recensÕes · alcalde martin, carlos, el mito de leda en la antigiiedad, madrid, ediciones...
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RECENSÕES
RKBBOB.
JEFFREY WALKER, Rhetoric and Poetics in Antiquity, Oxford University Press,
2000, 396 pp.
O estudo de W inscreve-se na linha de discussão do esquema
genológico de matriz aristotélica. Já Quintiliano1 contesta o critério
distintivo dos TéXr), para defender o concurso de matérias nos três géneros
retóricos. Entre os estudiosos modernos, Pernot, Rountree, Sullivan e
Anible2 são alguns dos que se dedicaram ao estudo deste assunto.
O objecto de estudo de W. é o género epidíctico. A este propósito,
Pernot e Rountree defendem que, de entre os dois subgéneros estipulados
por Aristóteles, o (Jjoyoc; não corresponde a um tipo de discurso
sistematicamente actualizado, com uma estrutura retórica específica, e
que, por isso, foi aduzido pelo Estagirita para equilibrar o esquema
genológico de três géneros, cada um com dois subgéneros opostos entre
si. Por seu lado, W. considera o género epidíctico para além da forma
restrita do eTTCUVOÇ e do dJÓyoç/. Para tanto, adopta uma perspectiva
alargada que alcançou depois dos séculos de conceptualização — V e IV
- e que submete à designação de epidícticos todos os tipos de texto
produzidos para um contexto e um receptor externos ao enquadramento
prático institucionalizado.
A partir da dicotomia entre èmSeucriKÓv e TrpaypaTiKÓy, o autor
contraria a tendência actual para definir o primeiro por mera oposição
ao último, de acordo com o critério da ausência de funcionalidade prática.
Neste sentido, acentua a dimensão ideológica, interventiva e persuasiva
do discurso epidíctico, com base no carácter paradigmático do conteúdo
e na elaboração estética da forma. A sua função é, segundo W., a exibição
suasória que conduz o receptor, sucessivamente, à contemplação, à reflexão
e à formação de opiniões e desidérios aos níveis filosófico, social, ético e
1 Inst.3A.l6.
2 PERNOT, L., La Rhétoríque de I'Eloge dans le Monde Gréco-Romain, I—II, Paris,
Institut d'Etudes Augustiniennes, 1993; ROUNTREE, C , "The (almost) blameless genre
of classical greek epideictic", Rhetorka 19 3 2001 293-305; SULLIVAN, D. L. and ANIBLE,
C , "The epideictic dimension of Galatians as formative rhetoric: the inscription of early
christian community", Rhetorka 18 2 2000 117-145.
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.RECENSõES
cultural, uma vez que é elaborado sobre os códigos axiológicos básicos
da sociedade em que é produzido. Por isso, afirma-se como uma entidade
capaz de consolidar, influenciar e modificar compor tamentos e
mentalidades.
Estas conclusões levam o autor a defender que a verdadeira forma
primária da retórica não se encontra nas assembleias e nos tribunais
gregos, mas no género epidíctico, de onde emanam os códigos do
conteúdo e da forma que os géneros deliberativo e judicial utilizam para
tornar os seus discursos mais eficazes nos contextos práticos.
Estes princípios teóricos, apresentados nos dois primeiros capítulos,
são desenvolvidos numa terceira parte da obra, em que W. analisa textos
da lírica grega arcaica de autores como Píndaro, Alceu e Safo, para
demonstrar a sua poderosa vertente argumentativa e interventiva.
O livro de W. oferece aos estudiosos da genologia do discurso uma
convidativa reflexão teórica, que se destaca pela perspectiva inovadora da
história da retórica e pela reabilitação do 'terceiro género', por vezes
desfavorecido na atenção de autores antigos e modernos.
Carla Susana Vieira Gonçalves
ALCALDE MARTIN, Carlos, El mito de Leda en la Antigiiedad, Madrid,
Ediciones Clásicas, 2001, 104 p.
