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Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 3 n o 1 - janeiro de 2014 Edição Temática: Comunicação, Arquitetura e Design Propaganda Inclusiva: A audiodescrição na adaptação de anúncios audiovisuais Inclusive Advertising: The audio description audiovisual adaptation Ad’s Eliene Sá da Silva, Eduardo Cardoso Braga Centro Universitário SENAC Linha de pesquisa em Comunicação - Bacharelado em Publicidade e Propaganda [email protected], [email protected] Resumo. O trabalho estuda a utilização do recurso da audiodescrição, que promove a inclusão de pessoas portadoras de deficiências visuais, na adaptação de propagandas audiovisuais brasileiras. Apresenta uma análise qualitativa e quantitativa do material traduzido com audiodescrição presente na internet (Youtube) e ressalta a importância da produção de uma comunicação de qualidade para pessoas portadoras de deficiências visuais e como certas ações podem promover maior independência e produtividade para essas pessoas e melhorar a imagem das organizações que se preocupam com essa vertente de inclusão social. Palavras-chave: propaganda, audiodescrição, comunicação, responsabilidade social, inclusão social, deficiência visual. Abstract. The work studies the use of audio description feature, which promotes the inclusion of people with visual impairments, on adaptation of Brazilian audiovisual advertisements. Presents a qualitative and quantitative analysis of the translated material to present audio description on the internet (Youtube) and highlights the importance of producing quality communication for people with visual impairments and how certain actions can promote greater independence and productivity for these people and improve the image organizations concerned with this aspect of social inclusion. Key words: advertising, audio description, communication, social responsibility, social inclusion, visual impairment.

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Artigo publicado na Revista Iniciação – edição Vol. 3, nº1, Ano 2014 Publicação Científica do Centro Universitário Senac - ISSN 2179-474X Acesse a edição na íntegra! http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/?page_id=13 Resumo O trabalho estuda a utilização do recurso da audiodescrição, que promove a inclusão de pessoas portadoras de deficiências visuais, na adaptação de propagandas audiovisuais brasileiras. Apresenta uma análise qualitativa e quantitativa do material traduzido com audiodescrição presente na internet (Youtube) e ressalta a importância da produção de uma comunicação de qualidade para pessoas portadoras de deficiências visuais e como certas ações podem promover maior independência e produtividade para essas pessoas e melhorar a imagem das organizações que se preocupam com essa vertente de inclusão social.

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Propaganda Inclusiva: A audiodescrição na adaptação de anúncios audiovisuais

Inclusive Advertising: The audio description audiovisual adaptation Ad’s

Eliene Sá da Silva, Eduardo Cardoso Braga Centro Universitário SENAC Linha de pesquisa em Comunicação - Bacharelado em Publicidade e Propaganda [email protected], [email protected]

Resumo. O trabalho estuda a utilização do recurso da audiodescrição, que promove a inclusão de pessoas portadoras de deficiências visuais, na adaptação de propagandas audiovisuais brasileiras. Apresenta uma análise qualitativa e quantitativa do material traduzido com audiodescrição presente na internet (Youtube) e ressalta a importância da produção de uma comunicação de qualidade para pessoas portadoras de deficiências visuais e como certas ações podem promover maior independência e produtividade para essas pessoas e melhorar a imagem das organizações que se preocupam com essa vertente de inclusão social.

Palavras-chave: propaganda, audiodescrição, comunicação, responsabilidade social, inclusão social, deficiência visual.

Abstract. The work studies the use of audio description feature, which promotes the inclusion of people with visual impairments, on adaptation of Brazilian audiovisual advertisements. Presents a qualitative and quantitative analysis of the translated material to present audio description on the internet (Youtube) and highlights the importance of producing quality communication for people with visual impairments and how certain actions can promote greater independence and productivity for these people and improve the image organizations concerned with this aspect of social inclusion.

Key words: advertising, audio description, communication, social responsibility, social inclusion, visual impairment.

