psicologia das massas trecho

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LampPM POCKET

SIGMUND FREUD

Psicologia das massas

e anaacutelise do eu

Traduccedilatildeo do alematildeo de R ENATO ZWICK

Revisatildeo teacutecnica e prefaacutecio de EDSON SOUSA

Ensaio biobibliograacutefico de PAULO ENDO e EDSON SOUSA

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Itineraacuterio para uma leitura de Freud

Paulo Endo e Edson Sousa 7

Prefaacutecio

Psicologia das massas Uma reflexatildeo emcontrafluxo ndash Edson Sousa 21

PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANAacuteLISE DO EU

I ndash Introduccedilatildeo 35

II ndash A descriccedilatildeo leboniana da psique das massas 39

III ndash Outras apreciaccedilotildees da vida psiacutequicacoletiva 58

IV ndash Sugestatildeo e libido 69V ndash Duas massas artificiais a Igreja e o Exeacutercito 78

VI ndash Outras tarefas e linhas de trabalho 90

VII ndash A identificaccedilatildeo 98

VIII ndash Enamoramento e hipnose 109

IX ndash O impulso gregaacuterio 119X ndash A massa e a horda primordial 129

XI ndash Uma gradaccedilatildeo no eu 140

XII ndash Apecircndice 149

Bibliografia 169

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Psicologia das massas Uma reflexatildeo em contrafluxo

Edson Sousa

Quando o caminhante canta na escuridatildeorecusa seu estado de anguacutestia mas nem por

isso pode ver mais claramente

SIGMUND FREUD

Inibiccedilatildeo sintoma e anguacutestia

Psicologia das massas e anaacutelise do eu surge deuma inquietaccedilatildeo de Freud a qual esteve presenteem toda a sua vida e que pode ser resumida em

uma tese explicitada logo na abertura do textoldquoNa vida psiacutequica do indiviacuteduo o outro entraem consideraccedilatildeo de maneira bem regular comomodelo objeto ajudante e adversaacuterio e porisso desde o princiacutepio a psicologia individual

tambeacutem eacute ao mesmo tempo psicologia socialrdquoAssim Freud responde de forma contundenteaos criacuteticos de ontem e de hoje que veem napsicanaacutelise uma disciplina restrita aos conflitosindividuais dos sujeitos virando as costas para

PREFAacuteCIO

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o que acontece no mundo Os inuacutemeros textosescritos pelo pai da psicanaacutelise sobre questotildeessociais buscando sempre dialogar com outrasdisciplinas no campo da histoacuteria sociologia an-tropologia poliacutetica arte arqueologia biologiafilosofia e religiatildeo mostram um pensador enga-

jado e atento aos acontecimentos de seu tempo

Seus textos e sua extensa correspondecircncia comdezenas de intelectuais das mais diversas aacutereasdatildeo provas de seu posicionamento criacutetico sobreo que se passava no mundo em que vivia

Psicologia das massas publicado em 1921

foi gestado lentamente e natildeo deixa de ser umesforccedilo louvaacutevel de reflexatildeo diante da barbaacuterieque representou para o mundo e especialmentepara a Europa a destruiccedilatildeo provocada pela Pri-meira Grande Guerra Freud sentira na proacutepria

pele seus efeitos Trecircs dos seus filhos estavam nofront Martin Oliver e Ernst Seu genro Maxassim como alguns colegas e muitos pacientestambeacutem Era uma eacutepoca de incertezas e de mui-tas perguntas sobre o que levara a humanidade a

tal grau de barbaacuterie de destruiccedilatildeo e de violecircnciaEscrevera na eacutepoca ldquoParece-nos como se nun-ca antes um acontecimento tivesse destruiacutedotantos bens comuns preciosos da humanidadeconfundido tantos dos mais luacutecidos intelectos

degradado tatildeo cabalmente os mais elevadosrdquo

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Em algumas passagens de Psicologia das massas Freud faz menccedilatildeo agrave guerra e escolhe o Exeacutercitocomo um dos fenocircmenos de massa que analisaO outro coletivo que lhe aponta um horizontede reflexatildeo se refere aos grupos religiosos entreos quais toma particularmente como objeto deestudo a Igreja Catoacutelica

A cautela de Freud nesse campo de estudose devia ao fato de ter que percorrer toda umaampla bibliografia da nascente psicologia socialno final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX Seutexto traz uma extensa anaacutelise criacutetica da obra

de Gustave Le Bon autor acircncora de seu estudodialogando com o claacutessico livro do autor francecircsPsicologia das multidotildees publicado pela primeiravez em Paris em 1895 Convida tambeacutem para odebate William McDougall e seu livro The Group

Mind [A mente grupal ] Wilfred Trotter com Osinstintos do rebanho na paz e na guerra e GabrielTarde com As leis da imitaccedilatildeo Muitos outros au-tores que se dedicaram a estudar os fenocircmenosde massa satildeo evocados em um detalhe ou outro

de forma que Psicologia das massas acabou setornando uma espeacutecie de guia do estado da ques-tatildeo na eacutepoca O diaacutelogo com a filosofia tambeacutemse faz presente buscando pontos de articulaccedilatildeocom alguns pensamentos de Platatildeo Kierkegaard e

