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    REVISTA VIRTUAL DE

    PSICOLOGIA HOSPITALAR

    E DA SAÚDE

    ψ psicópio

    ©

    PS ICÓP IO

    EditorSusana Alamy

    Ano 2 - Número 4 - Agosto-2006 a Janeiro-2007Edição Semestral - Distribuição Gratuita

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    Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4.  i

    PSICÓPIO: REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDERevista Semestral – Distribuição Gratuita

    Ano II, Número 4, Agosto-2006 a Janeiro-2007

    Editor: Susana AlamyIdealização e Realização, Capa , Editoração Eletrônica, Diagramação e Arte Final: Susana Alamy

    WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleão

    Conselho Editorial:Susana Alamy   - psicóloga clínica e hospitalar, psicoterapeuta, professora de psicologia hospitalar e supervisora deestágios em Belo Horizonte/MG. CRPMG 6956 Elisângela Lins – psicoterapeuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR – Centro de EnsinoSuperior de Rondonópolis. CRPMT 1281-2 Luciane Jordão Pereira   - psicoterapeuta, psicóloga clínica, gestora em saúde da Prefeitura Municipal de Itabira/MG.CRPMG 18744Glenda Rose Gonçalves-Chaves - advogada, bacharel em Letras, mestre em Direito Internacional e Comunitário (PUC-Minas), mestranda em Literatura Brasileira (UFMG), professora de direito constitucional no Centro Universitário

     Newton Paiva (BH/MG) e UNILESTE (Centro Universitário do Leste de Minas Gerais).

    Direitos AutoraisOs direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao Editor de Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar eda Saúde, Susana Alamy. Copyright  © Susana Alamy. Todos os direitos reservados. Esta revista é protegida por leis deDireitos Autorais (Copyright ) e Tratados Internacionais. É permitida a sua duplicação ou a reprodução deste volume,em qualquer meio de comunicação, eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou impresso, desde que integralmente. Areprodução parcial poderá ser feita somente mediante a autorização expressa dos autores dos artigos e do editor darevista.

    Para citação da revista na bibliografia:ALAMY, Susana (Ed.). Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.2, n.4, ago.

    2006-jan. 2007. Disponível em: . Acesso em: (dia em números)(mês abreviado em letras minúsculas) (ano).

    Para citação de artigos da revista na bibliografia - modelo:(Sobrenome do autor em letras maiúsculas), (nome do autor com a 1ª. letra maiúscula e as demais minúsculas). (Nomedo artigo em letras comuns). Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.2, n.4,ago. 2006-jan. 2007. Disponível em: . Acesso em: (dia emnúmeros) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano).

    Fale com o EditorE-mail: [email protected] ou [email protected]

    Correios: Av. Prudente de Morais, 290 sl. 810Bairro Cidade Jardim30380-000 Belo Horizonte / MG

    Telefone: (31) 8774-3028

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    PSICÓPIO: REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDERevista Semestral – Distribuição Gratuita

    Ano II, Número 4, Agosto-2006 a Janeiro-2007

    SUMÁRIO

    Editorial ............................................................................................................................................................................................... iii

    A Psicologia e a Paciente Obstétrica: um estudo de caso ........................................................................................................... 04 Danielle Silva Veiga (Rio de Janeiro/RJ) 

    Gravidez de Risco: riscos da hospitalização ................................................................................................................................. 10Camila Aparecida do Nascimento (Jundiaí/SP) Maria Eugênia Scatena Radomile (Campinas/SP)

    Atuação da Psicologia junto à Unidade Neonatal de uma Maternidade Pública: relato de uma experiência acadêmica 14 Ana Paula de Almeida Pereira (Rio de Janeiro/RJ) 

    Atendimento Digno na Terminalidade da Vida - Caso J.K.L. ................................................................................................... 27

     Marta Betania C. T. Luzete (Brasília/DF) 

    Os Estágios da Dra. E. Kübler-Ross e a Análise de uma Psicóloga - O Caso Dinha ............................................................ 33 Delma Matoso Tarbes Vianna (Rio de Janeiro /RJ)

    VIH/SIDA e Estigma ......................................................................................................................................................................... 36Vanina Ribeiro (Angola/África)

    Técnicas Lúdicas de Intervenção Psicológica com Crianças Submetidas ao Transplante de Medula Óssea .................... 39 Andréa Lino e Silva Cunha (Goiânia/GO) Patrícia Marinho Gramacho (Goiânia/GO)

    Asilamento e Hospitalismo: um dilema ......................................................................................................................................... 52

     Juliana Cozoli (Amparo/SP)  Maria Eugênia Scatena Radomile (Campinas/SP)  

    Relato de um atendimento - Paciente A.L.V.D. ........................................................................................................................... 56Verônica Trombini Ferreira (Belo Horizonte/MG)  

    Links – Publicações Virtuais n.1 .................................................................................................................................................... 59

    Eventos ................................................................................................................................................................................................ 60

     Normas para envio de artigos .......................................................................................................................................................... 61

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    Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Ago 2006-Jan 2007, Ano 2, n.4.  iii

    EDITORIAL

    É com alegria que comemoramos o final do nosso 2º. ano de publicação da  Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, com inúmeros artigos enviados e publicados, entregando agora a vocês a revista número 4.

    O número de artigos enviados e baixados gera em todos nós a satisfação de realizarmos um trabalho com qualidade que pode ser obtido gratuitamente através da internet.

    Recebemos inúmeros artigos, mas nem todos conseguimos publicar, pois fogem ao propósito desta revista. No entanto,seus autores podem revisar o trabalho enviado e reenviá -lo oportunamente para nova avaliação e possível publicação.

     Nosso objetivo inicial mantém-se, que é o de propiciar a aproximação de conhecimentos através de artigos, relatos pessoais, técnicas e vivências, sempre aprendendo com os autores que nos brindam com seus escritos. Agradecemosaqui a todos que contribuem para a realização deste nosso sonho e a todos que se manifestam através de e-mails,mensagens e fóruns.

    Trazemos neste número os artigos: A Psicologia e a Paciente Obstétrica: um estudo de caso ( Danielle Silva Veiga),Gravidez de Risco: riscos da hospitalização (Camila Aparecida do Nascimento e Maria Eugênia Scatena Radomile),Atuação da Psicologia junto à Unidade Neonatal de uma Maternidade Pública: relato de uma experiência acadêmica( Ana Paula de Almeida Pereira), Atendimento Digno na Terminalidade da Vida - Caso J.K.L. ( Marta Betania C. T. Luzete), Os Estágios da Dra. E. Kübler-Ross e a Análise de uma Psicóloga - O Caso Dinha ( Delma Matoso TarbesVianna), VIH/SIDA e Estigma (Vanina Ribeiro), Técnicas Lúdicas de Intervenção Psicológica com CriançasSubmetidas ao Transplante de Medula Óssea ( Andréa Lino e Silva Cunha e Patrícia Marinho Gramacho), Asilamento eHospitalismo: um dilema ( Juliana Cozoli e Maria Eugênia Scatena Radomile), Relato de um atendimento - PacienteA.L.V.D. (Verônica Trombini Ferreira), agenda de eventos e links interessantes. Temas que não se esgotam e que

     poderão ser trazidos novamente nos próximos números.

    Agradecemos a todos que colaboraram nesta edição, aos pacientes , aos professores e supervisores que incentivam seusalunos a produzirem e publicarem seus escritos, prática que muito valorizamos.

    A responsabilidade pelos artigos publicados é inteiramente de seus autores e as opiniões expressadas nos mesmos nãonecessariamente condizem com a opinião do Editor.

    Todas as correspondências deverão ser encaminhadas para a Psicópio, e-mail: [email protected]. Ose-mails que forem dirigidos aos autores das matérias publicadas serão repassados aos mesmos.

    Desejamo -lhes uma boa leitura e esperamos sua colaboração com o envio dos seus escritos e ajudando-nos a divulgar a

     Psicópio.

    Sejam bem-vindos!!!

    Com o meu abraço,

    Susana AlamyInverno de 2006

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    A PSICOLOGIA E A PACIENTE OBSTÉTRICAUM ESTUDO DE CASO

    Danielle Silva Veiga1 

    São muitos os livros na atualidade que tratam da relação mãe/bebê e das características psicológicas deste período tãodelicado que é a gravidez. Pode-se citar, como exemplos, os livros clássicos de Maria Teresa Maldonado, Raquel Soifer

    e os mais recentes como “Palavras Para Nascer” de Miriam Szejer. No entanto, ainda percebe-se a falta de exemplos práticos acompanhando as explanações e mesmo quando estes aparecem na literatura, são de pessoas de alto nível socialou de outras culturas. Sabe-se que no Brasil a maioria dos psicólogos hospitalares ainda atua em hospitais públicos,

     portanto, com uma clientela do SUS de baixa renda. Por isto, este trabalho baseia-s e no relato de uma paciente atendidanum Hospital Maternidade no ano de 2003 pela autora, paciente esta que é de nível sócio-econômico baixo e reflete

     bem as características desta população mais comumente atendida pelos psicólogos hospitalares.

    Os relatos foram obtidos através de entrevistas semi-dirigidas que visavam obter o maior número possível deinformações sobre o passado e o presente da paciente. Os itens da entrevista se referiam a: idade, informações sobre os

     pais da paciente, sua infância, seu relacionamento e gravidez atuais, suas gravidezes passadas, sua escolaridade e profissão e informações e impressões sobre a internação atual. Alguns dados podem estar faltando, pois os assuntoseram discutidos de acordo com a vontade e disponibilidade da paciente que, muitas vezes, desejava falar de outros

    assuntos que a preocupavam naquele momento. O caso que se segue foi escolhido pelo maior número de contatos tidoscom a paciente, pela mesma apresentar-se tranqüila e sorridente à primeira vista (aparentando não precisar de ajuda) e

     pelo histórico anterior de problemas no parto.