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1. Introdução

O cenário da propaganda no Brasil está muito diferente de tempos passados. Transcende de diversas formas suas simples práticas comerciais. Propaga-se muito mais do que produtos ou serviços. Hoje, a propaganda também é uma ferramenta que impulsiona ideias, agrega valores e proporciona experiências.

Novos meios, canais e ações surgiram ao longo dos anos com a ajuda da tecnologia e ofereceram um novo leque de possiblidades para comunicar-se com públicos distintos. Notam-se como resultado diversas soluções inovadoras de agências que estão cada vez mais criativas na hora de elaborar seus planos de comunicação. Existe, entretanto, uma ação bem mais simples e muitas vezes mais barata que ainda está muito ausente nesse novo panorama da comunicação publicitária: a acessibilidade.

No Brasil, há mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão, segundo dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados pela Agência Brasil em 11 de Outubro de 2012.

Tornar acessível tem como princípio ajudar a eliminar barreiras. Tornar uma propaganda acessível é quebrar uma barreira de comunicação e permitir o aumento da autonomia e independência às pessoas portadoras de deficiência que apresentam dificuldades na execução de suas atividades domésticas ou ocupacionais da vida diária por falta de informação ou problemas de comunicação com o resto do mundo. Alves (2012) ressalta a importância da publicidade, bem como evidencia a audiência dos meios de comunicação, o que corrobora a necessidade de torná-la cada vez mais acessível:

Hoje adultos, homens e mulheres, assíduos ouvintes dos meios de comunicação tradicionais, de suas notícias, editoriais, contos, campeonatos esportivos, copas do mundo, nascimentos e mortes,

música, crônicas, poesia, radionovelas, missas, cultos, novelas e, enfim, publicidade. Ouvintes dos acontecimentos do Brasil e do mundo narrados pelas “testemunhas oculares da história”, formando gostos e subjetividades, ressignificando os tantos discursos da mídia (ALVES, 2012, p.1).

Nota-se, a partir do texto de Alves (2012), a importância dos meios de comunicação tradicionais para a vida cotidiana das pessoas. Os deficientes visuais também são parte integrante desse público, sendo assim, desde julho de 2011, as emissoras de TV brasileiras com sinal aberto e já licenciadas para transmitir com o sinal digital devem exibir pelo menos duas horas semanais de produções adaptadas para o público com alguma deficiência visual por meio da audiodescrição.

As tecnologias de acesso que existem atualmente devem funcionar como um impulso para que empresas, de diversos setores, adaptem seus produtos, serviços e principalmente sua comunicação para os públicos que possuem algum tipo de deficiência. Tornar a propaganda acessível é acima de tudo uma oportunidade de maximizar a exposição do seu produto e/ou serviço.

Essa acessibilidade, no Brasil, é amparada pelo Decreto nº. 5.296/20041 – regulamentador da Lei de Acessibilidade nº 10.098 –, o qual estabelece normas gerais

1 Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acessado em: 7 de dezembro de 2012.

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e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Tal decreto, em seu Capítulo III, parágrafo I, item d, determina que as barreiras nas comunicações e informações são:

(...) qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, bem como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação (BRASIL, 2004).

Do ponto de vista empresarial, em seu artigo Gestão da Responsabilidade Social Empresarial, o Doutor em Sociologia Elizeu Francisco Calsing (2004, p.1) destaca que:

Um número cada vez maior de empresas está descobrindo que assumir compromissos sociais pode gerar vantagens competitivas e resultados favoráveis para seus negócios. Está incorporando, portanto, no núcleo de suas funções estratégicas, objetivos que ultrapassam seu desempenho financeiro, mercadológico e tecnológico, e que passam a ser denominados de desempenho social e ambiental.

Ratificando essa importância do desempenho social e ambiental, uma pesquisa realizada pelos Institutos Akatu e Ethos apresenta um panorama sobre a percepção do consumidor brasileiro em relação às ações de responsabilidade social das empresas, evidenciando que estas devem aprimorar suas estratégias, em prol de ações periódicas voltadas à sustentabilidade social. Tal pesquisa constatou que:

51% do público em geral atribui um papel para as empresas que vai

além do meramente econômico, concordando em definir esse papel como sendo de “estabelecer padrões éticos mais elevados, indo além do que é determinado pela lei, ajudando ativamente a construir uma sociedade melhor para todos”, somado ao papel de ter um padrão de comportamento entre “concentrar-se em gerar lucro” e “estabelecer padrões éticos mais elevados” (AKATU e ETHOS, 2006-2007, p.13).

