publicidade híbrida e humor político: sátira às eleições ... · simples que a do humor sexual...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Natal - RN – 02 a 04/07/2015 1 Publicidade híbrida e humor político: sátira às eleições presidenciais como estratégia publicitária 1 Leonardo MOZDZENSKI 2 Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, PE RESUMO O uso do humor na propaganda vem gradativamente se intensificando com o objetivo de alcançar a efetividade do anúncio, captando a atenção do público, estimulando a memória da marca e impulsionando à ação/compra. Este trabalho propõe investigar como se dá a construção desse efeito de comicidade nos anúncios publicitários veiculados na internet, tendo como pano de fundo a sátira às eleições presidenciais. A partir da análise de um case da campanha da Bombril, é possível averiguar que a propaganda na contemporaneidade está se tornando cada vez mais híbrida, assumindo, além de sua tradicional função de persuadir, as funções de entreter e promover a interatividade e o compartilhamento, adotando assim um novo modelo de composto comunicativo, chamado de entretenimento publicitário interativo (COVALESKI, 2010). PALAVRAS-CHAVE: publicidade híbrida; humor; política; eleições; entretenimento publicitário interativo. 1. Introdução: o humor na publicidade O humor é um componente habitual da publicidade. O elemento humorístico em uma propaganda veiculada na mídia impressa, na internet, na TV ou no rádio pode contribuir para torná-la mais agradável, envolvente e memorável. Nesse sentido, é cada vez mais frequente nos depararmos com peças publicitárias que recorrem de forma sutil ou explícita a algum elemento cômico nas mais diversas plataformas. De acordo com o tradicional instituto de pesquisas Millward Brown, 3 especializado na área de marcas, comunicação e mídia, cerca de metade dos comerciais televisivos ao redor do mundo emprega algum tipo de humor. Como advém do gráfico a seguir (Gráfico 1), sobretudo no mundo ocidental, é elevada a frequência de anúncios televisivos considerados ‘engraçados’ (funny) ou ‘alegres’ (light-hearted). De fato, na América do Norte (52%), na Europa (49%) e na América Latina (44%), é impressionante a porcentagem de mensagens publicitárias 1 Trabalho apresentado no DT 02 Publicidade e Propaganda do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 02 a 04 de julho de 2015. 2 Doutorando de Comunicação do PPGCOM-UFPE, e-mail: [email protected]. 3 Segundo informações constantes no site da entidade: <http://www.millwardbrown.com/> (acesso em: 06 abr. 2015).

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Natal - RN – 02 a 04/07/2015

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Publicidade híbrida e humor político:

sátira às eleições presidenciais como estratégia publicitária1

Leonardo MOZDZENSKI

2

Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, PE

RESUMO

O uso do humor na propaganda vem gradativamente se intensificando com o objetivo de

alcançar a efetividade do anúncio, captando a atenção do público, estimulando a

memória da marca e impulsionando à ação/compra. Este trabalho propõe investigar

como se dá a construção desse efeito de comicidade nos anúncios publicitários

veiculados na internet, tendo como pano de fundo a sátira às eleições presidenciais. A

partir da análise de um case da campanha da Bombril, é possível averiguar que a

propaganda na contemporaneidade está se tornando cada vez mais híbrida, assumindo,

além de sua tradicional função de persuadir, as funções de entreter e promover a

interatividade e o compartilhamento, adotando assim um novo modelo de composto

comunicativo, chamado de entretenimento publicitário interativo (COVALESKI, 2010).

PALAVRAS-CHAVE: publicidade híbrida; humor; política; eleições; entretenimento

publicitário interativo.

1. Introdução: o humor na publicidade

O humor é um componente habitual da publicidade. O elemento humorístico em

uma propaganda veiculada na mídia impressa, na internet, na TV ou no rádio pode

contribuir para torná-la mais agradável, envolvente e memorável. Nesse sentido, é cada

vez mais frequente nos depararmos com peças publicitárias que recorrem – de forma

sutil ou explícita – a algum elemento cômico nas mais diversas plataformas. De acordo

com o tradicional instituto de pesquisas Millward Brown,3 especializado na área de

marcas, comunicação e mídia, cerca de metade dos comerciais televisivos ao redor do

mundo emprega algum tipo de humor.

