recurso repetitivo stj - concentre scoring

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.419.697 - RS (2013/0386285-0) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : BOA VISTA SERVIÇOS S/A ADVOGADOS : FLÁVIO PEREIRA LIMA E OUTRO(S) GIANMARCO COSTABEBER E OUTRO(S) RECORRIDO : ANDERSON GUILHERME PRADO SOARES ADVOGADOS : LISANDRO GULARTE MORAES E OUTRO(S) DEIVTI DIMITRIOS PORTO DOS SANTOS FABIANO GARCIA SEVERGNINI IVI ANDRÉIA PORTO DOS SANTOS INTERES. : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE" ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL INTERES. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS - "AMICUS CURIAE" ADVOGADOS : LEANDRO ALVARENGA MIRANDA E OUTRO(S) NIVAL MARTINS DA SILVA JÚNIOR INTERES. : SERASA S/A - "AMICUS CURIAE" ADVOGADOS : ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVEIRA SÉRGIO BERMUDES E OUTRO(S) FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI INTERES. : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS FEBRABAN - "AMICUS CURIAE" ADVOGADO : ANTONIO CARLOS DE TOLEDO NEGRAO E OUTRO(S) INTERES. : IDV - INSTITUTO PARA DESENVOLVIMENTO DO VAREJO - "AMICUS CURIAE" ADVOGADO : ARIEL ROCHA ZVOZIAK EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRÉDITO. SISTEMA “CREDIT SCORING”. COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL. I – TESES: 1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Página 1 de 44

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Recurso Repetitivo STJ - Concentre Scoring

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  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.419.697 - RS (2013/0386285-0)

    RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINORECORRENTE : BOA VISTA SERVIOS S/A ADVOGADOS : FLVIO PEREIRA LIMA E OUTRO(S)

    GIANMARCO COSTABEBER E OUTRO(S)RECORRIDO : ANDERSON GUILHERME PRADO SOARES ADVOGADOS : LISANDRO GULARTE MORAES E OUTRO(S)

    DEIVTI DIMITRIOS PORTO DOS SANTOS FABIANO GARCIA SEVERGNINI IVI ANDRIA PORTO DOS SANTOS

    INTERES. : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE"

    ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL INTERES. : CONFEDERAO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS -

    "AMICUS CURIAE"ADVOGADOS : LEANDRO ALVARENGA MIRANDA E OUTRO(S)

    NIVAL MARTINS DA SILVA JNIOR INTERES. : SERASA S/A - "AMICUS CURIAE"ADVOGADOS : ANDR LUIZ SOUZA DA SILVEIRA

    SRGIO BERMUDES E OUTRO(S) FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI

    INTERES. : FEDERAO BRASILEIRA DE BANCOS FEBRABAN - "AMICUS CURIAE"

    ADVOGADO : ANTONIO CARLOS DE TOLEDO NEGRAO E OUTRO(S)INTERES. : IDV - INSTITUTO PARA DESENVOLVIMENTO DO VAREJO -

    "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : ARIEL ROCHA ZVOZIAK

    EMENTA

    RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRDITO. SISTEMA CREDIT SCORING. COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL.

    I TESES:1) O sistema credit scoring um mtodo desenvolvido para avaliao do risco de concesso de crdito, a partir de modelos estatsticos, considerando diversas variveis, com atribuio de uma pontuao ao consumidor avaliado (nota do risco de crdito).2) Essa prtica comercial lcita, estando autorizada pelo art. 5, IV,

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  • Superior Tribunal de Justia

    e pelo art. 7, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo).3) Na avaliao do risco de crdito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteo do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da mxima transparncia nas relaes negociais, conforme previso do CDC e da Lei n. 12.414/2011.4) Apesar de desnecessrio o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histrico de crdito), bem como as informaes pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilizao do sistema credit scoring, configurando abuso no exerccio desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidria do fornecedor do servio, do responsvel pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrncia de danos morais nas hipteses de utilizao de informaes excessivas ou sensveis (art. 3, 3, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crdito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.

    II CASO CONCRETO:1) No conhecimento do agravo regimental e dos embargos declaratrios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvrsia;2) Inocorrncia de violao ao art. 535, II, do CPC.3) No reconhecimento de ofensa ao art. 267, VI, e ao art. 333, II, do CPC.4) Acolhimento da alegao de inocorrncia de dano moral "in re ipsa".5) No reconhecimento pelas instncias ordinrias da comprovao de recusa efetiva do crdito ao consumidor recorrido, no sendo possvel afirmar a ocorrncia de dano moral na espcie.6) Demanda indenizatria improcedente.

    III NO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL E DOS EMBARGOS DECLARATRIOS, E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

    ACRDO

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  • Superior Tribunal de Justia

    Vistos e relatados estes autos em que so partes as acima indicadas, decide a Egrgia SEGUNDA Seo do Superior Tribunal de Justia, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente a demanda indenizatria, e no conhecer do agravo regimental e dos embargos declaratrios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvrsia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Para os efeitos do artigo 543-C do Cdigo de Processo Civil foram definidas as seguintes teses: "1) O sistema credit scoring um mtodo desenvolvido para avaliao do risco de concesso de crdito, a partir de modelos estatsticos, considerando diversas variveis, com atribuio de uma pontuao ao consumidor avaliado (nota do risco de crdito). 2) Essa prtica comercial lcita, estando autorizada pelo art. 5, IV, e pelo art. 7, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliao do risco de crdito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteo do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da mxima transparncia nas relaes negociais, conforme previso do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4) Apesar de desnecessrio o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histrico de crdito), bem como as informaes pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilizao do sistema credit scoring, configurando abuso no exerccio desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidria do fornecedor do servio, do responsvel pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrncia de danos morais nas hipteses de utilizao de informaes excessivas ou sensveis (art. 3, 3, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crdito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados".

    Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurlio Bellizze, Moura Ribeiro, Joo Otvio de Noronha e Raul Arajo votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Consignadas as presenas dos Drs. FLVIO PEREIRA LIMA, pela Recorrente BOA VISTA SERVIOS S/A; LEONARDO BORCHARDT, pelo Recorrido ANDERSON GUILHERME PRADO SOARES; ERASTO VILLA VERDE DE CARVALHO FILHO, pelo amicus curiae BANCO CENTRAL DO BRASIL S/A; LEANDRO ALVARENGA MIRANDA, pelo amicus curiae CONFEDERAO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS e SERGIO BERMUDES, pelo amicus curiae SERASA S/A.

    Braslia, 12 de novembro de 2014. (Data de Julgamento)

    MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator

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  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.419.697 - RS (2013/0386285-0)RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINORECORRENTE : BOA VISTA SERVIOS S/A ADVOGADOS : FLVIO PEREIRA LIMA E OUTRO(S)

    GIANMARCO COSTABEBER E OUTRO(S)

    RECORRIDO : ANDERSON GUILHERME PRADO SOARES ADVOGADOS : LISANDRO GULARTE MORAES E OUTRO(S)

    DEIVTI DIMITRIOS PORTO DOS SANTOS

    FABIANO GARCIA SEVERGNINI

    IVI ANDRIA PORTO DOS SANTOS

    INTERES. : BANCO CENTRAL DO BRASIL BACEN - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL INTERES. : CONFEDERAO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS -

    "AMICUS CURIAE"ADVOGADOS : LEANDRO ALVARENGA MIRANDA E OUTRO(S)

    NIVAL MARTINS DA SILVA JNIOR

    INTERES. : SERASA S/A - "AMICUS CURIAE"ADVOGADOS : ANDR LUIZ SOUZA DA SILVEIRA

    SRGIO BERMUDES E OUTRO(S)

    FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI

    INTERES. : FEDERAO BRASILEIRA DE BANCOS FEBRABAN - "AMICUS CURIAE"

    ADVOGADO : ANTONIO CARLOS DE TOLEDO NEGRAO E OUTRO(S)INTERES. : IDV - INSTITUTO PARA DESENVOLVIMENTO DO VAREJO -

    "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : ARIEL ROCHA ZVOZIAK

    RELATRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

    Trata-se de recurso especial afetado ao rito do art. 543-C do Cdigo de

    Processo Civil para a consolidao do entendimento desta Corte sobre a "a

    natureza dos sistemas de scoring (SCPC SCORE CRDITO) e a possibilidade

    de violao a princpios e regras do Cdigo de Defesa do Consumidor capaz de

    gerar indenizao por dano moral".

    No caso dos autos, BOA VISTA SERVIOS S/A insurge-se contra

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  • Superior Tribunal de Justia

    acrdo do Tribunal de Justia do Estado de Rio Grande do Sul, assim

    ementado:

    AGRAVO EM APELAO CVEL. APELAES CVEIS. Responsabilidade civil. Ao cominatria de obrigao de fazer cumulada com indenizatria por dano moral. SCPC SCORE CRDITO. ILEGALIDADE DO SERVIO. DIREITO INFORMAO. VIOLAO. VALOR DA INDENIZAO. MAJORAO. HONORRIOS ADVOCATCIOS. REDUO DO PERCENTUAL FIXADO NA SENTENA. abusiva a prtica comercial de utilizar dados negativos dos consumidores, para lhe alcanar uma pontuao, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem dvidas, este sistema no um mero servio ou ferramenta de apoio e proteo aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar direitos fundamentais, afrontando toda a sistemtica protetiva do consumidor, que inegavelmente se sobrepe proteo do crdito. Reconhecer a ilicitude deste servio no significa uma forma de proteo aos mal pagadores. Estes j contam com seu nome inscrito nos rgos de proteo ao crdito, cujos dados podem ser utilizados livremente pelas empresas. O que no possvel a utilizao de registros pessoais dos consumidores, para formar um novo sistema de probabilidade de inadimplemento, sem informar claramente aos interessados e a toda sociedade quais so exatamente as variveis utilizadas e as razes pelas quais uma pessoa classificada como com alta probabilidade de inadimplncia e outra com baixa probabilidade de inadimplncia. A falta de transparncia e de clareza desta ferramenta incompatvel com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na forma com que utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados na inicial, pois o consumidor que necessita do crdito, negado em face de sua pontuao, fica sem saber as razes pelas quais considerado propenso ao inadimplemento, restando frustrada legtima expectativa de ter acesso aos seus dados e a explicaes sobre a negativa do crdito. AGRAVO DESPROVIDO. (fl. 202)

    No recurso especial, interposto com fundamento na alnea a do

    permissivo constitucional, a recorrente apontou violao aos seguintes

    dispositivos:

    (I) art. 535, II, do CPC, porquanto o acrdo recorrido teria

    deixado de enfrentar pontos omissos relevantes para o deslinde da

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 5 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    causa;

    (II) art. 267, VI, do CPC, pois a recorrente seria parte

    ilegtima para figurar no polo passivo da demanda, visto que (i) no

    possui qualquer ingerncia sobre a tomada de decises nos

    estabelecimentos comerciais para os quais presta servios

    consultivos, no tendo influncia sobre a concesso ou no de

    crdito por determinadas empresas; (ii) o seu servio consiste em

    compilar dados cadastrais disponibilizados publicamente com

    cadastros de inadimplncia para que o comerciante decida se

    concede ou no crdito ao consumidor;

    (III) art. 333, II, do CPC, pois (i) restou comprovado que no

    responsvel pela negativao do crdito do consumidor, mas sim,

    o concedente do crdito, destinatrio dos seus servios; (ii) o SCPC

    SCORE CRDITO no possui qualquer relao com o cadastro

    positivo (consagrado pela Lei 12.414/2001), visto que no utiliza

    informaes positivas dos consumidores; (iii) adota parmetros

    similares aos de seguradoras de veculos, fornecendo dados

    estatsticos, baseados em critrios objetivos e de cincia de todos os

    envolvidos; (iv) no possvel falar na ocorrncia de dano "in re

    ipsa".

    Foram apresentadas contrarrazes s fls. 261/271.

    FERNANDO KLEBER DO CARMO interps agravo regimental a fls.

    612/636 contra a deciso que ampliou a suspenso para todas as aes em

    trmite e que ainda no tenham recebido soluo definitiva sobre tema objeto

    do presente recurso.

