quixotes, opus 8
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Estudo sucinto sobre o Cavaleiro da Triste Figura por meio de rabiscos, fotografias e textos.TRANSCRIPT
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Zinho da Gangorra
Niña da Assunção
QUIXOTES, OPUS 8
Dalgimar Beserra de Menezes
Ana Maria Rebouças Freire
Diagramação e Arte Final: Lívia Freire de Menezes
Fortaleza, Ceará – Brasil. 2014
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Copyright © by Menezes DB
Queremos expressar nossos sinceros agradecimentos a
Adriano Freire de Menezes, Lívia Freire de Menezes e
Manoel Bezerra Granja Neto, pela ajuda prestada na feitura
deste ebooklet
Fortaleza, CE – 2014
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APRESENTAÇÃO
Meus Quixotes é simplesmente uma exibição das poucas coisas
que possuímos em casa que dizem respeito ao engenhoso cavaleiro
manchego. Adiciona fotos e desenhos de Zinho da Gangorra, menino de 7
anos.
Existia a intenção de ilustrar todo o livrete com pequenos trechos
de peças musicais de que o heroi é inspiração, as quais são mencionadas ao
longo do texto, como as Chansons du Quichotte, de Maurice Ravel, que
Menezes ouviu pela primeira vez na Casa de James Monoe (Ash Lawn) em
Charlottesville, Virginia, meio do ano de 1983, As Variações Fantásticas
sobre o Cavaleiro Andante, de Richard Strauss, El Retablo de Maese
Pedro, de Manuel de Falla, exceto (não mencionado) temas do Musical
Man of La Mancha texto de Dale Wasserman/ Joe Darion, música de Mitch
Leigh, todas gravações antigas da posse dos autores.
Tal tipo de coisa já se encontra em outros nossos ebooks, até
mesmo Menezes assobiando temas musicais, como em Palimpsestos.
Porém, houve dificuldades técnicas e entraves físicos e mágicos.
Ação dos elementos que atuam no escuro, tricksters e poltergeist, e
designadamente falta de capacitação dos autores ao manuseio das
máquinas, ao tentarem realizar todas as tarefas sem assistência de ninguém.
Incidentalmente, Quixote é, de fato, da convivência diária de
Menezes (Zinho): o principal computador de que lança mão todos os dias
abre com a figura do Cavaleiro e Cavalo. Está aqui reproduzida à capa,
precariamente; não se consegue ler o nome do autor da composição, sabe-
se que começa por A. Página eletrônica: espacodomquixote.com.br/?page_id=3629.
A gente fica devendo a imagem do galgo corredor, que sempre se
esconde: nunca é visto. Nem permite que se diga Cave Canem.
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Conheço duas pessoas que verdadeiramente gostam de Dom
Quixote, no decorrer da minha já longa vida, Eilson Goes de Oliveira, até
outubro de 2008. Não só gosta, nas nossas conversações, em que ele não ri,
ou pouco ri, trá-lo para nossa cultura brasileira, no que comenta O Feijão
e o Sonho, de Orígenes Lessa, sem esquecer a faceta mais seminal, Feijão,
elemento feminino, Sonho, elemento masculino. Coisas desse jaez.
Dulcinea del Toboso, o ideal de mulher do cavaleiro manchego,
a mulher ideal, é caricatura de Beatrice Portinari; mas aí se lembra ele de
outro seu heroi moderno, Luís Buñuel, no momento em que um
personagem de Este Obscuro Objeto do Desejo, julga fazer uma síntese da
mulher, definindo-a como “um saco de excremento”.
A gente se perde em comparações, lançando no palco Helena, dos
épicos gregos, Cleópatra, que mestre Livino pronunciava Cleopátra, seria a
pronúncia certa, Gertrudes, a mãe de Hamlet, a miseranda/confusa Ofélia,
Antígona, Dido, Aspásia, Hipátia, Safo, Penélope, Molly Bloom, a triste
Gretchen, sem ordem cronológica. Nem gana de exaurir assunto.
Até a pobre da Virgem Maria entra nessa confusão. Mas a vida é curta
demais para se conceber ou vislumbrar uma coisa ideal platônica. E a noite
chega aos olhos de todos nós.
Há um quartel de século, mais, chego de
longa viagem, com uma reprodução da
Scuola di Atene, de Raffaello, da idade do
Brasil, destaco as duas assombrações da
minha alma, Platão e Aristóteles.
- Então, Eilson, Don Quixote e Sancho
Panza?
Stanze di Raffaello Scuola di Atene.
Musei Vaticani – Città del Vaticano
Recorte de Zinho da Gangorra http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/94/Sanzio_01.jpg
Outro que gosta do Cavaleiro da Triste Figura é Luiz Porto.
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Zinho encontra Dom Quixote por primeira vez em Monteiro
Lobato
Na Gangorra mesmo, onde morei meus primeiros oito anos de
vida, se ouvi falar do Quixote, não me lembro, ou esqueceu-me, mas tal
coisa nada significa. O Quixote é presença de vida toda.
Cá não se devem cometer injustiças. É hora de louvar José
Bento Renato Monteiro Lobato, que Zinho conhece desde o Jeca-Tatu,
impresso do Laboratório Fontoura, do Biotônico e da Ankylostomina, lá
está ele lendo o Jeca, no meio dos matos, estranhando o nome Jeca, de que
nunca tinha ouvido falar, ou mesmo ouvido. Dion, de 1945, vinha vindo
meio cambaleante, talvez tivesse 4 anos, menos, mas lá vem cambaleante,
já não toddler, pois, e anunciando: “mamãe, ´tou escorregando...” Mãe
com receio de epilepsia. Sim, estava; descobre depois o porque da queixa,
Dion tinha tomado um vidro quase todo de Biotônico Fontoura, de vezada,
como se fosse água.
Já na Itapipoca, a duas léguas e meia da Gangorra, foi lá, que
adentrei a Biblioteca da Escola Nornal Rural Joaquim Magalhães, e
devemos de novo nunca cansar de elogiar Antônio Perilo de Sousa
Teixeira, além de Monteiro Lobato, pois havia criado a Escola Normal e a
Biblioteca. Talvez nem gostasse de ler, conheço esses empreendedores que
nem de ler gostam. Mas de fazer. Mais quixotes do que sanchos? Ecco.
Como é mesmo que o italiano do Jeca-Tatuzinho dizia? Não era Ecco! Mas
que importa! Era per Bacco! Entro na biblioteca e começo a ler
vorazmente, não é desde esse dia, claro, sou leitor mais antigo, de coisa de
começo aos dois anos de idade, aí mente, a Ana diz. Fui pegando todos os
Monteiro Lobato, um dia cheguei ao DOM QUIXOTE DAS CRIANÇAS.
