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81 Algumas Contribuições da Teoria da Algumas Contribuições da Teoria da Algumas Contribuições da Teoria da Algumas Contribuições da Teoria da Algumas Contribuições da Teoria da Estrutur Estrutur Estrutur Estrutur Estrutura Retórica do Texto par a Retórica do Texto par a Retórica do Texto par a Retórica do Texto par a Retórica do Texto para o Ensino de a o Ensino de a o Ensino de a o Ensino de a o Ensino de Leitur Leitur Leitur Leitur Leitura e Compreensão de Textos na Escola a e Compreensão de Textos na Escola a e Compreensão de Textos na Escola a e Compreensão de Textos na Escola a e Compreensão de Textos na Escola CONTRIBUTIONS OF RHETORICAL STRUCTURE THEORY TO THE TEACHING OF READING AND TEXT COMPREHENSION IN SCHOOL Juliano Desiderato ANTONIO * Resumo: Este trabalho tem como objetivo argumentar a favor da importância de um trabalho em sala de aula que leve os alunos a refletir sobre as proposições implícitas que emergem tanto da combinação entre orações quanto da combinação entre porções maiores de um texto. Partindo dos pressupostos teóricos da RST, analisam-se dois textos tendo como escopo as relações retóricas cuja compreensão é indispensável para o estabelecimento da coerência do texto. Na sequência, propõem-se algumas atividades de reflexão sobre o texto que têm por objetivo levar o aluno ao reconhecimento das relações retóricas. Palavras-chave: Estrutura retórica; RST; Coerência; Abstract: The aim of this paper is to stress the importance of reading and text comprehension activities in school that focus on the recognition of implicit propositions which emerge both in clause combining and in the combining of text spams which are larger than clauses. Two texts are analysed based on the rhetorical relations that hold their coherence. Some activities are proposed for these texts in order to motivate students to reflect about and recognize these rhetorical relations. Key-words: Rhetorical structure; RST; Coherence. * Doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP-Araraquara (2004). Atualmente é docente da Universidade Estadual de Maringá. Contato: [email protected]. SIGNUM: Estud. Ling., Londrina, n. 13/2, p. 81-100, dez. 2010

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    Algumas Contribuies da Teoria daAlgumas Contribuies da Teoria daAlgumas Contribuies da Teoria daAlgumas Contribuies da Teoria daAlgumas Contribuies da Teoria da

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    CONTRIBUTIONS OF RHETORICAL STRUCTURE THEORY TO THE TEACHINGOF READING AND TEXT COMPREHENSION IN SCHOOL

    Juliano Desiderato ANTONIO *

    Resumo: Este trabalho tem como objetivo argumentar a favor daimportncia de um trabalho em sala de aula que leve os alunos a refletirsobre as proposies implcitas que emergem tanto da combinaoentre oraes quanto da combinao entre pores maiores de umtexto. Partindo dos pressupostos tericos da RST, analisam-se doistextos tendo como escopo as relaes retricas cuja compreenso indispensvel para o estabelecimento da coerncia do texto. Nasequncia, propem-se algumas atividades de reflexo sobre o textoque tm por objetivo levar o aluno ao reconhecimento das relaesretricas.Palavras-chave: Estrutura retrica; RST; Coerncia;

    Abstract: The aim of this paper is to stress the importance of readingand text comprehension activities in school that focus on the recognitionof implicit propositions which emerge both in clause combining andin the combining of text spams which are larger than clauses. Twotexts are analysed based on the rhetorical relations that hold theircoherence. Some activities are proposed for these texts in order tomotivate students to reflect about and recognize these rhetorical relations.Key-words: Rhetorical structure; RST; Coherence.

    * Doutor em Lingustica e Lngua Portuguesa pela UNESP-Araraquara (2004).Atualmente docente da Universidade Estadual de Maring. Contato:[email protected].

