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Qualidade da democracia, crime e justiça criminal na América Latina – uma análise exploratória
Eliezer Gomes da Silva1
Introdução
As relações entre crime e democracia são objeto de antiga preocupação de
autores clássicos das ciências sociais, como Tocqueville, Durkheim, Elias, para citar apenas
alguns; permeiam, de uma forma ou de outra, os horizontes da criminologia crítica e radical,
de inspiração marxista, dos anos 70 e 80; relacionam-se a abordagens contemporâneas sobre
crime e exclusão social na modernidade tardia (v.g. Young, 1999; Caldeira, 2000) e sobre
políticas criminais baseadas no risco ( v.g., Hudson, 2003; Simon, 2007). No entanto, somente
nos últimos anos tem a Criminologia passado a tratar, de modo mais direto e específico, em
abordagem transdisciplinar, as relações entre democracia, crime e justiça, tendo sido tema
central da reunião anual da American Society of Criminology, em 2006, além de dar título ao
número especial da The Annals of the American Academy of Political and Social Science, editado
por Karstedt e LaFree (2006), volume que inspirou um anterior trabalho nosso (Silva, 2012), em
que fizemos correlações entre criminalidade violenta, sistema de justiça criminal, igualdade e
desenvolvimento humano.
A recente abordagem tem também surgido em meio ao revigoramento do
clássico pensamento de Max Weber, em Economia e Sociedade, quando mencionou os tipos
de dominação legítima, e em meio a uma profusão de estudos que floresceram a partir de duas
seminais obras, que igualmente giram em torno do conceito de legitimidade: o livro de Tom
1 Doutor em Direito (Universidade de São Paulo), Mestre em Criminologia (Universidade de Cambridge) e em Linguística (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o autor é professor adjunto do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, e docente permanente do programa de mestrado e doutorado da Universidade Estadual do Norte do Paraná. É também Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.
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Tyler (1990), Why people obey the Law, que articula legitimidade e compliance a partir das
percepções de equidade e justiça procedimental, e a obra de David Beetham (1991), que baseia
a legitimidade nos pilares da legalidade, do reconhecimento normativo, e do reconhecimento
político (legitimação).
Esse muito bem-vindo diálogo ente a Ciência Política e a Psicologia, em sede de
democracia, crime e justiça, que aponta para novos horizontes de análise crítica em
Criminologia (de que é exemplo o volume Legitimacy and Criminal Justice, editado por Tankebe
e Liebling (2013)) ainda se mostra incipiente no contexto latino-americano. Por isso, constitui-
se um valioso e atual esforço acadêmico investigar, por exemplo, até que ponto os diferentes
quadros de violência, quando se comparam democracias latino-americanas que passaram por
longos períodos de autoritarismo, não revelam distintas tradições e experiências
substancialmente democráticas. E a indagação é particularmente instigante, para criminólogos
e cientistas políticos, diante da frequente simbiose entre os níveis de criminalidade violenta e
a eficiência e/ou violência do controle da violência pelo sistema de justiça criminal.
Nesse contexto teórico, e no ambiente de um Seminario en Latinoamérica de
Teoria Constitucional y Política (SELA 2017, Yale), pareceu-nos útil (conquanto desafiador),
abordar, ainda que de modo meramente exploratório, as relações entre democracia, crime e
justiça na América Latina, tendo como norte teórico e metodológico o conceito de qualidade
da democracia, muito caro à ciência política contemporânea, e para o qual muito contribuíram,
cada qual a seu tempo e modo, três notáveis acadêmicos que passaram por Yale (Juan Linz,
Robert Dahl e Guillermo O’Donnell). No entanto, nos limites desta contribuição, tomaremos
como referencial analítico a proposta de Diamond e Morlino (2005), que identificam oito
dimensões de qualidade da democracia: cinco de natureza procedimental (estado de direito,
participação política, competitividade eleitoral, accountability vertical, accountability
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horizontal), duas de natureza substancial (liberdades públicas, materializadas por direitos civis,
políticos e socioeconômicos e igualdade); uma dimensão de resultado, que denomina de
responsividade. Tendo por norte esse referencial, o presente trabalho dará especial ênfase à
responsividade, correlacionando-a com o conceito de cultura política democrática, pelas
seguintes razões:
Primeiro, porque a ideia de responsividade, representada pela efetiva
correspondência, entre as ações dos governantes e as expectativas, interesses, necessidades e
demandas dos cidadãos, refere-se a uma dimensão que interliga e pressupõe todas as demais,
como será demonstrado ao longo do trabalho.
Segundo, porque nos permite explorar algumas hipóteses analíticas a partir de
três bases empíricas relacionadas ao trinômio democracia, crime e justiça: o Democracy Index
2016 (doravante DIEIU 2016), publicado pela The Economist Intelligence Unit; a base de dados
do conhecido World Values Survey Wave 6 (2010-2014), doravante WVSW6, compilada por
rede global de cientistas sociais sediada em Estocolmo, Suécia);2 o Global Study on Homicide
2013 (doravante GSH 2013), publicado pelo United Nations Office on Drugs and Crime
(UNODC).
Terceiro, porque o conceito de responsividade, atrelado à ideia de cultura
política democrática, nos permite explorar a reciprocidade das relações entre a criminologia e
a política criminal, articulando-as tanto com os referencias teóricos de qualidade da
democracia quanto com os de legitimidade.
2 Optamos pela WVS 2016, ao invés do banco de dados Latinobarómetro por duas razões: porque o DIEU 2016 se vale das repostas da WVS na construção de seu índice; porque a agregação quadrienal dos dados (“waves”) torna operacionalmente mais práticos nossos esforços comparativos. A desvantagem é a de que nem todos os países latino-americanos foram incluídos no WVS 6.
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Quarto, porque já há uma larga tradição de estudos e pesquisas sobre as
correlações entre os níveis de criminalidade violenta e/ou de severidade da resposta penal e
fatores jurídicos, políticos, sociais e econômicos e de controle institucional (accountability).
Veja-se, v.g., Mendez, O’Donnell e Pinheiro (1999), Mainwaring & Welna, 2003, Arias (2006),
Brinks (2008), Dammert (2012), Brinks e Botero (2014). A referência serve para reiterar que
convictamente reconhecemos a máxima relevância das referidas questões, em tema de
qualidade da democracia, crime e justiça na América Latina. Apenas queremos convidar o leitor
para uma reflexão diferenciada. Uma reflexão que, não estando centrada apenas nos
elementos estruturais e institucionais da democracia, também resgate a importância da
ação/inação política do cidadão, em seu contexto cultural, valorativo e ideológico, como
primeiro agente de estabilidade ou de transformação social e política, e/ou de consolidação,
rejeição ou indiferença na implementação das estruturas e instituições democráticas
existentes.