Eu andava xeretando em tudo, tal e qual a Emília, a bisbilhoteira, e lia
depressa, porque há momento na vida dos que gostam de ler, o qual
momento é pejado do medo, do receio, da ansiedade de morrer antes de
terminar a narração. A vida é tão pouca.
Enfeito hoje minha casa com meus quixotes. Meus quixotes
não são leituras de ontem, de estanoite, anoche, de internet, em que todo
mundo se apropria de coisas de todo o mundo, menos de criatividade, que é
tarefa mais árdua. Talvez menos, dote. Computadores são des idiots
savants.
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Eis um platillo: a cavaqueira vai
escorrendo pelos caminhos da
Espanha. Nem sei mesmo quando
foi adquirido. Obra de 10 anos.
Já Euro: 3. Tem bordas
arranhadas, quebradas. É na
faxina da casa, no varrer, no
espanar, no tirar o pó, no
espancar dos espíritos malignos,
que essas coisas se quebram. Ao
fundo, por baixo, etiqueta de El
Corte Inglés, Hermosilla 112.
Madrid. Sem nome de autor ou
de fábrica. Ana vai embiocando
em tudo o que é Corte Inglês, um prazer mesmo sensual, no dizer de
Simone de Beauvoir: pegar, adquirir, comprar. Mesmo objetos baratos.
Avalie se rica.
Outro objeto barato, de viajante
pobre, mas nem tanto, pois pode.
Uma canequinha de loiça, em
que Sancho foi olvidado.
Está marcada como da lavra da
Artesanía de Medina.
Mas, porém, Sancho con la
palabra,
Segunda parte, Capítulo XXXI:
- Discretos días - dijo Sancho - viva vuestra santidad por el buen crédito
que de mí tiene, aunque en mí no lo haya. Y el cuento que quiero decir es
éste: «Convidó un hidalgo de mi pueblo, muy rico y principal, porque
venía de los álamos de Medina del Campo, que casó con doña Mencía de
Quiñones, que fue hija de don Alonso de Marañón, caballero del hábito de
Santiago, que se ahogó en la Herradura, por quien hubo aquella pendencia
años ha en nuestro lugar, que, a lo que entiendo, mi señor don Quijote se
halló en ella, de donde salió herido Tomasillo el Travieso, el hijo de
Balbastro el herrero...» ¿No es verdad todo esto, señor nuestro amo?
Dígalo, por su vida, porque estos señores no me tengan por algún
hablador mentiroso.
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Material e Métodos – Obra in fieri
![Page 9: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/9.jpg)
Gossiping: - Será o sol da
Gangorra?
- Antes, a
roda da fortuna.
- A cr´oa de
Dulcineia?
- Aldonza
Lorenzo?
- Estelita,
Raimundinha, Idelzuite,
Luzia, amarrando fitas
coloridas nos braços dos
rapazes, no Dia de Todos
os Santos, almejando
ganhar presentes.
- Halloween?
- Carajo de
Halloween!
- Baíca e
Geraldinha?
- A estalajadeira...
- Ceci e Nair...
- DeLourdes, Raimundinha, Celeste, Maria da Paz...
- Biroquinha, o aviãozinho de Carmen Miranda, do pós-
guerra.
- Zé-Pelin, pegando fogo por riba da Lagoa do Miguel.
- Tudo mais que assombração.
No chão, a sombra dos quatro - catrumano, quadrumano,
quadrúmano - bichos e homens, de Rosa G: um pássaro preto que voa,
urubu da seca de 1951, quando Zinho continua desenhando mal, e vai
saindo da Gangorra para Cosmópolis. Albrecht Dürer: Rota Fortunae -
Time and a Fox
Turning the Wheel of
Fortune with
People of all
Ranks to the Right ://upload.wikimed
ia.org/wikipedia/
commons
The Turning of the Screw, may be. A( ) Nathaniel Hawthorne B( ) Herman Melville C( ) Henry James D( ) Edgar Allan Poe E( ) William Faulkner
![Page 10: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/10.jpg)
![Page 11: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/11.jpg)
Maurice Ravel – Aqui,
minha passagem por
Charlottesville, VA, Ash
Lawn Summer Festival.
Casa de James Monroe, os
pavões fazendo uma
barulheira infernal. Gritos,
mais gritos. O chefe
fabuloso deles [em Esopo]
já pagou, de há muito,
visita a Juno, marcou
audiência para reclamar de
sua voz, em comparação
com a do rouxinol. Fins de
julho de 1983. Fins
d´água, na Gangorra, sem
pavões. Com muitos
capotes, tô fraco! Tô
fraco! Tô fraco! Philip
Sargent, barítono,
interpreta Chansons de
Don Quichotte, de
Maurice Ravel,
acompanhado por Yvaine
Duisit, ao piano.
Os pavões estrilam. Por
esse tempo talvez ouvi, pela BBC – Play of the Week, Juno and the
Paycock. De Sean O´Casey. Nesse julho de 1983, depois das Chanson de
Don Quichotte, veio a representação de The Apothecary (Lo Speziale),
texto do Signor Carlo Goldoni, adaptação de Herr Carl Friberth. Música
[como a vida é curta!] de Herr Franz Joseph Haydn. Os pavões continuam
reclamando - gritos nas minha oiças, cortantes -, pleiteando cânticos seus
comparáveis aos dos cantores e instrumentistas circunstantes, pelo menos
como os do rouxinol. O conjunto: esplêndida representação, tanto musical,
vocal, como ecológica - a sintonia com o ambiente. Ash Lawn de James
Monroe, se queda no meio dos matos, isolado de outras casas, como a que
eu nasci na Gangorra. Mas, vide. A minha mente sempre esteve imbuída do
significado restritivo da frase de Monroe. “América para os Americanos...
do Norte.”
![Page 12: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/12.jpg)
Maurice Ravel – Chansons de Don Quichotte, de Dulcinea.
Minha estadia em Charlottesville, VA. Ash Lawn Summer Festival. Casa de
James Monroe, os pavões fazendo uma barulheira infernal. Gritos, mais
gritos. O chefe fabuloso deles [em Esopo] já pagou, de há muito, visita a
Juno, marcou audiência para reclamar de sua voz, em comparação com a
do rouxinol. Fins de julho de 1983. Prospectos guardados por mais de uma
trintena de anos, as cores esmaecendo, os tons das letras arrefecendo, a vida
tão pouca. Sem dramatismo.