Nietzsche Freud evoca tambeacutem em seu texto uma

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seacuterie de outros escritos seus procurando situaro presente estudo em relaccedilatildeo agrave sua obra Satildeoinuacutemeras as referecircncias a Trecircs ensaios de teoria

sexual Totem e tabu Luto e melancolia Aleacutem do

princiacutepio do prazer e Introduccedilatildeo ao narcisismo

Freud busca responder em seu ensaio a

uma das perguntas que considerava um divisorde aacuteguas nos diversos estudos com os quaisteve contato o que manteacutem uma determinadamassa coesa A resposta teraacute muitas derivaccedilotildeesas quais o leitor teraacute a oportunidade de encon-

trar na leitura do presente texto Ele respondea essa questatildeo resumindo-a em uma palavraEros Freud natildeo se contenta com anaacutelises maisdescritivas presentes nos textos nos quais sedeteve pois as considera insuficientes para

entender uma seacuterie de fenocircmenos grupaisFalar em sugestatildeo hipnose mecanismos defascinaccedilatildeo sede de poder natildeo lhe parecia res-ponder ao fenocircmeno que liga os elementos deuma massa entre si e em relaccedilatildeo a um liacuteder

Para compreender esses mecanismos psiacutequi-cos Freud ousou transferir alguns conceitos jaacuteclaacutessicos em sua obra para a compreensatildeo dofuncionamento psiacutequico das massas tais comoidentificaccedilatildeo regressatildeo idealizaccedilatildeo circuitos

de investimento libidinal e a loacutegica do recalque

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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relevo temas de interesse direto do cidadatildeo co-mum natildeo necessariamente iniciado na teoriapsicanaliacutetica Em Psicologia das massas o autordiscorre sobre os mecanismos da formaccedilatildeo dosgrupos a loacutegica de funcionamento do amor ociuacuteme a submissatildeo cega das massas a um liacutedere a intoleracircncia ao diferente

Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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Itineraacuterio para uma leitura de Freud

Paulo Endo e Edson Sousa 7

Prefaacutecio

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PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANAacuteLISE DO EU

I ndash Introduccedilatildeo 35

II ndash A descriccedilatildeo leboniana da psique das massas 39

III ndash Outras apreciaccedilotildees da vida psiacutequicacoletiva 58

IV ndash Sugestatildeo e libido 69V ndash Duas massas artificiais a Igreja e o Exeacutercito 78

VI ndash Outras tarefas e linhas de trabalho 90

VII ndash A identificaccedilatildeo 98

VIII ndash Enamoramento e hipnose 109

IX ndash O impulso gregaacuterio 119X ndash A massa e a horda primordial 129

XI ndash Uma gradaccedilatildeo no eu 140

XII ndash Apecircndice 149

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Psicologia das massas Uma reflexatildeo em contrafluxo

Edson Sousa

Quando o caminhante canta na escuridatildeorecusa seu estado de anguacutestia mas nem por

isso pode ver mais claramente

SIGMUND FREUD

Inibiccedilatildeo sintoma e anguacutestia

Psicologia das massas e anaacutelise do eu surge deuma inquietaccedilatildeo de Freud a qual esteve presenteem toda a sua vida e que pode ser resumida em

uma tese explicitada logo na abertura do textoldquoNa vida psiacutequica do indiviacuteduo o outro entraem consideraccedilatildeo de maneira bem regular comomodelo objeto ajudante e adversaacuterio e porisso desde o princiacutepio a psicologia individual

tambeacutem eacute ao mesmo tempo psicologia socialrdquoAssim Freud responde de forma contundenteaos criacuteticos de ontem e de hoje que veem napsicanaacutelise uma disciplina restrita aos conflitosindividuais dos sujeitos virando as costas para

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o que acontece no mundo Os inuacutemeros textosescritos pelo pai da psicanaacutelise sobre questotildeessociais buscando sempre dialogar com outrasdisciplinas no campo da histoacuteria sociologia an-tropologia poliacutetica arte arqueologia biologiafilosofia e religiatildeo mostram um pensador enga-

jado e atento aos acontecimentos de seu tempo

Seus textos e sua extensa correspondecircncia comdezenas de intelectuais das mais diversas aacutereasdatildeo provas de seu posicionamento criacutetico sobreo que se passava no mundo em que vivia