    MARIANA: UM EXEMPLO DE ATENDIMENTO NA REDE PÚBLICA

    A) PRIMEIRA CONSULTAO primeiro contato com a paciente, que chamarei de Mariana (nome fictício), deu-se no dia 12 de maio de 2003 em seuleito. Apresentei-me e disse que fazia parte da equipe de psicologia e que aquela era uma visita de rotina para sabercomo ela estava passando. Comecei então a fazer as perguntas da entrevista começando do passado para o presente da

     paciente, ao que ela foi respondendo bastante solícita. Segue-se o histórico da primeira consulta:

    Mariana tem 27 anos, é natural do Espírito Santo e filha única. Seu pai abandonou sua mãe ao saber que ela estavagrávida. A mãe posteriormente casou-se com um oficial da Marinha que a tratava como sua própria filha. Até hoje a

     paciente o chama de pai. A mãe separou-se do padrasto por conta de suas constantes viagens, mas mantém uma relaçãoamigável. Mariana diz que nunca conheceu o pai verdadeiro e nem possui este desejo.

    Aos 12 anos teve seu primeiro emprego entregando panfletos no sinal. Gostava do que fazia e não trabalhava porobrigação. Nesta época descobriu-se hipertensa, assim como a mãe, que, segundo ela, também tem um mioma(“tratado”), sua coluna é em forma de S e tem nódulos nos seios que não quer verificar com medo de que seja câncer.Tem os nódulos há 4 anos. Logo após comentar sobre isso a paciente diz: “Minha mãe é doente e toda cheia de

     problema! Mas olhando ninguém diz que ela é doente.” E “ Se não era câncer, agora já v irou, né?”.

    Trabalhou em diversos locais como supermercado, escritório de contabilidade e loja de roupas.

    Aos 16 anos casou-se. Sua primeira gravidez foi traumática, perdeu o bebê no sexto mês por causa da pressão alta.Engravidou novamente um tempo depois e teve o bebê a termo. A filha hoje está com nove anos. Após dois anos decasamento, separou-se porque o marido não quis assumir a filha, “só queria saber de jogar dinheiro fora”(sic). Nuncamais o viu, diz que ele não tem contato com a filha. Quando a filha estava com quatro meses, conheceu um rapaz notrabalho e foi morar com ele. Engravidou novamente e aos sete meses de gestação teve de ser internada por perda delíquido amniótico. Estava também com dois centímetros de dilatação, permanecendo assim por uma semana. Foi levadaàs pressas para o pré-parto com pré-eclâmpsia, diz que os médicos forçaram o parto causando a morte do bebê. “Ele

    1 Psicóloga, CRP 05/31191. Especializanda em Psicologia Hospitalar – Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro/RJ.

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    morreu se debatendo na minha barriga, rodando...”, disse ela. Engravidou novamente e perdeu outro bebê aos quatromeses por hemorragia.

    O marido tem duas filhas de um casamento anterior. A mais velha não tem contato com eles. A mais nova, de 14 anos,mora com eles desde os 6, sendo adotada por Mariana como uma filha. Diz que esta enteada, que chamaremos deRaquel, passou a rejeitá-la e a dizer coisas horríveis sobre o bebê, “chamá- lo de ‘troço’”. Segundo Mariana, a irmã maisvelha quer a guarda da mais nova para ficar com a pensão de 900 reais e por isso “envenena” a irmã contra ela. Omarido não quer dar a guarda para a filha mais velha. Sobre Raquel, Mariana diz : “Não tem motivo pra ela ter ciúme.Sempre fiz as coisas pra ela. Meu marido sustenta ela. Eu converso sobre tudo de tudo. Explico como é, que é só pra seentregar quando gostar de alguém, tanto que várias coleguinhas dela já apareceram grávidas e ela namora, dorme forade casa e nada. Ela não vai fazer como eu que não sabia das coisas, também fiz porque quis. Talvez ela espere até uns18 anos (risos).” Nesse momento a paciente do leito ao lado comenta : “A gente nunca quer que elas façam como agente. É faça o que eu digo e não faça o que eu faço.”. Ambas riem e ela prossegue, agora num tom sério: “Ela memaltrata muito, disse coisas horríveis pro bebê. Dói porque é um filho seu que você está gerando. També m não falo comela. Vai continuar assim, não merecia isso dela.”

     Na gravidez atual não teve pressão alta. Estava com 34 semanas de gravidez, mas não tinha certeza, pois , segundo ela,os médicos a cada semana informavam uma idade gestacional diferente. Se internou no final de semana anterior àconsulta. Em outro momento da entrevista falou bem da enteada Raquel e do marido dizendo que ele ainda não temfilhos com a mulher que ama. Diz que se dão bem e que ele é uma pessoa tranqüila. Estava desempregado e arrumouum serviço poucos dias antes da consulta.

    Mariana foi demitida de seu último emprego pouco antes de saber que estava grávida, mas já conseguiu outro porintermédio da sogra. Mostra-se aflita com a saúde da mãe pois “ela é tudo pra mim”(sic) e foi ela quem os sustentoudurante o desemprego. Diz que a sogra é uma ótima pessoa e não implica com ela.

    B) SEGUNDA CONSULTAQuando cheguei Mariana estava chorando. Disse: “Daqui a pouco vou matar um aqui. Vou fazer uma loucura. Quandomeu marido vier aqui vou assinar a minha alta. Ninguém diz o que está acontecendo com meu filho. Uns dizem que

    estou com 34 semanas. Aí me disseram hoje que estou com 33. Amanhã vou estar com 32. Daqui a pouco estou com 10meses de gravidez e não sei. Me disseram que eu estou com infecção mas infecção porquê? Não sei se eu perdi líqüido.Falei pra médica uma vez que a minha calcinha tava molhada mas eu não sabia porquê, só o exame podia saber se eu

     perdi líquido. E o meu filho? Eu tô com infecção e eles não fazem nada? Eles só dizem isso, que eu tô clinicamentenormal sem perda de líqüido mas e esses leucócitos? É o que? Tem que saber! Eu tô morrendo de medo. Eu já perdi 3nenéns, todos os meus partos foram induzidos porque a dilatação não completa. Meu marido tá uma pilha com isso, elequer muito esse filho.” Nesse momento Mariana começa a chorar e demonstrar sua raiva enquanto arruma a cama.

    Ela me conta que chegou a começar um segundo grau técnico em enfermagem, mas parou por causa da filha. Diz quequer terminar e ser enfermeira formada. “Acho que não é porque eles são médicos que são mais do que eu. Sóestudaram um pouco mais. Tem que haver troca. Se eu quiser ser ajudada, tenho que dar informações pra eles.”

    Começa a contar sobre seus partos: “Do neném de sete meses foi horrível. Eu já tinha comprado tudo. Tava tudo pronto.Os médicos foram forçar meu parto normal, minha pressão subiu rápido. Não adianta, eles não fazem nada do que agente fala. Eu já disse que eu só tenho parto induzido, meus médicos estouram minha bolsa na sala de parto. Minhadilatação não completa...”. Então, volta a falar da questão da infecção: “Eu cheguei aqui sem infecção nenhuma. Pranão dizer que eu tô ficando pirada pedi pro meu marido trazer todos os meus exames anteriores. Tô igual a um zumbiaqui nesse hospital: não durmo, não como direito e isso só está fazendo mal prô meu neném.”

    C) TERCEIRA CONSULTAMariana diz está conformada mas está um pouco emburrada. A médica entrou no quarto e disse que está tudo bem. “Deixa só acontecer alguma coisa prá eles verem – diz Mariana. Não vou perder mais outro bebê. Eles estão esperandoeu ‘empacotar’, aí vai ser tarde (risos). Infelizmente, e Deus me livre, eles esperam acontecer alguma coisa.” Pouco

    depois Mariana estava rindo e brincando com a paciente ao lado (uma jovem de 16 anos, primeira gravidez) e

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     perguntando se ela estava com saudades dela. Comentou uma brincadeira que fez com a médica que fez seu exame detoque e disse que ia esperar prá ver.

    D) QUARTA CONSULTADescobriu-se a razão dos leucócitos e das dores nos quadris que Mariana sentia (ela queixava-se de freqüentes dores nacoluna lombar e achava que era do colchão). Ela está com cálculo renal. Naquele dia a obstetra deslocou a bolsa parainduzir o parto. Rapidamente a paciente chegou a 3 centímetros de dilatação. Estava andando pelo corredor quandocheguei, disse que ficou aliviada pelo parto ter sido logo.

    Depois desse dia não vi mais Mariana por conta de outros casos que precisei atender. Soube pelas médicas que o bebêhavia nascido três dias depois da quarta consulta e Mariana o havia levado para casa dois dias depois do parto (cesáreo).

    Impressões da Entrevistadora: Mariana era uma pessoa bastante risonha e adorava contar piadas e brincar com osmédicos dizendo que eles iriam sentir saudades dela. Quando falava de sua vida, usava um tom de superioridade esegurança como se fosse uma pessoa determinada, independente. Em outros momentos expressava sua raiva peloatendimento médico que considerava precário e demonstrava claramente o medo de perder o bebê. Tratava as colegasde quarto de forma carinhosa e preocupava-se com o estado de saúde delas inclusive querendo visitar uma delas quandoteve o bebê. Ficou bastante mobilizada quando ambas tiveram alta e novas pessoas foram internadas em seu quarto,dizendo que só ela não tinha alta.

    CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASOAlguns aspectos são bastante claros na fala de Mariana e parecem ser aspectos chaves para que se possa compreendersua situação psicológica. São eles:

    1) Relação de conflito com a enteada Raquel2) Relação de dependência da mãe/marido3) Medo da morte (dos bebês e dela própria)

    Falemos agora de cada aspecto separadamente:

    RELAÇÃO DE CONFLITO COM A ENTEADA RAQUELOs dados que possuímos sobre a enteada de Mariana, Raquel são: é uma menina de 14 anos cuja mãe não quis cuidar(isto foi relatado por Mariana) e que foi adotada aos 6 anos por Mariana que cuidou dela como sua própria filha. Elas sedavam bem até a gravidez atual de Mariana, que Raquel passou a hostilizar.

    Fica bastante clara na fala de Mariana a decepção com Raquel por hostilizar sua gravidez e o medo que isto provoca. Nas classes baixas ainda é muito comum o “pensamento mágico”. Se acredita que ao falar ou pensar determinada coisa,esta coisa ocorrerá na realidade. Um exemplo claro é o caso da palavra câncer que se dita poderia causar câncer em

    quem diz. Parece que se evitando a palavra se evitaria a doença. Mariana parece sentir as ameaças de Raquel como podendo realizar-se de verdade. Já havia um medo de não concretização da gravidez devido às perdas anteriores, a istose soma a “praga” rogada por Raquel que desejava a morte deste filho. A menina parece estar com ciúmes desta criançaque poderá vir a ocupar o seu lugar, ela ficaria sem mãe e sem madrasta.