    Na deciso de fls. 1027/1028, determinei a realizao de audincia

    pblica, na data de 25/08/2014, com vistas a municiar a Corte com

    informaes indispensveis ao deslinde da controvrsia.Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 6 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    A fls. 1132/1134, proferi deciso tornando pblica a lista de habilitados a

    participar da audincia pblica.

    Indeferi o pedido de ingresso, na qualidade de amici curiae , do

    IBDConb (fls. 1140/1141) e da Unio (fls. 1187/1188), em razo do momento

    processual em que se encontrava o presente feito.

    No conheci, ainda, do agravo regimental interposto pelo IBDConb (fls.

    1187/1188)

    A Unio apresentou embargos de declarao (fls. 1246/1250), aduzindo

    razes para o deferimento do seu ingresso na qualidade de amicus curiae , bem

    como omisso da deciso com relao ao no cabimento de agravo regimental

    contra a deciso que indefere o pedido de habilitao.

    Foi realizada audincia pblica, conforme notas taquigrficas de fls.

    246/388, do expediente avulso.

    Os habilitados juntaram documentos s fls. 73/244 do expediente avulso.

    O Ministrio Pblico Federal opinou pelo desprovimento do recurso

    especial da CDL e pelo provimento dos demais recursos especiais.

    o relatrio.

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 7 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    RECURSO ESPECIAL N 1.419.697 - RS (2013/0386285-0)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

    Eminentes colegas. Consigno, inicialmente, que este um daqueles

    processos em cujo julgamento parte-se praticamente do zero, pois no tinha

    uma noo clara acerca do que seria o chamado credit scoring, ou

    simplesmente credscore.

    Aps a afetao do primeiro recurso especial, em face da provocao

    feita pelo NURER (Ncleo de Recursos Repetitivos e Repercusso Geral) do

    Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, informando a existncia de cerca de

    oitenta mil recursos a respeito desse tema, passei a receber advogados das

    partes interessadas em meu gabinete.

    Nessas audincias, constatei que havia uma grande celeuma acerca da

    prpria natureza do sistema score e do regime jurdico aplicvel por se tratar

    de um tema novo no cenrio jurdico.

    Por isso, aps determinar a subida de um segundo recurso especial (ao

    coletiva de consumo movida pelo Ministrio Pblico) sobre o mesmo tema,

    decidi realizar a audincia pblica no ms de agosto, cujas notas taquigrficas

    foram anexadas aos autos eletrnicos.

    Ressalto que a audincia pblica foi extremamente importante na

    formao do meu convencimento acerca das principais questes controvertidas

    a serem dirimidas para soluo da controvrsia posta no presente processo.

    Nesse ponto, os meus agradecimentos a todos os participantes da

    audincia pblica e a todas as pessoas que colaboraram para a sua realizao,

    especialmente aos colegas e aos servidores desta Casa.

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 8 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    Passo ao exame, preliminarmente, das questes incidentais suscitadas no

    curso da tramitao do presente recurso representantivo de controvrsia, tendo

    optado por faz-lo na data de hoje juntamente com o prprio recurso para

    agilizar o seu julgamento.

    Aps, analisarei a questo central controvertida devolvida ao

    conhecimento deste colegiado pelo recurso especial representantivo de

    controvrsia e, posteriormente, ser examinado individualmente o recurso

    especial interposto.

    a) Agravo regimental interposto por Fernando Kleber do Carmo:

    Inicio pelo agravo regimental interposto por Fernando Kleber do Carmo

    (fls. 612/636), o qual no parte no presente processo e se irresigna contra a

    deciso que ampliou a suspenso para todas as aes em trmite e que ainda

    no tenham recebido soluo definitiva sobre tema objeto do presente recurso.

    No conheo do agravo regimental por se tratar de recurso interposto por

    terceiro que no parte no presente processo.

    Ademais, ainda que fosse admitido, com o julgamento do presente caso

    como recurso representativo de controvrsia, seguindo o rito do art. 543-C, o

    agravo perde o seu objeto.

    b) Embargos de declarao interpostos pela Unio (fls. 1246/1250):

    Quanto aos embargos declaratrios opostos pela Unio, tenho que no

    devem ser conhecidos.

    Com efeito, a Unio tomou conhecimento da afetao do presente

    recurso em maro de 2014, conforme determinado no despacho de fl. 806.

    Posteriormente, houve ampla divulgao da realizao da audincia

    pblica, nos termos da deciso de fls. 1027/1028, com prazo para habilitao

    at o dia 05/08/2014.Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 9 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    Somente em 20/08/2014, a Unio apresentou pedido de ingresso no feito,

    na qualidade de amicus curiae.

    Portanto, entendi que, neste momento processual, no era hiptese de

    deferir o pedido, e nem admitir eventual recurso da deciso que o indeferiu.

    c) Pedido de desentranhamento de documentos:

    Com relao ao pedido da recorrente (fls. 1251/1252) de

    desentranhamento das peties da Unio e do Instituto Brasileiro de Defesa do

    Consumidor Bancrio - IBDConB, em razo do indeferimento do pedido de

    ingresso como amici curiae , indefiro o pedido.

    As manifestaes escritas ficam anexadas aos autos como contribuio

    para o exame pelo colegiado da temtica controvertida.

    d) Exame da controvrsia

    O objeto central dos dois recursos especiais representativos de

    controvrsia situa-se na avaliao da licitude do chamado credit scoring

    como sistema de avaliao do risco de concesso de crdito.

    Essa anlise ser desenvolvida nos seguintes tpicos:

    a) conceito de credit scoring;

    b) avaliao do risco de crdito nos contratos em geral;

    c) regulamentao dos arquivos de consumo pelo CDC;

    d) a Lei do Cadastro Positivo (Lei n. 12.414/2011);

    e) licitude do sistema credit scoring;

    f) limites: privacidade e transparncia;

    g) dano moral.

    1) Conceito de credit scoring

    O chamado credit scoring, ou simplesmente credscore, um sistema

    de pontuao do risco de concesso de crdito a determinado consumidor.