Esse enfoque ecoa na recente contribuição de Mayne e Geissel (2016), que
também será utilizada em suporte ao argumento central deste trabalho, e que guarda raízes
na madura reflexão de O’Donnell (2010), em sua derradeira obra:
And, infusing all of the above, my conviction that a proper understanding of democracy not only as a set of institutions and practices but also as a powerful normative force, demands recognizing that, starting from old origins, it is grounded on the idea that the citizen is an agent, a being endowed with practical reason and capable of moral judgment; this condition makes the citizen a carrier of the legal “personality” that underlies and grounds his/her various rights”. (p. 4)
Ciente dos desafios e controvérsias que cercam as próprias pesquisas empíricas
sobre qualidade da democracia (conforme Geissel, Kneuer, Lauth, 2016), com especial
complexidade para o enfoque da responsividade, o presente trabalho, de caráter exploratório,
não pretende empregar sofisticadas metodologias de pesquisa quantitativa (como análise de
regressão) em relação aos dados empíricos de que se vale. Contenta-se em associar certas
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bases empíricas a certos fundamentos teóricos – no âmbito da ciência política e da criminologia
– para formular possíveis hipóteses (a serem detalhadas e testadas em futuros estudos,
qualitativos ou quantitativos) sobre a realidade sociopolítica e o substrato normativo e cultural
que envolve discussões sobre democracia, criminalidade violenta e justiça criminal na América
Latina.
Com tal hibridismo, alinhamo-nos a um horizonte metodológico não tão
frequente, quer na criminologia, quer na ciência política (cujos pesquisadores normalmente se
obrigam a fazer uma rígida escolha metodológica), mas que encontra eco em Hudson (2011),
que defende a relevância da reflexão crítica como metodologia de pesquisa criminológica, e
em Loader e Sparks (2013, p. 112), os quais se mostram convictos da “inseparable connection
between empirical discovery and normative judgment that the concept of legitimacy carries
with it”. Finalmente, guarda apoio também em O’Donnell que, como nos lembra Whitehead
(2014), integrava em seus inspiradores estudos e pesquisas enfoques descritivos e prescritivos,
ciente de que “democratization, citizenship, accountability, and human rights are all ethical as
well as empirical topics”. (Whitehead, 2014, p. 346).
1. Dimensões de qualidade da democracia entre a criminalidade violenta, o sistema de justiça criminal e as políticas criminais. A relevância das relações entre legitimidade, responsividade e cultura política.
Soa um tanto presunçoso, num primeiro momento, o próprio termo “qualidade
da democracia”. Como se existissem democracias “de boa qualidade”, ao lado de democracias
“de má qualidade”, contrariando a própria ideia de “democracia” (nem boa nem ruim) como
expressão, desde Locke, de um governo por consentimento de seus governados. Nessa linha,
Plattner escreve que “modern liberal democracy seeks to make the people sovereign but, in
order to protect the rights of individuals and minorities, it also places significant constraints on
what government can do” (Plattner, 2005, p. 78). A estranheza se dissipa quando se
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compreende que o conceito de “qualidade da democracia” surge na ciência política
contemporânea com o reconhecimento de que as diversas formas de experiência democrática
não podem ser resumidas a uma rígida relação binária democracia/autoritarismo. Tampouco
sem que sejam considerados tanto os elementos formais atribuídos às democracias
(alternância no poder por eleições livres, universais e regulares, pluralismo político, estado de
direito, liberdades públicas, inclusive de reunião e de manifestação do pensamento, direito à
informação, ao devido processo legal etc.), quanto os elementos de ordem substancial (direitos
civis, políticos e socioeconômicos, direito ao tratamento igualitário, ao desenvolvimento
humano etc.).
Nesse amplo espectro de dinâmicas políticas, esforços para a delimitação de um
conjunto de possíveis ou desejáveis características “qualitativas” das democracias surgem
como natural necessidade no âmbito das ciências sociais, notadamente para fins de
acompanhamento, análise, comparação, mensuração e crítica. Tais esforços não apenas
revigoram o debate acadêmico, como também estimulam novas experiências concretas de
controle social das instituições políticas (conf. Rennó, Smith, Layton e Pereira, 2011). É o que
ocorreu, por exemplo, com a criação da Auditoría Ciudadana sobre la Calidad de la Democracia,
na Costa Rica, em 1998, a qual, como nos contam Cullell (2004) e O’Donnell (O’Donnell, Cullell
e Iazzetta, 2004, prefácio), nasceu sob a inspiração de uma reflexão acadêmica de dois anos
antes.
Exposto o duplo alcance – teórico e político – do conceito de qualidade da
democracia, e abstraindo discussões e controvérsias sobre diferentes proposições para a sua
mensuração (vide, a respeito, número especial da International Political Science Review,
publicada em novembro de 2016, IPSR 2016), aqui nos contentaremos com a proposta de
Diamond e Morlino (2005), os quais, como já referido na introdução, concebem oito dimensões
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de qualidade da democracia, a saber: estado de direito, participação política, competitividade
eleitoral, accountability vertical (“obligation of elected political leaders to answer for their
political decisions when asked by citizen-electors or other constitutional bodies”, conf.
Diamond e Morlino, 2005, xix), accountability horizontal (“democratic quality also requires that
office-holders are answerable to other institutional actors that have the expertise and legal
authority to control and sanction their behavior”, conf. Diamond e Morlino, 2005, xxi),
liberdades públicas (materializadas por direitos civis, políticos e socioeconômicos), igualdade e
responsividade. Esta última dimensão, porque não autoexplicativa, merece um resgate
conceitual, porque central às considerações do presente trabalho:
Finally, we can analyze democratic quality by what it achieves in terms of government responsiveness to the expectations, interests, needs, and demands of citizens. This dimension is closely related to vertical accountability, and hence to participation and competition. In turn, it also influences how well citizens will be satisfied with the performance of democracy, and to what extent they will view it as the best form of government for their country.”
A ideia de responsividade, em sua tensão ética e política com as demais
dimensões de qualidade da democracia, evidencia a importância da recente contribuição de
Mayne e Geissel (2016), que ecoa em vários aspectos do pensamento do O’Donnel: em sua
original definição de accountability horizontal (conforme O’Donnell, 2003); em sua constante
reafirmação da importância do estado de direito como dimensão fundamental da democracia
(O’Donnell, 2005); em sua proposta de resgate da “citizenship as agency” (O’Donnell, 2010).
Para Mayne e Geissel (2016), o conceito de qualidade da democracia envolve dois
componentes fundamentais: um componente ligado às oportunidades estruturais e
institucionais (que asseguram as condições de existência de um governo democrático); outro
componente ligado à cidadania (como os cidadãos efetivamente dão vida e cobram o
implemento das existentes oportunidades institucionais e estruturais garantidoras de um
governo democrático).