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    Introduo

    A leitura e a compreenso de textos escritos e de textos oraisdepende, dentre outros fatores, do reconhecimento de relaesimplcitas que so estabelecidas entre as partes do texto. Essas inferncias,chamadas proposies relacionais (MANN & THOMPSON, 1983),permeiam todo o texto, desde as pores maiores at as relaesestabelecidas entre duas oraes e ajudam a dar coerncia ao texto,conferindo unidade e permitindo que o produtor atinja seus propsitoscom o texto que produziu.

    Um tratamento adequado a essa questo das proposiesrelacionais oferecido pela RST (Rhetorical Structure Theory Teoria daEstrutura Retrica do Texto), uma teoria descritiva que tem por objetoo estudo da organizao dos textos, caracterizando as relaes que seestabelecem entre as partes do texto (MANN & THOMPSON, 1988;MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988; MANN, MATTHIESSEN& THOMPSON, 1992). A RST parte do princpio de que as relaesretricas que se estabelecem no nvel discursivo organizam desde acoerncia dos textos at a combinao entre oraes (MATTHIESSEN& THOMPSON, 1988).

    Ao tratar das relaes retricas tanto no nvel discursivo quantono nvel gramatical (combinao entre oraes), a RST demonstra suafiliao Lingustica Funcional, um grupo de teorias que consideramessencial para o estudo da lngua a funo dos elementos lingusticosna comunicao (BUTLER, 2003; NEVES, 1997; NICHOLS, 1984).Mais especificamente, a RST foi desenvolvida no mbito de outrasduas teorias funcionalistas: a Gramtica Sistmico-Funcional de Hallidaye o Funcionalismo da Costa-Oeste dos Estados Unidos (ANTONIO,2009).

    Na viso funcionalista, a comunicao no se d por meio defrases, mas sim por meio do discurso multiproposicional, organizadoem estruturas que reconhecemos como caracterizando conversaes,palestras, encontros de comits, cartas formais e informais dentreoutras (BUTLER, 2003, p. 28, traduo nossa). Alm disso, os chamadoscomponentes gramaticais da lngua (regras fonolgicas, morfolgicas,sintticas e semnticas) so considerados instrumentais em relao sregras de uso das expresses lingusticas (DIK, 1989), uma vez que o

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    correlato psicolgico de uma teoria funcionalista a competnciacomunicativa do falante (DIK, 1989), termo utilizado por Hymes (1987)para se referir capacidade que o falante tem no apenas de produzirenunciados gramaticalmente corretos, mas tambm adequados situao comunicativa.

    Neste artigo, pretende-se argumentar a favor de um trabalhoescolar com a gramtica que leve o aluno a refletir sobre as relaesque se estabelecem entre partes do texto e entre oraes. Inicialmente,sero apresentados alguns pressupostos bsicos do Funcionalismo eda RST. Na sequncia, sero apresentadas propostas de anlise de textosa partir da metodologia da RST com atividades passveis de seremdesenvolvidas em sala de aula.

    1 Pressuspostos bsicos do Funcionalismo

    Na viso funcionalista, o objetivo do estudo da gramtica explicar as funes dos meios lingusticos de expresso, ou seja, explicarcomo os falantes usam a lngua para se comunicar com xito (IVIR,1987). A Gramtica Sistmico-Funcional de Halliday (1985), porexemplo, relaciona as metafunes da linguagem (diferentes modosde sentido construdos pela gramtica MATTHIESSEN &HALLIDAY, 1997, p. 10) a sistemas gramaticais pelos quais essasmetafunes so realizadas linguisticamente. As metafunesapresentadas por Halliday so a ideacional e a interpessoal, que estorelacionadas a fenmenos externos lngua, e a textual, que intrnseca lngua.

    A metafuno ideacional diz respeito aos recursos gramaticaisutilizados para construir tanto as experincias interiores do falante quantoas experincias com o mundo ao seu redor. O sistema de transitividade um dos principais recursos lingusticos utilizados para a realizaodessa metafuno. Cada experincia do falante construda a partirde uma configurao que consiste de um processo (verbo), dosparticipantes desse processo (argumentos) e das circunstncias relativasao processo.