Chansons de Don Quichotte
![Page 13: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/13.jpg)
É certo que em Monteiro Lobato Zinho encontra Dom
Quixote, por vez primeira.
Na Gangorra mesmo, mesma. Porém, já conhecera duplos,
menino mesmo, Zinho, no cordel CARLOS MAGNO e OS DOZE PARES
DE FRANÇA, que seu Afonso recitava, heroi e co-adjuvante, Roldão e
Oliveiros. Os que foram derrotados pelos bascos no ano de 778, quien sabe,
em Roncesvalles. Perto de Pamplona.
Fui a Pamplona, muitos anos atrás, ao rastro desses
fantasmas; faz um quarto de século, comprei pelos menos duas edições da
Chanson de Roland, não em Pamplona, anos antes, em Paris. E muitos
antes, o Poema del Cid, mais importante neste contexto, texto antiguo
según la edición crítica de Ramón Menéndez, versión en romance moderno
de Pedro Salinas, Editorial Losada, S. A, Buenos Aires, Undécima Edición
1977, lido em 1978, il va sans dire, tanto o texto antigo como a versão
moderna. Conheço uma pessoa que pode ter lido esse meu poema, pois lho
emprestei, Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, já nos anos 90. De
alguma forma é a matriz do Don Quixote, bem assim a Canção de Rolando,
e os Nibelungos.
Duplos fantásticos, de
Robert Louis Stevenson:
Dr. Jekyll and Mr. Hyde,
eu e mim.
Duplo precioso da
literatura sul americana,
Juan de Panonia y
Aureliano de Aquilea,
OS TEÓLOGOS, de Jorge Luis Borges, em EL ALEPH. Cumpre dizer que
Teologia descamba em DEMONOLOGIA, com o respaldo de Karl Popper.
Coisa símile mostrará Buñuel em La Voie Lactée, O Caminho de Santiago.
Duplo horroroso, chatíssimo, dull, boring, ennuyeux, noioso, langweilig,
plicticitor, ABURRIDO, o de José Saramago.
Panza, ator coadjuvante ou não, supporting actor ou quejando, não
impedirá que Don Quixote invista contra os cactos da Gangorra, que lá é o
que tem de paisagem. Moinhos de vento espectrais da mente de Zinho.
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Quijote y Dulcinea del Toboso. Lampião e Maria Déa [Maria Bonita], de
Santa Brígida, Bahia. Desenho sem memória de Zinho.
![Page 15: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/15.jpg)
Don Pablo
pinta Don
Quixote de la
Mancha, seu
cavalo
Rocinante, o
escudeiro
Sancho Panza e
seu burro –
inominado,
apenas
chamado rucio
pela cor, e
vários moinhos de vento.
Na Escola Normal Rural Joaquim Magalhães, sob a regência
do professor Alcides, amazonense, pelo meio da década de 50, a gente
cantava assim:
Onde aquele cavalo, o rucinho,
Cujas crinas voavam no ar,
Quando forte, valente, brioso,
Se apressava no seu baralhar...
Certo e firme nos passos da marcha,
Ou no campo o ribeiro a pular
Onde aquele cavalo, o rucinho,
Cujas crinas voavam no ar?...
A memória vacila, hesita, oscila, se embaralha, e a
documentação vasta que possuía Menezes, desses anos 50, cadernos,
diários, livros, desenhos e quadros, foram destruídos em 1979, como
resultado de conjuração mais que infame de bruxas, feiticeiras, mais
propriamente de maus caracteres. Sabe que cantava esses versos, que ainda
sabe cantá-los, sabe que se originam em Juvenal Galeno, mas de quem a
música, a linha melódica? Além disso, pode estar equivocado, não quanto a
Juvenal Galeno, mas quanto ao professor que ensinava e regia o coral de
crianças na Itapipoca. Muito musical também era o professor José Silva
Novo, que veio depois do professor Alcides, no segundo lustro da década
de 50. Neles também o vestígio da ditadura getulina, do nacionalismo
doutrinário das escolas, do canto orfeônico de Villa-Lobos. De Anhangá,
de Tupã, deus do Brasil, na manhã de sol, Anhangá fugiu, de Nozaniná
orê-kuá. Zinho enriquecia sua alma para sempre, bem prosaica a expressão:
que legal!
![Page 16: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/16.jpg)
Duas representações
da Casa da Gangorra,
ambas já com uma
dúzia de anos, que a
vida é curta mesmo,
mesma; a primeira,
desenho de Zinho, parece que de Berlim, 2001, não sei; a segunda, fotografia de Júlio
Tomé ou de Patty Saldanha. É dessa casa que Zinho parte, ao labirinto da vida, com
única saída previsível, inelutável [a indesejada], ao encontro das histórias, para
pretensamente também ser história. Não consta que, nos oito anos aí vividos, ao redor
da lamparina a querosene, da lâmpada de manga, da pilha de vagens de feijão ou de
espigas de milho para debulhar, pois não consta, dentre os milhares de histórias aí
ouvidas, inclusas as de Trancoso, que vieram de Portugal, pois não consta uma só que
mencione o engenhoso fidalgo, o cavaleiro da triste figura. Desse rincão Zinho adentra
o seu labirinto. Na representação, Riobaldo e Diadorim, embrenhados nos seus, meus,
nossos.
![Page 17: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/17.jpg)
Roldão e Oliveiros, Aquiles e Ulisses. Olga e Luís Carlos Prestes. Anita e Garibaldi
www.wikiart.org. Gustave Doré. Na
Capilla del Oidor, há, para
apreciação longínqua, como o livro
de Kells, na Biblioteca da Trinity
College, de Dublin, República da
Irlanda (1988), uma edição original
do Quijote com ilustrações de Doré.
Há também uma pia em que
batizaram a criança sem ela pedir ou
querer. Isso não é fundamentalismo
batista, é consideração tola sobre a
inutilidade de tudo.
Cavalo de Roldão, Vigilante
(Veillantif); não consta na mente, se
existe, o nome do cavalo de Oliveiros.
A espada, papai diz Durindana;
Durandal na Chanson. Excalibur, a de
Artur, também antes, que tem seu duplo
em Lancelot (Gallahad), inclusive, na
cama, com Gwynevere Pendragon.
