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Ananias, Lucas Andrade & Ramos, Nara Vieira (2015). PROJOVEM: Relações e Implicações do Programa na Vida de Jovens Brasileiros. Millenium, 48 (jan/jun). Pp. 49-61.
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PROJOVEM: RELAÇÕES E IMPLICAÇÕES DO PROGRAMA NA VIDA DE JOVENS BRASILEIROS1
PROJOVEM: RELATIONS AND IMPLICATIONS OF THE PROGRAM
IN THE LIFE OF YOUNG PEOPLE FROM BRAZIL
LUCAS ANDRADE ANANIAS 1
NARA VIEIRA RAMOS 2
1 Psicólogo, Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
Linha de pesquisa: Práticas escolares e políticas públicas. Santa Maria, Rio Grande do Sul – Brasil.
(e-mail: [email protected])
2 Doutora em Educação e Professora do Departamento de Fundamentos da Educação na Universidade Federal
de Santa Maria – UFSM. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Infâncias, Juventudes e Suas Famílias – GEPIJUF.
Linha de pesquisa: Práticas escolares e políticas públicas. Santa Maria, Rio Grande do Sul – Brasil.
(e-mail: [email protected])
Resumo
Este trabalho teve por objetivo refletir sobre as
atividades do Programa PROJOVEM a partir do problema
“Quais as implicações das ações desenvolvidas pelo
PROJOVEM no cotidiano de jovens participantes do
programa?”. O PROJOVEM é um espaço de convivência e
formação que direciona as suas ações com base na cultura
juvenil em seu território, perpassando as relações escolares,
familiares e comunitárias. O serviço destina-se a jovens entre
os 15 e os 17 anos, residentes em territórios de vulnerabilidade
social, beneficiários do Programa Bolsa Família, uma política
de transferência de renda que beneficia famílias em situação
de pobreza e extrema pobreza no Brasil. Esta política procura
expandir a escolaridade, mas, como condicionalidade para o
recebimento do benefício, o jovem precisa ser incluído na
1 Trabalho originalmente apresentado em espanhol sob o título “PROJOVEM: Relaciones e
implicaciones de las acciones del programa en la vida cotidiana de los jóvenes” nas rodas de conversa da mesa “Investigaciones y experiencias que promueven el desarrollo professional” do XIII Congreso Internacional de Formación del Profesorado – Investigar para acompanhar el cambio educativo y social: El papel de la universidad, que decorreu entre os dias 20 e 22 de novembro de 2014, na cidade de Santander, Espanha.
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escola e comprovar a sua frequência em sala de aula, além de
participar de atividades educativas e comunitárias. Esta
pesquisa desenvolveu-se em um município de médio porte do
sul do Brasil com um grupo de onze jovens, com carga horária
semanal de doze horas. Foi utilizada como metodologia a
observação participante em uma abordagem qualitativa.
Autores com quem dialogamos neste trabalho: Dayrell (2003),
Frigotto (2004), Abramo (2005), Sposito (2008), entre outros.
Alguns resultados: os jovens inseridos no PROJOVEM
participaram ativamente das propostas, além de sugerirem
temáticas de seus interesses para serem trabalhadas. Muitas
das discussões realizadas trouxeram questões e reflexões
provindas das vivências familiares, escolares e comunitárias,
denotando a existência de relações e implicações das ações do
programa no cotidiano dos jovens.
Palavras-chave: juventude, educação, comunidade, políticas
públicas, PROJOVEM.