Grande parte das empresas que estão adotando essas diretrizes de inserção social acredita que a inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência em seu quadro de colaboradores já atende às expectativas de responsabilidade social empresarial, uma vez que estão agindo de acordo com a legislação de inclusão social, porém as empresas também devem estar atentas à demanda de pessoas com deficiência que consomem seus produtos.

É um grande equívoco concluir que pessoas com deficiência visual não consomem produtos que são essencialmente ou primariamente visuais. Esses produtos estão sim no cotidiano dessas pessoas, para consumo próprio ou para presentear outra pessoa, por exemplo.

A preocupação de elaborar campanhas que atinjam também os deficientes visuais deve partir das empresas e organizações, porém é extremamente importante que as agências de propaganda, como interlocutores entre a empresa e seu público-alvo, invistam em profissionais capacitados para desenvolver propagandas acessíveis.

Neste cenário, o recurso da audiodescrição, apresentado a seguir, é um dos mais promissores na adaptação de anúncios audiovisuais para as mídias tradicionais e

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digitais, embora tenha sido usado na construção de alguns equívocos encontrados na rede, justamente por ter sido produzido sem o preparo ideal para criar um equivalente textual das imagens que estão na tela.

Este trabalho se propõe a expor a necessidade da produção de propagandas audiovisuais acessíveis para serem veiculadas nas mídias tradicionais (TV e Rádio), uma vez que esses meios são uma das principais fontes de informação para pessoas com deficiência visual (ALVES, 2012), promovendo, assim, maior acesso à informação e consequentemente maior autonomia às pessoas com esse tipo de deficiência, a fim de proporcionar-lhes melhores condições para tomadas de decisões no cotidiano.

O que é a audiodescrição?

De acordo com Sena (2013, s.p), para o Blog Lead2:

A acessibilidade nos meios de comunicação é um tema que está em

pauta no mundo todo. Os esforços neste sentido visam não apenas proporcionar o acesso a produtos culturais a uma parcela da população que se encontra excluída, como também estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorização da diversidade.

Para possibilitar essa acessibilidade, existe a audiodescrição: um recurso que visa à inclusão de cegos e deficientes visuais consumidores de meios de comunicação visual. Muito utilizada em eventos culturais como: peças de teatro, exposições, musicais, palestras, eventos turísticos, esportivos e pedagógicos, a audiodescrição "é uma atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica" (MOTTA; FILHO, 2010, p.11). Além das pessoas com deficiência visual, a audiodescrição auxilia também o entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos.

Ou seja, é uma forma de tradução audiovisual que consiste na narração descritiva de elementos visuais: cenários, figurinos, expressões faciais, movimentação de personagens etc.

2. Objetivos da pesquisa

Essa pesquisa, além de abordar a necessidade da elaboração de campanhas acessíveis a deficientes visuais, irá: avaliar o material divulgado nas mídias; explorar o recurso da audiodescrição; destacar a importância social de uma comunicação de qualidade para deficientes visuais; e identificar as expectativas que esse tipo de produção pode gerar.

3. Metodologia

A princípio estabeleceu-se uma imersão no universo dos deficientes visuais, a fim de observar seus hábitos e suas principais formas de comunicação.

No primeiro momento do projeto, foi necessária uma pesquisa bibliográfica, por meio da qual se entrou em contato com estudos e relatos sobre o cotidiano de pessoas com deficiência visual. A leitura de artigos científicos e a análise de notícias divulgadas em jornais e revistas foram utilizadas como base para identificar como é a percepção

2 BLOG LEAD. Você sabe o que é audiodescrição? Disponível em: <http://leaduece.blogspot.com.br/2013/06/audiodescricao-em-pauta-na-midia.html>. Acessado em: 5 de março de 2013.

