professor faculdade direito a habitação vitalícia ... · não conheço os regime escandi-navos,...
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JOSÉ ALBERTO VIEIRAPROFESSOR DA FACULDADEDE DIREITO DE LISBOA
"A habitaçãovitalícia sóinteressa aosproprietários"
Especialista emdireitos reais diz queo arrendamento setransformou numa "ba-ralhada jurídica".
JOSÉ ALBERTO VIEIRA PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Habitação vitalícia sóinteressa aos proprietáriosO novo direito de habitação duradoura pode ser interessante para os proprietários,mas não para os potenciais moradores, para os quais o risco é elevado.A análise é de José Alberto Vieira, professor e especialista em direitos reais.
FILOMENA LANÇ[email protected]
WMV erminou na quinta-B -feira, 18 de abril, o pe-I ríodo de consulta pú-B blica do diploma do
Governo que aprovou a criação do
novo direito real da habitação dura-doura (DHD). José Alberto Vieira,professor da Faculdade de Direitode Lisboa e autor de vários livros so-bre direitos reais, faz a análise do di-
ploma e avisa: "Arrisco dizer que será
mais um diploma que engrossa a or-dem jurídica, mas com um âmbitode aplicação muito perto do 0% de
interesse."
Não é todos os dias que se cria
um novo direito real. Como olha
para este?
Esta é das áreas mais estagnadasda ordem jurídica, porque a esma-
gadora maioria dos direitos reais
tem origem no direito romano ou naIdade Média. Apropriedade, o usu-
fruto, são tudo direitos dos romanos.Temos uma experiência de criaçãode um direito real em 1981, o direito
real de habitação periódica, parasubstituir o "time-sharing". Hoje o
seu impacto deve reduzir-se a meiadúzia de unidades. Foi um fracasso.
Antevê um destino semelhante
para este DHD?
Suspeito que este diploma sigaum percurso semelhante. As famí-lias recorrem sobretudo ao crédito
para comprar casa e pode fazer sen-tido contrariar isso. Mas a aspiraçãodeste projeto é modesta, para os jo-vens e os idosos. E é um esquema de-
calcado do arrendamento, mas a quese pretende dar uma configuraçãode direito real.
Fará sentido no caso dos idosos?
Os idosos têm hoje um regimeexcecional no arrendamento quepermite que quem tenha 65 anos de
idade e 15 de arrendamento não
pode ser despejado. Uma faixa po-tencial das pessoas parece já estardefendida. Por outro lado, para ce-lebrar este contrato, tem de se avan-
çar com uma caução de10%a20%.Há de ser um valor significativo. Ora,uma pessoa com uma certa idade, vai
colocar esse valor para ficar 30 anos
na mão dos senhorios? Faz muito
pouco sentido em termos de lógicade uma pessoa que nessa idade já
estáaviver da sua reforma. E dificil-mente encarará colocar as suas pou-
panças com zero rentabilidade nas
mãos de uma pessoa que pode ounão ter solvência, e nunca sabendo,em termos de saúde, o que é que a
vida lhes proporciona. Em suma,não vejo uma grande sedução paraessas pessoas, que depois ainda vão
ter de encarar o pagamento de umarenda mensal.
Os outros destinatários são os
jovens. Para esses já será mais
tentador?Estamos a falar de um contrato
que se pretende vitalício, que deter-mina como obrigação o avanço de
10% a 20% do valor do imóvel. En-tão uma pessoa que quer ter mobi-lidade vai-se comprometer com umvalor desses? Podem depois reavera caução, mas os prazos são demo-rados. Para haver mobilidade, seria
um contrato sem prazo em que se
dava ao morador o direito de a todo
o tempo o terminar. Nesse aspeto, o
regime de arrendamento é muitomais flexível para o arrendatário.
0 Governo defende o contrário,
que com este regime o risco é
perto de zero.
Pois, é muito. Na medida em quea lei não impõe nenhuma aplicação
PERFIL
Vida dedicada aos direitos reais
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, onde é regente das cadei-
ras de Direitos Reais e Teoria Geral do Direito Civil, José Alberto Vieirahá muito que estuda a temática dos direitos relacionados com a proprie-dade. Como académico, mas também como advogado, acompanhou os
últimos tempos do vinculismo, e das rendas congeladas, e, depois, a en-trada em vigor primeiro do Regime do Arrendamento Urbano, em 1990,e depois o Novo RAU, em 2006 e amplamente revisto em 2012. Na sua
opinião, "o arrendamento em Portugal tornou-se uma baralhada jurí-dica, onde ninguém se entende", onde a "a sucessão de diplomas legis-lativos é uma constante", perturbando a estabilidade contratual.
"A questão da lei de bases dahabitação é saber como sevai articular com o restanteordenamento jurídico."
"A evolução é positiva, masainda há desequilíbrio afavor do arrendatário."
para a caução e o dinheiro é colocadoà disposição do proprietário, que faz
dele o que entende, ele pode espati-far, ou até ser uma pessoa já com dí-vidas e ser executado pelas Finançasoupela Segurança Social e lá vai aque-le dinheiro. Na altura do devolver, não
há. Este risco existe e não é teórico.
Zero é evidentemente para rir.
Pode haver quem tenha interes-
se mesmo numa solução vitalí-
cia, não é?
De facto, o arrendamento temum limite de 30 anos e este a dura-
ção da vida. Este é o aspeto poten-cial que o arrendamento não asse-
gura. É um aspeto positivo desde quesej a isso que as pessoas querem. Aos
20 e tal anos estarem a comprome-ter-se com um contrato para uma
duração da vida inteira, não deixa de
ser uma opção arriscada e que os jo-vens terão dificuldade em fazer.