Abstract
The objective of this research is to reflect about the
activities of the PROJOVEM Program from the problem
“Which are the implications of the actions developed by
PROJOVEM in everyday young people participants in the
program?”. The PROJOVEM is a space of coexistence and
formation that directs their actions based on youth culture in
its territory, passing the school, family and community
relations. The program is destined to young people between 15
and 17 years, residing in territories of social vulnerability,
beneficiaries of the income transfer Family Grant Program, a
policy that benefits families in poverty and extreme poverty in
Brazil. This policy seeks to expand education, but as
conditionality for receiving the benefit, the young need to be
included in school, prove their attendance in the classroom
and participate in educational and community activities. This
research was developed in a medium size city in southern
Brazil with a group of eleven young people, with weekly
workload of twelve hours. This research was developed
through a qualitative approach in which the participant
observation was used. We dialogued with Dayrell (2003)
Frigotto (2004), Abramo (2005), Sposito (2008), among
others. Some results: youth entered in the PROJOVEM always
participated in proposals and suggested topics of their interests
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to be worked. Many of the discussions and reflections brought
matters stemming from the family, school and community
experiences, denoting the existence of relationships and
implications of program actions in everyday life of young
people.
Keywords: youth, education, community, public policy,
PROJOVEM.
Introdução
O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) desenvolve ações na
esfera da prevenção e enfrentamento de situações de vulnerabilidades e na promoção de
cidadania a partir de políticas que garantem a convivência familiar e comunitária de
diversos públicos a partir dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. O
Programa PROJOVEM é um destes serviços, atendendo jovens entre os 15 e os 17 anos,
em geral pertencentes a famílias beneficiárias do Programa de Transferência de Renda
Bolsa Família. Um de seus objetivos é a inclusão e a permanência do jovem no sistema
de ensino, visto que a participação no programa é uma condicionalidade para o
recebimento de um benefício variável concomitante ao Bolsa Família. Dessa forma, o
jovem deve ser incluído na escola e comprovar a sua frequência em sala de aula, além
de participar das atividades educativas e comunitárias desenvolvidas nos CRAS.
O PROJOVEM pode ser compreendido como uma política de ação afirmativa
que o Brasil tem implantado junto de jovens de baixa renda, voltada à inserção e
permanência na escola. Enquadra-se em uma matriz mais proativa, que visa o
desenvolvimento do protagonismo juvenil. Sua execução integra a agenda da Política
Nacional da Assistência Social (PNAS), materializando-se por meio do Sistema Único
de Assistência Social (SUAS), buscando, a partir do desenvolvimento de suas ações,
compreender a realidade dos jovens, estimular o convívio social e a participação cidadã,
bem como proporcionar oportunidade de acessos a direitos como educação, trabalho,
lazer, entre outros.
Esta pesquisa realizou-se por ocasião de uma experiência profissional,
desenvolvendo-se no decorrer do ano de 2012 em um CRAS de um município de médio
porte localizado no sul do Brasil, debruçando-se no problema “Quais as implicações das
ações desenvolvidas pelo PROJOVEM no cotidiano de jovens participantes do
programa?”, tendo como seu objetivo geral “Analisar as relações e implicações do
PROJOVEM na vida cotidiana dos jovens participantes do programa a partir das ações
desenvolvidas”.
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Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, utilizando-se a observação
participante e registros descritivos múltiplos, entre eles o diário de campo. O grupo no
qual se desenvolveu esta pesquisa acontecia no turno oposto ao horário da escola e tinha
uma carga horária semanal de doze horas, contando com a presença de onze jovens nas
atividades, oficinas e cursos profissionalizantes oferecidos no espaço.
1. O PROJOVEM e as ações afirmativas voltadas para a juventude
Conforme o Censo realizado no ano de 2010 no Brasil pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, a juventude no país corresponde a cerca de 51 milhões de
pessoas, com idades entre os 15 e os 29 anos. Isto significa que os jovens representam
aproximadamente 27% da população, número este que deve ser considerado ao pensar
nas ações governamentais direcionadas a este público (IBGE, 2011).
Na realidade brasileira destacam-se diversas juventudes, que vivem em
diferentes contextos e trazem consigo características e dilemas próprios. Questões
relacionadas com projetos de estudo e trabalho, família, participação comunitária,
condições de moradia, entre outras, compõem a trajetória dos jovens no Brasil, a partir
das quais emerge um pensar sobre as suas demandas, bem como sobre as ações
direcionadas a este público (Lassance, 2005).