    A metafuno interpessoal est relacionada aos recursosgramaticais utilizados pelo falante para interagir com seus interlocutores,assumindo papis sociais e papis que dizem respeito situao

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    comunicativa. O sistema de modo uma das principais formas derealizao dessa metafuno, disponibilizando ao falante estratgiassemnticas tais como adulao, persuaso, seduo, pedido, requisio,sugesto, afirmao, insistncia, dvida etc.

    Por fim, a metafuno textual trata da apresentao do contedointerpessoal e ideacional na forma de informaes que podem sercompartilhadas pelo falante e por seus interlocutores em textosadequados situao de uso. Por meio da funo ideacional, pode-secriar um referente mental dos argumentos que podem participar deum determinado processo, pode-se ter idia dos papis assumidospelo falante e por seus interlocutores (quem d ordens, quem recebeconselhos, quem faz pedidos, quem autoriza etc), mas a funo textualque instrumentaliza a apresentao desses contedos por meio deestratgias que permitem ao falante guiar seu(s) interlocutor(es) nainterpretao do texto.

    Assim, pode-se observar a relevncia da gramtica para aconstruo dos sentidos do texto. Para Halliday (1985), uma anlisetextual que no leva em conta a gramtica com a qual esse texto foiconstrudo representa simples comentrios sobre o texto. Embora otexto seja uma unidade semntica, os sentidos so realizados por meiode expresses lingusticas, o que torna relevante a incluso da anlisedos elementos gramaticais na anlise de um texto. Ainda segundo olinguista britnico (1985), a anlise lingustica tem duas finalidades nonvel textual: (i) permite que se explique como e por que o texto diz oque diz; (ii) permite que se explique por que um texto produz ou noos resultados pretendidos por seu produtor, uma vez que leva emconta como as expresses lingusticas de um texto se relacionam comseu contexto, incluindo as intenes de quem est envolvido na produodo texto.

    A relao entre discurso e gramtica tambm est presente nostrabalhos dos pesquisadores que compem o grupo funcionalista daCosta-Oeste. Um bom exemplo que caracteriza essa preocupao apesquisa de Hopper & Thompson (1980) a respeito da transitividadena gramtica e no discurso. Ao contrrio da viso tradicional, queconsidera a transitividade uma propriedade categrica do verbo, paraesses autores a transitividade uma noo escalar, contnua, baseadaem 10 parmetros que permitem verificar a eficincia e a intensidade

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    com que uma ao transferida de um participante para outro. Assim,uma orao no transitiva ou intransitiva, mas, dependendo no nmerode parmetros de alta ou baixa transitividade, uma orao temtransitividade mais alta do que outra orao. Em sua pesquisa, Hopper& Thompson (1980) verificaram que a transitividade exerce funodiscursiva. Oraes com transitividade alta geralmente compem aestrutura bsica do texto, chamada figura. Por outro lado, oraes comtransitividade baixa compem o fundo, partes do texto que trazeminformaes que subsidiam a compreenso da figura.

    As observaes a respeito da Gramtica Sistmico-Funcionalde Halliday e as consideraes a respeito da anlise da transitividade naperspectiva do Funcionalismo da Costa-Oeste vo ao encontro daposio de Votre e Naro (1989), que propem uma anlise lingusticano discurso, e no do discurso.

    2 A Teoria da Estrutura Retrica do Texto (RST)

    Como j foi dito anteriormente, a RST tem por objeto de estudoa organizao dos textos, descrevendo as relaes que se estabelecementre as partes do texto. O pressuposto bsico da RST que, alm docontedo proposicional explcito veiculado pelas oraes de um texto,h proposies implcitas, as chamadas proposies relacionais, que surgemdas relaes que se estabelecem entre pores do texto.

    Para Mann e Thompson (1983), o fenmeno das proposiesrelacionais combinacional, definido no mbito textual, ou seja, asproposies relacionais so resultantes da combinao de partes dotexto. Essas combinaes podem ser estabelecidas tanto entre oraes,como entre pores maiores de texto. Uma outra observaoimportante diz respeito natureza das relaes. Quando duas poresde texto se relacionam, alm do contedo proposicional expresso porcada uma das pores h tambm um contedo implcito, a proposiorelacional.

