psicologia e mediunidade

82
Centro Universitário de Brasília Faculdade de Ciências da Saúde – FACS Curso: Psicologia PSICOLOGIA E MEDIUNIDADE SERGIO OSNA FARIA BRASÍLIA JUNHO / 2005

Upload: nayra-cristina-batista

Post on 03-Oct-2015

14 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

psicologia e mediunidade

TRANSCRIPT

  • Centro Universitrio de Braslia Faculdade de Cincias da Sade FACS Curso: Psicologia

    PSICOLOGIA E MEDIUNIDADE

    SERGIO OSNA FARIA

    BRASLIA JUNHO / 2005

  • Sergio Osna Faria

    Psicologia e Mediunidade

    Monografia apresentada como requisito

    para concluso do curso de Psicologia

    do UniCeub Centro Universitrio de

    Braslia

    Professora Orientadora: Virginia Turra.

    Braslia/DF, Junho de 2005.

  • DEDICATRIA

    Aos meus pais

    Por tudo o que me deram e me propiciaram. Nada disso jamais aconteceria se no fosse por vocs.

    Minha total gratido e incondicional amor por terem me dado o presente mais precioso que j recebi:

    Minha vida na companhia de vocs.

  • AGRADECIMENTOS S consegui realizar este trabalho porque pessoas muito especiais cruzaram a minha vida. Agradeo a todos por tudo.

    Em especial, agradeo:

    Aos meus pais, mais uma vez e sempre, pela oportunidade da vida. professora Virginia Turra pela pacincia, pela fora, compreenso e principalmente por acreditar mais em mim e na minha capacidade do que eu mesmo... Mrcia R. A. Fonseca por ter me levado a nveis que eu jamais sonhei ser possvel chegar. No h palavras suficientes para agradecer absolutamente tudo que voc j fez por mim (at mesmo os puxes de orelha!!!) professora Miriam May Philippi pela ajuda com idias, materiais e a presena do Mestre Jorge Ponciano Ribeiro. professora Leida Mota pelas dicas, orientao e pacincia. Ana Lcia S. C. Palma por ter me mostrado que a psicologia muito mais, pode ter a minha cara e ser feita do meu jeito. Aos professores que realmente ensinaram que a psicologia no uma cincia limitada e que muito ainda h por ser feito. Cristiane Moreira Sales pela excelente e paciente reviso. Aos colegas que de alguma forma colaboraram: Ana Cristina Improise, Giselle Silva, Leonardo Santana, Rosita Fedrigo e Vera Matos.

  • Estudar o homem psicologicamente e excluir dele o estudo de seu aspecto espiritual o mais alienante descompromisso da cincia e / ou da academia para com a verdade humana, para com a totalidade existencial humana, da qual nasce

    todo e qualquer significado

    Jorge Ponciano Ribeiro

  • RESUMO: Este trabalho tem por objetivo gerar reflexes sobre a importncia da mediunidade para a psicologia e para a melhor compreenso do homem como um ser complexo e com caractersticas transpessoais. Para tal, foram discutidas as diversas formas de transmisso e aquisio de conhecimento, as diferentes possibilidades de construo de teorias cientificas. Levantou-se tambm a interseo entre a mediunidade e a psicologia em cada uma das suas chamadas grandes foras. Buscou-se explicar como cada uma destas foras da psicologia v a mediunidade e o porque, com fundamentao em cada um de seus embasamentos tericos filosficos. Por fim, verificou-se que a mediunidade j faz parte e utilizada por vrias vertentes da psicologia e que para se ter uma viso abrangente e completa do ser humano seu estudo aprofundado deve acontecer de forma sria e sistematizada.

  • ABSTRACT: This present work intends to generate reflections on the importance of mediumship for psychology and for the better understanding of man as a complex being and with transpersonal characteristics. In order to do that, different possibilities of constructing scientific theories and knowledge acquisition were discussed. The intersection between mediumship and psychology in each of its forces was also raised. In addition, it tries to explain how each of these psychology forces sees mediumship and why, based on their theoretical and philosophical foundations.

  • SUMRIO RESUMO.....................................................................................................................................................05 ABSTRACT..................................................................................................................................................06

    INTRODUO ............................................................................................................................................ 08

    PENSAMENTOS CIENTFICO E FILOSFICO ......................................................................................... 12

    SENSO COMUM.......................................................................................................................................... 12 RELIGIO .................................................................................................................................................. 13 CINCIA .................................................................................................................................................... 14

    Empirismo..........................................................................................................................................15 Positivismo.........................................................................................................................................16 Fenomenologia..................................................................................................................................17

    PSICOLOGIA .............................................................................................................................................. 19

    PRIMRDIOS ............................................................................................................................................. 20 PSICOLOGIA DO COMPORTAMENTO............................................................................................................. 22 FREUD E A PSICANLISE: A PSICOLOGIA DO INCONSCIENTE.......................................................................... 24 JUNG E A PSICOLOGIA DA TRANSCENDNCIA ............................................................................................... 26 PSICOLOGIA HUMANISTA: A ABORDAGEM DA AUTO - ATUALIZAO................................................................ 29 PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: O HOMEM BIO PSICO SOCIAL CSMICO ................................................... 32

    MEDIUNIDADE ........................................................................................................................................... 36

    A MEDIUNIDADE NA HISTRIA DE ALGUNS POVOS......................................................................................... 37 A BUSCA PELA VERDADE ............................................................................................................................ 38

    PSICOPATOLOGIA .................................................................................................................................... 42

    HISTRICO................................................................................................................................................ 43 CONCEITOS DAS ESTRUTURAS DE PERSONALIDADE ..................................................................................... 45

    Neurose .............................................................................................................................................. 45 Perverso ........................................................................................................................................... 47 Psicose ............................................................................................................................................... 48

    NORMAL X PATOLGICO........................................................................................................................... 50

    VISES DA MEDIUNIDADE....................................................................................................................... 53

    VISO DA RELIGIO.................................................................................................................................... 53 VISO DO SENSO COMUM.......................................................................................................................... 56 VISO DA FILOSOFIA E DA CINCIA .............................................................................................................. 57

    Empirismo........................................................................................................................................... 57 Positivismo.......................................................................................................................................... 57 Fenomenologia ................................................................................................................................... 58

    VISO DA PSICOLOGIA ............................................................................................................................... 58 A Primeira Fora: o Behaviorismo...................................................................................................... 58 A Segunda Fora: a Psicanlise ........................................................................................................ 59 A Viso de Jung.................................................................................................................................. 60 A Terceira Fora: a Psicologia Humanista ......................................................................................... 62 A Quarta Fora: a Psicologia Transpessoal ....................................................................................... 63 Terapia de Vidas Passadas................................................................................................................ 64

    VISO DA PSICOPATOLOGIA ....................................................................................................................... 65 CINCIA ESPRITA...................................................................................................................................... 66

    CONCLUSO.............................................................................................................................................. 70

    BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................................................... 76

  • INTRODUO

    A mediunidade um dom que se manifesta em serem humanos vivos. Qualquer

    definio que tente se dar a ela ser sempre incompleta, uma vez que algo muito

    maior e mais complexo para se encaixar em um breve relato. Uma das faces desse

    dom a capacidade de comunicao entre seres humanos vivos e seres humanos j

    falecidos, chamados de desencarnados.

    um fenmeno presente na histria da humanidade desde tempos imemoriais.

    Em cada poca e local foi entendida de maneira diferente. Foi vista como algo mgico,

    mstico, como doena, como um dom proveniente de pacto feito com o Diabo1, como

    base de religies, como uma caracterstica inata a todos os seres humanos. Mas depois

    de certos acontecimentos no curso da histria da cincia ocidental, houve uma tentativa

    de vrias reas da cincia de comprov-la como algo real e plausvel dentro do reino da

    prpria cincia, a parte de qualquer conotao mstica e religiosa que pudesse ter.

    Como pode ser constatada, a origem da psicologia nos remete a fatos que a

    tornam profundamente ligada mediunidade e a espiritualidade. Da Grcia antiga surge

    a psicologia como o estudo da alma, a busca pela origem do homem. No decorrer dos

    tempos, at para que pudesse se firmar como cincia reconhecida, a psicologia se

    afastou de sua origem. Mas sempre houve quem lutasse para que a viso de um

    homem integral no fosse abandonada totalmente pela psicologia em nome de

    conceitos reducionistas, mesmo que estes trouxessem mais credibilidade. A figura

    pioneira na psicologia e uma das mais importantes nesta luta foi Carl Gustav Jung que,

    corajosamente, em um tempo em que os homens de cincia deveriam se portar

    rigorosamente de acordo com as regras impostas para que fossem aceitas, trabalhou

    com conceitos considerados arrojados e extremamente ousados para a poca. E at os

    dias de hoje contestado, tamanho o avano de suas idias.

    1 Aqui Diabo utilizado como referncia ao representante do mal em oposio ao bem, como temtica prpria da cultura provinda da religio crist.

    8

  • Destas idias, que serviram de semente para o trabalho de vrios outros grandes

    nomes, a psicologia foi evoluindo e aprendendo a lidar com dados que fogem ao

    observvel e palpvel. Idias como inconsciente, livre arbtrio, alma, sonhos, contatos

    com espritos e estados alterados de conscincia foram sendo incorporados a

    psicologia a medida que esta evolua. Hoje chegamos a um ponto em que praticamente

    nada que diga respeito ao ser humano excludo. Naturalmente ainda existem aqueles

    que preferem se manter e trabalhar com conceitos que nos remetem a psicologia como

    a cincia dos cinco sentidos bsicos. Mas no se pode negar que para se entender

    algo, ainda que em suas partes, devemos ter uma viso e compreenso do todo. Nada

    jamais deve ser excludo, negligenciado ou negado, seja a que pretexto for.

    Desta forma, assume-se neste trabalho, que a mediunidade deve ser estudada

    como algo que faz parte da natureza humana. No com um vis religioso, mas como

    algo que est presente na vida de qualquer indivduo.

    Este trabalho se valer de um levantamento de um breve histrico das formas de

    conhecimento e de se fazer cincia mostrando como a psicologia interage e interagiu

    desde os seus primrdios com a mediunidade. Busca-se desta forma gerar

    questionamentos e levar a uma reflexo a respeito da importncia de no eliminar nada

    que traga maior conhecimento sobre o ser humano por parte de princpios que remetam

    a vises limitadas de uma pessoa.

    preciso levar tais temas a debate, com a mente aberta, abrindo mo de

    preconceitos e conceitos arcaicos que tm muito pouco ou j no tm mais espao nos

    dias atuais. preciso ter a coragem de questionar respostas seculares, cristalizadas de

    tal forma que paream verdades absolutas. Essa uma postura que deve ser

    assumida por todos aqueles que fazem cincia nos dias de hoje.