Diante da necessidade de se identificar um perfil das juventudes no Brasil,
autores como Abramo (2005) e Lassance (2005) apresentam pesquisas nas quais se
destacam as diferentes formas de ser jovem, retratando dilemas próprios presentes em
seus diversos modos de vida, famílias, projetos de estudo, trabalho e participação
comunitária. Dessa forma, as características dos jovens devem ser consideradas na
elaboração e implementação de políticas de ações afirmativas para que as mesmas
efetivamente atinjam os seus objetivos. Cabe salientar que, em geral, os jovens
brasileiros provenientes de camadas populares “não são beneficiados por políticas
públicas suficientes que lhes garantam o acesso a bens materiais e culturais, além de
espaços e tempo para que possam vivenciar plenamente essa fase tão importante da
vida” (Carrano et. al., 2013, p. 10). Neste sentido, torna-se importante pensar sobre as
políticas de ações afirmativas dirigidas a jovens provenientes de setores populares,
marcados pela desigualdade social constituída historicamente no país.
As políticas de ação afirmativa têm suas origens na Índia, na década de 1940.
O país tem em seu histórico uma divisão social a partir de castas e, ao reservar aos
membros da casta dos dálitis vagas no Ensino Superior, no funcionalismo público e na
política, dá-se início a um processo de horizontalização de direitos. Posteriormente,
outros países como Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e países da África adotam esta
forma de promoção de igualdade de direitos. Nos Estados Unidos, a implantação de
políticas de ações afirmativas está relacionada à questão da desigualdade racial
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instaurada historicamente no país. Outros países da América, como Argentina, Canadá e
Cuba, passam a adotar políticas de ações afirmativas com o objetivo de oferecer
compensação a determinadas desvantagens de condições sociais de certos segmentos da
população (Pereira & Zientarski, 2011). As ações afirmativas são, por conseguinte,
políticas compensatórias que procuram aliviar e remediar condições que se apresentam
como consequências de discriminações sofridas por determinadas populações no
passado. São medidas que objetivam incluir sujeitos vítimas de exclusão
socioeconômica a partir do acesso a direitos cidadãos (Piosevan, 2006).
Para Faleiros (2006, p. 6), “a desigualdade se expressa não só como
desigualdade de renda, mas também como desigualdade de oportunidades e com fortes
barreiras de etnia, cor e gênero”. O autor aponta ainda que a questão da juventude se
articula com a realidade da desigualdade social do Brasil, onde, principalmente a partir
da década de 1990, o enfrentamento de situações de vulnerabilidade e marginalização se
desenvolve pautado na visão do jovem enquanto um problema a ser resolvido pelo setor
público. Nesta direção, a qualificação profissional se apresenta como uma possibilidade
de diminuição das desigualdades, investimento nesta população e universalização de
direitos, marcando o início de uma agenda de Políticas Públicas de Juventude, as quais
podem ser definidas como
(...) o conjunto de princípios, estratégias e ações que
contempla as distintas realidades dos(as) jovens, estabelece
seus direitos e responsabilidades e afirma suas identidades e
potencialidades. (…) Assim, as políticas devem criar
condições para que os(as) jovens participem da vida social,
econômica, cultural e democrática do país (Ribeiro &
Lânes, 2006, p. 8).
No início dos anos 2000, verificou-se um aumento no número de desemprego
entre os jovens, tendo em vista as estatísticas acerca da população geral do Brasil. Esta
constatação se deu através de pesquisas encomendadas pelo governo, favorecendo o
surgimento do Departamento de Políticas de Trabalho e Emprego para a Juventude
(DPJ) em 2004, quando houve uma nova estrutura regimental do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE). Este departamento tem suas origens ligadas a reivindicações de
movimentos juvenis, organizações da sociedade civil e iniciativas do Poder Legislativo
e do Governo Federal. A partir de sua criação, foram implantadas políticas de juventude
que objetivavam ampliar e melhorar as oportunidades de trabalho, emprego e geração
de renda, além de desenvolverem ações articuladas com políticas educacionais (MTE,
2014).