    Os pressupostos tericos nos quais a RST se baseia so osseguintes:

    a) os textos so formados por grupos organizados de oraesque se relacionam hierarquicamente entre si de vrias formas;

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    b) as relaes que se estabelecem entre as oraes podem serdescritas com base na inteno comunicativa do enunciador ena avaliao que o enunciador faz do enunciatrio, e refletem asescolhas do enunciador para organizar e apresentar os conceitos.

    Uma lista de aproximadamente vinte e cinco relaes foiestabelecida por Mann e Thompson (1987a) aps a anlise de centenasde textos, por meio da RST. Essa lista no representa um rol fechado,mas um grupo de relaes suficiente para descrever a maioria dostextos. 1

    No que diz respeito organizao, as relaes podem ser dedois tipos:

    a) ncleo-satlite, nas quais uma poro do texto (satlite) ancilarda outra (ncleo), como na figura 1 a seguir, em que um arcovai da poro que serve de subsdio para a poro que funcionacomo ncleo.

    b) multinucleares, nas quais uma poro do texto no ancilar daoutra, sendo cada poro um ncleo distinto, como na figura 2a seguir.

    1 Uma lista com as relaes e suas definies pode ser encontrada no site http://www.sfu.ca/rst/07portuguese/definitions.html.

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    Figura 1 Esquema de relao ncleo-satlite

    Figura 2 Esquema de relao multinuclear

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    No diagrama 1, observa-se um exemplo da formalizao deuma anlise textual por meio da RST. Nesse exemplo, 2 observa-seque as relaes se estabelecem tanto entre oraes quanto entre poresde texto maiores do que a orao. Inicialmente, observa-se que a porotextual formada pelas unidades de 5 a 6 um satlite que justifica o atode fala composto pelas unidades de 1 a 4. No interior dessa porotextual, estabelece-se uma relao multinuclear de contraste entre aspores formadas pelas unidades 1 e 2 e pelas unidades 3 e 4. Entre asunidades 1 e 2, por sua vez, estabelece-se uma relao de causa entre oncleo (unidade 1: orao nuclear) e o satlite (unidade 2: orao causal).No caso das oraes 3 e 4, estabelece-se uma relao de condioentre o ncleo (unidade 4: orao nuclear) e o satlite (unidade 3: oraocondicional). Por fim, entre as unidades 5 e 6, estabelece-se uma relaode causa entre o ncleo (unidade 6: orao nuclear) e o satlite (unidade5: orao causal).

    Diagrama 1 Exemplo de formalizao de anlise textual pormeio da RST

    2 O exemplo do diagrama 1 foi retirado de uma elocuo formal do tipo aulapertencente ao corpus do Funcpar (Grupo de Pesquisas Funcionalistas doNorte/ Noroeste do Paran).

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    importante observar que, na viso da RST, as proposiesrelacionais surgem no texto independentemente de sinais especficosde sua existncia: no h necessidade de incluso, no texto, de elementoslingusticos que tenham por funo indicar as relaes estabelecidas(MANN & THOMPSON, 1983). Pesquisas tm sido realizadas nosentido de identificar os meios lingusticos utilizados pelos falantes paramarcar as relaes retricas (proposies relacionais). Alguns meios jdescritos so marcadores discursivos, tempo e aspecto verbais,combinao entre oraes (paratticas/ hipotticas). Outras pesquisastm demonstrado tambm que as proposies relacionais podem serreconhecidas pelo destinatrio do texto sem ser necessariamenteexpressas por alguma marca formal (TABOADA, 2006).

    o que ocorre no exemplo do diagrama 2 a seguir, 3 em que sepode observar a relao de causa entre as duas oraes mesmo sem apresena de um conectivo como porque, pois, uma vez que etc.