    A frustração pelo comportamento de Raquel, o medo de que sua “praga” se concretize e o medo de perder mais bebês pelas situações vividas anteriormente, tornam-se somados, uma grande fonte de estresse para Mariana, o que a sujeitariaa mais risco de complicações na gravidez, o que efetivamente ocorreu já que Mariana teve de ser internada durante agravidez e teve um parto prematuro.

    Surpreende o fato de justamente nesta gravidez Mariana não estar hipertensa. É conhecida a relação que os estudos

    fazem da hipertensão com a raiva reprimida (Maciel, 1994) e este parece ser o caso de Mariana, que disfarça sua raiva

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    através de risos e brincadeiras, mas em alguns momentos permite que ela apareça francamente. Pode-se supor que comos ataques claros de Raquel à gravidez, Mariana expresse em casa esta raiva verbalmente, no entanto, é apenas umahipótese. É também conhecida a associação dos rins com o sentimento de medo também bastante clara na fala deMariana. Fica-nos um ponto de interrogação acerca desta questão.

    RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DA MÃE/MARIDOAo ouvir o discurso de Mariana, podemos cair na tentação de considerá-la uma pessoa determinada e independente. Noentanto, ao ler nas entrelinhas podemos perceber como isto não é verdade. A frase sobre a mãe: “Ela é tudo prá mim.”Revela traços infantis de dependência. Quando Mariana diz sobre o marido: “Ele não teve ainda filhos com a mulherque ele ama.”, Mariana também nos revela a insegurança sobre seu casamento e o medo de que o marido a abandone

     por ela não conseguir ter filhos. Fica mais claro na frase “Ele queria muito esse filho.” Apesar dos abortos , Marianacontinua tentando e à custa de muito sofrimento. Mariana é uma pessoa cativante e àquela altura conhecida das pessoasdo hospital por seu jeito brincalhão. Isto parece ter sido uma saída encontrada por ela para “conhecer melhor oinimigo”, ou seja, neutralizar um pouco a perseguição que sentia por estar hospitalizada novamente, vendo o quadro deseus abortos anteriores repetir-se, uma forma de ser ouvida pelos médicos que simpatizaram de início com ela.

    MEDO DA MORTEMariana revela também seu medo da morte dos bebês e de não ser uma mulher fértil. Culpa os médicos e sua falta deescuta (que em parte ocorre mesmo) e tira de si toda a responsabilidade pelo insucesso de suas gravidezes. Não podesuportar este peso sozinha. Mariana não conta, mas seu marido, que deseja muito um filho dela, pode estar insatisfeito,

     pressionando -a verbalmente ou não dizendo nada, mas sentindo-se muito infeliz com cada fracasso.

    Mariana também revela com palavras seu enorme medo da morte, em um desses partos ter uma complicação e“empacotar” como ela mesma diz e depois ri, tentando amenizar a situação, bastante persecutória para ela. Esta falha

     parece um lapso, parece que saiu sem querer. O medo de Mariana não é apenas fantasia. Em alguns hospitais a situaçãoé precária. O fato dos médicos não ouvirem seus apelos também contribui para efeitos iatrogênicos, já que a pacienteconhece melhor seu corpo do que qualquer outra pessoa. Mariana sente-se uma sobrevivente. Perdeu seus bebês massaiu ilesa de seus partos traumáticos.

    OUTROS ASPECTOSOutro aspecto que nos chama atenção é o fato de Mariana querer ser enfermeira. Isto nos mostra seu lado de querercuidar dos outros como já faz co m as pacientes dos outros leitos. Mostra-nos que não se sente bem cuidada pelos outros.Mostra sua vontade de entender o jargão e a conduta médicos para não ser mais “enganada” e poder argumentar. Mostratambém seu desejo de lidar melhor com a morte. Há estudos que mostram que a escolha da medicina se dá para algumas

     pessoas pelo desejo de temer menos a própria morte ou curar os outros ou a si próprio , creio que se passe o mesmo naenfermagem. O curso de técnico em enfermagem também é um meio rápido e mais barato de entrar no mercado detrabalho para as classes populares.

    Mariana mostra-nos, de forma geral, sua força para encobrir sua fraqueza e suas reivindicações para encobrir seudesamparo e sua impotência. Ela nada pode fazer, está entregue à equipe médica e ao seu próprio corpo que a tem traídoocasionando a morte de seus filhos tão desejados. Mariana quer ser independente como diz mas ainda depende

    emocionalmente do marido que substitui em parte sua mãe. Com ele, ela sente-se amada e cuidada. Tudo seria perfeitose não houvesse os ciúmes de Raquel.

    O PAPEL DO PSICÓLOGO: POSSIBILIDADES E LIMITESApós terem sidos expostos e sistematizados dados relevantes da vida da paciente, fica mais fácil escolher um tipo deintervenção a ser feita. No entanto, no atendimento em si estas informações não estão tão organizadas (na fala da

     paciente) e nem sempre é possível encontrar com o paciente mais de uma vez, especialmente em hospitais maternidadecuja rotatividade de pacientes é muito grande. Outro fato interessante é que, não fosse pela pesquisa, a paciente teria

     passado desapercebida como uma pessoa tranqüila já que não apresentava nenhuma perturbação emocional visível. Istoleva-nos a crer que o psicólogo hospitalar precisa ser uma pessoa observadora e que saiba ler nas entrelinhas, além deconseguir lidar com o inesperado.

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    A entrevista com Mariana por si só permitiu a expressão de seus medos e de sua raiva, no entanto, por não ter objetivoterapêutico a intervenção não foi além. A entrevistadora procurou ser empática com a paciente, mostrando quecompreendia seus problemas e legitimando suas emoções. Um dos principais problemas concretos de Mariana, que eraa rotatividade dos médicos, infelizmente não pôde ser solucionado porque se tratava de rotina do hospital que era umhospital-escola. Quando reclamava do rodízio, reclamava também da ausência de uma figura única a quem pudesse sedirigir e em quem pudesse confiar. A psicóloga que a atendeu nesse período, sendo uma só, possibilitou algumareferência. Muitas vezes, a psicologia repete a iatrogenia médica fazendo rodízios de equipe, especialmente onde háestagiários que por conta da faculdade tem poucos horários vagos. O atendimento freqüente do paciente por psicólogosdiferentes pode ser aborrecido por ter que contar a mesma história diversas vezes e torna difícil o aprofundamento darelação psicólogo-paciente.

    Mariana desejava ser acompanhada por apenas uma pessoa que lhe tranqüilizasse, lhe passasse informações que nãomudassem, alguém que ouvisse sua história anterior. A psicóloga prestou-se em parte a este papel, porém sua ansiedadecontinuou alta pela imprevisibilidade do término de sua gravidez, somada à ausência de um médico de referência. Seseu medo da morte e a morte de seus filhos tivessem sido trabalhados nas internações anteriores, Mariana estaria maisforte naquele momento para enfrentar uma nova hospitalização. Porém, outro problema que se sobrepõe é a falta deatendimento médico e psicológico subseqüente a abortos espontâneos, comum no Brasil e no exterior, que pode causarmorbidade psiquiátrica mais à frente (WONG, 2003).

    Poderia ter-se oferecido à Mariana um grupo de pacientes para que se sentisse compreendida e aceita, no entanto, ohospital maternidade continha muitas pacientes no mesmo andar e poucas salas disponíveis para a atividade, sendonenhuma do tamanho adequado.

    Um outro limite da atuação do psicólogo é a negação do paciente no que diz respeito a aspectos emocionais de suadoença. Alguns pacientes não aceitam a relação entre seu quadro clínico e suas emoções, fazendo com que o trabalho

     psicológico limite-se a um suporte bastante superficial lidando apenas com questões conscientes. Sem a compreensãoda real causa do problema, a pessoa tende a somatizar outras vezes.

    O papel de psicólogo em hospitais públicos é gratificante, mas bastante frustrante em algumas situações, especialmente

    quando os problemas do paciente advém de fatores familiares e sociais de difícil modificação. No entanto, a psicologiaainda pode fazer um bom trabalho e este trabalho é reconhecido pelo paciente que muitas vezes agradece ou traz presentes como forma de retribuir a atenção. No hospital maternidade onde todo o poder sobre o parto, a vida e a morte,ainda pertence ao médico e cabe à mulher aceitar o que for proposto, é essencial que haja um profissional que acolha odesabafo das pacientes.

    Para finalizar, é importante ressaltar a falta de trabalhos voltados para as pacientes de aborto espontâneo, que passando por um momento tão difícil como a morte de um filho, sentem-se desamparadas e sós . Ao contrário do Brasil, em outros países como Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, surgem, a cada instante, novas instituições que fazem ochamado “aconselhamento do luto” ( grief counselling ). Há inclusive diversas publicações (algumas on-line), voltadas

     para a mulher que perde um filho, a família e técnicas para profissionais de saúde. Devemos iniciar um reflexão e perguntarmo-nos o porquê de uma situação tão estressante e possivelmente desencadeadora de conflitos, se não

    resolvida, fica sem atenção no Brasil. Este também seria um trabalho a ser desempenhado pelo psicólogo hospitalar emmaternidades.

    BIBLIOGRAFIA

    MACIEL, C.L.C. Emoção, Doença e Cultura: O Caso da Hipertensão Essencial. IN: Romano, B.W. A Prática daPsicologia nos Hospitais. São Paulo: Pioneira, 1994.

    WONG, M.K.Y. e cols. A Qualitative Investigation Into Women´s Experiences After a Miscarriage: Implications ForThe Primary Healthcare Team. British Journal of General Practice 2003. No 53.

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    ROTEIRO PARA EXECUÇÃO DA ENTREVISTA

    Dados pessoais: Nome da paciente: idade: Leito: Data:

    Informação familiar:Irmãos: Idade, número, relação com a pacientePai e Mãe: Saúde, idade, impressões da pacienteBreve relato da infância:Padrasto/Madrasta: Impressões da paciente

    Estudo e Emprego:Estudo: Até que ano estudou, gostava de estudar, parou de estudar?Emprego: Primeiro emprego, idade que começou a trabalhar, empregos que teve, gostava de trabalhar? Necessitavatrabalhar?