Como advém do gráfico a seguir (Gráfico 1), sobretudo no mundo ocidental, é

elevada a frequência de anúncios televisivos considerados ‘engraçados’ (funny) ou

‘alegres’ (light-hearted). De fato, na América do Norte (52%), na Europa (49%) e na

América Latina (44%), é impressionante a porcentagem de mensagens publicitárias

1 Trabalho apresentado no DT 02 – Publicidade e Propaganda do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na

Região Nordeste realizado de 02 a 04 de julho de 2015.

2 Doutorando de Comunicação do PPGCOM-UFPE, e-mail: [email protected].

3 Segundo informações constantes no site da entidade: <http://www.millwardbrown.com/> (acesso em: 06 abr. 2015).

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francamente cômicas ou que evocam um tom humorístico. E mesmo nas demais regiões

– África e Oriente Médio (39%) e Ásia (33%) –, esses números não são nada

desprezíveis. Mas por que esse fenômeno é tão globalmente observado?

Gráfico 1. O humor na publicidade de TV ao redor do mundo

Fonte: Millward Brown (Disponível em: <http://www.millwardbrown.com/>. Acesso em: 06 abr. 2015).

Em razão do fato de que muitos mercados mundiais encontram-se saturados nos

dias de hoje, a publicidade atual vem gradativamente privilegiando conquistar a atenção

emocional do público consumidor, em vez de simplesmente divulgar características e

vantagens dos bens ou serviços anunciados. O humor consiste, assim, em uma poderosa

ferramenta da qual os criativos lançam mão para despertar sentimentos positivos na

audiência. E tais sentimentos podem ser capazes de desencadear determinados

processos cognitivos que levem o consumidor potencial a comprar o produto ofertado.

Ao menos, é isso que esperam os anunciantes.

No presente trabalho, investigo como se dá a hibridização dos diversos modos

semióticos (palavra, imagem, som, etc.) para provocar esse efeito de comicidade nos

anúncios publicitários veiculados pela TV ou na internet. De modo particular, interessa-

me estudar de que maneira o humor político – tal como definido por Raskin (1985) – é

incorporado na publicidade com o propósito de engajar o consumidor numa crítica atual

e bem-humorada ao cenário das eleições presidenciais brasileiras de 2014 e,

simultaneamente, agregar um valor positivo ao produto ofertado. Para corpus de análise,

portanto, selecionei uma campanha publicitária do site dos produtos Bombril, que traz

uma série de três paródias aos três candidatos a presidente com maior representatividade

– Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB).

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Mas antes, para entendermos melhor como operam esses anúncios publicitários

que veiculam o humor político, é necessário discutirmos primeiramente o que é humor.

É o que faremos no próximo tópico.

2. Abordagens teóricas do humor

Atualmente, a maior parte dos trabalhos que se dedicam a estudar o humor de

forma mais sistemática finda por retomar a Teoria Semântica dos Scripts de Raskin.

Uma das principais contribuições do linguista russo Victor Raskin (1985) foi perceber o

humor como sendo construído a partir de uma sobreposição ou incongruência de dois

scripts (o modo bona fide e o modo non-bona fide). A mudança de um script para outro,

acionada por um ‘gatilho’, é que garante o efeito de comicidade das piadas.

Grosso modo, é possível dividir as principais teorias contemporâneas do humor

em três grandes vertentes (PROPP, 1992; BERGSON, 2001):

a) Teorias da incongruência ou inconsistência ou contradição: essas teorias são

essencialmente cognitivas, ou seja, elas partem do princípio de que algumas

características empíricas observáveis no texto humorístico (situação, evento,

imagens, discurso, etc.) evocam dois diferentes ‘planos de conteúdo’ ou ‘linhas de

pensamento’ – o que é chamado nos trabalhos mais recentes de scripts, frames,

esquemas, etc. Estes dois ‘planos’ são, em tese, incompatíveis entre si. No entanto,

possuem uma determinada parte comum, fazendo com que a mudança de um para

outro se realize através de um ‘gatilho’. O leitor/ouvinte começa processando o texto

através do script mais acessível, mais saliente, e é surpreendido com uma nova

interpretação provocada pela associação a outro elemento inesperado no texto. É esse

efeito surpresa que irá provocar o riso.

b) Teorias da superioridade ou depreciação ou crítica ou hostilidade: essas teorias

enfatizam a atitude (negativa) do produtor do humor diante de seu alvo. É justamente

esse componente mordaz e sarcástico diante de uma determinada pessoa ou grupo –

tipicamente, políticos, comunidades étnicas, diferenças de gêneros masculino x

feminino – que são responsáveis pela produção do efeito cômico no texto.

c) Teorias do alívio ou relaxamento: são tipicamente as teorias psicanalíticas freudianas

(FREUD, 1996). Essa classe de teorias é centrada principalmente no leitor/ouvinte,

ou mais especificamente, nos efeitos psicológicos provocados pelo humor nessas

pessoas. Para essas teorias, o elemento central do humor não se encontra na sensação

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de superioridade ou na percepção de incongruências, mas sim na sensação de alívio

provocada pela remoção de barreiras (ainda que temporária).