    Tem-se tambm a inteno de questionar os diagnsticos com resultados que

    indicam patologias dados a algumas pessoas que descrevem possuir mediunidade.

    9

  • Tenta-se mostrar que a psicopatologia, sob o ponto de vista da psicanlise, muito

    relevante para a sade do homem, est mais limitada aos casos de grave desajuste do

    que a qualquer caso relatado de mediunidade.

    Este trabalho busca provocar tais reflexes sobre a mediunidade, suas

    possibilidades e importncia dentro da psicologia. Cada vez mais urge a necessidade

    de se escrever e produzir acerca do tema. Todo e qualquer trabalho, desde que bem

    embasado, deve ser encorajado, para que mais profissionais tomem cincia e se

    posicionem diante de tema to relevante para a compreenso da existncia humana. O

    objetivo deste trabalho , portanto, causar questionamentos e reflexes em todos

    aqueles que o lerem.

    Fazendo um levantamento de referncias bibliogrficas com variados

    posicionamentos sobre a mediunidade, desde os mais a favor at os mais radicalmente

    contra, tenta-se mostrar e relevncia do tema. Quer-se tambm mostrar a mediunidade

    como um fato concreto, possvel de ser objeto de estudo da Psicologia. Algo a ser ainda

    vastamente estudado, pela noo de que parte inseparvel da psicologia.

    Para se chegar a tais objetivos foram utilizados livros, teses de mestrados,

    monografias, textos e artigos dos mais variados autores. Foram includos aqui autores

    religiosos, cientistas, filsofos e principalmente aqueles que escrevem com o olhar da

    psicologia, sejam eles psiclogos ou no.

    Foram levantados aspectos do pensamento filosfico e cientfico, desde a Grcia

    antiga at os dias de hoje, para que se possa ter uma melhor compreenso da

    evoluo do pensamento humano e das formas de aquisio e transmisso de

    conhecimento. Senso comum, religio, vertentes filosficas e mtodos de se fazer

    cincia foram discutidos, de forma que diferentes posies fossem exploradas.

    H uma breve descrio do histrico da psicologia e como cada abordagem

    surgiu. discutido o embasamento terico das chamadas quatro grandes foras da

    10

  • psicologia: o behaviorismo, a psicanlise, a psicologia humanista e a psicologia

    transpessoal. Devido a grande importncia de Carl Gustav Jung para o presente texto

    devido ao seu trabalho pioneiro em assuntos ligados a espiritualidade, foi dado tambm

    destaque para sua teoria e para as suas idias que resultaram em um grande impacto

    no que diz respeito espiritualidade dentro da psicologia.

    H tambm um captulo sobre a psicopatologia, propositadamente separado dos

    outros, principalmente do que trata da psicologia em especfico, uma vez que um dos

    objetivos deste trabalho precisamente questionar a explicao da mediunidade como

    sintoma de alguma patologia ou transtorno mental.

    E finalmente, o ltimo captulo trata da interao da mediunidade com cada um

    dos tpicos apresentados anteriormente. Nesta parte, relatada a viso de cada uma

    destas formas previamente descritas de conhecimento sobre a mediunidade.

    11

  • PENSAMENTOS CIENTFICO E FILOSFICO

    Existem vrias formas de conhecimento e de compreenso do mundo. Por toda a histria da humanidade, desde os tempos mais remotos at a atualidade, sempre houve

    uma busca incansvel e incessante para se chegar a respostas definitivas, verdades

    absolutas e inquestionveis. Neste caminho, muitas formas de ver e tentar explicar o

    mundo se misturaram com elaborados sistemas de pensamento para que os fatos

    descobertos fossem aceitos como definitivos. Mas de uma forma geral isso jamais

    ocorreu, especialmente naquelas questes que envolvem a origem, o paradeiro e o

    destino dos seres humanos. Nesta procura vrios mtodos foram desenvolvidos e

    alguns se tornaram mais aceitos do que outros e inclusive ganharam um status de

    verso oficial. Alguns mais rigorosos e concretos enquanto outros dando mais vazo

    ao abstrato. Definitivamente, todos desempenharam papis fundamentais na histria do

    pensamento humano. Neste trabalho veremos brevemente alguns destes mtodos para

    entender melhor a questo proposta e como se chegou a ela.

    SENSO COMUM

    Uma das formas de ver o mundo e transmitir conhecimentos a viso do senso

    comum, aquela em que as explicaes so dadas baseadas em idias correntes no

    imaginrio e no uso popular, no que comumente as pessoas sabem e passam umas as

    outras, criando-se uma certa forma de tradio. Para Fontes (2005) o nvel mais

    elementar do conhecimento, que se baseia em observaes ingnuas da realidade e

    est comumente relacionado a solues de problemas prticos do dia-a-dia. O senso

    comum tambm o hbito, aquilo em que se acredita porque se faz repetidamente,

    mesmo que no se saiba o real motivo e uma eventual explicao para aquilo. a

    forma mais bsica e acessvel de conhecimento, pois se baseia freqentemente em

    observaes que no seguem parmetros para serem definidas. Est mais focado nas

    12

  • aparncias dos eventos do que nas causas efetivas. Ainda que muito do que prega o

    senso comum tenha alguma lgica e possa inclusive ser provado atravs de pesquisas

    e experimentos, de um modo geral a viso menos respeitada pelos estudiosos e

    acadmicos.

    RELIGIO

    Outra forma de conhecimento a viso religiosa. Para Ferreira (1999) religio

    a crena na existncia de uma fora ou foras sobrenaturais, considerada(s) como

    criadora(s) do Universo, e que como tal deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s);

    manifestao de tal crena por meio de doutrina e ritual prprios, que envolvem em

    geral preceitos ticos (p. 1937).

    Cada religio possui suas prprias regras e tradies. Com muita certeza, vrios

    pontos de conhecimento transmitidos pelas religies tm explicaes bem claras se

    forem buscadas em suas razes histricas. O fato que normalmente, religies

    envolvem questes de f, que so um caso a parte e no podem ser mensuradas e

    qualificadas pelas regras que se aplicam a outras reas. Mas de qualquer forma, um

    meio poderoso de transmisso de conhecimentos. Em vrios momentos da histria do

    homem, tentou-se aliar os conhecimentos advindos da religio s formas mais

    embasadas e concretas do saber, mas h intransigncia; tanto de estudiosos que

    acreditam que as questes que envolvem religio no podem ser avaliadas de outra

    forma, que no a prpria f religiosa, quanto de pessoas da religio que preferem, pelos

    mais variados motivos, no colocar suas crenas prova de estudos que poderiam

    eventualmente desmistificar certos eventos e com isso abalar a f de fiis.

    No so muitos os que conseguem fazer esta unio, separando o que

    puramente religioso do que cientfico. Para Solomon (2004), o caminho fazer uma

    distino entre religio e espiritualidade, porque um no necessariamente o outro e

    13

  • enquanto a religio uma instituio social, e no espiritual que possui

    posicionamentos anticientficos, a espiritualidade anda de mos dadas com a cincia.

    Desta forma, para o autor, fica mais fcil diferenciar que eventos pertencem a religio e

    quais so ligados a espiritualidade e desta forma, possivelmente aceitos pela cincia.

    CINCIA

    A forma que mais interessa a este trabalho a viso cientfica. No senso comum

    as informaes so passadas sem nenhum embasamento de estudos e pesquisas e

    comprovaes. Para a religio o que mais vale so os preceitos e dogmas de cada

    crena, transmitidos de forma no questionada e em alguns casos at mesmo

    impostos. No mtodo cientfico, por sua vez, tm-se pessoas especializadas em vrias

    reas estudando e buscando formas de conhecimento baseadas em dados e fatos

    concretos, ainda que nem sempre visveis e palpveis. Como afirma Lungarzo (1997, p.

    11): o cientista tenta encontrar explicaes que sejam mais profundas, que estejam

    baseadas em conhecimentos mais exatos, mais precisos.

    Na histria da humanidade sempre foram buscadas respostas que pudessem ser

    vistas como verdades plenas e absolutas baseadas em sistemas que fossem infalveis.

    No decorrer dos sculos, desde a Grcia antiga, e talvez ainda antes, at os dias de

    hoje, vrias foram as idias de como isto poderia ser feito. H muito tempo j ficou

    claro que a cincia se porta, ou ao menos tenta se portar, de maneira diferente de

    outras formas de busca pela verdade absoluta. Mas no h e nunca houve um

    consenso, como acontece tambm em todas as outras formas de conhecimento, seja o

    senso comum, a religio ou a filosofia. A cada teoria, cada mtodo, cada verdade

    encontrada sempre havia algum com um pensamento diferente e muitas vezes

    contrrio. E com esta interminvel contestao, questionamentos e um sbio duvidar, o

    conhecimento humano foi se construindo.

    14

  • Como afirma Khun (2003) em seu livro A estrutura das revolues cientficas,

    todos os dados levantados que paream pertinentes ao desenvolvimento de uma

    cincia pode ser relevante e cada teoria, para ser aceita como um paradigma, tem que

    ao menos parecer melhor e mais eficiente do que outras, ainda que no precise dar

    respostas e explicar todos os fatos com os quais seja confrontada.

    Na histria da cincia, pessoas de diferentes reas foram criando estruturas e

    mtodos para que as descobertas gozassem de credibilidade, sempre se tentando

    superar uma verso anterior e chegar mais longe. Comeou-se ento a exigir que o

    conhecimento, para ser considerado cientfico, e portanto crvel e universal, fosse

    validado por experimentos e por dedues lgicas.

    EMPIRISMO

    Uma das primeiras formas amplamente aceita, e de interesse a este trabalho, a

    cincia emprica, que obtm conhecimento atravs dos sentidos empricos, que so os

    cinco conhecidos sentidos humanos: viso, audio, tato, paladar e olfato. De acordo

    com John Locke, um dos criadores e mais importantes pensadores desta vertente nada

    vem mente sem ter passado pelos sentidos. A origem do nome desta forma filosfica

    de se adquirir conhecimento vem de tempos antigos. De acordo com a Mestra em

    filosofia Cristina Oliveira (2005) o termo empirismo se originou da palavra grega

    empeiria, que significa experincia sensorial. Foi durante muito tempo amplamente

    aceita, justamente por limitar-se ao que podia ser percebido diretamente pelo homem e

    desta forma ser mais facilmente comprovado. Mais importante do que se pensava e se

    teorizava era o que se podia ver, tocar e sentir a um nvel fsico.