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dessas pessoas sobre o mundo. Serão deixados, para um futuro aprofundamento dessa pesquisa, testes de usabilidade e experiência do usuário com produtos específicos e entrevistas, pois a análise desse material demanda tempo, referências pontuais, além de transcender o escopo desse projeto.

A partir de então, surgiu a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada sobre a audiodescrição e a forma com que ela é utilizada. Em seguida, a pesquisa foi direcionada para o levantamento e análise do material audiovisual disponível na rede (Youtube), onde a audiodescrição foi utilizada como recurso para traduzir anúncios audiovisuais.

Nessa pesquisa, 15 vídeos foram selecionados para análise, sendo todos eles propagandas institucionais, de produtos e/ou serviços. Para a avaliação desses vídeos, consideraram-se as seguintes perguntas, usando como base as dicas do livro Which ad pulled best? De Philip Ward Burton e Scott C. Purvis (1996):

A mensagem é clara? É fácil entender sem o auxílio do visual?

O produto/serviço/marca é facilmente identificável?

Elaborou-se, também, uma análise quantitativa para explorar os principais problemas na construção de um equivalente textual para a audiodescrição, levando em consideração:

Quantidade de vídeos que apresentam ruídos.

Quantidade de vídeos que apresentam muita informação descrita.

Quantidade de vídeos que apresentam informação desnecessária descrita.

Resultados e discussão

Conforme Cunha (2000, p.1): “O primeiro passo para uma sociedade inclusiva é que esta conceba a deficiência como uma diferença e não como um déficit”. Dessa maneira, foi de extrema importância entender que a atitude das pessoas perante o deficiente tende a salientar aquilo que ele não é capaz de fazer, em vez de focar o que ele pode fazer (SCHOLL, 1986).

Para Wagner (1992), existem duas maneiras de contribuir para a mudança dessa mentalidade: por um lado, reduzindo barreiras, tanto aquelas relacionadas à mobilidade quanto aquelas que impedem o acesso à informação, e, por outro, ajudando o deficiente a ultrapassá-las.

A falta de visão exige a disponibilização de outros meios alternativos para que o deficiente receba informações. Esses outros meios atingem os demais sentidos do indivíduo e ajudam na sua percepção acerca do mundo. Nesse sentido, seus principais recursos de percepção tornam-se o tato e a audição (CUNHA, 2000).

A grande maioria dos deficientes visuais ainda tem como principal fonte de informação as narrativas orais de seus familiares e amigos. Sendo assim, a recepção da publicidade presente nos meios tradicionais de comunicação (Rádio e TV), para esses indivíduos, ainda depende de mediadores que compartilham sua compreensão das imagens do anúncio e de certa maneira influenciam as práticas de consumo dessas pessoas.

A partir disso, identificou-se aqui o potencial da audiodescrição em relação à sensibilidade do deficiente visual a estímulos sonoros e também se enxergou essa ferramenta como uma alternativa mais confortável, se comparada a anúncios táteis,

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por exemplo, que além de se exporem a uma peça compartilhada por diversas pessoas, precisam da iniciativa do indivíduo de se deslocar para “acessar à informação”.

Anúncios do Youtube

Conforme citado anteriormente, 15 anúncios audiovisuais traduzidos com audiodescrição foram analisados. Os seguintes tiveram destaque na análise qualitativa:

Vídeo Bradesco3 – Acessibilidade: Para promover os serviços de acessibilidade das agências Bradesco, esse anúncio atende de forma objetiva e clara às necessidades deste público-alvo específico. Com descrições simples das cenas, o equivalente textual é coerente com a necessidade de informação dos deficientes visuais. A marca é facilmente identificada através da narração.

Rio 20164 - Lançamento da Marca Paraolímpica: Esse anúncio oficial das Olimpíadas do Rio em 2016 foi um dos grandes equívocos encontrados nessa pesquisa. A audiodescrição foi utilizada somente para identificar o nome dos autores dos depoimentos que compõem o vídeo, porém não apresenta nenhuma descrição das imagens ou do contexto em que essas pessoas estão inseridas. Esse anúncio não corresponde às expectativas que o recurso da audiodescrição promove no seu receptor, e acaba destacando o despreparo do governo para a produção desse tipo de anúncio voltado para deficientes visuais. A audiodescrição, sobretudo no contexto de uma olimpíada, é muito importante, pois a peça apresenta informações relevantes sobre a construção da marca paraolímpica Rio 2016. A marca é identificada através da narração.