    Trata-se de um mtodo desenvolvido para avaliao do risco de Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 10 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    concesso de crdito, a partir de modelos estatsticos, considerando diversas

    variveis de deciso, com atribuio de uma nota ao consumidor avaliado

    conforme a natureza da operao a ser realizada.

    Aproveitando-se da facilidade contempornea de acesso aos bancos de

    dados disponveis no mercado via internet, algumas empresas desenvolveram

    frmulas matemticas para avaliao do risco de crdito, a partir de modelos

    estatsticos, considerando diversas variveis de deciso, atribuindo uma nota ao

    consumidor.

    As variveis de deciso so fatores que a experincia empresarial

    denotou como relevantes para avaliao do risco de retorno do crdito

    concedido. Cada uma dessas variveis recebe uma determinada pontuao,

    atribuda a partir de clculos estatsticos, formando a nota final.

    Consideram-se informaes acerca do adimplemento das obrigaes

    (histrico de crdito), assim como dados pessoais do consumidor avaliado

    (idade, sexo, estado civil, profisso, renda, nmero de dependentes, endereo).

    Por exemplo, no presente processo (Recurso Especial n. 1.419.697/RS),

    foi realizada a anlise do risco de crdito da parte autora, ora recorrida (fl. 21).

    Esclareceu-se, inicialmente, a metodologia de clculo do SCPC Score

    Crdito, dizendo-se o seguinte:

    O SCPC Score Crdito agrupa os consumidores em faixas de risco, tendo como parmetro o comportamento mdio esperado em termos de inadimplncia baseado no histrico de informaes de mercado compartilhadas em nossas bases. A pontuao do Score varia de 0 a 1.000 e indica menor risco para a concesso de crdito a medida que se aproxima de 1.000.

    Em seguida, atribuiu-se ao consumidor uma pontuao de 553,

    prestando-se, ainda, informaes de que no constaria nenhum registro de

    dbito, protesto, cheque ou ao civil para o documento avaliado.

    A polmica central do presente processo, devolvida ao conhecimento

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 11 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    desta Corte, situa-se exatamente na verificao da licitude desse mtodo de

    avaliao do risco de crdito.

    2) Avaliao do risco de crdito nos contratos em geral

    Relembre-se que, at hoje, antes da celebrao dos contratos tradicionais

    (v.g. compra e venda de um imvel), em um perodo pr-contratual,

    realizada pelos interessados uma avaliao recproca da idoneidade da outra

    parte e de sua capacidade financeira de honrar o negcio jurdico a ser

    celebrado.

    Essa avaliao do risco de celebrao do contrato envolve um

    conhecimento da pessoa do outro contratante, do objeto do contrato e do

    prprio contedo do contrato a ser celebrado, fazendo-se, assim, uma anlise

    recproca do risco do negcio a ser celebrado (risco do crdito).

    Nos contratos de consumo, realizados em uma sociedade marcada pela

    massificao e pelo anonimato, os mtodos tradicionais de avaliao do crdito

    passaram a se mostrar inadequados.

    Recorde-se que, antes da disseminao da internet como sistema de

    comunicao, previamente celebrao de um contrato de compra e venda de

    um eletrodomstico em uma loja, era preenchida uma ficha cadastral com

    pedido de concesso de crdito, com a indicao das informaes comerciais

    do interessado para avaliao de seu risco de crdito diretamente pelo lojista.

    Essa ficha cadastral era arquivada pela prpria empresa, formando o seu

    cadastro de clientes.

    No comrcio, passou a ser sentida a necessidade de um maior

    dinamismo na troca dessas informaes arquivadas nos cadastros de cada

    lojista.

    Em 1955, surge, em Porto Alegre, organizado pela Cmara de Dirigentes

    Lojistas (CDL), o primeiro banco de dados para integrao dessas Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 12 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    informaes, sendo denominado de Servio de Proteo ao Crdito (SPC) do

    Brasil. Posteriormente, foram criados em outros Municpios brasileiros,

    atingindo-se o expressivo nmero de 1600 CDLs instaladas em todo o Brasil.

    Com a facilidade de conexo pela internet, formou-se o SPC-Brasil, em

    2002, administrando um imenso banco de dados com alguns milhes de

    registros, transformando-se em Rede Nacional de Informaes Comerciais

    (RENIC).

    No setor privado, algumas empresas passaram a explorar

    economicamente o servio de proteo ao crdito, com destaque para a Serasa

    Experian, com cerca de 50 anos de atuao no mercado brasileiro.

    No setor pblico, o Banco Central do Brasil possui bancos de dados de

    proteo ao crdito, incluindo o CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques), o

    CADIN (Cadastro Informativo dos Crditos de rgos e Entidade Federais no

    Quitados) e o CRC (Cadastro de Risco de Crdito). Enquanto os dois primeiros

    cadastros trabalham com informaes negativas, o ltimo atua tambm como

    um cadastro positivo de crdito.

    Em funo disso, em 1990, quando elaborado o Cdigo de Defesa e

    Proteo do Consumidor (CDC), uma das preocupaes foi com o controle

    dos arquivos de consumo.

    3) Regulamentao dos arquivos de consumo pelo CDC

    Os cadastros de devedores e os bancos de dados de proteo ao crdito,

    como modalidades de arquivos de consumo, receberam uma ateno especial

    do legislador do CDC, tendo sido devidamente regulamentados pelo art. 43 da

    Lei 8078/90 (CDC), nos seguintes termos:

    Art. 43. O consumidor, sem prejuzo do disposto no art. 86, ter acesso s informaes existentes em cadastros, fichas, registros e dados

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 13 de 44

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    pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

    1 Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fcil compreenso, no podendo conter informaes negativas referentes a perodo superior a cinco anos.

    2 A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo dever ser comunicada por escrito ao consumidor, quando no solicitada por ele.

    3 O consumidor, sempre que encontrar inexatido nos seus dados e cadastros, poder exigir sua imediata correo, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias teis, comunicar a alterao aos eventuais destinatrios das informaes incorretas.

    4 Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os servios de proteo ao crdito e congneres so considerados entidades de carter pblico.

    5 Consumada a prescrio relativa cobrana de dbitos do consumidor, no sero fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteo ao Crdito, quaisquer informaes que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crdito junto aos fornecedores.

