pudera ser cumprida nem mesmo por essas divindades. Zeus não ficou apenasimpressionado com o feito da amazona, mas também a cobiçou e decidiu abordá-la, a fim deconsumar seu intento libidinoso. Sentindo-se aviltado pelo repúdio da jovem, o rei dosolimpianos sentenciou: ela seria submetida a um desafio que consistia em enfrentar, noTártaro7, todos os trabalhos8 que lhe fossem acrescidos por cada um dos deuses daquelepanteão, sob o risco de sobrevirem-lhe conseqüências diametralmente opostas: se Diana sesaísse bem, livraria as suas irmãs amazonas e a sua terra natal, a Ilha Paraíso, da maldição7 Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como o inferno grego.8 Tais desafios nos remeteram aos lendários doze trabalhos de Hércules (ou Héracles, na terminologia grega).

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16milenar de serem as guardiãs do Portal do Destino9 e provaria ser, como se cogitava,verdadeiramente equiparável aos próprios deuses; caso falhasse, traria sobre todas asamazonas e a sua amada ilha a condenação ao aniquilamento sumário. Corajosamente, asuper-heroína aceitou o desafio e partiu rumo ao seu destino, deparando-se com Cótus, cujavida foi ceifada por ela, e, por fim, com a Hidra de Sete Cabeças, mas o embate com essacriatura ficou para a edição seguinte. Ao longo da história, a protagonista interage com as amazonas (incluindo suamãe, a rainha Hipólita), os deuses e criaturas da mitologia grega (como Cótus e a Hidra deSete Cabeças). Vale lembrar que, a despeito das aparições de seres milenares, o tempo danarrativa é o presente.Também vemos pertinência no reforço de que o arco de histórias iniciado naedição de número 10 de WONDER WOMAN e encerrado na de número 14 (isto é, o conjunto detrabalhos ou desafios superados pela princesa amazona) serviu ao propósito de seu autor,George Pérez, de consolidar a posição de preeminência da Mulher-Maravilha não somente emrelação ao Universo DC como também perante todo o cenário das histórias em quadrinhos (desuper-heróis).Como o nosso objetivo é relacionar as variações lingüísticas às identidades dospersonagens, escolhemos três cenas. A primeira tem início no quinto quadrinho da página 4 etermina no último da página 5 da edição mencionada. Nela, há apenas a interação entreamazonas. A segunda, na qual a protagonista interage com as suas irmãs amazonas, inclusiveHipólita (sua rainha e mãe), corresponde a toda a página 11. A terceira se inicia no primeiroquadrinho da página 12 e se estende até o último da página 14. Nela, a Mulher--Maravilhainterage com os deuses do Olimpo.9

Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como a entrada para o Tártaro, localizada no subsolo da Ilha Paraíso,lacrada e vigiada pelas amazonas.

Page 1817A “nova” Mulher-Maravilha no traço de José Luis García-López

Page 1918Cena n.º 1 (1.ª parte)

Page 2019Cena n.º 1 (2.ª parte)

Page 2120Cena n.º 2

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Cena n.º 3 (1.ª parte)

Page 2322Cena n.º 3 (2.ª parte)

Page 2423Cena n.º 3 (3.ª parte)

Page 2524Resta-nos agora, tão-somente, cumprir o dever de expor a nossa opção tradutóriapara as três cenas acima. Antes, porém, julgamos mais oportuno explicitar qual foi o títuloportuguês que escolhemos dar à história “The Challenge of the Gods Begins”, que é este:“Tem Início o Desafio Imposto pelos Deuses”.No nosso entendimento, traduzir “challenge of the gods” por “desafio dos deuses”não é uma boa opção, apesar da literalidade, pois não esclarece (de maneira inequívoca) se osdeuses são os desafiados ou os desafiadores. Considerando o contexto — ou seja, a íntegradessa aventura quadrinhística que nos serviu de texto na língua de partida —, principalmentea irrefutável ausência de intenção da jovem amazona de desacatar, aviltar ou — por que nãodizer? — desafiar os seus deuses, defendemos a justificativa de que a melhor opção detradução para o seu título é a que propusemos no parágrafo anterior.Abaixo está, enfim, a nossa tradução das cenas supracitadas:A arte de George Pérezpara a Princesa Amazona

Page 2625Cena n.º 1 (1.ª parte)

Page 2726Cena n.º 1 (2.ª parte)

Page 2827Cena n.º 2

Page 2928Cena n.º 3 (1.ª parte)

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Cena n.º 3 (2.ª parte)

Page 3130Cena n.º 3 (3.ª parte)

Page 32313 - respondendo ao desafio: os (E)Feitos TradutóriosPor almejarmos o estabelecimento de coerência metodológica, restringimo-nos,nesta porção do trabalho, aos conceitos propostos por Barbosa (2004, p. 63–77) para acaracterização dos procedimentos técnicos de pontos — que não são muitos — da nossatradução (selecionados para serem justificados).Conduzimos a nossa prática tradutória procurando dar atenção não somente aoque se diz, mas também a como se diz nas duas línguas: a de partida e a de chegada.Esforçamo-nos para que isso se refletisse na nossa reescritura, em português, de “TheChallenge of the Gods Begins”, que, como já dissemos, intitulamos “Tem Início o DesafioImposto pelos Deuses”.É importante esclarecer que não nos sentimos pressionados a “enxugar” o nossotexto — pela tão alardeada limitação de espaço para a inserção da tradução — porque, já nadécada de 1970, a Editora Ebal resolvia esse “problema” por intermédio da utilização de fontemenor, o que, a nosso ver, não prejudicava a integridade da obra. Queremos, portanto,enriquecer este trabalho com um exemplo do que acabamos de afirmar:

Page 3332Passarelli (1995) chama a atenção para o fato de não haver um critério coeso ecoerente, ou seja, padronizado no que diz respeito aos nomes dos personagens nas traduçõesde histórias em quadrinhos.Segundo o estudioso (op. cit.), não se convencionou, no Brasil, a manutenção dosnomes em inglês ou em português. Sendo assim, decidimos aclimatar o nome próprio“Phillipus” para “Filípus”, levando em consideração a possibilidade de facilitação — ao leitorbrasileiro — da pronúncia.

Page 3433Os substantivos próprios “Themyscira” e “Acantha”, entretanto, foram mantidosexatamente como constavam do texto na língua de partida porque, a nosso ver, por não existirem português um fonema que corresponda ao “th”, esses nomes acabariam, de qualquerforma, sendo pronunciados com o som de “t” pelo leitor deste país, que já está acostumado anomes como Thiago (ou Tiago) e Thales (ou Tales). Esse é um caso de transferência.No terceiro quadrinho da segunda cena (a qual corresponde à página 12 deWONDER WOMAN n.º 10), preferimos fazer com que a rainha Hipólita dissesse “... antes mesmode os deuses concederem o sopro de vida àquela argila...” em vez de “... antes de os deusessoprarem vida naquela argila...” simplesmente porque, para nós, a modulação (a primeiraopção) soou mais coerente com o discurso mais elaborado de uma rainha do que a tradução

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literal (a segunda opção).Na mesma cena, no quadrinho seguinte, o oráculo, no original, emprega, deacordo com Martins (2003, p. 102), uma metonímia: “... o caldeirão borbulha...”. Demospreferência, no nosso texto, por uma questão de estilo, a uma linguagem mais denotativa: “...o conteúdo do caldeirão borbulha...”.Na terceira cena (isto é, nas páginas 13 e 14 de WONDER WOMAN n.º 10), verifica-se a utilização, pelos deuses, do termo “lord” em sinal de deferência a Zeus. Embora hajatradutores brasileiros da “nona arte” que adotem “lorde”, isto é, a tradução literal, decidimossubstituí-la ora por “soberano” ora por “nobre”. Apesar de “lorde” ser um título de nobreza naInglaterra (e significar “senhor”), no Brasil, contudo, há um uso informal (um regionalismo)para o termo, que, nessa acepção, significa “bacana”, “vistoso”, “elegante”. Consideramos,então, mais sensato escolher termos que, em português, conferissem a Zeus, inequivocamente,a nobreza salientada pelas demais divindades helênicas.Não poderíamos deixar de mencionar o nosso uso de mesóclise, a fim de denotaro discurso incomum, erudito e preciosista dos deuses (especialmente quando se dirigem àsamazonas). Diríamos que essa foi a nossa adaptação de um registro da língua inglesa tidocomo arcaico.Por fim, queremos também realçar a parcimônia com que empregamos ospronomes pessoais retos, intencionando levar o leitor a deduzir os sujeitos por meio dadesinência verbal. Esse é o tipo de omissão que, entendemos, confere mais valor à linguagemempregada na reescritura do texto na língua de chegada.