Vistas resumidamente essas três grandes perspectivas teóricas sobre o humor,

vale retomar aqui, a fim de compreendermos como se dá a produção do efeito cômico

especificamente na campanha publicitária que irei analisar, a categorização temática

proposta por Raskin (1985), revisitada e aplicada ao domínio da propaganda por Gulas e

Weinberger (2006). Esses autores afirmam que as estratégias de humor “sugeridas por

Raskin estão presentes em grande parte da publicidade que objetiva ser engraçada”

(GULAS E WEINBERGER, 2006, p. 24). Em linhas gerais, Raskin (1985) assevera que

o humor é construído a partir de três temas principais: sexo, etnia e política.

No humor sexual, o estudioso aponta a atribuição de uma significação sexual a

um alvo ou objeto originalmente não sexual, ou ainda a referência a algo explicitamente

obsceno, seja fonética, textual ou visualmente. Já no humor étnico, são observadas

oposições associadas à valorização das formações sociais/discursivas dos produtores do

texto, contrapondo-as a estereótipos do que seria uma etnia ‘má’, isto é, repleta de

defeitos, cacoetes e vícios, imputados a grupos considerados inferiores: negros, gays,

louras, portugueses, etc.

Quanto ao humor político, Raskin (1985) o define como sendo o discurso jocoso

e trocista direcionado a autoridades e líderes do governo, a políticos de carreira, a

grupos ou partidos políticos, etc. Além disso, ideias políticas, bem como toda a vida das

sociedades sob um determinado regime político também podem ser alvo do humor dessa

natureza. Segundo o linguista, a estrutura do humor político é relativamente mais

simples que a do humor sexual e do humor étnico. A mensagem típica de uma piada

dessa categoria é que um líder, figura ou grupo político – junto com seus ideais e com

seu sistema de governo defendido – não são o que deveriam ou parecem ser. A oposição

de scripts entre o que eles são e o contrário disso é o que produz a comicidade.

É justamente esse humor político que dará o tom na campanha dos produtos

Bombril, selecionada para análise. Como já assinalado, o humor se revela um elemento

frequentemente utilizado pelas empresas para vender seus produtos (WEINBERGER E

SPOTTS, 1989; SPOTTS, WEINBERGER E PARSONS, 1997). Todavia, é importante

ressaltar que o componente cômico não é aplicado diretamente ao produto, isto é, o

artigo ofertado não é, via de regra, satirizado. Antes, ele é associado a alguma situação

ou personagem engraçada/estereotipada ou a algum discurso divertido – tal como uma

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piada, um trocadilho, etc. –, com o fim de captar a atenção da audiência, cativar sua

simpatia e torná-la predisposta à aquisição do bem ou serviço (NEWMAN, 2004;

WEINER, 2006).

Esse é o fator diferencial almejado pelas agências de propaganda: construir uma

peça publicitária que proporcione entretenimento ao público, mas, ao mesmo tempo,

seja efetiva em seu objetivo final de persuadir o consumidor a comprar. E dentro do

contínuo processo de globalização que vivenciamos e que nos conduz a anúncios

progressivamente mais pasteurizados e parecidos entre si, é fundamental que o criativo

tenha sensibilidade para imprimir a dose certa humor para escapar da mesmice e das

estratégias formulaicas da publicidade tradicional.

Para compreendermos como isso se manifesta, torna-se imprescindível examinar

o cenário do universo publicitário na contemporaneidade e a sua recente crise. Esse é o

tema do próximo tópico.

3. A publicidade hoje

A publicidade vem passando por um profundo processo de transformação. As

mudanças nos hábitos dos consumidores, provocadas sobretudo pelo advento da internet

e de novas mídias mais interativas, tornam urgentes a revisão e a substituição de

paradigmas tidos como clássicos. Alguns estudiosos chegam a afirmar que a indústria

da propaganda está “em colapso” (DONATON, 2007, p. 23). Outros, mais cautelosos,

reconhecem o avanço provocado pela incorporação da tecnologia digital à publicidade,

mas asseveram que “muitas águas vão rolar até mudar o cenário atual” (CARVALHO,

2014, p. 35). Em todo caso, cabe refletirmos sobre o que está acontecendo.