    Ressalte-se que o CDC no restringiu sua regulamentao aos cadastros

    ou bancos de dados de informaes negativas (arquivos negativos), embora

    tenham-se tornado os mais comuns no mercado at poucos anos atrs (SPC,

    Serasa etc.).

    A regulamentao legal englobou, como modalidades de arquivos de

    consumo, os cadastros de devedores e os bancos de dados de proteo ao

    crdito, apesar de prestarem servios diferentes, conforme lembra Herman

    Benjamin, ao fazer a seguinte distino:

    Partilhando afinidades com os bancos de dados, os cadastros de consumidores deles se apartam em pelo menos trs pontos.

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 14 de 44

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    Primeiro, a permanncia das informaes acessria, j que o registro no um fim em si mesmo, estando a manuteno dos dados vinculada ao interesse comercial atual ou futuro, mas sempre direto e particularizado, do arquivista em relao ao cliente cadastrado.

    Segundo, tampouco funcionam os cadastros pigmentados pela aleatoriedade na coleta das informaes. Exatamente porque o universo subjetivo que move o arquivista coincide com aquele da sua prpria atuao empresarial (arquivista e fornecedor no so agentes econmicos diversos, confundindo-se na mesma pessoa), os 'cadastrveis' tendem a ser delimitados, isto , normalmente associados a um grupo pequeno de consumidores, efetivos ou potenciais. Em oposio prtica dos bancos de dados, comum, uma vez que o consumidor deixe de transacionar com a empresa, a excluso de seu nome do cadastro mantido.

    Por derradeiro, os cadastros orientam-se pela transmissibilidade intrnseca ou interna, circulando e beneficiando somente ou preponderantemente o arquivista, que, como h pouco notamos, no um terceiro, mas o fornecedor mesmo, sujeito de direito de relao jurdica de consumo. (BENJAMIN, Antnio Herman de Vasconcellos et al. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007, p. 432).

    O microssistema brasileiro de proteo do consumidor inseriu-se na

    preocupao mundial com a proteo da privacidade do consumidor ensejada

    pelo desenvolvimento da informtica, embora, no incio da dcada de noventa,

    a internet ainda fosse incipiente no Brasil.

    Herman Benjamin, um dos autores do Anteprojeto do CDC na

    Comisso presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, lembra que uma

    das fontes de inspirao foi a Fair Credit Reporting Act (1970), dos Estados

    Unidos, cuja exposio de motivos consignava que os servios de proteo ao

    crdito vem assumindo papel vital no reunir e avaliar o crdito de

    consumidores e outras informaes sobre eles, mas concluindo no sentido de

    que h uma necessidade de assegurar que esses servios de proteo ao

    crdito exercitem suas graves responsabilidades com equidade, imparcialidade e Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 15 de 44

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    respeito pelo direito privacidade do consumidor (BENJAMIN, Antnio

    Herman de Vasconcellos et al. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor

    Comentado pelos Autores do Anteprojeto . Rio de Janeiro: Forense

    Universitria, 1998, p. 328).

    Com efeito, a Fair Credit Reporting Act (1970) passou a regular a

    atuao dos chamados credit bureaus , que estavam no mercado

    norte-americano desde o final do Sculo XIX, atendendo a inmeras

    reclamaes acerca dos excessos cometidos na coleta dos dados: informaes

    excessivamente subjetivas (v.g. estilo de vida), incompletas, inexatas e, at

    mesmo, obtidas de forma ilcita.

    Essa lei sofreu modificaes em 1996 pela Consumer Reporting Reform

    Act e, em 2003, pela Fair and Accurate Credit Transactions Act.

    Na Europa, aps anos de debates, foi editada pela Unio Europia a

    Diretiva 46/95, de 24/10/1995, estatuindo o modelo europeu de proteo dos

    dados pessoais e consagrando a proteo de dados pessoais como integrante

    dos direitos fundamentais do cidado.

    A caracterstica do sistema europeu, a partir da edio da Diretiva 46/95,

    uma regulamentao sistematizada e coordenada, disciplinando os mais

    variados bancos de dados pblicos e privados, inclusive os referentes

    proteo ao crdito. Alm de uma autoridade autnoma, vinculada a Unio

    Europia, com poderes de fiscalizao e sano, cada Estado-membro deve

    tambm possuir autoridades responsveis pela fiscalizao dos bancos de dados

    em geral.

    Embora os sistemas europeu e norte-americano sejam diferentes,

    apresentam pontos em comum, lembrados por Leonardo Roscoe Bessa

    (Cadastro Positivo: comentrios Lei 12.414/2011. So Paulo: Editora

    Revista dos Tribunais, 2011, p. 59):

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 16 de 44

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    Apesar dessas diferenas estruturais, possvel identificar parmetros de consenso na definio de alguns direitos e limites no tratamento de dados pessoais. Ambos os modelos estabelecem o direito de acesso s informaes pessoais, a possibilidade de se exigir retificao dos dados inexatos, a ideia de que os dados devem ser colhidos e utilizados para finalidades legtimas e previamente identificadas, a exigncia de que os dados devem ser verdadeiros, atualizados, objetivos, relevantes, no excessivos. Acrescentem-se, ainda, o princpio de que o tratamento de dados devem observar limites temporais, bem como o princpio da segurana, vale dizer, devem ser adotadas medidas de segurana para impedir o acesso no autorizado aos dados......

    Sem opo explcita por qualquer modelo, os parmetros indicados foram absorvidos pelo legislador brasileiro, ao menos no que concerne ao tratamento de informaes pelos bancos de dados de proteo ao crdito, cuja regulamentao se d a partir de dilogo entre o Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e a Lei 12.414/2011.

    Esse o contexto em que deve ser situada a regulamentao procedida,

    em 1990, pelo CDC e, em 2011, pela Lei n. 12.414/2011, denominada de lei

    do cadastro positivo.

    Ressalte-se que o CDC, em seu art. 43, bem como a lei do cadastro

    positivo no probem os arquivos de consumo (cadastros e bancos de dados),

    estabelecendo apenas normas para o seu controle.