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Uma das primeiras ações desenvolvidas com foco na promoção da elevação da
escolaridade e inserção do jovem no mundo de trabalho veio com a Lei Nº 10.748 de 22
de outubro de 2003, que cria o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego
para os Jovens (2003). Logo em seguida, foi a Lei Nº 11.692 de 10 de Junho de 2008,
que dispõe sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM. Esta lei,
conforme o seu Artigo 9, inciso II, procura “criar condições para a inserção, reinserção
e permanência do jovem no sistema educacional” (Lei Nº 11.692, 2008, p. 2).
O PROJOVEM pode ser compreendido como um trabalho articulado, de
caráter continuado e que tem como objetivo atender jovens provenientes de famílias de
baixa renda, com o objetivo de fortalecer a função protetiva e prevenir a ruptura de
vínculos familiares e comunitários. Sua ação parte de uma proposta nacional,
desenvolvido pelo Município que a ele aderir, através de recursos provenientes da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, intermediados pelos Fundos de
Assistência Social. O PROJOVEM desenvolve-se nas dependências dos Centros de
Referências da Assistência Social (CRAS), atendendo jovens entre os 15 e os 17 anos.
Este serviço procura incluir e fomentar a permanência dos jovens no sistema de ensino,
qualificá-los profissionalmente, além de desenvolver o protagonismo juvenil,
fortalecendo os vínculos familiares e comunitários e garantindo a frequência escolar
através de um tripé que contempla a transferência de renda, ofertas de atividades
educativas e engajamento de jovens em atividades comunitárias. Os participantes do
programa são jovens residentes em territórios de vulnerabilidade e, conforme o Artigo
10 da Lei 11.692, que dispõe sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens –
PROJOVEM (2008), são
I - pertencentes a família beneficiária do Programa Bolsa
Família - PBF; II - egressos de medida socioeducativa de
internação ou em cumprimento de outras medidas
socioeducativas em meio aberto, conforme disposto na Lei
no 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente; III - em cumprimento ou egressos de medida
de proteção, conforme disposto na Lei no 8.069 de 13 de
julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente; IV -
egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –
PETI; ou V - egressos ou vinculados a programas de
combate ao abuso e à exploração sexual (p. 3).
Partindo de uma proposta nacional, o programa procura complementar as ações
desenvolvidas através da Proteção Social Básica, objetivando a inserção, reinserção e
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permanência do jovem em situação de vulnerabilidade no sistema educacional
brasileiro, conforme preconiza a Lei Nº 11.692 (2008).
Sposati (2009) considera que a concepção de vulnerabilidade trazida pela
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) do Brasil oferece diversas
interpretações acerca do conceito. Assim, a autora procura construir um sentido de
vulnerabilidade ao relacioná-la com riscos sociais. A partir deste entendimento, a
vulnerabilidade não assume unicamente uma forma econômica, pois se encontra
inferida às condições de acesso de uma população aos seus direitos, bem como ao
enfrentamento de riscos e agressões sociais. Assim, “atuar com vulnerabilidades
significa reduzir fragilidades e capacitar as potencialidades” (Sposati, 2009, p. 35).
Considerando o trabalho de fortalecimento de vínculos realizado através de
políticas públicas voltadas para os jovens em situação de vulnerabilidade, através do
PROJOVEM, e compreendendo que estar na escola reflete uma marca de inclusão
social, é possível constatar alguns dos efeitos provocados nos jovens pela sua
participação nas atividades do programa. E proporciona, ainda, não só uma ocasião para
refletir sobre as ações voltadas aos jovens, mas também para refletir sobre o próprio
programa, e possibilita que se estabeleçam relações de forma a contribuir para o
desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à juventude.
2. Metodologia
Esta pesquisa se debruça na problemática “Quais as implicações das ações
desenvolvidas pelo PROJOVEM no cotidiano de jovens participantes do programa?”.