Este estudo de Carlos Alcaide Martin, publicado nos Supplementa
Mediterraiiea das Ediciones Clásicas, pretende traçar a evolução do mito
de Leda na Antiguidade, com recurso às fontes literárias e artísticas em
geral. O Autor considera o mito da mãe dos Dioscuros um dos que
alcançou maior êxito na arte grega e romana, factor que encontra
correspondência nos textos. O tema de Leda está presente na Literatura
Grega desde os textos mais antigos conhecidos até ao final da Antiguidade;
nas artes plásticas, surge em peças que datam do período que vai do
século VI a.C. ao V d.C. Razões que parecem justificar uma hermenêutica
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RECENSõES.
desta natureza.
Os dois aspectos estudados assentam sobretudo na aventura com
Zeus, metamorfoseado em forma de cisne, particularmente tratado a
partir do século V a .C , e na relação da heroína da mitologia com os
filhos: Castor, Pólux e Helena. Essencialmente estes três, uma vez que a
presença de Clitemnestra ou outros é menos frequente e por isso
praticamente negligenciada pelo Autor. Teria sido interessante uma
justificação desse promenor, que todavia não faz.
O Autor elabora primeiro uma biografia da figura, que passa pela
origem da lenda, considerada obscura, pela genealogia da personagem, pelo
seu casamento, pelo episódio do encontro com Zeus e pela descendência.
Daqui destaca-se a discussão em torno da maternidade de Helena de Tróia,
em que junto a Leda surge a figura de Némesis como candidata (pp. 27-
43). Para o efeito de conjunto, são analisados passos dos Poemas Homéricos,
de Hesíodo, Estesícoro, Alceu, Ibico, Helânico, Píndaro, Górgias, Euripides,
Aristófanes, Isócrates, Teócrito, Apolodoro, Plutarco, Pausânias e da Antologia
Palatina. Notamos, contudo, a ausência do tratamento dos textos latinos.
Ainda que o tema não seja frequente, ele surge em Propércio I, 13, 30 e em
Ovídio, Amores I, 3, 21-22, por exemplo. Partindo então da sistematização
feita nesta primeira parte, Alcalde Martin passa à analise do mito nas
representações plásticas, recorrendo às publicações feitas pelo Lexicon
Iconograpbicum Mythologiae Classicae (p. 8).
Enquanto a primeira parte se baseou fundamentalmente em fontes
gregas, a segunda percorre igualmente as fontes romanas. Aproveitando a
classificação anteriormente feita, o Autor usa os mesmos critérios e tipologias
para analisar as expressões iconográficas. Verifica-se assim que o mito foi
representado na cerâmica, através da pintura; nos objectos de metal, através
da gravação; e na pedra, através do relevo e da escultura propriamente dita.
Em cada um destes suportes, Carlos Alcaide descortina ainda vários tipos
de representação, escolhidos de acordo com o modo como as personagens
são «encenadas», havendo uma relação directa entre conteúdo e formas.
Conclui-se assim que o motivo do encontro com Zeus em forma de
cisne é o mais recorrente, sendo especialmente tratado no período helenístico,
de acordo com o gosto «barroquizante» da época. Além disso, Leda surge
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JRKENSQB
fundamentalmente como uma figura secundária, em que as atenções se
centram sobretudo nos filhos, em particular os Dioscuros e Helena. Há
ainda algumas referências a uma hermenêutica do mito, feita através do
nome da personagem (em que «Leda» é lido como «mulher», em lício, p.
