qualidade de habitaÇÕes populares
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A QUALIDADE DAS HABITAÇÕES POPULARES
THE QUALITY OF THE POPULAR HOUSING
Autores: Cleiton Luiz Marconcini1; Paulo Roberto da Silva.Orientador: Prof: Maurício Bueno da Rosa2.
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma analise sobre a qualidade aplicada na
construção de habitações populares em nosso país. Tendo como base os
programas de conformidade, tanto governamentais como privados, usados
como referencial no setor e outros estudos anteriores, verificamos os
problemas presentes na construção civil brasileira, que podem
comprometer os projetos de interesse social, no setor habitacional.
Palavras-chave: Qualidade, habitações, populares, construção, casas.
ABSTRACT
This paper presents an analysis on the quality applied in the construction
of affordable housing in our country. Based on compliance programs, both
governmental and private, used as reference in the sector and other
previous studies, we found the problems present in the Brazilian
construction industry, which could jeopardize the projects of social interest
in the housing sector.
Key-words: Quality, dwellings, popular, building, houses.
INTRODUÇÃO
1 Cleiton Luiz Marconcini – Aluno de Arquitetura e Urbanismo em adaptação em Ciências da
computação.2 Paulo Roberto da Silva – Aluno de Arquitetura e Urbanismo em adaptação em Ciências da
computação.
4
Dentre os diversos temas mais abordados das discussões políticas em nosso
pais, um dos que mais se destaca se refere a questão habitacional. Mesmo com os
bons indicadores financeiros e a melhora na qualidade de vida, o Brasil ainda
ostenta um alto déficit habitacional.
Um Significativo número de famílias foi levado a morar nos conjuntos
habitacionais populares, produzidos em larga escala na década de 60, nas periferias
das cidades brasileiras.
Os problemas técnicos e sociais relacionados a esse tipo de empreendimento
são insistentemente apontados por aqueles que atuam na área de habitação e
planejamento urbano. Entre as críticas, destacam-se aquelas relacionadas à
precária inserção urbana dos conjuntos, à monotonia e má qualidade dos projetos
urbanísticos e arquitetônicos, à má qualidade da construção e aos riscos de
formação de guetos, socialmente excluídos do restante das cidades. O filme “Cidade
de Deus” choca ao expor a realidade encontrada em um desses conjuntos
habitacionais. As cenas iniciais do filme, que retratam cenas do cotidiano do local
algumas décadas atrás, foram na realidade filmadas em um conjunto recentemente
inaugurado. Ou seja, conjuntos habitacionais com as mesmas características
seguem sendo produzidos.
A luta pela reorientação dos programas habitacionais populares não pode
ofuscar uma outra questão, de igual importância. Centenas de milhares de pessoas
habitam os conjuntos que foram produzidos sob a direta intervenção do poder
Público. Para a maior parte dessas famílias tinha-se ali uma oportunidade rara de
obtenção de financiamento de longo prazo, condição básica para a aquisição regular
da moradia e para concretização do sonho da casa própria. Não cabe aqui
questionar os fatores que levaram ao reforço ideológico do sonho da casa própria, a
partir dos anos 60. A realidade das famílias que residem nos conjuntos habitacionais
populares se impõe e, de forma pragmática, torna inquestionável a necessidade de
ampliar os esforços dirigidos à melhoria da qualidade de vida nesses conjuntos.
Quando o BNH buscou reduzir o custo da moradia para tentar atender a uma
população que vinha se empobrecendo, ao invés de alterar o processo de gestão e
produção que encarecia o produto final, apoiando iniciativas que a população já
vinha promovendo, optou por rebaixar a qualidade da construção e tamanho da
5
unidade, financiando moradias cada vez menores, mais precárias e distantes (...).
(BONDUKI, 1998, p. 320)
Entenda-se também que não foi só em qualidade que a produção habitacional
perdeu.
Pelo fato de excluir grande parcela da população da possibilidade de financiar
suas moradias, alavancou-se um processo definitivo de auto-empreendimento da
casa popular, que não teve outra saída senão improvisar-se em loteamentos
clandestinos e favelas.
Hoje os governos estaduais e federal, através de financiamentos públicos e
privados, tentam reverter este quadro oferecendo moradia a baixo custo e prazo a
população menos favorecida, porém, o questão técnica das construções ainda gera
duvidas com relação ao atendimento mínimo da qualidade necessária.