    Alis, os bancos de dados e os cadastros negativos receberam pleno

    reconhecimento pela jurisprudncia do STJ, desde o seu incio, merecendo

    lembrana a referncia feita pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jnior no

    julgamento do Recurso Especial n. 22.337/RS, evidente o benefcio que

    dele decorre em favor da agilidade e da segurana das operaes comerciais,

    assim como no se pode negar ao vendedor o direito de informar-se sobre o

    crdito do seu cliente na praa, e de repartir com os demais os dados de que

    dele dispe. (p. 25)

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 17 de 44

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    Naturalmente, conferindo-se efetividade ao CDC, consolidou-se a

    jurisprudncia do STJ no sentido da necessidade do controle, inclusive com a

    edio de vrias smulas acerca do tema, relembrando-se exemplificativamente

    alguns enunciados sumulares:

    Smula 323/STJ: A inscrio do nome do devedor pode ser mantida nos servios de proteo ao crdito at o prazo mximo de cinco anos, independentemente da prescrio da execuo.

    Smula 359/STJ: Cabe ao rgo mantenedor do Cadastro de Proteo ao Crdito a notificao do devedor antes de proceder inscrio.

    Smula 385/STJ: Da anotao irregular em cadastro de proteo ao crdito, no cabe indenizao por dano moral, quando preexistente legtima inscrio, ressalvado o direito ao cancelamento.

    Nos ltimos anos, esses cadastros de registros de informaes negativas

    passaram a ser questionados pelo mercado de consumo, pois, sinalizando

    apenas o mau pagador, no valorizam o bom consumidor, que cumpre

    corretamente as suas obrigaes.

    Assim, aps vrios anos de discusso, foi editada a Lei n. 12.414/2011,

    conhecida por lei do cadastro positivo.

    4) A Lei do Cadastro Positivo (Lei n. 12.414/2011)

    A Lei n. 12.414/2011 foi antecedida da Medida Provisria n 518, de

    30/12/2010, sendo denominada de lei do cadastro positivo por estatuir normas

    voltadas disciplina e consulta a bancos de dados com informaes de

    adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurdicas, para a formao de

    histrico de crdito.

    Na exposio de motivos da Medida Provisria, explicitou-se as

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    seguintes razes para a sua edio:

    2. Inicialmente, deve-se destacar que a formao do histrico de crdito de pessoas naturais e jurdicas permite o recebimento e o manuseio pelos bancos de dados no somente de informaes de inadimplemento, hoje j permitido e disciplinado pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, mas tambm de adimplemento (informaes positivas), que no apresentava um marco legal claro para sua utilizao. Com a coleta e disseminao de informaes sobre adimplemento, as pessoas podero se beneficiar do registro de pagamentos em dia de suas obrigaes, de modo a permitir a construo de seu histrico de crdito. Dessa forma, o mercado de crdito e de varejo poder diferenciar de forma mais eficiente os bons e os maus pagadores, com a consequente reduo do risco de crdito por operao, que permitir a reduo dos custos vinculados expanso do crdito de uma forma geral.

    3. Importa destacar, que a criao do histrico de crdito ser particularmente benfica para os bons pagadores de baixa renda, que em geral so percebidos pelo mercado como de alto risco, e, por isso, pagam as mais altas taxas de juros.

    4. Ao disciplinar a formao do histrico de crdito, esta medida provisria estabeleceu regras claras sobre as garantias e os direitos dos cidados em relao s suas informaes pessoais, de modo a permitir a adequada proteo da privacidade do cidado e possibilitar o tratamento de dados pessoais sob um patamar de licitude e boa-f. Os dados pessoais merecem uma tutela importante pelo ordenamento jurdico, pois eles representam a prpria pessoa e o seu tratamento influencia diretamente a sua vida, modelando e vinculando a sua privacidade e tambm as suas oportunidades, escolhas e possibilidades. A sua utilizao, portanto, deve ter como fundamento a autodeterminao de cada pessoa em relao utilizao de suas prprias informaes, permitindo que o cidado possa escolher livremente a sua entrada no cadastro, bem como o seu cancelamento.

    5. Quanto aos dispositivos desta medida provisria, deve-se destacar que o art. 1 define o escopo da medida e esclarece que os bancos de dados institudos ou mantidos por pessoas jurdicas de direito pblico interno, como o caso do Sistema de Informaes de Crdito SCR, do Banco Central do Brasil BCB, sero regidos por legislao especfica.

    6. O art. 2 conceitua os diversos elos que proporcionaro a construo

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    dos bancos de dados com informaes de adimplemento, delineia o entendimento sobre o que seria anotao e estabelece a amplitude das informaes que poderiam vir a compor o histrico de crdito.

    7. Com vistas a eliminar dvidas quanto legalidade do fornecimento de informao para composio dos bancos de dados com informaes de adimplemento, o caput do art. 3 e o 2 do art. 4 autorizam, respectivamente, os bancos de dados a armazenarem tais informaes e as fontes a fornec-las, desde que respeitadas as condies estabelecidas nesta medida provisria e na sua regulamentao. J o caput do art. 4 condiciona a abertura do cadastro prvia autorizao do potencial cadastrado.

    8. Buscando resguardar a privacidade do cadastrado e o uso indevido das informaes, o 1 do art. 3 estipula que as informaes armazenadas devem ser objetivas, claras, verdadeiras e de fcil compreenso, e devem se restringir quelas que sejam entendidas como necessrias para avaliar a situao econmica do cadastrado. Neste mesmo entendimento, o 3 do art. 3 disciplina que as informaes tidas como excessivas ou sensveis esto proibidas de serem anotadas.

    9. O 1 do art. 4 disciplina que, aps a abertura do cadastro, a anotao de informao de adimplemento em bancos de dados independe de autorizao e de comunicao ao cadastrado. Destaca-se que este um ponto de grande importncia para a viabilidade da construo dos bancos de dados com histrico de crdito, pois a exigncia de autorizao ou de comunicao para todas as anotaes implicaria assuno de custos operacionais e de logstica elevados por parte das empresas formadoras dos bancos de dados.