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Ainda segundo Mayne e Geissel, independentemente do modelo de democracia
em exame, o componente “cidadania” envolveria três aspectos, de base tanto política quanto
psicológica: os compromissos democráticos (no sentido de sincera adesão a princípios, valores
e normas essenciais à democracia), as capacidades políticas (no sentido do ativo envolvimento
em processos eleitorais), a participação política (no sentido da contínua participação na vida
política, não apenas durante, mas entre as eleições). Oportuna, nesse ponto, a transcrição do
claro argumento central dos referidos autores:
At the core of this paper lies the idea that the overall level of democratic quality in a country can only be considered high when there is a tight fit between democratic institutions and the dispositions of citizens to breathe life into these institutions. What counts as a fit will crucially depend on the underpinning model/s of democracy. The key point, however, is that this notion of fit is based on the idea that institutions and citizens stand in a mutually conditioning relationship, and as such, in operational terms, the value of one is related more or less to the value of other. Future work that aims to incorporate citizens into the measurement of democracy quality will therefore need to be explicit about when and why scores of certain institutional and citizen-related indicators are dependent on each other in some way, reflected by the use of a multiplicative term. (Mayne e Geissel, 2016, p. 642).
Nesse contexto, responsividade – insuscetível de entrar em operação sem uma
dinâmica cultura política democrática – nos remete ao conceito de legitimidade, a partir de sua
clássica formulação por Max Weber. Segundo Weber, num dos textos compilados em
Economia e Sociedade (Weber, 1994, p. 141), toda dominação – para que se faça eficaz –
sempre aspira ao alcance da legitimidade (dominação legítima), legitimidade esta que pode se
dar no plano racional (que preferimos denominar apenas de normativo), tradicional (que
preferimos denominar de cultural) ou carismático (que preferimos denominar de empático,
porque de base ao mesmo tempo psicológica e político-ideológica). A propósito, a condição
que aqui denominamos de empatia refere-se a um conceito que vem tendo crescente aplicação
teórica no Direito (conf. Dubber, 2006, Hoffman, 2011, e Robert Burt, 2017, na futura obra
póstuma do emérito professor de Yale).
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Assim, reelaborando-se livremente a concepção weberiana, se as pessoas
obedecem a comandos governamentais não apenas quando lhes emprestam (ou lhes é
imposta) legitimidade normativa, mas também quando lhes emprestam legitimidade cultural e
empática, a chave para se compreender a eficácia da dominação política, traduzível na maior
ou menor “vontade de obedecer” (expressão de Weber) a disposições legais, passa pela
compreensão não apenas das dimensões substanciais ou procedimentais das normas jurídicas
inerentes ao estado de direito, mas também do contexto cultural e valorativo dos cidadãos
governados, a lhes predispor natural obediência, bem como dos elementos que favoreçam sua
empatia (identificação psicológica e político-ideológica) com um programa de governo de
determinados líderes.
A legitimidade jurídica (império da lei) confere aos governantes o poder-dever
de aplicar a lei vigente e aos governados o dever de obedecê-la, dela gostem ou não. Já a
legitimação cultural e a legitimação empática constituem-se em vontade e poder dos
governados, que o governante democrático, não podendo impor, aspira conquistar. É que
longe de serem apenas componentes de índole pessoal, influenciam, de forma especialmente
decisiva, tanto a aplicação e interpretação das leis penais, pelo sistema de justiça criminal,
quanto a orientação de políticas criminais, pelos agentes políticos. Muitos destes agentes, a
propósito, conseguem se legitimar pelo voto exatamente pela habilidade que desenvolvem em
bem identificar o contexto cultural e valorativo das aspirações de seus eleitores, de modo a
favorecer a empatia psicológica e político-ideológica. É o caso do chamado “populismo penal”
(conf. Pratt, 2007; Sparks, 2003; Lacey, 2008, primeiro capítulo), que atrai exemplos práticos
em muitos países. Seus efeitos, sobre a qualidade da democracia, no contexto estadunidense,
foram objeto de alentada contribuição teórica de Jonathan Simon (2007).
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A legitimidade cultural e a legitimidade empática também nos remetem às
dimensões de participação política e de accountability vertical. Esta última dimensão (que há
de ser de atuação contínua, e não limitada aos períodos eleitorais, sob pena de se constituir na
chamada “democracia delegativa”, conforme O’Donnel, 1999 [1994]), pode também estar no
âmago da maior ou menor eficácia, de fato, de agências governamentais de accountability
horizontal. Afinal, sem que tais agências contem com ativo aporte político-ideológico,
culturalmente enraizado, dos próprios cidadãos eleitores, a se mobilizarem continuamente em
apoio a suas funções institucionais, tais agências estarão sempre sujeitas a vetos, formais e
informais, pelos agentes políticos, tornando-se, na prática, substancialmente fracas, ainda que
formalmente fortes e independentes. Tais assertivas compatibilizam-se com as contribuições
de Levistky e Murillo (2014) e Peruzzotti (2014), os quais sustentam que quanto mais forte o
aparato institucional de accountability horizontal, maiores as chances de que venha a ser
constantemente obstado por atores políticos (Levistky e Murillo, 2014, p. 210).
Ilustrativo dessa concepção de responsividade (até mesmo como eventual
condição de endossar a ação institucional de agências de accountability horizontal) foi o
episódio referido no trabalho apresentado no SELA 2014 (Silva, 2015): a pressão da sociedade
civil, em apoio às ações instituições do Ministério Público brasileiro (cujo desenho institucional,
desde a constituição de 1988, o tornou um forte agente de accountability horizontal, conf.
Sadek e Cavalcanti, 2003) foi essencial, em 2013, para a rejeição de um projeto de emenda
constitucional que retiraria daquele órgão o poder de investigação criminal, reservando-o
exclusivamente à polícia. Não tivesse a sociedade civil brasileira saído às ruas para protestar
contra a aprovação da referida emenda constitucional, certamente o Ministério Público
brasileiro não teria condições de deslanchar, em 2014, a hoje mundialmente conhecida
“Operação Lava Jato” (“Operation car wash”), responsável por desvelar um bilionário esquema
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de corrupção e com potencial para modificar uma longa tradição brasileira, em relação a como
o sistema de justiça criminal brasileiro tradicionalmente enfrentava os crimes do colarinho
branco, e (esperamos) a forma de se fazer política no Brasil. E uma vez que a referida operação
apanhou muitos dos atuais líderes políticos, a sociedade civil brasileira continua em seus
esforços de vigilância contra possíveis reações políticas à efetiva implementação do estado de
direito.
