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 1 P N SP: A I A F A E E S P Projeto NUTRE SP Análise da Inclusão da Agricultura  Familiar na Alimentação Escolar no Estado de São Paulo Janeiro 2012  Pré Faciais.indd 1 20/01/2012 19:24:40

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo

Projeto NUTRE SP

Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo

Janeiro 20121

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Realizao

Execuo

Fundado em abril de 2001, o Instituto Via Pblica uma organizao sem fins lucrativos cujo objetivo contribuir para o aperfeioamento das polticas pblicas no Brasil e o desenvolvimento econmico e social do pas. Nossa proposta desenvolver projetos que permitam ao poder pblico, organizaes no governamentais e empresas privadas buscar solues capazes de garantir a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros por meio de aes econmicas e sociais. Sitio eletrnico: www.institutoviapublica.org.br

Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. Secretaria da Agricultura Familiar; Instituto Via Pblica Projeto Nutre SP: anlise da incluso da agricultura familiar na alimentao escolar no estado de So Paulo./Maria Amlia Jundurian Cor; Walter Belik , organizadores --So Paulo: Instituto Via Pblica, 2012. 104p.:Ilust. 1. Agricultura Familiar 2. Alimentao Escolar I-. Instituto Via Pblica II- Ttulo

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So PauloMinistrio do Desenvolvimento Agrrio Ministro Afonso Florence Secretrio de Agricultura Familiar Laudemir Andr Mller Diretor do Departamento de Gerao de Renda e Agregao de Valor Arnoldo Campos Coordenador Geral de Diversificao Econmica, apoio Agroindstria e apoio Comercializao Pedro Antnio Bavaresco Coordenador de Comercializao Manuel Bonduki Instituto Via Pblica Diretor-executivo Pedro Paulo Martoni Branco Diretor de Planejamento Geral e Coordenao de Projetos Luiz Henrique Proena Soares Diretora de Pesquisas e Metodologias Annez Andraus Troyano Presidente do Conselho Deliberativo Ceres Alves Prates Projeto NUTRE SP Coordenao Geral Pedro Paulo Martoni Branco Coordenao Tcnica Walter Belik Gerncia do Projeto Maria Amelia Jundurian Cor Equipe Tcnica Ana Cristina Gentile Ferreira Daniel Bertoli Devancyr Romo Eduardo Bermejo Fabola Camargo Figueiredo Silva Francine Procpio Izaura de Abreu Santana4

Janana Romano Rangel Jorge Eduardo Julio Laura Rezende Fuser La Lameirinhas Malina Liliane Batista Barbosa de Souza Luanda Villas Boas Vannuchi Maria Claudia Nogueira Marina Vianna Ferreira Nuria Chaim Sandra Magalhes Pupo Santos Sofia Reinach Apoio Administrativo Ana Carolina Sciareli lvaro Moreira Branco Sobrinho Camila Nicoletti Diego Rodrigo Lana Mrcia Zanai Tatiane Rodrigues Oliveira Editoria e reviso de texto Aderval Borges Projeto Grfico Eliane Rios Antonio Roizman Ilustrao Antnio Carlos Nicolielo Ncleo de Estudos e Pesquisa em Alimentao (NEPA/UNICAMP) Walter Belik Emma Siliprandi Agradecimentos Agricultores e Agricultoras familiares representados pelos empreendimentos aqui analisados, Coordenadoria de Assistncia Tcnica Integral (CATI), Comisso Estadual Intersetorial de Alimentao Escolar (CEIA), Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Consrcio Nacional de Segurana Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD) do Sudoeste Paulista e do Vale do Ribeira, Delegacia do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio de So Paulo, Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), Ncleo de Planejamento do Sudoeste Paulista (NUPLAN), Prefeituras do Estado de So Paulo analisadas, em especial So Bernardo do Campo e Tamba e Tribunal de Contas da Unio (TCU).

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SumrioApresentao Projeto NUTRE SP Introduo Chamada Pblica: Instrumento Legal de Compras da Agricultura Familiar para a Alimentao Escolar La Lameirinhas Malina Organizaes da Agricultura Familiar no Estado de So Paulo e sua Experincia de Fornecimento para o PNAE Liliane Batista Barbosa de Souza Estudo de Caso de Sucesso na Aquisio de Produtos da Agricultura Familiar para Alimentao Escolar: Municpio de Tamba SP Luanda Villa Boas Vannuchi Sofia Reinach A Agricultura Familiar e o Atendimento Demanda Institucional das Grandes Cidades Emma Siliprandi Walter Belik So Bernardo do Campo: Atuao Pioneira em favor da Agricultura Familiar Nuria Chaim Walter Belik Uso do Georreferenciamento no Retrato da Agricultura Familiar Formal do Brasil Janana Romano Rangel

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ApresentaoA promulgao da Lei n 11.947, de 16 de junho de 2009, representou uma grande conquista para a agricultura familiar brasileira. Em seu Artigo 14, h a determinao de que do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no mbito do PNAE, no mnimo 30% (trinta por cento) devero ser utilizados na aquisio de gneros alimentcios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizaes, priorizando-se os assentamentos da reforma agrria, as comunidades tradicionais indgenas e comunidades quilombolas. O oramento disponibilizado no ano de 2011 para o fornecimento da alimentao escolar para os 44 milhes de beneficirios dirios do programa foi de aproximadamente 3 bilhes de reais. Sendo assim, o mercado reservado exclusivamente para a agricultura familiar alcanou o considervel volume de aproximadamente 1 bilho de reais, no mnimo. No entanto, apesar de representar inquestionvel conquista, o mercado do PNAE impe tambm enorme desafio para as organizaes produtivas da agricultura familiar. O programa possui complexidade prpria, com uma srie de especificidades como a multiplicidade de atores e arranjos institucionais em que executado. Compreender tais especificidades e identificar as melhores formas de promover a comercializao dos seus produtos so condies para o sucesso da insero da agricultura familiar neste mercado bilionrio. Nas regies metropolitanas e grandes cidades do Brasil, tais desafios atingem seu ponto culminante. Como os recursos repassados para a alimentao escolar pelo PNAE/FNDE/MEC so proporcionais ao nmero de alunos7

matriculados, parcela significativa deles concentra-se nestas populosas cidades. As 100 maiores prefeituras (1,7% do total) recebem cerca de 30% dos recursos repassados aos municpios. Dado seu elevado grau de urbanizao, no entanto, o nmero de agricultores familiares locais significativamente menor. Assim, tais regies apresentam a condio especfica de, por um lado, disporem de um mercado institucional de peso e, por outro, no comportarem quantidade compatvel de agricultores familiares. Distribuio dos recursos repassados pelo FNDE aos municpios em 2011

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo Tendo isso em vista, a Secretaria da Agricultura Familiar, atravs do Departamento de Gerao de Renda e Agregao de Valor, definiu a estratgia Nutre Brasil que consiste em prestar apoio e promover a articulao entre os gestores pblicos responsveis pelas compras do PNAE nos maiores municpios do pas e as organizaes econmicas da agricultura familiar com maior capacidade de fornecimento. Em So Paulo, estado que concentra nada menos que 36 dos 100 maiores municpios do pas em termos de repasse do FNDE, tivemos a importante parceria do Instituto Via Pblica, como Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico de reconhecida capacidade, escolhida por meio de chamada pblica de projetos, ela imprimiu profissionalismo e qualidade gesto do NUTRE So Paulo. Esta publicao vem, assim, para consolidar e trazer a pblico as reflexes dos membros e parceiros do projeto NUTRE So Paulo, contribuindo para o debate e desenvolvimento das polticas pblicas voltadas para a agricultura familiar, das quais se beneficiam brasileiros do campo e da cidade. Boa leitura. Laudemir Andr Mller Secretario de Agricultura Familiar - MDA

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Projeto NUTRE SPO Instituto Via Pblica firmou parceria com a Secretaria de Agricultura Familiar do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) na execuo do Projeto NUTRE SP, com a finalidade de fomentar a articulao entre a agricultura familiar e municpios paulistas, no esprito da Lei n 11.947/2009. Por este mandamento legal, se tornou possvel estabelecer forte e potencialmente vlido mecanismo de induo s compras de alimentos provenientes especialmente da pequena agricultura familiar, dado que pelo menos 30% dos repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) destinados s aquisies para o abastecimento da merenda escolar devero ser endereados a esses fornecedores. A partir desse instrumento legal, todavia, o que se criou desde logo se criou foi um estmulo a ser validado, uma vez que, entre a capacidade de oferta existente e a qualificao institucional dos poderes locais para fazerem valer o seu interesse em suprir o que determina a legislao de modo a efetivamente favorecer os produtores estabelecidos, mediava longa distncia isso ainda em um estado cuja capacidade organizacional do poder pblico local e qualificao dos fornecedores tem caminhado acima da mdia dos seus equivalentes no restante do pas. Viram-se, portanto, trs atores enlaados pelo objeto da parceria diante deste expressivo desafio: 1) a SAF-MDA/ Instituto Via Pblica, enquanto parceiros no delineamento e implementao do experimento original de promover a aproximao entre compradores pblicos os municpios e os fornecedores privados agricultores familiares e seus empreendimentos; 2) as prefeituras municipais, no af de darem cumprimento ao que passou a determinar a lei; e 3) os agri9

cultores familiares, no propsito de conseguirem no apenas se habilitar perante os pr-requisitos que os qualificaria para o papel de fornecedores, mas especialmente o de lograrem sucesso em sustentar a sua oferta de modo continuado por longos perodos. Dado o expressivo volume de compras envolvido na alimentao dos alunos da rede pblica paulista, o projeto teve por foco os empreendimentos de agricultores familiares locais e regionais. Entretanto, diante da demanda configurada, as compras realizadas acabaram impactando tambm fornecedores estabelecidos fora do territrio estadual, atingindo, em vrios casos, uma abrangncia nacional. Este desdobramento no foi questionado pelo Projeto NUTRE SP, dado que o seu propsito era o de apoiar a insero de gneros produzidos pela agricultura familiar para atender a chamadas pblicas das escolas de municpios compradores do Estado de So Paulo. Porm, disto sobressai um alerta, eis que os fornecedores dessas localidades mais remotas futuramente devero tambm responder s demandas locais, o que estaria a demonstrar que o sucesso que se espera desse estmulo legal dever implicar em maiores apoios ao desenvolvimento da agricultura familiar em todo o pas, isto configura desde logo um saudvel desdobramento do tema para o MDA, que se v estimulado a encetar novas modalidades de fomento e estmulo pequena agricultura e suas cooperativas, desta vez melhor respaldadas pelo novo patamar da demanda sustentada a partir do advento da Lei n 11.947/2009. A publicao que ora vem a lume rene um conjunto de artigos elaborados a partir das experincias das equipes mobilizadas para a execuo do programa de trabalho da parceria entre a SAF-MDA e o Instituto Via Pblica. Espera-se que o

