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RECENSÕES

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Page 1: RECENSÕES · ALCALDE MARTIN, Carlos, El mito de Leda en la Antigiiedad, Madrid, Ediciones Clásicas, 2001, 104 p. Este estudo de Carlos Alcaide Martin, publicado nos Supplementa

RECENSÕES

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RKBBOB.

JEFFREY WALKER, Rhetoric and Poetics in Antiquity, Oxford University Press,

2000, 396 pp.

O estudo de W inscreve-se na linha de discussão do esquema

genológico de matriz aristotélica. Já Quintiliano1 contesta o critério

distintivo dos TéXr), para defender o concurso de matérias nos três géneros

retóricos. Entre os estudiosos modernos, Pernot, Rountree, Sullivan e

Anible2 são alguns dos que se dedicaram ao estudo deste assunto.

O objecto de estudo de W. é o género epidíctico. A este propósito,

Pernot e Rountree defendem que, de entre os dois subgéneros estipulados

por Aristóteles, o (Jjoyoc; não corresponde a um tipo de discurso

sistematicamente actualizado, com uma estrutura retórica específica, e

que, por isso, foi aduzido pelo Estagirita para equilibrar o esquema

genológico de três géneros, cada um com dois subgéneros opostos entre

si. Por seu lado, W. considera o género epidíctico para além da forma

restrita do eTTCUVOÇ e do dJÓyoç/. Para tanto, adopta uma perspectiva

alargada que alcançou depois dos séculos de conceptualização — V e IV

- e que submete à designação de epidícticos todos os tipos de texto

produzidos para um contexto e um receptor externos ao enquadramento

prático institucionalizado.

A partir da dicotomia entre èmSeucriKÓv e TrpaypaTiKÓy, o autor

contraria a tendência actual para definir o primeiro por mera oposição

ao último, de acordo com o critério da ausência de funcionalidade prática.

Neste sentido, acentua a dimensão ideológica, interventiva e persuasiva

do discurso epidíctico, com base no carácter paradigmático do conteúdo

e na elaboração estética da forma. A sua função é, segundo W., a exibição

suasória que conduz o receptor, sucessivamente, à contemplação, à reflexão

e à formação de opiniões e desidérios aos níveis filosófico, social, ético e

1 Inst.3A.l6.

2 PERNOT, L., La Rhétoríque de I'Eloge dans le Monde Gréco-Romain, I—II, Paris,

Institut d'Etudes Augustiniennes, 1993; ROUNTREE, C , "The (almost) blameless genre

of classical greek epideictic", Rhetorka 19 3 2001 293-305; SULLIVAN, D. L. and ANIBLE,

C , "The epideictic dimension of Galatians as formative rhetoric: the inscription of early

christian community", Rhetorka 18 2 2000 117-145.

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cultural, uma vez que é elaborado sobre os códigos axiológicos básicos

da sociedade em que é produzido. Por isso, afirma-se como uma entidade

capaz de consolidar, influenciar e modificar compor tamentos e

mentalidades.

Estas conclusões levam o autor a defender que a verdadeira forma

primária da retórica não se encontra nas assembleias e nos tribunais

gregos, mas no género epidíctico, de onde emanam os códigos do

conteúdo e da forma que os géneros deliberativo e judicial utilizam para

tornar os seus discursos mais eficazes nos contextos práticos.

Estes princípios teóricos, apresentados nos dois primeiros capítulos,

são desenvolvidos numa terceira parte da obra, em que W. analisa textos

da lírica grega arcaica de autores como Píndaro, Alceu e Safo, para

demonstrar a sua poderosa vertente argumentativa e interventiva.

O livro de W. oferece aos estudiosos da genologia do discurso uma

convidativa reflexão teórica, que se destaca pela perspectiva inovadora da

história da retórica e pela reabilitação do 'terceiro género', por vezes

desfavorecido na atenção de autores antigos e modernos.