    Diagrama 2 Relao de causa no marcada por conectivo

    Tradicionalmente, a classificao de oraes adverbiais feitacom base na conjuno que inicia a orao. No entanto, como afirmaDecat (2001, p. 120), o que importa a relao que existe entre asclusulas. De acordo com a proposta da RST, como, obviamente, oanalista no tem acesso mente do produtor do texto, a anlise feitacom base em julgamentos de plausibilidade, ou seja, o analista julgaque tais relaes so plausveis com base em seu conhecimento a respeito

    3 O exemplo do diagrama 2 foi retirado de uma elocuo formal do tipo aulapertencente ao corpus do Funcpar.

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    do produtor do texto, dos seus provveis destinatrios, das convenesculturais e do contexto de produo do texto (MANN &THOMPSON, 1988).

    Nos exemplos dos diagramas 3 e 4 a seguir, 4 por exemplo, oconectivo e no utilizado para introduzir oraes aditivas, sua funoconsiderada cannica. No caso do diagrama 3, a orao iniciada peloe estabelece relao de propsito com a orao ncleo. A parfraseplausvel que o sujeito ser ensinado a emitir a resposta de presso barrapara receber uma gota de gua. No caso do diagrama 4, a conjuno emarca relao de contraste entre a unidade 1 e as pores de texto 2 e3. A parfrase plausvel de ideias contrrias: o rapaz tenta falar com amoa, mas impedido pelo pai dela.

    Diagrama 3 Relao de propsito marcada pelo conectivo e

    Diagrama 4 Relao de contraste marcada pelo conectivo e

    4 O exemplo do diagrama 3 foi retirado de uma elocuo formal do tipo aulapertencente ao corpus do Funcpar. O exemplo do diagrama 4 foi retirado deuma narrativa oral pertencente ao corpus do Funcpar.

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    3 Analisando textos com a RST

    A estrutura retrica de um texto, representada por um diagramaarbreo, definida pelas redes de relaes que se estabelecem entrepores de texto sucessivamente maiores. Segundo Mann e Thompson(1987a, 1987b), a estrutura retrica funcional, pois leva em contacomo o texto produz um efeito sobre o enunciatrio, ou seja, tomacomo base as funes que as pores do texto assumem para que otexto atinja o objetivo global para o qual foi produzido.

    Sero apresentadas, a seguir, propostas para anlises de 2 textosa partir do modelo terico-metodolgico da RST.

    No exemplo do diagrama 5, que representa a anlise da estruturaretrica do texto publicitrio Felicidade no tem preo, 5 publicadona pgina 17 da revista Manequim, em abril de 2003, pode-se observarque o objetivo do produtor do texto levar seu interlocutor a realizaras aes apresentadas nas unidades 3, 4, 5 e 6. A realizao dessasaes, que deve ser efetuada na sequncia apresentada, torna ointerlocutor competente para concorrer aos prmios apresentados nasunidades de 8 a 11. Assim, tem-se a receita da felicidade, mencionadana unidade 2, ou seja, as unidades de 3 a 6 acrescentam maiores detalhesao contedo da unidade 2, estabelecendo-se a uma relao deelaborao. O contedo da unidade 2, por sua vez, comparado como contedo da unidade 1, mas levando-se em conta as diferenasexistentes entre eles, motivo pelo qual se estabelece a relao de contraste.

    5 A anlise desse texto pode ser encontrada em Antonio (2003).

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    No diagrama 6, apresenta-se a anlise da estrutura retrica deum trecho de uma elocuo formal. 6 No trecho analisado, a relaode preparao que emerge nas unidades 1, 4 e 9 tem como objetivotornar o interlocutor mais interessado no contedo do ncleo. Asunidades 2 e 3 e as unidades 8 e 9 estabelecem relao de fundo,aumentando a capacidade do interlocutor de compreender o contedodo ncleo. Das pores de texto formadas pelas unidades de 2 a 7 ede 8 a 13 emerge a relao de lista, que liga elementos comparveis.