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo leitor, ao percorrer os relatos e abordagens analticas condensados nos seus vrios captulos, possa encontrar uma boa fonte de referncia e orientao para a multiplicao dos xitos . Exitos estes que devero ser alcanados nas aes de desenvolvimento institucional que venham a realizar com objetivos semelhantes aos que foram atingidos de modo to satisfatrio no desenvolvimento da parceria que possibilitou a elaborao do que se est a divulgar. O Instituto Via Pblica manifesta-se muito honrado pelo fato de ter podido encarar desafios to eloquentes e acredita que a sua insgnia de entidade voltada para o desenvolvimento da gesto pblica encontrou momento extremamente alvissareiro ao partilhar projeto de tamanha relevncia, para o qual contou com a importante participao do NEPA-UNICAMP e especialmente com o apoio imprescindvel e organicamente participante dos quadros da SAF-MDA. Pedro Paulo Martoni Branco Diretor Executivo Instituto Via Pblica

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IntroduoA Agricultura Familiar no Estado de So Paulo apresenta caractersticas nicas e prprias de uma regio extremamente dinmica. Por ser um estado cuja base est amparada na economia industrial, em transio para uma sociedade de servios, a agricultura em geral no percebida entre a populao pela sua importncia. Afinal, o setor agropecurio representa no mais do que 1,6 % do PIB paulista e a mo de obra residente nas reas rurais 5,7% do total. Assim quem passa ao largo dos indicadores do setor rural acaba no se dando conta do peso da agricultura familiar em So Paulo e da sua complexidade e heterogeneidade. Mais do que isso, no se d conta das possibilidades colocadas por esse setor no sentido de promover o desenvolvimento local e transformaes em uma rea que parecia distante, que a gesto da alimentao das escolas pblicas. Segundo o Censo Agropecurio de 2006 (IBGE), o Estado de So Paulo possua 151.015 estabelecimentos de agricultura familiar (66,3% do total da agricultura) ocupando uma rea de 2,5 milhes de hectares (15,0% dos estabelecimentos). A agricultura familiar ocupava 328.177 trabalhadores ou 36,1% da mo de obra empregada na agricultura do estado, sendo que mais de 80% desses trabalhadores teriam algum lao de parentesco com chefe do estabelecimento. Em termos de valor da produo a importncia da Agricultura Familiar tambm maiscula mesmo considerando as grandes propriedades tecnificadas da agricultura patronal. Uma proporo de 15,7% do valor gerado em campos paulistas sai de estabelecimentos da agricultura familiar tendo nfase nas hortalias e frutas mas tambm com grande importncia em outras culturas alimentares: uma tera parte do feijo e uma quarta parte do arroz produzido no estado vm da agricultura familiar.11

Por outro lado, a agricultura de So Paulo apresenta tambm caractersticas encontradas em regies pobres do Brasil dado que, proporcionalmente, rea rural do estado concentra a maior quantidade de pobres. Entre os agricultores familiares, o Censo Agropecurio de 2006 contou 6.228 assentados e 5.176 ocupantes de terras. Alm disso, o estado possui 49 quilombos e aproximadamente 15% dos estabelecimentos so chefiados unicamente por mulheres. Acrescente-se a essa mistura, as compras da agricultura familiar seguindo as determinaes da Lei 11.947/2009. Como era de se esperar, o Estado de So Paulo detm o maior alunado do Brasil, com um total de 8,8 milhes de estudantes que recebem refeies durante 200 dias por ano. O valor do repasse do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educao (FNDE) para as compras da agricultura familiar tambm o maior do Brasil, tendo atingido R$ 167 milhes em 2011. Diante desse quadro, como fazer com que as organizaes de agricultores familiares possam se estabelecer e se consolidar nesse novo mercado? Trata-se de um grande desafio considerando que esses agricultores continuam margem do mercado institucional. Para exemplificar, segundo o Censo de 2006, apenas 22,7% dos agricultores familiares paulistas acessaram o sistema de crdito e, at 2011, somente 34,5% desses agricultores haviam requerido a Declarao de Aptido do Pronaf (DAP), documento que os habilita a contratar crditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e de e comercializar a sua produo junto ao Governo Federal. O presente volume preparado pelo Projeto NUTRE SP, uma parceria entre o Ministrio de Desenvolvimento

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo Agrrio (MDA) e o Instituto Via Pblica, com a colaborao do NEPA / Unicamp, pretende dar conta de algumas das questes lanadas acima. Ele apresenta os resultados do PROJETO DE PROMOO DA INSERO DE GNEROS ALIMENTCIOS DA AGRICULTURA FAMILIAR NA ALIMENTAO ESCOLAR NO ESTADO DE SO PAULO que visa aproximar o universo da agricultura familiar das novas diretrizes colocadas para a gesto municipal da alimentao escolar. A obra est dividida em seis artigos a partir de uma seqncia de temas abarcados pelos trabalhos tcnicos do projeto durante o ano de 2011. No primeiro captulo so lapidadas as questes de fundo que movem a discusso sobre o instrumento legal das Chamadas Pblicas. Esse tema tem causado enormes polmicas muito mais pela falta de conhecimento que pela dificuldade de implantao entre os procedimentos do municpio. Vale mencionar que a forma de divulgao e operao de uma Chamada Pblica no traz qualquer novidade em relao conhecida modalidade do Registro de Preos. No captulo seguinte analisamos o perfil das organizaes de produtores paulistas que j vem fornecendo gneros para a alimentao escolar. Esse captulo foi construdo a partir de entrevistas diretas com 32 organizaes sediadas no estado. O artigo 3 analisa um caso de sucesso que tem sido utilizado como exemplo para todos os municpios que pretendem trabalhar com a agricultura familiar. Tratase de Tamba, pequeno municpio da Mogiana com 22 mil habitantes, um dos pioneiros a utilizar gneros dos produtores locais para a alimentao de seus estudantes. Esse caso contrasta com o estudo apresentado no artigo 4 no qual analisamos as dificuldades e os avanos nas compras de 21 municpios de mais de 300 mil habitantes do Estado de So Paulo. Estes renem 52% da populao paulista e comungam de problemas comuns para a execuo das novas diretrizes estabelecidas pelo Programa Nacional da Alimentao Escolar (PNAE). Seguindo nesse tema, o artigo 5 apresenta o caso do municpio de So Bernardo do Campo, onde a participao da agricultura familiar mnima, dado que a ocupao do seu espao tem finalidades quase que exclusivamente urbanas. Ainda assim, a prefeitura promoveu uma verdadeira transformao na alimentao escolar de seus estudantes ao introduzir produtos frescos de agricultores familiares da regio. O livro se encerra com um material cartogrfico de grande valor acompanhado de breves anlises sobre a distribuio espacial da agricultura familiar no Brasil.

Walter Belik Coordenador Tcnico

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar

La Lameirinhas Malina 1. IntroduoAo se falar da compra da agricultura familiar para a alimentao escolar por meio de chamadas pblicas, rapidamente vem mente algumas perguntas: O que uma chamada pblica? No que difere de uma licitao e, ainda, no fere os princpios da Lei n 8.666/1993 (Lei das Licitaes), que disciplina a maior parte dos processos seletivos pblicos? A Lei n 11.947/2009, que dispe sobre o atendimento alimentao escolar, entre outros aspectos precisa ser regulamentada para ser aplicada pelos municpios e estados? De incio, importante salientar que o rgo responsvel por gerir a compra de gneros da agricultura familiar para a alimentao escolar o Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE), vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) autarquia do Ministrio da Educao (MEC) que tem como uma das finalidades captar recursos para a alimentao escolar. O PNAE existe desde a dcada de 1950 e, ao longo do tempo, passou por profundas modificaes. Sua ltima regulao foi a Lei n 11.947/2009, citada acima, que prev como diretrizes: Emprego de alimentao saudvel e adequada que respeite a cultura e a tradio; Incluso da educao alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem; Universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pblica de educao bsica; Participao da comunidade no controle social; Direito alimentao escolar, para garantir a segurana alimentar e nutricional dos alunos; Apoio ao desenvolvimento sustentvel, com incentivo15

para a aquisio de gneros alimentcios diversificados, produzidos em mbito local. No interior dessas diretrizes se inclui a obrigatoriedade de compra de 30% dos recursos repassados pelo FNDE alimentao escolar diretamente da agricultura familiar. A regulao determinada pela Lei n 11.947/2009 est inserida em um contexto de mudana de concepo no fornecimento da alimentao escolar, atrelada ao desenvolvimento local e alimentao saudvel e diversificada. Lei n 11.947/2009 - Art. 14 Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no mbito do PNAE, no mnimo 30% (trinta por cento) devero ser utilizados na aquisio de gneros alimentcios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizaes, priorizando-se os assentamentos da reforma agrria, as comunidades tradicionais indgenas e comunidades quilombolas. 1o A aquisio de que trata este artigo poder ser realizada dispensando-se o procedimento licitatrio, desde que os preos sejam compatveis com os vigentes no mercado local, observando-se os princpios inscritos no art. 37 da Constituio Federal, e os alimentos atendam s exigncias do controle de qualidade estabelecidas pelas normas que regulamentam a matria. 2o A observncia do percentual previsto no caput ser disciplinada pelo FNDE e poder ser dispensada quando presente uma das seguintes circunstncias: I - impossibilidade de emisso do documento fiscal correspondente; II - inviabilidade de fornecimento regular e constante dos gneros alimentcios; III - condies higinico-sanitrias inadequadas.

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo A Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) vem atuando junto ao FNDE para a implementao desta legislao, j que ela visa tambm trazer benefcios aos agricultores e agricultoras familiares. Alguns desses benefcios so: O combate pobreza rural; A gerao de renda para agricultores(as) familiares; A possibilidade de garantia de escoamento de parte da produo; O incentivo permanncia na atividade agrcola1. Com base nos aspectos citados, nota-se que h uma concepo de poltica pblica, discutida em mbito federal, que ancora a determinao do gasto de 30% dos recursos repassados para a alimentao escolar com a agricultura familiar, no se tratando, portanto, de simples favorecimento a um tipo de fornecedor para as compras pblicas.1. Informaes retiradas da Cartilha O Encontro da Agricultura Familiar com a Alimentao Escolar, disponvel no site do MDA: http://portal.mda. gov.br/.