Gwynevere, será Ginevra, como tradução, nome da senhora que está na National Gallery of Art,
de Washington DC, de´ Benci, dita, o único suposto Leonardo dos Estados Unidos? Via-a em 27
de agosto de 1983, véspera da Marcha sobre Washington comemorativa do Vigésimo
Aniversário da Marcha sobre Washington, de Martin Luther King, de que participei, num calor
infernal, quase morrendo de insolação ou intermação. Let alone the March, quase todo dia vejo
Ginevra, no meu próprio ambiente, Dulcineia de cabelos louros, partidos, no penteado,
exatamente ao meio da cabeça. “I have a dream”. Mas, o que tem importância é o mito do
Parelha Alada [ou da Biga, tirada por dois corceis] ou do Cocheiro, de que reconta Sócrates,
no Fedro de Platão. Um dos cahalos, o bom, quer levar o porra do cocheiro à bemaventurança,
o outro cahalo, de maus instintos, puxa Ego, para a terra, o chão, que por pior que seja, é
Gangorra. Gangorra, Comala, Macondo, Chapadão do Bugre, Vila dos Confins,
Yoknapatawpha. Sítio do Pica-pau Amarelo. “En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no
quiero acordarme...”
![Page 18: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/18.jpg)
A casa, desenhada por Zinho, a
partir do leste, do rumbo do
Coelho, da Betânia, do Cura –
uma espécie de quilombola -, do
Cruxati, onde some o rio Sororô,
das praias.
A fotografia em pessoa.
Imprialzim, diz minha mãe.
Quiz: André Caranaúba:
A ( ) Antônio Sales
B ( ) Adolfo Caminha
C ( ) Antônio Bezerra
D ( ) Henrique Jorge
E ( ) José Nava
Desta casa saía-se no Bolão de Ouro, aliás, saía mamãe cavalgando o Bolão
de Ouro, comigo na garupa. Rumo aos Bastiões, sua terra de nascença a umas duas
léguas e meia da Gangorra, da casa na Gangorra. Ia-se, encontrava-se perto da Picada,
na quina da cerca do João Chico, a cruz do Serra Branca. A marca portanto, no chão, do
local onde Serra Branca, jagunço de Anastácio Braga, na briga pelo pedaço de chão
chamado Enxada, pois aí, dois Otavianos, dizem, se lhe surgiram à frente, um segurou
as rédeas de seu cahalo, o outro puxou-o ao chão, onde se lhe impingiram múltiplas
facadas. Pronto. Era o ano de 1947. Mais longe, um pouco, um descampado, a Lagoa do
Miguel, era possível ali o Bolão de Ouro refrear-se, relinchar, estancar e upa! cahalim,
pois, lugar mal assombrado. Vários já se tinham visto na seguinte situação, mas alta
hora da noite, não de dia, de dia era só ir, sem moinhos de vento; pois, o cahaleiro via-
se não mais solitário, alguma coisa se lhe ocupava a garupa do cahalo, como o Caboco
Tapera, mas ele negava, tinha-se passado com o Antônio Cândido, índio tremembé, mas
ele negava mais ainda, que nem cahalo haheria de ter. Zinho temia. Temia as
assombração, as bruxas, os dragãos, prinipalmente, principalmente o velho diabo, esse
precipício, falava dona Aldenora, coxo, de dentes todos de ouro. Temia não chegar até o
dia de hoje para contar esta história.
Temple, London, 2013. Foto de Freire AMR
![Page 19: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/19.jpg)
O velocípede foi adquirido na Pensão do Sr. Francisco Caxilé,
na Rua General Sampaio, 810 ou 840, em 1944. Pedalei-o até as últimas
consequências; é possível que ainda haja restos dele enterrados entre as
pedras da Gangorra, que lá é só pedra e chão esturricado. Acho que aprendi
essa palavra com o Olegário Mariano. Não, não foi. Com ele aprendi o
termo comburido. Cavando o chão, talvez ainda se encontrem também
minhocas, as usava eu para pescar de anzol no açude velho de meu trisavô
David da Costa Araújo e no rio Sororô; endogamia: bisavô tanto de papai
como de mamãe. O carneirinho está representado duas vezes. O desenho de
Zinho data de setembro de 2001. Nasceu na Alemanha.
“As galinhas, encolhidas como se dormissem, sacudiam de
repente suas asas e saíam ao pátio, bicando depressa, agarrando minhocas
desenterradas pela chuva”
Rulfo J – Pedro Páramo, trad. Eric Nepomuceno, Rio de Janeiro,
BestBolso, 2008: 23.
![Page 20: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/20.jpg)
ROCINANTES: Bolão de Ouro.
Wildfire, cavalo conhecido de Zinho, desde que se entende. Acha-se em: A ( ) George Sand,
B ( ) George Eliot, C ( ) Charlotte Brontë, D ( ) Emily Brontë, E ( ) Nélida Piñon
![Page 21: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/21.jpg)
Manuscritos e desenhos de mão direita e esquerda, o labirinto,
o redemoinho com o cavalo do cão no centro, como Zinho vê, alusão a
Rosa JG, com o próprio demo no meio do redemunho; referência à subida
dos cavalos na Giralda, representados pelo Bolão de Ouro, tudo feito na
antiga Hispalis.
O besouro mangangá, o de
Júlio Cortázar, em
El Examen.
Esquisito que a palavra
mangangá saia da Gangorra e
vá bater em Buenos Aires.
Ou vice-versa, saia (salga) de
Buenos Aires e vá (vaya)
esbarrar em Gangorra
![Page 22: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/22.jpg)
GESTOS, GESTAS.
Plaza de España. 1992.
Alcalá de Henares, 27 de janeiro de 2009. Monumento a Don Quijote y Sancho, obra do
escultor Pedro Requejo, inaugurado em abril de 2005. Ao fundo, o Museu Casa Natal de
Miguel de Cervantes Saavedra. Fotos de câmera quase cega, só sombras. Mas há
outros(s) Miguel neste despretencioso livrete. E neste mundo há muito mais sanchos do
que quixotes.
![Page 23: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/23.jpg)
Plaza de España, janeiro de 2007. Quijote y Panza. Rocinante y rucio. Celebração do
terceiro centenário da publicação da segunda parte do Quixote, 1915, seguida de
centenário de morte de Cervantes (1547-1616). Autor do projeto: arquiteto e escultor
Rafael Martínez Zapatero, com a colaboração de Pedro Muguruza Otaño. Esculturas
ajuntadas, de Lorenzo Coullaut Valera. Nesta imagem, Ana reflete Sancho Panza,
como o Aristóteles de Rafael.
Nesta, por contraste, encarna Dom Quixote. Como Budica, dos ingleses, Joana dos
franceses, Anita Garibaldi, Olga Benário. Sem esquecer, daqui mesmo a Pasionaria
Dolores Ibárruri: No pasarán!
![Page 24: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/24.jpg)
Buenos Aires, 30 de
dezembro de 1997.