    15

  • POSITIVISMO

    Uma outra vertente surgida posteriormente ao empirismo foi o positivismo. No bastava apenas perceber o objeto do conhecimento mas, a partir desta percepo,

    desenvolver formas de testar e confirmar. De acordo com Lungarzo (1997) aps a

    obteno do conhecimento, atravs de um ou mais sentidos, ainda era necessrio que

    o estudioso desenvolvesse este conhecimento numa expresso cientfica, com o uso da

    matemtica e da lgica, e assim verificar se tal expresso verdadeira ou falsa por

    meio de testes e experimentos. Afirma ainda o autor que se estes testes no pudessem

    ser realizados com a expresso cientfica em si, dever-se-ia ento realiz-los com as

    conseqncias desta expresso. A partir deste ponto ento, como explica Ribeiro

    (1996), os porqus e a essncia das coisas foram postos de lado por serem

    considerados inacessveis, buscando-se ento regras que comprovassem relaes

    constantes entre os fenmenos. Para o autor, buscava-se substituir o mtodo a priori

    pelo mtodo a posteriori, observando-se o mecanismo do mundo em todos os lugares

    ao invs de invent-lo. Embora num primeiro momento todo e qualquer tipo de

    conhecimento pudesse ser verificado por este mtodo, sua extrema rigidez lhe deu

    fora no que poderia validar, mas eventualmente o enfraqueceu em todos aqueles

    pontos que esto alm dos cinco sentidos e da forma como a lgica dos testes exclui a

    exceo e o diferente. Mesmo sendo uma forma muito limitada de ver o mundo, por

    reduzir o conhecimento metodologia e sistematizao das cincias, o positivismo

    uma das formas mais aceitas pelos meios cientfico e acadmico por aceitar to

    somente fatos e dados concretos.

    Chibeni (1988) faz uma sntese das crticas destas formas de se fazer cincia em

    seu artigo intitulado A excelncia metodolgica do espiritismo. Neste artigo, afirma que

    acreditavam que a Cincia deveria ser constituda de uma catalogao neutra de um

    nmero grande de fatos e dados comprovados, os quais ento resultariam

    espontaneamente, de maneira certa e infalvel, nas leis gerais que a regem. Uma teoria

    cientfica seria ento, para o autor, a reunio de tais leis.

    16

  • Segue ainda o autor a explicar o porqu desta forma de fazer cincia no ser

    totalmente aceita e portanto, passvel de contestao por parte de outras formas:

    Percebeu-se que a descrio, busca e classificao dos fatos necessariamente envolve

    pressuposies tericas de um tipo ou de outro; que nenhuma lei terica pode resultar lgica e

    infalivelmente de um conjunto de fatos, qualquer que ele seja; que uma teoria cientfica no um

    simples amontoado de leis, sendo, antes, uma estrutura dinmica complexa, na qual participam

    elementos de diversas naturezas, como resultados observacionais, hipteses livremente

    concebidas, regras para o desenvolvimento futuro da teoria, decises metodolgicas, fragmentos

    de outras teorias, etc. (p. 329)

    E justamente com este raciocnio que, no decorrer do tempo, outras formas de

    fazer cincia, de buscar respostas e de se formular perguntas a serem respondidas por

    estudiosos foram surgindo.

    FENOMENOLOGIA

    Uma destas formas de construo do conhecimento foi a fenomenologia, que j

    tinha seus contornos traados na antiguidade, mas foi fundada oficialmente por

    Edmund Husserl no sculo XIX, e que, diferentemente das duas primeiras citadas,

    buscava a essncia do fenmeno. De acordo com esta vertente filosfica os fenmenos

    deveriam ser atentamente observados e descritos para que se pensasse em suas

    causas, utilizando-se da lgica para se chegar razo original, ou seja, evidncias

    contrrias ao positivismo que buscava explicaes do que era a posteriori, e que

    portanto havia sim uma essncia a priori e que esta poderia ser descoberta. Sua

    preocupao bsica no com a anlise dos termos, mas com a descrio, a mais

    completa possvel, dos fenmenos. S assim, segundo Husserl, poderemos alcanar,

    com evidncia e certeza, a prpria essncia das coisas, sua estrutura lgica

    necessria (Ribeiro Jr., 2003, p. 3). Como afirma Bello (2004) a fenomenologia trata a

    percepo do indivduo como algo que este j possui e portanto transcende o objeto

    17

  • fsico percebido. A, comea a ser fundamental o questionamento da subjetividade do

    ser humano, pois a vivncia de cada um que vai influenciar e ser realmente

    importante para a obteno do conhecimento. Esta forma filosfica e cientfica foi uma

    das maiores e mais importantes influncias para as chamadas cincias humanas, entre

    elas a psicologia.

    18

  • PSICOLOGIA

    Da filosofia e da busca de tornar o conhecimento humano organizado, com

    respaldo e reconhecimento acadmico, surgiram a cincia e seus mtodos, e a partir

    da surgiram vrias vertentes como a fsica, qumica, economia, poltica e a psicologia.

    A psicologia definida por vrios autores como o estudo do comportamento

    humano e seus processos mentais. Ao se pesquisar sua histria veremos que de fato

    isso, mas indubitavelmente vai muito mais alm, pois psicologia sem dvida uma das

    mais vastas e variadas vertentes da cincia. Sua abrangncia to vasta, sua

    aplicao e escopo terico to abrangentes que hoje temos estudos em muitas reas,

    entre elas a clnica, hospitalar, escolar, esportiva e jurdica entre outras, com

    embasamento na filosofia e / ou na fisiologia e tambm a influncia das mais variadas

    vertentes filosficas como o associacionismo, existencialismo e fenomenologia, s para

    mencionar algumas. Estas influncias deram origem a vrias abordagens, que muitas

    vezes possuem pontos completamente opostos, mas sempre com o mesmo objetivo: a

    compreenso do ser humano e como utilizar este entendimento para a melhor

    adaptao e a evoluo de pessoas, tanto como indivduos quanto membros de grupos.

    Vrios autores tm definies mais ou menos parecidas: para Campos (1978) o

    objetivo bsico de uma psicologia considerada cientfica o estudo do comportamento

    humano. Mas esta pode ser uma forma reducionista de ver as coisas, j que alguns

    pensadores no decorrer da histria sempre buscaram ir alm, muito embora, voltando

    ao incio de tudo na Grcia Antiga, deparasse com a origem do nome desta cincia,

    psicologia, que no grego ento significa o estudo da alma. Com isto pode se

    compreender um pouco mais a postura de vrios estudiosos de no aceitar somente o

    comportamento expresso e quererem respostas que vo muito mais adiante.

    A histria da psicologia a histria das pessoas buscando juntas um melhor

    entendimento de si mesmas (Weiton, 2002, pp. 04). De acordo com este autor, a

    19

  • psicologia surge como uma forma de responder a interrogaes acerca do

    funcionamento do prprio ser humano. Com o passar do tempo, estas interrogaes

    foram evoluindo e se tornando cada vez mais elaboradas e tendo seu foco, seus

    mtodos e embasamentos modificados.

    PRIMRDIOS

    A psicologia surge na Grcia antiga como a busca de respostas para a questo

    da alma. E, logo no incio, Plato (2005), em seu livro Fdon, afirmava que o homem

    era constitudo de um corpo fsico e de uma alma, onde fica a essncia, a

    personalidade, por assim dizer, do indivduo. Da, como j dito anteriormente, o nome

    desta cincia, pois do grego psique significa alma enquanto logia significa estudo de.

    Mas com o passar dos tempos, as leis e regras da cincia no fizeram exceo

    psicologia, que tambm teve que se enquadrar a formas mais concretas para ganhar a

    credibilidade necessria e se estabelecer como um estudo respeitvel no meio

    acadmico.

    Na busca pelas respostas desta rea, muitos pensadores desenvolveram suas

    teorias sobre a viso de homem: como este se comporta, o que o motiva, quais as

    lgicas de seu funcionamento mental e as causalidades desconhecidas disso tudo.

    Existem dois nomes que segundo Freire (2002) disputam a paternidade da

    psicologia, ambos alemes e contemporneos. O primeiro Gustav Theodor Fechner,

    fsico e filsofo. Era tambm considerado mstico, por ser a favor do espiritualismo, por

    demonstrar preocupao com Deus e com a alma humana e ter lutado contra o

    materialismo. Em 1860, publicou Elementos de Psicofsica. Seu trabalho focava

    principalmente a relao corpo x mente e fsico x psquico. Para ele os conceitos de

    mente e corpo eram dois lados da mesma moeda, partes de um mesmo todo, e tentou

    demonstrar que esses dois conceitos estavam ligados em uma relao quantitativa,

    20

  • chegando inclusive a ser considerada matemtica. Fechner se utilizou de mtodos das

    cincias exatas para desenvolver suas pesquisas, tentando comprovar que sensaes

    s poderiam ser verificadas atravs do controle para mais ou menos de estmulos, que

    por sua vez modificariam, para mais ou para menos, estas conseqncias (sensaes).

    Esta foi uma grande colaborao, no que se concerne metodologia, pois estas idias

    ainda so utilizadas at hoje como instrumentos de pesquisa psicolgica. Por isso, ele

    pode ser tambm considerado o precursor da psicometria.

    O segundo nome a disputar o papel de pai da psicologia Wilhelm Wundt,

    considerado o fundador desta considerada nova cincia pela maioria e sem dvida um

    dos importantes personagens na histria da psicologia. Em 1864, publicou Elementos

    da Psicologia Fisiolgica e em 1879 criou o primeiro laboratrio de psicologia, em

    Leipzig na Alemanha. Tinha como objetivo o estudo da conscincia e foi influenciado

    pelas tcnicas fisiolgicas e por preceitos filosficos que imperavam poca, entre eles

    o empirismo.