2.Instrumento para a compra direta da agricultura familiar: a chamada pblicaA Resoluo n 38 do FNDE, que regula os repasses federais para a alimentao escolar, prev para a aquisio direta de gneros alimentcios da agricultura familiar uma modalidade de compra diferenciada da Lei no 8666/1993: a chamada pblica. Esta se torna, assim, o instrumento mais objetivo para implementar parte do que est previsto na Lei n 11.947/2009, por proporcionar o primeiro contato, legal, entre prefeituras e agricultores(as). A compra por meio de chamada pblica no fere a Lei n 8.666/1993 vide uma das perguntas iniciais j que esta ltima institui normas para licitaes e contratos da administrao pblica, enquanto que a Lei n 11.947/2009, especfica para a aquisio direta de gneros alimentcios da agricultura familiar com as verbas do PNAE. Alm disso, ambas so leis federais, no havendo sobreposio entre uma e outra2. Ainda previsto na Lei o parcelamento da compra entre vrios(as) agricultores(as), definida pelo limite atual de R$ 9 mil em venda de produtos para o PNAE por ano por Declarao de Aptido ao Pronaf (DAP) Fsica3.2. Informaes retiradas da Cartilha Tcnica para Gestores Pblicos da Alimentao Escolar produzida pelo Projeto NUTRE SP. 3. A DAP um documento utilizado como instrumento de identificao dos(as) agricultores(as) familiares (DAP Fsica) e de suas organizaes (DAP Jurdica) para acessar polticas pblicas como o Pronaf, o PAA e o PNAE. 16

Resoluo n 38 do FNDE - Art. 21 As Entidades Executoras devero publicar a demanda de aquisies de gneros alimentcios da Agricultura Familiar para Alimentao Escolar por meio de chamada pblica de compra, em jornal de circulao local, regional, estadual ou nacional, quando houver, alm de divulgar em seu stio na internet ou na forma de mural em local pblico de ampla circulao. Pargrafo nico. Os gneros alimentcios a serem entregues ao contratante sero os definidos na chamada pblica de compra, podendo ser alterado quando ocorrer a necessidade de substituio de produtos, mediante aceite do contratante e devida comprovao dos preos de referncia. Resoluo n38 do FNDE Art. 24 O limite individual de venda do Agricultor Familiar e do Empreendedor Familiar Rural para a alimentao escolar dever respeitar o valor mximo de R$ 9.000,00 (nove mil reais), por DAP/ano. A legislao impe para os gestores pblicos novas formas de lidar com a compra para a alimentao escolar, atingindo diretamente o setor de compras e licitaes municipal ou estadual, por terem que se apropriar desse novo instrumento: a chamada pblica. Tais mudanas abrangem tambm os

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar profissionais que atuam no setor de alimentao escolar, em especial as nutricionistas e merendeiras; as primeiras devem fazer o esforo de adaptar o cardpio produo do local e as segundas, na maioria dos casos, tero de lidar com uma quantidade maior de alimentos in natura, e em maior diversidade. Resoluo n 38 do FNDE - Art. 18 3 A aquisio de que trata o caput deste artigo dever ser realizada, sempre que possvel, no mesmo ente federativo em que se localizam as escolas, observadas as diretrizes de que trata o art. 2 da Lei n 11.947/2009. 4 Na anlise das propostas e na aquisio, devero ser priorizadas as propostas de grupos do municpio. Em no se obtendo as quantidades necessrias, estas podero ser complementadas com propostas de grupos da regio, do territrio rural, do estado e do pas, nesta ordem de prioridade. A partir dessa previso de prioridades de compra dos(as) agricultores(as) do municpio, tambm necessrio que a administrao pblica os conhea, sendo fundamental, para isso, o apoio das secretarias de agricultura e dos rgos de assistncia tcnica. Assim, imperativo para o bom andamento da lei o dilogo interno entre diversos setores da prefeitura e o externo, entre a prefeitura e os(as) agricultores(as), j que esse tipo de comercializao uma novidade para ambos os lados, que tem que se adaptar. Mesmo com o pouco tempo de existncia, algumas prticas relacionadas aquisio de gneros alimentcios da agricultura familiar para a alimentao escolar j tm se mostrado muito profcuas. A primeira delas a aproximao da prefeitura previamente ao lanamento da chamada pblica com os(as) agricultores(as) locais, o que permite: Conhecer a produo agropecuria do municpio e adjacncias; Conhecer a existncia de organizaes formais da agricultura familiar do municpio e adjacncias4; Saber se os produtores tm DAPs; Saber se esses(as) produtores(as) e suas organizaes tm interesse de participar de vendas institucionais; Caracterizar as estruturas de produo/comercializao que esses agricultores e suas organizaes possuem. Logo, no preciso ter receio de conversar anteriormente abertura de chamada pblica com os(as) agricultores(as) familiares e suas organizaes sobre, por exemplo, condies de entrega, preo de referncia, possibilidade de substituio de produtos, etc., j que a lei prev a prioridade para grupos locais e adaptaes do cardpio, entre outras questes. Com essa aproximao, provvel que os gestores e os produtores(as) consigam se adaptar melhor s condies de cada uma das partes para implementar o aparato jurdico necessrio.

4. Segundo a Resoluo n 38 do FNDE, no art. 23: 4 No processo de aquisio dos alimentos, as Entidades Executoras devero comprar diretamente dos Grupos Formais para valores acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano. Para valores de at R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano, a aquisio dever ser feita de Grupos Formais e Informais, nesta ordem, resguardando o previsto no 2 deste artigo.

3. Anlise de algumas chamadas pblicas do Estado de So PauloO Projeto NUTRE SP, entre maro e outubro de 2011, fez uma anlise de chamadas pblicas, dentre as quais 42 lanadas no Estado de So Paulo. Essa anlise foi construda com diferentes itens considerados importantes para identificar quais os gargalos e quais os pontos interessantes que17

esto aparecendo nas chamadas para a participao efetiva dos produtores e empreendimentos da agricultura familiar. So eles: Locais e periodicidade da entrega; Preo de referncia;

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo Prazo de pagamento; Classificao dos projetos de venda; Mecanismo de substituio de produtos; Mecanismo de mudana de preos; Grau de processamento dos produtos. Tabela 1 N de chamadas 2 7 8 7 3 6 2 4 3 42 Tabela 2 N de chamadas 9 11 5 0 5 7 5 42

Alm desses itens, foram inseridas discusses sobre as clusulas contratuais, o cronograma de entrega dos produtos e o acesso s chamadas pblicas. Tais pontos foram definidos a partir de quatro referenciais: Conversas com organizaes da agricultura familiar do Estado de So Paulo visitadas pela equipe executora do projeto; Conversas com as seis prefeituras selecionadas para atuao mais prxima do projeto; Anlise de materiais secundrios, entre eles o artigo Alimentao escolar e assentamentos rurais: uma anlise dos limites e das possibilidades de implantao do artigo 14 da Lei no 11.947/2009 no Estado de So Paulo 5 ; Discusses, ao longo do segundo semestre de 2011, em oficinas realizadas pelo NUTRE SP, com propsitos de capacitao e aprimoramento para a implementao da legislao em questo, tanto para organizaes da agricultura familiar quanto para gestores pblicos. As tabelas a seguir (Tabelas 1,2 e 3) demonstram o nmero de habitantes, nmero de escolas pblicas e o nmero de matrculas na rede pblica de ensino das entidades executoras s quais se referem as 42 chamadas analisadas, a fim de explicitar algumas caractersticas relevantes ao se refletir sobre os itens citados. O primeiro gargalo identificado ao analisar as chamadas foi em relao ao prprio mecanismo da chamada pblica.5. BACCARIN, J. G. ; ALEIXO, S. S. ; SILVA, D. B. P. ; MENDONCA, G. G.. Alimentao escolar e assentamentos rurais: uma anlise dos limites e das possibilidades de implantao do Artigo 14 da Lei 11.947/2009 no Estado de So Paulo. In: V Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, 2011, Campinas. Anais da V Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, 2011. 18

N de habitantes At 10 000 10 000 a 50 000 50 a 100 000 100 000 a 200 000 200 000 a 300 000 300 000 a 400 000 400 000 a 500 000 500 000 a 1 Milho Mais de 1 Milho Total

% 4,6 16,3 18,6 16,3 7 14,3 4,6 9,5 7 100

Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e Censo da Educao 2009 (IBGE)

N de matrculas At 10 000 10 000 a 20 000 20 000 a 30 000 30 000 a 50 000 50 000 a 70 000 70 000 a 100 000 Mais que 100 000 Total

% 20,9 26 11,6 0 11,6 16,3 11,6 100

Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e Censo da Educao 2009 (IBGE)

Da forma como vem sendo aplicada em muitos municpios, funciona no mesmo modelo de um "registro de preos", dando opo para o comprador adquirir at os limites determinados pela chamada e no necessariamente a sua totalidade. Ou seja, a prefeitura faz o cronograma de entrega conforme sua necessidade, depois da assinatura do contrato com os(as) produtores(as) e, muitas vezes, de acordo com a falta de produtos ofertados por outros(as) fornecedores(as). Esta vem

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar Tabela 3 N de chamadas 2 7 5 10 4 7 5 2 42 Em relao exigncia de pagamento de taxa para participar de editais pblicos, veja o que o Tribunal de Contas de So Paulo (TCE), no artigo 84 da Lei Complementar n 709/93 da Consolidao de seu Regimento Interno, de 2005, afirma na Smula 26. Lei Complementar n 709/93 Smula 26 ilegal a exigncia de recibo de recolhimento da taxa de retirada do edital, como condio para participao em procedimentos licitatrios. Outro gargalo identificado que a maioria das chamadas no prev algum tipo de sano especfica para a prefeitura em caso de descumprimento de contrato por sua parte ou alguma forma de proteo aos contratados, apesar de constar, no modelo de contrato elaborado pelo FNDE6 a clusula descrita a seguir. Modelo de contrato para chamada pblica Sempre que a CONTRATANTE alterar ou rescindir o contrato sem culpa do CONTRATADO, deve respeitar o equilbrio econmico-financeiro, garantindo-lhe o aumento da remunerao respectiva ou a indenizao por despesas j realizadas. Das 42 chamadas analisadas no Estado de So Paulo, em apenas uma o contrato estipula forma especfica de sano por descumprimento por parte do poder pblico. Qual seja, prevendo a aplicao dos mecanismos da Lei n 8.666/1993 em caso de resciso contratual por qualquer uma das partes.