    10. O art. 5 explicita ao cadastrado os seus direitos, como o de:(i) obter o cancelamento do cadastro quando solicitado;(ii) acessar gratuitamente, a qualquer tempo, s informaes sobre ele existentes nos bancos de dados, inclusive o seu histrico, cabendo ao gestor destes manter sistemas seguros, por meio eletrnico ou telefone, de consulta para informar a existncia ou no de cadastro de informao de adimplemento de um respectivo cadastrado aos consulentes;(iii) solicitar impugnao de qualquer informao sobre ele erroneamente anotada em banco de dados e ter sua imediata correo ou cancelamento e comunicao aos bancos de dados para os quais houve compartilhamento da informao;(iv) conhecer os principais elementos e critrios considerados para a

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    anlise de risco, resguardado o segredo empresarial;(v) ser informado previamente sobre o armazenamento, a identidade do gestor do banco de dados, o objetivo do tratamento dos dados pessoais e os destinatrios dos dados em caso de compartilhamento;(vi) solicitar a reviso de deciso realizada exclusivamente por meios automatizados; e(vii) ter os seus dados pessoais utilizados somente de acordo com a finalidade para a qual eles foram coletados.

    11. Reforando as garantias dadas ao cadastrado, o art. 6 estabelece obrigaes aos gestores dos bancos de dados no fornecimento de informaes quele, com destaque para a cpia de texto contendo sumrio dos seus direitos, definidos em lei ou em normas infralegais pertinentes sua relao com bancos de dados, bem como a lista dos rgos governamentais aos quais poder ele recorrer, caso considere que esses direitos foram infringidos.

    12. O art. 7 disciplina que as informaes constantes do banco de dados somente podero ser utilizadas para realizao de anlise de risco de crdito do cadastrado e para subsidiar a concesso de crdito, a realizao de venda a prazo ou outras transaes comerciais e empresariais que impliquem risco financeiro ao consulente. Tais restries asseguram a no utilizao das informaes para realizao de outros fins que no os disciplinados na norma, como, por exemplo, telemarketing.

    13. Para estimular a disseminao e a maior disponibilizao de informaes no conjunto de banco de dados, o art. 8 permite, desde que expressamente autorizado pelo cadastrado, o compartilhamento e a troca de informaes entre os mesmos, bem como atribui a devida responsabilidade aos gestores dos bancos de dados, sejam eles quem anotou originalmente a informao ou no.

    14. Para evitar danos competio no sistema de bancos de dados, o art. 9 veda a exigncia de exclusividade no fornecimento de informaes ao banco de dados por uma determinada fonte.

    15. O art. 10 permite a incluso de informao sobre o cumprimento das obrigaes financeiras relativas aos servios de prestao continuada de gua, esgoto, eletricidade, gs e telecomunicaes, vedando-se, entretanto, a anotao de informao de servio de telefonia mvel. Importa destacar que a possibilidade de registro de tais informaes de suma importncia para as pessoas de menor poder

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    aquisitivo, que tm enorme dificuldade de acesso a linhas de crdito, seja pela falta de comprovao de renda regular, seja pela inexistncia de bens para oferecimento como garantia. A excluso das informaes sobre telefonia mvel se deve a dois fatores: em primeiro lugar, a relao entre os consumidores e as operadoras muito instvel, havendo comumente a troca de operadora, o que ser reforado com o advento da portabilidade do nmero; em segundo lugar, a grande maioria dos consumidores se utiliza da modalidade pr-paga, que para fins de formao do histrico de crdito no tem nenhuma utilidade, pois trata-se de uma compra a vista.

    16. Dado o volume de informaes j detidas pelas instituies financeiras e a importncia destas para a construo dos bancos de dados, estipula-se no art. 11 que as mesmas devem fornecer aos bancos de dados indicados as informaes relativas ao seu cliente, quando por ele solicitado. Desta forma, respeita-se o sigilo bancrio das informaes, que s podem ser repassada com autorizao do titular das mesmas, e assegura-se a possibilidade de acesso dos bancos de dados a um amplo conjunto de dados j constitudo e de grande qualidade.

    17. Face a necessidade de maior detalhamento dos temas disciplinados nesta medida provisria, o art. 12 atribui ao Poder Executivo competncia para regulament-la, em especial quanto ao uso, guarda, escopo e compartilhamento das informaes recebidas por bancos de dados, e quanto ao disposto no art. 5o.

    18. O art. 13 estipula o prazo de quinze anos para manuteno de informaes de adimplemento em banco de dados, o art.14 disciplina o conjunto de bancos de dados que pode ser acessado pelos consulentes e o art. 15 dispe que o banco de dados, a fonte e o consulente so responsveis objetiva e solidariamente pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado.

    19. Por fim, o art. 16 esclarece que nas situaes em que o cadastrado for consumidor, caracterizado conforme o Cdigo de Defesa do Consumidor, aplicam-se as sanes e penas previstas no Cdigo e abre-se a possibilidade de os rgos de proteo e defesa do consumidor criados pela Unio, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municpios, aplicarem medidas corretivas para determinar a obrigao de fazer aos bancos de dados.

    20. Em suma, com este conjunto de medidas, espera-se dotar o Pas de

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    um arcabouo legal que incentive a troca lcita de informaes pertinentes ao crdito e as transaes comerciais, reduzindo o problema da assimetria de informaes e proporcionando novos meios para reduo das taxas de juros e para ampliao das relaes comerciais, com a adequada proteo da privacidade das pessoas.Esses so os motivos, Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica, pelos quais submetemos elevada considerao de Vossa Excelncia o anexo projeto de medida provisria.

    Fica claro, assim, que uma das principais preocupaes da Lei n.

    12.414/2011 a tutela do consumidor em vrios aspectos relevantes, inclusive

    a proteo da sua honra e privacidade.

    O mercado adaptou-se ao novo estatuto legal, servindo de exemplo a

    Central de Risco do Banco Central, que passou a se denominar Sistema de

    Informaes de Crdito do Banco Central (SCR).

    Nesse contexto normativo, deve ser avaliada a licitude do sistema credit

    scoring.