Page 3534CONCLUSÃO

A história em quadrinhos é um gênero textual que se caracteriza essencialmentepela integração de imagem e palavra escrita. Embora o desenho predomine, é o texto o queamplia o conceito de história narrada e se presta, dentre outras funções, à construção dasidentidades dos personagens por meio do dialeto por eles usado.No processo de tradução de “The Challenge of the Gods Begins”, pudemosconstatar que, ao lado dos desenhos (elaborados e detalhistas) de George Pérez — oresponsável pelo argumento e pela arte —, foi o texto o que revelou peculiaridades relativasàs identidades de senhores e servas, por exemplo.Essa história foi inteiramente escrita no dialeto social culto, num tom que chega aser solene. Não há, portanto, por que falar, nesse caso, em oposição entre as varianteslingüísticas culta e popular. Outrossim, pela forma de tratamento dos personagens, ou melhor,pelo seu uso pronominal, estabeleceu-se a relação de diferença hierárquica (de dominação esubmissão) entre eles.Diante do exposto, concluímos que o referencial teórico utilizado — que abrangeestudos de sociolingüística, estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, históriasem quadrinhos, gêneros textuais e língua portuguesa — contribuiu tanto para quealcançássemos os nossos objetivos (de relacionar o uso da linguagem à identidade daspersonagens) quanto para que exercêssemos o pensamento crítico.Muito embora o trabalho do tradutor possa ter sido, neste caso, restrito a manter-se no portal, ficamos, na verdade, entre dois desafios: o do texto de partida, que pede traduçãoe o de chegada, cujo destino depende dos leitores.

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variedades de empréstimos

 

Varieties of loan translations

 

 

Francis Henrik Aubert

USP

 

 

RESUMO

Na tradução de termos culturalmente marcados, um procedimento freqüente é o empréstimo, que remete ao co-texto ou a outros recursos a depreensão do sentido. Aparentemente, o empréstimo constituiria o procedimento mais simples, representando uma espécie de nível zero de interferência da operação tradutória. Um exame detalhado de um corpus de traduções do português brasileiro para o inglês americano sugere, no entanto, que o uso do empréstimo pode ser bastante complexo,

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envolvendo um conjunto de decisões tradutórias bastante distantes do nível zero do ato tradutório.

Palavras-chave: Tradução; Empréstimo; Lingüística contrastiva.

ABSTRACT

In translating culturally marked terms, a frequent procedure is the loan, which leaves the apprehension of meaning to the co-text or other sources. At a first glance, the loan would seem to be the simplest procedure, standing as a sort of zero degree of interference of the translational operation. A detailed examination of a corpus of translations from Brazilian Portuguese into American English suggests, however, that the loan procedure may be indeed fairly complex, involving a spectrum of translation decisions far removed from any zero degree of the translational act.

Key-words: Translation; Loan; Contrastive linguistics.

 

 

0. Introdução

O empréstimo de termos e expressões entre as línguas e as culturas é um procedimento provavelmente tão antigo quanto o contato entre povos de idiomas ou falares distintos. O empréstimo deixa traços nos substratos e, principalmente, nos superestratos descritos pela ciência filológica. O empréstimo, em suas diversas matizes, enriquece as línguas ou as desfigura, a depender do ponto de vista cultural assumido e da correlação – momentânea ou duradoura – das forças de dominação e de resistência em confronto e a depender, ainda, do recorte sincrônico assumido. O destino dos empréstimos, em qualquer momento dado, é sempre incerto: ou desaparecem, substituídos por soluções vernaculares; ou passam por transformações, quer de significante, quer de significado, e, deste modo, deixam de lado seu caráter de empréstimo para tornarem-se parte integrante do universo cultural que os acolheu. Já vernaculizados, podem vir a tornar-se novos empréstimos, agora em terceiras línguas.1

Como locus privilegiado de contato lingüístico cultural, a tradução – ou, mais precisamente, os textos traduzidos – podem conter e, a mais das vezes, de fato contêm, explícitas ou veladas, formas lexicais, sintáticas e mesmo conceptuais originariamente emprestadas de outra língua e/ou de outra cultura. É pela tradução que o estrangeirismo, de qualquer tipo, via de regra faz a sua primeira incursão. A questão do empréstimo assume, pois, aspectos lingüísticos, sociolingüísticos, culturais,

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sincrônicos e diacrônicos, oferecendo, pois, um amplo campo de pesquisa e de reflexão. Dentro desta perspectiva geral, o presente estudo tem por objetivo esmiuçar, no âmbito da tradução, as formas lexicais assumidas pelo empréstimo e o seu peso no quadro geral dos diversos procedimentos disponíveis à operação tradutória.

 

1. A conceituação do empréstimo

Vinay e Darbelnet (1958) concebem o empréstimo como sendo "a própria negação da tradução". Em tese, o termo, expressão ou frase do original aparece intacto, não traduzido, no texto em língua-meta (LM). Procedimento freqüentemente condenável, pode, no entanto, sempre na visão de Vinay, apresentar "a vantagem de enriquecer a LM com uma utilidade lexical concreta de fácil manejo."

Wills (1982:100), comentando a proposta de Vinay e Darbelnet, questiona a inclusão do empréstimo em um sistema classificatório de procedimentos de tradução:

"(...) The inclusion of emprunt in the classification system would seem out of place, since a direct borrowing which has been lexically adapted to a Target Language, at least in terms of spelling and pronunciation, cannot be called a translation procedure in the narrower sense of the word, even if more liberal standards are applied."

Nesta visão, portanto, o empréstimo seria tão marginal ao processo tradutório a ponto de poder ser ignorado enquanto procedimento (ainda que não como fenômeno lingüístico tout court).

Newmark (1981) denomina o fenômeno como transferência, abarcando, sob o conceito, também as expansões explicativas (notas, glossários e explicações diluídas no texto) que freqüentemente acompanham o termo transferido ou emprestado.

Adotando de Newmark o designativo transferência, entendida como a introdução de material textual da Língua Fonte (LF) no texto em LM, Barbosa (1990) subcategoriza a transferência nas diversas formas que pode assumir: 1) estrangeirismo (empréstimo senso estrito); 2) estrangeirismo transliterado (decalque grafo-fonológico); 3) estrangeirismo aclimatado (decalque lexical e/ou morfossintático); 4) estrangeirismo + uma explicação de seu significado (ou seja, o empréstimo acompanhado de explicitação).2

Para Vinay e Darbelnet, o empréstimo é o procedimento mais fácil para o tradutor. Barbosa (1990:100), com muita propriedade, discorda:

"Não acredito ... que o empréstimo seja um procedimento tão fácil assim. Ele é usado quando há uma divergência tão grande entre as línguas, entre as realidades extralingüísticas expressas por meio delas, que falta a

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uma itens lexicais possuídos pela outra para designar objetos ou exprimir conceitos desconhecidos pela primeira, o que representa grande dificuldade para o tradutor e obstáculo para a tradução (cf. Alves, 1983) e compreensão do TLT por seu leitor."

Observam-se, em síntese, duas principais linhas de pensamento acerca do empréstimo na tradução. Uma primeira sugere tratar-se de um procedimento menor, circunstancial, fácil, uma "mera cópia", talvez sequer merecedor de figurar entre os procedimentos tradutórios no sentido estrito do termo. Representaria um fenômeno possível na tradução, em certas circunstâncias limitadas, mas de baixo interesse geral, exceto para o enriquecimento do vocabulário técnico das linguagens de especialidade (terminologia). No limite, dependendo do ponto-de-vista, poderia constituir elemento de risco cultural, sendo, por conseguinte, melhor evitados do que praticados.

Em oposição a essa linha, levanta-se uma segunda abordagem, entendendo o empréstimo como um verdadeiro procedimento de tradução, não como mera cópia,3 e que pode apresentar-se de formas variadas, inclusive em combinação com outros procedimentos. Esta hipótese interpretativa também contém um desdobramento para a política cultural. Assim, ainda que nem sempre destacada explicitamente, a abordagem proposta por Venuti (1995) redunda em valorizar o empréstimo, juntamente com os decalques sintáticos, lexicais e semânticos, como ferramenta tradutória que dá vida a uma opção deliberada de política cultural. Adotando uma linha de reflexão que remonta, no que tange à tradução, a Schleiermacher (1813), Venuti defende, na relação tradutória que se estabelece entre culturas periféricas e culturas centrais, uma opção deliberadamente "estrangeirizadora" (foreignizing), com vistas a evitar o apagamento da alteridade, tida como conveniente para a cultura central, dominante, mas, na essência, desvantajosa – posto que empobrecedora – para ambas as partes.