90), que a considera uma figura religiosa primordial, cujo simbolismo se
reforça com a introdução do ovo, também ele um elemento das origens, e
com a ligação a Zeus, entendida como uma hierogamia. Uma das fragilidades
do trabalho parece ser precisamente o fraco investimento feito neste tipo de
exegese. Contudo, parece não ter sido também esse o seu objectivo. Carlos
Alcaide prefere apontar a sua investigação para os dados tal como aparecem
já cristalizados na cultura grega, prescindindo do aprofundamento do tema
das suas origens. Embora com o mito de Leda e o cisne se anunciem os
temas da zoofilia e do totemismo na cultura clássica, a sua hermenêutica
fica também por explorar. Aliás, cremos que estas perspectivas só poderão
ser devidamente abordadas num estudo de conjunto que inclua igualmente
os mitos de Europa e Pasífae.
Por fim, o Autor alude ainda, sem que no entanto desenvolva, à
pervivência do mito na Idade Média e no Renascimento, citando o exemplo
do seu tratamento por Miguel Ângelo. O livro é ainda enriquecido com
uma breve bibliografia e índices de autores, personagens e toponímico.
Nuno Simões Rodrigues
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BARRETT, Anthony A., Livia. Fisrt Lady of Imperial Rome, New Haven/
London, Yale University Press, 2002, 425 p.
Quase um século depois de H. Willrich ter escrito uma das mais
importantes biografias completamente dedicadas a Lívia, a primeira
imperatriz de Roma {Livia, Leipzig und Berlin, 1911), é dado à estampa
este estudo de A.A. Barrett, professor de Clássicas da Universidade British
Columbia. O Autor é já conhecido por outros estudos biográficos no
domínio da História Clássica {Caligula. The Corruption of Power, London,
ReCENSÓFiL
Routledge, 1989 e Agrippina. Sister of Caligula, Wife of Claudius, Mother
of Nero, London, 1996), pelo que este trabalho insere-se praticamente
num plano de investigação que abrange figuras-chaves do século I
romano.
Lembrando o já mítico desempenho de Sian Phillips no papel da
imperatriz, na adaptação televisiva do /, Claudius de Graves, que de al«um
modo fundou para o mundo contemporâneo uma iconografia de Lívia,
Barrett retoma o tema na posição privilegiada do historiador do século
XXI, que tem ao seu dispor mais fontes e documentos que o dos inícios
do século XX, e volta a salientar a importância desta personalidade,
figura paradigmática da História, quer pela sua intervenção política, quer
por aspectos de natureza diferente, como a sua longevidade atípica para
a época: viveu de 58 a.C. a 29 d.C.
O estudo divide-se em três partes. A primeira, «The Life of Livia»,
aborda essencialmente os aspectos biográficos: origem familiar,
casamentos, acessão ao poder e configuração como imperatriz. A segunda
parte, «Livian Themes», aborda pricipalmente o papel sócio-político de
Lívia Drusila, exprimindo e articulando analítica e historiograficamente
o que as fontes sugerem. Aquela a quem Gaio Calígula terá chamado
«Ulisses de saias» (Suet., Cal. 23) e posteriormente chamada Júlia Augusta
é aqui estudada na perspectiva da eficaz acção de bastidores, mas também
na destemida actuação pública e declarada da femina politica, com especial
incidência na sua função enquanto esposa e mãe de imperadores. Neste
sentido, a análise de Barrett reencontra-se com a metodologia usada na
biografia que escreveu de Agripina Menor. Ainda dentro desta rubrica,
merece especial atenção o estudo de Lívia enquanto patrona e protectora.
A terceira parte do livro é composta por 19 apêndices, que incluem a
listagem e discussão das fontes literárias, epigráficas, iconográficas,
numismáticas e papirológicas disponíveis para o estudo do tema. Talvez
seja esta a melhor parte do livro, que contrasta com outras, por vezes
demasiado acrílicas e bastante próximas da paráfrase dos textos antigos.