    Relações Afetivas:Primeiro namorado:Companheiro atual: idade, emprego, relação com a pacienteCasamento:

    Maternidade:Filhos: Número, idade, relação com a pacienteHistória das gravidezes anteriores:Perdas gestacionais, partos prematuros, abortos provocadosHistória dos partos anterioresRelato de internações anteriores

    Internação Atual:Data da internação:Motivo:Impressões da paciente: equipe médica, melhora do quadro, expectativas, etc.

    Impressões do entrevistador:Estado da paciente no momento da entrevista, frases importantes, observações não verbais, inconsistências na fala,intercorrências na entrevista (exemplo: falas de outras pacientes, interrupções), suspeita de algum quadro psicológico,

     psiquiátrico.

    Anotações do prontuário:Observações relevantes sobre o quadro clínico, outras patologias

     ____________________Recebido em 18/02/2005Aprovado em 28/08/2005

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    GRAVIDEZ DE RISCO: RISCOS DA HOSPITALIZAÇÃOCamila Aparecida do Nascimento1 Maria Eugênia Scatena Radomile 2 

    Resumo:

    O presente artigo tem a finalidade de estudar os sentimentos vivenciados pelas gestantes de alto risco, durante o período

    de hospitalização. Uma gravidez de alto risco é uma gravidez na qual o risco de doença ou de morte antes ou após o parto é maior que o habitual, tanto para a mãe quanto para o concepto.

    Palavras chaves: Gestantes de Alto Risco, Hospitalização, Sentimentos Vivenciados.

    Introdução:

    Toda gestação traz por si mesma risco para mãe ou para o bebê. No entanto, em algumas grávidas esse risco é maior e éentão incluído entre as chamadas gestações de alto risco.

    Segundo Baptista (2003), a gravidez pode ser considerada de alto risco quando o feto e a mulher estão em risco emfunção de uma doença orgânica crônica ou aguda, significando um desenvolvimento inadequado para o concepto e/ou para a gestante, afetando negativamente o resultado da gravidez.

    Existem patologias orgânicas especificas da gravidez que a mulher pode adquirir por estar grávida e, ao fim desta, estácurada, no entanto, existem outras que não estão associadas à gravidez, mas sim com a mulher. As gestantes, na grandemaioria, não têm conhecimento a respeito das doenças ou intercorrências que as transformam em gestantes de alto risco.

    Segue as intercorrências e doenças mais presentes na gestação de alto risco:

    Trabalho de Parto Prematuro : por algum motivo a paciente entra em trabalho de parto antes do tempo previsto,colocando em risco o concepto. Considera-se prematuro aquele feto que nasce entre a 23ª e a 37ª semana de gravidez.São os que apresentam ao nascer peso acima de 500 g e inferior a 2.500 g.

     Doença Hipertensiva Específica da Gravidez (DHEG ): Caracteriza-se pelo aparecimento ou isolamento de hipertensão,edema e proteinuria em gestantes anteriormente normais. È assim denominada por ser uma doença exclusiva dagestação. Essa doença exige um pré-natal adequado, como forma primordial na prevenção das formas mais graves, taiscomo convulsão e como. Por ser uma doença grave, que requer cuidados específicos, as pacientes muitas vezesmostram-se extremamente ansiosas frente ao diagnostico, principalmente por desconhecerem a forma de controle e seussintomas e a necessidade de internação.

     Diabetes Gestacional – A diabetes gestacional desenvolve-se durante a gravidez, caracterizando-se peladescompensação dos níveis glicêmicos da gestante. Também requer internação para melhor diagnostico e compensaçãodas taxas de glicemia, tendo as mesmas conseqüências e gravidade de uma diabetes preexistente. Muitas pacientes semostram ansiosas devido à alteração da dieta alimentar, que influencia diretamente para o bom prognostico da doença.

     Ammiorrexe Prematura: É a ruptura da membrana amniótica, quando o colo ainda está imaturo e o feto é prematuro,sendo que a etiologia é desconhecida. È uma intercorrência que gera muita ansiedade na paciente, pois como não temuma causa específica ela geralmente busca identificar fatores que poderiam desencadear o rompimento da bolsa, comoexcesso de esforço físico, e angutia-se com sentimentos de culpa, achando que colocou em risco a vida do bebê.

    1

     Graduanda em Psicologia na USF - Universidade São Francisco.2 Doutora em Psicologia Clínica, Especialista em Psicologia Hospitalar e Docente na USF, CRP 1338/06.

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    Segundo Baptista (2003), as gestantes mostram-se preocupadas com a vida do bebê, havendo um misto de reações,sendo que algumas se sentem reconfortadas e protegidas sob os cuidados médicos, podendo se desligar dos conflitosfamiliares e se dedicar exclusivamente à gravidez. Outras, ao contrário, sentem-se culpadas por deixar o lar e suasresponsabilidades, não conseguindo, portanto, se adaptar à hospitalização e, muitas vezes, desejando o nascimento

     prematuro do bebê para amenizar sua angústia, sem ter noção clara da gravidade da situação.

    De acordo com o Ministério da Saúde, BRASIL M.S (2000) além das intercorrências e doenças obstétricas, sãoconsiderados também fatores de risco, as características individuais e condições sócio-demográficas desfavoráveis e ahistória reprodutiva anterior da gestante. Como características individuais e condições sócio-demográficas, podemoscitar: idade menor que 17 e maior que 35 anos; situação conjugal; condições ambientais desfavoráveis; dependência dedrogas licitas ou ilícitas; ocupação onde requer esforço físico, carga horário excessiva, exposição a agentes físicos,químicos e biológicos. Como história reprodutiva anterior podemos citar, abortamento habitual; cirurgia uterinaanterior; síndrome hipertensiva ou hemorrágica; esterilidade / infertilidade.

    Um aspecto quase esquecido durante a gestação de alto risco, é o componente emocional. O qual se manifesta atravésda ansiedade, mecanismo emocional basal que se estende durante toda a gravidez, de forma crescente. Na gestação dealto risco, as dificuldades de adaptação emocional são maiores, a começar pelo rótulo que se lhes dá, “de alto risco”,

     portanto diferente das demais, “normais”.

    A hospitalização, tão comum quanto por vezes necessária no seguimento da gravidez de alto risco, deve ser consideradacomo fator estressante adicional. Onde a hospitalização conscientiza a grávida da sua doença; a afasta do suportefamiliar; desperta vários sentimentos durante o período de internação hospitalar.

    O psicólogo que trabalha com gestante de alto risco tem que estar atento às várias condições de risco que estãoassociadas a essas mulheres, pois poderá atuar de forma preventiva para diminuir os riscos gestacionais.

    A seguir será exposto um estudo, no qual foram utilizados subsídios qualitativos através dos relatos das gestantes,realizado em um hospital universitário, na cidade de Jundiaí. A população é constituída por 12 gestantes de alto risco,

    internadas para a realização do controle de alguma intercorrência orgânica presente neste período.

    Sentimentos Vivenciados – Glossário:

    1.  Ansiedade : En tendemos por sofrer por antecipação. Pessoa impaciente, aflita.

    2.  Medo de perder o bebê: Entendemos por receio, preocupação em ficar sem o que é seu.

    3.  Medo de acontecer algo ruim para si: Entendemos por preocupação consigo mesma e com as pessoas do seuconvívio.

    4. 

    Vontade de ir embora: Entendemos por necessidade, desejo de sair de um ambiente desagradável. Pessoaimpaciente.

    5.  Preocupação com outros filhos: Entendemos por inquietação proveniente da ausência dos cuidados maternos; pressentimento triste.

    6.   Nervosa: Entendemos por pessoa agitada, irritada com alguma situação vivida.

    7.  Tranqüila: Entendemos por pessoa calma, sossegada.

    8.  Confusa: Entendemos por não saber o que quer.

    9.  Cansada: Entendemos por conseqüência de excesso de atividades ou ausência de atividades.

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     ____________________________________________________________________________________ ____________Perfil Patológico N. %Hipertensão 07 58,33Diabetes 02 16,67Outras 03 25,00

    Total 12 100

    Tabela 1: Perfil Patológico: onde observamos a hipertensão como predominante.

    Categorias dos Sentimentos

    Ψ  Ansiosa, Nervosa, impaciência, chora, cansada, nervosa com o marido.

    Ψ  Medo de perder o bebê, preocupação com o bebê, Medo de acontecer algo ruim para si.

    Ψ  Vontade de ir embora, preocupação com outros filhos, não conversa.

    Ψ 

    Calma, tranqüila.

    Ψ  Confusa, sem condições mínimas de saúde, ninguém para ajudá-la.

    Ψ  Vontade que seja homem, rejeição a menina.

     ____________________________________________________________________________________ ____________Sentimentos Categorizados N. %Ansiosa 12 35,29Medo de perder o bebê 04 11,76Vontade de ir embora 11 32,35Calma 02 5,89

    Confusa 03 8,82Vontade que seja homem 02 5,89

    Total 34 100

    Tabela 2: Sentimentos Categorizados: onde observamos a ansiedade e vontade de ir embora como predominantes.

    Discussão e Conclusão:

    Sabe-se que a gravidez, para todas as mulheres, constitui um período de mudanças físicas e psicológicas, ansiedades,fantasias, temores e expectativas. A isso pode somar-se a instauração ou o agravamento de alguma doença, surgindo,

    então, a "gravidez de risco", fazendo com que a mulher conviva com os mais diversos sentimentos.

     Neste estudo realizado, a ansiedade e a vontade de ir embora, durante o período de internação, foram os sentimentosmais vivenciados pela gestantes , onde observamos que a ansiedade ocorre pelo fato da gestante estar fora do seucontexto habitual e a vontade de ir embora é a negação da existência de um risco na gestação. Por isso, é importante queo cuidado não seja limitado apenas aos aspectos fisiopatológicos, mas s im a um atendimento multiprofissional, onde o

     psicólogo tem o papel fundamental de facilitador, onde possa favorecer a adaptação da gestante á gravidez de risco eaos procedimentos hospitalares, realizando uma terapia de apoio, esclarecendo os riscos sem atemoriza - lá.