Estudos de natureza quantitativa sobre corpora de textos traduzidos confirmam a baixa freqüência do empréstimo como recurso tradutório. Em Alves (1983), um estudo baseado em corpus bilíngüe inglês português de textos de ciências humanas, indicou uma ocorrência nula (0%), tomando como unidade de contagem a palavra. Em Darin (1986), um trabalho similar sobre texto antropológico-literário, a ocorrência encontrada não excedeu 1%. Em um outro estudo, tendo por variável a tipologia textual (Zanotto, 1983), para uma ocorrência geral de 2,54 % de empréstimos, constatou-se, nos textos corporativos, uma incidência um pouco maior, da ordem de 3,7%, e de 2,7% em textos literários. Em ambos os casos, frise-se, o peso maior dos empréstimos é representado pelos nomes próprios: topônimos, antropônimos e diversas razões sociais. Configurando-se, embora, como traço pertinente dos textos corporativos, a relevância quantitativa do empréstimo ainda é, em comparação com os demais procedimentos, bastante modesta. E nem poderia ser de outro modo, posto que uma incidência mais elevada certamente acarretaria dificuldades talvez intransponíveis de legibilidade do texto traduzido, e representaria, na prática, aí sim, uma efetiva renúncia ao traduzir.

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O fato do empréstimo ser – e provavelmente dever ser – de baixa freqüência não significa, porém, que se trate de um fenômeno tradutório marginal ou secundário; nem, por ser, na aparência, mera "cópia" do original, menos crucial para o processo e para o produto tradutórios.

 

2. A complexidade do empréstimo

Mesmo à observação empírica, os empréstimos se mostram menos simples e transparentes do que se poderia supor.

No "front" puramente interno do português brasileiro, é notório o quanto já se procedeu a uma verdadeira antropofagia lexical em relação às línguas estrangeiras em geral (e ao inglês em particular), como ilustrado pelo uso de shopping em lugar de mall, office boy em lugar de messenger, "X", derivado de cheese, como sinônimo de lanche e não mais apenas como lanche com fatia de queijo (Aubert, 2001). Na linguagem de especialidade da informática, por muitos anos tida como exemplo claro de uma verdadeira invasão de anglicismos, o HD (hard disk) já enfrenta a competição de disco rígido (e o termo Winchester parece ter caído de vez em desuso). Nos antropônimos e, em particular, nos topônimos, convivem, lado a lado, tradições distintas, resultando em múltiplas variantes: Pequim, Peking e Beijing; New York, Nova Iorque e o curioso – mas atualmente mais difundido híbrido – Nova York. O monarca britânico decapitado em 1649, é conhecido como Carlos I, mas o atual Príncipe de Gales é sempre identificado como Charles. Inversamente, campus e campi, embora ainda as formas mais usuais, vêm paulatinamente sendo substituídos por câmpus, invariável, seguindo o paradigma de lápis.

Na tradução, campo de confronto imediato entre as estruturas e os usos lingüísticos e culturais, a situação não há de ser menos complexa. A subcategorização proposta por Barbosa (vide acima) já aponta nessa direção. Para obter uma melhor compreensão do fenômeno em sua efetiva amplitude, porém, faz-se necessário empreender uma investigação baseada em corpus real. Com esse objetivo em vista, e considerando que os aspectos quantitativos poderiam vir a ter relevância pelo menos comparável aos qualitativos-taxionômicos, foram selecionadas duas obras representativas e, de forma direta ou indireta, descritivas da cultura brasileira: os dois primeiros capítulos ("A Terra" e "O Homem") de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e a totalidade do romance Teresa Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Em cada um, foram assinalados todos os termos e expressões que, de algum modo, referem-se expressamente à realidade extra-lingüística brasileira (ecológica, da cultura material, social ou ideológica – vide Nida, 1945), incluindo-se, nesse levantamento, todas as recorrências dos mesmos termos e expressões, totalizando 962 ocorrências. A seguir, buscou-se localizar, nas respectivas traduções (vide Referências Bibliográficas), a equivalência tradutória oferecida para cada termo culturalmente marcado.

A priori, a natureza especial dos marcadores lingüísticos das especificidades culturais da LF sugere que são quatro as opções básicas

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de tradução: a omissão (evitando-se a dificuldade), o empréstimo (utilizando o co-texto como recurso suplementar), a explicitação explícita (recurso à paráfrase) ou implícita (diluição de alguns traços semânticos relevantes ao longo do texto), ou, ainda, a adaptação, este último procedimento redundando em um processo de aculturação. O quadro que se segue sintetiza os resultados encontrados para o corpus em tela:

O quadro acima é revelador a mais de um título. Como já foi indicado, na análise de traduções efetuada sobre seqüências textuais, o empréstimo comparece com um índice de freqüência bastante baixo (em média, próximo a 1,0 %, podendo ser igual a 0% em determinados textos), e nem poderia ser de outro modo. Quando porém, destacamos os marcadores lingüísticos das especificidades culturais da Língua-Fonte (LF), a participação do empréstimo torna-se extremamente significativa, como também ocorre com a adaptação. A explicitação constitui o terceiro procedimento mais freqüente. Esta constatação é corroborada pelos resultados relatados em Corrêa (1998), que, para um corpus composto de três romances de Jorge Amado, apresenta, em média, as seguintes freqüências:

Em que pesem algumas discrepâncias com o estudo aqui relatado (vide nota 6, infra), constata-se a persistência de tendências que validam as observações feitas no presente trabalho. Com efeito, no conjunto de textos analisados por Corrêa, os empréstimos, as adaptações e as explicitações predominam sobre os demais procedimentos. A tradução literal, embora também se faça presente, novamente fica significativamente abaixo dos demais, praticamente em posição equivalente à da omissão.

O estudo de Corrêa permite, ainda, fazer duas ilações acerca do empréstimo. Nesta análise, o empréstimo claramente predomina sobre os demais procedimentos. No caso específico de Tenda dos Milagres, a natureza do texto, em grande parte um "guia cultural" que convida o leitor a iniciar-se nos mistérios do universo soteropolitano, torna especialmente freqüente o uso, no texto original, de marcas lingüísticas da especificidade cultural, quer em termos de ocorrências de cada termo, quer pela variedade de termos. Neste aspecto, aproxima-se de Os Sertões, cujos dois primeiros capítulos têm precisamente por função familiarizar o leitor com o universo do sertão nordestino. Confrontando-se os dados dos Quadros I e II, percebe-se uma correlação qualitativa entre a natureza dos textos – descritivo-informativo acerca de culturas e regiões peculiares – e o peso significativamente maior do empréstimo em suas respectivas traduções. Mais precisamente, a tipologia textual, redundando em um número absoluto maior de marcas culturais, parece induzir a um número relativo maior de empréstimos.7

 

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Page 62: Procedimentos técnicos de tradução

 

Um segundo aspecto que se depreende de Corrêa diz respeito à margem de opção do tradutor. Considerando que Dona Flor e Seus Dois Maridos e Teresa Batista Cansada de Guerra têm entre si, do ponto de vista das marcas culturais textualizadas, uma organização e um peso bastante similares, poder-se-ia esperar um comportamento tradutório bastante similar. Não é o que ocorre. Em ambas as traduções, a ocorrência de empréstimos é elevada, mas em Teresa Batista os empréstimos superam as modulações e adaptações (o outro extremo da escala de procedimentos), enquanto que em Dona Flor estes procedimentos indiretos predominam sobre aqueles. Tal fato reforça a hipótese levantada desde o início, a de que o empréstimo, tanto quanto os demais procedimentos, exige uma intervenção ativa do tradutor, estando, portanto, sujeito, em grande medida, à liberdade individual de cada tradutor. A tendência estatística, de elevado número de empréstimos, é exatamente isso, uma tendência, não um automatismo do processo tradutório. A tipologia textual configura uma probabilidade comportamental, não uma essência da interação interlingual.

Finalmente, cabe observar que ambos os estudos indicam que a evasão ao obstáculo tradutório, teoricamente uma das quatro opções básicas abertas ao tradutor, constitui, efetivamente, um recurso utilizado, de forma bastante modesta (entre 5 e 6% das ocorrências). Ainda, a omissão pontual não representa, necessariamente, uma omissão textual. Com efeito, em Rebellion in the Backlands, por exemplo, o termo sertão (no singular ou no plural) foi omitido em um total de 3 ocorrências, ocorrendo, no entanto, sob outras formas (principalmente adaptações)

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em um total de 72 ocorrências ao longo dos dois primeiros capítulos da obra.

Pode surpreender, nos dois estudos em discussão, a ocorrência – é bem verdade que relativamente modesta – da tradução literal. Em tese, se o termo é exclusivo da cultura fonte, a tradução literal seria impossível. No caso presente, as traduções literais apresentam-se, na realidade, como variantes do decalque (no caso, decalque semântico, não de sentido), como o termo caldeirões traduzido como "cauldrons" (inclusive com as aspas substituindo o itálico constante do original).