6
1 A habitação popular e seus componentes
A qualidade da habitação esta diretamente relacionada ao grau de satisfação
e qualidade de vida do morador, esse fator se mostra, ainda mais importante,
quando levamos em consideração o déficit habitacional no Brasil3 e que o país
sustenta uma imensa desigualdade social, com uma concentração de renda quase
sem similares no mundo, devemos considerar que a uma enorme parcela da
população não são dadas possibilidades de acesso ao mercado imobiliário. Em vista
desse panorama o poder público, disponibiliza diversos programas habitacionais,
propondo a construção de forma econômica, rápida e de boa qualidade à casas
destinadas a população de baixa renda.
O quadro habitacional brasileiro é resultado permanente de décadas de lutas
pelo solo urbano e pela moradia. Algumas capitais possuem grande parte da
população residindo em imóveis ilegais e insalubres, construídos em favelas e
loteamentos clandestinos. O Estado tentou solucionar o problema, durante muito
tempo, através da remoção de favelas e da construção de conjuntos habitacionais,
que demonstraram pouca eficácia. Atualmente as urbanizações de favelas têm
merecido destaque, pois:
A função primordial da habitação é a de abrigo. Com o desenvolvimento de suas habilidades, o homem passou a utilizar materiais disponíveis em seu meio, tornando o abrigo cada vez mais elaborado. Mesmo com toda a evolução tecnológica, sua função primordial tem permanecido a mesma, ou seja, proteger o ser humano das intempéries e de intrusos. (ABIKO, 1995, p.6).
Como obra arquitetônica, segundo Rapoport (1984, p.6) a função de abrigar
não é sua única nem a principal função da habitação. O autor observa que a
variedade observada nas formas de construção, num mesmo local ou sociedade,
denota uma importante característica humana: transmitir significados e traduzir as
aspirações de diferenciação e territorialidade dos habitantes em relação a vizinhos e
pessoas de fora de seu grupo.
No entanto, Santos (1999, p.6), afirma que a habitação é uma necessidade
básica e uma aspiração do ser humano. A casa própria, juntamente com a
alimentação e o vestuário é o principal investimento para a constituição de um
patrimônio, além de ligar-se, subjetivamente, ao sucesso econômico e a uma
3 6 milhões de moradias, conforme relatório na ONU publicado em fevereiro de 2011
7
posição social mais elevada (BOLAFI, 1977, p.6). Observa-se que hoje a aquisição
da habitação faz parte do conjunto de aspirações principais de uma parcela
significativa da população brasileira, embora venha perdendo importância relativa
para a educação, saúde e previdência privada. Esta perda de importância relativa
não foi devido à realização da aspiração da moradia pela população mas, em grande
parte, devido à deficiência crescente destes serviços públicos. (JUNQUEIRA e VITA,
2002, p.6)
Segundo Fernandes (2003, p.6), a habitação desempenha três funções
diversas: social, ambiental e econômica. Como função social, tem de abrigar a
família e é um dos fatores do seu desenvolvimento. Pois:
A habitação passa a ser o espaço ocupado antes e após as jornadas de trabalho, acomodando as tarefas primárias de alimentação, descanso, atividades fisiológicas e convívio social. Assim, entende-se que a habitação deve atender os princípios básicos de habitabilidade, segurança e salubridade (ABIKO, 1995, p.6).
Na função ambiental, a inserção no ambiente urbano é fundamental para que
estejam assegurados os princípios básicos de infra-estrutura, saúde, educação,
transportes, trabalho, lazer etc., além de determinar o impacto destas estruturas
sobre os recursos naturais disponíveis. Além de ser o cenário das tarefas
domésticas, a habitação é o espaço no qual muitas vezes ocorrem, em
determinadas situações, atividades de trabalho, como pequenos negócios (ABIKO,
1995, p.7). Neste sentido, as condições de vida, de moradia e de trabalho da
população estão estreitamente vinculadas ao processo de desenvolvimento.