N de escolas At 10 10 a 30 30 a 50 50 a 100 100 a 150 150 a 200 200 a 500 Mais de 500 Total

% 4,6 16,3 11,6 23,2 9,5 16,3 11,6 4,6 100

Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e Censo da Educao 2009 (IBGE)

sendo uma das maiores reclamaes dos(as) agricultores(as), j que isto dificulta muito o planejamento da produo, e j causou, em alguns casos, at perda de produtos. Algumas prefeituras tm insegurana de concentrar suas compras da agricultura familiar, pois se houver qualquer problema de ordem natural, por exemplo podem ficar sem o alimento a ser servido nas escolas. Uma soluo para o problema tem sido a utilizao do registro de preos para outros fornecedores; que s acionado caso haja problemas na entrega dos produtos da agricultura familiar. Alm disso, para facilitar o planejamento de produo dos(as) agricultores(as), h chamadas que divulgam os quantitativos semanais a serem entregues, tema que ser abordado mais a frente. Em relao ao acesso s chamadas, foi apontado que h dificuldade de encontr-las, j que muitas so divulgadas somente pelo Dirio Oficial e pelo site da prefeitura; e em outras se exige inclusive o pagamento de taxa para se ter acesso mesmo que, como apontado pelo artigo 38 do FNDE, a chamada deva ser divulgada em diversos meios de comunicao, para que os(as) agricultores(as) familiares tenham acesso sua abertura.19

3.1 Oficinas de capacitao e aprimoramento realizadas pelo Projeto NUTRE SPO Projeto NUTRE SP, ao longo do segundo semestre de 2011, realizou nove oficinas das quais, em sete ocorreu uma dinmica participativa a respeito das dificuldades e possibilidades de resoluo para implementar a Lei n 11.947/2009 e,6. Disponvel em: http://portal.mda.gov.br/portal/saf/programas/alimentacaoescolar/2500755.

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo em especial, sobre as dvidas a respeito das chamadas pblicas7. Dessas oficinas, quatro foram voltadas para organizaes da agricultura familiar e trs para gestores (as) pblicos, nas regies de Bragana Paulista e Mogi Mirim, Sorocaba, Sudoeste Paulista e Vale do Ribeira. As questes que apareceram em todos os eventos foram: - Dificuldade para estabelecer o preo de referncia - Dificuldade para definir as especificaes de qualidade do produto - Falta de documentao dos produtores (nota fiscal, DAP, CNPJ, inspeo sanitria) - Infraestrutura viria precria do municpio - Importncia do dilogo entre as partes (prefeituras e organizaes da agricultura familiar) - Necessidade de maior divulgao das chamadas pblicas, via comunicao de rdio, jornais, igrejas, associaes, etc. - Necessidade de capacitar e motivar as merendeiras - Dificuldade com a logstica de distribuio (entrega ponto a ponto) - Elaborar o cardpio de acordo com a aptido da regio - Atraso no pagamento - Dificuldade de se adequar legislao sanitria - Falta de comunicao entre prefeituras e cooperativas - Falta de assistncia tcnica - Falta de divulgao, nas chamadas pblicas, do prazo para assinatura do contrato - Defasagem do preo da tabela Conab em relao aos custos finais para a entrega dos produtos

Oficinas para Produtores

Oficinas para Gestores Pblicos

Algumas das questes j foram tratadas, outras sero abordadas mais a frente. De qualquer forma, chama a ateno o fato de trs aspectos aparecerem tanto nos eventos de prefeituras quanto nos de produtores(as): preos de referncia (que ser tratado no item 3.5); comunicao (dilogo) entre prefeituras e cooperativas j apontadas neste texto; e questes sanitrias. Em relao s questes sanitrias, h a reclamao, por parte dos(as) produtores(as), de que em muitas chamadas7. Houve uma oitava oficina voltada para os (as) gestores (as) pblicos da regio de Mogi Mirim, realizada em parceria com a Coordenadoria de Assistncia Tcnica Integral (CATI) da regio. Nesta oficina a dinmica foi diferenciada, no havendo discusses em grupo sobre as chamadas pblicas e, sim, debate geral sobre as dificuldades de implementao de Lei n 11.947/2009. Mesmo assim, muitas das questes presentes nas outras oficinas tambm foram levantadas no evento. A nona oficina realizada foi uma rodada de comercializao, na qual participaram organizaes da agricultura familiar e prefeituras das regies do Vale do Ribeira, Bragana Paulista, Mogi Mirim e Sudoeste Paulista.

no fica claro qual o padro de qualidade exigido. Ao mesmo tempo, h prefeituras que tm dificuldade de elaborar esse item na chamada. Isso tem sido resolvido, em diferentes casos, mediante conversa entre as partes, com diferenciao entre o que padro de qualidade e o que padro de apresentao e homogeneidade dos produtos, envolvendo inclusive possibilidade de devoluo de alimentos, caso estejam fora dos parmetros determinados pela chamada pblica. Ainda h a especificidade dos produtos de origem animal que exigem certificao. Com relao aos quais, se a compra for feita de uma organizao ou de produtores(as) do prprio municpio, a criao do Servio de Inspeo Municipal (SIM) tem servido como soluo. Ao mesmo tempo, muitas organizaes do Estado de So Paulo esto buscando certificar-se para vender alimentao escolar, outras esto fazendo parcerias com locais de beneficiamento de produtos que j contam com a certificao.

3.2 Cronograma de entregaEm relao a este item, importante ressaltar que as chamadas pblicas, segundo consta no site do MDA (www. mda.gov.br), devem respeitar o Artigo 37 da Constituio Federal, que prima pela legalidade, impessoalidade, morali20

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar dade, publicidade e eficincia da concorrncia pblica. Bem como ter informaes suficientes para que os fornecedores apresentem corretamente os projetos de venda, qual seja: Tipos de produtos a serem adquiridos; Cronograma de entregas (periodicidade, incio e fim do fornecimento, entre outros aspectos); Locais onde sero feitas as entregas; Quantidade que ser comprada. Mesmo assim, muitos municpios no expem na chamada o cronograma de entregas, o que causa diversas dificuldades aos(s) produtores(as), como j apontado. Das 42 chamadas analisadas, apenas cinco tm uma tabela com o quantitativo semanal de entrega de produtos, conforme especifica o Quadro 1.

Quadro 1 - Exemplo de Cronograma de Entrega Previso semanal de entrega para o primeiro semestreProduto Abacate Acelga Alface Banana Berinjela Beterraba Cenoura Chuchu Couve Laranja Limo Mamo Mandioca Pepino Pimento Unid. Caixa Mao Mao Caixa Caixa Caixa Caixa Caixa Mao Caixa Caixa Caixa Caixa Caixa Caixa 29/03 a 02/04 0 0 510 53 18 10 33 8 0 49 14 24 8 0 0 05/04 a 09/04 0 0 630 15 22 7 46 24 110 49 11 70 9 0 0 12/04 a 16/04 10 0 223 30 0 41 34 20 0 54 14 44 12 37 21 19/04 a 23/04 0 0 236 0 0 0 0 0 15 34 6 0 14 6 0 26/04 a 30/04 17 10 630 45 28 3 45 26 0 49 19 37 35 35 0 03/05 a 07/05 0 0 630 45 22 0 28 0 0 21 6 23 19 18 14 10/05 a 14/05 0 0 480 0 0 26 46 19 450 54 19 70 14 29 0 17/05 a 21/05 0 252 510 30 0 18 39 17 319 75 6 29 45 5 16 24/05 a 28/05 0 0 630 0 0 0 36 44 110 69 19 55 32 7 0 31/05 a 04/06 8 272 527 77 0 13 44 39 160 75 11 15 31 5 21 07/06 a 11/06 17 178 630 77 0 0 36 24 110 75 5 15 0 35 14 14/06 a 18/06 0 0 480 47 0 14 43 18 0 75 11 38 27 35 0 21/06 a 25/06 0 0 510 53 18 10 33 8 0 49 14 24 8 0 0

3.3 Substituies de produtos ao longo da vigncia do contratoA possibilidade de substituio de produtos ao longo da vigncia do contrato vista como necessria tanto pelos(as) produtores(as) quanto pelas prefeituras. Por parte do poder pblico, fundamental que as nutricionistas possam alterar, por exemplo, gneros que no estejam sendo bem aceitos21

pelos alunos. Nestes casos, os(as) agricultores(as) entendem que deveria haver alguma forma de proteo contra as perdas causadas por esse tipo de mudana, tal como no exemplo da chamada na pgina seguinte. Ao mesmo tempo, a possibilidade de substituio de produtos tambm apontada por organizaes da agricultura familiar como algo que deveria ser incorporado s chamadas. Isso pode ser explicado, por um lado, pelo costume, j

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo Na hiptese tambm de ocorrer alguma adequao no cardpio pela Diviso de Alimentao Escolar no decorrer do ano letivo, de produtos hortcolas in natura ou industrializados e de produtos estocveis, as organizaes contratadas sero consultadas sobre a possibilidade de substituio de itens em adequao ao cardpio, ou ainda sobre a possibilidade de apresentao de novo projeto de vendas. No havendo disponibilidade pelas organizaes contratadas de DAPs e de produtos, a Diviso poder consultar outras organizaes credenciadas sobre a possibilidade e disponibilidade dos itens solicitados para apresentao de projeto de venda durante a vigncia da chamada pblica, ou publicar outras chamadas se necessrio. que muitos produtores (as) veem a entrega de produtos para a alimentao escolar como uma continuidade daquela feita para o Programa de Aquisio de Alimentos (PAA), o qual no apresenta impedimentos quanto substituio. Por outro lado, chamam a ateno principalmente dois problemas: H imprevistos de ordem natural na produo excesso ou falta de chuvas, por exemplo , que levam os produtores(as) a no disporem dos gneros prometidos para determinada entrega; Muitas prefeituras no levam em considerao a sazonalidade da produo agrcola nos pedidos de entrega. Das 42 chamadas pblicas analisadas, apenas quatro explicitaram que os pedidos de entrega sero feitos levando Classificao entre os projetos Menor preo por item Produo local Grupos locais e formais Produtos orgnicos/agroecolgicos Assentamentos, indgenas e quilombolas Maior nmero de agricultores beneficiados Grupos formaisFonte: Organizao da autora a partir de 42 chamadas pblicas analisadas. 22

em considerao a sazonalidade dos produtos, fator de significativa importncia para que a agricultura familiar consiga atender demanda do municpio. Outras quatro chamadas preveem algum mecanismo de substituio de produtos: determinam que os(as) produtores(as) podero pedir a substituio de acordo com a necessidade, autorizao das nutricionistas e verificao dos preos de referncia. Alm disso, muitas chamadas preveem a substituio de produtos apenas quando os alimentos entregues estiverem fora do padro de solicitao da prefeitura.