    Outros sentimentos como medo de perder o bebê, medo de acontecer algo ruim para si, impaciência, preocupação comos outros filhos e nervosismo com o marido, também apareceram durante o estudo. A vivência da gestação de alto risco

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    é uma experiência única, que se estende ao companheiro, família e sociedade. É importante lembrar que a falta desuporte de pessoas significativas, como do esposo ou da família, pode aumentar o risco durante a gestação.

    Concluímos que os sentimentos vivenciados pelas gestantes de alto risco são variados, dependem do estilo de vida eambiente familiar de cada gestante. Cabe ao psicólogo, amenizar o sofrimento destas gestantes e prevenir que outrosriscos interfiram no decorrer da gravidez, esclarecendo, trabalhando a nível do consciente e levando em consideração aestrutura egóica sem se aprofundar nos relatos da gestante.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1.  Baptista, Makilim N. Psicologia Hospitalar: teoria, aplicações e casos clínicos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,2003.

    2.  Gestação de Alto Risco / Secretaria de Políticas, Área Técnica da Saúde da Mulher. _ Brasília : Ministério da Saúde,2000. 164 p. 1. Gravidez de alto risco. 2. Puerpério. I. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde.

    3.  Araujo A, Quayle J, Kahhale S, Souza MC. Um estudo sobre gestantes hipertensas e adesão ao tratamento médico:abordagem descritiva. Rev Ginecol Obstet 1998 outubro; 9(4):191-8.

    4. 

    Silva Lucía, Santos, Renata Cerqueira e Parada, Cristina Maria Garcia de Lima. Compreendendo o significado dagestação para grávidas diabéticas.  Rev. Latino-Am. Enfermagem. [online]. nov./dez. 2004, vol.12, no.6 [citado 02

     Novembro 2005].

     ____________________Recebido em 12/11/2005Aprovado em 01/02/2006

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    ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA JUNTO À UNIDADE NEONATAL DE UMAMATERNIDADE PÚBLICA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA ACADÊMICA

    Ana Paula de Almeida Pereira1 

    R ESUMO  

    Percebe-se que, de modo geral, a vivência de uma Unidade Neonatal é traumática e estressante, tanto para os pais efamiliares do bebê internado quanto para a equipe cuidadora. Por ser um ambiente desconhecido, a Unidade Neonatalgera medos e ansiedades, podendo acarretar sentimentos de impotência e de luto antecipatório nos pais e na famíliaampliada do bebê. Tais questões foram realmente constatadas ao longo de um estágio acadêmico realizado numamaternidade da rede pública do Município do Rio de Janeiro. Neste sentido, o presente trabalho visa relatar aexperiência obtida e o desafio enfrentado enquanto estagiária ao lançar uma proposta de intervenção da psicologia juntoà Unidade Neonatal desta unidade de saúde. Tentou-se a implantação de um grupo reflexivo e informativo para os paise familiares, cujos bebês estavam na Unidade Neonatal ou na Enfermaria Canguru, juntamente com algum membro daequipe de enfermagem. Além disso, a idéia era expandir os atendimentos aos pais após a alta do bebê, onde os casosseriam acompanhados no ambulatório pela equipe interdisciplinar de  follow-up . Foram utilizados como referenciaisteóricos alguns conceitos da análise institucional, de grupos e da psicanálise. Houve uma aderência parcial aos grupos

     propostos devido a algumas dificuldades encontradas, dentre elas o curto período de estágio. Porém, de maneira geral,

    os grupos foram bem recebidos e aproveitados, revelando a existência de uma demanda real por tal intervenção.

    Palavras-chave: unidade neonatal, psicologia, intervenção.

    INTRODUÇÃO  

    Como sentir-se mãe desse bebê que não dá sinal, quenão mama no seio, que não olha, que não sendo emmomento algum tranqüilizante, não fabrica mãe?

    Mathelin2 (apud  BRAGA & MORSCH, 2003)

    O presente trabalho tem como objetivo relatar uma experiência obtida durante a realização de estágio acadêmico de psicologia numa unidade integrada de saúde da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, composta pela maternidade e pelo serviço ambulatorial. Este estágio teve a duração de um ano e ocorreu entre os meses de março de 2003 a março de2004. A minha atuação enquanto estagiária de psicologia ocorreu tanto na maternidade quanto no ambulatório. Porém,

     posso afirmar que, por uma escolha própria, priorizei os atendimentos na maternidade, já que algumas demandascomeçaram a surgir ao longo do caminho.

    A idéia de propor algum tipo de intervenção e parceria da psicologia à Unidade Neonatal (UN) da maternidade surgiu a partir da observação de alguns fatos: (1) os profissionais de saúde da maternidade solicitavam, freqüentemente,atendimento psicológico às puérperas cujos bebês estavam internados na UN ou na enfermaria canguru3; (2) a equipe deenfermagem, em especial, demandava um papel ‘mais ativo’4  da psicologia em relação a essas pacientes; (3) a

     percepção da equipe de psicologia de que realmente as mães (e também pais e familiares) com bebês na UN e/ou naenfermaria canguru se sentiam mais frágeis e demandavam mais cuidados da equipe.

    Desse modo, diante dessas observações e levando-se em consideração que o nascimento de um bebê doente ou

    1 Psicóloga, CRP 05/30805. Psicóloga Clínica e Hospitalar. Especialista em Psicologia Hospitalar pela Santa Casa deMisericórdia/RJ e Especializanda em Psicossomática e Cuidados Transdisciplinares com o Corpo no NEPESS/UFF.2 MATHELIN, C. O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com os bebês prematuros . Rio de Janeiro: Companhia de Freud,1999, p. 67.3 Enfermaria na qual se encontravam as puérperas cujos bebês haviam saído total ou parcialmente da UN, mas que ainda precisavamganhar peso para a alta. Este ganho de peso é alcançado através do método canguru, que envolve, além da posição canguru (contato pele a pele do bebê com a mãe ou o pai), uma assistência humanizada à tríade pais-bebê-família (LAMY, 2003).4

     Papel ‘mais ativo’, segundo a enfermagem, diz respeito a alguma atuação mais específica da psicologia, ou seja, mais voltada àsquestões dessas pacientes. 

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     prematuro produz impactos diferenciados na vida dos pais e em todo o seio familiar (CARVALHO, 2003), a equipe de psicologia, representada por mim na maternidade, propôs que fossem realizados grupos reflexivos e informativos comas mães, extendidos a todos os familiares, juntamente com um membro da equipe de enfermagem. Para efeito desíntese, estes grupos serão chamados ao longo do trabalho de ‘grupos de mães’, mas devem ser entendidos comoabertos a todos os envolvidos e interessados em participar.

    Sendo assim, a enfermagem ficaria responsável pelas informações técnicas, explicando ao grupo, caso necessário, ‘praquê tanta sonda, aparelhos e agulhadas’5, desmistificando um pouco esse ambiente de alta complexidade tecnológicaque é a UN. Já a psicologia, ficaria responsável pela abertura de um espaço para emergir a subjetividade do outro, ouseja, pela escuta, pelo acolhimento e pela atenuação do sofrimento psíquico tanto das mães, pais e familiares como daequipe cuidadora, que também precisa ser cuidada. Cabe ressaltar que a principal meta desses grupos era implicar todosos profissionais na relação com aquelas famílias que estavam lutando pela manutenção da vida de um ser humano. A

     psicologia, portanto, deveria oferecer suporte emocional a todos, esclarecendo dúvidas junto aos médicos e evitandoequívocos e maiores sofrimentos para os implicados na situação.

    De acordo com Braga & Morsch (2003), as atividades em grupo para os pais e familiares de bebês internados na UN“são capazes de facilitar a compreensão da situação e de tornar esse período mais fácil de ser vivido” (p. 64). Taisencontros são espaços para partilhar angústias, histórias e informações, funcionando como verdadeiras redes de apoiosocial, costuradas pela compreensão e solidariedade com o drama alheio. Desse modo, como afirma Lamy Filho (2003),o psicólogo, não só nos grupos, mas em todos os momentos, deve estar disponível e preocupar-se “em servir comomediador entre a família e a equipe, buscando intervir nas dissonâncias que podem acontecer em função dacomunicação que muitas vezes falha” (p. 114).

    Assim, a proposta inicial de intervenção da psicologia na UN da maternidade foi a realização de grupos6 reflexivos einformativos com as mães (pais e familiares) uma vez por semana, sempre às terças -feiras, no horário de 13:00 às 14:00horas, numa sala designada para este fim (sala multiuso), juntamente com a enfermagem. Anteriormente a estes grupos,a psicologia já realizava grupos nas enfermarias em outros dias e horários. Nestes grupos de enfermaria, as pacientestinham a liberdade de falar o que quis essem, o que também serviu como um material de análise para o trabalho e deintervenção da psicologia na maternidade como um todo.

    Para a configuração de todo o trabalho realizado na maternidade, fez-se necessário o estudo de alguns conceitos daanálise institucional e de grupos, os quais foram utilizados como embasamento teórico, conjugados com algumas idéiasda psicanálise. Buscou-se constantemente a passagem do arcabouço teórico para a prática profissional.

    ALGUNS DIZERES SOBRE ANÁLISE INSTITUCIONAL E GRUPOS 

    Os quatro conceitos da análise institucional, entendidos como básicos e diretamente envolvidos com a realização dotrabalho proposto, foram: instituição, instituído, instituinte e analisador .

    Em relação à instituição, pode-se dizer que sua característica básica é o não-dito, ou seja, informações não reveladas eque são referenciadas por normas e regras, as quais ditam a maneira como os indivíduos devem se posicionar perante osocial. A instituição é construída a partir da articulação entre as normas sociais e a ação histórica dos indivíduos, dosgrupos e das coletividades.

    De acordo com Lapassade (1980), o conceito de instituição pode ser definido como a configuração geral das relaçõessociais. A instituição constitui-se num atravessamento de todos os níveis de conjuntos humanos, que fazem com que elase torne parte da estrutura simbólica do grupo. São exemplos de instituição: as constituições políticas, as leis, osaparelhos encarregados da execução e o controle dessas leis, assim como os preconceitos, os valores, etc.