Crédito Freire AMR.
Escultura de Aurelio
Teno, andaluz, veio a
Buenos Aires em
1980, presente do
governo espanhol por
motivo do 400º
aniversário da cidade.
Su pedestal de
hormigón blanco y
piedra representa la
llanura de La
Mancha.
www.turismo.buenosaires
.gob.ar/es/
Em 1985, no inverno,
estivemos em Buenos
Aires, Ego e dois
filhos meninos,
adolescentes, Júlio,
13 e Cláudia, 11. O
monumento já estava
plantado aí; doze anos depois, entre 1997/1998, de novo, agora com dois
outros filhos, Adriano e Lívia, de mais ou menos mesma idade. As fotos
foram sacadas nesta última viagem.
![Page 25: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/25.jpg)
Buenos Aires, 30 de dezembro de 1997. Crédito Freire AMR
“Há uma multidão de caminhos...(...)... Outro mais que vai
direto para a serra...(...)... E tem outro mais que atravessa a terra inteira e é
o que vai mais longe.” Ortodoxia: até Gangorra.
Rulfo J – Pedro Páramo, trad. Eric Nepomuceno, Rio de Janeiro,
BestBolso, 2008: 62.
![Page 26: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/26.jpg)
Sacando un trozito de pan de la mano de Sancho que corta el pan con un
cuchillo. 27 de enero 2009
![Page 27: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/27.jpg)
Dois Monumentos. O do Quijote, com o globo em cima; no
dizer de Rubén Darío, y tembló España entera porque miró tal día, que el
sol de sus dominios que nunca se ponía, bajó al eterno ocaso de la India
Occidental. Não posso me responsabilizar pela exatidão deste texto. Li-o,
como menino, Zinho, há 65 anos, quando tinha sete, num livrinho de
História, perdido há mais de 60 anos. Não encontro o poema na net. Já citei
os versos em outro ebook, sempre me lamentando pela morte dos meus
livros, causada por mau olhado e quebranto. Principalmente mau-
caratismo, que é forma superior de burrice. O outro monumento, Cervantes,
em Alcalá de Henares. A frente de ambos, Ana; fotógrafo sem talento,
Menezes DB. Outros entraves, praticamente nenhuma das fotos tiradas por
Zinho presta. É um quixote aquém da contemporaneidade. Não tem boas
câmeras fotográficas, a boa que tinha perdeu-a em 1979 [Roubada, agora
obsoleta], e se esforça há anos para dominar os recursos dos computadores.
São mágicos impiedosos. Enfim, fotos precárias, tudo precário.
![Page 28: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/28.jpg)
Gestos – motivos condutores. Leitmotive. Platão e Aristóteles. O Feijão e o
Sonho, irrespectivamente, lembrando Oliveira EG e Orígenes Lessa.
![Page 29: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/29.jpg)
Reverenciemos o gênio cervantino. En un lugar
de la Mancha, de cuyo nombre no quiero
acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un
hidalgo de los de lanza en astillero, adarga
antigua, rocín flaco y galgo corredor. Una olla de
algo más vaca que carnero, salpicón las más
noches, duelos y quebrantos los sábados, lentejas
los viernes, algún palomino de añadidura los
domingos, consumían las tres partes de su
hacienda. El resto della concluían sayo de velarte, calzas de velludo para las fiestas
con sus pantuflos de lo mismo, los días de entre semana se honraba con su vellori de lo
más fino. Tenía en su casa una ama que pasaba de los cuarenta, y una sobrina que no
llegaba a los veinte, y un mozo de campo y plaza, que así ensillaba el rocín como
tomaba la podadera. Frisaba la edad de nuestro hidalgo con los cincuenta años, era de
complexión recia, seco de carnes, enjuto de rostro; gran madrugador y amigo de la
caza. Quieren decir que tenía el sobrenombre de Quijada o Quesada (que en esto hay
alguna diferencia en los autores que deste caso escriben), aunque por conjeturas
verosímiles se deja entender que se llama Quijana; pero esto importa poco a nuestro
cuento; basta que en la narración dél no se salga un punto de la verdad.
Reverenciemos também Alencar J: “Além, muito além daquela serra, que
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que
tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de
palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no
bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação
tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra
com as primeiras águas.”
Porém, despotismo de diferença, entre a abordagem realista e irônica de Miguel e a
idealização quase absurda de José.
Também recordei o capítulo primeiro de David Copperfield de Charles
Dickens, Nasci, I am Born, como li, como menino, sacado da Biblioteca da Escola
Normal Rural Joaquim Magalhães, assim: Whether I shall turn out to be the hero of my
own life, or whether that station will be held by anybody else, these pages must show.
To begin my life with the beginning of my life, I record that I was born (as I have been
informed and believe) on a Friday, at twelve o'clock at night. It was remarked that the
clock began to strike, and I began to cry, simultaneously. Nisso, cruza a mente, não o
nascimento de Tristram Shandy, de Laurence Sterne, nem sua vida e opiniões, mas a
sua feitura, a história de dar corda no relógio, que sua mãe reclama de seu pai, e ele: -
Good G..! cried my father, making an exclamation, but taking care to moderate his
voice at the same time,—Did ever woman, since the creation of the world, interrupt a
man with such a silly question? Pray, what was your father saying?—Nothing.
![Page 30: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/30.jpg)
Colombo, Quixote. As observações de Sêneca, em Medea, que estão em
monumento na
Plaza Colón,
Tethysque novos
detegat orbes;
nec sit terris
ultima Thule...
Enfim, Sêneca,
espanhol,
conhecia, de seus
mestres, de seus
livros, que
havia terras não habitadas pelos europeus. Colombo, genovês, quiçá
conhecesse a Medea de Sêneca. Sêneca não é profeta, é sábio, erudito.
Colombo, o desbravador, talvez arrepiasse rota soubesse que seus patrões
espanhóis iriam causar a morte de milhões de pessoas, e destruir algumas
belas civilizações. Em nombre de Diós. Ei-lo lá túmulo, pedra, na catedral
de Sevilla. Os patrões deitam-se em Granada. Torquemada... Torquemadas
e fascistas estão em toda parte, espreitando.
EL SEÑOR DON CRISTÓBAL COLÓN
![Page 31: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/31.jpg)
Dueña Caridad, à frente do Museu do Prado, vendendo pequenas peças
pictóricas do marido, señor Serrano, que ficou em casa pintando outras,
para vender aos passantes.
![Page 32: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/32.jpg)
Stanze di Raffaello Scuola di Atene.