Psicologia das massas publicado em 1921

foi gestado lentamente e natildeo deixa de ser umesforccedilo louvaacutevel de reflexatildeo diante da barbaacuterieque representou para o mundo e especialmentepara a Europa a destruiccedilatildeo provocada pela Pri-meira Grande Guerra Freud sentira na proacutepria

pele seus efeitos Trecircs dos seus filhos estavam nofront Martin Oliver e Ernst Seu genro Maxassim como alguns colegas e muitos pacientestambeacutem Era uma eacutepoca de incertezas e de mui-tas perguntas sobre o que levara a humanidade a

tal grau de barbaacuterie de destruiccedilatildeo e de violecircnciaEscrevera na eacutepoca ldquoParece-nos como se nun-ca antes um acontecimento tivesse destruiacutedotantos bens comuns preciosos da humanidadeconfundido tantos dos mais luacutecidos intelectos

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Em algumas passagens de Psicologia das massas Freud faz menccedilatildeo agrave guerra e escolhe o Exeacutercitocomo um dos fenocircmenos de massa que analisaO outro coletivo que lhe aponta um horizontede reflexatildeo se refere aos grupos religiosos entreos quais toma particularmente como objeto deestudo a Igreja Catoacutelica

A cautela de Freud nesse campo de estudose devia ao fato de ter que percorrer toda umaampla bibliografia da nascente psicologia socialno final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX Seutexto traz uma extensa anaacutelise criacutetica da obra

de Gustave Le Bon autor acircncora de seu estudodialogando com o claacutessico livro do autor francecircsPsicologia das multidotildees publicado pela primeiravez em Paris em 1895 Convida tambeacutem para odebate William McDougall e seu livro The Group

Mind [A mente grupal ] Wilfred Trotter com Osinstintos do rebanho na paz e na guerra e GabrielTarde com As leis da imitaccedilatildeo Muitos outros au-tores que se dedicaram a estudar os fenocircmenosde massa satildeo evocados em um detalhe ou outro

de forma que Psicologia das massas acabou setornando uma espeacutecie de guia do estado da ques-tatildeo na eacutepoca O diaacutelogo com a filosofia tambeacutemse faz presente buscando pontos de articulaccedilatildeocom alguns pensamentos de Platatildeo Kierkegaard e

Nietzsche Freud evoca tambeacutem em seu texto uma

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seacuterie de outros escritos seus procurando situaro presente estudo em relaccedilatildeo agrave sua obra Satildeoinuacutemeras as referecircncias a Trecircs ensaios de teoria

sexual Totem e tabu Luto e melancolia Aleacutem do

princiacutepio do prazer e Introduccedilatildeo ao narcisismo

Freud busca responder em seu ensaio a

uma das perguntas que considerava um divisorde aacuteguas nos diversos estudos com os quaisteve contato o que manteacutem uma determinadamassa coesa A resposta teraacute muitas derivaccedilotildeesas quais o leitor teraacute a oportunidade de encon-

trar na leitura do presente texto Ele respondea essa questatildeo resumindo-a em uma palavraEros Freud natildeo se contenta com anaacutelises maisdescritivas presentes nos textos nos quais sedeteve pois as considera insuficientes para

entender uma seacuterie de fenocircmenos grupaisFalar em sugestatildeo hipnose mecanismos defascinaccedilatildeo sede de poder natildeo lhe parecia res-ponder ao fenocircmeno que liga os elementos deuma massa entre si e em relaccedilatildeo a um liacuteder

Para compreender esses mecanismos psiacutequi-cos Freud ousou transferir alguns conceitos jaacuteclaacutessicos em sua obra para a compreensatildeo dofuncionamento psiacutequico das massas tais comoidentificaccedilatildeo regressatildeo idealizaccedilatildeo circuitos

de investimento libidinal e a loacutegica do recalque

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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relevo temas de interesse direto do cidadatildeo co-mum natildeo necessariamente iniciado na teoriapsicanaliacutetica Em Psicologia das massas o autordiscorre sobre os mecanismos da formaccedilatildeo dosgrupos a loacutegica de funcionamento do amor ociuacuteme a submissatildeo cega das massas a um liacutedere a intoleracircncia ao diferente

Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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Psicologia das massas Uma reflexatildeo em contrafluxo

Edson Sousa

Quando o caminhante canta na escuridatildeorecusa seu estado de anguacutestia mas nem por

isso pode ver mais claramente

SIGMUND FREUD

Inibiccedilatildeo sintoma e anguacutestia

Psicologia das massas e anaacutelise do eu surge deuma inquietaccedilatildeo de Freud a qual esteve presenteem toda a sua vida e que pode ser resumida em

uma tese explicitada logo na abertura do textoldquoNa vida psiacutequica do indiviacuteduo o outro entraem consideraccedilatildeo de maneira bem regular comomodelo objeto ajudante e adversaacuterio e porisso desde o princiacutepio a psicologia individual

tambeacutem eacute ao mesmo tempo psicologia socialrdquoAssim Freud responde de forma contundenteaos criacuteticos de ontem e de hoje que veem napsicanaacutelise uma disciplina restrita aos conflitosindividuais dos sujeitos virando as costas para