Natura Naturé5: Esse anúncio, que também esteve presente na TV, apresenta um equivalente textual satisfatório descrevendo de forma simples e objetiva as imagens presentes na tela. Porém, a descrição em alguns trechos do anúncio acaba competindo com o diálogo dos personagens, o que dificulta o entendimento de ambas as informações. Um dos destaques desse anúncio é a voz do narrador, que não é robótica e sem emoção (ao contrário do que se verifica em outros anúncios analisados), além de ser coerente com o contexto infantil apresentado no vídeo. A marca é identificada através da narração.

Fundação Dorina6 – Institucional: Esse anúncio apresenta uma abordagem diferente de todos os outros. Nos primeiros 50 segundos descreve todas as cenas que estão presentes ao longo do vídeo e, em seguida, os diálogos e depoimentos iniciam-se. Esse anúncio possibilita uma maior autonomia na interpretação por parte do deficiente visual, pois a descrição das cenas não acompanha a narrativa,

3 Bradesco – Acessibilidade. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=An9V9QlXCGc>. Acessado em: 15 de maio de 2013.

4 Rio 2016 – Lançamento da Marca Paraolímpica. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=wuq_iIw2VLo>. Acessado em: 15 de maio de 2013.

5 Natura Naturé. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=FdgQ_Xww6Mw>. Acessado em: 15 de maio de 2013.

6 Fundação Dorina. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=B_6asVHc4hs>. Acessado em 15 de maio de 2013.

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ou seja, o ouvinte situa-se no contexto antes do diálogo e pode interpretar de diversas maneiras as cenas descritas. A marca é identificada através da narração.

Trailer Colegas7 – O filme: Esse trabalho com a utilização da audiodescrição teve um grande destaque na rede e deve servir como exemplo da utilização do recurso. A peça como um todo é extremamente coerente, a audiodescrição parece fazer parte do trailer. O tom de voz e a abordagem poética para a descrição do contexto visual constroem um equivalente tão bom quanto a peça elaborada para o público que não tem alguma deficiência visual. Outro fator importante dessa peça é que ela demonstra que não existe a necessidade de descrever todos os elementos visuais da cena para compor o contexto da mensagem.

Elaborou-se também, conforme anunciado anteriormente, uma análise quantitativa para identificar os principais equívocos na utilização do recurso, tendo como resultados:

• 4 dos 15 vídeos apresentam ruídos. Caracterizam-se por ruídos trechos nos anúncios em que há sobreposição de diálogo e narração, o que consequentemente dificulta o entendimento da mensagem.

• 4 dos 15 vídeos apresentam uma grande quantidade de informação descrita e consequentemente a narração fica muito rápida, uma vez que existe um grande esforço para descrever todos os elementos visuais da cena em um curto espaço de tempo.

• 6 dos 15 vídeos apresentam informação desnecessária. Notou-se que em alguns casos as características das imagens que foram descritas não acrescentavam em nada para a sua tradução. Isto é, em alguns vídeos as expressões “céu alaranjado”, ”tela escurece” e “um senhor de cabelos e barbas brancas” são utilizadas para descrever o vídeo, quando na verdade poderiam ser substituídas por expressões como “um senhor idoso”, por exemplo, que se aproxima mais da realidade de percepção dos deficientes visuais.

Apesar de alguns equívocos cometidos em algumas propagandas, verifica-se que, no Brasil, a audiodescrição está ganhando espaço em diversas produções e eventos artísticos e culturais. Exibições de filmes, peças de teatro, espetáculos de dança, eventos e exposições são as produções que mais aderiram ao recurso, porém nos meios de comunicação tradicionais, como o Rádio e a TV, a utilização da audiodescrição é bem menor. Ademais, se comparado com outros países, o investimento do Brasil no recurso ainda é mínimo.