    6 O exemplo do diagrama 6 foi retirado de uma elocuo formal do tipo aula docorpus do Funcpar.

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    4 As proposies relacionais e o ensino de Lngua Portuguesa

    No se defende, neste artigo, que a teoria RST seja ensinada naescola. No entanto, a difuso dos princpios da RST entre os professoresde Lngua Portuguesa pode certamente trazer benefcios ao ensino.

    O reconhecimento das proposies relacionais que emergemda combinao entre oraes e entre pores de texto maiores do quea orao fundamental para o estabelecimento da coerncia dos textos.Se os professores partirem desse princpio, podero deixar de lado aclassificao meramente formal das oraes adverbiais a partir dosconectivos.

    Os professores podem, a partir de textos como os apresentadosa ttulo de exemplo nos diagramas 5 e 6, elaborar atividades que levemos alunos a refletir sobre as relaes que se estabelecem entre as partesdo texto. Assim, partindo de atividades de gramtica reflexiva, nasquais o conhecimento construdo a partir das reflexes do aluno(TRAVAGLIA, 1996), os professores podem mediar o processo dereconhecimento das proposies relacionais dos textos pelos alunos.A ttulo de exemplo, apresentam-se, a seguir, algumas propostas deatividades que podem ser realizadas com os textos dos diagramas 5 e6.

    1 Felicidade no tem preo.2 Mas tem receita.3 Pegue 2 rtulos diferentes de leos Liza,4 acrescente a resposta da pergunta: (Qual o leo que deixa

    sua famlia naturalmente feliz?),5 junte tudo6 e envie para: Promoo Liza Sua famlia naturalmente feliz.

    CEP 05975-960 SP SP.7 Voc vai concorrer a: 1 casa, 1 carro 0 km, 1 kit cozinha ou

    ainda a 6 meses de supermercado.

    1- Releia as oraes das linhas 1 e 2 do texto.a) Qual dessas oraes apresenta uma ideia na forma de umaafirmao?

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    b) Qual dessas oraes faz uma afirmao a partir de uma ideiacontrria a uma outra afirmao?c) Que conectivo utilizado para indicar que as ideias dessasduas oraes esto em contraste?

    2- Releia os enunciados das linhas 3 a 6 do texto.Agora, observe o trecho a seguir de uma receita culinria:

    Bolo de mel

    Junte 1 xcara de ch de mel, 1 xcara de ch de leite, 2 colheresde sopa de manteiga derretida.Misture bem.Acrescente 3 xcaras de ch de farinha, 1 xcara de ch de acar,1 colher de ch de canela em p, 1 colher de sobremesa debicarbonato de sdio em xcara de gua morna.Bata mo.Asse por 30 minutos.

    a) Que semelhanas h entre as formas verbais da receita culinriae as formas verbais dos enunciados das linhas 3 a 6 do texto?b) Pode-se afirmar que os enunciados das linhas 3 a 6 do textotambm constituem uma receita? Se sua resposta for afirmativa,os enunciados das linhas 3 a 6 do texto podem ser consideradosuma receita de qu?

    3- Observe o enunciado da linha 7 do texto. No h umconectivo ligando esse enunciado aos enunciados anteriores.Mesmo assim, possvel saber que esse enunciado apresentauma sano positiva para os leitores que executarem algumasaes. Quais so elas?

    Apresentam-se, a seguir, algumas propostas de atividades parao trecho da elocuo formal analisado no diagrama 6.

    1 .. o homem o que que ele foi fazendo?2 .. o sal .. ele tava l no mar, .. bem quietinho,

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    3 .. todo todo sal que a humanidade ingeria era proveniente dodos alimentos, .. dos vegetais, .. da prpria carne.

    4 .. com o passar do tempo o que que o homem fez?5 .. foi l no mar,6 .. concentrou sal,7 .. e jogou no alimento.8 .. o homem s se alimentava de leo presente nas castanhas, .. na prpria carne, .. no no leite.9 .. o que que o homem fez?10 .. pegou a soja,11 .. foi l na indstria,12 .. concentrou,13 .. agora joga esse leo na comida.