Durante muitos anos, o modelo paradigmático adotado pelo meio publicitário foi

o “da intrusão” (DONATON, 2007, p. 27). Em linhas gerais, esse modelo concebia o

consumidor como um mero receptor passivo da mensagem publicitária. Esta, por sua

vez, deveria ser facilmente assimilável e recebida ‘gratuitamente’ nas residências,

adulando a prostração do público diante do rádio ou da TV. No entanto, esse quadro

passa a se alterar com a intensificação do processo de globalização nos anos 1990,

acompanhado pela crescente facilidade de acesso à tecnologia, o que resultou em

significativas mudanças sociais, políticas, culturais e econômicas na atualidade.

Sob o ponto de vista do mundo dos negócios, a principal transformação se deu

no papel do consumidor. Como atesta Covaleski (2010, p. 22), “parte dos consumidores

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atuais é que está ditando o que a indústria deve produzir”. Constata-se, assim, o

progressivo empoderamento de uma parcela do público, normalmente constituída por

jovens já bem familiarizados com a internet e com dispositivos eletrônicos em geral. Em

outras palavras, esses novos consumidores possuem agência – no sentido sociológico

do termo (BOURDIEU, 2001) –, na medida em que deixam de ser vistos como

receptores passivos de conteúdo para desempenharem o papel de coprodutores de

sentidos das mensagens, constituindo elos fundamentais na cadeia da comunicação

publicitária.

Mas o consumidor não é o único elemento desse contexto a se modificar. Para

atender às novas demandas e desafios, a própria publicidade também tem de passar por

mudanças. Segundo Santaella (1992), o atual cenário tornou-se híbrido, viabilizando a

convivência da mensagem oral e da escrita com a cultura de massas e as mídias

eletrônicas, resultando em uma convergência midiática, que atinge a mensagem

publicitária.

Mais recentemente, a discussão foi aprofundada por García Canclini (2013).

Para o antropólogo argentino, a hibridação consiste em “processos socioculturais nos

quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam

para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (GARCÍA CANCLINI, 2013, p. XIX).

De acordo com o estudioso, a hibridização surge da criatividade tanto individual quanto

coletiva, podendo se manifestar nos mais diversos campos: nas artes, na vida cotidiana e

no desenvolvimento tecnológico. O autor destaca que, para analisar esse fenômeno, é

imprescindível situá-lo em meio às ambivalências da industrialização e da massificação

globalizada dos processos simbólicos e dos conflitos de poder que acarretam.

Covaleski (2010), por sua vez, traz o assunto para o universo da propaganda,

lançando um olhar minucioso acerca das novas configurações publicitárias. O estudioso

inicia sua exposição contextualizando o atual momento da publicidade e discutindo as

significativas transformações percebidas por meio das rupturas de padrões entre o

modelo convencional e as configurações emergentes. Nesse cenário instável e de

profundas mudanças – em ‘tempos de tesarac’, para usar o termo cunhado por Shel

Silverstein (cf. COVALESKI, 2013) – a propaganda tradicional vem cada vez mais

dando sinais de esgotamento e de não dar conta das novas exigências do mercado.

Com o novo consumidor ou prosumer (TOFFLER, 2012) assumindo as rédeas

do mercado, coube à publicidade rever antigos dogmas para se manter relevante na atual

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cultura midiática. A solução encontrada se deu no processo de hibridização entre três

atores do ambiente mediático contemporâneo: o mercado publicitário, a indústria do

entretenimento e as tecnologias interativas. Donaton (2007) relaciona uma série de

exemplos em que as fronteiras entre esses três domínios são ultrapassadas: a publicidade

de longo formato, a integração de mensagens publicitárias em programas com ou sem

roteiro fixo, a integração de produtos em filmes (product placement), as parcerias com a

indústria musical (tie-ins) e os programas financiados por anunciantes (branded

content/entertainment).