Parece claro, a essa altura, que os conceitos operacionais de responsividade, de
legitimidade cultural e empática, que se associam ou se vinculam a uma cultura política
democrática (ou antidemocrática), e com consequentes posicionamentos e atitudes dos
próprios cidadãos em suas expectativas de ação política e governamental, iluminam diversos
aspectos do possível controle da violência, pari passu com o aperfeiçoamento da qualidade da
democracia em outras dimensões (a começar pela eficácia e equidade na aplicação da lei). Esta
visão alargada da democracia clama por ações governamentais e políticas (inclusive no âmbito
do sistema de justiça criminal) de melhor ou mais complexa fundamentação, para lidar com a
criminalidade violenta. Deve envolver não apenas boas estratégias (v.g., controle de armas,
repressão a organizações criminosas, desmantelamento do poderio de grupos ligados ao tráfico
de drogas, controle de fronteiras); boa gestão (v.g., controle de eficácia da ação policial,
aumento de efetivos, priorização de investigações de casos de violência letal); melhor aparato
jurídico (revisão da legislação, com mais equilibrada proporcionalidade entre crimes e penas).
É também necessário que se volte (quiçá com instrumentos discursivos, comunicacionais) para
aspectos capazes de moldar, até certo ponto, esperadas atitudes ético-valorativas em relação
à violência e à criminalidade, ou à resposta estatal à criminalidade. A propósito, Garland (1990,
p. 249), em seu influente estudo sobre o sistema penal, à luz da teoria social, destacou que
“sources of penal change and the determinants of penal form are to be located not just in
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penological reasoning, or economic interest, or strategies of power, but also in the
configurations of value, meaning, and emotion which we call “culture” (p. 249). Portanto, as
demandas e ações reciprocamente realizadas pelos cidadãos e pelo governo – responsividade
– quando relacionadas a crime e a justiça criminal, não envolve apenas racionalidade.
Com a transposição desse argumento para a perspectiva prática do presente
trabalho, parece de máxima importância analítica investigar quais dimensões de qualidade da
democracia podem estar relacionadas a altos ou baixos índices de criminalidade violenta. Para
isso, devem ser investigadas não apenas as qualidades ou defeitos das oportunidades
estruturais e institucionais em jogo (como se referem Mayne e Geissel, 2016), mas também a
natureza e dinâmica das crenças, valores e, principalmente, sua eventual transformação em
atitudes políticas. Esse enfoque tem o potencial de simultaneamente explicar não apenas a
maior ou menor compliance com as normas decorrentes do jogo democrático (incluindo a
aceitação ou repulsa à violência), como também a maior ou menor adesão ou tolerância a
determinados programas de governo. Assim, com o acréscimo do conceito operacional de
responsividade à ideia de legitimidade, podem ser vencidas sérias limitações de emprego, em
matéria de crime, justiça e política criminal (apontadas, v.g., por Loader e Sparks, 2013;
Bottoms e Tankebe, 2013), das abordagens em torno do modelo teórico de Tyler (1900,
reconfigurada, v.g., em 2013), e de Beetham (1991, reconfigurada, v.g., em 2013).
Em suma, a identificação de um ambiente institucionalmente democrático não
faz prescindir – e isso parece ser crucial em tema de democracia, violência e justiça criminal –
uma cultura intrinsecamente democrática. Daí o paradoxo – especialmente observável em
estudos comparados – de uma cultura democrática eventualmente resistir em meio a um
ambiente institucionalmente autoritário. Talvez se encontre aí uma das chaves para se buscar
entender esse desconcertante e desafiador paradoxo (que os dados, de múltiplas fontes e
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metodologias demonstram) de acomodações e simbioses entre autoritarismos e democracias.
Por isso é importante a reflexão de Karstedt (2013, p. 132), no sentido de que, do ponto de
vista “empírico”, “legitimacy is not a privilegie of democracies: neither are contemporary non-
democratic regimes exclusively based on coercion, nor is compliance fully voluntary in
democracies” (kindle 132), enquanto do ponto de vista “normativo”.
2. Cultura política democrática e violência institucional na América Latina. Correlações a partir do Global Study on Homicide e do Democracy Index.
Fixadas, na seção anterior, algumas premissas de relevância teórica e
metodológica para a discussão aplicada, é hora de, com alguma base empírica, testar a hipótese
sobre se índices de violência letal, em países latino-americanos, estariam correlacionados a
indicadores de qualidade de democracia, notadamente no que tange à cultura política
democrática como possível indutora (positiva ou negativa) de responsividade político-criminal,
com natural impacto difuso sobre as demais dimensões qualitativas de democracia. Para tanto,
faremos o cotejo entre um índice de qualidade da democracia (EIUDI 2016)3 e um índice de
violência letal (GSH 2013), considerando que o modelo teórico que usamos como pano de
fundo para as discussões de qualidade da democracia (Diamond e Morlino, 2005) não chega a
esboçar, até onde conhecemos, uma metodologia específica para a construção de um índice
de base quantitativa que contemple as oito dimensões que aponta, já referidas anteriormente.
O EIUDI 2016 baseia-se em cinco categorias (processo eleitoral e pluralismo,
liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura política
democrática), mensuráveis em sessenta variáveis, estimadas em escala de 0 a 10. Os dados são
3 Apesar de o GSH referir-se a dados de até 2012, enquanto o EIUDI 2016 refere-se a dados de até 2016, não vimos diferenças significativas nas pontuações obtidas no EIDUI 2016 em comparação com o EIUDI 2013. De qualquer forma, colocaremos em colchetes os dados relativos ao EIUDI 2013, sempre que divergirem do EIUDI 2016.
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obtidos pela agregação de avaliações conduzidas por especialistas, nos diversos países, bem
como à luz de pesquisas de opinião, notadamente a World Values Survey.
A categoria “funcionamento do governo” (definida como passível de apurar se
decisões democraticamente fundadas são efetivamente implementadas), embora se aproxime
do conceito de responsividade, também pode estar relacionada a “estado de direito”,
“accountability”, tornando menos específica a variável, para os fins propostos neste trabalho,
ante a falta de outros indicadores mais precisos no EIUDI. Sem embargo, considerando que
nossa “variável independente”, na hipótese teórica que pretendemos testar, é a “cultura
política democrática” (esta precisamente definida e isolada no EIUDI 2016), sendo os índices
de violência letal nossa “variável dependente”, trataremos a variável “funcionamento do
governo” como “variável de controle”, vale dizer, desconsiderando-a para fins analíticos, diante
de sua equivocidade, já aludida acima. As demais categorias do EIUDI 2016 associam-se, sem
maiores problemas, a dimensões da proposta de Diamond e Morlino (2005): processo eleitoral
e pluralismo (correspondente à dimensão “competição”), participação política e liberdades
civis.
É certo que o EIUDI não mede explicitamente variáveis importantes como
desenvolvimento humano ou suas especificações (desigualdades socioeconômicas, de gênero,
etnia, por exemplo), nem fatores que certamente impactam em todas as demais dimensões,
como altos e crônicos níveis de corrupção. Por isso, as inegáveis limitações do EIUDI, em suas
cinco categorias analíticas, têm levado autores a propor sua ampliação. Assim o fizeram Miguel
e Martinez-Dordella (2014), que propuseram agregar ao EIUDI variáveis relacionadas ao
produto nacional bruto, ao índice de desenvolvimento humano e de expectativa de vida ao
nascer, criando-se um Nuevo Índice de Democracia (NID). No entanto – e consoante já
explicado acima, desde a introdução – o EIUDI 2016 se mostra válido para o específico foco
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analítico aqui utilizado, sem prejuízo de reconhecermos a importância das demais dimensões
de qualidade da democracia.