Musei Vaticani – Città del Vaticano
Recorte de Zinho da Gangorra http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/94/Sanzio_01.jpg
![Page 33: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/33.jpg)
Voltemos aos cavalos. O mito da Parelha Alada [ou da Biga,
tirada por dois corceis] ou do Cocheiro, da mente de Sócrates, no Fedro de
Platão, recorda longínqua e loucamente o cavalo morto, em seguida os dois
cavalos fantásticos do Médico Rural de Franz Kafka. Que dão uma volta
por cima e chegam ao cavalo fantasmagórico de Miguel Páramo, que teria
remorso pela morte do dono, Miguel.
![Page 34: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/34.jpg)
CANTEIRO DE OBRAS - Pedro Calderón de la Barca: La Vida es Sueño
Aquiles e Ulisses. Prestes e Olga
Em 1982, Menezes DB adquiriu o Monsenhor Quixote de Graham Greene,
depois de que perdeu contato com o livro até o dia de hoje. Já lá vai uma trintena de
anos. Talvez algum conhecido seu, catolicão, o tenha tomado emprestado para sempre.
Um deles sei que não, pois esse não gosta de ler, mas de escrever. Como Marques
Rebelo diz de Jorge Amado, em Espelho Partido.
Pedro Calderón de la Barca: La Vida es Sueño
![Page 35: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/35.jpg)
PRIMEIRO DUPLO
Uma vez, faz uma cinquentena de anos, vagabundeava nas
imediações do Barracão de Itapipoca, quando, de estalo, se deparou com
uns retalhos pequenos de uma história em quadrinhos, arremessados ao
chão, recém rasgada, pensou, por um pai, como existia na época, que
expressava preconceito contra esse tipo de literatura. Pegava o filho lendo
uma delas, shazam! Tomava-a, confiscava-a, e zás! Despedaçava-a. O
crime tinha sido recente, os pedaços espalhados pelo vento num largo
perímetro. O fragmento mais grande não alcançava 7 centímetros na maior
dimensão. Começou a ajuntá-los, ao mesmo tempo em que arriscava
olhadelas a ver se via o objeto maior de seu passeio, uma princesinha que
morava por ali. Foi ajuntando restos de páginas por toda a circunferência
do Barracão, mercado, e quanto mais achava, mais ansiava por achar, na
expectativa da lograr recompor toda a história. Esqueceu-lhe a princesinha.
Serendipidade... A princesinha tinha 9 anos, como Beatrice Portinari.
Et quanto exauriu seu esforço, ainda prosseguiu embalde, até
que ficou escuro e já não adiantava esquadrinhar o chão. Dirigiu-se a casa,
a cem braças, levou goma de mandioca ao papeiro, o papeiro ao fogão, fez
grude, e começou a grudar as porçõezinhas da obra. Obteve sucesso
bastante apreciável. Faltou a capa da revista e restaram uns buracos, em
quase todas as folhas. Permitiu leitura. Eram Os Irmãos Corsos, de
Alexandre Dumas, em Edições Maravilhosas da Editora Brasil América
Limitada, EBAL. Indez de gemelaridade. Na ribeira do Sororô: atirou no
que viu, matou o que não viu.
Hoje em dia, virtualmente recolhem-se livros inteiros: copia-
se aqui, corta-se ali, cola-se acolá. Ao término não se consegue uma peça
de restauração, mas uma coisa nova, impressa em papel novo em folha. É
faina diferente de refazer pegando, sentindo, colando, e sabendo que em
contato com coisa realmente antiga. Neste aspecto, antiguidade virtual não
tem viço nem sabor. Ainda mais que grudar artesanalmente ainda tinha a
vantagem de se ir degustando o grude. Enéadas: Homo faber.
Enéadas, trabalho de
A ( ) Virgílio
B ( ) Cícero
C ( ) Platão
D ( ) Plotino
E ( ) Lucrécio
![Page 36: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/36.jpg)
RIOBALDO E DIADORIM. OLGA BENÁRIO E LUIS CARLOS PRESTES.
Cavalo de Riobaldo é Siruiz. O de Diadorim teria nome, como ele
Reinaldo, mas não o encontro. Pastores de tropas e domadores de cavalos,
como as clãs indo-europeias de Aquiles e Ulisses. Com o tempo, querendo ou
não, foram antes e depois, cavaleiros errantes e andantes, nas varedas tortuosas
da busca do Santo Gral, que no antes é Velocino de Ouro, porém variante
náutica. Conheço o nome do cahalo de Rodrigo Diaz de Vivar, El Cid, o
Campeador, desde muito menino, quase quanto o meu mesmo, de seu Afonso,
Bolão de Ouro: Babieca. A mulher, Jimena. Desconheço o nome do cahalo de
Prestes, foram muitos, nos 26 mil quilômetros percorridos Brasil fora. Conheci
Prestes pessoalmente, não tive coragem de lhe perguntar o nome do cahalo, ou
talvez achei fosse descabida a pergunta. Talvez ele não achasse bom ser um mito
montado num cahalo mítico.
![Page 37: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/37.jpg)
Sacando un trozito de pan de la mano de Sancho que corta el pan con un cuchillo.
27 de Enero 2009
![Page 38: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/38.jpg)
DON PABLO
¿Quien es Don Pablo?
A ( ) Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los
Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz
B ( ) Pablo Diego José Francisco de Paula
C ( ) Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno
D ( ) Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los
Remedios
E ( ) Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los
Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso
¿Y dónde queda Joan Miró?
Señor Dalí, doble, Zinho da Gangorra, duplo et Monsieur Doré, le dernier.
![Page 39: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/39.jpg)
Ao decidir
reproduzir
aqui um
pequeno
trecho do Don
Quixote de
Richard
Strauss, dessa
gravação
Deutsche
Grammophon,
com a
Filarmônica
de Berlim,
regida por
Herbert von
Karajan,
António
Menezes, ao
violoncelo –
Dom Quixote
e Wolfram
Christ, viola (Sancho Panza), procurado o disco dentro da capa, lá estava
outro. Um trickster ou poltergeist andara se imiscuindo na minha vida; tive
de apelar para outros recursos. A ilustração da capa é de Salvador Dali.
Esse entusiasmado Karajan andou regendo Os Mestres Cantores de
Nürenberg, pelo menos a abertura [extraordinária] no início, bem no início
da ocupação alemã da França. Os Alemães querem que eu diga ocupação
nazista. Mas eu digo ocupação alemã.