    5 Discurso das pacientes cujos bebês estavam na Unidade Neonatal.6

     Todas as condições para a realização dos grupos foram acordadas previamente com a direção do hospital, respeitando, assim, asnormas do estabelecimento. 

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    A instituição, portanto, possui uma face escondida, um ocultamento que é produzido por uma repressão social. SegundoLourau (1973, p. 03), “aquilo que se censura é a palavra social, a expressão da alienação e a vontade de mudança”.Desta forma, com o desconhecimento e a ilusão institucionais, o sistema social tem condições de se manter, objetivandoa estabilidade das relações sociais dominantes, produzida e reproduzida pelas instituições.

    Pensando melhor sobre este ocultamento, percebe-se a presença de um jogo de forças extremamente violento que leva à produção de uma imobilidade institucional. Sob um estatuto de verdade não-produzida, todas as regras, normas,costumes e tradições, encontrados pelo indivíduo na sociedade, representam aquilo que está determinadoinstitucionalmente (LAPASSADE, 1980). Tal determinação, designada por Altoé (1990) como instituído, caracteriza -se

     por uma força de inércia que conserva e preserva a situação no estado atual. Esta situação acaba por acarre tar um estadode alienação social, com conseqüente dominação do instituído, baseada num esquecimento de suas origens e nanaturalização das instituições.

    Como exemplo claro de algo instituído num hospital, pode-se citar a preponderância do saber médico, o qual raramenteé colocado em dúvida. Particularmente na referida unidade de saúde, foram presenciadas várias situações reveladorasdessa questão, tais como: a resistência das pacientes em perguntar ao médico sobre seus estados de saúde e/ou de seus

     bebês e o fato da enfermagem, na maioria das vezes, passar a responsabilidade para os médicos respondereminformações técnicas e rotineiras, que estavam ao alcance de seu saber, mas que para essa categoria ‘só os médicossaberiam informar’.

    E, além disso, percebi também que muitos profissionais reagiam com uma expressão de espanto quando eu, aacadêmica de psicologia, precisava falar com o médico e, para isso, me dirigia à sala da chefia médica e, muitas vezes,até ao dormitório médico. Diversas vezes me questionei: Por que será que esse espanto acontece? E logo vinha à mentea resposta mais provável: porque o entendimento de que o médico não pode ser interrompido ou incomodado é algoinstituído e, quando alguém tenta rompê-lo, causa estranheza e desconforto. Um outro episódio, que ocorreu com umacadêmico de enfermagem da unidade, foi o fato dele se queixar de que em algum lugar escreveram algo do tipo:‘Parabéns à equipe médica por mais um parto realizado’ e, na verdade, aquele parto específico, o qual ele acompanhou,havia sido feito pela equipe de enfermagem. Logo, ele estava procurando o papel para consertar, escrevendo: ‘Esse

     parto foi realizado pela enfermagem’. E nesse momento ele me perguntava (ou se perguntava): ‘Por que será que todomundo pensa que só o médico faz o parto?’. Mais uma vez a resposta: porque é algo socialmente instituído.

     Num sentido contrário ao instituído, encontra -se uma força de transformação chamada instituinte , que busca a criaçãode novas normas. Se o homem sofre as ações das instituições, ele também as cria e as mantém, já que que constrói ahistória e é construído por ela. Assim, o fato de que a contestação de uma instituição também faz parte dela dá margem,através dos processos históricos de crise, de mudança e de revolução, para que o movimento instituinte possa se exercer.

     Nesse sentido, esse trabalho de intervenção da psicologia na UN da maternidade pode ser considerado como uma proposta instituinte na medida em que pretendia romper certas barreiras, situações instituídas, mas é claro, tendo anoção de que isso é muito difícil e que precisa de muito tempo, muita paciência e muita cautela nas ações. E mais ainda,tendo a consciência de que o psicólogo faz parte da instituição e que, portanto, também está sujeito ao instituído. Comocitado anteriormente, o movimento instituinte faz parte da instituição e pode contribuir para a sua transformação ou,

    neutralizado pela mesma, reproduzi-la e mantê-la em sua essência.

    Um exemplo disso é o que acontecia comigo toda vez que o grupo de mães estava para começar e a sala designada paratal finalidade encontrava-se ocupada, pois eu precisava do espaço, já reservado previamente naquele horário, mas haviaum certo incômodo em pedir às pessoas para saírem. Isto porque era como se a psicologia estivesse invadindo um novoespaço, um espaço que todos sabem que não é dela. Mas será que não? Por que não? Quem falou que não? Eis quenovamente surge o instituído, pois parece que já está instituído que lugar de psicólogo é somente na sala doambulatório. Mas, o mais interessante é que ninguém falou que não poderia interromper o que estava acontecendo erequisitar o espaço. Porém, percebe-se que isso não era preciso, pois já estava aceito até por mim, que senti-meincomodada com a própria proposta instituinte. Formulada por quem mesmo, hein? Por mim. Ao perceber que issoestava acontecendo, tratei logo de reverter o quadro, ou seja, de lutar por esse espaço sem ter medo do instituído.

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    Um outro aspecto que deve ser levado em consideração é o fato de não ser somente o profissional de psicologia quedeve estar implicado nas relações de instituinte e instituído numa instituição de saúde, como também os profissionais deoutras áreas. Assim, cada profissional deve fazer a sua intervenção, cabendo a psicologia fazer as intervenções quedizem respeito ao seu saber, respeitando o saber do outro. Porém, sempre buscando a coletivização das idéias.

    Sendo assim, nota-se ainda que dentro da dinâmica de qualquer instituição existe um intervalo compreendido entre omovimento instituinte e o instituído. Enquanto que antigas formas continuam a perpetuar uma certa racionalidadeinstitucional, verifica-se a continuidade de um processo instituinte em busca da criação de novas maneiras de atuação.Este cenário representa uma luta permanente entre estes dois aspectos, conservando sempre um leque de possibilidades

     para implantação de uma nova atividade.

    Após breves conceituações sobre o movimento exercido dentro de uma instituição, pode-se começar a pensar numa proposta de intervenção. A intervenção tem por objetivo o trabalho com pequenos grupos, mas que, ao mesmo tempo,se preocupa com aquilo que atravessa o grupo – a dinâmica institucional - responsável por fazer, criar e moldar o grupo.O método de intervenção consiste em criar e fazer uso de um dispositivo, ou seja, de um acontecimento que possibilite aanálise coletiva de uma situação, podendo existir a interpretação ou não da mesma.

    O método analítico implica em “explicar e compreender uma realidade complexa, decompondo-a em elementossimples, analisando cada elemento e somando, ou pondo uma depois da outra, tais análises” (BAREL7 apud  LOURAU,1973). Portanto, a análise busca observar e promover uma escuta sobre o coletivo e suas relações, práticas, reuniões,acordos, regimes e discursos, isto é, sobre todo o movimento encontrado em determinado espaço. A análise é capaz derevelar a transversalidade da instituição, dos grupos e dos seus membros, ou seja, de desvelar o funcionamento dainstituição (ALTOÉ, 1990).

     Neste sentido, a presença de um analisador   torna-se imprescindível para provocar uma reação sobre aquilo que estáescondido. O analisador é uma situação que revela algo da ordem do não-dito. Ele pode ser representado por uma

     pessoa ou um acontecimento e pode ser natural ou construído, isto é, proposto. Segundo Saidon & Kamkhagi (1987),um dado analisador pode ser um indivíduo, uma prática ou um dispositivo que revela, a partir do seu própriofuncionamento, o impensado de uma estrutura social. Assim, a intervenção de um analisador, fazendo uso ou não da

     palavra, tem por finalidade trazer à luz os acontecimentos que compõem o conjunto, antes invisíveis, possibilitando comque as pessoas construam ou não um sentido para a situação formada.

     No âmbito de um campo de intervenção, lugar onde se dá a atuação profissional, surge um campo de análise capaz delevantar temas, histórias e problemas a partir de leituras, discussões e debates, feitos coletivamente. No momento emque algumas pessoas pertencentes a uma organização se colocam à disposição para debaterem determinado tema, torna-se possível o compartilhamento de diferentes óticas sobre o mesmo. Tal situação pode proporcionar a construção de umconhecimento que será utilizado na solução de um problema ou na elaboração de propostas para ampliação de umtrabalho, por exemplo.

    Vê-se aqui um encontro entre pessoas que se dispõem a transpor barreiras rígidas, responsáveis por delimitar seus

    campos de atuação na instituição, e fazerem uso de seu saber a fim de questionar suas práticas e elaborar um novoconhecimento. Esta possibilidade é realizada a partir de uma transversalidade8  de saberes que permite com que oindivíduo se potencialize para uma discussão, indo em direção a ação e ampliação de suas práticas. Assim, outroobjetivo a ser atingido com o grupo de mães, ou através dele, era o de promover a transdisciplinaridade, ou seja, odiálogo entre os saberes de modo horizontal e com o interesse máximo de auxiliar o próximo a partir da soma deconhecimentos diferentes.

    De modo geral, pode-se dizer que todo grupo que tem por objetivo integrar as pessoas e levá-las a pensar, ao invés deagir impulsivamente, pode ser chamado genericamente de ‘grupo de reflexão’ “porque leva os participantes a refletirem

    7 BAREL, YVES. A análise dos sistemas: problemas e possibilidades, mimeo, 1973.8

      De acordo com Lapassade (1980), a transversalidade acontece quando há uma efetiva comunicação entre os diferentes níveishierárquicos de uma organização.

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    sobre suas necessidades, angústias, relacionamentos com os outros e sua forma de conduta” (ZIMERMAN, 2001, p.225). Zimerman (2001) afirma ainda que o grupo de reflexão é promotor de socialização, “onde as pessoasdesenvolvem a capacidade de ter consideração e empatia pelos demais, além de propiciar a oportunidade de unsauxiliarem aos outros (...)” (p. 226). Por isso a designação do grupo de mães como grupos reflexivos e informativos,

     pois, além de levar à reflexão, também informam e esclarecem dúvidas, o que é fundame ntal para a diminuição daansiedade de todos que estarão servindo como continentes ao bebê. Como diz Mathelin 9 (apud  BRAGA & MORSCH,2003, p. 59), “a existência da criança está indissociavelmente ligada à presença do Outro que virá atendê-la, que estará

     para ela em posição de continente”.