Já a função econômica da moradia é inquestionável: sua produção oferece
novas oportunidades de geração de emprego4 e renda, mobiliza vários setores da
economia local e influencia os mercados imobiliários e de bens e serviços. A
construção da habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de
construção civil: em 2002, o subsetor de construção de edifícios, que envolve a
construção habitacional, foi responsável por 25,29% na riqueza gerada pelo
macrossetor da construção no país. Em 2003, o macrossetor da Construção Civil
brasileiro gerou R$ 96,8 bilhões, correspondendo a 6,4% do PIB. Esta relevância se
4 Segundo dados do governo federal, a construção civil foi o setor da economia que mais se destacou na geração de empregos em 2010. Proporcionalmente, foi a área que mais cresceu, com 14,4% de aumento no número de postos de trabalho entre janeiro e novembro deste ano. Nos últimos oito anos foram criados cerca de 15 milhões de postos de trabalho, sendo que o número total de trabalhadores celetistas no Brasil é de mais de 35 milhões.
8
estende também ao aspecto social: a construção foi responsável, em dezembro de
2004, por 1,28 milhões de empregos com carteira assinada no país
(FGV/SINDUSCON, 2004, p.7).
A construção também está entre os dez setores que mais geram emprego por
unidade monetária investida e possui um elevado poder de encadeamento na
economia: para cada milhão de reais investidos no setor foram gerados 26
empregos diretos e outros 11 indiretos em 2003. Embora isto se deva ao baixo
índice tecnológico dos processos da construção, em grande parte também se deve à
grande pulverização da atividade da construção e do comércio de seus insumos,
também com grande incidência de informalidade (FGV/SINDUSCON, 2004, p.7). Por
esta razão, o consumo de cimento, um dos principais insumos da construção, é
utilizado como importante indicador econômico: 80% de suas vendas são destinadas
a pequenos consumidores (sobretudo Diretrizes visando a melhoria de projetos e
soluções construtivas na expansão de habitações de interesse social para
construção, reforma e expansão de habitações, o chamado “consumo formiga”),
contra apenas 20% restantes do consumo de cimento absorvidos por empresas
2 Os parâmetros de qualidade no setor habitacional
9
A inovação tecnológica na produção habitacional é um tema que sempre
esteve presente nas preocupações de toda a cadeia produtiva da construção civil.
Tendo em vista o cenário brasileiro do setor, faz-se necessário o
desenvolvimento de uma estrutura, que considera o caráter evolutivo dos projetos e
a abrangência das ações desenvolvidas pelos mecanismos de fiscalização, para
monitorar as informações e os resultados dos diferentes projetos desenvolvidos no
âmbito deste programas.
Dentre os diversos programas de avaliação da qualidade no setor
habitacional, podemos citar o SINAT – Sistema Nacional de avaliação Técnica.
O programa tem por objetivo analisar o desempenho de produtos não
abrangidos por normas técnicas prescritivas, para isso, se faz necessária a
harmonização de procedimentos, para assegurar que todos os aspectos relevantes
ao comportamento em uso desses novos produtos de construção sejam
considerados durante a avaliação.
O Sistema Nacional de Avaliação Técnica - SINAT é uma iniciativa de
mobilização da comunidade técnica nacional para possibilitar e dar suporte à
operacionalização desse conjunto de procedimentos que devem ser reconhecidos5
por toda a cadeia produtiva da construção civil para a avaliação desses novos
produtos.
Para a implementação do SINAT no processo de avaliação dessas novas
tecnologias é necessário que seus princípios gerais sejam observados. Credibilidade
do Sistema, Transparência em todas as ações, Representatividade de toda a cadeia
produtiva nas instâncias de decisão,e Imparcialidade e Autoridade na escolha dos
técnicos representantes dos diversos setores da cadeia produtiva são alguns desses
princípios.É importante destacar que a participação dos representantes da cadeia
produtiva, nas instâncias deliberativas do SINAT, não pode ser entendida como uma
delegação para a defesa de interesses setoriais ou regionais, mas sim como uma
parcela de contribuição de cada setor produtivo e de cada região do país para o
desenvolvimento tecnológico na produção habitacional
Outro importante programa nesta busca pela excelência é o PBQP-H,
Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat, que é um instrumento
5 Por enquanto, apenas o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e o Instituto Falcão Bauer estão credenciados no Sinat. Para avaliar sistemas construtivos, a ITA (Instituição Técnica Avaliadora) deverá comprovar que tem condições para realizar os ensaios.
10
do Governo Federal para cumprimento dos compromissos firmados pelo Brasil
quando da assinatura da Carta de Istambul (Conferência do Habitat II/1996). A sua
meta é organizar o setor da construção civil em torno de duas questões principais: a
melhoria da qualidade do habitat e a modernização produtiva.