    Para obter suas respostas, Wundt se utilizava de uma tcnica chamada

    percepo interior, que nada mais era do que a introspeco, ou seja, o exame do

    prprio estado mental. Desta forma, era de interesse desta pesquisa o que os sujeitos

    participantes relatavam. Se diziam que sentiam algum estmulo desta ou daquela forma,

    isso era considerado dado vlido para Wundt, desde que os estmulos sentidos pelo

    sujeito da pesquisa fossem devidamente controlados. E, para garantir a validade de

    seus resultados, criou regras rgidas para serem utilizadas em seu laboratrio: o

    observador deveria ser capaz de apontar o momento em que o experimento poderia ser

    iniciado e estar concentrado; ter sua ateno totalmente voltada para o experimento e

    este deveria necessariamente poder ser repetido vrias vezes e os estmulos

    envolvidos no experimento deveriam poder ser manipulados e variados de acordo com

    interesse dos pesquisadores (Schultz & Schultz, 1992).

    Wundt e suas pesquisas e mtodos deram origem forma organizada de se

    fazer psicologia como cincia e influenciaram um de seus colaboradores: Edward

    21

  • Bradford Titchener que, a partir dos experimentos em Leipzig, mudou-se para os

    Estados Unidos e desenvolveu uma abordagem chamada de estruturalismo, que assim

    como Wundt, teve fundamental e indiscutvel importncia para a psicologia, mas suas

    idias e mtodos foram abandonados com o passar do tempo. A principal crtica feita a

    esta forma de se fazer psicologia pode ser definida da seguinte forma:

    A mente pode observar todos os fenmenos exceto os seus prprios O rgo

    observador e o rgo observado so idnticos, e a sua ao no pode ser pura e natural. Para

    observar, o nosso intelecto deve fazer uma pausa em sua atividade; contudo, o que se quer

    observar precisamente essa atividade. Se no se puder fazer essa pausa, no se pode

    observar; caso se consiga faz-la, nada h a observar. Os resultados desses mtodos so

    proporcionais ao seu carter absurdo (Comte, 1978).

    Baseando-se nas palavras de Comte, pode ser verificado ento, que esta viso

    estava essencialmente limitando-se ao homem em si e tentando dar uma lgica e

    freqncia para os comportamentos e atitudes chamadas de processos mentais.

    Mais algumas pesquisas foram desenvolvidas por outros cientistas de vrias

    reas, incluindo William James, Charles Darwin, Francis Galton e John Dewey, que

    chegaram a concluses diferentes daquelas encontradas por Wundt e Titchener, quase

    todas importantes para o desenvolvimento da psicologia, mas que, com quase

    nenhuma exceo, foram deixadas de lado a medida em que novas pesquisas e

    estudos eram desenvolvidos e novas respostas encontradas eram mais aceitas.

    PSICOLOGIA DO COMPORTAMENTO

    At que em 1913 um novo movimento surge em oposio s outras abordagens

    existentes. Tendo como principal nome o psiclogo John Watson, este movimento tinha

    o objetivo de acabar com qualquer subjetividade, como o mtodo da introspeco de

    Wundt, para que a psicologia fosse uma cincia objetiva. Desta forma, tudo o que no

    podia ser efetivamente tocado, cheirado, sentido, provado ou movido, como a idia de

    22

  • mente, tambm de Wundt, entre outros, deveria ser excludo por no produzir dados

    confiveis.

    Tambm muito relevante para esta perspectiva a noo do que podia ser

    contado e medido. Deste modo queria-se uma cincia exata, algo que podia ser

    mensurado e calculado em nmeros e freqncias podia ser estudado. J eventos

    como sonhos eram excludos porque no podiam ser contabilizados de forma

    estatstica e, portanto no eram considerados comportamentos. E tudo aquilo que no

    era considerado comportamento no deveria fazer parte desta cincia exata sendo

    sumariamente deixado de lado. Assim, esta nova abordagem da psicologia focou o

    comportamento humano, que pode ser observado, contado e mensurado. Esta nova

    viso foi chamada de cincia do comportamento, ou ainda psicologia comportamental

    ou, do original em ingls, bahaviorismo (Schultz & Schultz, 1992).

    O posicionamento de Comte, que serviu como crtica a abordagens anteriores,

    serviu tambm como um dos pontos de apoio ao movimento, pois segundo Comte, o

    nico conhecimento vlido o que tem natureza social e objetivamente observvel

    (Schultz & Schultz, 1992, pp. 211).

    O objetivo de Watson era estudar as respostas causadas por determinados

    estmulos nos indivduos e tambm, conhecer e prever os estmulos quando se tinha a

    resposta primeiro (Marx & Hillix, 1974, pp. 231).

    Alguns outros nomes aparecem como forte influncia no desenvolvimento do

    behaviorismo e suas vertentes, uma vez que, dentro desta mesma escola, existem

    alguns mais radicais ou metodolgicos e outros que, mais moderados, aceitaram certos

    conceitos alm daqueles meramente estatsticos, acatados pelos mais radicais. Entre

    esses mais moderados esto Burrhus F. Skinner e Albert Bandura.

    Esta abordagem v o homem como um organismo que responde a estmulos do

    meio ambiente, e essa interao molda as caractersticas do indivduo.

    23

  • Se por um lado esta viso de homem d mais cientificidade psicologia,

    tornando-a mais palpvel e mensurvel e dentro deste limite mais confivel, muitas so

    as crticas contra ela. Uma delas a de que esta viso extremamente reducionista, j

    que no leva em considerao fatos que existem na natureza humana mas no podem

    ser efetivamente contados e sentidos fisicamente. Outra crtica vem de psiclogos de

    abordagens mais recentes, e falam justamente desta forma de modelagem de

    personalidade que igualaria o homem a robs e marionetes manipuladas, moldadas e

    controladas pelo meio em que vivem (Guimares, 1998).

    Muito se pesquisou e vrios conceitos foram modificados, adaptados e

    aprimorados, mas esta abordagem, com suas vrias vertentes, resiste at hoje, sendo

    forte ainda em vrias partes do mundo e chamada de primeira fora da psicologia.

    FREUD E A PSICANLISE: A PSICOLOGIA DO INCONSCIENTE

    A abordagem chamada de segunda fora da psicologia a psicanlise. Foi

    fundada pelo austraco Sigmund Freud. A data considerada como de sua fundao o

    ano de 1895, quando Freud publicou, juntamente com o mdico Joseph Breuer, o livro

    Estudos sobre a histeria. A psicanlise surge como uma busca pela cura de certas

    patologias mentais, chamadas de psicopatologias, em especial a histeria. De incio,

    utilizou-se da hipnose, mas acabou por abandonar este mtodo por ser baseado na

    sugesto. Passou ento a desenvolver um mtodo baseado em conversas, que com o

    passar do tempo permitiria a catarse, ou seja, o reviver de certas lembranas ruins,

    tambm chamadas de traumas. Este mtodo evoluiu at a livre associao, onde o

    cliente fala sobre o que tiver vontade e o psicanalista faz interpretaes do material que

    surge atravs desta fala. Estes pontos, que o psicanalista busca, provm do

    inconsciente de cliente. O conceito de inconsciente, como processo mental percebido,

    remonta a Plato, e vrios pensadores, inclusive Descartes, que chegaram a escrever

    sobre o tema (Schultz & Schultz, 1992).

    24

  • Mas foi com Freud que esta idia realmente ganhou fora. Para Freud,

    inconsciente tudo aquilo que est em nossa mente de maneira no claramente

    expressa, ou seja, est guardado. Alguns destes contedos podem ser trazidos com

    rapidez e sem nenhum esforo para o consciente, j outros seriam mais difceis de

    virem tona, principalmente aqueles ligados a sofrimentos e tristezas, medos e

    angstias. Isto se daria motivado por um outro processo descrito por Freud, os

    mecanismos de defesa, que manteriam estas lembranas desagradveis no

    inconsciente. O esforo para manter estas lembranas fora do consciente e a fora que

    estas fazem para sair seriam as bases de algumas psicopatologias.

    Este conceito foi, dentre muitos, uma das maiores colaboraes de Freud para a

    psicologia e muitas abordagens que surgiram depois da psicanlise tambm se utilizam

    do conceito de inconsciente. Freud, com sua teoria, devolveu ao homem a alma, dando-

    lhe o inconsciente e uma teoria na qual o indivduo no apenas resposta a estmulos

    e possui, ao contrrio, um poder maior de influncia em sua prpria existncia.

    Freud tambm desenvolveu outros aspectos importantes na sua teoria, como por

    exemplo, a importncia da sexualidade, da famlia durante a infncia para a formao

    da personalidade do indivduo e a teoria do aparelho psquico ou teoria tripartite: id, ego

    e superego (tambm traduzidos como isso, eu e supereu).

    Sem dvida nenhuma, a psicanlise uma das vertentes psicolgicas mais

    complexas, se no a mais de todas. Seu corpo terico vastssimo e at hoje, em

    vrias partes do mundo, uma das abordagens mais estudadas, discutidas e, apesar

    de toda a polmica que ainda causa, aplicada em diversas reas e circunstncias. a

    mais prxima da medicina, sendo uma das bases da psiquiatria.

    Vocbulos que surgiram aqui, com propsito e uso bem especfico, acabaram

    caindo em domnio pblico com os mais variados significados. Entre estes termos muito

    utilizados pelas pessoas em geral esto ego, depresso, inconsciente e neurose.

    25

  • Na mesma proporo de sua importncia e colaborao, aconteceram as

    crticas. Estas vieram de todos os lados, inclusive de pessoas de fora da psicologia. A

    primeira delas foi justamente a forma como coletava seus dados, uma vez que se

    baseava no que seus clientes falavam e portanto no havia uma mensurao

    considerada cientfica, ou seja, comprovao emprica. Tambm h crticas em relao

    ao desenvolvimento de suas teorias, j que muitos afirmavam que Freud no era claro,

    e pior, muitas vezes se contradizia. Outra, que surgiu principalmente em tempos mais

    recentes, a forma como Freud via as mulheres como seres em eterno sofrimento por

    uma inveja nata do homem.

    Por no ser um dos objetivos deste trabalho o autor no se aprofundar nas

    crticas feitas teoria psicanaltica, uma vez que o prprio Freud em suas Conferncias

    Introdutrias afirmou se sentir livre para mudar de opinio. Quando modificava alguma

    postura, Freud era chamado de volvel e quando permanecia com os mesmos

    conceitos era taxado de teimoso.