    Em suma, pode-se dizer que essa possibilidade de atuação da psicologia era justamente uma proposta de intervenção junto à Unidade Neonatal, na qual, o grupo de mães servia como um analisador nessa unidade de saúde, visando rompercom certos aspectos instituídos e propor novas normas, ou seja, promover alguma transformação instituinte.

    ASPECTOS GERAIS DA UNIDADE DE SAÚDE 

    A unidade de saúde na qual o trabalho foi desenvolvido é uma unidade de atenção materno-infantil. A unidade possui otítulo de Hospital Amigo da Criança, que consiste num projeto do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)

    e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Este projeto tem por objetivo estimular o aleitamento materno exclusivoaté aos seis meses de idade, além de promover uma maior conscientização dentre os funcionários acerca da infância,modificando, assim, o modo de lidar com as crianças e também com os respectivos pais.

    A maternidade participa também do projeto Mãe-Canguru que visa fortalecer o bebê mediante o estreitamento dovínculo com sua mãe. O bebê fica em contato direto ao calor do corpo da mãe o máximo de tempo durante o dia, deforma que este possa mamar sempre que quiser, com o objetivo de ganhar peso e só receber alta quando alcançar 1.800gramas.

    Em termos de estrutura física, a unidade ocupa uma área extensa, sendo bastante arborizada, com estacionamento próprio e constituída por três andares e um prédio em anexo.

     No primeiro andar estão localizadas as chefias e direção da saúde coletiva e da enfermagem; o centro de estudos; aepidemiologia; a documentação médica; a sala de amamentação; a hipodermia e a imunização.

     No segundo andar encontram-se os serviços ambulatoriais de ginecologia/obstetrícia; pré-natal; pediatria; odontologia;fonoaudiologia; nutrição; serviço social; saúde mental (psicologia); farmácia; além do funcionamento do almoxarifado edo raio x /ultra-som; da rouparia; dos vestiários para funcionários; da sala de reunião; da cozinha e do refeitório.

     No terceiro andar funciona a maternidade. Esta é constituída por nove enfermarias, com aproximadamente seis leitoscada uma, sendo uma delas enfermaria canguru, uma só para gestantes e outra somente para pacientes que passam por

    curetagem, além de um apartamento para casos de infecção. Há também dois postos de enfermagem: um para asenfermarias 7 e 8 e para o apartamento e outro para as demais enfermarias; a admissão; uma sala multiuso comtelevisão; dormitório para plantonistas; fraldários; sala de vacina; berçário; sala de esterilização; banco de leite humano;chefias médica, de enfermagem e de supervisão de enfermagem; sala de fonoaudiologia e fisioterapia; a unidadeneonatal e o centro obstétrico.

    A unidade neonatal, composta pela UI (unidade intermediária) e UTI (unidade de terapia intensiva), contém dozeincubadoras e um posto de enfermagem. O centro obstétrico é composto pela sala de pré-parto com seis leitos; sala derelaxamento; duas salas de parto; sala de recuperação pós-anestésica; sala de cirurgias; vestiários (feminino emasculino) e posto de enfermagem.

    9

     MATHELIN, C. O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com os bebês prematuros . Rio de Janeiro: Companhia de Freud,1999, p. 44. 

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    Por fim, no prédio em anexo, encontram-se a sala de reunião e o setor administrativo. A sala de reunião fica no térreo eo setor administrativo se localiza no segundo andar, onde se encontram a recepção e as salas da comunicação, dasecretária, do diretor administrativo, da telecomunicação e do núcleo administrativo.

    A PSICOLOGIA NA UNIDADE DE SAÚDE 

    A equipe de Saúde Mental era formada por duas psicólogas e uma acadêmica de psicologia. Antes da proposta deintervenção junto à UN com os grupos de mães, o serviço de psicologia se apresentava com a seguinte estruturação:atendimentos individuais no ambulatório; grupos de recepção; grupos de enfermaria na maternidade; atendimento àssolicitações individuais da maternidade; grupo de estudo e supervisão de estágio.

    Os atendimentos individuais no ambulatório ocorriam de acordo com a disponibilidade de cada psicóloga, seguindouma fila de espera.

    Os grupos de recepção eram realizados semanalmente, sendo agendados toda primeira semana de cada mês pelo próprioserviço, acontecendo, em média, cinco grupos por mês. O grupo de recepção garante ao usuário que chega ao serviçoalgum tipo de acolhimento, escuta, retorno e encaminhamento e um dos seus principais objetivos é a busca de um

     posicionamento do sujeito diante de sua queixa, promovendo a desconstrução de demandas ou até a construção denovas, tendo também uma função terapêutica.

    Os grupos de enfermaria tinham como intuito acolher a singularidade de cada paciente, propiciando um espaço deesclarecimento de dúvidas e diminuição da ansiedade. Esses grupos também funcionavam como um convite à

     participação do grupo de mães, já que as demais pacientes também poderiam participar, pois o grupo era uma propostade inclusão e de troca de experiências.

    Os atendimentos individuais da maternidade, solicitados pela equipe, eram atendidos no leito ou em outro local deacordo com viabilidade da paciente e do espaço disponível.

    Os grupos de estudo e a supervisão tinham como finalidade a leitura de textos pertinentes aos casos clínicos ematendimento (tanto no ambulatório como na maternidade) e à discussão dos mesmos.

    Após a implementação dos grupos de mães, o serviço de psicologia passou a participar também das reuniões mensais do‘Comitê de  follow-up de recém-nascido de risco’10  compostas até aquele momento pela pediatria, fonoaudiologia efisioterapia. O comitê de  follow-up   foi criado em 1988 com o objetivo de traçar diretrizes para o acompanhamentoclínico de recém-nascidos de risco e detecção precoce de alterações do seu desenvolvimento neuropsicomotor. No casoda unidade, o trabalho  follow-up   existe desde 1996 e atende, na maioria das vezes, crianças que nasceram na própriaunidade e tiveram passagem pela unidade neonatal e pela enfermaria canguru, onde a equipe também atua e que a

     psicologia passou a atuar com mais regularidade a partir desse ano. Também se incluíram nas reuniões o serviço social

    e a nutrição. Essas reuniões tinham como principais objetivos a discussão de casos clínicos, levando em consideração acontribuição das diferentes áreas e a formação de uma equipe transdisciplinar responsável pelo trabalho com criançasadvindas da unidade neonatal e do método canguru.

    OS GRUPOS DE MÃES  

    Após expor a idéia dos grupos para a minha supervisora de estágio e ter a sua aprovação, me dirigi à UN para dialogarcom as chefias médica e de enfermagem sobre a possibilidade dos mesmos acontecerem e quais as melhores condições

     para a sua realização. A proposta foi muito bem recebida por ambas as chefias, sendo apenas solicitado a confecção de

    10

      Recentemente, esse comitê passou a se chamar “Comitê de atenção integral ao desenvolvimento e reabilitação” (HASSANO,2003).

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    um projeto, que foi, posteriormente, aprovado pela direção da unidade. Solicitei ao centro de estudos que fizesse algunscartazes como forma de divulgação. Além dos cartazes, utilizava-me da comunicação verbal à equipe e às pacientes.Estas eram convidadas a participar do grupo de mães durante os grupos de enfermaria, realizados por mim ao longo dasemana e que auxiliavam bastante na criação e manutenção do vínculo com a psicologia.

    Em relação à implantação do grupo, várias questões devem ser levadas em conta. Porém, considero uma como sendo acrucial e que talvez norteie as demais: a questão da demanda. Aliás, demanda ou desejo? Essa é uma pergunta um tantocomplicada de responder, mas que mostra -se diretamente ligada à proposta dos grupos.

    É importante considerar que as definições de demanda e desejo na língua portuguesa são diferentes das propostas pela psicanálise. Para a língua portuguesa, de acordo com Ferreira (1967), temos as seguintes definições de demanda e dedesejo: Demandar - ir em procura de; exigir; ter necessidade de; pedir; reclamar; requerer; intentar ação judicial contra. Desejar - apetecer; querer; ambicionar; cobiçar; ter gosto ou empenho em.

    Já no ‘Vocabulário de psicanálise’ de Laplanche & Pontalis (1991), são encontradas as definições de desejo para Freude Lacan e de demanda para Lacan, que parece a denominar como exigência 11.

    De acordo com Freud (apud  Laplanche & Pontalis, 1991, p. 159):(...) o desejo está indissoluvelmente ligado a ‘traços mnésicos’ e encontra a sua realização na reprodução alucinatóriadas percepções tornadas s inais dessa satisfação.

    De forma mais simples, a concepção freudiana do desejo diz respeito ao desejo inconsciente ligado a sinais infantisindestrutíveis.

    Já para Lacan (apud  Laplanche & Pontalis, 1991, p. 160):A exigência é formada e dirige-se a outrem; embora incida ainda sobre um objeto, este não é para ela essencial, pois a

    exigência articulada é no fundo exigência de amor.O desejo  nasce do afastamento entre a necessidade12  e a exigência, (...) é irredutível à exigência na medida em que procura impor-se sem ter em conta a linguagem nem o inconsciente do outro, e exige ser reconhecido em absoluto porele.

    Portanto, de forma resumida, para Lacan a demanda é passível de ser dita e no fundo toda demanda é demanda de amor.Já o desejo é sempre e invariavelmente do outro e se somos desejantes é porque um outro assim desejou, ou seja, onosso desejo é uma conseqüência do desejo do outro.

    Dessa forma, pode-se dizer que a psicologia trabalha tanto com demanda quanto com desejo, sendo que o desejo é daordem do inconsciente e a demanda se apresenta como um primeiro pedido que se formula. Assim, quando se diz que a

     ps icologia trabalha com demanda isto significa dizer que ela trabalha com o querer, com a vontade própria do sujeito,que a expressa por meio de ações, gestos ou palavras.

     No caso dos grupos de mães, pude observar que a demanda das pacientes correspondia à atitude de ir ao grupo, vistoque, na maioria das vezes, não havia uma demanda verbal clara por parte delas, como por exemplo: ‘Vim aqui porqueestou sofrendo por causa do meu bebê que está na UN’. Porém, no grupo, elas falavam dessa vivência, apenas não atinham formulado em palavras antes de ir ao mesmo, ou seja, para elas não estava claro o por quê queriam ir, mas o fatoé que tinha algo que as mobilizavam a participar do grupo e isso também é demanda.