Covaleski (2010) ainda acrescenta a essa lista as ações publicitárias híbridas (em

especial aquelas suportadas pelas mídias digitais), denominadas pelo autor de

entretenimento publicitário interativo. Esses novos produtos midiáticos procuram

estabelecer uma relação não entre marca e produto, mas sim entre marca e conteúdo de

interesse do consumidor. Para tanto, adotam um novo modelo de composto

comunicativo capaz de atender às seguintes funções básicas: anunciar e induzir ao

consumo (função persuasiva); entreter e fazer que o consumidor se sinta engajado ao

produto (função entretível); promover a interatividade humana, entre pessoa e máquina

e entre máquinas (função interativa); viabilizar o compartilhamento, a partir do enfoque

do ‘efeito viral’ (função compartilhadora).

É a partir, portanto, desse marco teórico que analiso no próximo item os

anúncios veiculados na internet.

4. Analisando a construção multissemiótica do riso em peças publicitárias

A campanha da marca Bombril é tipicamente um produto híbrido, na medida em

que orquestra discursos dos domínios artísticos, jornalísticos, políticos e culturais, numa

bem-sucedida combinação entre entretenimento e publicidade, além de estimular a

interação entre a marca e seus consumidores, bem como entre os espectadores dos

anúncios, sobretudo através dos vídeos passíveis de serem comentados e compartilhados

na plataforma YouTube.

A publicidade da marca Bombril consiste em uma comunicação por conteúdo ou

branded content: “conteúdo publicitário constituído de narratividade e que mimetiza

produtos midiáticos de entretenimento” (COVALESKI, 2010, p. 49). O objetivo aqui é

estabelecer uma relação que agregue os proveitos advindos da apresentação entretível à

marca. Dessa forma, ao integrar o entretenimento à marca do anunciante, esse tipo de

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publicidade propicia uma aproximação entre consumidor e produto, criando uma

‘identidade marcária’ positiva e atraente. Ao contrário dos bruscos intervalos comerciais

da TV (no qual a propaganda da Bombril é também veiculada, só que de forma editada),

a audiência que navega pelo site da marca pode usufruir cômoda e ininterruptamente do

programa em que se encontra introduzida a branded content (ver Figura 1).

Figura 1. O site dos produtos Bombril

Fonte: http://www.bombril.com.br (acesso em: 06 abr. 2015).

De acordo com Covaleski (2010, p. 50),

a branded content vai além do simples patrocínio, que acrescenta o logotipo do

anunciante a um evento; envolve correlacionar a marca à ideia criativa, junto com

os produtores. É um esforço de colaboração, a fim de trazer aos consumidores dos

produtos midiáticos de entretenimento – como filmes, séries de tevê, animações,

entre outros – o que desejam, no formato que lhes mais agrada.

No caso dos produtos Bombril, dentre as estratégias comunicativas empregadas,

a que mais ganhou destaque foi a adaptação dos comerciais televisivos tradicionais da

marca – estreladas pelo seu eterno garoto-propaganda, o ator paulista Carlos Moreno – à

internet. Em 2007, após participar de cerca de 340 inserções como ‘Garoto Bombril’ em

26 anos, o ator teve seu contrato amigavelmente rescindido.4 No entanto, desde

25/04/2013, um novo comercial da Bombril (criado pela agência DPZ) começou a ser

veiculado, com Carlos Moreno à frente de uma ‘bancada jornalística’ bem-humorada,

acompanhado da comediante Dani Calabresa.

4 Conforme informações do site da revista World Tennis (ano X, n.º 67, 2004). Disponível em: <http://www.wtennis.

com.br/html/revistas/67/carlos.htm>. Acesso em: 15 out. 2014.

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O site da Bombril constitui um ambiente flagrantemente hipermidiático – nos

termos propostos por Bairon e Petry (2000) – uma vez que conjugam uma série de

documentos, textos, imagens, sons em um único espaço de informação digital. A partir

da página principal, é possível ter acesso, por exemplo, às novidades apresentadas por

Luciana Gimenez em seu programa na Rede TV (“Luciana by Night”), a um vlog de

humor protagonizado pela atriz Monica Iozzi (“Virozzi”), ao quadro televisivo “A

melhor doméstica do Brasil” (exibido no Programa Raul Gil), a participações da cantora

Ivete Sangalo em ações da Bombril (“Rede Ivete” e “Dança da Limpeza”), além de

dicas de limpeza doméstica e de oferta de cursos, entre várias outras atrações e recursos.