Já o GSH (que teve uma primeira edição, em 2011, amplamente aprimorada em
2013) é baseado num banco de dados do UNODC que compila informações sobre homicídios
dolosos proveniente de fontes nacionais e internacionais, cobrindo duzentos e dezenove países
e territórios. Como o GSH é resultado da compilação de dados fornecidos pelos próprios
sistemas nacionais (em alguns casos do sistema de justiça criminal, em outros casos de sistemas
de saúde pública), há um hibridismo de fontes de composição do índice, que requer cautela
quando cotejados entre si, notadamente em comparação internacional, porque compostos por
diferentes metodologias. Ainda assim, o índice se presta para os fins deste trabalho, de caráter
preliminar e exploratório. Primeiro, porque nos países aqui selecionados para análise (países
da América do Sul e da América Central com mais de três milhões de habitantes) os dados
foram colhidos pelos respectivos sistemas de justiça criminal (e não, hibridamente, uns junto a
órgãos sanitários, outros junto a sistemas de justiça). Segundo porque, nas relevantes
comparações, focamos em situações extremas, não situações-limite (a fim de diminuir a
possibilidade de grosseiras margens de erro estatístico, na discussão e análise dos dados).
Vejamos então, primeiramente, a tabela principal do EIUDI 2016 (Tabela 1):
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Tabela I – Fonte: The Economist Intelligent Unit’s Democracy Index 2016
Vejamos agora alguns dados sobre violência letal, no GSH 2013:
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Country Indicator Year 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 20101 2011 2012
Central America Costa Rica Rate 6,4 6,4 6,3 7.2 6.6 7.8 8.0 8.3 11.3 11.4 11.3 10 8.5
Count 249 257 258 300 280 335 351 369 512 525 527 747 407 El Salvador Rate 39.3 36.9 37 36.4 45.8 62.2 64.4 57.1 51.7 70.9 64.1 69.9 41.2
Count 2,341 2,207 2,224 2,197 2,773 3,778 3,928 3,497 3,179 4,382 3,987 4,371 2,594 Guatemala Rate 25.9 28.1 30.9 35.1 36.4 42.1 45.3 43.4 46.1 46.5 41.6 38.6 39.9
Count 2,904 3,230 3,631 4,237 4,507 5,338 5,885 5,781 6,292 6,498 5,960 5,681 6.025 Honduras Rate 59.9 54.8 55.8 61.4 53.8 46.6 44.3 50.0 60.8 70.77 81.8 91.4 90.4
Count 3,176 3,488 3,623 4,073 3,639 3,212 3,118 3,588 4,455 5,280 6,236 7,104 7,172 Mexico Rate 10.3 9.8 9.5 9.3 8.5 9.0 9.3 7.8 12.2 17 21.8 22.8 21.5
Count 10,737 10,285 10,088 10,087 9,329 9,921 10,452 8,867 14,006 19,803 25,757 27,213 26,037 Nicaragua Rate 9.3 10.4 10.6 11.9 12.0 13.4 13.1 12.8 13 14 13.5 12.5 11.3
Count 476 537 554 635 646 729 722 714 736 802 785 738 675 Panama Rate 9.8 9.8 12.0 10.4 9.3 10.8 10.8 12.7 18.4 22.6 20.6 20.3 17.2
Count 299 306 380 338 308 364 371 444 654 818 759 759 654 South America
Argentina Rate 7.2 8.2 9.2 7.6 5.9 5.5 5.3 5.3 5.8 5.5 5.5 Count 2,653 3,048 3,453 2,876 2,259 2,115 2,052 2,071 2,305 2,215 2,237
Bolivia Rate 7.0 6.3 8.1 8.6 8.4 10.4 10.0 2.1 Count 654 598 787 850 835 1,052 1,029 1,270
Brazil Rate 23.5 23.9 23.0 22.2 23.4 25.2 Count 44,625 45,885 44,519 43,272 46,177 50,108
Chile Rate 3.2 3.5 3.6 3.7 3.5 3.7 3.2 3.7 3.1 Count 513 576 590 616 588 630 541 636 550
Colombia Rate 66.5 68.6 68.9 53.8 44.8 39.6 36.8 34.7 33.0 33.7 32.3 33.6 30.8 Count 26,540 27,840 28,387 22,526 19,036 17,086 16,119 15,423 14,911 15,454 15,013 15,803 14,670
Ecuador Rate 14.6 13.0 14.6 14.6 17.7 15.4 17.0 15.9 18.0 17.8 17.6 15.4 12.4 Count 1,833 1,658 1,906 1,937 2,239 2,121 2,385 2,273 2,607 2,625 2,638 2,345 1,924
Paraguay Rate 18.6 24.1 24.6 22.6 20.9 18.2 15.5 12.8 13.4 12.9 11.5 10.0 9.7 Count 995 1,314 1,372 1,285 1,209 1,076 934 783 833 821 741 657 649
Peru Rate 5.0 4.9 4.2 4.9 5.6 11.0 11.2 10.4 11.6 10.3 9.3 9.6 9.6 Count 1,.302 1,294 1,136 1,316 1,526 3,057 3,141 2,934 3,332 2,969 2,709 2,850 2,865
Uruguay Rate 6.4 6.6 6.9 5.9 5.8 5.7 6.1 5.8 6.6 6.7 6.1 5.9 7.9 Count 214 218 231 197 194 198 203 194 221 226 205 199 267
Venezuela Rate 32.9 32.0 38.0 44.0 37.0 37.3 45.1 47.6 51.9 48.9 45.0 47.8 53.7 Count 8,022 7,960 9,617 11,342 9,719 9,964 12,257 13,156 14,589 13,985 13,080 14,098 16,072
Tabla 2 – Fuente: The GSH 2013 (Table 8.1 – Intentional Homicide count and rate per 100,000 population, by country (2000-2012))
ELIEZER GOMES DA SILVA
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Da análise de ambos os índices, chama a atenção o fato de que países com boas
ou excelentes pontuações (acima de 9 ou 90%) no tocante a aspectos procedimentais da
democracia (processo eleitoral/pluralismo político), como é o caso do Brasil (9,58), Colômbia
(9,17), Honduras (9,17 [8,75]),4 El Salvador (9,17) e Panamá (9,58), ostentem altas taxas de
homicídio, respectivamente 25,2 (Brasil), 30,8 (Colômbia), 90,4 (Honduras), 41,2 (El Salvador).