Carla Susana Vieira Gonçalves

ALCALDE MARTIN, Carlos, El mito de Leda en la Antigiiedad, Madrid,

Ediciones Clásicas, 2001, 104 p.

Este estudo de Carlos Alcaide Martin, publicado nos Supplementa

Mediterraiiea das Ediciones Clásicas, pretende traçar a evolução do mito

de Leda na Antiguidade, com recurso às fontes literárias e artísticas em

geral. O Autor considera o mito da mãe dos Dioscuros um dos que

alcançou maior êxito na arte grega e romana, factor que encontra

correspondência nos textos. O tema de Leda está presente na Literatura

Grega desde os textos mais antigos conhecidos até ao final da Antiguidade;

nas artes plásticas, surge em peças que datam do período que vai do

século VI a.C. ao V d.C. Razões que parecem justificar uma hermenêutica

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RECENSõES.

desta natureza.

Os dois aspectos estudados assentam sobretudo na aventura com

Zeus, metamorfoseado em forma de cisne, particularmente tratado a

partir do século V a .C , e na relação da heroína da mitologia com os

filhos: Castor, Pólux e Helena. Essencialmente estes três, uma vez que a

presença de Clitemnestra ou outros é menos frequente e por isso

praticamente negligenciada pelo Autor. Teria sido interessante uma

justificação desse promenor, que todavia não faz.

O Autor elabora primeiro uma biografia da figura, que passa pela

origem da lenda, considerada obscura, pela genealogia da personagem, pelo

seu casamento, pelo episódio do encontro com Zeus e pela descendência.

Daqui destaca-se a discussão em torno da maternidade de Helena de Tróia,

em que junto a Leda surge a figura de Némesis como candidata (pp. 27-

43). Para o efeito de conjunto, são analisados passos dos Poemas Homéricos,

de Hesíodo, Estesícoro, Alceu, Ibico, Helânico, Píndaro, Górgias, Euripides,

Aristófanes, Isócrates, Teócrito, Apolodoro, Plutarco, Pausânias e da Antologia

Palatina. Notamos, contudo, a ausência do tratamento dos textos latinos.

Ainda que o tema não seja frequente, ele surge em Propércio I, 13, 30 e em

Ovídio, Amores I, 3, 21-22, por exemplo. Partindo então da sistematização

feita nesta primeira parte, Alcalde Martin passa à analise do mito nas

representações plásticas, recorrendo às publicações feitas pelo Lexicon

Iconograpbicum Mythologiae Classicae (p. 8).

Enquanto a primeira parte se baseou fundamentalmente em fontes

gregas, a segunda percorre igualmente as fontes romanas. Aproveitando a

classificação anteriormente feita, o Autor usa os mesmos critérios e tipologias

para analisar as expressões iconográficas. Verifica-se assim que o mito foi

representado na cerâmica, através da pintura; nos objectos de metal, através

da gravação; e na pedra, através do relevo e da escultura propriamente dita.

Em cada um destes suportes, Carlos Alcaide descortina ainda vários tipos

de representação, escolhidos de acordo com o modo como as personagens

são «encenadas», havendo uma relação directa entre conteúdo e formas.

Conclui-se assim que o motivo do encontro com Zeus em forma de

cisne é o mais recorrente, sendo especialmente tratado no período helenístico,

de acordo com o gosto «barroquizante» da época. Além disso, Leda surge

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fundamentalmente como uma figura secundária, em que as atenções se

centram sobretudo nos filhos, em particular os Dioscuros e Helena. Há

ainda algumas referências a uma hermenêutica do mito, feita através do

nome da personagem (em que «Leda» é lido como «mulher», em lício, p.