Para tanto, recorre-se à experiência profissional que desenvolvemos junto a um grupo
de onze jovens participantes do programa. Para a participação do jovem neste grupo,
sua família deveria residir em um território de abrangência do CRAS, estando
referenciada ao mesmo, e cumprindo a obrigatoriedade de permanência do jovem na
escola, comprovada mensamente através da lista de frequência emitida pela instituição
de ensino, bem como devia participar nas atividades propostas pelo PROJOVEM. O
cumprimento destas condicionalidades possibilitava o recebimento pela família de um
benefício variável complementar através do Programa Federal de Transferência de
Renda Bolsa Família, conforme a Lei Nº 10.836 (2004), que cria o Programa Bolsa
Família e dá outras providências.
O referido grupo desenvolvia as suas atividades no turno oposto ao do seu
horário escolar, quatro vezes por semana, com carga horária de doze horas semanais,
nas dependências do CRAS de um município de médio porte do sul do Brasil. Dos onze
jovens participantes, quatro jovens eram do sexo feminino e sete jovens eram do sexo
masculino, todos na faixa etária entre os 15 e os 17 anos e provenientes de famílias
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referenciadas ao CRAS. Quanto à questão da escolaridade, todos estavam matriculados
na instituição de ensino do território de abrangência, cursando o Ensino Médio.
Esta pesquisa se desenvolveu como um estudo de caso, a partir de uma
perspectiva qualitativa, que procura se aprofundar no mundo dos significados da análise
dos dados. O estudo de caso “é uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade
que se analisa aprofundadamente” (Triviños, 2010, p. 133). Já a pesquisa qualitativa
responde a questões muito particulares, ocupando-se com um nível de realidade que não
pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela analisa o universo dos significados,
dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (Minayo, 2007).
Considerando as relações já estabelecidas junto aos jovens do programa, foi
utilizada a observação participante, na qual o observador
(...) compartilha a vivência dos sujeitos pesquisados,
participando, de forma sistemática e permanente, ao longo
do tempo da pesquisa, das suas atividades. O pesquisador
coloca-se numa postura de identificação com os
pesquisados. Passa a interagir com eles em todas as
situações, acompanhando todas as ações praticadas pelos
sujeitos. (Severino, 2007, p. 120).
Na sistematização dos dados, elementos múltiplos (diário de campo,
fotografias, vídeos, entre outros), bem como o registro dos comentários e impressões
dos jovens no decorrer do trabalho em grupo, forneceram subsídios para a análise no
decorrer do desenvolvimento da pesquisa. Conforme Minayo (2007, p. 71), “as
informações escritas no diário de campo devem ser utilizadas pelo pesquisador quando
vai fazer análise qualitativa”. Desta forma, também se levaram em consideração os
sujeitos envolvidos e o contexto onde esta pesquisa se desenvolveu. Assim,
complementaram-se os dados observados, possibilitando conhecer o grupo a partir de
seu próprio interior.
As ações realizadas e os dados coletados foram elencados em categorias que
foram analisadas em consonância com o problema de pesquisa, sendo problematizados
levando em consideração as discussões contemporâneas acerca de políticas públicas
voltadas à juventude. Para tanto, efetuaram-se três etapas: 1) Preparação dos dados, com
sua descrição e agregação, onde o objeto de análise foram as respostas-informações
obtidas; 2) Análise das relações entre as variáveis, onde se relacionaram entre si as
variáveis correspondentes aos conceitos implicados na construção da problemática de
pesquisa; e 3) Comparação dos resultados observados com os resultados esperados e a
interpretação das diferenças, exprimindo as relações que se manifestaram diante da
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observação e análise (Quivy & Campenhoudt, 1998). Esta metodologia atendeu à
necessidade de um conhecimento mais aprofundado acerca do fenômeno social
pesquisado, bem como a possibilidade de uma postura crítica acerca do trabalho
desenvolvido junto ao grupo de jovens.