PREFAacuteCIO

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o que acontece no mundo Os inuacutemeros textosescritos pelo pai da psicanaacutelise sobre questotildeessociais buscando sempre dialogar com outrasdisciplinas no campo da histoacuteria sociologia an-tropologia poliacutetica arte arqueologia biologiafilosofia e religiatildeo mostram um pensador enga-

jado e atento aos acontecimentos de seu tempo

Seus textos e sua extensa correspondecircncia comdezenas de intelectuais das mais diversas aacutereasdatildeo provas de seu posicionamento criacutetico sobreo que se passava no mundo em que vivia

Psicologia das massas publicado em 1921

foi gestado lentamente e natildeo deixa de ser umesforccedilo louvaacutevel de reflexatildeo diante da barbaacuterieque representou para o mundo e especialmentepara a Europa a destruiccedilatildeo provocada pela Pri-meira Grande Guerra Freud sentira na proacutepria

pele seus efeitos Trecircs dos seus filhos estavam nofront Martin Oliver e Ernst Seu genro Maxassim como alguns colegas e muitos pacientestambeacutem Era uma eacutepoca de incertezas e de mui-tas perguntas sobre o que levara a humanidade a

tal grau de barbaacuterie de destruiccedilatildeo e de violecircnciaEscrevera na eacutepoca ldquoParece-nos como se nun-ca antes um acontecimento tivesse destruiacutedotantos bens comuns preciosos da humanidadeconfundido tantos dos mais luacutecidos intelectos

degradado tatildeo cabalmente os mais elevadosrdquo

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Em algumas passagens de Psicologia das massas Freud faz menccedilatildeo agrave guerra e escolhe o Exeacutercitocomo um dos fenocircmenos de massa que analisaO outro coletivo que lhe aponta um horizontede reflexatildeo se refere aos grupos religiosos entreos quais toma particularmente como objeto deestudo a Igreja Catoacutelica

A cautela de Freud nesse campo de estudose devia ao fato de ter que percorrer toda umaampla bibliografia da nascente psicologia socialno final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX Seutexto traz uma extensa anaacutelise criacutetica da obra

de Gustave Le Bon autor acircncora de seu estudodialogando com o claacutessico livro do autor francecircsPsicologia das multidotildees publicado pela primeiravez em Paris em 1895 Convida tambeacutem para odebate William McDougall e seu livro The Group

Mind [A mente grupal ] Wilfred Trotter com Osinstintos do rebanho na paz e na guerra e GabrielTarde com As leis da imitaccedilatildeo Muitos outros au-tores que se dedicaram a estudar os fenocircmenosde massa satildeo evocados em um detalhe ou outro

de forma que Psicologia das massas acabou setornando uma espeacutecie de guia do estado da ques-tatildeo na eacutepoca O diaacutelogo com a filosofia tambeacutemse faz presente buscando pontos de articulaccedilatildeocom alguns pensamentos de Platatildeo Kierkegaard e

Nietzsche Freud evoca tambeacutem em seu texto uma

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seacuterie de outros escritos seus procurando situaro presente estudo em relaccedilatildeo agrave sua obra Satildeoinuacutemeras as referecircncias a Trecircs ensaios de teoria

sexual Totem e tabu Luto e melancolia Aleacutem do

princiacutepio do prazer e Introduccedilatildeo ao narcisismo

Freud busca responder em seu ensaio a

uma das perguntas que considerava um divisorde aacuteguas nos diversos estudos com os quaisteve contato o que manteacutem uma determinadamassa coesa A resposta teraacute muitas derivaccedilotildeesas quais o leitor teraacute a oportunidade de encon-

trar na leitura do presente texto Ele respondea essa questatildeo resumindo-a em uma palavraEros Freud natildeo se contenta com anaacutelises maisdescritivas presentes nos textos nos quais sedeteve pois as considera insuficientes para

entender uma seacuterie de fenocircmenos grupaisFalar em sugestatildeo hipnose mecanismos defascinaccedilatildeo sede de poder natildeo lhe parecia res-ponder ao fenocircmeno que liga os elementos deuma massa entre si e em relaccedilatildeo a um liacuteder

Para compreender esses mecanismos psiacutequi-cos Freud ousou transferir alguns conceitos jaacuteclaacutessicos em sua obra para a compreensatildeo dofuncionamento psiacutequico das massas tais comoidentificaccedilatildeo regressatildeo idealizaccedilatildeo circuitos

de investimento libidinal e a loacutegica do recalque

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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o que acontece no mundo Os inuacutemeros textosescritos pelo pai da psicanaacutelise sobre questotildeessociais buscando sempre dialogar com outrasdisciplinas no campo da histoacuteria sociologia an-tropologia poliacutetica arte arqueologia biologiafilosofia e religiatildeo mostram um pensador enga-

jado e atento aos acontecimentos de seu tempo

Seus textos e sua extensa correspondecircncia comdezenas de intelectuais das mais diversas aacutereasdatildeo provas de seu posicionamento criacutetico sobreo que se passava no mundo em que vivia