O país em que a área é mais evoluída é o Reino Unido. Além de possuir audiodescrição nos teatros, museus e em mais de 300 salas de cinema, os principais canais de televisão mantêm mais de 20% da programação audiodescrita (MACHADO, 2013).

Entretanto, muito mais importante do que a utilização do recurso é o fato de que ele está sendo bem aceito pelo seu público-alvo. A audiodescrição é uma excelente ferramenta, sendo, portanto, necessário valorizá-la.

4. Conclusão

Como aponta Cunha (2000, p. 3), “A falta de informação necessária ou suficiente para se deslocar de forma confiante condiciona a mobilidade do cego e por se movimentar

7 Trailer Colegas – o Filme. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=M3c1joyTWgc>. Acessado em: 15 de maio de 2013.

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pouco tem menos oportunidades de aceder à informação perdendo autonomia”. Essa observação se encaixa não somente dentro do contexto de deslocamento físico, mas também no contexto de deslocamento para tomada de decisões. O deficiente visual que recebe uma mensagem correspondente com a sua visão do mundo sente-se mais seguro e consequentemente mais independente.

As palavras carregam uma extrema força conceitual e simbólica (ALVES, 2012), principalmente para aqueles que não têm um referencial visual. Portanto, a audiodescrição deve ser trabalhada de forma que destaque características que correspondam à percepção do indivíduo com deficiência visual. Ao invés de tentar descrever cores, por exemplo, é possível ser mais efetivo ao descrever sensações.

Vale salientar que a audiodescrição informal sempre foi feita por quem convive com pessoas com deficiência visual, geralmente colocando suas interpretações sobre o conteúdo descrito. Porém, é necessário desenvolver meios para que os deficientes tornem-se independentes e passem a ter suas próprias interpretações acerca daquilo que o cerca. Diante disso, parece que, atualmente:

A audiodescrição vem, aos poucos, conquistando espaço e adeptos em eventos culturais, tais como: peças, filmes, documentários, óperas, espetáculos de dança, desfiles de moda, mostras e exposições em museus; acadêmicos: congressos, seminários, ciclos de palestras, sala de aula; passeios turísticos, eventos esportivos e sociais (MOTTA, 2010, p.11).

Para permitir essa independência aos deficientes visuais, é necessário realizar um trabalho minucioso. De acordo com Flávia de Oliveira Machado, autora do blog “Com Audiodescrição”, para elaborar o material traduzido é preparado um roteiro de audiodescrição, desenvolvido após um estudo do conteúdo a ser audiodescrito. Muitas vezes é necessário acompanhar a produção e realizar pesquisas sobre a obra para a elaboração desse roteiro.

Dessa forma, é muito importante que o profissional que trabalha com o recurso tenha uma maior sensibilidade para elaborar os equivalentes textuais. Muitas vezes algumas referências que funcionam para pessoas que enxergam não carregam o mesmo significado àquelas que não.

Além disso, deve existir também um cuidado em não comprometer totalmente a audição da pessoa com deficiência visual. A audição é o recurso central para o equilíbrio dessas pessoas em sua locomoção (CUNHA, 2000), por isso, o uso da audiodescrição deve ser explorado quando o deficiente visual estiver na segurança de sua casa ou em um ambiente onde ele não necessite que sua audição esteja muito atenta ao ambiente externo. Assim, as mídias mais indicadas para a distribuição de um material audiodescritivo são a TV, o Rádio e a Internet.

Como já foi dito anteriormente, a sociedade ainda enxerga o deficiente visual pelas suas limitações e acaba esquecendo-se do seu potencial. Porém, basta observar na mídia, por exemplo, como os novos suportes tecnológicos ampliaram a forma como os deficientes visuais interagem com o mundo.