3.4 Classificao entre os fornecedoresA forma de classificar os projetos de venda apresentados para atender chamada pblica tambm tem gerado debates entre os que tm discutido a Lei n 11.947/2009 e a Resoluo n 38 do FNDE, j que a legislao prev diferentes prioridades: Para determinados grupos (assentamentos, indgenas e quilombolas); Para alguns tipos de produtos (orgnicos e agroecolgicos); Para a produo em mbito local. Das 42 Chamadas pblicas analisadas, a maioria combina algumas prioridades para classificar os(as) fornecedores(as) (por isso a percentagem total da Tabela 4 maior que 100%). Nmero de chamadas 18 18 12 8 7 5 3 (%) 41,9 41,9 27,9 18,6 16,3 11,6 7

Tabela 4

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar Das 18 chamadas pblicas que apontam como fator de classificao o menor preo por item, apenas em quatro este o nico critrio de classificao, enquanto a maioria o combina com a prioridade a grupos locais. Poucas chamadas, conforme se observa na tabela, priorizam as compras dos assentamentos, terras indgenas e comunidades quilombolas, ou os produtos orgnicos e agroecolgicos; e algumas propem outra forma de classificar, levando em considerao o maior nmero de agricultores(as) beneficiados(as). Esta tambm pode ser uma opo vlida, j que vai de encontro com a concepo da Lei, caso haja mais de um grupo concorrendo e desde que sejam contemplados outros critrios. Resoluo n 38 do FNDE - Art. n. 23 Na definio dos preos para a aquisio dos gneros alimentcios da Agricultura Familiar e dos Empreendedores Familiares Rurais, a Entidade Executora dever considerar os Preos de Referncia praticados no mbito do Programa de Aquisio de Alimentos - PAA, de que trata o Decreto n. 6.447/2008. 1 Entende-se por Preo de Referncia o preo mdio pesquisado, em mbito local, regional, territorial, estadual e nacional, nessa ordem dos produtos da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural. 2 Nas localidades em que no houver definio de preos no mbito do PAA, os Preos de Referncia devero ser calculados com base em um dos seguintes critrios: I Quando o valor da chamada pblica da aquisio dos gneros alimentcios da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural for de at R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano: a) mdia dos preos pagos aos Agricultores Familiares por 3 (trs) mercados varejistas, priorizando a feira do produtor da agricultura familiar, quando houver; ou b) preos vigentes de venda para o varejo, apurado junto aos produtores, cooperativas, associaes ou agroindstrias familiares em pesquisa no mercado local ou regional. II Quando o valor da chamada pblica da aquisio dos gneros alimentcios da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural for igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ano: a) mdia dos preos praticados no mercado atacadista nos 12 (doze) ltimos meses, em se tratando de produto com cotao nas Ceasas ou em outros mercados atacadistas, utilizando a fonte de informaes de instituio oficial de reconhecida capacidade; ou b) preos apurados nas licitaes de compras de alimentos realizadas no mbito da entidade executora em suas respectivas jurisdies, desde que em vigor; ou c) preos vigentes, apurados em oramento, junto a, no mnimo, 3 (trs) mercados atacadistas locais ou regionais.23

3.5 Preos de refernciaDefinir o preo de referncia mais adequado para uma chamada pblica tem sido uma das questes mais discutidas, tanto pelos que compram da agricultura familiar quanto pelos produtores que so fornecedores. Veja ao lado o que prev a Resoluo n 38 do FNDE. A resoluo determina que, prioritariamente, devem ser utilizados como referncia os preos da tabela da Conab, conforme o que foi adotado para o PAA. Os(as) agricultores(as), em geral, acham esses preos justos quando se tratam de vendas para o PAA, porm o mesmo no ocorre no tocante ao PNAE, cujos custos so maiores. A entrega ponto a ponto (em cada unidade escolar) de responsabilidade dos produtores enquanto no PAA a prefeitura geralmente se encarrega de transportar os produtos de um local nico at as entidades beneficiadas. H tambm acrscimo de custo com as embalagens, que muitas vezes tm de ser individualizadas enquanto que no PAA os alimentos so em geral entregues em caixas. A partir de dilogo entre prefeituras e produtores(as), algumas adaptaes tm sido feitas, como, por exemplo, as colocadas nos excertos na pgina a seguinte, tirados de trs chamadas diferentes.

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo Em ateno legislao que estabelece o teto mximo de R$ 9.000,00 ser considerado o produto in natura na embalagem original no atacado, exceto para alguns produtos industrializados. Quando o valor da embalagem representar um custo alto ao valor agregado do produto, este dever ser pago com recursos do tesouro destinados a contrapartida aos recursos do FNDE. Em ateno legislao que estabelece o teto mximo de R$ 9.000,00 (nove mil reais) ser considerado o produto na embalagem original no atacado. Os preos ofertados pelo Proponente Vendedor, correspondem embalagem no atacado, ao preo final ser agregado de custo de embalagem, transporte, armazenamento e distribuio. Esse servio de transporte e logstica e distribuio dever ser feito por empresa especializada na distribuio de alimentos e contratada pelos fornecedores. [Para] Produtos hortifrutcolas embalados e colocados em um ponto no municpio, sero adotados o preo de tabela da CONAB para o exerccio vigente do contrato. Nesses casos, foram mantidos como referncia os preos da tabela da Conab, porm levando em considerao as mesmas condies oferecidas pelo PAA, o que significa que o adicional para o pagamento de outras despesas passaria a ser responsabilidade das prefeituras. Outra possibilidade que as administraes municipais utilizam adotar como referncia a mdia de preos praticados pelo mercado atacadista ou pela tabela diria da Ceagesp, cuja paridade mais razovel para as condies de entrega estabelecidas para o PNAE, com exceo da descentralizada. Essa opo considerada polmica para as organizaes com cujos representantes a equipe do NUTRE SP teve contato, em virtude das variaes de preos. Os representantes das entidades argumentam que a tabela da Conab faz uma mdia entre os preos de safra e entressafra dos trs ltimos anos, excluindo os perodos de alta oscilao dos valores dos produtos agrcolas. Para alguns deles, os va24

lores divulgados pelo Boletim Dirio da Ceagesp, mesmo com sua grande variao, so considerados mais vantajosos financeiramente. H, ainda, chamadas que utilizam preos de referncia distintos para diferentes produtos, como no exemplo abaixo para compras de arroz e feijo. Considerando tratar-se de produtos negociados em Bolsa de Mercadorias; Considerando que so produtos imprescindveis na elaborao do cardpio escolar; Considerando que no poder haver risco de desabastecimento desses produtos por conta de variao de preos; A prefeitura adotar como critrio de prtica de preo, o preo MDIO de atacado da Bolsa de Cereais do Estado de So Paulo PRODUTOS BENEFICIADOS EM FARDO DE 30 QUILOS, ultima cotao anterior a emisso da nota fiscal. Entre as chamadas pblicas analisadas, foram verificadas as seguintes incidncias (Tabela 5): Tabela 5 Preo der Referncia Tabela Conab (PAA) Mdia dos mercados atacadistas Tabela Ceagesp Ata de registro de preos No consta Preo fixo Bolsa de Cereais de So Paulo Nmero de chamadas 27 7 7 4 3 2 1 (%)* 62,8 16,3 16,3 9,3 7 4,6 2,3

Fonte: Organizao da autora a partir de 42 chamadas pblicas analisadas. *Somam mais do que 100%, j que h chamadas que preveem diferentes referncias de preo por tipos de produtos, conforme citado.

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar H, ainda, como pode ser observado na Tabela 5, chamadas pblicas que determinam um preo fixo para os produtos. Nesses casos, os preos no so considerados elementos de classificao dos projetos, mas sim as prioridades de grupos, tipos de produtos e/ou localizao dos(as) produtores(as), estabelecidas na chamada pblica.

3.7 Entrega dos produtos (locais e periodicidade)Foi utilizada para a anlise deste item a metodologia proposta no artigo citado Alimentao Escolar e Assentamentos Rurais: Uma Anlise dos Limites e das Possibilidades de Implantao do Artigo 14 da Lei n 11.947/2009 no Estado de So Paulo8, cujos autores dividiram as entregas em relao ao seu grau de centralizao: Muito descentralizada (mais de 50 locais de entrega); Descentralizada (10 a 50 locais de entrega); Pouco descentralizada (entre 2 e 10 locais de entrega) Centralizada (um nico local de entrega) E periodicidade das entregas: 2 a 5 vezes por semana; Semanal; Quinzenal ou mensal; Em aberto; Sem informao. Muitas chamadas preveem mais de um grau de centralizao e de periodicidade das entregas para diferentes produtos (geralmente divididos entre in natura com entrega ponto Tabela 6 Categorias Centralizado Muito descentralizado (mais de 50 locais de entrega) Descentralizado (de 10 a 50 locais de entrega) No consta Pouco descentralizado (2 a 9 locais de entrega) Nmero de chamadas 28 10 7 5 1

3.6 Mecanismos de mudana de preoUm pouco mais de 25% (12) das chamadas analisadas abordam a possibilidade de reviso dos preos previstos no projeto de venda. Esta uma reivindicao de alguns empreendimentos consultados pelos tcnicos do Projeto NUTRE SP, j que os preos de mercado de alguns produtos flutuam muito, s vezes ficando muito acima da referncia estabelecida. Veja o que aponta o Artigo n. 23 da Resoluo n. 38. Resoluo n 38 do FNDE - Art. 23 5 A atualizao dos preos de referncia dever ser realizada semestralmente. Das chamadas que tm este mecanismo, algumas citam a resoluo e em outras ela aparece como referncia. Em duas chamadas esto previstos reajustes caso ocorram eventos imprevisveis, que alterem o equilbrio econmico-financeiro do contrato. Em outra chamada apontado que: Exceto as contrataes efetuadas por meio de Tabela de Preos da CONAB para o exerccio vigente, pedidos de realinhamento de preos podero ser solicitados mediante apresentao de documentos que fundamentem e comprovem a solicitao. Entretanto a organizao no poder suspender o fornecimento, sob pena de ter o contrato rescindido. Algumas chamadas consideram ainda a possibilidade de reajustes de preos em caso de reclassificao dos produtos, para mais ou para menos.