    Freud trabalhou com vrios outros grandes nomes, alguns considerados

    discpulos, outros dissidentes e outros ainda descendentes. Entre os que se

    destacaram esto sua filha Anna Freud, Melanie Klein, Alfred Adler, Erik Erikson e Carl

    Gustav Jung. Este ltimo, de grande importncia e relevncia para este trabalho por

    suas teorias inovadoras e por ter lidado com certos assuntos ligados a espiritualidade e

    ao conhecimento religioso de maneira aberta e sem preconceitos. Muitos afirmariam

    inclusive que de maneira corajosa.

    JUNG E A PSICOLOGIA DA TRANSCENDNCIA

    Carl Gustav Jung chegou a ser definido por Freud como um filho adotivo e

    herdeiro aparente do movimento psicanaltico, meu sucessor e prncipe herdeiro

    (Schultz & Schultz, 1992) e, de todos os que tm seu nome associado ao de Freud, foi

    26

  • um dos poucos a j ter desenvolvido uma srie de trabalhos reconhecidos antes de

    trabalhar com o criador da psicanlise.

    Depois de algumas desavenas com Freud, em 1914, Jung d incio a uma nova

    forma de compreender a mente e o homem e esse vis foi chamado de psicologia

    analtica.

    De acordo com Freire (2002) um dos principais pontos de divergncia foi a

    origem da energia motivadora do comportamento, que para Freud era sexual enquanto

    para Jung o aspecto sexual tinha menos importncia, e esta energia poderia ser

    direcionada a qualquer rea.

    Jung focava mais o presente e o futuro, enquanto Freud valorizava mais o

    passado. Na teoria psicanaltica a personalidade moldada por eventos na infncia e

    portanto as caractersticas de uma pessoa, por toda a sua vida, provm desta fase. J

    para Jung, a infncia representa um papel importante no desenvolvimento, mas as

    expectativas futuras tambm ajudam a modelar a personalidade do indivduo. Isto

    poderia ser visto, em Freud, como uma busca pela causa, enquanto em Jung a busca

    pela finalidade.

    Outra grande diferena est na relao como conceito de inconsciente. Jung deu

    muito mais importncia que Freud e acabou por desenvolver a teoria de que a psique,

    termo do qual se utilizava para se referir a mente humana, era constituda de trs

    partes. A primeira era a conscincia, que seria onde se encontram as lembranas, as

    percepes, os conceitos que temos e fazemos de ns mesmos e do mundo ao nosso

    redor. A segunda parte seria o inconsciente pessoal, que ficaria logo abaixo da psique,

    e nesta parte se encontrariam todos os desejos, impulsos, lembranas vagas e outras

    experincias que o individuo teve durante sua vida e que foram esquecidas ou

    negadas. Este material, segundo Jung, poderia ser trazido com facilidade

    conscincia. A terceira parte, chamada de inconsciente coletivo, seria a parte mais

    profunda da psique. Nesta parte estariam todas as experincias de todos os seres, de

    27

  • todos os tempos passados, inclusive, segundo alguns autores, os nossos ancestrais

    homindeos, ou mesmo animais. Estas experincias gerariam tendncias de

    comportamento, vivncias e conceitos em muitas pessoas instintivamente, e foram

    chamadas por Jung de arqutipos. Estes poderiam explicar o comportamento repetido

    de inmeros indivduos em semelhantes circunstncias, mas em situaes e pocas

    diferentes. Tambm explicariam as fantasias individuais e as coletivas, como os mitos e

    lendas.

    Segundo Byington, em seu artigo Transcendncia e Totalidade (2005), dois

    foram os eventos na vida de Jung que o ajudaram a se tornar um dos maiores nomes

    da psicologia em todos os tempos. O primeiro foi o encontro e o trabalho desenvolvido

    com Freud e o segundo, os estudos dos chamados fenmenos ocultos. Ainda assim, o

    autor faz uma ressalva ao considerar que a transcendncia seria a chave para avaliar a

    genialidade de Jung, mas ao mesmo tempo, seria tambm o veneno para reduzir e

    limitar sua obra ao esoterismo. Se por um lado religiosos e positivistas desqualificam o

    trabalho de Jung, inegvel sua contribuio para a humanidade; seja pela criao do

    conceito de arqutipo, seja pelo trabalho desenvolvido corajosamente com as religies.

    O interesse de Jung pelos chamados fenmenos ocultos, que de acordo com

    vrios autores se deu por alguns incidentes inexplicveis com sua famlia,

    principalmente durante sua infncia, abriu as portas da psicologia para os fenmenos

    paranormais e para questes que muitos acreditam pertencer ao reino da religio, mas

    que Jung e alguns outros estudiosos, que vieram posteriormente, acreditavam ter suas

    explicaes na mente humana e em fatores ligados a uma dimenso diferente da

    nossa, e mesmo no descartando a possibilidade de que eram incidentes

    psicopatolgicos, nunca deixaram de acreditar e nem de buscar explicaes no divino,

    no sobrenatural, se embasando em pesquisas e observaes.

    E mesmo que isso trouxesse descrena de parte da comunidade cientfica,

    dentro e fora da psicologia, Jung sempre enfrentou seus detratores. E mesmo tendo

    seu nome e a sua teoria ligados a uma viso pejorativamente mstica, a psicologia

    28

  • analtica ainda hoje uma das mais fortes correntes e qualquer trabalho em psicologia

    que envolva noes que passem por qualquer religio ou conceito religioso, ou ainda

    pesquisas cientificas que busquem conhecimento na rea da religio, mesmo que para

    fazer uma separao entre religio e cincia, como este presente trabalho, acabam

    tendo como fonte e embasamento suas teorias.

    PSICOLOGIA HUMANISTA: A ABORDAGEM DA AUTO - ATUALIZAO

    O prximo grande movimento da psicologia, cronologicamente falando, foi

    chamado de terceira fora e se refere a psicologia humanista. Vrias so as vertentes e

    os grandes nomes ligados a esta viso de homem e de mundo. Todas possuem

    conceitos semelhantes e embasamento em teorias cientficas e filosficas muito

    prximas.

    Este movimento surgiu nos Estados Unidos nos anos 60 como uma oposio s

    duas foras j existentes: o behaviorismo e a psicanlise. Seria na verdade uma

    resposta s limitaes impostas por estas duas abordagens: o behaviorismo tende a

    no aceitar a existncia da conscincia, a introspeco e a dificuldade em lidar com a

    idia de psique de uma maneira que no seja atravs da observao do

    comportamento, enquanto a psicanlise se concentra mais no que patolgico.

    De acordo com Schultz & Schultz (1992) aqueles que buscavam uma nova viso;

    uma nova forma de estudar a psicologia, se opunham forma reducionista e

    mecanicista e que nem todas as experincias conscientes poderiam ser reduzidas

    forma elementar ou ser explicadas como estmulo-resposta, ainda outros no

    aceitavam a idia da personalidade ser determinada pela biologia, por acontecimentos

    do passado e por foras inconscientes. Ao contrrio disso, a psicologia humanista

    nasceu com os seguintes aspectos principais: a nfase na experincia consciente, a

    crena da integralidade da natureza e da conduta do ser humano, o livre arbtrio, a

    29

  • espontaneidade, o poder de criao do indivduo e o estudo de tudo o que fosse

    relevante para a condio humana.

    Ainda de acordo com os autores acima citados, surge assim, desta

    inconformidade com os conceitos em vigncia, a psicologia humanista. O norte

    americano Abraham Maslow considerado o pai espiritual desta vertente e muito lutou

    para que esta tivesse aceitao e respeitabilidade acadmica. Assim como ocorreu nas

    outras duas foras da psicologia, os principais conceitos desta abordagem j existiam.

    Maslow concentrou seus estudos em pessoas saudveis e, a partir destes

    estudos, desenvolveu a teoria de que os seres humanos tm de forma inata uma

    motivao para crescer, para se desenvolver e se realizar de tal forma a atingir uma

    plenitude em suas capacidades e potencialidades. Esta tendncia a buscar sempre

    melhorar potenciais e qualidades foi chamada por Maslow de auto-realizadora.

    tambm de sua autoria a idia de uma hierarquia de necessidades que

    motivam o indivduo. Freqentemente chamada de pirmide de Maslow, esta tambm

    conhecida como a hierarquia de necessidades bsicas de Maslow. Na base da

    pirmide, as necessidades fisiolgicas, como por exemplo, sono, fome, sexo, abrigo e

    outras necessidades corporais; logo acima esto as necessidades de segurana que

    so, por exemplo, a estabilidade, a condio financeira, a ordem e a segurana e

    proteo contra mal fsico ou emocional; um pouco mais acima est a categoria das

    necessidades sociais, que incluem afeto, aceitao, amizade e o relacionar-se com

    outros indivduos; acima desta est a categoria das necessidades de estima, que so

    fatores internos de estima como o amor prprio, a autonomia e a realizao e fatores

    externos como o status, o reconhecimento e a ateno, e na ltima categoria, no topo

    da pirmide, esto as necessidades de auto-realizao, que incluem o impulso de

    algum se tornar o que capaz de tornar-se, atingindo seu potencial, o crescimento e a

    auto-realizao.

    30

  • Com conceitos muito prximos aos de Maslow, Carl Ransom Rogers

    desenvolveu uma teoria semelhante, mas com um ponto de partida distinto. Rogers

    criou sua terapia centrada no cliente, a partir de estudos de pessoas que no eram

    mentalmente saudveis. E a fora que faz com que o indivduo sempre busque

    aperfeioamento, sempre se mova em direo ao que melhor para si foi chamada por

    ele de tendncia a auto-atualizao. Rogers acreditava que as pessoas usam sua

    experincia para se definir (Fadiman & Frager, 1986, pp. 226) ou seja, ningum

    conhece melhor e pode dar uma definio melhor a respeito de um indivduo do que o

    prprio indivduo em questo.

    Utilizando-se da fenomenologia, busca-se ento conhecer o que um determinado

    evento significa para a pessoa que o viveu e o relata, sem tentar enquadrar em

    nenhuma categoria prvia, sem nenhum conceito j existente de quem ouve o relato.

    Desta forma o que ocorre tem a validade e a importncia de quem vivenciou, por mais

    que outros tenham um relato e uma compreenso diferentes. A cada individuo

    atribuda a sua prpria valorao e importncia em relao aos acontecimentos.

    Outra abordagem que tem princpios similares s duas anteriormente descritas,

    entre eles o existencialismo e a fenomenologia, a Gestalt Terapia.