90), que a considera uma figura religiosa primordial, cujo simbolismo se

reforça com a introdução do ovo, também ele um elemento das origens, e

com a ligação a Zeus, entendida como uma hierogamia. Uma das fragilidades

do trabalho parece ser precisamente o fraco investimento feito neste tipo de

exegese. Contudo, parece não ter sido também esse o seu objectivo. Carlos

Alcaide prefere apontar a sua investigação para os dados tal como aparecem

já cristalizados na cultura grega, prescindindo do aprofundamento do tema

das suas origens. Embora com o mito de Leda e o cisne se anunciem os

temas da zoofilia e do totemismo na cultura clássica, a sua hermenêutica

fica também por explorar. Aliás, cremos que estas perspectivas só poderão

ser devidamente abordadas num estudo de conjunto que inclua igualmente

os mitos de Europa e Pasífae.

Por fim, o Autor alude ainda, sem que no entanto desenvolva, à

pervivência do mito na Idade Média e no Renascimento, citando o exemplo

do seu tratamento por Miguel Ângelo. O livro é ainda enriquecido com

uma breve bibliografia e índices de autores, personagens e toponímico.

Nuno Simões Rodrigues

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BARRETT, Anthony A., Livia. Fisrt Lady of Imperial Rome, New Haven/

London, Yale University Press, 2002, 425 p.

Quase um século depois de H. Willrich ter escrito uma das mais

importantes biografias completamente dedicadas a Lívia, a primeira

imperatriz de Roma {Livia, Leipzig und Berlin, 1911), é dado à estampa

este estudo de A.A. Barrett, professor de Clássicas da Universidade British

Columbia. O Autor é já conhecido por outros estudos biográficos no

domínio da História Clássica {Caligula. The Corruption of Power, London,

ReCENSÓFiL

Routledge, 1989 e Agrippina. Sister of Caligula, Wife of Claudius, Mother

of Nero, London, 1996), pelo que este trabalho insere-se praticamente

num plano de investigação que abrange figuras-chaves do século I

romano.

Lembrando o já mítico desempenho de Sian Phillips no papel da

imperatriz, na adaptação televisiva do /, Claudius de Graves, que de al«um

modo fundou para o mundo contemporâneo uma iconografia de Lívia,

Barrett retoma o tema na posição privilegiada do historiador do século

XXI, que tem ao seu dispor mais fontes e documentos que o dos inícios

do século XX, e volta a salientar a importância desta personalidade,

figura paradigmática da História, quer pela sua intervenção política, quer

por aspectos de natureza diferente, como a sua longevidade atípica para

a época: viveu de 58 a.C. a 29 d.C.

O estudo divide-se em três partes. A primeira, «The Life of Livia»,

aborda essencialmente os aspectos biográficos: origem familiar,

casamentos, acessão ao poder e configuração como imperatriz. A segunda

parte, «Livian Themes», aborda pricipalmente o papel sócio-político de

Lívia Drusila, exprimindo e articulando analítica e historiograficamente

o que as fontes sugerem. Aquela a quem Gaio Calígula terá chamado

«Ulisses de saias» (Suet., Cal. 23) e posteriormente chamada Júlia Augusta

é aqui estudada na perspectiva da eficaz acção de bastidores, mas também

na destemida actuação pública e declarada da femina politica, com especial

incidência na sua função enquanto esposa e mãe de imperadores. Neste

sentido, a análise de Barrett reencontra-se com a metodologia usada na

biografia que escreveu de Agripina Menor. Ainda dentro desta rubrica,

merece especial atenção o estudo de Lívia enquanto patrona e protectora.

A terceira parte do livro é composta por 19 apêndices, que incluem a

listagem e discussão das fontes literárias, epigráficas, iconográficas,

numismáticas e papirológicas disponíveis para o estudo do tema. Talvez

seja esta a melhor parte do livro, que contrasta com outras, por vezes

demasiado acrílicas e bastante próximas da paráfrase dos textos antigos.