De comum a esses países, o fato de todos ostentarem índices muito baixos no quesito “cultura
política democrática”: 3,75 [4,38] (Brasil), 4,38 [3,75] (Colômbia), 4,38 (Honduras), 5 (El
Salvador), a contrastar com países com escores bem maiores nesse quesito (Argentina, com
6,88 [6,25]; Chile, com 6,88; Costa Rica, com 6,88; Uruguai, com 7,5), os quais ostentam os mais
baixos índices de violência letal, respectivamente: 5,5 (Argentina), 3,1 (Chile), 8,5 (Costa Rica),
7,9 (Uruguai).
Agora, se um acentuado desempenho no item “cultura política democrática”
parece estar correlacionado a países com baixo índice de violência letal, o mesmo não ocorre
em relação ao item “participação política”: Argentina, Chile, Costa Rica e Uruguai possuem
índices bem díspares de “participação política” de seus cidadãos (Argentina, 6,11 [5.56] e Costa
Rica 6,11; Chile, 4,4 [3,89], e Uruguai, 4,4), enquanto o México, com o maior índice de
“participação política” entre os países aqui selecionados (7,22 [6,67]), ostenta elevados índices
de violência letal (21,5). Portanto, violência letal e “participação política” não apresentaram
correlação.
O mesmo se diga em relação a itens como “liberdades civis””. Brasil, Colômbia e
El Salvador bem pontuam nesses itens, com escores acima de 8 (80%) - 8,82 [9,12] e 8,24 [8,82]
4 Sobre os números em colchetes, vide nota anterior.
ELIEZER GOMES DA SILVA
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e 8,53 respectivamente (superiores, por exemplo, aos da Argentina, com 7,65 [7,94), a despeito
de índices de violência letal maior que 20 por 100 mil habitantes: 25,2, 30,8 e 41,2,
respectivamente, bem superiores aos da Argentina (que pontua menos no item “liberdades
civis”), com índice de violência letal de 5,5.
A relevância da variável “cultura política democrática” na consolidação de um
padrão histórico de violência num país parece estar no fato de que cidadãos que levam a sério
valores democráticos (entre os quais a obediência à lei, o respeito ao próximo), legitimando-os
como fundamentais à existência em sociedade e procurando sinceramente incorporá-los
cotidianamente em suas próprias práticas, e não apenas cobrando-os como de
responsabilidade exclusiva dos agentes do Estado, tendem a repelir o imediato recurso à
violência física. E o que é mais importante: tendem a não tolerar ações violentas do próprio
Estado, no que tange à resposta à criminalidade.
3. Cultura política democrática e violência institucional na América Latina. O que dizem os dados da World Values Survey.
Dados do World Values Survey (que também entram na composição do EIUDI
2016) parecem ser de especial relevância para captar substanciais indícios de uma cultura
democrática ou antidemocrática, independentemente do ambiente institucionalmente
democrático ou autoritário em que se encontrem. Assim, por exemplo, ao indagar a cidadãos
de oito países latino-americanos sobre o que acham sobre “ter um líder forte que não tenha
que se incomodar com o parlamento ou com as eleições”, o resultado foi o seguinte:
SELA, YALE, 2017 – VERSÃO EM DESENVOLVIMENTO – FAVOR NÃO CITAR SEM CONSULTAR O AUTOR
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Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
Enquanto na faixa dos maiores percentuais entre os que nitidamente rejeitaram
a proposição, taxando-a como “muito ruim”, tivemos Argentina, com 21,4, Chile, com 25,2
Uruguai, com 15,3, constatou-se rejeição bem menos expressiva em países como o Brasil
(10,5), Colômbia (7,9) e México (10). Aqui, novamente, os países da amostra que mais
cabalmente rejeitaram a proposição antidemocrática, autoritária, são países que
historicamente ostentam baixos índices de violência letal, enquanto alguns dos países da
amostra que mais timidamente rejeitaram a proposição são países que historicamente
ostentam altos índices de violência letal.
Em outra tabela, realça-se, novamente, que países que ostentam altos índices
de violência letal, como Brasil, Colômbia e México, também são países que, indagados sobre o
que achavam de governos militares, contabilizaram os mais altos números de resposta “muito
bom” e “bem bom”. Somados os itens, tem-se 32,1 (Brasil), 32,9 (Colômbia) e 51,4 (México),
patamares significativamente superiores às somas das respostas, aos mesmos itens, alcançadas
por Argentina (9,9), Chile (16,5) e Uruguai (8,2).
ELIEZER GOMES DA SILVA
21
Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
A percepção de que seu país não é governado democraticamente foi medida por
respostas em escala graduada, que ia de 1 (de modo algum democrático) a 10 (completamente
democrático). Se considerarmos a soma dos três patamares mais baixos (1, 2 e 3), teríamos os
seguintes resultados: Brasil (22,3), Colômbia (15,3), México (20,3), percentuais
significativamente superiores aos obtidos por Argentina (10,6), Chile (14,2) e Uruguai (5).
Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
SELA, YALE, 2017 – VERSÃO EM DESENVOLVIMENTO – FAVOR NÃO CITAR SEM CONSULTAR O AUTOR
22
A indagação sobre a possibilidade de as forças armadas assumirem um governo
que se mostre incompetente foi fortemente rejeitada por países com histórico padrão de baixa
violência letal (como Argentina, Chile e Uruguai), enquanto países como Brasil, Colômbia e
México, com histórico padrão de alta violência letal, acolheram como positiva a hipótese, com
percentuais bem consideráveis. Como demonstra a tabela abaixo, se somarmos as respostas
aos três patamares mais altos (8, 9 e 10) da escala graduada que ia de 1 (não se trata de
característica essencial a democracia) a 10 (trata-se de característica essencial da democracia),
teríamos os seguintes percentuais: enquanto Argentina, Chile e Uruguai ostentam baixos
percentuais entre os países que aprovaram a hipótese (de 9,8, 9,5 e 13,1, respectivamente),
Brasil, Colômbia e México, com percentuais de 27,8, 22,2 e 39,6, respectivamente,
apresentaram significativos percentuais de aprovação.
Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
Vejamos agora as tabelas do WVS, sobre confiança na polícia e no judiciário:
ELIEZER GOMES DA SILVA
23
Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
Não se verificou uma correlação relevante, na WVS, entre países com alto índice
de violência letal e sua confiança em instituições como a polícia e o judiciário. Argentina, por
exemplo, comparada aos países da amostra, ostenta o mais elevado índice de desconfiança em
relação à polícia – 74% na soma entre as respostas “não confio absolutamente” e “não confio
muito” – e o segundo mais elevado índice de desconfiança em relação ao judiciário – 79,5% na
soma entre as respostas “não confio absolutamente” e “não confio muito”. Chile, por outro
lado, ostenta o segundo mais elevado índice de desconfiança em relação ao judiciário – 72,3%
na soma das respostas “não confio absolutamente” e “não confio muito”. Uruguai, por sua vez,
ostenta o menor índice de desconfiança tanto em relação a polícia quanto em relação ao
judiciário (42,2 e 44,3%, respectivamente, nas somas das respostas aos itens já destacados).