Mas sem dúvida alguma, um dos principais carros-chefes do site em termos de

apelo público é o “Jornal 1001”, uma debochada paródia aos tradicionais jornais da

televisão. A atração da TV Bombril é estrelada pelo ‘Garoto Bombril’ Carlos Moreno e

pela humorista Dani Calabresa, nome artístico de Daniella Giusti Adnet, apresentadora

do programa “Custe o Que Custar” (CQC), da Rede Bandeirantes, e ex-âncora do “Furo

MTV” – ambos apoiados no humor jornalístico.

O “Jornal 1001” sempre inicia com uma voz masculina em off anunciando em

tom zombeteiro: “atenção emissoras 1001 para o top das 5 utilidades Bombril que você

não conhecia”. Entre tais “utilidades”, são citadas, por exemplo: lustrar a moeda do Tio

Patinhas, fazer uma nuvem bem escura e torcer para que chova no reservatório da

Cantareira, fazer o moicano do Neymar, criar uma coroa de imperador romano, entre

muitas outras brincadeiras com a famosa palha de aço. Em seguida, Moreno e Calabresa

apresentam uma divertida sequência de notícias absurdas acompanhadas de comentários

espirituosos, muitas vezes com participação de pessoas opinando nas ruas.

Aproveitando o contexto da disputa eleitoral à presidência (outubro/2014), um

outro quadro humorístico foi inserido no “Jornal 1001”. Trata-se da “Entrevista com os

presidenciáveis”, em que Carlos Moreno incorpora comicamente cada um dos três

principais candidatos ao cargo – Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves – e é

sabatinado por Dani Calabresa e pelo público (Figura 2). O conceito proposto é: “Os

números comprovam: só Bombril cresce nas pesquisas há mais de 65 anos”.

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Figura 2. O ator Carlos Moreno interpretando os candidatos à presidência Dilma Rousseff, Marina

Silva e Aécio Neves, para a publicidade da Bombril

Fonte: http://www.bombril.com.br (acesso em: 06 abr. 2015).

As campanhas de mídia impressa, televisiva e da internet da Bombril foram

elaboradas pela Agência Repense, com direção de Daniel Chagas (Criação) e Luti

Nobre (Arte), com fotos de André Schiliró e produção da Zoe Films. As peças

relembram os anúncios da empresa em que o ‘Garoto Bombril’ se caracterizava de

celebridades como Xuxa, Pelé, Ana Maria Braga, entre outros. De acordo com Cristiane

Ferreira Fortunatti, gerente de Marketing da Área de Negócios, Lavanderia, Cosméticos

e Institucional da Bombril:5

Faz parte da tradição da Bombril usar o humor como uma forma de tornar mais

leve as situações do dia a dia do brasileiro e, em um momento tão decisivo para o

País como as eleições presidenciais, não poderia ser diferente. Trouxemos o

Carlinhos Moreno para viver estes candidatos. [...] O resultado ficou fantástico.

Os anúncios começaram a ser veiculados nas principais revistas, jornais e canais

televisivos do Brasil no final de setembro/2014. Logo em seguida, ganharam mais

fôlego com a inserção das mídias online, como explica Marcos Santana, gerente de

Marketing da Área de Limpeza do Lar da Bombril e responsável pela estratégia digital

da empresa:6

Vamos fazer um trabalho forte em nossos canais na internet, tanto nas redes

sociais, quanto na TV Bombril, que é a nossa plataforma de conteúdo digital, com

episódios semanais de entrevistas dentro do nosso ‘Jornal 1001’. Os principais

telejornais brasileiros estão entrevistando os candidatos e a TV Bombril não

5 Conforme informações divulgadas através do site Grande Nomes da Propaganda (Disponível em: <http://www.

grandesnomesdapropaganda.com.br>. Acesso em: 06 abr. 2015).

6 Conforme informações divulgadas através do site Grande Nomes da Propaganda (Disponível em: <http://www.

grandesnomesdapropaganda.com.br>. Acesso em: 06 abr. 2015).

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poderia ficar de fora. Por isto, a Dani Calabresa, com muito humor e irreverência,

conversa com os candidatos, ou melhor, com o Carlinhos Moreno caracterizado

como os ‘Presidenciáveis’.

Quanto ao tipo de humor político produzido especificamente nessa campanha, é

importante retomarmos Raskin (1985) para apreendermos melhor essa questão. Para o

estudioso, a comicidade política pode ser dividida em duas classes básicas: o humor

denigritório e o humor expositivo. No primeiro caso, estão as piadas, as caricaturas, os

chistes, etc. que denigrem uma pessoa, um grupo, uma ideia; já no segundo caso, o alvo

são os regimes políticos como um todo, buscando-se expor criticamente algum

acontecimento que tenha sido suprimido ou não divulgado pelo regime.