Os apêndices completam-se com pequenas digressões e análises, com

que se pretende esclarecer problemas historiográficos pontuais e onde o

historiador exerce mais claramente o seu papel crítico, a que se excusa

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por vezes ao longo do corpo da obra. São exemplos os números 4 , «Liviás

Name»; 10, «The Conspiracy of Cornelius Cinna»; 1 1 , «The Celebrat ion

of Livia's Marriage»; 13, «The Title Augusta in the Jul io-Claudian Period»;

14, «Antónia as Augusta»; e 19, «Agrippina and Livia in A D 28-29».

Livia colmata assim u m a lacuna, ainda que dispuséssemos de alguns

estudos sobre esta figura, que, no en tanto , ou se debruçavam

essencialmente sobre aspectos iconográficos (e.g., E. Bartman, Portraits

of Livia: Imaging the Imperial Woman in Augustan Rome, Cambridge,

1999; S. Wood, Imperial Women. A Study in Public Images, 40 BC-AD

68, Leiden, 1999) ou se integravam em projectos mais abrangentes {e.g.

M.J. Randour, Figures de femmes romaines dans les Annales de Tacite,

Louvain, 1954). É por isso de louvar a iniciativa de Barrett, pela

importância historiográfica que a figura em causa representa, para o

domínio da História Política, Social, das Mentalidades ou até, da

«recente» História das Mulheres, e por um estudo cuja falta se fazia já

sentir. A obra é enriquecida com uma bibliografia quase exaustiva sobre

o tema, 29 ilustrações com iconografia essencial da imperatriz, 4 mapas,

2 árvores genealógicas dos ramos da família de Lívia, 1 cronologia e

índice remissivo.

Nuno Simões Rodrigues

ACTAS D O / SYMPOSIVM CLASSICVM BRACARENSE.

A MITOLOGIA CLáSSICA E A SUA RECEPçãO NA LITERATURA PORTUGUESA,

UNIVERSIDADE CATóLICA PORTUGUESA, FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA, 2000

Depois das Actas do I Congresso Internacional — Humanismo

novilatino e pedagogia: gramática, criações maiores e teatro, uma edição do

Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Filosofia de Braga, de 1999,

o mesmo Centro publicou, em 2000, o volume correspondente às Actas

do / Symposium Classicum Bracarense.

Como o próprio título indica, este livro reúne as comunicações

364

RECENSÕES-

apresentadas por um distinto elenco de conferencistas com o objectivo

de reflectir sobre a perenidade da cultura clássica, aquela que permanece

além dos ventos da opinião e da moda, como recorda o prefácio, assinado

pelo Doutor António Maria Martins Melo, coordenador do volume.

O livro conta com a participação de Maria Helena da Rocha

Pereira, Victor Jabouille, Manuel Losa, Nair de Nazaré Castro Soares,

José Ribeiro Ferreira e Amadeu Torres. Os textos dos dois primeiros

autores ("Enigmas em volta do mito" e "Histórias que a memória conta.

Os Antigos, os Modernos e a Mitologia Clássica") reflectem, de modos

diferentes, sobre a noção de mi to , com uma visão informada,

documentada e crítica, sustentada sobre diversos exemplos da mitologia

grega e oriental — babilónica, fenícia, sumério-acádia. O primeiro,

"Enigmas em volta do mito", de Maria Helena da Rocha Pereira,

estabelece, com um clarividente poder de síntese, uma breve história da

complexa evolução deste género de estudos, ou seja, das diversas teorias

em volta do mito, dos diversos modos de considerar o mesmo fenómeno,

desde Homero, Píndaro, Platão e os Sofistas, até ao contributo das diversas

áreas do saber (da História comparada das religiões, da etnologia, da

sociologia, da filosofia do conhecimento, da arqueologia, da linguística,

da psicologia, entre outras) para o aclarar da noção de mito e da respectiva

operacionalidade.