A busca por esses objetivos envolve um conjunto de ações, entre as quais se
destacam: avaliação da conformidade de empresas de serviços e obras, melhoria da
qualidade de materiais, formação e requalificação de mão-de-obra, normalização
técnica, capacitação de laboratórios, avaliação de tecnologias inovadoras,
informação ao consumidor e promoção da comunicação entre os setores envolvidos.
Dessa forma, espera-se o aumento da competitividade no setor, a melhoria da
qualidade de produtos e serviços, a redução de custos e a otimização do uso dos
recursos públicos. O objetivo, a longo prazo, é criar um ambiente de isonomia
competitiva, que propicie soluções mais baratas e de melhor qualidade para a
redução do déficit habitacional no país, atendendo, em especial, a produção
habitacional de interesse social.
Essa estrutura, consolidada no projeto de Indicadores de Desempenho do
PBQP-H, pretende avaliar o impacto do Programa nos avanços da indústria da
construção6, em termos de eficiência e eficácia, particularmente em relação ao
Sistema de Avaliação da Conformidade de Empresas de Serviços e Obras da
Construção Civil (SiAC). Os indicadores desenvolvidos têm ênfase no mercado de
habitações de interesse social, e focam suas análises em basicamente três
vertentes: qualidade do processo de implantação do Sistema da Gestão da
Qualidade; qualidade do processo construtivo; e qualidade do produto (habitação).
A qualidade da moradia popular deve ser considerada de forma abrangente,
com o entendimento “lato sensu” de construção, refletindo na condição permanente
de vida dos moradores no imóvel habitado.A qualidade deve persistir ao longo de
todo o ciclo de vida do imóvel, que pode ser secular.
A principal qualidade está no atendimento às necessidades dos moradores,
consistente com a sua renda (que aqui, pela condição estabelecida, é baixa).
A restrição do orçamento requer o aproveitamento mais inteligente do espaço
limitado, em função do tamanho da família e das suas características de vida, como
trabalho, lazer, descanso, segurança.
6 Diversas entidades fazem parte do Programa, representando segmentos da cadeia produtiva: construtores, projetistas, fornecedores, fabricantes de materiais e componentes, bem como a comunidade acadêmica e entidades de normalização, além do Governo Federal.
11
3 O uso dos parâmetros de qualidade
12
O mercado da construção civil brasileira, o seu sub-setor de habitações
populares em particular, tem voltado sua atenção para os programas de Garantia e
de Gestão da Qualidade7 de Construções, tendo em vista novos referenciais que
tornam esse mercado cada vez mais exigente e competitivo. Já que:
São estimuladores da modernização das formas de produção das empresas de construção civil : a) o fim da ciranda financeira e do processo inflacionário; b) a abertura do mercado nacional e a integração da América Latina com a criação do Mercosul; c) a falência do Estado e a eliminação de seu intervencionismo; d) a queda de renda do mercado consumidor, com conseqüente redução dos preços de obras públicas, habitacionais, comerciais e industriais; e) a privatização de empresas estatais, f) a Lei de Licitações e Contratos, g) a exigência de qualidade por parte dos clientes e h) o código de defesa do consumidor (VARGAS, 1993, p.106).
A sobrevivência das empresas nessa economia competitiva passou a
depender sobremaneira da capacidade das mesmas adaptarem-se à essas
mudanças.
No caso das empresas construtoras brasileiras, foram adotados sistemas de
garantia da qualidade baseados numa adaptação da norma ISO 9002:1994. Porém,
não obstante resultados positivos que vêm sendo alcançados com a implantação de
programas de gestão e garantia da qualidade, como é o caso, por exemplo, do
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H, 2002), no
qual já se envolveram mais de 1000 empresas construtoras, muitas deficiências, que
comprometem os empreendimentos, continuam sendo observadas.
Essas deficiências afetam a produtividade e o tempo de execução das obras,
em função da ausência de requisitos voltados à facilidade de execução do projeto
nos canteiros de obras. Além do mais geram problemas de qualidade no produto
final edificação, pelo não atendimento dos requisitos de desempenho, durabilidade,
manutenabilidade, etc.. Afetam diretamente os custos, que são aumentados devido
ao retrabalho, desperdício de insumos e a própria manutenção corretiva após a
ocupação das unidades habitacionais.