Os apêndices completam-se com pequenas digressões e análises, com
que se pretende esclarecer problemas historiográficos pontuais e onde o
historiador exerce mais claramente o seu papel crítico, a que se excusa
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JteENSôES
por vezes ao longo do corpo da obra. São exemplos os números 4 , «Liviás
Name»; 10, «The Conspiracy of Cornelius Cinna»; 1 1 , «The Celebrat ion
of Livia's Marriage»; 13, «The Title Augusta in the Jul io-Claudian Period»;
14, «Antónia as Augusta»; e 19, «Agrippina and Livia in A D 28-29».
Livia colmata assim u m a lacuna, ainda que dispuséssemos de alguns
estudos sobre esta figura, que, no en tanto , ou se debruçavam
essencialmente sobre aspectos iconográficos (e.g., E. Bartman, Portraits
of Livia: Imaging the Imperial Woman in Augustan Rome, Cambridge,
1999; S. Wood, Imperial Women. A Study in Public Images, 40 BC-AD
68, Leiden, 1999) ou se integravam em projectos mais abrangentes {e.g.
M.J. Randour, Figures de femmes romaines dans les Annales de Tacite,
Louvain, 1954). É por isso de louvar a iniciativa de Barrett, pela
importância historiográfica que a figura em causa representa, para o
domínio da História Política, Social, das Mentalidades ou até, da
«recente» História das Mulheres, e por um estudo cuja falta se fazia já
sentir. A obra é enriquecida com uma bibliografia quase exaustiva sobre
o tema, 29 ilustrações com iconografia essencial da imperatriz, 4 mapas,
2 árvores genealógicas dos ramos da família de Lívia, 1 cronologia e
índice remissivo.
Nuno Simões Rodrigues
ACTAS D O / SYMPOSIVM CLASSICVM BRACARENSE.
A MITOLOGIA CLáSSICA E A SUA RECEPçãO NA LITERATURA PORTUGUESA,
UNIVERSIDADE CATóLICA PORTUGUESA, FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA, 2000
Depois das Actas do I Congresso Internacional — Humanismo
novilatino e pedagogia: gramática, criações maiores e teatro, uma edição do
Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Filosofia de Braga, de 1999,
o mesmo Centro publicou, em 2000, o volume correspondente às Actas
do / Symposium Classicum Bracarense.
Como o próprio título indica, este livro reúne as comunicações
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RECENSÕES-
apresentadas por um distinto elenco de conferencistas com o objectivo
de reflectir sobre a perenidade da cultura clássica, aquela que permanece
além dos ventos da opinião e da moda, como recorda o prefácio, assinado
pelo Doutor António Maria Martins Melo, coordenador do volume.
O livro conta com a participação de Maria Helena da Rocha
Pereira, Victor Jabouille, Manuel Losa, Nair de Nazaré Castro Soares,
José Ribeiro Ferreira e Amadeu Torres. Os textos dos dois primeiros
autores ("Enigmas em volta do mito" e "Histórias que a memória conta.
Os Antigos, os Modernos e a Mitologia Clássica") reflectem, de modos
diferentes, sobre a noção de mi to , com uma visão informada,
documentada e crítica, sustentada sobre diversos exemplos da mitologia
grega e oriental — babilónica, fenícia, sumério-acádia. O primeiro,
"Enigmas em volta do mito", de Maria Helena da Rocha Pereira,
estabelece, com um clarividente poder de síntese, uma breve história da
complexa evolução deste género de estudos, ou seja, das diversas teorias
em volta do mito, dos diversos modos de considerar o mesmo fenómeno,
desde Homero, Píndaro, Platão e os Sofistas, até ao contributo das diversas
áreas do saber (da História comparada das religiões, da etnologia, da
sociologia, da filosofia do conhecimento, da arqueologia, da linguística,
da psicologia, entre outras) para o aclarar da noção de mito e da respectiva
operacionalidade.