    11 Esta é uma interpretação minha, já que Lacan considera que toda demanda é demanda de amor e nesse texto diz que toda exigência

    é exigência de amor. Logo, considerei a demanda como sendo referida pelo termo exigência. 12 “A necessidade visa um objeto específico e satisfaz-se com ele” (LACAN apud  LAPLANCHE & PONTALIS, 1991, p. 160).

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    Essa questão da demanda é muito importante visto que no decorrer dos grupos pude perceber que nem sempre haviainteresse por parte das mães em estar participando desse espaço que seria justamente para elas. Acredito que algumasvariáveis influenciaram na demanda das pacientes, tais como: o fato desse tipo de trabalho ser algo recente na unidade ede ainda não estar muito claro para elas. Isso pôde ser observado no momento de informá-las sobre os grupos, ondemuitas me perguntavam: ‘Mas pra que serve o grupo?’, ‘O que tenho que falar?’, ou seja, entendo que talvez tambémfosse difícil para elas expor em palavras o que estava se passando naquele momento, pois cada um tem o seu momentode falar e é importante que todo profissional compreenda e respeite isso. Acrescento ainda que esta questão da demandanão é específica nem deste tipo de grupo e nem da presente unidade de saúde, mas é algo que parece permear qualquertentativa de implantação de um ‘novo’ trabalho. O que penso ser primordial é tentar compreender de onde parte ademanda, isto é, quem está solicitando e precisando de tal tipo de serviço. No caso desta proposta, entendo que ademanda parece ter surgido de dois lugares: da equipe de saúde (incluindo a psicologia) e das pacientes.

    Outro fato que pode ter influenciado na participação dos grupos diz respeito à maneira de abordar as pacientes. Muitasvezes me questionei se estava falando do modo errado, apresentando o grupo de uma forma desinteressante. Mas, aomesmo tempo, pensei que não tinha o porquê fazer do grupo um momento ‘mágico’, legal e interessante, pois poderiahaver frustração depois e também porque esse não era o meu papel, quer dizer, a minha função não era divertir e nementreter, não que o grupo não pudesse ser um momento de descontração, mas o mais importante é que eu pudesseacolher o que as pacientes tinham a dizer e que o grupo pudesse ser um momento de escuta, de trocas e um espaço onde

     pudesse emergir o desejo. E aí é que entrou a maneira como a equipe de enfermagem queria que fosse proposto o grupo:de forma obrigatória, intimando as pacientes a participarem. Esclareci que a psicologia não trabalha com ‘intimação’,mas sim com demanda.

    Outra questão em relação à realização dos grupos foi a dificuldade em encontrar a sala multiuso disponível no horárioreservado, mesmo havendo um informativo na porta da sala. Houve vezes em que as pacientes estavam lá acomodadas

     porque a respectiva enfermaria estava sendo lavada, porque estavam de alta e aguardavam os acompanhantes, porqueassistiam televisão e outros momentos em que estava acontecendo algum atendimento por outro setor. Essesacontecimentos dificultavam a realização dos grupos por dois motivos: (1) porque era preciso ‘retirar’ as pessoas doespaço para depois chamar as pacientes nas enfermarias, o que dispendia tempo e (2) porque mu itas vezes me sentiaincomodada, pois era como se eu estivesse atrapalhando a dinâmica da maternidade na medida em que as pacientesteriam que ser realocadas em outro espaço que não a sala multiuso.

    Uma outra situação que me deixou bastante desanimada foi a falta de implicação da equipe de enfermagem nos grupos.Infelizmente, era difícil encontrar algum membro da equipe disponível (e interessado) em estar participando comigo dosmesmos. Isso me deixava desestimulada e também chateada porque era como se eu estivesse fazendo uma propagandaenganosa para as pacientes, visto que a enfermagem raramente participava. No momento de falar sobre o grupo para as

     pacientes, ficava incomodada em divulgar a participação da enfermagem, pois não tinha nenhuma garantia de que issoaconteceria.

    Penso que a ausência da enfermagem nos grupos faz parte do jogo instituído x instituinte, na medida em que a forçainstituinte luta contra o que já está instituído na unidade, não sendo essa uma luta fácil, pois há muito mais aspectosdesfavoráveis do que favoráveis ao instituinte. Além disso, há que se levar em consideração a rotina de trabalho e ohorário dos grupos, que também podem ter dificultado a participação, tão cara, da enfermagem, já que parte do objetivo

    do grupo não pôde ser alcançado. Porém, mesmo com todos os empecilhos, o mais importante é não desanimar, nãodesistir porque dificuldades sempre existirão. Confesso que fiquei desanimada, mas não desisti em nenhum momento,mesmo quando não aparecia ninguém eu estava lá firme e forte e muitas vezes o grupo funcionou com uma ou duas

     pessoas sem perder o seu objetivo. Em algumas ocasiões, realizei o grupo na própria enfermaria canguru e fui percebendo que outras formas de intervir eram possíveis. Bastava explorar todos os recursos disponíveis, olhando-ossob ângulos diferentes.

     No que diz respeito ao conteúdo trabalhado nos grupos, um dos aspectos observados foi a dificuldade, não somente dasmães, como também dos pais de bebês que se encontravam na UN em entrar em contato com o bebê, contato esteentendido como o olhar, o tocar, o acariciar, o sentir e o pegar nos braços. De acordo com Scochi et. al . (1999), “os paisdesse grupo de crianças também têm sido considerados uma população de risco, por apresentarem vários sentimentos edificuldades para cuidar dos filhos, necessitando de apoio durante a internação e após a alta hospitalar” (p. 496). Muitas

     pacientes relatavam ter ‘medo’ de pegar o filho no colo devido aos aparelhos que ele utilizava e também sentiam

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    ‘nervoso’ de vê-los com os mesmos.

    Acredito que esses sentimentos fazem parte da dificuldade em aceitar um bebê prematuro ou com alguma doença, jáque durante a gestação foi sonhado um bebê com determinadas características físicas e psicológicas não encontradasapós o nascimento, havendo assim um confronto entre o bebê ideal (imaginado) e o real. Além disso, também foi

     percebido que as mães, ao se depararem com seus filhos, experimentavam sentimentos de incompetência e frustração por não terem dado à luz ao filho sonhado. Segundo Freud (1996) em seu texto ‘Sobre o narcisismo’, a atitude de paisafetuosos para com os filhos é um retorno e uma reprodução de seu próprio narcisismo 13, o qual haviam abandonado hátempos. A atitude emocional dos pais é dominada pela supervalorização do filho, ou seja, todas as perfeições sãoatribuídas a ele, sendo ocultadas todas as deficiências do mesmo. Assim, os pais depositam em seus filhos todos os seussonhos e esperanças, abandonados com a certeza de que seriam concretizados pelos filhos. Como diz Freud (1996), “acriança concretizará os sonhos dourados que os seus pais jamais realizaram – o menino se tornará um grande homem eum herói em lugar do pai, e a menina se casará com um príncipe como compensação para sua mãe” (p. 98).

    Portanto, o que ocorre no caso das mães, cujos bebês são prematuros ou têm alguma outra dificuldade, é a frustração por não ter gerado o bebê perfeito que esperavam, isto é, houve um contraste entre o ego ideal (aquilo que desejaria quefosse), que seria o substituto do seu narcisismo perdido na infância e no qual foram depositados sonhos e esperanças, eo ego real (aquilo que realmente é). Sendo assim, um dos sentimentos observados nessas mães durante os grupos foi ode baixa auto-estima, pois como afirma Freud (1996), “a compreensão da impotência, da própria  incapacidade de amar,em conseqüência de perturbação física ou mental, exerce um efeito extremamente diminuidor sobre a auto-estima” (p.105).

    Um outro fato constatado foi a dificuldade das mães em perguntar à equipe sobre o estado de saúde de seus bebês e o por quê da utilização de certos aparelhos. Várias perguntas nesse sentido foram feitas no grupo, as quais seriamrespondidas pela equipe de enfermagem, o que, infelizmente, nem sempre aconteceu. Nessas situações, procuravaacompanhar a paciente até a UN para que ela pudesse esclarecer suas dúvidas com a equipe.

    Certa vez, uma paciente relatou que estava com muito medo de perguntar à equipe sobre o seu bebê porque na sua primeira gestação, a sua filha, que nasceu de seis meses, não resistiu e que, portanto, agora estava com medo de que seu

    filho, que havia nascido com sete meses, também não resistisse. Logo, para evitar ouvir uma má notícia, ela preferia não perguntar nada. No final do grupo ela me perguntou se gostaria de conhecer seu bebê, respondi que sim e fomos até àUN. Lá chegando, havia uma enfermeira ao lado da incubadora de seu filho e qual não foi a minha surpresa ao perceberque a paciente esboçava uma vontade de perguntar algumas coisas para ela, tais como: por que ele havia mudado delugar e para quê servia o ‘canudinho’ em sua boca. A enfermeira respondeu que ele mudou de lugar porque já haviasaído da UTI e estava agora na UI e o ‘canudinho’ servia para alimentá-lo. Após as perguntas terem sido feitas, a

     paciente me disse que estava bem mais tranqüila e que agora não teria mais medo de perguntar, pois sabia que seu bebêestava fora de risco. No dia seguinte, ao fazer o grupo de enfermaria, a primeira coisa que a paciente me disse foi queagora estava perguntando tudo a respeito de seu bebê e que, em breve, estaria na enfermaria canguru para que eleganhasse peso. Neste momento, senti-me feliz por perceber que a minha simples presença acolheu e permitiu a fala deum outro que até então sofria calado.

    A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NA MATERNIDADE: CONSIDERAÇÕES FINAIS 

    Em linhas gerais, a atuação da psicologia na maternidade aconteceu por três vias: (1) os atendimentos individuaissolicitados pela equipe, (2) os grupos de enfermaria e (3) os grupos de mães.

    Observou-se que os casos específicos atendidos pela psicologia quando requisitados pela equipe eram, na maioria dasvezes, de caráter emergencial e não possuíam uma demanda estritamente psicológica. Na realidade, eram situações queestavam incomodando ou chamando a atenção da equipe devido a um descontrole emocional da paciente, sendo

    13 De acordo com Freud (1996),