O segundo texto, de Victor Jabouille ("Histórias que a memória

conta. Os Antigos, os Modernos e a Mitologia Clássica") expõe, com

extraordinária clareza, uma breve história dos diversos modos de ler os

mitos e de os utilizar, desde os filósofos e os próprios poetas da Antiguidade

até aos nossos dias, passando pelo Cristianismo nascente, pela Idade Média,

o século XVI e o Humanismo, bem como as épocas moderna e

contemporânea. Evidenciam-se autores como Luís de Camões e Fernando

Pesoa, mas também Boccacio e Pico delia Mirandola, André de Resende,

Eça de Queirós, Almeida Garrett, Bernardo Santareno, António José da

Silva, Augusto Abelaira, entre outros. Para terminar, o autor mostra ainda

diversas formas que actualmente concretizam o interesse pela mitologia

clássica no nosso quotidiano, desde as mais simples designações na

conversação quotidiana até à literatura e às artes plásticas.

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Manuel Losa revisitou o sempre interessante mito de Eros e Psique

na narrativa de O Burro de Ouro (IV, 28 - VI, 24) de Apuleio, para

concluir considerando a fecundidade artística daquele mito, desde a

Antiguidade até aos nossos dias, e evocando Fernando Pessoa e o seu

poema Amor e Psique, publicado em 1942 na revista Presença,

O texto de Nair Nazaré Castro Soares, "Mito, imagens e motivos

clássicos na poesia trágica renascentista em Portugal" , tem a

particularidade de tratar o terna do mito numa área do saber mais rara

entre nós, mas de grande pertinência para o assunto em causa: a produção

dramática renascentista. A autora aborda dramaturgos como Buchanan,

Aires Vitória, Giorgio Trissino, Giraldi Cinzio, Diogo de Teive, Miguel

Venegas, entre outors.O teatro renascentista, de inspiração religiosa ou

profana e de intenção pedagógica, está profundamente modelizado pela

dout r inação clássica. As próprias personagens bíblicas são tão

perfeitamente assimiladas às categorias do humanismo que incarnam

verdadeiras personagens senequianas — o autor que mais influenciou os

dramaturgos renascentistas. A leitura desta comunicação é um importante

meio de auxílio para quem quiser aprofundar o conhecimento do nosso

teatro quinhentista, em toda a sua dimensão, formal, ideológica,

pedagógica, parenética.

José Ribeiro Ferreira, num texto que revela o profundo

conhecimento que possui dos nossos poetas, expôs o tema d' "O mito de

Narciso na poesia contemporânea", em autores como Sebastião da Gama,

Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, José Gomes Ferreira, João Maia, Miguel

Torga e Nuno Júdice, entre outros, para concluir que o mito de Narciso

não é apenas o símbolo da autocontemplação estéril, mas pode também

exprimir a doação aos outros, assim como pode servir de interlocutor do

sujeito poético, ou transmitir ainda o esforço da descoberta interior e da

introspecção.

Finalmente, na comunicação de Amadeu Torres, "Intertexto clássico

e parcimónia mitológica em Frei Heitor Pinto", encontramos uma

deliciosa leitura de Frei Heitor Pinto e da Imagem da Vida Cristã à luz

das respectivas referências mitológicas. Embora o próprio Frei Heitor

Pinto refira, no início da sua obra, mais de 500 citações clássicas, entre

366

RffMÕEL

muitas mais retiradas da patrística e da Sagrada Escritura, a conclusão

de Amadeu Torres é que existiu realmente alguma parcimónia no emprego

mitonímico, se bem que o autor se tenha mostrado um teólogo moralista

e asceta cristão nada fundamentalista, antes aberto a todo o contributo

positivo e psicagógico da gentilidade. Mesmo assim, ali se encontra uma

leitura de Orfeu e de Eurídice, de Prometeu, ou dos trabalhos de

Hércules. As razões da alegada parcimónia relacionam-se certamente com

a necessidade de prevenir os incómodos da Inquisição e do primeiro Rol

dos Livros defesos, publicado em Lisboa em 1561.