Don Pablo x Salvador Dali: Farblithographie de 1981, sobre aquarela de
1957. © Demart Pro Art BV
Orquestra Filarmônica de Berlim, 1986
Herbert von Karajan
Richard Strauss: Variações Fantásticas sobre um Tema cavalheiresco
[Phantastische Variationen über ein Thema ritterlichen Charakters op. 35]
António Meneses, violoncelo
Wolfram Christ, viola
Leon Spierer, violino
Disco com cerca de 29 anos.
Deutsche Grammophon
El retablo de Maese Pedro – Manuel de Falla
![Page 40: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/40.jpg)
Mas aí, estava pelo meio do caminho deste booklet, quando levei o arquivo
mais recente num pen drive para uma palestra sobre úlcera de Marjolin, no Instituto Dr.
José Frota. Foi triste. O arquivo da aula foi comido pelo computador de lá, mas outro
arquivo símile tinha eu levado, de modo que fiz a palestra e foi até boa. Porém no
primeiro arquivo, estavam estes meus quixotes, sem haver reserva, por imprudência, e lá
se foram as últimas páginas, para refazimento. De certa feita, nos anos noventa, fiz
executar esse Retablo de Maese Pedro aos ouvidos de um já citado aqui, que tem o
nome sonoro do tio de Roldão, quem sabe também parente da musa de Roldão, a
princesa pré-renascentista, Angélica. Então, não sei se ele gostou. A personagem central
do teatrinho de títeres, cativa dos mouros, em Zaragoza, chama-se Melisendra: será filha
de Carlos Magno. O marido dela não dá a mínima mais para a esposa, fica jogando
xadrez com Roldão, e o Imperador está uma arara de furioso, ordena ação da parte do
marido. Cria-se um entrevero entre Roldão, que quer ajudar e don Gayferos, que recusa
a ajuda e tal... Quixote está assistindo sentado ao espetáculo e vai já-já misturar ficção
com realidade, numa cena tão cômica como a história das marrecas do Decamerão. Não
sei se meu amigo gostou do Retablo, Melisendra, Manuel de Falla, e outros, porque ele
era vidrado mesmo era em Mary Shelley e em Joseph Conrad. Para terminar este quase
bestialógico, há cerca de um quartel de século, assisti à peça La Sultana, de Cervantes,
no Teatro de la Comedia, centro de Madrid, junto à Puerta del Sol.
![Page 41: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/41.jpg)
Em outras palavras,
Capilla del Oidor.
Desenho, ainda que com
pouco ou nenhum talento,
mas com a idade de 7 anos
de zinho, do Pelele,
riscado em Alcalá de
Henares, em 25 de janeiro
de 2009. O pior é que não
sei se vou fazer como Don
Alonso Quijano, que como
quê, volta ao normal antes
de sucumbir ao golpe de
alfange da indesejada. O
que é estranho em tudo
isso é que indaoutrodia
entrei em contato com
Fátima Pinheiro, de
Itapipoca/Buenos Aires, e
ela assim se expressou,
dizendo se lembrar de
mim, Zinho: “Sim, e você
penso que é aquele garoto
que me ensinou a desenhar
rostos, que eu aprendi e
fiquei naquele estagio, nao
evoluí! e que me emprestava revistas de quadrinhos, minha mae não gostava porque
achava que eu estava perdendo meu tempo e não estudava. O que ela nao sabia é que
aquelas revistas eram resumos em quadrinhos de obras clássicas que de muito me
serviram e continuam servindo. Vivo na Argentina, trabalho na Embaixada do Brasil e
anualmente vou à Fortaleza/Itapipoca e às vezes passo em São Paulo para ver minha
prima Regina Teixeira...”
Em verdade, quem sabe desenhar mesmo, nessa quadra da minha vida, é
Alberto Flávio Aguiar e Jessé Souza Magalhães Frota. Também, certamente não
empresto a ela a Edição Maravilhosa, de número 173, da EBAL, pois esse meu
Quixote, só vem a lume em 1958, da grande seca, no que já estou em Fortaleza. Porém,
existe um fato estranho e doloroso entre nós, aos começos dos anos 70, que me eximo
de mencionar, que, no entanto, os mais próximos de nós, todos o sabem.
![Page 42: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/42.jpg)
www.artefamoso.com
El pelele, de Goya, do Prado, traz
à mente el pelele/el manteo de
Sancho Panza, e outra coisa. Mais
de vinte anos atrás, talvez em
1991, Ana e eu assistimos a um
grande espetáculo quase teatro
montado para a festa do vinho ali
perto da Gangorra, em Plaza
Mayor. Havia um grande palco,
um tablado, cada um de nós com
pequeno copo de vidro, um vaso,
una copa, a nos servirmos, e tal.
No palco, uma companhia de
jovens representava quadros de
Francisco José de Goya y Lucientes. Ana fotografa cada representação e eu
bebo os vinhos. É quase evidente que eu já visto de perto El pelele, umas
dez vezes, talvez menos, pois minto muito. Tínhamos acabado de visitar El
Escorial, e Ana fotogrando todo o tempo. Eram tempos de fotografia
precária para quem não tinha uma boa câmera. Não existiam maquininhas
digitais. E pronto, nem pelele, nem galina ciega, ni moncloa, ni quitasol...
Parece que todas as fotos foram feitas em cima das feitas em San Lorenzo
de Escorial. Desta vez não foram vírus de computadores que destruíram
minha ilustrações. Foi a tentativa inconsciente da Ana de fazer um
Palimpsesto.
![Page 43: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/43.jpg)
Era do CD, isto é, época. Disco adquirido em 1993. Era intenção
reproduzir algum trecho do Retablo de Maese Pedro, teatro dentro de
teatro, com acting out absolutamente cômico de Don Quixote, mundo
próximo do que acontece no Hamlet, e em Midsummer Night´s Dream.
Daqui se explica sim, porque o projeto foi posto de lado: as perturbações
causadas no ar pelos pequenos demônios, menos Ariel, mais Puck, que
troou: Lord, what fools these mortals be!
![Page 44: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/44.jpg)
Quando Ana e eu estávamos tentando escrever este livrete, aí, a Ana pagou
visita à sua amiga Dra Lúcia Viana, monja, praticante de um dos milhares
de religiões deste mundo velho sem porteira e sem religião que preste, e foi
então que achou na sua casa, dela Lúcia, esta estatueta, que segundo a
senhora Lúcia lhe teria sido presenteada pela própria Ana, de modo que, ao
ouvir o projeto do ebook sobre o Quixote, livrou-se dela [estatueta]
recambiando-a a casa. A estatueta não tem autor, data de fabricação ou
marca de fábrica.