Isso porque o indivíduo privado da visão não está privado de criatividade, raciocínio ou da habilidade de desenvolver qualquer coisa. Muito pelo contrário, notam-se, cada vez mais, deficientes visuais conquistando espaço no desenvolvimento de grandes ideias. Não seria então uma solução criar oportunidades para que os próprios deficientes visuais estejam por trás da elaboração de roteiros audiodescritos? Aliás, quem poderia dizer melhor o que funciona e o que não funciona nesse tipo de tradução? É claro que cada vez mais pessoas estão se qualificando nesse tipo de

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trabalho, porém é extremamente importante colocar-se sobre a perspectiva daquele que recebe a mensagem, porque assim é possível entender o esforço e determinação que lhe são exigidos para adaptar-se ao "mundo visual”. O raciocínio ético que conduz a boa ação exige exatamente isso: colocar-se no lugar dos outros.

Uma maneira de minimizar esse esforço pode partir da iniciativa de adaptar propagandas exibidas nas mídias tradicionais e digitais. São ações que podem desencadear uma nova maneira de comunicar-se com o deficiente visual e promover cada vez mais autonomia para esses indivíduos.

Conclui-se que a iniciativa de adotar a audiodescrição como ferramenta para propiciar acesso às propagandas televisivas deve partir das empresas e organizações que anunciam seus produtos e serviços, não só para promover a inclusão, mas também para impulsionar uma mudança na forma pela qual a sociedade enxerga as limitações do deficiente visual. Isso porque as empresas hoje se preocupam em ter um comportamento aceito pela sociedade (CALSING, 2004) e investem cada vez mais em iniciativas socialmente sustentáveis que refletem na mentalidade e hábitos de consumo das pessoas.

E é claro que empresas engajadas com compromissos sociais agregam uma vantagem competitiva e apresentam resultados melhores nos negócios, se comparadas àquelas que não. Exatamente por isso as empresas, organizações, agências de propaganda e produtoras devem investir também na propaganda acessível. O deficiente visual escolhe as roupas que quer vestir, o corte de cabelo que deseja ter, quer se sentir bonito, desejável e incluso (ALVES, 2012). Deseja também ter acesso a informações que os outros consumidores têm, querem ter a possibilidade de basear sua escolha e decisões não só pela necessidade de algo, mas também pelo seu posicionamento.

É claro que a utilização do recurso, por si só, não irá imediatamente alavancar uma nova forma de “enxergar o mundo” para essas pessoas. O que se pretende é uma reeducação de um hábito de muitos anos. É importante que essas pessoas também estejam dispostas e abertas às possibilidades da audiodescrição, para que essas iniciativas sejam passos em um longo caminho que pode ressignificar a maneira como os deficientes visuais lidam com o lado visual do mundo no futuro.

Elaborar propagandas acessíveis, dentro do conteúdo distribuído pelas mídias, portanto, é uma pequena ação que pode acarretar grandes resultados na promoção da inclusão de pessoas, não só com deficiência visual, um hábito na sociedade.

Referências

ALVES, M.C.D. Janelas para os ouvidos: publicidade, imaginário e consumo dos cegos. Escola Superior de Propaganda e Marketing. São Paulo: Comunicon, 2012.

BRASIL. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acessado em: 7 de dezembro de 2012.

CALSING, E. F. Gestão da responsabilidade social empresarial. Brasília, Coletânea de Textos, Seminário Responsabilidade Social e Qualidade de Vida no Trabalho, 2004. Disponível em: <http://www.sesirs.org.br/conferencia/conferencia2005/papers/calsing.pdf>. Acessado em: 5 de fevereiro de 2013

CUNHA, M.P.T. A cidade à vista do cego - Informação, Mobilidade e Cidadania, 2000. Disponível em: <http://portal.ua.pt/thesaurus/default1.asp?Obra=19&H1=1&H2=0>. Acessado em: 16 de novembro de 2012.

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<http://www.ethos.org.br/_uniethos/documents/manual_pessoas_deficientes.pdf>. Acessado em: 16 de março de 2013.

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MACHADO, F. de O. Audiodescrição é ferramenta de inclusão, diz especialista da área. Blog Com Audiodescrição, 25. Out. 2011. Disponível em: <http://comaudiodescricao.blogspot.com.br/> Acessado em: 15 de março de 2013.

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