    1- No trecho da aula que estamos estudando, o professor falasobre dois alimentos. Quais so eles? Quais linhas do texto tratamde cada um desses alimentos?

    2- Observe que h 3 perguntas no texto: nas linhas 1, 4 e 9. Se oprofessor no espera uma resposta dos alunos, por que, ento,ele faz as perguntas?

    3- Leia novamente os enunciados das linhas 5, 6 e 7. A ordemem que as aes so expressas nesses enunciados pode seralterada? E os enunciados das linhas 10-12? A ordem em queessas aes so expressas pode ser alterada?

    4- Agora, vamos tentar transformar esse trecho de aula em umtexto escrito.a) Que palavras e expresses so informais e/ ou comuns nalngua falada? Reescreva o texto substituindo essas palavras eexpresses por expresses mais formais ou tpicas da lnguaescrita.b) Quantos pargrafos esse texto teria? Lembre-se de que asoraes que compem um pargrafo devem tratar de ummesmo assunto. Voc acha que daria certo se as informaes arespeito de cada um dos alimentos mencionados no texto

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    formassem um pargrafo cada? Reescreva o texto, agrupandoas oraes em pargrafos. Procure adequar a pontuao snormas do portugus escrito.c) Nos enunciados das linhas 5-7 e 10-12, observamos que hsequncias de aes. Para indicar que essas aes esto em umasequncia, dispomos de alguns recursos na lngua, como oselementos depois, depois disso, depois de, na sequncia, em um momentoposterior, em um momento seguinte etc. Reescreva o texto utilizandoalguns desses elementos para indicar a sequncia das aes nosenunciados mencionados.d) Que ttulo voc daria ao texto? Lembre-se de que o ttulodeve espelhar o contedo do texto e tambm deve despertar ointeresse do leitor.e) Voc faria mais alteraes no texto? Quais?

    No texto a respeito do sal e do leo, alm das atividades quetinham por objetivo levar o aluno ao reconhecimento das relaesretricas, foram propostas tambm atividades de retextualizao,entendidas por Marcuschi (2001) como atividades de transformaode um texto oral em um texto escrito. Como se pode observar, ao setrabalhar com a lngua em uso, surgem muitas questes referentes construo do texto (a organizao em pargrafos, por exemplo),questes referentes a aspectos formais (emprego de conectivos paraindicar a sequenciao das aes) e questes referentes a aspectosnormativos (pontuao, adequao do vocabulrio e das construes modalidade escrita da lngua).

    interessante que o professor solicite que os alunos tragamgramticas e livros que ensinam produo textual, por exemplo, paraque os alunos possam investigar por conta prpria regras de pontuao,recursos lingusticos para expressar relaes como a de sequenciao,etc. Dessa forma, estimula-se o aluno a refletir e a buscar informaes.O professor deixa de ser o detentor do conhecimento para ser ummediador na interao entre o aluno, o texto e a gramtica.

    Concluso

    Neste trabalho, argumentou-se a favor da importncia de umtrabalho em sala de aula que leve os alunos a refletir sobre as proposies

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    implcitas que emergem tanto da combinao entre oraes quanto dacombinao entre pores maiores de um texto. Partindo dospressupostos tericos da RST, dois textos foram analisados tendo comoescopo as relaes retricas, cuja compreenso indispensvel para oestabelecimento da coerncia do texto. Na sequncia, foram propostasalgumas atividades de reflexo sobre o texto que tm por objetivolevar o aluno ao reconhecimento das relaes retricas.

    Embora a formalizao das anlises RST em diagramas arbreospossa parecer complexa, importante que os princpios da teoria sejamassimilados pelos professores, para que o trabalho em sala de auladeixe de ser meramente classificatrio e formal e passe a valorizar oreconhecimento das proposies implcitas que ajudam a garantir acoerncia do texto.

    Por fim, espera-se que atividades como as que se propem aquipossam ajudar na to propagada mas difcil tarefa de integrar o ensinode gramtica com o ensino de leitura e de produo de textos.

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