![Page 45: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/45.jpg)
Tosca obra:
com a palavra
Madrid, mais
nada, nem
uma
indicação de
fábrica, de
autor ou
material. Os
dois rapazes,
o Gordo e o
Magro, se
postam em
cima do
Tomo. Esta
peça tinha
sido perdida
dos arquivos
deteriorados
por ação de
bruxaria, de
quebranto, de
mau olhado
do Sr. Sousa
CM, que se
esquece da
Tábula VIII
da lei das Doze Tábuas.
Tabula VIII: "quim malum carmen incantassit..." "Se alguém
cantar ou compuser contra outro uma canção que implique insulto ou
calúnia, deverá ser espancado até a morte. Se rogar praga..." Qui malum
carmen incantassit. ..Cícero: De republica, 4, 10, 12, apud Sanctus
Augustinus, De Civitate Dei, 2, 9: XIl tab., cum perpaucas res capite
sanxissent, in his hanc quoque sanciendam putaverunt: si quis occentavisset
sive carmen condidisset, quod infamiam faceret flagitiumve alteri. Quem
fez um mau encantamento (seja punido com a pena capital.): (crime de
feitiçaria). https://arnaldoreistrindade.wordpress.com/2011/05/01/lex-
duodecim-tabularum-lei-das-xii-tabuas/
![Page 46: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/46.jpg)
Devotio. Bem ao seio da cultura. Na Gangorra rogam-se pragas.
Os deuses das religiões mortas se transmutam em demônios, não morrem.
Em Contra Ibis o poeta principia assim sua conjura: "Deuses do
mar e da terra, e vós que mais felizes, reinais com Júpiter entre polos
opostos, voltai para mim, eu vos suplico, voltai para mim as vossas mentes,
e permiti que meus desejos sejam cumpridos. (...)...[expressa a longa
imprecação]... que a noite te seja mais temível que o dia, o dia que a noite,
e que seja sempre miserável, sem jamais encontrar piedade; que se alegrem
com a tua desgraça assim as mulheres como os homens (...) Mesmo quando
eu for dissolvido em tênue aura, minha sombra exânime execrará tua
conduta (...) e a imagem do meu esqueleto perseguirá teu vulto..."
![Page 47: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/47.jpg)
CANTEIRO DE OBRAS: La vida es Sueño – Pedro Calderón de la Barca
“We are such stuff as dreams are made on, and our
little life is rounded with a sleep.” William Shakespeare, The Tempest.
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www.wikiart.org
André Carnaúba Aqui a real fotografia.
![Page 49: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/49.jpg)
Alcalá de Henares, 27 de janeiro de 2009 Sacando um trozito de pan de la mano de
Sancho que corta el pán con un cuchillo. Detalhe de Sancho cortando o pão, clivado de
maspan.blogspot.com
Agora, sim, os gestos precisos, Ana terra-terra, tem fome.
Ao fundo, Edifício Espanha.
![Page 50: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/50.jpg)
Zinho da
Gangorra procura
representar o céu
noturno de Alcalá
de Henares, no
inverno de 2009.
Parece que ele vê
o manto escuro do
céu de cima pra
baixo, dito na
Gangorra, de riba
pra baixo. Pensa
no céu sob o qual
nasceu, aquele
esplendor
noturno, com
riscos de lume
toda noite, as
estrelas cadentes.
meteoros e
bólidos, que na
cidade não pode
ver mais. E Don
Quixote e Sancho
Panza que diriam
desses desenhos
noturnos e
fugazes? Imagino que poderiam ter visto o cometa de Halley, aquele fiasco
de 1985/l986. Aquela beleza das tapeçarias de Bayeux, ano 1066.
Zinho procura representar o céu noturno de
Alcalá de Henares, no inverno de 2009.
Parece que ele vê o manto escuro do céu de
cima pra baixo, dito em Gangorra, de riba pra
baixo.
![Page 51: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/51.jpg)
Sancho Panza e Dom
Quixote desenhado por um
menino de 7 anos, em Alcalá
de Henares. O manuscrito
refere-se a duas coisas:
perdas, como a do
Compêndio de Psiquiatria de
José Alves Garcia, juntos
com outros três mil livros, e
à classificação de
Kretschmer. Sancho pícnico
e Dom Quixote,
leptossomático. Essas coisas.
Remontamos a Lucrécio, De
Rerum Natura?
Este (a estatueta) tinha sido perdido dos arquivos
deteriorados por ação de bruxaria, de quebranto,
de mau olhado do Sr. Sousa CM, que se esquece
da lei da lei das Doze Tábuas. Sem olvidar as
térmitas, que aliás, não conseguem destruir
estatuetas.
![Page 52: Quixotes, Opus 8](https://reader034.vdocuments.net/reader034/viewer/2022042513/568ca8fc1a28ab186d9b959b/html5/thumbnails/52.jpg)
Em narrativa do venerável Beda, de que fala
Marguerite Yourcenar em O Tempo esse grande Escultor, a
vida é definida por um nobre da corte do rei Edwin, de
Northumberland, como análoga ao voo de um pássaro que
entrou pelo vão do telhado de um castelo — uma sala
espaçosa como esta —, ao centro da qual se encontra uma
lareira, onde se banqueteiam, valendo dizer, fazem um
Symposium, os nobres e o rei, ao passo que lá fora as chuvas e
as neves do inverno castigam a natureza. O pássaro cruza
velozmente o salão, para sair do lado oposto, e após esse
átimo, vindo do inverno a ele regressa. Os nobres e o rei, que
talvez sejam 12 mais 1 — pois para Northumberland teria
sido levado o gral —, esgrimem sobre o significado da vida e
da morte, e cada um dá a sua opinião [doxa]. Um deles se
queda silente, nada diz, até que é interpelado e instado a dizer
o que pensa. Compara a vida com aquele trajeto percorrido
pelo pássaro; assim a efêmera vida, nada se sabe do que a
precedeu, como ser, [pois, no então, cada um dos simposiastas
era não-ser, portanto não era], nem sabe do que seguirá. Sai-
se para o nada, o desconhecido, assim como se vem do nada.
Apresentada assim, no inverno, a vida fica parecida com uma
trégua em meio às intempéries e aos acidentes naturais.
Todavia, parece-me mais, como observou Goethe,
que a vida é uma patologia da matéria. O trajeto percorrido
por esse pássaro, de escuro a escuro, é o domínio das
necessidades e das ânsias, dos impulsos, das pulsões e das
paixões da alma.
“We are such stuff as dreams are made on, and
our little life is rounded with a sleep.”
William Shakespeare: The Tempest
Pedro Calderón de la Barca: La vida es Sueño
FIM