Psicologia das massas publicado em 1921

foi gestado lentamente e natildeo deixa de ser umesforccedilo louvaacutevel de reflexatildeo diante da barbaacuterieque representou para o mundo e especialmentepara a Europa a destruiccedilatildeo provocada pela Pri-meira Grande Guerra Freud sentira na proacutepria

pele seus efeitos Trecircs dos seus filhos estavam nofront Martin Oliver e Ernst Seu genro Maxassim como alguns colegas e muitos pacientestambeacutem Era uma eacutepoca de incertezas e de mui-tas perguntas sobre o que levara a humanidade a

tal grau de barbaacuterie de destruiccedilatildeo e de violecircnciaEscrevera na eacutepoca ldquoParece-nos como se nun-ca antes um acontecimento tivesse destruiacutedotantos bens comuns preciosos da humanidadeconfundido tantos dos mais luacutecidos intelectos

degradado tatildeo cabalmente os mais elevadosrdquo

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Em algumas passagens de Psicologia das massas Freud faz menccedilatildeo agrave guerra e escolhe o Exeacutercitocomo um dos fenocircmenos de massa que analisaO outro coletivo que lhe aponta um horizontede reflexatildeo se refere aos grupos religiosos entreos quais toma particularmente como objeto deestudo a Igreja Catoacutelica

A cautela de Freud nesse campo de estudose devia ao fato de ter que percorrer toda umaampla bibliografia da nascente psicologia socialno final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX Seutexto traz uma extensa anaacutelise criacutetica da obra

de Gustave Le Bon autor acircncora de seu estudodialogando com o claacutessico livro do autor francecircsPsicologia das multidotildees publicado pela primeiravez em Paris em 1895 Convida tambeacutem para odebate William McDougall e seu livro The Group

Mind [A mente grupal ] Wilfred Trotter com Osinstintos do rebanho na paz e na guerra e GabrielTarde com As leis da imitaccedilatildeo Muitos outros au-tores que se dedicaram a estudar os fenocircmenosde massa satildeo evocados em um detalhe ou outro

de forma que Psicologia das massas acabou setornando uma espeacutecie de guia do estado da ques-tatildeo na eacutepoca O diaacutelogo com a filosofia tambeacutemse faz presente buscando pontos de articulaccedilatildeocom alguns pensamentos de Platatildeo Kierkegaard e

Nietzsche Freud evoca tambeacutem em seu texto uma

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seacuterie de outros escritos seus procurando situaro presente estudo em relaccedilatildeo agrave sua obra Satildeoinuacutemeras as referecircncias a Trecircs ensaios de teoria

sexual Totem e tabu Luto e melancolia Aleacutem do

princiacutepio do prazer e Introduccedilatildeo ao narcisismo

Freud busca responder em seu ensaio a

uma das perguntas que considerava um divisorde aacuteguas nos diversos estudos com os quaisteve contato o que manteacutem uma determinadamassa coesa A resposta teraacute muitas derivaccedilotildeesas quais o leitor teraacute a oportunidade de encon-

trar na leitura do presente texto Ele respondea essa questatildeo resumindo-a em uma palavraEros Freud natildeo se contenta com anaacutelises maisdescritivas presentes nos textos nos quais sedeteve pois as considera insuficientes para

entender uma seacuterie de fenocircmenos grupaisFalar em sugestatildeo hipnose mecanismos defascinaccedilatildeo sede de poder natildeo lhe parecia res-ponder ao fenocircmeno que liga os elementos deuma massa entre si e em relaccedilatildeo a um liacuteder

Para compreender esses mecanismos psiacutequi-cos Freud ousou transferir alguns conceitos jaacuteclaacutessicos em sua obra para a compreensatildeo dofuncionamento psiacutequico das massas tais comoidentificaccedilatildeo regressatildeo idealizaccedilatildeo circuitos

de investimento libidinal e a loacutegica do recalque

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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relevo temas de interesse direto do cidadatildeo co-mum natildeo necessariamente iniciado na teoriapsicanaliacutetica Em Psicologia das massas o autordiscorre sobre os mecanismos da formaccedilatildeo dosgrupos a loacutegica de funcionamento do amor ociuacuteme a submissatildeo cega das massas a um liacutedere a intoleracircncia ao diferente

Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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Em algumas passagens de Psicologia das massas Freud faz menccedilatildeo agrave guerra e escolhe o Exeacutercitocomo um dos fenocircmenos de massa que analisaO outro coletivo que lhe aponta um horizontede reflexatildeo se refere aos grupos religiosos entreos quais toma particularmente como objeto deestudo a Igreja Catoacutelica

A cautela de Freud nesse campo de estudose devia ao fato de ter que percorrer toda umaampla bibliografia da nascente psicologia socialno final do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX Seutexto traz uma extensa anaacutelise criacutetica da obra

de Gustave Le Bon autor acircncora de seu estudodialogando com o claacutessico livro do autor francecircsPsicologia das multidotildees publicado pela primeiravez em Paris em 1895 Convida tambeacutem para odebate William McDougall e seu livro The Group