    Esta abordagem surge em 1946, quando seu fundador, o alemo Frederick S.

    Pearls, se muda para os Estados Unidos e rompe com a psicanlise freudiana, com a

    qual vinha trabalhando h muitos anos. Insatisfeito com alguns pressupostos da

    psicanlise e depois de um encontro com o prprio Freud, que considerou frustrante,

    Pearls comea a trabalhar e a desenvolver uma nova forma de ver o homem. Pearls

    no concordava nem com a idia de que o homem tivesse que ser estudado em

    partes, conforme a psicanlise, dividindo em ego, superego e id e inconsciente e

    consciente e nem com o que foi considerado como superficialidade do behaviorismo

    que se limitava ao comportamento, sem buscar mais adiante. Muitas das idias da

    Gestalt Terapia vm justamente da oposio a estes pontos.

    31

  • De acordo com Fadiman & Frager (1986), os principais conceitos desta

    abordagem so a viso do organismo como um todo, ou seja, embora se possa avaliar

    e observar uma parte, no se pode jamais separar esta parte do todo, pois a parte s

    funciona de uma ou outra forma quando no todo. Ao se tirar uma parte do todo,

    perderiam-se ento algumas de suas qualidades, que fora do contexto do todo no

    teriam significado; a nfase no aqui e agora, que a importncia da percepo que o

    indivduo tem no presente de si e do meio em que vive. E, assim como nas duas

    abordagens descritas, a Gestalt Terapia tambm possui em seu corpo terico a

    explicao de uma fora que motiva o indivduo a buscar um aperfeioamento, a buscar

    sempre o que melhor para si e para sua evoluo. Aqui nesta abordagem esta fora

    chamada de auto-regulao. Este processo, assim como tambm nas teorias de

    Maslow e Rogers, se d pelo autoconhecimento, atravs de um processo que a Gestalt

    Terapia chama de auto-apoio.

    Alm desta inteno de sempre ir adiante buscando o melhor para si, as trs

    abordagens, assim como outras que tambm seguem este vis, deram ao homem um

    poder maior sobre sua vida e suas escolhas ao retirar a fora motriz da motivao que

    provm do meio ambiente e de acontecimentos pretritos e, em oposio s outras

    duas foras, do ao homem a intencionalidade e vem o indivduo como seres em

    busca de suas potencialidades.

    PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: O HOMEM BIO PSICO SOCIAL - CSMICO

    Em meados da dcada de 1960, depois da aceitao das idias da psicologia

    humanista, principalmente de Maslow e Rogers, alguns estudiosos comearam a querer

    ir alm do que j estava estabelecido. Comearam a questionar at onde poderia

    chegar o potencial da conscincia humana. Um dos pontos de partida, que tanto

    intrigava os psiclogos, foi a psiquiatria, que dava sinais de que existiria uma variedade

    32

  • de estados de conscincia surpreendentes. Na poca, e de um modo geral at hoje, as

    teorias da personalidade se concentravam no estado de conscincia chamado normal,

    ou seja, o estado de viglia, em que o indivduo tem noo de si prprio e do ambiente

    que o cerca e sabe diferenciar o seu ser de todo o resto a sua volta. Qualquer coisa que

    saia disso corre o risco de se enquadrar nos parmetros da psicopatologia. Ou seja,

    qualquer sintoma ou sinal que uma pessoa apresente fora destes padres descritos

    poder, e, dependendo do contexto, ser considerado sumariamente anormal

    (Guimares, 1998).

    Destes questionamentos e da busca pelo o que est alm do indivduo, e por

    aquilo que comum a todos, surge ento, nos Estados Unidos, a quarta fora da

    psicologia: a Psicologia Transpessoal.

    E foi o mesmo Maslow, que tanto fez pela psicologia humanista, que deu incio a

    essa nova forma de ver a psicologia. Em 1968, declarou que considerava a psicologia

    humanista como uma transio para uma psicologia mais forte, transpessoal,

    transumana, focando o cosmo como um todo e no mais o indivduo isoladamente; algo

    que vai muito alm da condio humana, da identidade e da auto-realizao. Vrios

    psiclogos se juntaram a Maslow nesta forma de pensar e reconheceram a importncia

    da dimenso espiritual da mente humana. Isto ocorreu oficialmente com a publicao

    do artigo Transpersonal Psychology de Antony Sutich, nesse mesmo ano.

    Muito embora no seja um dado oficial, muitos autores consideram Jung o

    primeiro psiclogo transpessoal, e tantos outros ainda o mencionam como a maior

    influncia para o surgimento desta vertente da psicologia. Isto acontece porque nos

    primrdios da psicologia como cincia acadmica reconhecida, Jung teve a coragem de

    romper com os modelos padres impostos poca e tratar abertamente de assuntos

    ligados espiritualidade e a paranormalidade. Jung foi, provavelmente, um marco

    profundo na histria da psicologia. Com ele, a psicologia passou a perceber estados

    mais amplos de conscincia, que estavam alm do j conhecido, discutido e

    pesquisado (Teles, 1989, p. 100). De acordo com o artigo Carl Rogers and

    33

  • Transpersonal Psychology de J. K. Wood (1997), o termo transpessoal foi criado por

    Jung quando escrevia sobre o inconsciente coletivo, querendo se referir a algo alm do

    pessoal2.

    Com o conceito de inconsciente coletivo, Jung j desenvolvia a noo de algo

    que dizia respeito e influenciava todos os serem humanos ao mesmo tempo, ainda que

    cada um de uma forma prpria a sua personalidade. Assim, este enfoque transpessoal,

    como sugere o nome, transcende o indivduo como ser isolado e o v como parte de

    um todo, incluindo conceitos da antropologia, da medicina, da sociologia, da fsica, da

    qumica, da biologia, da astronomia e da metafsica, entre outras. Tem uma viso do

    homem como um ser bio psico social csmico. Vai adiante dos limites da pessoa,

    muito alm do comportamento humano, estudando as suas possibilidades psquicas.

    Na explicao de Guimares (2005) a abordagem transpessoal estuda as

    possibilidades psquicas, sejam mentais, emocionais, intuitivas e somato-sensoriais, do

    ser humano atravs dos diferentes estados ou graus de conscincia pelos quais passa

    uma pessoa.

    O autor ainda exemplifica, para uma melhor compreenso, que estados de

    conscincia so estados que variam de acordo com a atividade e o empenho mental.

    Assim, o estado de quando se dorme diferente de quando se est acordado, estes

    so diferentes de quando se est vendo televiso ou mesmo de quando se est

    resolvendo um problema matemtico. Segue o autor explicando que existem muitos

    estados de conscincia que ainda no so conhecidos, mas que cada em um,

    conhecido ou no, experimentada uma forma diferente de percepo e interpretao

    da realidade. Estes estados entendidos como complementares, e no contrrios.

    Ainda de acordo com o citado autor, a psicologia transpessoal d nfase queles

    estados de conscincia chamados de superiores, espirituais ou transpessoais, em que

    o sentimento de separao e egosmo da lugar a sentimentos e identificao mais 2 The Swiss psychiatrist Carl Jung, while writing on the collective unconscious, is said to have coined the term translated transpersonal. This word continues to mean something like, beyond the personal.

    34

  • amplos, cooperativos, fraternais e transpessoais para com todos os seres vivos. So

    exemplos disso a conscincia crstica, a bdica, nirvnica, universal e ecolgica. O

    autor afirma que alguns grandes mestres da humanidade, em varias reas

    experimentaram picos da chamada conscincia csmica de tal forma que mudaram

    no s suas prprias vidas, mas tambm a de outros. Entre estes estariam mestres

    religiosos como Cristo, Buda e Francisco de Assis; cientficos, como Einstein, Tesla e

    Heisenberg; polticos, como Gandhi e Martin Luther King e artsticos, como Bach e

    Leonardo Da Vinci.

    Quando os autores mencionam estado alterado de conscincia e transpessoal

    esto tambm falando da dimenso espiritual do homem. Por isso tantos nomes

    consagrados na psicologia desenvolveram pesquisas e estudos que buscam

    comprovaes cientficas e seus adeptos fazem questo de esclarecer que, embora a

    psicologia transpessoal investigue fenmenos considerados msticos, no nem

    parapsicologia e nem religio, mas a procura de respostas e comprovaes para aquilo

    que diz respeito mente e ao comportamento humano e que est alm do alcance dos

    cinco sentidos.

    35

  • MEDIUNIDADE

    Sempre houve na histria da humanidade uma crena, quase uma necessidade

    de se explicar certas questes intrigantes para a maioria dos seres humanos. Questes

    que buscavam responder acerca da nossa origem, nosso destino; se havia ordem e

    lgica em nossa existncia; o porqu de certos fatos, fossem bons ou maus, ocorrerem

    na vida de uns e no de outros, sempre instigaram o homem a ir atrs de respostas,

    que estavam de acordo com o pensamento de cada poca. Trs vertentes, j discutidas

    anteriormente neste trabalho, sempre concorreram com respostas para satisfazer esta

    vontade de saber da humanidade. A filosofia, a cincia e a religio buscaram, desde os

    mais pretritos tempos, e cada uma com suas metodologias, chegar a uma concluso

    definitiva. Isso nunca ocorreu, e at os dias de hoje novas teorias e hipteses so

    levantadas, mas postas em dvida e s vezes at derrubadas a cada passo evolutivo.

    Se investigarmos a existncia do homem remontando sua origem, sempre

    encontraremos traos dessa busca por uma razo, uma explicao para

    acontecimentos.

    Esta busca sempre acabava deparando com a existncia de seres constitudos

    de uma matria diferente da nossa que faz com que no os vejamos quando queremos,

    mas ao contrrio, quando estes querem que os vejamos. Viveriam em algum local que

    no a Terra, no dividiriam as mesmas moradas que os humanos que estavam

    encarnados (termo utilizado para se referir aos seres humanos que possuem corpo

    fsico, que pertencem a este plano fsico ou a esta dimenso) mas perto o suficiente

    para estarem aqui quando desejassem. No decorrer da histria da humanidade, vrias

    foram as histrias para dar sentido a suas questes. Fossem deuses, semi-deuses,

    anjos, emissrios, espritos, entidades, guias ou simplesmente seres de outras

    dimenses, esta idia sempre fez parte do imaginrio, das religies e das vivncias de

    todos os povos atravs dos tempos.