Os dados sintetizados no Quadro I indicam, ainda, que o empréstimo pode co-ocorrer com outros procedimentos tradutórios. Veja-se, por exemplo:

Embora raros (e encontrados quase que exclusivamente em um dos textos, sugerindo, portanto, tratar-se de marca idioletal de tradutor), essas combinações de procedimentos são reveladoras do esforço tradutório empreendido, do desenrolar de um processo decisório na busca da aproximação possível com a língua/cultura meta. De especial relevância é a combinação de empréstimo com explicitação, procedimento que assume quer a forma de aposto (sintaticamente explícito ou velado sob o manto de um sintagma nominal, ou pela aposição do próprio empréstimo), quer como nota de rodapé.8 Excepcionalmente, ocorre a relação inversa, com o empréstimo em rodapé apoiando um outro procedimento aplicado no corpo do texto. Veja-se, por exemplo:

Observe-se, a propósito, que o empréstimo pode ser uma das várias soluções utilizadas para a tradução de um mesmo termo, ao longo do texto traduzido. Assim, por exemplo, o substantivo sertanejo vem traduzido, no decorrer dos dois primeiros capítulos de Os Sertões/Rebellion in the Backlands e em Teresa Batista como:

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o que é indicativo claro ser o empréstimo não uma estratégia isolada, e sim parte integrante de um conjunto de recursos mobilizados pelo tradutor para a superação da barreira posta pelas realidades extra-lingüísticas discrepantes, sem incorrer no risco oposto, de "apagar" a alteridade cultural preexistente.9

A situação é, porém, ainda mais complexa. Para além das combinatórias de procedimentos, ocorrem também alterações de outras ordens. Não raro, acrescenta-se ao empréstimo uma marca gráfica (aspas ou itálico ou, mesmo, ambos), como já vimos acima. Ocasionalmente, ocorre o contrário, e um termo original destacado perde a marca gráfica distintiva, como em campos gerais, reproduzido na tradução de Os Sertões como campos gerais. Por vezes, podem ocorrer alterações gráficas (reduplicação de consoantes, a introdução do dígrafo "ss" em substituição ao "ç" ou outras alterações aparentemente aleatórias – introdução ou eliminação de acentos), como em cajuís traduzido como cajuys, juás convertido em joaz, "sabará-buçu" reproduzido como "sabará-bussú", etc.10

Uma outra variante dos empréstimos é de natureza mais propriamente lexical. Em circunstâncias ainda a serem melhor esclarecidas, o tradutor opta por efetuar uma espécie de empréstimo indireto; ou seja, não se vale do termo constante do original, mas insere um outro termo da LF ou, ainda, um termo de uma terceira língua (no caso da relação tradutória português inglês, essa terceira língua é, mais freqüentemente, a castelhana). Assim, por exemplo, em Teresa Batista o termo gafieira aparece traduzido como samba e, em Rebellion in the Backlands, araquã é vertido como jacu e mestiço como mestizo. O Quadro III apresenta os dados quantitativos registrados para estes dois casos, em confronto com o total de empréstimos simples (ou seja, não combinados com outros procedimentos).

 

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As alterações de grafismo e de ortografia, bem como os empréstimos indiretos, ocorrem em ambas as traduções, denotando, portanto, constituírem sub-procedimentos gerais (vide, porém, nota 10). A multiplicidade e a flutuação das soluções dadas para o grafismo, evidente em Rebellion in the Backlands, pode estar indicando uma dificuldade de estabelecer uma norma de conduta para os empréstimos, norma essa que já aparece estabilizada em Teresa Batista, com o uso exclusivo do itálico como marcador gráfico de empréstimo. Seja como for, na média são 40% das ocorrências de empréstimos simples (em Teresa Batista, acima de 60%) vêm graficamente assinalados como tais.

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Os empréstimos indiretos são raros em Teresa Batista, ao contrário do que ocorre em Rebellion in the Backlands, em que representam quase 17% das ocorrências de empréstimos simples. O corpus é insuficiente para determinar se tal fato se deve meramente aos idioletos dos respectivos tradutores, ou se há fatores vinculados à diacronia da relação entre a cultura americana e a cultura brasileira que possam justificar a redução em praticamente 2/3 das ocorrências desta modalidade de empréstimo. Resta, de todo modo, o procedimento em si, de interesse qualitativo evidente. Principalmente em Teresa Batista, o que parece ocorrer é um recurso a termos da LF supostamente de conhecimento mais geral na cultura de recepção, e/ou um processo de atualização. Observe-se os cinco casos registrados:

em que mesmo o termo mulatto por mameluco – estritamente falando, um erro – parece atender ao propósito de manutenção de "cor local" pelo empréstimo, recorrendo a um sentido mais genérico (indivíduo de etnia mista), ainda que sacrificando o sentido estrito (indivíduo com ascendência mista branco + índio em oposição a branco + negro).

 

3. Considerações finais

Os dados e as reflexões tecidas no que precede constituem indicativos claros de que o empréstimo, enquanto procedimento de tradução, reveste-se de elevado grau de complexidade e apresenta facetas bastante diversas. Nas múltiplas variantes registradas, formais, indiretas (intra e interlinguais) e em combinação com outros procedimentos, o corpus analisado apresentou um total de 37 realizações distintas. Ainda que bom número destas venham a ser tidas como representativas de uma etapa experimental na lide com a tradução de termos culturalmente marcados (hipótese levantada para a grande flutuação observada em Rebellion in the Backlands), e, portanto, em tese, não produtivas na atualidade, restam pelo menos uma dezena de subprocedimentos tradutórios envolvendo o empréstimo como elemento central ou acessório.

O presente estudo e, em grau mais abrangente, o trabalho de Corrêa (1998), indicam, ainda, que o empréstimo – tanto, é de intuir, quanto qualquer outro procedimento do ato tradutório – não pode ser avaliado apenas pontualmente, no entorno co-textual imediato de sua ocorrência. Para além de sua dimensão frástica, há uma dimensão textual na qual o empréstimo se insere e no âmbito do qual, em grande parte, se justifica e se torna eficaz como solução tradutória. O relato de pesquisa ora apresentado tem, portanto, um caráter sobretudo exploratório: aos dados quantitativos e distribucionais caberá acrescer, além de novos

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dados, envolvendo outras tipologias textuais, outros pares de idiomas e outras direções tradutórias, investigações de ordem qualitativa, nas dimensões semântica, pragmática e textual e, muito possivelmente, investigações de ordem diacrônica.

De todo modo, evidencia-se, desde já, o fato do empréstimo, ao contrário do sugerido por Vinay e Darbelnet (1958) e do que afirma Wills (1982) e confirmando a suspeita de Barbosa (1990), não constituir um procedimento "fácil" do traduzir. Tanto quanto o indicado por Fregonezi (1984) para a transposição, o empréstimo se desdobra em diversas opções formais, estilísticas e pragmáticas, ora se impondo como solução única (obrigatória), necessitando de outros elementos de apoio inseridos na urdidura do texto traduzido, ora transparecendo como opção deliberada, buscada pelo tradutor para gerar determinados efeitos na tradução. Parece poder servir, paralela e simultaneamente, tanto à perspectiva assimilativa (comunicativa, domesticadora) quanto à abordagem matricial (semântica, estrangeirizadora). Nesta constatação de sua complexidade, convida desde já a novas investigações.