0 Governo diz que se inspirouem modelos semelhantes queexistem no Norte da Europa. Co-
nhece essas soluções, do direi-
to comparado?Não conheço os regime escandi-
navos, mas se compararmos comalemães, italianos, austríacos, fran-
ceses, de onde nos vem normalmen-te a inspiração, isso não existe.
Por cá, já há algu ma coisa de se-
melhante?
Seriapossível montar um esque-ma semelhante com o direito de ha-
bitação e o direito de usufruto. Nasdécadas de 80 e 90 procurou-se ce-lebrar contratos de usufruto, mas os
tribunais consideraram que eram ce-
lebrados em fraude à lei, porque ti-nham o fim de afastar o regime do ar-rendamento vinculístico. E depoisnunca vingaram, porque continuava
a haver a mancha da jurisprudência.
Do ponto de vista do proprietá-rio, o DHD é interessante?
Aí pode ser interessante porquea rentabilidade parece sedutora.
Renda, possibilidade de atualização
para além dos índices de inflação e
ainda a caução, que pode chegar aos
20% do preço e funciona como re-
muneração do proprietário a partirdo 11.° anoequanto maior for, maior
será o ganho do proprietário. Fun-dos imobiliários e os grandes comer-ciantes do imobiliário fazem as suas
contas e colocam estes bens a pre-
ços perfeitamente similares aos do
arrendamento, para alem da renda.
Para esses investidores é van-tajoso.É. É preciso é que haj a procura.
As pessoas têm de fazer contas.
Como advogado, aconselhariaa constituição de um DHD?
Jamais o aconselharia aos mais
jovens e aos mais idosos tinha tam-
bém toda a dificuldade em o fazer.
Admito que para uma pessoa na
meia-idade, que tenha a aspiraçãoda tranquilidade e que goste muitoda casa para viver até ao fim dos seus
dias. A possibilidade de assegurar
que não vai ser despejada ou ver o
contrato extinto por denúncia do se-
nhorio ou por oposição à renovação,pode ser sedutora. ¦
"O arrendamentoem Portugal tornou-senuma baralhada jurídica"Numa altura em que o Parlamen-to tem em mãos a preparação de
uma lei de bases da habitação,José Alberto Vieira alerta parapotenciais confusões jurídicascom os diplomas atuais. "Temo
que seja mais um passo de dema-
gogia política que vá criar maisobstáculos à elasticidade do mer-cado do arrendamento", afirma.
É importante haver uma lei
de bases da habitação?Aquestão é saber como se vai
articular com os demais diplo-mas. Comojurista, o que vejo aí é
o nascer de uma potencial confu-são jurídica. E acrescida. Porquea lei de bases vai ter um valor hie-
rárquico superior aos outros di-
plomas, ainda que anteriores. E
portanto, como se vai articularcom o restante ordenamentonesta matéria?
Não é o direito à habitaçãoque está em causa?
Tenho sempre algum receio:
o legislador gosta de assegurar o
direito à habitação por via legis-lativa, esquecendo-se que depoisa efetivação desse direito depen-de daquilo que cada um conseguefazer na sua vida. A ideia de quetemos um direito à habitação ga-rantido pelo Estado funcionarianuma lógica de que o Estado é o
proprietário do património habi-tacional existente. E não é, nem
pouco mais ou menos. Portanto,o que vai imperar é uma lógica de
imposição aos proprietários de
um regime que os vincule paraalém do funcionamento normalda liberdade contratual, ou fica-
remos numa lógica contratual? E
se ficarmos numa lógica contra-
tual, não vale a pena uma lei de
bases da habitação. Se é para im-
por mais vinculismo, aí vai ter de
se analisar a repercussão no mer-cado. Eu temo que isso seja mais
um passo de demagogia políticaque vá criar mais obstáculos à
elasticidade do mercado de ar-rendamento.
É uma questão muito ideo-
lógica...Profundamente ideológica. E
sabe qual era a melhor solução
para isto tudo? Era as pessoas ga-nharem mais. Ganhando mais, as
pessoas podem escolher, mudar
quando querem. Os regimes le-
gislativos nesta matéria são pro-gramáticos, não são concretizá-
veis, têm enorme dificuldade emcompatibilizar-se com os regimeexistentes e criam, do ponto de
vista jurídico, dificuldades muitoconsideráveis, que nós juristasnunca antecipamos como serão
resolvidas pelos tribunais, até ha-
ver uma corrente jurisprudencialsignificativa, o que leva uns anos
valentes. Até lá é insegurançacrescente. Portanto, já basta a
Constituição, com as disposições
programáticas que têm.
A lei das rendas tem tidomuitas alterações. Está me-lhor?
O arrendamento em Portu-gal tornou-se mna baralhada ju-rídica, onde ninguém se entende.Todos os anos há alterações e hávários regimes em vigor que per-turbam a estabilidade das rela-
ções contratuais. A evolução é po-sitiva, mas ainda há algum dese-
quilíbrio a favor do arrendatário
que continua a fazer com que
proprietários prefiram vender em
vez de arrendar.
Como é que países como a
Alemanha chegam a um pa-tamar de 46% de arrenda-mento?Em primeiro lugar, a aversão
do alemão ao endividamento.A sua relutâncias natural. Por ou-tro lado, uma sociedade próspe-
ra, que assegura salários bons, dá
às pessoas a possibilidade de ar-
rendarem o que querem.
A lei alemã também prote-ge muito o inquilino.Muito menos do que a lei
portuguesa. Cá há um desequilí-brio, a favor sempre do arrenda-tário. Eu não acho isso de partidamau, não nos podemos é depois
queixar de que há menos casas
para arrendar. Menos oferta e
mais cara Não é surpreendentepara quem faça contas. ¦