Mind [A mente grupal ] Wilfred Trotter com Osinstintos do rebanho na paz e na guerra e GabrielTarde com As leis da imitaccedilatildeo Muitos outros au-tores que se dedicaram a estudar os fenocircmenosde massa satildeo evocados em um detalhe ou outro

de forma que Psicologia das massas acabou setornando uma espeacutecie de guia do estado da ques-tatildeo na eacutepoca O diaacutelogo com a filosofia tambeacutemse faz presente buscando pontos de articulaccedilatildeocom alguns pensamentos de Platatildeo Kierkegaard e

Nietzsche Freud evoca tambeacutem em seu texto uma

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seacuterie de outros escritos seus procurando situaro presente estudo em relaccedilatildeo agrave sua obra Satildeoinuacutemeras as referecircncias a Trecircs ensaios de teoria

sexual Totem e tabu Luto e melancolia Aleacutem do

princiacutepio do prazer e Introduccedilatildeo ao narcisismo

Freud busca responder em seu ensaio a

uma das perguntas que considerava um divisorde aacuteguas nos diversos estudos com os quaisteve contato o que manteacutem uma determinadamassa coesa A resposta teraacute muitas derivaccedilotildeesas quais o leitor teraacute a oportunidade de encon-

trar na leitura do presente texto Ele respondea essa questatildeo resumindo-a em uma palavraEros Freud natildeo se contenta com anaacutelises maisdescritivas presentes nos textos nos quais sedeteve pois as considera insuficientes para

entender uma seacuterie de fenocircmenos grupaisFalar em sugestatildeo hipnose mecanismos defascinaccedilatildeo sede de poder natildeo lhe parecia res-ponder ao fenocircmeno que liga os elementos deuma massa entre si e em relaccedilatildeo a um liacuteder

Para compreender esses mecanismos psiacutequi-cos Freud ousou transferir alguns conceitos jaacuteclaacutessicos em sua obra para a compreensatildeo dofuncionamento psiacutequico das massas tais comoidentificaccedilatildeo regressatildeo idealizaccedilatildeo circuitos

de investimento libidinal e a loacutegica do recalque

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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relevo temas de interesse direto do cidadatildeo co-mum natildeo necessariamente iniciado na teoriapsicanaliacutetica Em Psicologia das massas o autordiscorre sobre os mecanismos da formaccedilatildeo dosgrupos a loacutegica de funcionamento do amor ociuacuteme a submissatildeo cega das massas a um liacutedere a intoleracircncia ao diferente

Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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seacuterie de outros escritos seus procurando situaro presente estudo em relaccedilatildeo agrave sua obra Satildeoinuacutemeras as referecircncias a Trecircs ensaios de teoria

sexual Totem e tabu Luto e melancolia Aleacutem do

princiacutepio do prazer e Introduccedilatildeo ao narcisismo

Freud busca responder em seu ensaio a

uma das perguntas que considerava um divisorde aacuteguas nos diversos estudos com os quaisteve contato o que manteacutem uma determinadamassa coesa A resposta teraacute muitas derivaccedilotildeesas quais o leitor teraacute a oportunidade de encon-

trar na leitura do presente texto Ele respondea essa questatildeo resumindo-a em uma palavraEros Freud natildeo se contenta com anaacutelises maisdescritivas presentes nos textos nos quais sedeteve pois as considera insuficientes para

entender uma seacuterie de fenocircmenos grupaisFalar em sugestatildeo hipnose mecanismos defascinaccedilatildeo sede de poder natildeo lhe parecia res-ponder ao fenocircmeno que liga os elementos deuma massa entre si e em relaccedilatildeo a um liacuteder

Para compreender esses mecanismos psiacutequi-cos Freud ousou transferir alguns conceitos jaacuteclaacutessicos em sua obra para a compreensatildeo dofuncionamento psiacutequico das massas tais comoidentificaccedilatildeo regressatildeo idealizaccedilatildeo circuitos

de investimento libidinal e a loacutegica do recalque

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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relevo temas de interesse direto do cidadatildeo co-mum natildeo necessariamente iniciado na teoriapsicanaliacutetica Em Psicologia das massas o autordiscorre sobre os mecanismos da formaccedilatildeo dosgrupos a loacutegica de funcionamento do amor ociuacuteme a submissatildeo cega das massas a um liacutedere a intoleracircncia ao diferente

Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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com suas derivaccedilotildees manifestadas sobretudona formaccedilatildeo dos sintomas

Psicologia das massas nos abre alguns ca-minhos de reflexatildeo Freud vinha concebendoesse texto haacute algum tempo recolhendo notaslendo as obras disponiacuteveis sobre o tema Jaacute

havia desenvolvido anos antes uma seacuterie deestudos sobre as razotildees da posiccedilatildeo masoquistado ser humano bem como sobre o conceitode pulsatildeo (ou impulso conforme se preferiuna presente traduccedilatildeo) de morte crucial no

entendimento de sua metapsicologia Esteuacuteltimo foi amplamente desenvolvido em seutexto Aleacutem do princiacutepio do prazer (1920) Nessemesmo ano em uma viagem de feacuterias aos Alpespreparava as primeiras notas de Psicologia das

massas e parecia muito cauteloso e sem pressaem finalizar seu estudo Do alto das montanhase em meio agraves inuacutemeras anotaccedilotildees que vinharecolhendo escreve a seu bioacutegrafo oficial ErnstJones ldquoTrouxe comigo o material para a Psi-

cologia das massas e anaacutelise do eu mas minhacabeccedila ateacute agora se recusa obstinadamente ase interessar por esses problemas profundosrdquo