SELA, YALE, 2017 – VERSÃO EM DESENVOLVIMENTO – FAVOR NÃO CITAR SEM CONSULTAR O AUTOR
24
Abre-se aqui espaço para uma precisa distinção (trazida por Platner, 2005, p. 79)
entre a boa performance do sistema de justiça criminal – ou eficaz aplicação do estado de
direito – e o reconhecimento de sua legitimidade. De plano, parece razoável supor que um
sistema de justiça que se reconhece como eficaz e justo certamente contribui para a diminuição
do grau de desconfiança da população em relação ao referido sistema. Contudo, não se deve
olvidar, como lembra Karstedt (2013, p. 146) que a confiança dos cidadãos na polícia pode
sofrer influência dos níveis de crime e violência, além de sua avaliação geral sobre o grau de
justiça nos processos decisórios.
4. Indicadores de mudança. Invertendo a lógica analítica: até que ponto os números de violência letal, em perspectiva longitudinal, podem gerar indicações sobre qualidade da democracia.
O GSH, ao elencar três diferentes tipologias de homicídio doloso (os
relacionados a outras atividades criminais, os de natureza interpessoal e os de base socio-
política), assevera que “in contrast to the rates of other forms of homicide, which can vary
significantly from year to year, the average rate of homicide by intimate partners or family
members [interpersonal] is relatively stable at the global level, though regional trends can differ
remarkably” (p. 51). Ou seja, os dados do GSH atestam que a violência letal (de natureza
interpessoal, não relacionada a outros crimes ou a disputas políticas), cuja mudança não se
opera em tão curtos intervalos ou apenas com instrumentos de base jurídica e normativa,
depende, simultaneamente, de legitimação cultural e empática, que consolide as bases de uma
cultura política democrática que sustente não apenas um ambiente de sincero e comprometido
respeito a direitos humanos e de repulsa à violência, como também informe, nesse mesmo
sentido, a espera responsividade de seus governantes. A propósito, dados do GHS 2013
demonstram que os homicídios relacionados a parceiros íntimos e a familiares permanece
ELIEZER GOMES DA SILVA
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como constante persistente e prevalente. Com a peculiaridade de que, a despeito de os
homens serem as maiores vítimas de homicídios, são as mulheres a maioria esmagadora dos
que morrem nas mãos de seus parceiros íntimos ou familiares (feminicídio).
Somente uma análise específica pode mostrar, com maior profundidade e
detalhe, as razões sociais, jurídicas e políticas que tem maior influência causal nos níveis de
homicídio relacionados a outras atividades delituosas ou de índole sociopolítica. Entretanto,
neste quadro analítica, podemos arriscar algumas hipóteses:
A principal delas é de que se estudos demonstram que, em poucos anos, é
possível denotar-se uma significativa reversão de taxas de homicídio, como demonstram as
situações de algumas cidades brasileiras (como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife) e mesmo
dados agregados de países como Colômbia (que persistentemente caiu de 68,9 em 2002 para
30,8 em 2012) e Paraguai (cuja taxa de homicídios persistentemente caiu, de 24,6 para 9,7
entre 2002 e 2012) ou, no sentido oposto, em Honduras (que experimentou aumento, de 55,8
para 90,4, entre 2002 e 2012), e no México (cuja taxa de homicídios persistentemente
aumentou, de 10,3 para 21,5, entre 2002 e 2012).
Como tais variações, de forma tão persistente e significativa, não ocorrem, como
aponta o GS, em homicídios de base interpessoal (cujas taxas tendem a se manter estáveis),
parece plausível a hipótese de que as variações ocorridas em países como Colômbia, Paraguai,
Honduras e México, no intervalo de 10 anos, hão de estar associadas a homicídios relacionados
a outras atividades criminosas – tráfico de drogas e armas, por exemplo – e sociopolíticos
(milícias e guerrilhas armadas, por exemplo). E a situação do Brasil está longe de ser aceitável,
pois embora tenha se estabilizado, entre 2007 a 2017, ainda são muito altos os números de
SELA, YALE, 2017 – VERSÃO EM DESENVOLVIMENTO – FAVOR NÃO CITAR SEM CONSULTAR O AUTOR
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violência letal (superiores a 20 por 100 mil habitantes), a demonstrar nenhum progresso na
reversão de um crônico quadro de violência letal.
De qualquer forma, embora seja mais comum investigar de que forma
progressos na qualidade da democracia refletem-se em níveis de violência, temos aqui
argumentado valer a pena apostar na inversão da ordem causal dessas variáveis e verificar se
os persistentes aumentos (ou diminuições) de níveis de violência de um determinado país não
estão a representar sólidos indicadores de melhoria geral em seus níveis de qualidade
democrática. Nesse sentido, os números do GSH, dos últimos dez anos, apontam ser esse o
caso de Colômbia e Paraguai. Cabe aqui a transcrição de um comentário de Nicola Lacey (2008,
p. 130):
The state of criminal justice – the scope and content of criminal law, the performance of criminal justice officials, public attitudes to crime, and the extent and intensity of the penal system – is often used as a broad index of how ‘civilised’, ‘progressive’, or indeed ‘truly democratic’ a country is. A classic expression of this idea is that of Winston Churchill, who commented nearly a century ago that ‘the mood and temper of the public in regard to the treatment of crime and criminals is one of the most unfailing tests of the civilisation of any country’.
A correlação entre valores democráticos continuamente sustentados numa
sociedade genuinamente democrática e índices de violência letal, já se mostrou pertinente,
tanto em estudos envolvendo dados de múltiplos países, quanto em estudos envolvendo dados
locais. Karstedt (2006), numa pesquisa envolvendo dados de trinta e nove países, comprovou
a hipótese, embora realçando sua associação com estruturas sociais igualitárias. Outros
estudos mais recentes, com conclusões harmônicas, podem ser citados: Nivette e Eisner
(2013), Stamatel (2016), Testa, Young e Mullins (2017).
Caldeira (2000), analisando dados da realidade brasileira, particularmente na
cidade de São Paulo, também atestou, em relação às mortes causadas pela ação da polícia,
estarem diretamente correlacionadas ao endosso dado por significativa parcela da população
ELIEZER GOMES DA SILVA
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brasileira a ações do estado, no combate à criminalidade, que desrespeitam o império da lei e
o primado dos direitos humanos, numa responsividade que ecoa no que Holston e Caldeira
(1998) já denominaram como caráter “disjuntivo” da democracia brasileira (valorização da
competição política e dos processos eleitorais ao lado do desprezo aos direitos humanos, em
determinados contextos).