    36

  • A MEDIUNIDADE NA HISTRIA DE ALGUNS POVOS

    Os egpcios sempre tiveram uma forte ligao com o chamado mundo dos

    mortos. Alm de toda uma relao com deuses e seus emissrios, havia uma grande

    preocupao com a vida aps morte. Embora alguns estudiosos questionem, at hoje,

    sua real funo, as pirmides so exemplos da preparao para a chegada no local, em

    que se acreditava iriam as pessoas depois de mortas. Uma srie de rituais para a

    preparao do corpo e do esprito, para a passagem para o outro mundo, eram

    realizados. O culto aos mortos era um dos momentos litrgicos mais importantes para

    este povo. Eles acreditavam que tanto os deuses, quanto os espritos dos ancestrais,

    poderiam ser contatados atravs de esttuas. A esttua mais famosa era a de Amon,

    consultada pelos prprios faras antes de tomarem importantes decises. Um de seus

    mais poderosos deuses, Anbis, era o guardio dos portais do mundo dos mortos e

    guia destes no alm.

    Para os antigos gregos; que tambm se comunicavam com deuses atravs de

    orculos, sonhos e mensagens; o mundo dos mortos e de seres, que viveriam em um

    mundo diferente do nosso, sempre esteve presente. Assim como os egpcios, este povo

    tambm tinha um deus que governava o mundo dos mortos, Hades.

    Os prprios hebreus e os cristos, ao escreverem as pginas do livro sagrado

    mais famoso e influente de todos os tempos - a bblia, descrevem vrios incidentes em

    que no seria possvel uma explicao baseada em evidncias cientficas mais

    tradicionais como o empirismo e o positivismo. Encontros com anjos, aparies de

    pessoas, mortos ressuscitados, levitaes, adivinhaes, precognies e luzes que

    parecem surgir do nada demonstram que a bblia um verdadeiro catlogo de

    fenmenos paranormais.

    Mas, apesar da conotao religiosa e mstica, alm de algo fantstico que

    sempre cercou o assunto, algumas pessoas cogitaram a possibilidade da continuidade

    da existncia do ser humano aps a chamada morte fsica. Assim chegaramos a mais

    37

  • uma possibilidade de resposta para certos fenmenos: a existncia de seres humanos

    no materiais, que ainda no passaram pela existncia aqui no planeta Terra ou que j

    passaram e j morreram. Estes seres foram chamados por vrios nomes nas mais

    variadas pocas da Histria, mas hoje so mais conhecidos como espritos.

    Em muitas culturas antigas, acreditava-se que o esprito, ou alma, do homem

    eterno e continua sua jornada em uma outra dimenso.

    A BUSCA PELA VERDADE

    Muitos foram os cientistas que, imbudos de curiosidade e em alguns casos da

    vontade de desmascarar os chamados charlates, depararam com evidncias de que a

    espiritualidade um fato. So destacados a seguir alguns destes cientistas.

    Carl Gustav Jung, que desenvolveu sua tese de mestrado denominada Sobre os

    fenmenos assim chamados ocultos, enfocando as mesas giratrias.

    Gabriel Delanne, engenheiro francs, que escreveu, com embasamento cientifico

    O fenmeno esprita (1893) e A alma imortal (1889) entre vrios outros.

    Camille Flammarion, fundador da Sociedade Astronmica da Frana que

    escreveu vrios livros sobre filosofia e cincia, entre eles As Novas Foras

    Desconhecidas (1907) e O Desconhecido e os Problemas Psquicos (1911).

    Para alguns autores, a histria do espiritismo teve incio em 1848, na cidade de

    Hydesville, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos, quando pela primeira vez se

    pesquisou oficialmente um caso considerado paranormal. Trs irms, Kate, Lia e

    Margareth Fox teriam feito contato com o esprito de Charles B. Rosma atravs de

    pancadas ouvidas nas paredes de casa. poca esta prova de existncia de vida aps

    38

  • a morte foi aceita como verdadeira. Este caso teve grande repercusso na imprensa,

    principalmente porque as irms se dispuseram a fazer testes em vrias comisses de

    anlise, e todas atestaram a veracidade dos eventos. A partir disso comeou-se a

    buscar outros fenmenos parecidos, e esta busca acabou chegando na Europa.

    O fenmeno mais popular naquela poca, sem dvida, eram as chamadas

    mesas girantes, que ocorria quando um grupo de pessoas se sentava em volta de uma

    mesa com as mos sobre a mesma e repentinamente o mvel comeava a se

    movimentar, independentemente da vontade dos participantes. Este fenmeno chegou

    a ser pesquisado nos Estados Unidos, Canad, Alemanha, Itlia, Inglaterra e

    principalmente na Frana.

    Em 1855, em Paris, o professor Hyppollite Leon Denizard Rivail foi chamado a

    assistir a uma destas reunies das mesas girantes. Intrigado com o que viu, o professor

    se lanou na busca pela resposta sobre o que estaria originando aqueles eventos.

    Cerca de dois anos aps aquela primeira reunio, ele chegou a concluso de que a

    mesa giratria era um instrumento de comunicao entre um esprito, uma pessoa j

    morta, e pessoas ainda vivas. Em 18 de abril de 1857, este professor lanou um livro

    chamado O livro dos espritos, sob o pseudnimo de Allan Kardec, pelo qual ficou

    conhecido at os dias de hoje. Este livro considerado, at os nossos tempos, o livro

    base do espiritismo, ou, da doutrina esprita, como chamou o prprio Kardec. Em

    seguida vieram os livros O livro dos mdiuns em 1861, O evangelho segundo o

    espiritismo em 1864, O cu e o inferno em 1865 e A gnese em 1868. Estes cinco

    livros so a essncia de tudo aquilo em que se acredita sobre espiritismo at hoje, e

    seu autor tambm, at o presente momento, reverenciado como a mais importante

    figura deste movimento.

    De acordo com Kardec (2001, pp. 181) todas as pessoas que sentem, em um

    grau qualquer, a influncia dos espritos, por isso mesmo mdium. Ou seja, qualquer

    pessoa que tenha desenvolvido alguma habilidade de comunicao com os espritos

    39

  • mdium. Existem vrias formas de comunicao entre os j mortos com os vivos. Estas

    formas so chamadas de efeitos medinicos.

    Os efeitos medinicos so normalmente divididos em dois tipos: os de efeitos

    fsicos e os de efeitos inteligentes. Os de efeitos fsicos acontecem quando so

    dirigidos a coisas materiais inanimadas. J os de efeitos inteligentes, que so os que

    interessam mais a psicologia, so aqueles que tm efeito sobre o mdium e so

    percebidos pelo crebro atravs dos sentidos.

    Os eventos chamados de medinicos se dividem em vrios tipos, e embora as

    mais variadas classificaes sejam utilizadas, a mais conhecida sistematizao dos

    tipos medinicos , ainda, a construda por Kardec (Zimmermann, 2002, p. 282). De

    acordo com as definies desta sistematizao, explicadas pelo autor acima citado,

    existem duas categorias de mediunidade: a categoria de efeitos fsicos, aquela em que,

    atravs do mdium, h interferncia de entidades chamadas de espritos (princpio

    inteligente, imaterial, dotado de personalidade, criado por um ser superior e que est

    sujeito leis evolutivas) em matria inanimada, como por exemplo a movimentao de

    objetos, batidas, sons e rudos; e a categoria dos efeitos intelectuais, onde os espritos,

    atravs dos mdiuns (pessoas encarnadas) se comunicam por meios inteligentes e

    intencionais como palavras, idias e sinais. As mais conhecidas formas da segunda

    categoria so a psicografia, em que espritos de pessoas j mortas se utilizariam do

    corpo material de mdiuns para escrever desde curtas mensagens at livros inteiros; a

    psicofonia, que ocorre quando um esprito fala atravs do mdium e este fenmeno

    popularmente chamado de incorporao, nome dado pelo fato de o mdium

    aparentemente deixar por algum tempo sua prpria personalidade de lado para que a

    da pessoa morta tome conta e a vidncia, que a capacidade do mdium de enxergar

    espritos. Esta forma tambm a mais confundida com patologias.

    Embora a maioria dos mdiuns tenha uma ou outra habilidade mais

    desenvolvida, ele pode ter vrias outras em diferentes nveis de intensidade. Como

    afirmou Kardec: Concebe-se que deve ser bastante raro que a faculdade de um

    40

  • mdium seja rigorosamente circunscrita a um s gnero; o mesmo mdium pode, sem

    dvida, ter vrias aptides, mas h sempre uma que domina e a que deve se

    interessar em cultivar, se for til. (Kardec, 2001, p. 220).

    Outro ponto de grande relevncia que a mediunidade pode ainda ser

    considerada como positiva ou negativa. considerada positiva quando utilizada para

    o bem comum e considerada negativa quando usada por foras negativas, para o

    mal ou de forma egosta, para vantagens do prprio mdium.

    De uma certa forma esta explicao tambm serve para a compreenso destes

    eventos pela psicologia, pois a mediunidade positiva tem utilidade; possui papel

    funcional na vida do indivduo; est inserida de forma saudvel, ou seja, uma faceta

    de uma pessoa considerada mentalmente saudvel. J a negativa, poderia facilmente

    ser associada a psicopatologias. Tem como conseqncia a dificuldade de adaptao

    social e uma vida considerada fora do normal, sem contar que a mediunidade, desta

    forma, pode ser tambm motivo de sofrimento.

    41

  • PSICOPATOLOGIA

    Desde os mais remotos tempos na histria do homem, houve a necessidade de

    explicar tudo aquilo que podemos ver, mas que no possui uma razo bvia e aparente.

    Os gregos, romanos e egpcios, entre outros, criaram todo um sistema de divindades

    para justificar fenmenos da natureza. Cientistas sempre criaram teorias para explicar

    acontecimentos, desde os mais fantsticos, como os da origem do universo, at os

    mais corriqueiros, aqueles com os quais nos deparamos no cotidiano.

    Uma questo que sempre chamou muito a ateno e provocou a curiosidade de

    cientistas e estudiosos de vrias reas foi a do comportamento humano.

    A poca e o local sempre tiveram influncia naquilo que era considerado normal

    por uma sociedade. Os comportamentos dos indivduos inseridos nestas sociedades

    sempre foram regulados por estes consensos, ainda que sempre houvesse quem se

    rebelasse contra o que estivesse estabelecido. No decorrer da histria vrios fatos que

    eram considerados anormais em um determinado local ou tempo, acabaram por ser

    aceitos num momento seguinte.

