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migrações do trabalho anchos R anchos R EXPOSIÇÃO MUSEU MUNICIPAL 24 JUNHO A 29 OUTUBRO BENAVENTE 2016

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Catálogo da exposição "Ranchos-migrações do trabalho" Museu Municipal de Benavente 2016

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Page 1: Ranchos-migrações do trabalho

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EXPOSIÇÃO

MUSEU MUNICIPAL

24 JUNHO A 29 OUTUBROBENAVENTE20

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Page 2: Ranchos-migrações do trabalho

As grandes searas exigiam gente, muita gente que invadia os campos em grupos alargados orientados sob a voz de um capataz, que trabalhavam de forma cíclica e intensivamente. Estes grupos, designados por ranchos, garantiam a realização dos vários ciclos de produção agrícola desenvolvendo todos os trabalhos manuais, da preparação da terra à sementeira, das mondas às ceifas.

Nos períodos de maior atividade agrícola, os campos do Ribatejo estavam repletos destes ranchos de gente, tanto os que eram contratados localmente como os que fugiam do norte, despovoando as aldeias e vinham para a Borda d'Água.

A necessidade obrigava à deslocação sazonal de muitas populações e a oportunidade estava nas grandes searas, eram as migrações do trabalho. Homens, mulheres e crianças aventuravam-se por terras desconhecidas à procura de sustento, tentando amealhar para a escassez do inverno. Eram gentes pouco exigentes nas condições de trabalho que cumpriam obstinadamente as o rdens do capa taz , ev idenc iando um voluntarismo e uma energia inesgotável.

Oriundos de áreas geográficas bem definidas, caracterizadas do ponto de vista da paisagem pela pequena propriedade e por uma cultura marcadamente de subsistência, estes homens e mulheres representavam uma capacidade de trabalho fundamental nas grandes propriedades de monocultura. E, desde cedo, os lavradores reconheceram esta grande força de trabalho, fomentando a criação de redes de contacto que permitiram a vinda de tanta gente.

Os Ranchos

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H á s é c u l o s q u e o m o v i m e n t o d o s trabalhadores ligados às fainas agrícolas sazonais existe em Portugal. Em meados da década de 50, do século XX, o fenómeno envolvia cerca de 100.000 indivíduos. Estas migrações internas eram ritmadas pelas estações do ano, obedecendo ao seu “calendário agrícola”: a cava, a sementeira, a poda, a monda e, sobretudo, as colheitas e a transformação dos produtos que mobilizavam mão-de-obra, excedentária nos seus locais de origem (Beiras, Minho e Trás-os-Montes) mas, determinante nas searas do Alentejo e do Ribatejo, onde toda a força braçal existente era insuficiente durante as fases mais intensas dos ciclos produtivos.

Às terras de Borda de Água chegavam nos primeiros meses de cada ano, em grupos de 50 ou 60 pessoas, vindos sobretudo de localidades beirãs (Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande, entre outras) para integrarem as duras tarefas agrícolas nas searas de trigo e de tomate, nos campos alagados de arroz, nas vindimas ou na apanha da azeitona. Estes ranchos mistos de trabalhadores migrantes eram normalmente designados pelos camponeses locais, de “ratinhos” , “caramelos” , “gaibéus” ou simplesmente “beirões”. Qualquer uma destas expressões procurava acentuar, de forma pouco honrosa, a origem geográfica destes homens e mulheres que vinham de norte para trabalhar sazonalmente nos campos agrícolas a sul.

Migrações de Trabalho

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Os migrantes eram chamados para as “contratas” por manajeiros e capatazes de lavradores, que os angariavam nas suas localidades de origem ou nas proximidades destas. Este procedimento dispensava contratos escritos que regulassem as condições de trabalho, de alojamento, alimentação, higiene e assistência médica, mas garantia trabalho por muitos meses a troco de um magro suplemento económico indispensável para a sobrevivência das suas famílias.