3. Resultados
De acordo com Novaes (2003), é comum que projetos sociais, nas áreas
governamentais ou não, exijam a frequência escolar, na intenção de reduzir a evasão e
reafirmar o valor da escola, pois estar prematuramente fora da escola reflete uma marca
de exclusão social. Tendo em vista o objetivo do PROJOVEM de se constituir enquanto
um espaço de convivência e formação para a participação e cidadania, buscando
desenvolver o protagonismo e a autonomia dos jovens a partir de seus interesses,
demandas e potencialidades, verificou-se que os jovens inseridos no programa
participaram ativamente das propostas desenvolvidas, entre eles o Resgate Cultural do
Município e a Interação Intergeracional com um grupo de idosos cujos encontros
também aconteciam no referido CRAS. Estas atividades perpassaram questões
importantes na vida desta juventude neste território específico, como as relações
estabelecidas com o sentimento de pertença à comunidade e à família.
A partir de oficinas desenvolvidas, através de técnicas diversas, entre elas a
apresentação de materiais audiovisuais, músicas, leituras, confecção de cartazes, entre
outros, foram trabalhados diversos temas que procuravam refletir a realidade do jovem.
Algumas das temáticas já constavam no cronograma inicial das atividades a serem
realizadas no PROJOVEM. No entanto, sugestões de propostas que partiram dos
próprios jovens, também foram contempladas. Nesse sentido, abriu-se um leque de
atividades desenvolvidas no serviço, entre elas a alimentação saudável, meio ambiente,
trabalho infantil, resgate cultural, interação intergeracional e sexualidade na
adolescência.
Na ilustração do trabalho realizado, recorre-se aqui à oficina promovida por
ocasião do Dia Internacional de Combate às Drogas, sempre celebrado no dia 25 do mês
de junho. Esta oficina buscava não fazer julgamentos sobre os usuários e as drogas,
pretendendo, no entanto, alertar os jovens para os riscos e os efeitos a curto e longo
prazo de cada uma delas, mostrando que o uso ou não das drogas parte da escolha de
cada pessoa. Também foram apresentados depoimentos de usuários, e ainda uma mesa
onde foram expostos materiais ilustrativos sobre os diversos tipos de drogas. Com isso
foi possível proporcionar a interação dos jovens por meio de suas falas, relatando
opiniões diversas sobre a temática, além de exporem experiências vivenciadas por
amigos, conhecidos e/ou familiares. Da mesma forma, outras atividades realizadas
buscavam provocar nos jovens um posicionamento crítico frente a determinados temas,
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legitimando o que Fanfani (2000) refere que as políticas públicas específicas dirigidas à
juventude orientam no difícil processo de construção da subjetividade e ajudam na
inserção social das novas gerações de jovens no campo da produção da cidadania.
Concomitante a estas atividades, os jovens realizaram também alguns cursos
profissionalizantes, oferecidos pela Prefeitura do Município junto à iniciativa privada,
como o curso de garçom e de padeiro, ambos com certificação. Esta capacitação era
constantemente citada pelos jovens como um dos motivos de permanência no programa,
permitindo compreender que a possibilidade de inserção no mundo do trabalho
representa um interesse essencial dos jovens.
Frente a isto, cabe questionar se esta capacitação realmente atende as demandas
dos jovens ou se a mesma é oferecida apenas para qualificar mão de obra. De acordo
com Frigotto (2004), nas últimas décadas, a questão do jovem se inserir no mundo de
trabalho tem causado preocupação no âmbito das políticas públicas. Entretanto, a
qualificação profissional se apresenta como uma ação que vem impulsionando a
transformação social que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos, ampliando
oportunidades de acesso ao mercado de trabalho e a bens de consumo. Estas questões se
fazem presentes na vida cotidiana dos jovens, conforme afirma Abramo (2005) em uma
pesquisa que aponta que trabalho e educação fazem parte de assuntos que interessam e
de problemas que preocupam os jovens brasileiros.
Cabe ainda lembrar que educação e trabalho são processos de socialização,
nos quais perpassam outros espaços socioculturais “mediados por relações de
historicidade entre sujeitos, contextos e tempos” (Manfredi, 2002, p. 54). Estas
interações devem ser consideradas quando se pensa na relação que se estabelece entre
juventude, escola, capacitação profissional, entre outras.