Portanto, a responsividade, nem sempre racional, em sede de recíproca
legitimação política, entre governantes e governados, em matéria criminal, acaba por criar as
bases emocionais, culturais e ideológicas tanto para políticas criminais afinadas com o estado
de direito democrático quanto para ações materialmente criminógenas, pelo próprio Estado,
de que são exemplos crônicos episódios de abuso e violência policial, até mesmo execuções
sumárias por agentes policiais, em diversos países latino-americanos, muitas vezes com
beneplácito, tácito ou expresso, de toda uma cadeia de agentes do sistema de justiça de justiça,
e não apenas de seus órgãos de segurança pública (vide, entre outros, Brinks, para a realidade
latino-americana; em relação a tolerância judicial em relação a crimes de tortura, vide Silva e
Moreira, 2016).
Reduzindo-se as expectativas em relação às demandas de segurança postas ao
próprio Estado, que se vê dispensado do desafio de ser eficaz no combate ao crime, sem
prejuízo do respeito a todas as outras dimensões de qualidade democrática, o resultado é
necessariamente catastrófico: a um só tempo ineficiente (em muitos casos) e desumano (em
muitos outros), e ainda isento de accountability vertical, quando não detentor de apoio popular
explícito ou de tácita tolerância pública, potencializando-se os problemas de violência e
criminalidade. Isto apenas multiplica o problema, pois a confiança na impunidade, diante de
um sistema de justiça criminal na maior parte das vezes ineficaz e, em outras tantas vezes,
SELA, YALE, 2017 – VERSÃO EM DESENVOLVIMENTO – FAVOR NÃO CITAR SEM CONSULTAR O AUTOR
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brutal apenas aumenta a espiral de violência. E parece óbvio que níveis crônicos de violência e
criminalidade (a par de níveis igualmente crônicos de corrupção – do que aqui não nos
ocuparemos) impacta em vetores de desenvolvimento humano, realimentando o perverso
ciclo.
É de destacar, por fim, que a consolidação de uma cultura democrática,
especialmente na cena contemporânea, ao mesmo tempo em que pressupõe sociedades
culturalmente diversificadas e politicamente plurais, não coaduna com sociedades socialmente
divididas, com grupos em que seus valores, crenças e atitudes só se possam afirmar com mútua
exclusão dos valores, crenças e atitudes dos demais grupos. Sociedades estrutural e
culturalmente divididas apresentam-se em tão radicais clivagens que dificultam sobremaneira
adesão ao elemento normativo unificador, ou, como diria Beetham (1991, p. 22), uma
“underlying structure of legitimacy” comum.
Aqui também a atenta análise do padrão de respostas à WVS nos oferece alguns
insights relacionados ao tema deste trabalho, notadamente pela comparação de Brasil e
México, de um lado, e Argentina, Chile e Uruguai, de outro lado. Referimo-nos à pergunta sobre
as preocupações sobre a possibilidade de uma guerra civil, que gerou as respostas constantes
no seguinte quadro:
ELIEZER GOMES DA SILVA
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Fonte: Word Values Survey Wave 6: 2010-2014
Se levarmos em consideração que a maior ou menor preocupação com a
possibilidade de uma guerra civil certamente está relacionada à maior ou menor percepção da
crítica divisão social interna, vista como estrutural ou culturalmente insuscetível de possibilitar
mínima convivência mutuamente respeitosa, é digno de realce o fato de que países com baixo
índice de violência letal (Argentina, Chile e Uruguai) demonstram muito menor preocupação
com uma hipotética guerra civil do que países com alto índice de violência letal (Brasil e México
– indagação não foi incluída no questionário colombiano). Somando-se os percentuais dos que
responderam estar “muito” ou “significativamente” preocupados com uma guerra civil, temos
34% na Argentina; 40,7% no Chile; 45,8% no Uruguai; 64,2% no Brasil; 85,3% no México.
5. Conclusão.
Por todo o exposto, analisar, em contexto comparativo latino-americano,
criminalidade violenta, sistemas de justiça criminal e qualidade da democracia, valendo-se de
variada base de argumentos quanti-qualitativos (sobre democracia e sobre violência letal) e
normativos, tanto da área da ciência política quanto da criminologia, com ênfase nos conceitos
interligados de responsividade, cultura política democrática, accountability e legitimidade,
revelou-se, sem dúvida alguma, uma empreita por demais ambiciosa para os limites do
presente trabalho. No entanto, cabem aqui as considerações de Loader e Sparks sobre o caráter
invariavelmente incompleto do tema abordado, a despeito de sua máxima relevância e
atualidade, especialmente por seu potencial de orientar políticas futuras, cientificamente
embasadas:
To think about legitimacy in this way is to conceive of it as a tool for the conceptual and empirical analysis of existing institutional practices of crime and justice, and as the basis for grounded but
SELA, YALE, 2017 – VERSÃO EM DESENVOLVIMENTO – FAVOR NÃO CITAR SEM CONSULTAR O AUTOR
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experimental theorizing about what a better politics of crime and justice might look like or could plausibly be enacted. The value of legitimacy here lies in the way it fixes our gaze on the gap between the world as it is and the world as it might be. As such, legitimacy remains, in our judgement, an indispensable resource for criminology understood as civic social science. It is a resource that enables criminologists to combine closely-observed social analysis of the practices of claims-making, stance-taking, dialogue, and judgement that surround extant institutional efforts to address the criminal question with the patient task of ‘imaginative persuasion’ that remains required if one is to continue, little by little, the ‘very partial, historically erratic and unsteady process’ (Dunn, this volume) of rolling back the boundaries of unaccountable power (wherever it may be found) and extending those of democratic authority. (Loader e Sparks, 2013, p. 363).
Portanto, embora reconhecendo-se as limitações na arquitetura dos dados
empíricos aqui esboçada, provinda de múltiplas fontes de metodologias diversas, algumas delas
não especialmente talhadas para análises comparativas, no tempo e no espaço, preferimos os
riscos de uma metodologia imperfeita à perda da chance de se argumentar quanto à
fundamental importância de se resgatar o cidadão como principal agente político de
transformação e mudança social. Seja no que tange a aspectos ligados à prática de crimes, seja
no que remete à eficácia de sua prevenção, controle e repressão pelos sistemas de justiça
criminal, em consonância com as mais diversas dimensões de qualidade da democracia.
O enfoque comparativo, ao apontar para as recíprocas influências e correlações
entre qualidade da democracia e violência letal na América Latina, é capaz de identificar, de
um lado, países que continuam atados (do ponto de vista jurídico-institucional, cultural e
político) a uma crônica espiral de violência, de desrespeito a direitos humanos, com impacto
direto em níveis de desenvolvimento humano e nas demais dimensões da democracia.
Também aponta, de outro lado, para países cujos cidadãos, a despeito da travessia por longos
períodos autoritários, tem conseguido operacionalizar padrões de responsividade, de cultura
política democrática que lhes permitem ou manter desejáveis índices de pacificação social
historicamente assegurados, ou mesmo reverter, positivamente, padrões especialmente
ELIEZER GOMES DA SILVA
31
adversos. Aprendamos, entre nosotros, latino-americanos, com nossos próprios erros e
acertos.
Referências bibliográficas
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