“… os ranchos de gaibéus que desciam das terras pobres e divididas do centro do país para alugarem a sua força de trabalho em “contratas” por vezes de meses, entre mondas e a ceifa do arroz”

Alves Redol (Gaibéus, 1939 )

As “contratas”

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Capatazes e manajeiros eram homens que conhecendo todo o processo agr íco la estabeleciam ligações privilegiadas com os lavradores, apalavrando trabalhos, vindo depois a recrutar a mão-de-obra nos seus locais de origem onde o trabalho escasseava. De forma astuciosa procuravam pessoas robustas, obedientes, que evidenciassem um espírito submisso e sobretudo grande capacidade de trabalho. Acertada a contrata, definiam o dia e o local da partida e parte da jornada muitas vezes era feita a pé.

Em todo o processo migratório do rancho o capa taz nunca abandonava o g rupo , permanecia nos mesmos aposentos ainda que num espaço mais reservado e controlava todo os tempos, tanto os de trabalho como os poucos de lazer. A autoridade deste homem nunca era contestada pelo grupo e, caso se verificasse alguma tentativa, seria de imediato reprimida pelos companheiros mais velhos.

“Então estás contratado, levas uma rapariga e o rapaz mais novo para aguadeiro. As condições são três meses na monda e ceifa do arroz, sete dias por semana, uma refeição quente por dia, os adultos têm uma soldada por inteiro e as mulheres e os rapazitos têm outra. O horário já sabes!...

-E quando se começa?

-Daqui a três semanas partimos do Alto da Louriceira para perto de Benavente.”

In “O povo ratinho” Adriano Pacheco

Capatazes

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Alojavam-se junto ao campo de trabalho em instalações precárias fornecidas pelos patrões. Eram barracões com chão de terra batida, denominados "quartéis”. Tinham pouco mais de 10 metros de comprido por 6 ou 7 de largo, as paredes eram de tábuas verticais ou junco e a cobertura de colmo ou placas de zinco. O interior não era dividido e, à volta das paredes, alinhavam-se as tarimbas cobertas de palha ou esteiras, onde os corpos moídos de homens e mulheres descansavam, separados por género. Os casais ficavam juntos numa das pontas do alojamento.

Junto às tarimbas, pequenas arcas com divisória interior serviam para guardar alguma roupa e escassos objetos de higiene pessoal, bem como, alguns alimentos secos – pão de milho, linguiça, sardinhas ou pedaços de queijo.

Os aposentos

O quartel de Montalvoestá caiado até ao chãopor causa das raparigasé que os rapazes lá vãoAdeus, quartel de MontalvoRodeado de urtigasAgora, ficas viúvoVão embora as raparigas

Alves Redol

Eram tão poucos os bens pessoais que acompanhavam estas pessoas que para famílias inteiras uma arca bastava. Num dos lados da arca os haveres pessoais, uma muda de roupa, duas toalhas, talvez uns lençóis e do outro alguns recursos alimentares como a farinha de milho. As mulheres juntavam ainda um espelho, uma travessa e um bordado para que à noite, à luz da candeia, pudessem avançar no enxoval.

O que é que se tem de levar?

Pouco mais que a roupa do corpo. Convém levar um bom agasalho para as noites e algumas coisas tuas, como um tachito que sempre dá jeito para o caldito”

In “O povo ratinho” Adriano Pacheco

Quotidianos pessoais

Os serões, após um dia extenuante, eram passados ao sabor de conversas, brincadeiras, namoricos e bailaricos no terreiro em frente do quartel.

Todas as noites podiam ser de brincadeira, mas as noites de quarta feira e de Sábado, eram especiais, eram as de “cabanejo”. E nestes dias o capataz, que determinava a hora da deita, permitia o baile até mais tarde. Atraídos por gaitas de vozes, por concertinas ou por qualquer instrumento musical improvisado, chegavam outras gentes vindas de outros ranchos e campinos de pousadas próximas.

E s t a b e l e c i a m - s e r e l a ç õ e s d e g r a n d e camaradagem entre homens e mulheres. Juntos pela noite entretinham-se com vários jogos como a cevada, o eixo ou a roda do lenço.