(%)* 65,1 23,2 16,3 11,6 2,3

Fonte: Organizao da autora a partir de 42 chamadas pblicas analisadas. *Somam mais do que 100%, j que h chamadas que preveem diferentes formas de entrega por tipos de produtos, conforme citado. 8. BACCARIN et al. (2011).

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo a ponto e maior frequncia e processados, com entrega centralizada e menor frequncia). Percebe-se que a maioria das chamadas prev entrega centralizada, o que facilita bastante a logstica dos(as) agricultores(as), que nem sempre tm meios de transporte prprio. Como j apontado, a questo da entrega tem sido um dos pontos mais debatidos entre prefeituras e produtores(as), j que afeta diretamente o preo final do produto. Nos eventos realizados pelo Projeto NUTRE SP, algumas prefeituras apontaram que, no longo prazo, pode ser invivel manter os custos da distribuio dos produtos nas unidades escolares, em funo do baixo oramento disponvel. Uma possvel soluo para isso foi a medida adotada por um municpio, reproduzida abaixo: Inicialmente para os gneros hortifrutigranjeiros das associaes e cooperativas que no tiverem a capacidade de atender a distribuio ponto a ponto deveremos centralizar em escolas prximos produo. H tambm dificuldades assinaladas por outras prefeituras, por exemplo a no existncia de um local adequado no municpio para receber os produtos de forma centralizada. Algumas gestes esto investindo na construo de cozinhas pilotos e/ou centrais de alimentos, mas mesmo assim nem sempre tm condies de se adaptar para receber os produtos em um ponto nico. Isso pode ser resolvido com a previso, na formao do preo do produto, do custo da entrega diretamente nas unidades escolares. Pelo lado dos(as) produtores(as), preocupante a grande quantidade de chamadas nas quais no explicitada a forma de entrega. Como colocado anteriormente, o preo do produto varia de acordo com o custo do frete e, neste sentido, a falta desta informao pode gerar muitos problemas posteriores, tanto para os produtores, que podem ter gastos muitos superiores aos que haviam previsto, quanto para as prefeituras, que podem ser prejudicadas pela no entrega dos produtos, quebra de contrato, entre outros problemas.26

Alm disso, vale mencionar prtica adotada em chamadas pblicas fora do Estado de So Paulo, nas quais h a possibilidade do empreendimento da agricultura familiar escolher uma regio da cidade na qual sero feitas as entregas; ou ainda escolher diretamente as escolas para as quais tm possibilidade de entregar, o que pode gerar uma maior distribuio dos recursos disponveis e facilita a logstica. Periodicidade da entrega Semanal Em aberto 2 a 5 vezes por semana 1 vezes por ms Quinzenal Bimestral Tabela 7 Nmero de chamadas 17 15 9 8 2 1

(%)* 39,5 34,9 20,9 18,6 4,6 2,3

Fonte: Organizao da autora a partir de 42 chamadas pblicas analisadas. *Somam mais do que 100%, j que h chamadas que preveem diferentes periodicidades de entrega por tipos de produtos, conforme citado.

J a periodicidade da entrega nas 42 chamadas analisadas se d conforme a Tabela 7. Percebe-se que a maioria das chamadas prev entregas semanais, o que parece ser razovel; ao contrrio do que seria se, por exemplo, a maioria tivesse mais de duas entregas por semana, tendo em vista o alto custo do transporte. tambm preocupante, novamente, o nmero de chamadas que deixam a periodicidade da entrega em aberto, pela importncia dos problemas j observados a esse respeito.

3.8 Grau de processamento dos produtosPara este item tambm foi utilizada a metodologia proposta no artigo Alimentao Escolar e Assentamentos Rurais: Uma Anlise dos Limites e das Possibilidades de Implantao do Artigo 14 da Lei no11.947/2009 no Estado de So Paulo9. Os9. Ob. Cit.

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Chamada Pblica: instrumento legal de compras da agricultura familiar para a alimentao escolar produtos foram divididos em relao ao seu processamento da seguinte forma (Tabela 8): Produtos in natura (sem nenhum tipo de processamento); Produtos com mdio grau de processamento (que pode ser feito na prpria unidade produtiva, como, por exemplo, legumes descascados e ovos); Produtos com alto grau de processamento (que precisam ser industrializados em local especfico). Tabela 8 Grau de processamento In natura In natura, mdio grau e alto grau In natura e mdio grau In natura e alto grau Alto grau Mdio grau e alto grau Nmero de chamadas 13 13 7 4 3 2 Tabela 9 Nmero de chamadas 2 8 8 10 14

Prazo de pagamento Em aberto De 15 a 30 dias aps a entrega 10 a 15 dias fora da quinzena da entrega At 15 dias aps cada entrega Mensal

(%) 4,8 19 19 23,6 33,4

(%) 30,9 30,9 16,7 9,5 7,1 4,8

Fonte: Organizao da autora a partir de 42 chamadas pblicas analisadas.

Fonte: Organizao da autora a partir de 42 chamadas pblicas analisadas.

O maior problema enfatizado em relao ao pagamento, por parte dos(as) produtores(as), quanto aos atrasos. Foram relatadas por alguns representantes de prefeituras duas situaes nas quais isso pode acontecer. A primeira diz respeito ao preenchimento incorreto da nota fiscal eletrnica, obrigatria para este tipo de comrcio; e a segunda esta relacionada demora nos repasses do FNDE. Em relao a este ltimo ponto, ao mesmo tempo em que os(as) produtores(as) alegam que no podem ser responsabilizados(as) por atrasos dos repasses, as prefeituras argumentam que o FNDE no aceita, na prestao de contas, a utilizao de uma ordem de pagamento que no seja referente verba destinada por esse rgo como parte dos 30% gastos com agricultura familiar, o que torna a questo complexa. De qualquer forma, o dilogo entre as partes com certeza facilita a soluo desse tipo de questo com menos desgaste para ambas.

Nota-se que a maioria das chamadas (somam 37 as que pedem os trs tipos de produtos, as que pedem produtos in natura e com mdio grau de processamento e as que pedem apenas produtos in natura) contempla agricultores(as) e empreendimentos que dispem somente de produtos in natura e, destas, 24 contemplam agricultores e empreendimentos com diferentes nveis de estruturas de processamento, o que parece o mais adequado, j que a produo e os empreendimentos da agricultura familiar so bastante diversos, e tm diferentes nveis de estruturao e articulao com a agroindstria.

3.9 Prazos de pagamentoNo tocante aos pagamentos, todas as prefeituras sublinham que este deve ser feito mediante a apresentao da nota fiscal da entrega. A maioria das administraes municipais (14) prev pagamento mensal, como se pode observar na Tabela 9.27

4. Consideraes finaisA partir da anlise dos pontos destacados sobre as chamadas pblicas, possvel ter uma espcie de raio X, mesmo que parcial, sobre como vem se dando a implementao da compra direta da agricultura familiar para a alimentao

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar no Estado de So Paulo escolar. Com certeza h muitos outros problemas e solues aos quais a equipe do Projeto NUTRE SP no teve acesso. De qualquer forma, fica a certeza de que, com o dilogo entre as partes, a possibilidade de melhorar o funcionamento da relao comercial grande. Levando-se em considerao os princpios norteadores do fornecimento de alimentao escolar propostos na Lei n 11.947/2009, possvel afirmar que, nos locais onde a compra direta da agricultura familiar est ocorrendo com aproximao entre gestores pblicos e produtores, j esto ocorrendo alguns dos processos previstos. Exemplos disso esto detalhados em outros captulos da presente publicao. Vale destacar aqui trs benefcios cruciais obtidos com a implantao da legislao: O desenvolvimento local j que a renda repassada pelos programas institucionais agricultura familiar permanece no municpio, pois os(as) produtores(as) tendem a consumir mais no comrcio local; A alimentao escolar mais saudvel j que os produtos so mais frescos e diversificados; A permanncia dos produtores(as) na atividade agrcola com a possibilidade de garantia de escoamento de parte da produo. Especialmente em relao s chamadas pblicas, entre os atores diretamente envolvidos com certeza fica a necessidade de uma abertura por ambos os lados: do poder pblico para se adaptar compra de alimentos mais frescos e saudveis, porm muitas vezes de produtores(as)/organizaes pouco acostumados com os protocolos das vendas pblicas; e para os produtores/organizaes, a necessidade de se estruturar e enfrentar as dificuldades burocrtico-administrativas para realizar essa venda, que pode ter extrema relevncia social e econmica para eles, e com certeza beneficiar um dos principais protagonistas desta Lei: os estudantes da rede pblica de ensino.

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Liliane Batista Barbosa de Souza IntroduoEste artigo traz um relato do trabalho realizado pelo Projeto NUTRE SP junto aos empreendimentos da agricultura familiar, em 2011, com o objetivo de contribuir para identificar as dificuldades e avanos vivenciados pelas organizaes que representam os produtores rurais no processo de atendimento ao mercado institucional e, mais especificamente, ao Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE). No Estado de So Paulo foram mapeados pelo projeto1 321 empreendimentos de agricultores familiares, dos quais 156 tinham Declarao de Aptido ao Pronaf (DAP) Jurdica at dezembro de 2011. Como se sabe, a DAP jurdica habilita as organizaes da agricultura familiar a acessar as polticas pblicas de comercializao, dentre elas o Programa de Aquisio de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE). Do total de organizaes mapeadas foram selecionadas 32 para a realizao do plano de fornecimento. O objetivo desse estudo foi traar parmetros sobre a agricultura familiar no Estado de So Paulo e fazer, assim, um diagnstico da relao atual dos seus empreendimentos com o mercado institucional. O levantamento foi realizado a partir de visitas e entrevistas com representantes e funcionrios das entidades s quais os agricultores familiares esto vinculados. Nas visitas a equipe do projeto aplicou um formulrio elaborado pela equipe tcnica do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) para avaliar as dificuldades e as alternativas encontradas desde a aprovao da Lei n 11.947/20092, alm de ter prestado esclarecimentos s organizaes para auxili-las a se adequar ao processo de comercializao institucional possibilitado pela legislao vigente. O projeto NUTRE SP determinou trs reas prioritrias de articulao as regies do Vale do Ribeira, de Bragana Paulista e do Sudoeste Paulista , porm alm dessas reas a equipe do projeto esteve presente tambm em outras regies do Estado para realizao das visitas s 32 organizaes selecionadas. A localizao destas organizaes est representada no mapa na pgina seguinte. Nas visitas tambm foi possvel conhecer algumas unidades de produo dessas organizaes: hortas e pomares, estufas, viveiros de mudas, unidades de processamento (minilaticnios, padarias, cozinhas para preparo de doces, de polpas de frutas, etc.). Grande parte dessas unidades de produo estava localizada no interior de assentamentos da reforma agrria3 grupo definido como prioritrio pela lei para as compras da agricultura familiar. Um dos aspectos observados foi o contraste dos empreendimentos da agricultura familiar com o cenrio das atividades agropecurias convencionais ao seu redor: canaviais a perder de vista na regio de Ribeiro Preto, no noroeste pau2. Esta lei federal estabelece que, no mnimo, 30% do total dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) s entidades executoras dos programas de alimentao escolar nos estados, municpios e Distrito Federal devem ser utilizados nas compras de gneros alimentcios diretamente da agricultura familiar, por meio de chamadas pblicas que dispensam processo licitatrio. 3. Dos 32 empreendimentos selecionados para realizao da pesquisa, 18 eram organizaes diretamente vinculadas a assentamentos da reforma agrria.