Na campanha do Bombril, a ênfase recai sobre a primeira classe de humor

político, ao escarnecer dos candidatos à presidência do Brasil. Aliás, como pondera

Raskin (1985, p. 223), “piadas denigrindo a figura política constituem o tipo mais

popular e universal de humor político, o qual é baseado na simples oposição entre um

script e sua negação direta”. O linguista esclarece que o script aqui é o de que uma certa

pessoa ocupando um posto político seja boa, competente e adequada para o cargo,

enquanto a negação do script é, evidentemente, que a pessoa seja o oposto disso:

ignorante, incompetente e inapta para ocupar uma posição de autoridade e liderança.

O primeiro candidato interpretado por Carlos Moreno para a entrevista no

“Jornal 1001” é o ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB).7 O mote principal para

construir um humor denigritório acerca do político é zombar da sua imagem de playboy,

galanteador e bon vivant. Essa imagem constitui um ethos prévio (MAINGUENEAU,

2006) reiterado frequentemente, sobretudo nas redes sociais e em conversas informais, e

do qual o político sempre tenta se esquivar, tal como no vídeo da TV Bombril. No

imaginário coletivo, atribui-se a ele o papel de usuário abusivo de drogas lícitas (álcool)

e ilícitas (cocaína), bem como de habitué de festas promovidas por celebridades.

O conflito de scripts entre o candidato sério x o homem festeiro e conquistador é

explorado desde o início da entrevista, com Dani Calabresa flertando descaradamente

com Aécio, o qual corresponde à investida com toques e olhares provocativos. O

político também joga charme para a câmera ao afirmar que não tem preferência por

loura ou morena: gosta de “todas as eleitoras do Brasil”. A cada momento em que Aécio

parece querer dizer algo sério, ele é interrompido pelas insinuações da entrevistadora:

7 Jornal 1001 Bombril – Episódio 16: Eleições com Aécio Neves (Disponível em: <https://www.youtube.com/

watch?v=6Rl1eKOhJMA>. Acesso em: 06 abr. 2015).

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“Eu queria saber: além de política o que mais você gosta de fazer? [...] Futebol, você

gosta? Cinema... gosta de cinema? Cachorro? Vem cá, você pretende ter mais filhos?”;

“E balada? Você gosta de balada? Porque eu já vi umas coisas na internet... Você vai

ficar aqui em São Paulo hoje? Tem vários lugares legais. [...] Você já tem algum

programa?”; “Não estou falando desse tipo de programa [de governo], estou falando de

festa, de agito, curtição... Cadê seus amigos famosos?”; “O Luciano Huck é brother

mesmo? E o Ronaldo ainda pega geral ou deu uma acalmada?”.

Já a segunda candidata incorporada por Carlos Moreno para a entrevista no

“Jornal 1001” é a atual presidente, Dilma Rousseff (PT).8 Dessa vez, a estratégia

humorística denigritória consiste em construir uma personagem exageradamente

eloquente e verborrágica, que pronuncia seus discursos com uma expressão sisuda e que

olha seus interlocutores com ar de superioridade e impaciência, sobretudo quando

interrompida ou confrontada pela imprensa (representada aqui pela entrevistadora).

A contradição de scripts entre a presidente competente e bem articulada e a

candidata irritadiça e prolixa é produzida a partir do discurso empolado de Dilma,

acompanhado pelo rosto carrancudo e uma entonação exasperada: “Acompanhe o meu

raciocínio. O não poder é uma escolha individual de cada um para si mesmo. Contudo,

entretanto, no meu governo, o não poder será o mais erradicado da história deste País.

Nunca na história deste País, essa afirmação foi tão verdadeira.”; “Contudo, entretanto,

apesar de outrora – espere eu acabar o meu raciocínio! – veja bem...”; “[Sobre

reeleição] Eu acredito que todo ser humano que tenha uma primeira chance e não

consiga alcançar os seus objetivos merece, sim, uma segunda chance e, por que não,

uma terceira chance, milhares de chances, quando essa pessoa precisa ter uma

oportunidade. Portanto, contudo, todavia, eu vou, não obstante também, eu gostaria de

acrescentar...”. Ao final da entrevista, há uma reviravolta nesse script, provocando um

riso imprevisto: Dani Calabresa oferece dois minutos para as considerações finais, mas

Dilma – demonstrando evidente desagrado – diz apenas um seco “Obrigada”,

surpreendendo a entrevistadora (e os espectadores) pelo súbito e inesperado laconismo.