 

REFERÊNCIAS

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AMADO, J. 1972. Teresa Batista cansada de guerra. São Paulo: Martins. Tradução norte-americana de Shelby, B. 1975. Teresa Batista home from the wars. Nova York: Alfred A. Knopf.        [ Links ]

AUBERT, F. H. 1998. Modalidades de tradução: teoria e resultados. TradTerm 5(1). São Paulo: CITRAT/FFLCH-USP: 99-128.        [ Links ]

AUBERT, F.H. 2001. Preconceitos lingüísticos subjacentes ao Projeto de Lei n.º 1676/99. In: URBANO, H. et al. Dino Preti e seus temas: oralidade, literatura, mídia e ensino. São Paulo: Cortez.        [ Links ]

BARBOSA, H. G. 1990. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas: Pontes.        [ Links ]

CORRÊA, R. H. M. A. 1998. Barreiras culturais da tradução: Um estudo de obras de Jorge Amado traduzidas para o inglês. Tese de doutorado. São Paulo: FFLCH-USP.        [ Links ]

CUNHA, E. 1902. Os sertões. 24a ed. 1956. Rio de Janeiro: Francisco Alves. Tradução norte-americana de Putnam, S. 1944. Rebellion in the backlands. Chicago: UCP.        [ Links ]

DARIN, L. 1986. Translation modalities in the comparison of English and Portuguese – Analysis of excerpts taken from C. Castañeda's novel "The Teachings of D. Juan" or "A Erva do Diabo". Dissertação de mestrado. Univ. of Exeter.        [ Links ]

Page 68: Procedimentos técnicos de tradução

FREGONEZI, D. E. 1984. A tradução: uma abordagem lingüística. Tese de doutorado. Araraquara, UNESP.        [ Links ]

NEWMARK, P. 1981. Approaches to translation. Oxford: Pergamon.        [ Links ]

NIDA, E. 1945. Linguistics and ethnology in translation problems. Word 1.2.:194-208.        [ Links ]

SCHLEIRMACHER, F. 1813. Über die verschiedenen Methoden des Übersetzens. In Störig, H. J. 1973. Das Problem des Übersetzens. Stuttgart.        [ Links ]

VENUTI, L. 1995. The translator's invisibility – a history of translation. Londres/Nova York: Routledge.        [ Links ]

VINAY, J. P. & DarbELNET, J. 1958. Stylistique comparée du français et de l'anglais. Paris: Didier.        [ Links ]

WILLS, W. 1982. The science of translation: problems and methods. Tübingen: Gunter Narr.        [ Links ]

ZANOTTO, P. 1993. Tipos de texto e modalidades de tradução. Tese de doutorado. São Paulo: USP.        [ Links ]

 

 

Recebido em fevereiro de 2002

 

 

E-mail: [email protected] 1 Este último caso é ilustrado na linguagem atual da informática, em que deletar, tido e havido como anglicismo, remonta, na realidade, ao verbo latino delere. Da mesma origem latina é o termo vernacular delir. 2 Comentários parentéticos deste autor. 3 Sugeri alhures (Aubert, 1998) que o empréstimo não se confunde com a transcrição, esta sim, uma cópia real, sem interferência do tradutor, e que ocorre sempre que o original contiver um elemento lingüístico-conceptual ou cultural comum à LF e à LM (como, p. ex., uma fórmula química ou algébrica) ou específica de uma terceira língua (como, p. ex., um termo em alemão constante de um original francês traduzido para o português e mantido em sua forma germânica na tradução). 4 Este quadro constitui uma reorganização da Tabela 7 constante de Aubert (1998). 5 Dados extraídos de Corrêa (1998) e reorganizados de modo a possibilitar paralelo com o Quadro I. 6 As discrepâncias observadas na distribuição das modalidades em Teresa Batista entre os Quadros I e II devem-se a procedimentos

Page 69: Procedimentos técnicos de tradução

operacionais e descritivos não totalmente coincidentes (vide, p. ex., os respectivos valores encontrados para a omissão). Embora tal não-coincidência seja, inevitavelmente, impeditiva de um tratamento quantitativo mais elaborado em base comparativa, a tendência geral resta confirmada, conforme comentado no corpo deste trabalho. 7 Esta afirmação é reforçada pelo fato de Dona Flor e Seus Dois Maridos e Tenda dos Milagres terem sido ambos vertidos para o inglês pela mesma tradutora, B. Shelby. Neste ponto, portanto, o idioleto de tradutor pesa menos do que a tipologia textual. Vide, no entanto, os comentários desenvolvidos no parágrafo seguinte. 8 A nota de rodapé, freqüente em Os Sertões, inexiste em Teresa Batista, o que se explica pelas respectivas tipologias textuais. 9 O emprego do empréstimo paralelamente a outros recursos (em especial, a explicitação, a adaptação e, ocasionalmente, a tradução literal) ao longo do texto requer uma abordagem longitudinal que foge ao escopo do presente trabalho. Para um primeiro estudo com tal abordagem, vide Corrêa (1998). 10 Considerando a data de publicação de Rebellion in the Backlands (1944), é muito provável que o tradutor S. Putnam tenha utilizado como texto fonte uma edição ainda em ortografia tradicional. Nesta hipótese, as alterações gráficas observadas seriam enganosas, o desvio, se houver, estando antes nas edições brasileiras pós-reformas ortográficas. A hipótese é reforçada pelo índice sensivelmente menor de alterações gráficas observadas em Teresa Batista Home from the Wars. Resta, de todo modo, a constatação de que a alteração na grafia constitui um dos subtipos de empréstimo.

 

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O Brazil de Paule Marshall e o nosso Brazil: um olhar intermediado pela tradução

By Diego do Nascimento Rodrigues Flores Universidade Federal do Espírito Santo

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Resumo: O trabalho pretende tratar de questões que foram levantadas durante a tradução do conto Brazil, de Paule Marshall, em especial aquelas que mais diretamente afetariam as escolhas feitas pelo tradutor na sua prática transcriatória. Pretende-se também refletir sobre a importância do tradutor na manutenção da vida de um texto literário e na busca de uma identidade cultural através da tradução durante a sua luta entre a fidelidade e a traição. Palavras-chave: tradução, crítica, fidelidade.

Abstract: The paper intends to discuss some of the questions aroused while translating Paule Marshall’s Brazil, especially those which more directly affected the choices made by the translator in his transcreative practice. It is also intended to discuss the importance of the translator in the maintenance of the life of a literary text, and in the quest for a cultural identity through translation in his fight for fidelity and against betrayal. Key-words: translation, criticism, fidelity.

1. O Brazil de Paule Marshall

    Paule Marshall, juntamente com outras escritoras como Toni Morrison e Gayl Jones, faz

parte de uma geração de escritoras cujo trabalho está marcado por narrativas que retratam

a aflição e amargura lado a lado com a musicalidade e a alegria, que assim denunciam as

emoções conflitantes e a mistura de cores do continente americano. (COSER: 1995, 3)

    “Brazil”, última das quatro novelas de Paule Marshall, foi publicada em 1961, no livro

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intitulado Soul Clap Hands and Sing, que em suas quatro novelas (“Barbados”, “Brooklyn”,

“British Guiana” e “Brazil”) dramatiza muitos dos temas que estão presentes em toda a obra

de Marshall: a realidade pós-colonial de uma apartheid social acentuada em convívio com a

multiplicidade de cores e raças. (COSER: 1995, 28)

    Jogando com o conceito de identidade e integridade em um meio em que a divisão de

classes salta aos olhos juntamente com as diferenças regionais e o hibridismo de cores

(COSER: 1995, 31), “Brazil” conta a história de Caliban, comediante negro e velho, prestes a

se aposentar e que, depois de 35 anos de carreira, parte em busca do seu eu antes de se

tornar Caliban, quando ainda era somente o Heitor Baptista Guimarães que saíra do interior

de Minas Gerais para tentar a vida no Rio de Janeiro. Ao fim de sua busca, descobre que

aquele Heitor não existe mais, foi esquecido, e que a sua realidade agora passa a ser

somente Caliban. Enfurecido por causa do seu apagamento, resolve vingar-se jogando toda

a sua raiva em cima de Miranda, loira alta e exuberante, imigrante como ele, e que também

é sua companheira de palco, por acreditar que ela e seu apartamento reluzente simbolizam

o próprio Rio, em seu eterno contraste entre negro e branco. Sua vingança, contudo, não

trará de volta o Heitor perdido e Caliban estará fadado a aceitar seu novo eu do qual se

esforçou tanto para se livrar. (COSER: 1995, 33)

    Não é difícil imaginar a relevância de Caliban para todos os latino-americanos. Roberto

Fernández Retamar, líder cultural cubano, afirma ser Caliban a melhor metáfora possível

para a “nossa América”, considerando-se que nesta figura está inserida tanto a exploração

perpetrada pelos brancos colonizadores como a possibilidade de uma afirmação de um

pluralismo étnico através de uma inversão de poderes que favoreça as classes oprimidas. E

uma forma de dar continuidade a esta luta é através da escrita de mulheres como Marshall

que se fazem da língua do colonizador para rever a história do continente americano,

denunciando as condições criadas e estimuladas pelo colonialismo. (COSER: 1995, 34)

    Assim, da mesma forma que a leitura dos textos destas autoras torna-se necessária para

que se mantenha viva essa chama de subversão, também a tradução das mesmas torna-se

necessária, e esta por sua vez certamente contribuirá para a sobrevivência destes textos na

medida em que o tradutor traz para o seu povo algo que vem de fora, mas que, quando

adentra a sua linguagem, deixa de ser algo estrangeiro e passa a fazer parte do corpo

cultural daquele povo.

    Como afirma Silviano Santiago: “Falar, escrever, significa: falar contra, escrever contra”.