É uma indústria de caráter nômade e artesanal, que fornece produtos únicos
cada edifício tem suas próprias características numa produção concentrada, o que
significa que os operários se movem em torno e dentro do produto. Cada processo,
7 Assim como desenvolvimento de processos de produção ou de execução; desenvolvimento de procedimentos de controle; desenvolvimento e uso de componentes industrializados), mas também em tecnologias de organização, de métodos e de ferramentas de gestão (gestão e organização de recursos humanos; gestão de suprimentos; gestão das informações e dos fluxos de produção; gestão de projetos).
13
cada canteiro de obra, apresenta um resultado individualizado, de forma contrária a
uma linha de produção contínua. Observa-se também que é uma indústria que
trabalha com amplas tolerâncias, quaisquer que sejam os parâmetros de controle de
aceitação do produto. Ainda podemos citar que:
A mão-de-obra operária normalmente é constituída por trabalhadores não especializados, de baixo grau de instrução, e, por necessidade, aceita quaisquer condições de trabalho. As relações contratuais geralmente de caráter provisório -, os baixos salários, as condições inadequadas de trabalho e a péssima relação com os superiores, são impedimentos para a formação de uma equipe de trabalho comprometida com metas de qualidade. (LOURES, 1992 apud MACIEL e MELHADO, 1995).
Por outro lado, em um grupo significativo de empresas a pressão para a
redução de custos implica na redução do quadro de engenheiros nas obras. Esses
profissionais, mais administradores do que engenheiros , em não poucos casos são
obrigados a supervisionar várias obras ao mesmo tempo. Esse fato, somado à falta
de ferramentas adequadas de planejamento e controle da produção, faz com que os
engenheiros passem grande parte do seu tempo apagando incêndios , sem que
possa instalar-se nos canteiros uma atitude pró-ativa de antecipação de soluções a
problemas potenciais, ou uma preocupação sistematizada com a racionalização das
tarefas produtivas.
Cabe ressaltar que um aspecto cultural bastante disseminado é o fato de que
os usuários das edificações não aplicam, com relação a esse produto, as mesmas
exigências de desempenho8 e qualidade que exigem de produtos de outras
indústrias.
Em geral, os consumidores recusam-se, por exemplo, a comprar um carro
com a pintura deteriorada, ou algum eletrodoméstico com desempenho inferior ao
anunciado. No entanto, convivem com naturalidade com as mais diversas patologias
nas edificações, e em não poucos casos têm pouco claras quais seriam as metas de
desempenho a serem exigidas para as mesmas, tais como conforto térmico,
acústico, durabilidade de materiais e equipamentos, etc. Observa-se, por exemplo,
que o manual do proprietário9 só recentemente passou a ser uma exigência do
8 Vale lembrar que não só o acabamento, mas a funcionalidade de cada elemento estrutural da obra
compõem o imóvel.9 Em sua última versão o texto da ISO-9001 [8] que trata de Sistema de Gestão da Qualidade,
apresenta no item 7.2.4 que trata da comunicação com o cliente o seguinte texto: “A organização
deve implementar uma efetiva proximidade com os seus clientes, com o objetivo de atender aos
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mercado, quando há décadas os consumidores não hesitam em exigir tal manual do
mais simples dos eletrodomésticos. Além do mais:
Alguns desses produtos, como no caso das habitações, geralmente são adquiridos apenas uma única vez, ou em intervalos de tempo muito espaçados. Esse fato dificulta a percepção de verdadeiras marcas de qualidade , ou seja, os clientes não têm referenciais objetivos para julgar a qualidade de uma edificação, como têm para julgar a qualidade, ou o nível de inovação de outros produtos. (LIMA JR., 1993, p. 87)
Em parte isso acontece porque, quando de uma nova aquisição, o mercado já
mudou a tipologia das edificações, e o poder de compra e os anseios pessoais dos
usuários também já foram modificados. Isso, em um universo de muitos
fornecedores, é um entrave para a disciplina das relações de concorrência no
mercado justamente porque dificulta que as marcas de qualidade se sobressaiam, e,
consequentemente, permite que muitos aventureiros, verdadeiros especuladores
não compromissados com a qualidade, tenham espaço no mercado da construção
brasileira.
De maneira geral, os profissionais intervenientes no processo de produção de
edificações não possuem uma visão holística do empreendimento, e falta-lhes o
entendimento de como o valor atendimento das expectativas do cliente é gerado e
evolui ao longo da cadeia. Prevalece entre esses profissionais uma mentalidade
contratual, caracterizada por uma contínua negociação a respeito de obrigações e
responsabilidades.