1. Ver informaes mais detalhadas no artigo Uso do georreferenciamento no retrato da agricultura familiar formal do Brasil desta publicao.

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar do Estado de So Paulo Mapa1 32 organizaes selecionadas do Estado de So Paulo

lista; na regio do Pontal do Paranapanema, extremo oeste do estado, extensas pastagens para criao de gado (de corte e de leite); e a monocultura da banana e do palmito, na regio do Vale do Ribeira. Ou seja, um cenrio no entorno dos empreendimentos de paisagens montonas, homogeneizadas, frente s quais as unidades de produo da agricultura familiar representavam uma quebra de padro, uma vez que so compostas por pequenos lotes com cultivos diversificados beterraba, ma32

mo, abbora, couve, alface, mandioca, acerola, etc. como se pode verificar na foto area apresentada na pgina seguinte (Figura 1). Na imagem ao lado possvel identificar o assentamento, caracterizado pela diviso em pequenos lotes, com alta ocupao humana e diversificao de plantios, distinto da paisagem que o cerca, na qual predomina a monocultura da cana, caracterizada por extensos lotes de cultivo homogneo e baixa ocupao humana.

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Organizaes da agricultura familiar no Estado de So Paulo e sua experincia de fornecimento para o PNAE tmulo organizao dos produtores. Parte significativa das organizaes que os representam, pelo que foi observado no Estado de So Paulo, foram criadas recentemente ou retomadas com vistas a atender s oportunidades proporcionadas pelo mercado institucional. Nos assentamentos, foi possvel identificar duas caractersticas marcantes entre as organizaes. As mais recentes foram criadas para atender o mercado institucional e melhorar as condies de comercializao da produo. As mais antigas em geral foram criadas com o objetivo de acessar os benefcios governamentais destinados s famlias assentadas; grande parte delas permaneceu por longo tempo sem atividade e foi retomada pelos produtores a partir da perspectiva de atender o PAA e, nos ltimos anos, o PNAE. Um dos exemplos a serem citados, a Cooperativa Orgnica de Agricultura Familiar (Coaf). Fundada em 2003 para comercializar suco de laranja, a entidade no conseguiu se manter ativa diante do cenrio de forte concorrncia e incerteza do mercado convencional. A cooperativa, formada por agricultores familiares de Bebedouro e outros municpios da regio de Ribeiro Preto, esteve ociosa durante sete anos. Apenas em 2009, ao firmar contrato com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para vender suco de laranja ao PAA, o empreendimento foi reativado. Atualmente, alm de suco de laranja a Coaf vende tambm legumes e verduras. Sua produo destinada s compras institucionais do PAA a da alimentao escolar de 11 municpios, dentre os quais alguns de grande porte, como So Bernardo do Campo e Ribeiro Preto. No final de 2011 teve seu projeto de venda aprovado para fornecer suco de laranja s escolas cuja alimentao escolar administrada pelo Departamento de Suprimento Escolar (DSE) da Secretaria de Educao do Estado de So Paulo. Tambm no faltam exemplos para ilustrar os efeitos que as polticas de comercializao surtiram sobre a esfera da produo nas unidades da agricultura familiar no Estado. Como j abordado anteriormente, diante da possibilidade33

Imagem: Google Earth Figura 1 Assentamento Spe Tiaraju (no destaque), entre os municpios de Serrana e Serra Azul, e os canaviais no entorno

O cenrio descrito e ilustrado na Figura 1 aponta para um dos efeitos do advento do mercado institucional primeiro com o PAA e, mais recentemente, com o PNAE sobre o universo da agricultura familiar, no apenas no Estado de So Paulo, mas em todo Brasil: o impulso diversificao da produo. Por meio do estudo realizado nos 32 empreendimentos paulistas selecionados foi possvel identificar, alm da diversidade de alimentos produzidos, diferentes formas de organizao: grupos que nasceram vinculados produo em assentamentos; comunidades quilombolas; grupos voltados produo orgnica ou agroecolgica; organizaes de mulheres; pequenos produtores que se organizaram coletivamente para atender ao mercado institucional. Ao priorizar as organizaes como agentes de comercializao, o PAA e o PNAE representaram tambm um es-

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar do Estado de So Paulo concreta de escoamento dos produtos e da garantia de preo oferecida por estes mercados, muitos produtores se viram encorajados a ampliar e a diversificar sua produo. Em visita Associao dos Pequenos Produtores Rurais do Projeto de Assentamento Engenho II (Aprae), do municpio de Presidente Epitcio, seus representantes discorreram sobre as mudanas ocorridas na produo a partir do advento do PAA e do PNAE. Segundo eles, antes dos programas os associados produziam basicamente leite in natura e pepino, que eram vendidos quase que integralmente s indstrias locais, a preos muito baixos. A garantia de mercado representada principalmente pelo PAA os estimulou a fazer a horta, na qual vm plantando dezenas de itens. O excedente do que colhem, alm do que vendido ao mercado institucional, comercializado diretamente em feiras e no Barraco do Produtor, disponibilizado pela prefeitura para vendas diretas aos consumidores. Outro exemplo interessante o da Cooperativa de Produo Agropecuria dos Assentados e Pequenos Produtores da Regio Noroeste do Estado de So Paulo (Coapar), com sede no municpio de Andradina. Entre 2002 e 2006 a entidade comercializava exclusivamente leite e bebida lctea. A partir de 2006, com a possibilidade de participar do PAA, os produtores associados se sentiram estimulados a ampliar e diversificar a produo, passando a produzir tambm legumes e verduras. Segundo relato de integrante do conselho fiscal da cooperativa, o que garante a produo atual de hortifrtis a existncia do PAA e do PNAE. Do contrrio, os cooperados teriam continuado a produzir apenas leite e bebida lctea. O interesse de participar do mercado institucional suscita entre os produtores a necessidade de se capacitarem para introduzir o cultivo de novos gneros e atender as exigncias do mercado institucional. Preocupao que se intensificou ainda mais com a possibilidade de atenderem ao PNAE, j que se trata de uma demanda especfica na qual se busca uma variedade ainda maior de alimentos e so mais rigorosas as exigncias em relao qualidade e s condies de entrega dos produtos.34

Ao longo deste artigo sero abordados aspectos relativos insero dos empreendimentos da agricultura familiar ao mercado institucional por meio do PAA e do PNAE tais como a necessidade de se adequar legislao, de diversificar e aperfeioar a produo, bem como as dificuldades que envolvem as operaes logsticas, os desafios para gesto dos empreendimentos e o planejamento das atividades alm de algumas solues encontradas entre os empreendimentos para ampliar sua participao no mercado. Os comentrios que se seguem foram baseados nas entrevistas e visitas s 32 organizaes de agricultores paulistas selecionadas.

1. Atuao no mercado institucional: continuidade e contradies entre o PAA e o PNAEConforme j observado, o Programa de Aquisio de Alimentos, lanado no ano de 2003, proporcionou aos produtores da agricultura familiar no Brasil a possibilidade de acesso ao mercado institucional e venda direta de seus produtos. At ento, estes produtores estavam acostumados a vender seus produtos e de modo informal em geral a atravessadores que encostam seus caminhes junto s unidades de produo e compram os alimentos a preos baixos para entreg-los a outros intermedirios at chegarem s mos do consumidor final. Desta maneira, enfrentaram dificuldades para se adequar s exigncias de atendimento ao mercado institucional a princpio representado pelo Programa de Aquisio de Alimentos em suas diferentes modalidades (Formao de Estoque, Doao Simultnea e Compra Direta) no apenas no que diz respeito esfera da produo, mas tambm a uma srie de condies que envolvem a participao neste mercado: adequao legislao e apresentao de documentao especfica (DAP); registros de inspeo sanitria e outras certificaes;