O segundo texto, de Victor Jabouille ("Histórias que a memória
conta. Os Antigos, os Modernos e a Mitologia Clássica") expõe, com
extraordinária clareza, uma breve história dos diversos modos de ler os
mitos e de os utilizar, desde os filósofos e os próprios poetas da Antiguidade
até aos nossos dias, passando pelo Cristianismo nascente, pela Idade Média,
o século XVI e o Humanismo, bem como as épocas moderna e
contemporânea. Evidenciam-se autores como Luís de Camões e Fernando
Pesoa, mas também Boccacio e Pico delia Mirandola, André de Resende,
Eça de Queirós, Almeida Garrett, Bernardo Santareno, António José da
Silva, Augusto Abelaira, entre outros. Para terminar, o autor mostra ainda
diversas formas que actualmente concretizam o interesse pela mitologia
clássica no nosso quotidiano, desde as mais simples designações na
conversação quotidiana até à literatura e às artes plásticas.
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JkENSÕB
Manuel Losa revisitou o sempre interessante mito de Eros e Psique
na narrativa de O Burro de Ouro (IV, 28 - VI, 24) de Apuleio, para
concluir considerando a fecundidade artística daquele mito, desde a
Antiguidade até aos nossos dias, e evocando Fernando Pessoa e o seu
poema Amor e Psique, publicado em 1942 na revista Presença,
O texto de Nair Nazaré Castro Soares, "Mito, imagens e motivos
clássicos na poesia trágica renascentista em Portugal" , tem a
particularidade de tratar o terna do mito numa área do saber mais rara
entre nós, mas de grande pertinência para o assunto em causa: a produção
dramática renascentista. A autora aborda dramaturgos como Buchanan,
Aires Vitória, Giorgio Trissino, Giraldi Cinzio, Diogo de Teive, Miguel
Venegas, entre outors.O teatro renascentista, de inspiração religiosa ou
profana e de intenção pedagógica, está profundamente modelizado pela
dout r inação clássica. As próprias personagens bíblicas são tão
perfeitamente assimiladas às categorias do humanismo que incarnam
verdadeiras personagens senequianas — o autor que mais influenciou os
dramaturgos renascentistas. A leitura desta comunicação é um importante
meio de auxílio para quem quiser aprofundar o conhecimento do nosso
teatro quinhentista, em toda a sua dimensão, formal, ideológica,
pedagógica, parenética.
José Ribeiro Ferreira, num texto que revela o profundo
conhecimento que possui dos nossos poetas, expôs o tema d' "O mito de
Narciso na poesia contemporânea", em autores como Sebastião da Gama,
Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, José Gomes Ferreira, João Maia, Miguel
Torga e Nuno Júdice, entre outros, para concluir que o mito de Narciso
não é apenas o símbolo da autocontemplação estéril, mas pode também
exprimir a doação aos outros, assim como pode servir de interlocutor do
sujeito poético, ou transmitir ainda o esforço da descoberta interior e da
introspecção.
Finalmente, na comunicação de Amadeu Torres, "Intertexto clássico
e parcimónia mitológica em Frei Heitor Pinto", encontramos uma
deliciosa leitura de Frei Heitor Pinto e da Imagem da Vida Cristã à luz
das respectivas referências mitológicas. Embora o próprio Frei Heitor
Pinto refira, no início da sua obra, mais de 500 citações clássicas, entre
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RffMÕEL
muitas mais retiradas da patrística e da Sagrada Escritura, a conclusão
de Amadeu Torres é que existiu realmente alguma parcimónia no emprego
mitonímico, se bem que o autor se tenha mostrado um teólogo moralista
e asceta cristão nada fundamentalista, antes aberto a todo o contributo
positivo e psicagógico da gentilidade. Mesmo assim, ali se encontra uma
leitura de Orfeu e de Eurídice, de Prometeu, ou dos trabalhos de
Hércules. As razões da alegada parcimónia relacionam-se certamente com
a necessidade de prevenir os incómodos da Inquisição e do primeiro Rol
dos Livros defesos, publicado em Lisboa em 1561.