(SANTIAGO: 2000, 19). Assinalo, agora, que também traduzir o que está escrito será um ato

subversivo, de revolta, de insatisfação, e que precisa ser exercido, pois a tradução será não

uma simples atividade de cópia ou transporte lingüístico, mas uma operação

transformacional, que dará nova vida ao texto literário ao abrir os horizontes do mesmo

Page 72: Procedimentos técnicos de tradução

para novas possibilidades de leitura e, portanto de novos questionamentos que, por sua vez,

servirão para a consolidação de uma identidade cultural.

2. O tradutor e o texto literário: algumas considerações

    Aceitar traduzir um texto literário, contudo, quase certamente trará momentos de

angústia para aquele que se aventura por estes caminhos. Uma das várias possíveis razões

para este sentimento vem do fato do tradutor estar trabalhando com a criação poética de

outrem, com algo que não lhe pertence, e que possivelmente é um texto já de certa forma

consagrado e também de, antes disso, estar tentando trazer esta criação poética que não

lhe pertence para uma outra língua. Estando o tradutor ciente das dificuldades lingüísticas

que certamente irá encontrar, não é difícil imaginar como ele venha a se sentir.

    Contudo, não são só as dificuldades lingüísticas que contribuirão para a angústia do

tradutor. A mesma também poderá aumentar dependendo da forma como o tradutor se

posiciona frente ao texto literário. Caso o tradutor ainda esteje preso À noção de que a

verdadeira e única literatura é, como diz Antoine Compagnon, constituída “pelos escritores

que melhor encarnam o espírito de uma nação” (COMPAGNON: 2001, 33), e que essa

literatura é composta de obras únicas e ao mesmo tempo universais, então sua angústia só

tenderá a aumentar.

    Partindo agora do geral para o particular, poderíamos pensar também na figura do autor,

essa figura tão comumente endeusada pelo senso comum, como mais um contribuinte para

o mal-estar do tradutor. Como fica o tradutor frente a essa figura quase divina e

aparentemente tão inacessível? Segundo definição do Dicionário Aurélio, o autor é aquele

que é a causa principal ou a origem de alguma coisa, o inventor, descobridor, criador. O

tradutor, por sua vez, segundo definição do mesmo dicionário, é simplesmente aquele que

traduz, ou seja, aquele que transpõe, que translada de uma língua para outra, que revela,

que explica (FERREIRA: 1999, __). Nessa sua tarefa segundo a definição acima, pode-se

chegar À conclusão de que nada há de criativo na atividade tradutória. O tradutor deve

simplesmente trazer o autor e a sua obra para a cultura para a qual se traduz, como se

carregasse um peso em suas costas tal qual um burro de carga, e que devido a esse

trabalho árduo e que supostamente nada tem de criativo merece menos reconhecimento.

Ao tradutor caberia somente buscar a intenção do autor, que Compagnon define como

sendo “[...]o critério pedagógico ou acadêmico tradicional para estabelecer-se o sentido

literário[...]” (COMPAGNON: 2001, 49). Uma vez que este sentido tenha sido achado, basta

sobre reproduzi-lo segundo as regras da língua-alvo.

    Entretanto, para que se chegue a este sentido, o tradutor precisa ser antes de tudo um

leitor. E, na posição de um leitor, o tradutor se vê cara a cara com o dilema da

interpretação, uma vez que neste momento a característica polissêmica do texto literário

Page 73: Procedimentos técnicos de tradução

mostrará suas garras. Acredito ser essa uma hora decisiva para um tradutor, uma vez que

os tradutores menos experientes, conforme propõe Susan Bassnet, “freqüentemente

começarão a traduzir um texto que ainda não tenham lido ou que tenham lido apenas uma

vez” [1] (BASSNET: 2002, 110, tradução nossa), principalmente se estes tradutores

acreditarem que basta traduzir o que está escrito e que então a suposta “intenção do autor”

surgirá no texto da tradução.

    Bassnet, todavia, afirma que o tradutor:

[...] não deve ser tentado pela escola que pretende determinar as intenções originais de um autor com base em

um texto fechado sobre si mesmo. O tradutor não pode ser o autor do texto-fonte, mas como autor do texto

traduzido ele tem uma responsabilidade clara para com os leitores de sua tradução. [2] (BASSNET: 2002, 30,

tradução nossa, grifo do autor)

    Da mesma forma, Bassnet também afirma o tradutor não pode simplesmente tentar criar

um texto legível na língua-alvo sem levar em consideração a interação que existe entre as

orações e que dará forma ao texto como um todo (BASSNET: 2002, 115). A interpretação

tem que fazer parte da prática do tradutor, e não é possível traduzir uma oração, como

afirma Eugene Nida, sem se interpretar o seu significado dado que não existe

correspondência exata entre os vocábulos das línguas com as quais o tradutor trabalha

(NIDA: 1996, 7). Em se tratando de um texto literário, tal interpretação assumirá o caráter

de uma tomada de posição frente À obra – a qual dificilmente irá coincidir com a suposta

intenção do autor – e que mudará de tradutor para tradutor.

    Seguindo os conselhos de Bassnet para se chegar a uma boa tradução, o tradutor precisa,

antes de qualquer coisa, conhecer o objeto com o qual trabalha: o objeto literário. Jean-Paul

Sartre, citado por Compagnon, define este objeto como sendo “[...]um estranho pião que só

existe em movimento[...]” e que “[...]Para fazê-lo surgir é preciso um ato concreto que se

chama leitura e ele só dura enquanto a leitura pode durar[...].” (COMPAGNON: 2001, 148).

Assim, é o tradutor/leitor que dará vida ao texto em seu processo hermenêutico. E, uma vez

que o tradutor é inevitavelmente um leitor, ele leva consigo o que faz parte de sua

identidade: seus valores e preconceitos.

    Compagnon afirma que a nossa leitura é sempre impregnada pelas nossas expectativas e

o que acontece durante a nossa leitura nos leva a estar sempre reformulando as nossas

expectativas e reinterpretando o que já lemos no texto sobre o qual nos debruçamos agora

e sobre os quais nos debruçamos anteriormente (COMPAGNON: 2001, 148). A conclusão a

que Compagnon chega parece responder a pergunta sobre se é possível ou não traduzir. Ele

afirma que “O objeto literário autêntico é a própria interação do texto com o leitor”; dessa

afirmação podemos também concluir que a tradução de uma obra literária, uma vez que

seja aceita pelos que a lêem também como uma obra literária, nada deixa a desejar em

relação ao original.

Page 74: Procedimentos técnicos de tradução

    Deixa ainda menos a desejar se entendermos a questão da originalidade conforme

proposta por Edward Said, que nos aconselha a encará-la não como primeiras instâncias de

um fenômeno, mas como duplicação, paralelismo, simetria, paródia, repetição, ecos do

mesmo e que por isso quem escreve pensaria menos em escrever de forma original do que

em reescrever o que já foi escrito (SAID: 1983, 135).

3. Concepções de tradução: (in)visibilidade do tradutor

    Octavio Paz abre seu livro Traducción: literatura y literalidad com as seguintes

considerações:

Aprender a falar é aprender a traduzir; quando uma criança pergunta À sua mãe o significado desta ou daquela

palavra, o que realmente lhe pede é que traduza para sua linguagem o termo desconhecido [...]. [3] (PAZ: 1990,

9, tradução nossa)

    Deduz-se daí que, segundo Paz, a tradução está sempre presente em nossas vidas, e em

especial em momentos tão cruciais quanto o é o da formação do nosso primeiro sistema

lingüístico. Contudo, esta é somente uma das espécies de tradução, definida por Roman

Jakobson como tradução intralingual e que segundo ele “consiste na interpretação dos

signos verbais por meio de outros signos da mesma língua” (JAKOBSON: 1995, 64).

    Portanto, se partirmos do pressuposto de que as palavras são fruto do grupo cultural do

qual pertencem uma vez que só tem sentido quando usadas por aquele grupo ao mesmo

tempo em que dão forma Àquele grupo, podemos pensar que a identidade do falante de

uma língua é limitada pela própria língua, com o que Paz concorda ao afirmar que

[...] as línguas que nos servem para comunicarmos também nos prendem em uma rede invisível de sons e

significados, de modo que as nações são prisioneiras das línguas que falam [...].[4] (PAZ: 1990, 12, tradução

nossa)

    Retomando o que dissemos acima sobre a subjetividade do tradutor estar presente

durante o processo hermenêutico do texto literário, nos perguntamos se também esta

mesma subjetividade, formada nos moldes de uma determinada cultura, por seguinte de

uma língua, não estará presente também no seu discurso no momento em que estiver

reescrevendo na língua-alvo a obra que traduz.