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Organizaes da agricultura familiar no Estado de So Paulo e sua experincia de fornecimento para o PNAE leitura dos editais e elaborao dos projetos de venda; cuidados na assinatura dos contratos; planejamento das entregas de acordo com os prazos estabelecidos. Alm disso, esses produtores tiveram de enfrentar o desafio de realizar a comercializao por meio de organizaes formais - associaes ou cooperativas o que trouxe uma srie de dificuldades operacionais, dentre as quais a prestao de contas, a emisso de notas fiscais, o planejamento conjunto de armazenamento e entrega dos produtos. A prpria prtica de gesto interna dos empreendimentos, que envolve a relao entre associados, sua forma de participao e os processos de tomada de deciso, constituiu-se em um grande desafio para os agricultores. Neste sentido, para muitos empreendimentos da agricultura familiar a experincia de atendimento ao PAA representou uma oportunidade de se estruturarem para atender a outros mercados, em especial o da alimentao escolar, com o surgimento do PNAE. Dos 32 empreendimentos selecionados para estudo, 24 forneciam alimentos para o PNAE na ocasio das visitas, dos quais apenas 2 no haviam participado anteriormente do PAA. Do total, apenas 3 empreendimentos no forneciam produtos para o PAA, sendo que 2 tinham interesse especificamente pelo PNAE e 1 fornecia exclusivamente para o mercado convencional, sem excedente para atender ao mercado institucional. Muitos alimentos produzidos pela agricultura familiar passaram a compor a refeio servida nas escolas da rede pblica de ensino por meio do PAA, ainda antes da obrigatoriedade introduzida pela implementao da Lei n 11.947/2009 e da Resoluo n 38 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE). Nestes casos, no s para as organizaes de produtores, mas tambm para os gestores pblicos responsveis pela alimentao escolar, o PAA funcionou35

como etapa preparatria para a execuo deste novo modelo de compras de alimentos exigido pelo PNAE. O Estado de So Paulo tem alguns exemplos de municpios que construram uma relao de continuidade entre os dois programas, e nos quais os gestores pblicos, em conjunto com os produtores, buscaram solues para as dificuldades surgidas ao longo processo. No municpio de Presidente Epitcio, por exemplo, desde 2006 escolas da rede municipal e estadual de ensino recebem alimentos produzidos por agricultores familiares por intermdio das Associaes de Pais e Mestres (APMs) cadastradas no PAA. A participao no programa por meio das APMs possibilitou responsvel pelo Setor de Merenda Escolar do municpio estabelecer uma aproximao com os agricultores familiares da regio, conhecer a vocao local de produo de alimentos e solucionar junto com os produtores alguns problemas que surgiram no incio do fornecimento. Em 2010, foi lanada a primeira chamada pblica do municpio para aquisio direta de produtos da agricultura familiar, elaborada com base no trabalho desenvolvido anteriormente para o PAA. Ambas as partes, produtores e gestores, j haviam passado por um processo de adaptao, o que facilitou em diversos aspectos a execuo do PNAE. Um exemplo disso foi a forma de elaborao do cardpio, com a introduo de alimentos produzidos localmente e a capacitao oferecida s merendeiras para processar alguns itens com ampla oferta, como tomate e maracuj, para que no viessem a estragar, visto que eram fornecidos em grande quantidade s escolas por intermdio dos dois programas. Por outro lado, a comparao entre os dois programas resultado exatamente deste processo pelo qual passaram grande parte das organizaes nas quais a atuao no PAA antecede e, depois, convive com o PNAE tambm tem gerado alguns dilemas, principalmente relacionados s disparidades de condies exigidas. Um dos principais pontos de comparao refere-se s condies de entrega dos produtos. Enquanto no PAA geral-

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar do Estado de So Paulo mente a logstica envolve o apoio das prprias entidades beneficiadas em alguns h auxlio da prpria prefeitura , no PNAE, em geral, a entrega responsabilidade exclusiva dos produtores. Embora muitas prefeituras tenham permitido a entrega centralizada dos produtos, ainda grande o nmero de administraes municipais que exigem a entrega ponto a ponto nas escolas, elevando o de custo de logstica. Segundo os representantes de entidades entrevistados, outro fator que faz do PAA referncia entre os produtores no mbito das compras institucionais sua maior maleabilidade quanto seleo dos produtos adquiridos. Disseram que o programa possibilita ao produtor comercializar praticamente todos os gneros produzidos e respeita a sazonalidade das safras. Alm disso, foi apontado que no PAA no h restries substituio dos produtos que sero fornecidos nos casos de perdas de produo vinculadas a fatores externos (chuvas, geada, frio, etc.). Esta flexibilidade traz segurana ao produtor de que cumprir o compromisso assumido frente s instabilidades inerentes sua atividade. Os representantes de entidades assinalam que no PNAE as exigncias no que se refere s especificaes dos produtos cor, tamanho, embalagem, grau de maturao, entre outras costumam ser muito mais rigorosas e nem sempre a variedade de gneros demandada incorpora o que produzido localmente. Isto se explica tanto pelas caractersticas particulares do programa, que representa uma demanda muito especfica e precisa levar em conta aspectos como a aceitabilidade do alimento entre os alunos, o modo como ser servido o alimento, a estrutura das escolas para o preparo, dentre outras, quanto pelas dvidas e receios que ainda envolve a relao entre gestores e a equipe responsvel pela alimentao escolar e os produtores da agricultura familiar neste recente processo de aquisio de alimentos. Tais disparidades acabam fazendo com que o PAA seja tomado como modelo entre as organizaes da agricultura familiar. As comparaes que surgem entre os dois programas36

podem gerar alguns conflitos ou at mesmo resistncia de alguns produtores a investirem no novo programa de compras do mercado institucional, no qual as dificuldades colocadas so maiores. Um dos fatores que refora as disparidades: recorrentemente os preos praticados no PAA (baseados na tabela Conab) tm sido tomados como referncia pelas prefeituras para a execuo do PNAE, desconsiderando suas condies. Este tema ser tratado mais frente. Existem outras incertezas envolvendo os dois programas, no s do ponto de vista do produtor, mas tambm dos gestores. Um exemplo: h prefeituras que no adquirem determinados produtos pelo PNAE porque j os recebem por intermdio do PAA. Como visto, h evidentes contradies nas relaes entre o PAA e o PNAE. De qualquer modo possvel afirmar que a experincia prvia desenvolvida pelas organizaes no PAA foi fundamental para dimensionar as potencialidades e fragilidades que caracterizam o universo da agricultura familiar, tanto no que se refere esfera da produo quanto da comercializao dos alimentos produzidos, e assim inferir sobre a viabilidade de que os produtores realizem, por meio de empreendimentos formais ou de articulao informal, a venda direta de seus produtos.

2. Situao atual: principais desafios para atender ao PNAEDurante os trabalhos realizados nos territrios de articulao do projeto foi possvel identificar alguns fatores que ainda tm limitado o acesso dos produtores da agricultura familiar ao mercado institucional, inclusive por intermdio do PAA. Um dos limites apontados a dificuldade, maior em algumas regies, para conseguir a DAP, documento que habilita os produtores e as organizaes a participarem dos programas. A presena de um grande nmero de produtores que no se encontram organizados em associaes ou cooperati-

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Organizaes da agricultura familiar no Estado de So Paulo e sua experincia de fornecimento para o PNAE vas tambm um fator que tem restringido a participao. Na regio do Vale do Ribeira, por exemplo, a desconfiana dos produtores em relao ao associativismo e, portanto, a resistncia a se vincularem a essas organizaes foi uma das dificuldades apontadas por produtores e gestores4 para que se avance na execuo do PNAE. Para a insero dos produtores no programa, observase que as dificuldades operacionais tm sido o principal obstculo. O receio de no conseguir cumprir as exigncias das prefeituras tem deixado muitas organizaes fora do mercado da alimentao escolar, mesmo entre aquelas que tm potencial produtivo de atender esta demanda. Vale acrescentar que nesse caso o produtor tambm est rompendo com a rotina de comercializao na qual os produtos eram entregues prioritariamente ao atravessador que vinha sua porta. O mercado institucional e, em especial, o mercado da alimentao escolar traz, portanto, mais esse desafio. A partir das visitas realizadas s organizaes e da experincia das oficinas realizadas com os agricultores familiares pelo Projeto NUTRE SP foi possvel identificar as principais dificuldades enfrentadas no processo de atendimento ao PNAE. Das 32 entidades selecionadas no Estado, 24 j comercializavam sua produo com a administrao municipal por meio do PAA e puderam relatar os principais desafios na relao com as prefeituras. muito importante observar os limites e fragilidades que acompanharam esse processo de aquisio de alimentos da agricultura familiar para alimentao escolar at aqui, bem como os avanos e solues encontradas, para poder pensar quais caminhos podem ser buscados pelos produtores e suas4. Este tema foi abordado com uma das dificuldades para execuo do Pnae durante as oficinas de capacitao realizadas pela equipe do NUTRE SP na regio do Vale do Ribeira aos gestores pblicos e s organizaes da agricultura familiar. Durante 2011 foram realizadas oficinas para gestores pblicos e organizaes da agricultura familiar nas reas de articulao do projeto: Vale do Ribeira, Sudoeste Paulista, regio de Bragana Paulista e de Sorocaba.

organizaes e tambm pelos gestores responsveis pela implementao da Lei que preconiza a melhoria das refeies servidas nas escolas e o fortalecimento da agricultura familiar local. A seguir sero abordados alguns dos principais desafios enfrentados pelas organizaes: adequao legislao; diversificao da produo; organizao das operaes logsticas; gesto do empreendimento e planejamento das aes;

Adequao legislaoConforme j citado anteriormente, um dos problemas que ainda tm sido enfrentados pelos produtores da agricultura familiar no acesso ao mercado institucional a dificuldade de conseguir a Declarao de Aptido ao Pronaf (DAP), documento que os habilita a participar desse mercado especfico. Em algumas regies do estado os produtores tm reclamado do excesso de burocracia e da morosidade dos rgos responsveis pela emisso do documento. As mesmas dificuldades so relatadas pelos representantes das organizaes para conseguir a emisso da DAP Jurdica. Outro obstculo que tem se colocado para o acesso aos programas, em especial aos produtores de alimentos processados e de origem animal, so as dificuldades para conseguir se adequar s exigncias do controle sanitrio e certificar seus produtos junto aos servios de inspeo (SIM Servio de Inspeo Municipal, SIE Servio de Inspeo Estadual, SIF Servio de Inspeo Federal). Na regio do Vale do Ribeira, por exemplo, h uma oferta significativa de pescados, alimento que costuma ser muito demandado nas escolas pelo seu valor nutricional. No entanto, grande parte dos produtores no possui o registro de inspeo sanitria e h uma carncia de tcnicos para realizar este servio. Uma demanda entre produtores neste sentido a instalao do SIM (Servio de Inspeo Municipal) nos mu37

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Projeto Nutre SP: Anlise da Incluso da Agricultura Familiar na Alimentao Escolar do Estado de So Paulo nicpios onde ainda no existe, o que aproxima o servio dos produtores e diminui as barreiras para que estes consigam se adequar s exigncias legais e comercializar seus produtos ao menos localmente. Alm destas barreiras legais, algumas condies colocadas pelas escolas em relao aos pescados, como a exigncia de que sejam fornecidos processados ou em fils e totalmente sem espinhos, so fatores que dificultam ainda mais a insero deste produto na alimentao escolar no mbito do PNAE e da Lei n 11.947/2009. Para algumas organizaes que atingiram certo grau de estrutura e um potencial para ampliar o raio de comercializao de seus produtos, o prprio SIM j se apresenta insuficiente. o caso da Coapri, organizao localizada na regio do Sudoeste Paulista, que possui grande oferta de leite e derivados e s consegue comercializar estes produtos em municpios onde mantm associados, atravs do SIM (Servio de Inspeo Municipal). Eles r