Isso implica que o processo construtivo seja segmentado, onde as soluções,
ao longo da cadeia, desde as etapas iniciais, vão trocando sucessivamente de
mãos, de maneira seqüencial, sem mecanismos que garantam uma efetiva sinergia
e interação entre os diversos projetistas e engenheiros de obra (VIEIRA et al., 2000).
Além disso, falta um profissional que veja a obra como um todo e as relações com
projetistas e entre projetistas ainda são deficientes faces do sistema de produção
das edificações (THOMAZ, 2001).
requisitos definidos. A organização deve definir requisitos de comunicação relacionados: as
informações do produto e/ou serviço; a avaliações e outros cuidados, incluindo alterações de
contrato; a reclamações de clientes e outros relatórios relacionados a não conformidades; a
processos de recolhimento, onde aplicáveis e a reação dos clientes relacionada à conformidade de
produto e/ou serviços.”
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É nesse contexto que vêm sendo desenvolvidos nos meios acadêmicos vários
modelos de gestão dos empreendimentos, voltados à melhoria da qualidade e
produtividade, enfocando não só a execução das obras, mas também o processo de
concepção das edificações. No entanto, uma análise das práticas do mercado da
construção civil brasileira, no que diz respeito à busca de ganhos de qualidade,
através da aplicação de processos de desenvolvimento de produtos, e de projetos,
em particular, demonstra uma enorme diferença entre os conhecimentos já
adquiridos no tocante aos modelos de gestão da qualidade das construções e o que
efetivamente é praticado na maior parte das empresas. Nota-se que:
Em geral, modelos de gestão da qualidade que têm sido amplamente estudados e até mesmo aplicados em algumas empresas de excelência, são objeto de resistência por parte de grandes segmentos do mercado, devido ao pequeno alcance que essas idéias têm entre os profissionais envolvidos na execução dos empreendimentos, sejam eles empreendedores, projetistas, fornecedores de materiais e/ou serviços e empreiteiros (VIEIRA LANA e ANDERY, 2001).
Aqui esboça-se uma das maiores dificuldades encontradas na consecução da
qualidade. Essa mudança de atitude a implantação de sistemas de garantia da
qualidade não tem sido necessariamente acompanhada por uma mudança de
cultura empresarial. Isso tem feito com que muitas empresas debrucem-se sobre os
sistemas de garantia da qualidade muito mais preocupadas com a formalização do
sistema que com o próprio conceito de qualidade10. Isso gera, em não poucos casos,
sistemas de gestão pouco eficientes e burocráticos. Soma-se a isso o fato de que
muitas empresas engajam-se na implantação de Sistemas de Garantia da
Qualidade, quase que unicamente motivadas pela pressão das instituições
financeiras, que passaram a exigir a certificação no PBQP-H para a liberação de
recursos.
Reitera-se, portanto, a necessidade de disseminar amplamente os
conhecimentos relativos ao tema para promover uma mudança cultural, que permita
a introdução de novos conceitos nas práticas de mercado da construção civil, de
modo a garantir a sustentação dos programas de qualidade.
10 Verificamos que este conceito ainda gera a ideia de obrigação ante seus benefícios.
16
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção de um habitat e a identidade que este meio cria em função das
características do morador, se mostra um fator de fundamental importância no
processo de formação das sociedades contemporâneas. Em meio a todos os
problemas que as populações de baixa renda enfrentam, em países como o Brasil, a
falta de uma habitação com condições dignas, cria uma divisão nessa faixa da
17
população que isola estes indivíduos das demais “camadas” sociais e também de
outros serviços públicos.
No presente trabalho relatamos as deficiências inerentes ao setor da
construção civil, que aliadas a falta de fiscalização por parte dos órgãos públicos,
gestores dos programas de habitação, acabam interferindo em todo o processo
construtivo destas unidades. Ressaltamos ainda, que os programas de
gerenciamento de qualidade, muitas vezes administrados pelos sindicatos de
construção civil nos estados, atendem de forma satisfatória com o intuito de
instaurar uma maior profissionalização no meio, porém, com uma atuação ainda
limitada, tendo em vista uma grande participação em regiões especificas do país.
Em vista deste cenário, é possível afirmar que as políticas publicas na área,
ainda não conseguem atender satisfatóriamente, com residências de boa qualidade
a grande parte da população que faz uso destas habitações.
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