    Quanto a isso, Solange Mittmann responde afirmando que há duas concepções de

tradução que tomarão posições diversas quanto À questão acima. À primeira concepção

chama de tradicional, sob a qual alinha as idéias de três teóricos: Eugene A. Nida, Erwin

Theodor e Paulo Rónai, dentre os quais diz haver uma idealização do original onde o sentido

pretendido pelo autor é transparente e alcançável. Cabe ao tradutor, dentro desta

concepção, simplesmente o transporte deste sentido, não sendo aceitável qualquer tipo de

interferência da subjetividade do mesmo, figurando entre suas obrigações o seu próprio

Page 75: Procedimentos técnicos de tradução

apagamento em favor da transparência do autor original.[5] À segunda concepção chama

de contestadora, sob a qual coloca Francis H. Aubert, Rosemary Arrojo, Lawrence Venuti e

Theo Hermans, a quem atribui uma visão que expressa que o sentido já não é mais

determinado pelas intenções do autor, sendo antes disso uma imagem criada pelo próprio

tradutor, imagem essa determinada por diversos fatores externos e onde o tradutor tem um

papel ativo sobre o que produz e que justamente por isso a sua presença se faz óbvia por

todo texto (MITTMAN: 2003, 33).[6]

    Durante a tradução de Brasil, fiquei um tanto dividido entre as duas concepções

brevemente expostas acima, o que veremos mais detalhadamente na análise que faremos

de alguns trechos da referida tradução logo a seguir.

4. O nosso Brasil: algumas pedras no caminho

    Proponho, nesta parte do trabalho, tratar das pedras encontradas no caminho percorrido

em busca da recriação do conto de Marshall em nossa língua. Não será possível aqui,

infelizmente, tratar de cada uma delas devido ao espaço limitado que temos para a

apresentação do caminho percorrido. Tomo a liberdade, portanto, de escolher aquelas que

para mim são mais representativas por se tratarem de dúvidas que insistiram em

permanecer comigo por mais tempo.

    O primeiro parágrafo, certamente, foi o que mais pareceu resistir À tradução. Era como se

travasse uma luta corporal com o texto e o sentimento que tive durante a tradução do

mesmo era o de que a derrota parecia estar cada vez mais próxima. Traduzi-o por teimosia

e por vários momentos fui obrigado a encará-lo novamente, como se o mesmo pedisse por

uma revanche.

    Desta batalha, cito, por exemplo, a primeira linha traduzida inicialmente como “Três

trompetes, dois saxofones, um só trombone; um piano, bateria e um violino grave”. No

texto de Marshall, este violino grave na verdade trata-se de um bass fiddle. Minha primeira

opção de procedimento de tradução para este termo foi o que Heloísa Barbosa chama de

tradução literal, que segundo a autora “corresponde À mais difundida a respeito da

tradução” (BARBOSA: 1990, 65) e que consiste na manutenção da fidelidade semântica

estrita, repeitando-se, contudo, as normas gramaticais da língua da tradução.

    Dessa forma, a tradução a que se chegou foi violino grave. Entretanto, o termo não

parecia apropriado, uma vez que não parecia estar em harmonia com os outros

instrumentos de uma banda que se apresentava num local chamado Casa Samba. Depois de

pesquisar em vários dicionários, cheguei ao Random House Unabridged Dictionary, para o

qual bass fiddle é um sinônimo de double bass, que por sua vez é definido como

Page 76: Procedimentos técnicos de tradução

O maior instrumento da família do violino, que tem três ou, geralmente, quatro cordas, posicionado verticalmente

ao chão quando tocado.

Também chamado bass fiddle, bass viol, contrabass, string bass.[7] (colocar referência, tradução nossa).

    Depois, recorri ao Collins English Dictionary que define o mesmo instrumento como

Instrumento de cordas, o maior e mais grave membro da família dos violinos. Alcance: quase três oitavas acima

de mi, no espaço entre a quarta e a quinta linha suplementar abaixo da pauta grave. Na música clássica, é

geralmente tocado com arco, mas é muito comum no jazz e nas orquestras de dança, onde é quase sempre

tocado pizicato. Nome informal: bass fiddle.[8] (colocar referência, tradução nossa).

    Após analisar cuidadosamente as entradas acima, decidi ser melhor traduzi-lo por

contrabaixo, por levar em consideração que este termo é um dos possíveis sinônimos para

bass fiddle. Acredito que a autora, ao retratar a Casa Samba, tinha em mente na verdade

uma espécie de Jazz Bar, devido À natureza dos instrumentos que cita, o que é confirmado

pela citação acima que afirma que aquele tipo de instrumento, apesar de ser usado na

música clássica, também é muito comum no jazz. Por mais relutante que eu seja em relação

Às perdas, preciso admitir que se perde, contudo, naquela tradução, a carga de

informalidade do nome bass fiddle ao traduzi-lo por contrabaixo.

    Tratemos agora de uma outra pedra que encontrei pelo caminho. No Brazil de Marshall,

onde se lê “He had been Everyman” (MARSHALL:1961, 135), minha primeira opção de

tradução foi “Ele fora João Ninguém”. O Collins English Dictionary define o termo Everyman

como

1. peça medieval inglesa na qual a figura central representa a humanidade, cujo destino terreno é dramatizado

do ponto de vista cristão.

2. (geralmente em letras minúsculas) pessoa inferior; homem comum.[9] (colocar referência, tradução nossa).

    Quando ainda estava trabalhando na tradução, apenas conhecia a última parte da

definição acima, o que me induziu ao erro de traduzir Everyman por João Ninguém. Depois

de ter tomado consciência do erro, parti em busca de uma outra solução, que foi encontrada

por acaso. A saída encontrada foi Todo-Mundo, vocábulo presente em Lingüística e

Comunicação de Roman Jakobson, obra traduzida por Izidoro Blikstein e José Paulo Paes

(JAKOBSON: 1995, 64). Contudo, foi preciso adicionar uma nota de rodapé explicando ao

leitor da tradução a alusão que Marshall faz À moralidade alegórica medieval inglesa, já que

não se deseja que este detalhe passe desapercebido.

    Outra dúvida presente no meu caminho em busca da tradução foi sobre o que fazer em

relação ao mal uso que Marshall faz da língua portuguese em seu conto. Um desses erros, e

que se repete através do texto, pode ser visto na página 141: “[...] Henriques, who also

served as Caliban’s valet, entered with the cup of café Sinho he always brought him after

the last show”.(MARSHALL: 1988, 141)

    Dentre os procedimentos apresentados por Heloísa Barbosa está o que ela chama de

Page 77: Procedimentos técnicos de tradução

melhorias, que “consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos

de erro cometidos na TLO” (BARBOSA: 1990, 70). Este foi o procedimento adotado para

todas as ocorrências de erros como o acima citado, traduzido como “...Henriques, que

também servia de camareiro de Caliban, entrou com a xícara de café que sempre lhe trazia

após o último show”.

    Um outro exemplo está no nome de uma das personagens da novela. Na página 172,

lemos a seguinte fala de Caliban: “Go home, Luiz” (MARSHALL: 1988, 172). Se analisada

fora do contexto em que a fala ocorre, aparentemente não haveria nada de errado com o

nome Luiz. Mas quando tomamos conhecimento de que Luiz é uma garota, empregada de

Miranda, o problema fica evidente, já que este não seria um nome normalmente dado a uma

garota. Uma possível explicação para o erro da autora é o som do nome Luiz, que quando

pronunciado lembra em muito o nome inglês Louise, que é feminino. Decidiu-se, então, por

corrigir o nome para Luiza, e por fazer uma nota de rodapé indicando o que ocorre no texto

em inglês.

    Contudo, apesar do português nem sempre estar correto no texto de Marshall, o uso que

ela faz do mesmo dá um ar de estrangeirismo e exoticidade ao seu texto, perdido ao ser

traduzido para o português, ao que o tradutor tem que se contentar com a tentativa de

recriar este efeito indicando ao leitor, em notas de rodapé, os trechos que estavam em

português no original.

    Devo ressaltar também que, durante a tradução de “Brazil” a preocupação com a

manutenção da pontuação do texto original. Marshall, ao contrário do que é de costume na

língua inglesa, utiliza períodos longos. Contudo, a reconstrução de períodos, que segundo

Heloísa Barbosa “consiste em redividir ou reagrupar os períodos e orações do original ao

passá-los para a LT” (BARBOSA: 1990, 70), teve que ser adotada no texto traduzido. A

“fluência” do texto, que para Ana Cristina César “é uma necessidade óbvia” (CéSAR: 1988,

96), foi alterada sempre que a manutenção da pontuação acabasse por produzir um efeito

indesejável. Vejamos, por exemplo, a seguinte passagem em que Marshall descreve

Miranda:

[…] She was a startlingly tall, long limbed woman with white skin that appeared luminous in the spotlight and

blond hair piled like whipped cream above a face that was just beginning to slacken with age and was all the

more handsome and arresting because of this […]. (MARSHALL: 1988, 132)

    Este é um período consideravelmente longo para os padrões da língua inglesa no qual

percebe-se o uso de apenas uma vírgula para separar os adjetivos atribuídos a Miranda.