«Se ainda hoje são tão numerosas as abordagens da mitologia e se
esta suscita tanto interesse», como escrevia Victor Jabouille (p. 43) «é
porque os mitos continuam activos.» Cumpriu-se assim o grande
objectivo do simpósio: reflectir sobre a perenidade da cultura clássica,
num dos elementos mais fecundos que a constituem, o mito.
Margarida Miranda
O'NEILL S.I., Charles ; DoMINGUEZ S.I., Joaquin Maria, dir. - Diccionario Histórico
de la Compania de Jesus: biográficotemático. Roma: Institutum Historicum Societatis
Iesu; Madrid: Universidad Pontifícia Comillas, 2001. 4 vol.
Depois do rigor historiográfico a que a Companhia de Jesus nos
tem habituado na abordagem da sua própria história — com a edição de
importantes obras de apurado rigor científico, como a colecção documentai
dos Monumento. Histórica Societatis Iesu nas suas diversas séries, ou as
histórias da Companhia de Jesus nas diferentes nações, ou ainda a
Bibliothèque des écrivains de la Compagnie de Jesus, actualmente com 12
volumes, ou a Bibliographie sur 1'Histoire de la Compagnie de Jesus do P.
Lászlo Polgár, em 6 tomos (1981-1990), além da publicação anual de
uma bibliografia histórica, na revista Archivum Historicum Societatis Iesu
(AHSI) — eis que surge enfim uma obra há muito esperada, fruto de um
incansável trabalho de centenas de investigadores (cerca de 700): o
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JtaNSQB
Diccionario Histórico de la Compania de Jesus (vol. I-IV). Foi seu primeiro
director o P. O'Neill, a quem sucedeu, em 1993, o P. Joaquin Maria
Domínguez, os únicos investigadores referidos na capa desta obra. Entre
os restantes colaboradores, Portugal contou com o árduo trabalho do P.
José Vaz de Carvalho, que teve a incumbência, entre outras, de tratar da
província portuguesa e dos jesuítas portugueses que trabalharam nas várias
partes do mundo.
A equipa de redacção do Dicionário teve o cuidado de actualizar a
versão final dos vários artigos, uma vez que o ambicioso projecto (datado
de 1977) demorou cerca de 25 anos a concretizar-se.
A obra inclui mais de 6000 entradas, em 4.100 páginas: 5637
biografias (que incluem personagens defuntas até 1990), 138 artigos gerais
respeitantes às nações onde a Companhia esteve presente, e 328 sobre
outros temas, considerados pertinentes para uma melhor compreensão da
história dos Jesuítas.
As biografias constituem portanto o conteúdo essencial desta obra
colectiva, e contemplam jesuítas e não jesuítas, sem esquecer os egressos,
e todos aqueles que tiveram alguma relação significativa com a história da
Companhia de Jesus. De cada personagem se estabelece, além da
biografia, uma breve cronologia do nascimento, morte, entrada na
Companhia, sacerdócio e últimos votos, cronologia fundamentada em
inúmeras pesquisas em repertórios bibliográficos, bem como nos Arquivos
da Cúria e nos catálogos das diversas províncias. Cada artigo remete
ainda para uma bibliografia essencial actualizada, tendo em conta a vasta
produção científica dos últimos anos de investigação.
Deste precioso instrumento ao serviço dos investigadores,
actualmente em língua espanhola, esperam-se agora, nos próximos anos,
as traduções em diversas línguas. Ele representará certamente o início de
um novo capítulo na historiografia da Companhia, sempre vinculada às
suas próprias fontes documentais primárias, mas dotada agora de uma
forma sintética do conhecimento, que tornará o seu saber sem dúvida
mais acessível.
Espera-se ainda a publicação, à parte, de um volume que virá a ser
também extremamente útil aos investigadores de diversas áreas científicas,
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RHINSõEL
e que consistirá num conjunto de mapas históricos da Companhia e
numa relação geral dos respectivos domicílios.
Margarida Miranda
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