Além destas discussões e intervenções no âmbito da educação e do trabalho
nos grupos do PROJOVEM, outras discussões promoveram reflexões sobre as vivências
familiares e comunitárias dos jovens, mostrando que o programa se apresenta como um
espaço importante no cotidiano destes jovens, cuja diversidade deve ser considerada.
Nesta perspectiva, é preciso ainda levar em conta que as experiências vivenciadas no
contexto sociais dos jovens tendem a contribuir para a construção e problematização do
conceito de juventude (Dayrell, 2003), necessário para a reflexão acerca das políticas
direcionadas a este público.
Outro fator relevante a ser considerado é a assiduidade na escola, verificada
através de relatórios emitidos pela instituição de ensino onde os jovens estavam
matriculados. Esta representa uma decorrência da participação dos jovens no programa,
confirmando que o trabalho social perpassa ações no âmbito da educação de forma a
expandir a escolaridade através de políticas públicas destinadas a jovens de baixa renda
(Sposito, 2008). A partir disto, constatou-se que através das políticas sociais que
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preconizam a juventude, o fortalecimento de vínculos com a família e o contexto social,
enquanto espaço para o desenvolvimento do ser humano, há uma preocupação do
Estado com o segmento juvenil.
Mais do que contextualizar o PROJOVEM e elencar as atividades
desenvolvidas concomitantemente à pesquisa, refletir as juventudes a partir de seu
próprio território mostra que não se pode considerar o jovem somente como o
público-alvo do investimento. O Estado também deve ser pensado ao problematizar a
efetividade dos serviços propostos pelas políticas públicas voltadas para a juventude,
cabendo a ele a provocação de fazer com que as ações realizadas supram as demandas
dos jovens e que elas estejam de acordo com as reais necessidades dos mesmos.
Conclusões
A partir da nossa experiência profissional, a presente pesquisa procurou refletir
sobre as atividades do PROJOVEM, um programa destinado a jovens entre os 15 e os
17 anos, que desenvolve suas ações na compreensão da realidade juvenil e em
consonância com um projeto social que abarca questões referentes à política brasileira
de transferência de renda e à expansão da escolaridade. Foi possível pensar sobre as
ações desenvolvidas, com vista ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários,
na prevenção e no enfrentamento de situações de fragilidade presentes no território de
jovens de baixa renda. Frente a isso, as atividades desemvolvidas procuraram
estabelecer relações entre o programa e as instituições que perpassam as relações
juvenis, como a família, a escola e a comunidade.
Considerando que a participação no programa dá aos jovens a oportunidade de
agregar novos conhecimentos relacionados com as vivências em família, com a escola e
com a vida comunitária, é possível trabalhar a prevenção de situações de risco, tais
como o trabalho infantil e a evasão escolar, visto que, para participarem do grupo, é
necessário que os jovens estejam frequentando regularmente as aulas. Desta forma, o
serviço de apoio social e afetivo proposto aos jovens, em consonância com os projetos
educacionais, compreende a educação de uma forma abrangente, ocupando diferentes
espaços que não somente a escola.
As experiências vivenciadas pelos jovens estão relacionadas ao seu contexto
social, bem como às relações que para ele se constituem como fundamentais na
construção da identidade juvenil. As características juvenis devem ser levadas em conta
quando se formulam políticas de ações afirmativas, de forma que as mesmas sejam
elaboradas e implementadas para efetivamente atingir os seus objetivos, considerando o
público a quem tais investimentos se destinam, bem como seu território. Logo, é
possível observar que a participação do jovem no PROJOVEM se mostrou importante
na garantia da convivência familiar e comunitária, e que o trabalho realizado com o
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objetivo de inserção, de reinserção e de permanência do jovem no sistema educacional é
um dos resultados da participação no programa.
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Recebido: 19 de março de 2015.
Aceite: 30 de abril de 2015.