    Dentre todos os comportamentos que poderiam ser levantados, ficaremos aqui

    com aqueles que se limitam ao interesse da psicologia.

    Existe uma rea nas cincias da sade mental que trata justamente de

    comportamentos considerados anormais. Esta rea, a psicopatologia, busca a

    explicao destes comportamentos em possveis doenas e no mau funcionamento de

    estruturas psquicas e at mesmo tenta traar correlao entre a conduta no usual e

    eventos de ordem fisiolgica.

    42

  • HISTRICO

    Se hoje a psicopatologia busca se embasar em pesquisas e dados comprovados,

    no foi sempre assim.

    De acordo com Holmes (1997), a busca por respostas sobre o comportamento

    chamado anormal vem desde os tempos bblicos. Segundo o autor, evidncias em

    papiros, monumentos e antigos livros da bblia indicam que hebreus, egpcios e rabes,

    entre outros, acreditavam que indivduos que agiam de forma anormal o faziam por

    influncia de foras sobrenaturais, como por exemplo demnios e espritos do mal.

    Nesta poca o tratamento para tal problema eram rituais, encantamentos e preces,

    embora em alguns casos se tenha o conhecimento de que se utilizava punio fsica,

    como apedrejamento.

    Ainda de acordo com Holmes, Hipcrates, o chamado pai da medicina,

    desenvolveu uma teoria na qual o crebro seria o rgo responsvel pelo

    comportamento e, por conseqncia, pelos comportamentos anormais isolados ou por

    aqueles que eram muito freqentes em um mesmo indivduo, num conjunto chamado

    de transtorno mental. Esta foi a primeira verso de uma perspectiva fisiolgica que

    explicasse tais eventos. O tratamento aqui era o uso e controle de certas substncias,

    dietas e tratamento sobre o comportamento. Os indivduos atingidos por transtornos

    eram considerados e tratados como doentes.

    Na idade mdia, por causa da religio ter se tornado uma fora muito poderosa,

    seus conceitos acabaram prevalecendo em todas as reas do conhecimento, inclusive

    na sade. As idias de Hipcrates e seus seguidores deixada de lado e a vida vista

    como uma constante luta entre o bem e o mal. As foras do mal, comandadas pelo

    demnio, afligiam certos indivduos que, segundo estas idias, tinham por

    conseqncia o comportamento anormal. Como na antiguidade ento, o sobrenatural

    era o responsvel por transtornos mentais. A grande diferena era de que nesta poca

    43

  • os exorcismos eram realizados de forma brutal e violenta. Apedrejamentos e torturas

    das mais cruis eram realizados pelos membros da igreja, que chegaram a queimar

    vivas pessoas que eram consideradas possudas. Aqui os doentes mentais eram vistos

    como uma ameaa sociedade e suas mortes uma forma de proteger os chamados

    sos.

    A primeira entidade especializada em cuidar de doentes mentais que se tem

    notcia foi o hospital Saint Mary of Bethlehem, em Londres, em 1547. Ainda assim,

    como todos os que surgiram poca, era mais uma priso do que um hospital

    propriamente. Os internos eram meramente trancafiados, sem maiores cuidados, e at

    ingressos eram vendidos para que o pblico visse os doentes como uma atrao.

    Em 1792, em Paris, Philippe Pinel, com a idia de tratar os doentes de seu

    hospital, o La Bictre, como pacientes, e no como aberraes, mandou que todos

    fossem desacorrentados e colocados em alojamentos mais humanos. Mais ou menos

    na mesma poca, na Inglaterra, William Tuke e os Quakers criaram um local em

    propriedade rural onde indivduos com transtornos mentais podiam usufruir dos poderes

    teraputicos, assim considerados por este grupo, de repouso, ar fresco e exposio

    natureza. Em 1783, Benjamin Rush, o pai da psiquiatria norte-americana, introduz

    tratamento humanitrio no Pennsylvania Hospital.

    A noo de que os transtornos mentais tinham causas psicolgicas surge na

    Europa no sculo XIX. Nomes como o de Franz Anton Mesmer, surge nesta poca

    como estudioso do comportamento anormal. Jean-Martin Charcot, trabalhando no

    mesmo hospital em que um sculo antes Pinel mandou que os pacientes fossem

    desacorrentados, buscava respostas para as causas de um transtorno chamado

    histeria, em que no havia nenhum indcio de causa orgnica. Ainda assim, entre os

    sintomas podiam ser encontrados cegueira, paralisia, dor e convulses. Charcot

    acreditava que havia uma ligao entre a histeria e a hipnose, pois pessoas atingidas

    por aquele transtorno eram facilmente hipnotizadas e sintomas, usualmente, eliminados

    e novos podiam tambm ser induzidos. De incio Charcot acreditava que isso era

    44

  • causado por fraqueza neurolgica, ou seja fsica, mas depois que testes com pessoas

    normais apresentaram resultados iguais, ou seja, tambm podiam ser hipnotizadas e ter

    sintomas induzidos, passou a acreditar que na verdade eram efeito de sugesto, e

    portanto tinham causa psicolgica. Charcot foi uma das maiores influncias no trabalho

    de Freud.

    Em torno do mesmo perodo em que Charcot fazia estes experimentos, o mdico

    vienense Josef Breuer tratou uma mulher que apresentava uma srie de sintomas de

    histeria. Breuer se utilizou da hipnose para tratar o problema, que ficou conhecido como

    o caso de Anna O. Freud se juntou a Breuer para resolver este caso e a partir da

    comeou a usar a hipnose para fazer suas investigaes.

    Muitos outros profissionais de vrias outras reas, inclusive da psicologia, como

    os psicanalistas, os behavioristas e os transpessoais, pesquisaram as causas de

    comportamentos considerados anormais, de transtornos mentais e de quadros

    considerados patolgicos e muitas foram as colaboraes.

    CONCEITOS DAS ESTRUTURAS DE PERSONALIDADE

    De acordo com os conceitos da psicanlise, que so os que mais interessam a

    este trabalho, por melhor esclarecerem certas questes, existem trs estruturas de

    personalidade: a neurose, a perverso e a psicose.

    NEUROSE

    A neurose se apresenta como um conjunto de sintomas que, embora sejam

    desprazerosos e at mesmo dolorosos, podem ser considerados benignos por no

    45

  • impedirem que o indivduo viva em sociedade. Neste caso no h uma quebra da

    realidade e a pessoa atingida, mesmo que negue, tem conscincia de seus sintomas,

    mas no consegue modific-los. Para Freud, so causados por conflitos internos e na

    maioria das vezes inconscientes. Para Jung a neurose um mau ajustamento

    decorrente do conflito entre o que o indivduo potencialmente e a vida que est tendo.

    Os sintomas seriam uma tentativa inconsciente de cura, como se o inconsciente

    chamasse a ateno da pessoa para o conflito.

    So exemplos de neuroses: os transtornos fbico-ansiosos, que se caracterizam

    quando h ocorrncia de um medo anormal, desproporcional e persistente de um objeto

    ou situao em especfico, como por exemplo a claustrofobia, que o medo de lugares

    fechados; o transtorno ansioso, em que a ansiedade toma conta do indivduo, podendo

    causar sintomas cardiovasculares, sudorese, opresso no peito e vmito entre muitos

    outros. Neste caso a ansiedade compromete o funcionamento do indivduo,

    perturbando a ateno, a memria, a concentrao e em casos mais graves, a

    percepo da realidade.

    Os transtornos histrinicos ou histricos so aqueles em que h ocorrncia de

    teatralidade e grande sugestionabilidade, necessidade de constante ateno e, muitas

    vezes quase de forma inconsciente, manipulao, atravs do emocional, das pessoas

    com quem convive. Algumas pessoas atingidas por este transtorno podem desmaiar,

    ficar paralisadas, sem fala, cegas, trmulas. Existe uma grande variedade de sub-

    divises deste tipo de transtorno neurtico.

    Para Davison & Neale (2003), os transtornos obsessivos-compulsivos tm como

    principal sintoma a incapacidade do indivduo de controlar manias, que podem surgir na

    forma de comportamentos, rituais que so sempre repetidos e pensamentos intrusivos,

    desagradveis e muitas vezes absurdos, chamados tambm de obsesses, por serem

    recorrentes e incontrolveis. como se a mente do indivduo fosse invadida por

    pensamentos persistentes e incontrolveis, que o fazem sentir-se obrigado a repetir

    incansavelmente certos atos. Por mais que o indivduo tenha conscincia destes atos,

    46

  • no consegue deixar de pratic-los causando angstia, alm dos prprios rituais que

    podem interferir em sua vida.

    PERVERSO

    A perverso uma estrutura vasta e nela se incluem aqueles indivduos que

    utilizam substncias qumicas com freqncia e aqueles que so chamados adictos.

    Entre estas substncias se incluem o lcool, a cocana, as anfetaminas e, com alguma

    controvrsia, o cigarro. Esto aqui tambm, nesta estrutura de personalidade os

    paraflicos, que so aqueles que possuem atrao sexual por objetos incomuns ou

    atividades sexuais que no so comuns na natureza.

    Como descrevem Davison & Neale (2003), nesta estrutura est tambm a

    psicopatia. Esta patologia se caracteriza pelo encantamento que o perverso gera nos

    outros, ou seja, costuma ser sedutor e atravs desse encanto natural aparece a

    manipulao, pois usa os outros a sua volta para conseguir o que deseja sem nenhum

    escrpulo. Outras caractersticas so: mentiras sistemticas, o perverso se utiliza

    destas como uma ferramenta imprescindvel sua seduo, para escapar de situaes

    desagradveis e qualquer outra situao em que ache necessrio e o faz sem nenhum

    sentimento de culpa ou remorso, ou preocupao com a pessoa para quem est

    mentindo; comportamento fantasioso, por se considerar o centro merecedor das

    atenes, prefere agir, incluindo a as mentiras, de forma a criar uma situao em que

    seja o melhor, o mais rico, o mais poderoso e assim por diante; ausncia de

    sentimentos afetuosos, h um desapego dos sentimentos, no h manifestao de

    sensibilidade e se mostra indiferente aos sentimentos alheios, no demonstra nem

    importncia por laos familiares e geralmente no consegue compreender os

    sentimentos alheios mas, por ter conscincia das circunstncias e como forma de

    manipulao, pode em vrios momentos simular, se assim for de sua co