O que impressiona no trabalho de Freud eacutesua capacidade de abordar questotildees complexas

de forma sistemaacutetica sempre colocando em

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relevo temas de interesse direto do cidadatildeo co-mum natildeo necessariamente iniciado na teoriapsicanaliacutetica Em Psicologia das massas o autordiscorre sobre os mecanismos da formaccedilatildeo dosgrupos a loacutegica de funcionamento do amor ociuacuteme a submissatildeo cega das massas a um liacutedere a intoleracircncia ao diferente

Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

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Embora se trate de um ensaio ambiciosoFreud eacute extremamente cauteloso nas hipoacutetesesque vai desenvolvendo Escreve no final de suaintroduccedilatildeo ldquoQuem comparar este fino livrinho

com a envergadura da psicologia das massasfacilmente poderaacute supor que aqui apenas setrataraacute de poucos pontos da totalidade do as-suntordquo Quando envia um exemplar de seu livroem marccedilo de 1923 ao escritor Romain Rolland

Freud se mostra reservado em relaccedilatildeo ao seuestudo ldquoNatildeo que eu considere este escrito par-ticularmente bem-sucedido mas ele mostra ocaminho que conduz da anaacutelise do indiviacuteduo agravecompreensatildeo da sociedaderdquo

Uma das primeiras reverberaccedilotildees significa-tivas deste texto de Freud no Brasil natildeo foi nomeio cientiacutefico nem acadecircmico mas em umadas ruas no centro da cidade de Satildeo Paulo Em1931 o artista e arquiteto Flaacutevio de Carvalho

influenciado sobretudo pela leitura desse texto

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

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Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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de Freud resolveu fazer uma experiecircncia decompreensatildeo do funcionamento de um gruporeligioso Esta que eacute considerada uma das pri-meiras performances no campo das artes noBrasil resultou na publicaccedilatildeo do livro Experiecircn-

cia n 2 trazendo em detalhes o relato do artista

sobre a forma como ele afrontou uma massa defieacuteis em um dia de procissatildeo de Corpus ChristiA experiecircncia de Flaacutevio de Carvalho consistiuem caminhar no contrafluxo de uma procissatildeousando de maneira provocativa um boneacute de

feltro verde Enquanto caminhava registrava asreaccedilotildees dos fieacuteis e sua atitude produziu fuacuteria nosreligiosos que quase o lincharam O fato tevegrande repercussatildeo na eacutepoca e foi manchete emmuitos jornais sendo o artista duramente criti-

cado pela imprensa por seu ato de desrespeito auma manifestaccedilatildeo religiosa Contudo algumasvozes saiacuteram em sua defesa Uma delas foi ade Carlos Drummond de Andrade que sob opseudocircnimo de Joseacute Luiz publicou um artigo

no jornal Minas Gerais dizendo tratar-se de umarica investigaccedilatildeo socioloacutegica baseada ldquonos con-ceitos mais modernos da psicanaacuteliserdquo Flaacutevio deCarvalho entendia esse funcionamento de massae seu fervor religioso como uma forma de fazer

face agrave inferioridade individual Segundo ele

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

1

Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

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o homem parece procurar sempre um ponto deseguranccedila aniacutemica um atrativo uma imagem

encantada que satisfaccedila a sua necessidade deexaltar o ldquoEurdquo e portanto as aglomeraccedilotildees serefugiam sob a proteccedilatildeo dessas imagens fetichesa mulher encantadora a santa a virgem o chefeo Cristo o Deus a paacutetria satildeo refuacutegios comuns

da aglomeraccedilatildeo em perigo

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Penso que Freud estaria de acordo com essa

proposiccedilatildeo do artistaFlaacutevio de Carvalho colocou assim em relevo

uma das perguntas fundamentais da investiga-

ccedilatildeo freudiana contida nesse texto ou seja quemecanismo liga uma determinada massa a umliacuteder Freud responde a essa pergunta colocandoem relevo a teoria da libido Eacute pela forccedila do amor(Eros) que tal ligaccedilatildeo se daacute O amor teria entatildeo a

forccedila de suplantar os narcisismos individuais e ooacutedio constitutivo que nos separa uns dos outrosContudo natildeo se trata do amor sexual mas justa-mente de uma forma primitiva de amor inibidaem seus objetivos sexuais Eacute esse o mecanismo

fundador dos processos de identificaccedilatildeo SegundoFreud ldquoa identificaccedilatildeo eacute a forma mais elementarde ligaccedilatildeo afetiva com o objetordquo Ele deixa claros