Por fim, a terceira candidata caracterizada por Carlos Moreno para a entrevista

no “Jornal 1001” é a ex-ministra do meio ambiente Marina Silva (PSB).9 Como recurso

8 Jornal 1001 Bombril – Episódio 17: Eleições com Dilma Rousseff (Disponível em: <https://www.youtube.

com/watch?v=2AydaZbSfE0>. Acesso em: 06 abr. 2015). 9 Jornal 1001 Bombril – Episódio 18: Eleições com Marina Silva (Disponível em: <https://www.youtube.

com/watch?v=W9ykzRYTpJo>. Acesso em: 06 abr. 2015).

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humorístico denigritório, lançou-se mão de uma das principais críticas recebidas pela

ambientalista ao longo das campanhas e debates eleitorais: a sua aparente falta de

posicionamento firme sobre os temas discutidos. O episódio de voltar atrás em alguns

pontos do seu programa de governo, quando este já havia sido plenamente divulgado,

contribuiu ainda mais para a construção de uma imagem negativa e insegura de Marina.

A incongruência de scripts entre a mulher política contemporizadora e

batalhadora pelo meio ambiente e a candidata volúvel e inconstante é criada já na cena

de abertura, quando ela muda rapidamente de opinião quanto à temperatura do estúdio.

Suas falas são marcadas pela indefinição de convicções e o efeito humorístico é

ampliado com a ambiguidade da palavra meio (meio ambiente ou nem de direita, nem

de esquerda?): “Eu gostaria de dizer ao eleitor que sou uma candidata do meio. Não vou

optar nem por um lado nem pelo outro. Vou lutar pela união de todos os diferentes

pontos de vista.”; “Não sou nem contra nem a favor. Eu não diria [que vou ficar] em

cima do muro, mas equilibrada sobre este muro que divide o Brasil ao meio, pra poder

enxergar tudo lá de cima.”; [Não seria melhor derrubar o muro?, pergunta a

entrevistadora] “Não, mas o muro também tem direito de existir. No meu governo,

todos serão ouvidos: as árvores, as formiguinhas, os gnomos, até mesmo os muros.”;

[Candidata, qual a sua pizza preferida: calabresa ou mozarela?, pergunta um rapaz

nas ruas] “Mozarela. [Ao que a entrevistadora, Dani Calabresa, retruca: poxa,

candidata!] Não, não, calabresa. Na verdade, eu prefiro calabresa, sempre gostei.”

5. Considerações finais

Como observamos na campanha analisada neste artigo, a branded content

produzida pela Bombril constitui um poderoso recurso de comunicação publicitária, que

alia entretenimento à marca, com o propósito de desenvolver uma ‘identidade marcária’

positiva e atraente para o público consumidor. Conjugando os objetivos da marca com o

conteúdo entretível, o advertainment – como também é chamado – busca estreitar os

laços entre empresa e clientes, derrubando as fronteiras entre o comercial e o lazer.

Ao utilizar um tema corrente e muito discutido – as eleições presidenciais – e lhe

conferir uma boa dose de humor, fica clara a meta desse novo composto comunicativo

que orquestra entretenimento, publicidade e interatividade. Aqui o consumidor exerce

um controle bem maior sobre sua experiência com a marca: ele assiste a quais vídeos

quiser, no horário que lhe for mais conveniente, na ordem que desejar, podendo ainda

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comentá-los e compartilhá-los através da plataforma de vídeos YouTube. Somados, os

anúncios tiveram mais de 1.200.000 visualizações (até abril/2015), confirmando-se o

sucesso da campanha dado o seu ‘efeito viral’ on-line. Como resultado, é esperado que

se estabeleça uma adesão emocional do consumidor à marca, devido ao alinhamento de

valores entre esses agentes.

O humor político na campanha opera, pois, não como mero elemento acessório.

Antes, o ‘riso em comum’ é um componente fundamental para tornar a audiência ainda

mais envolvida afetivamente com o conteúdo e, assim, com a marca. Ao satirizar os

imaginários, discursos e comportamentos dos presidenciáveis, funda-se uma espécie

relação de cumplicidade entre a marca e os espectadores – ‘estamos rindo juntos da

mesma coisa’ – a qual se espera que se transforme em elevada consideração e fidelidade

aos produtos da empresa.

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