«Se ainda hoje são tão numerosas as abordagens da mitologia e se

esta suscita tanto interesse», como escrevia Victor Jabouille (p. 43) «é

porque os mitos continuam activos.» Cumpriu-se assim o grande

objectivo do simpósio: reflectir sobre a perenidade da cultura clássica,

num dos elementos mais fecundos que a constituem, o mito.

Margarida Miranda

O'NEILL S.I., Charles ; DoMINGUEZ S.I., Joaquin Maria, dir. - Diccionario Histórico

de la Compania de Jesus: biográficotemático. Roma: Institutum Historicum Societatis

Iesu; Madrid: Universidad Pontifícia Comillas, 2001. 4 vol.

Depois do rigor historiográfico a que a Companhia de Jesus nos

tem habituado na abordagem da sua própria história — com a edição de

importantes obras de apurado rigor científico, como a colecção documentai

dos Monumento. Histórica Societatis Iesu nas suas diversas séries, ou as

histórias da Companhia de Jesus nas diferentes nações, ou ainda a

Bibliothèque des écrivains de la Compagnie de Jesus, actualmente com 12

volumes, ou a Bibliographie sur 1'Histoire de la Compagnie de Jesus do P.

Lászlo Polgár, em 6 tomos (1981-1990), além da publicação anual de

uma bibliografia histórica, na revista Archivum Historicum Societatis Iesu

(AHSI) — eis que surge enfim uma obra há muito esperada, fruto de um

incansável trabalho de centenas de investigadores (cerca de 700): o

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JtaNSQB

Diccionario Histórico de la Compania de Jesus (vol. I-IV). Foi seu primeiro

director o P. O'Neill, a quem sucedeu, em 1993, o P. Joaquin Maria

Domínguez, os únicos investigadores referidos na capa desta obra. Entre

os restantes colaboradores, Portugal contou com o árduo trabalho do P.

José Vaz de Carvalho, que teve a incumbência, entre outras, de tratar da

província portuguesa e dos jesuítas portugueses que trabalharam nas várias

partes do mundo.

A equipa de redacção do Dicionário teve o cuidado de actualizar a

versão final dos vários artigos, uma vez que o ambicioso projecto (datado

de 1977) demorou cerca de 25 anos a concretizar-se.

A obra inclui mais de 6000 entradas, em 4.100 páginas: 5637

biografias (que incluem personagens defuntas até 1990), 138 artigos gerais

respeitantes às nações onde a Companhia esteve presente, e 328 sobre

outros temas, considerados pertinentes para uma melhor compreensão da

história dos Jesuítas.

As biografias constituem portanto o conteúdo essencial desta obra

colectiva, e contemplam jesuítas e não jesuítas, sem esquecer os egressos,

e todos aqueles que tiveram alguma relação significativa com a história da

Companhia de Jesus. De cada personagem se estabelece, além da

biografia, uma breve cronologia do nascimento, morte, entrada na

Companhia, sacerdócio e últimos votos, cronologia fundamentada em

inúmeras pesquisas em repertórios bibliográficos, bem como nos Arquivos

da Cúria e nos catálogos das diversas províncias. Cada artigo remete

ainda para uma bibliografia essencial actualizada, tendo em conta a vasta

produção científica dos últimos anos de investigação.

Deste precioso instrumento ao serviço dos investigadores,

actualmente em língua espanhola, esperam-se agora, nos próximos anos,

as traduções em diversas línguas. Ele representará certamente o início de

um novo capítulo na historiografia da Companhia, sempre vinculada às

suas próprias fontes documentais primárias, mas dotada agora de uma

forma sintética do conhecimento, que tornará o seu saber sem dúvida

mais acessível.

Espera-se ainda a publicação, à parte, de um volume que virá a ser

também extremamente útil aos investigadores de diversas áreas científicas,

368

RHINSõEL

e que consistirá num conjunto de mapas históricos da Companhia e

numa relação geral dos respectivos domicílios.

Margarida Miranda

369