1 CARVALHO Flaacutevio Experiecircncia n 2 ndash realizada sobre umaprocissatildeo de Corpus Christi uma possiacutevel teoria e uma expe-

riecircncia Rio de Janeiro Nau 2001 p 144-145

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

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para o leitor os pontos de aproximaccedilatildeo e a dis-tacircncia entre a sua teoria e as dos autores que eleexamina Em relaccedilatildeo a Gustave Le Bon emboracompartilhe uma seacuterie de afirmaccedilotildees no que dizrespeito ao caraacuteter impulsivo irracional e in-fluenciaacutevel das massas sublinha que o que faltaem sua teoria eacute o conceito de recalque Eacute este que

permite a Freud fazer uma seacuterie de aproximaccedilotildeesentre o funcionamento das massas e o sofrimentoneuroacutetico Pode assim retomar algumas teses deseu claacutessico texto Totem e tabu (1913) ao proporque algumas das relaccedilotildees do grupo com seu liacuteder

satildeo uma espeacutecie de repeticcedilatildeo do assassinato do paida horda primitiva pelos filhos ato este que foirecalcado e que ressurge na massa sob a forma deconsciecircncia moral Pode tambeacutem mostrar o me-canismo de dissoluccedilatildeo do eu na massa pois este

cria segundo ele ldquocondiccedilotildees que lhe permitem selivrar dos recalcamentosrdquo Por outro lado Freudmostra o quanto essas massas sob a influecircnciada sugestatildeo e forccedila persuasiva de um liacuteder satildeocapazes tambeacutem de ldquoatos elevados de renuacutenciardquo

Se por um lado a massa eacute extraordinaria-mente influenciaacutevel e creacutedula mostrando-sefacilmente intolerante uma vez que funcio-na numa loacutegica afetiva intensificada e comcapacidade intelectual limitada por outro in-

dica Freud tambeacutem eacute capaz de criaccedilotildees geniais

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

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como a linguagem que funciona portantocomo uma espeacutecie de aglutinante para os gran-des coletivos Contudo em nenhum momentoFreud perde de vista o elemento essencial quecompotildee o laccedilo social o amor ldquoAs relaccedilotildeesamorosas constituem a essecircncia da psique dasmassasrdquo Dessa forma esse texto se revela tam-

beacutem como um estudo precioso sobre o amor eseus mecanismos psiacutequicos as relaccedilotildees entreo enamoramento e a hipnose a tensatildeo entre oamor-proacuteprio (narcisismo) e o amor aos obje-tos as relaccedilotildees entre amor e o ideal do eu Natildeo

esqueccedilamos que Freud entende o amor em suafonte sexual e eacute categoacuterico ao dizer que natildeoexiste enamoramento sem danos ao eu Tocarno tema do sexual implica sempre cutucar comvara curta a onccedila do pudor social Mas Freud jaacute

natildeo era um novato nesses embates Haacute deacutecadasconhecia a resistecircncia agraves suas ideias mas erainabalaacutevel em suas convicccedilotildees Responde em Psi-

cologia das massas com ironia agraves criacuteticas segundoas quais sua psicanaacutelise sofria de pansexualismo

Diz ele em determinado momentoQuem considera a sexualidade como algo vergo-nhoso e aviltante para a natureza humana estaacutelivre para se servir das expressotildees mais nobresldquoerosrdquo e ldquoerotismordquo Eu proacuteprio poderia ter feito

isso desde o comeccedilo o que teria me poupado

8142019 Psicologia Das Massas Trecho

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos

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de muitos protestos Mas natildeo quis fazecirc-lo poisprefiro evitar concessotildees agrave pusilanimidade Natildeo

se sabe onde se vai parar por esse caminhoprimeiro se cede nas palavras e depois poucoa pouco tambeacutem na coisa

Vemos nessa passagem a radicalidade deum pensador que sempre se manteve fiel a seus

princiacutepios independentemente do preccedilo a pagarpelas posiccedilotildees que defendia

Tal postura nos permite identificar aindaoutra forma de amor presente nessa reflexatildeoqual seja o amor agrave verdade A presenccedila desse

princiacutepio em nosso horizonte natildeo eacute garantiade uma maior clareza quando adentramos asobscuridades que nos habitam Nem sempresuportamos essa verdade e com frequecircnciafechamos os olhos diante dela Freud faz um

esforccedilo nesse texto para apontar o quanto omeacutetodo psicanaliacutetico natildeo pode compactuar comtais estrateacutegias de disfarce

Psicologia das massas e anaacutelise do eu eacute de umaatualidade surpreendente Traz elementos que

nos permitem abordar fenocircmenos sociais comoo racismo a intoleracircncia religiosa e o fanatismopoliacutetico Como sabemos satildeo fenocircmenos queainda desafiam nosso entendimento Por talrazatildeo trata-se de um texto que pode trazer um

pouco de luz para o tempo em que vivemos