Vejamos agora como ficou a tradução do mesmo trecho:

Ela era uma mulher surpreendentemente alta, de membros longos, com uma pele branca que parecia luminosa

ao holofote, com um cabelo loiro amontoado como creme chantilly sobre uma face que estava começando a se

apagar com a idade e que, justamente por isso, era ainda mais bela e cativante.

Page 78: Procedimentos técnicos de tradução

    Apesar de não ter sido necessário dividir o período de Marshall em períodos menores, a

alteração da pontuação durante a tradução adiciona certas pausas que não estavam no

texto original. Ana Cristina César afirma que

[...] em prosa, o ritmo não é mensurável e depende diretamente da sintaxe e do conteúdo; pode, então,

acontecer que a consciência de ritmo que o texto nos transmite se evapore, capitulando perante o interesse pela

trama do livro [...]. (CéSAR: 1988, 97)

    Em tradução, perde-se por um lado, quando precisamos alterar o ritmo, o movimento, do

texto original. Por outro lado, se ganha um novo texto, um novo original, com características

próprias e que fala a nossa própria língua e que por isso torna-se nosso. O capitular de que

Ana Cristina César fala, portanto, parece não caber, pois o que passamos a ter em mãos não

é um texto rendido, que cedeu mediante sua incapacidade de imitar a sua fonte, mas um

texto que dá um passo além de sua fonte, um passo para dentro de novas possibilidades

que fazem dele um texto novo que precisa ser lido como um original. Retomo aqui a posição

assumida por Edward Said, para quem a originalidade tem que ser perda, caso contrário não

passará de repetição (SAID: 1983, 132); se a tradução pudesse ser simplesmente repetição,

seria estéril. Deste modo, toda perda que ocorre na tradução termina por contribuir

simplesmente para a originalidade da mesma.

5. Tradução: fidelidade ou liberdade? A voz do latino

    Proponho aqui algumas palavras finais sobre o eterno dilema da fidelidade pelo qual todo

tradutor inevitavelmente passa e do qual dificilmente, creio, será capaz de se livrar.

Preocupação constante durante a tradução de Brasil, minha posição frente a esse dilema

sofreu profundas alterações já que na busca pela fidelidade ao texto de Marshall, chegou-se

de fato, o que parece agora ter sido inevitável, a um novo texto, produto de uma luta entre

a fidelidade e a liberdade criativa.

    Falar de liberdade criativa, no entanto, quanto se fala de tradução pode parecer absurdo.

Pergunto se é possível, contudo, falar de liberdade criativa no continente latino americano

quando se fala em autoria de obras inéditas. Eduardo Coutinho cita Edward Said, para quem

os escritores estariam ligados À história de suas sociedades, influenciando e sendo

influenciados pela mesma e pela experiência social. (COUTINHO: 2003, 91) Desta forma,

toda originalidade possível estaria de certo modo pré-determinada pelo tempo de sua

criação.

    Igualmente, para Friedrich Nietzsche, existem traduções honestas, fiéis digamos, que

resultaram em falsificações, vulgarizações do original, porque não puderam reproduzir seu

tempo ousado e alegre (NIETZSCHE: 2003, 35). Daí conclui-se que para se chegar a uma boa

tradução deve-se pensar menos em honestidade e mais em ousadia, em tomada de posição

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consciente.

    Esta tomada de posição consciente torna-se ainda mais importante na medida em que,

como afirma John Milton, “a tradução torna-se uma das maneiras principais de introduzir

novos modelos em uma dada literatura” (MILTON: 1998, 35). O diálogo com Walter

Benjamin aqui parece claro, pois para o pensador “[...] A obra de tradução [...] imprime

marcas não menos profundas na história [...].” (BENJAMIN: 2001, 205). Assim, a

responsabilidade do tradutor vai muito além da sua responsabilidade para com o texto À sua

frente. A obra criada pelo tradutor poderá servir para alterar a forma como se escreve

dentro de sua própria cultura, pois ela será um elemento novo servindo de porta-voz de

novas possibilidades poéticas.

    Fidelidade absoluta ao texto, portanto, torna-se, além de impossível, indesejável. Da

mesma forma que, segundo Rosemary Arrojo, não é possível fazer a leitura de qualquer

texto sem projetar nesta leitura tudo aquilo que nos constitui como leitores e membros de

uma comunidade (ARROJO: 1993, 19), também não é possível, nem desejável o total

apagamento do tradutor. Não desejável na medida em que, uma vez que a presença do

tradutor, figura responsável pela apropriação não passiva ou obediente, mas antropofágica,

do que vem de fora, torna-se evidente, as chances de que o mesmo ganhe um status

diferente do status marginalizado que ocupa só tendem a aumentar.

    Como afirmei anteriormente, durante o processo tradutório de Brasil, estive muito

dividido pela questão da fidelidade, e que o resultado desta luta foi um novo texto. Resalvo,

no entanto, que este novo texto de que falo foi mais um produto de uma posição ainda

bastante conservadora a respeito da tradução, de uma fase ainda embrionária da minha

formação como tradutor, do que a de uma posição mais ousada, a qual afirmo agora ser

necessário assumir. Deste processo ficou a reflexão, cuja formulação espero perdurar

enquanto me for permitido, sobre a tarefa do tradutor.

    Para Walter Benjamin, a tarefa do tradutor é a de “[...] liberar a liberar a língua do

cativeiro da obra por meio da recriação [...].” (BENJAMIN: 2001, 211). Ouso afirmar agora,

uma vez percorrido o caminho que trilhei durante a tradução de Brasil, que a tarefa do

tradutor latino-americano, oriundo de uma sociedade injustamente estigmatizada pela falta

de uma tradição autóctone, passa a ser, portanto, a de fazer uso do que Homi Bhabha,

teórico do Pós-Colonialismo citado por Coutinho, chama de mimicry: a apropriação criativa,

“mistura ambivalente de deferência e desobediência” (apud COUTINHO: 2003, 93). Usemos

então a língua colonial contra o colonialismo, sejamos o Caliban shakespeariano que repele

Miranda dizendo: “Ensinaste-me tua língua, e o que ganho com isso é saber praguejar”[10]

(SHAKESPEARE: 1995, 39, tradução nossa).

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[1] “ will frequently start to translate a text they have not previously read or that they have read only once some time earlier” (BASSNET: 2002, 110)

[2] should not be tempted by the school that pretends to determine the original intentions of an author on the basis of a self-contained text. The translator cannot be the author of the SL text, but as the author of the TL text has a clear moral responsibility to the TL readers

[3] Aprender a hablar es aprender a traducir; cuando el niño pregunta a su madre por el significado de esta o aquella palabra, lo que realmente le pide es que traduzca a su leguaje el término desconocido.

[4] las lenguas que nos sirven para comunicarnos también nos encierran en una malla invisible de sonidos y significados, de modo que las naciones son prisioneras de las lenguas que hablan.

[5] Não devemos nos esquecer, porém, que estas idéias foram publicadas há pelo menos duas décadas atrás (Nida é citado com base em um livro seu publicado em 1964), conforme consta em bibliografia apresentada pela autora, e que por isso é provável que os mesmos autores apresentem hoje posições diversas das citadas acima.

[6] Mais uma vez chamo À atenção aqui o fato dos autores que Mittmann alinha sob a denominação de concepção contestadora tiveram os trabalhos citados publicados durante a década de 90. Mesmo Eugene Nida, citado como pertencente À uma concepção tradicional de tradução, adota uma posição divergente da tradicional em um artigo publicado em 1996. Cf. NIDA, E. Translation: possible and impossible. In: ROSE, Marilyn Gaddis (Ed.). Translation horizons beyond the boundaries of translation spectrum. Binghamton: Suny, 1996.

[7] the largest instrument of the violin family, having three or, usually, four strings, rested vertically on the floor when played. Also called bass fiddle, bass viol, contrabass, string bass.

[8] A stringed instrument, the largest and lowest member of the violin family. Range: almost three octaves upwards from E in the space between the fourth and fifth leger lines below the bass staff. It is normally bowed in classical music, but is very common in jazz or dance band, where it is practically always played pizzicato. Informal name: bass fiddle.

[9] 1. a medieval English morality play in which the central figure represents mankind, whose earthly destiny is dramatized from the Christian viewpoint. 2 (often not capital) the ordinary person; common men.

[10] You taught me language, and my profit on’t is, I know how to curse

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TRADUTOR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1999. colocar página.

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