Hoje há balho!

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O tempo envolvido nestas migrações, era um tempo exigente, de muito trabalho e sobretudo de grande resistência. No final de cada campanha regressavam às suas terras magros, exaustos e sem a consciência de que tinham dado bastante mais de si do que aquilo que recebiam. Por vezes, em anos bons ainda chegava para umas peças de enxoval ou mesmo uns brincos de ouro, mas a maior parte das vezes chegaria apenas para as dívidas acumuladas.

Destas grandes terras a perder vista levavam também a doença, essa marca definitiva que passaria sempre a manifestar-se através das febres, as sezões (paludismo).

Num contexto globalmente desfavorável o contacto de todas estas gentes, os que chegavam e os que cá viviam, proporcionava uma aproximação cúmplice de vivências partilhadas. A dureza do trabalho, as parcas condições de vida e os poucos momentos de distração, desenvolviam nestas gentes um sentimento de grande solidariedade e de estreitamento de ligações. De tal modo que na hora da partida as emoções eram tão intensas que muitas destas jovens acabariam por escolher ficar por cá, através do casamento.

“… já lá apanhei muito frio, passei muita fome e alimentei muito mosquito. Por causa disso ainda hoje sofro de sezões! Trabalha-se que nem escravos, come-se muito mal , dorme-se como animais enrolados na palha e depois vai-se a ver!.. traz-se de lá dez réis para casa e muitas doenças para a vida”

In “O povo ratinho” Adriano Pacheco

Uma mão cheia de nada

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Eh malta, vá acima! Vá acima seus mandriõesA jornada de trabalho iniciava-se antes do sol nascer, os contratados iam saindo como ratos dos quartéis ainda enrolados nas mantas e mal descansados. Comiam umas sopas com couves ou com ervas do campo preparadas de véspera e apetrechados com as alfaias de trabalho rumavam para a seara. No campo o tempo passaria devagar e de forma muito árdua, entrecortado com breves pausas, as fumaças e pelo meio dia uma refeição ligeira que não exigia preparação. Só pelo entardecer terminavam o trabalho e voltavam aos aposentos para uma ceia quente.Os dias sucediam-se sempre iguais e sem descansos, sempre vergados sobre o trabalho.

Sezonismo, paludismo ou malária são diferentes designações para a mesma patologia humana provocada pela picada do mosquito Anopheles, responsável pela transmissão do parasita Plasmodium que infeta o homem.

Nos campos baixos do Vale do Tejo, a prática de uma cultura extensiva de arrozais, em solos propositadamente alagados, cr iavam o ambiente ideal para a proliferação dos mosquitos. Por outro lado, grande parte do trabalho das diferentes fases da cultura orizícola era manual, exigindo muitos braços de homens e mulheres na preparação, plantio, monda e ceifa do cereal. Trabalho árduo e duro que inúmeras vezes os cruzava com as febres palúdicas c a u s a d o r a s d e d e s c o n f o r t o , d o r e , eventualmente, morte. Os baços dilatados e o sangue infetado eram termos definidos pela malariologia, mas para os infetados, as febres, os arrepios, os vómitos e incapacidade, ainda que temporária, de cumprir as rotinas de trabalho era o mais preocupante. Não trabalhar significava fome, dificuldades acrescidas e muito sofrimento.Em 1931 surge a Estação Experimental de Combate ao Sezonismo de Benavente e, através da Direção-Geral de Saúde é criada a Direção dos Serviços Antissezonáticos (1938) que estabelece postos, estações e dispensários antissezonáticos nas regiões mais afetadas pela doença. O resultado prático destas medidas, quer no tratamento como na prevenção, associadas à progressiva mecanização da agricultura levaram praticamente à erradicação da doença nos finais dos anos 60 do século XX.

A partir da análise do Registo de Impaludados de 1933, Arquivo Histórico de Benavente:198 pessoas não residentes foram tratadas no Posto de Sezonática de Benavente96 homens e 102 mulheresA prescrição eram pastilhas de quinino

“As sezões”Uma jornada de trabalho

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