    5) Licitude do sistema credit scoring e seus limites

    A avaliao da licitude do sistema credit scoring deve partir da

    premissa de que no se trata de um cadastro ou banco de dados de

    consumidores, mas de uma metodologia de clculo do risco de crdito,

    utilizando-se de modelos estatsticos e dos dados existentes no mercado

    acessveis via internet.

    Constitui, em sntese, uma frmula matemtica ou uma ferramenta

    estatstica para avaliao do risco de concesso do crdito.

    Sua origem um trabalho elaborado por David Durand, em 1941,

    denominado Risk Elements in Consumer Installment Financing, em que foi

    desenvolvida a tcnica estatstica de anlise discriminante para distinguir os

    bons e os maus emprstimos, atribuindo-se pesos diferentes para cada uma das

    variveis escolhidas para execuo do seu mtodo, que foi denominado credit Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 23 de 44

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    scoring (AMORIM NETO, Antnio Alves, e CARMONA, Charles Ulisses de

    Montreuil. Modelagem do risco de crdito: um estudo do segmento de

    pessoas fsicas em um banco de varejo . Programa de Ps-Graduao da

    UFPE. REAd, ed. 40, vol. 10, n. 4, jul-ago 2004, p. 4).

    A partir da dcada de sessenta, esse sistema de pontuao de crdito

    passou a ser amplamente utilizado nos EUA nas operaes de crdito ao

    consumidor, especialmente nas concesses de carto de crdito.

    No Brasil, a preocupao com a administrao do risco de crdito

    incrementa-se aps 1994, em face do controle da inflao ensejado pelo Plano

    Real e da ampliao do crdito concedido para pessoas fsicas.

    A Lei n. 12.414/2011 faz meno expressa aos sistemas de anlise do

    risco de crdito em pelo menos dois momentos:

    Art. 5 - So direitos do consumidor cadastrado:...IV - conhecer os principais elementos e critrios considerados para a anlise do risco de crdito , resguardado o segredo empresarial).

    Art. 7 - As informaes disponibilizadas nos bancos de dados somente podero ser utilizadas para:I realizao de anlise de risco de crdito do cadastrado ;

    Assim, essa nova prtica comercial lcita, mas deve respeito aos

    princpios basilares do sistema jurdico brasileiro de proteo do consumidor,

    desenvolvido no sentido da tutela da privacidade e da exigncia da mxima

    transparncia nas relaes negociais, partindo do Cdigo Civil, passando pelo

    CDC e chegando-se a Lei n. 12.414/2011.

    6) Privacidade:

    No aspecto relativo privacidade, devem ser respeitados os direitos

    fundamentais previstos no art. 5, X, da Constituio Federal (X so

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    inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

    assegurado o direito de indenizao pelo dano material e moral decorrente de

    sua violao), com especial destaque para os direitos de personalidade

    regulamentados pelo Cdigo Civil de 2002 (artigos 11 a 21), estatuindo-se o

    seguinte:

    Art. 11. Com exceo dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade so intransmissveis e irrenunciveis, no podendo o seu exerccio sofrer limitao voluntria.

    Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaa, ou a leso, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuzo de outras sanes previstas em lei.

    Art. 21. A vida privada da pessoa natural inviolvel, e o juiz, a requerimento do interessado, adotar as providncias necessrias para impedir ou fazer cessar ato contrrio a esta norma.

    Adriano de Cupis, em sua obra clssica denominada Os Direitos da

    Personalidade, anota que a personalidade, se no se identifica com os direitos

    e com as obrigaes jurdicas, constitui precondio deles, ou seja, o seu

    fundamento e pressuposto, acrescendo que os direitos da personalidade so

    aqueles destinados a dar contedo personalidade humana, como a vida, a

    integridade fsica, a liberdade, a honra, a vida privada (DE CUPIS, Adriano.

    Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 200, pp. 21 e 23).

    Por serem direitos inerentes prpria personalidade, apresentam como

    caractersticas a instransmissibilidade, a indisponibilidade e a irrenunciabilidade,

    consoante expresso no art. 11 do CC/2002. Constituem direitos essenciais,

    sem os quais a personalidade restaria uma suscetibilidade completamente

    irrealizada e sem os quais os demais direitos subjetivos perderiam interesse

    para o indivduo, tendo sido qualificados como direitos inatos ou naturais pela

    Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789.

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 25 de 44

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    Modernamente, os direitos da personalidade passaram a ser regulados,

    de forma crescente, pelas principais codificaes civis europeias, com destaque

    para os Cdigos Civis da Alemanha ( 12), Itlia (arts. 5 a 10) e Portugal,

    sendo que o CC portugus de 1966, em seus artigos 70 a 81, conferiu-lhes uma

    ampla proteo, iniciando-se por uma clusula geral de tutela dos direitos da

    personalidade, verbis:

    Art. 70 (tutela geral da personalidade): 1. A lei protege os indviduos contra qualquer ofensa ilcita ou ameaa de ofensa sua personalidade fsica ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaada ou ofendida pode requerer as providncias adequadas s circunstncias do caso, com o fim de evitar a consumao da ameaa ou atenuar os efeitos da ofensa j cometida.

    No tendo sido suficiente essa regulamentao no seio das codificaes

    civis para a sua efetiva proteo, como evidenciaram as atrocidades cometidas

    ao longo da Segunda Guerra Mundial, foram elevados para o patamar

    constitucional, passando a ser arrolados entre os direitos fundamentais nas

    principais constituies contemporneas, com especial destaque para Itlia

    (1947) e Alemanha (1949), que abrem suas cartas constitucionais com a

    exigncia de respeito dignidade da pessoa.

    Paulo Luiz Netto Lbo (Danos morais e direito da personalidade.

    Revista Trimestral de Direito Civil , Rio de Janeiro: Padma, v. 2, n. 6,

    abr./jun. 2001) anota que no devem ser confundidos direitos fundamentais e

    direitos da personalidade, pois nem todos os direitos fundamentais so direitos

    da personalidade, como ocorre com as garantias constitucionais, que no so

    inatas pessoa, mas conquistas externas (p. 85).

    Capelo de Sousa (CAPELO DE SOUSA, Rabindrath V. A. O Direito

    Geral de Personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 581), analisando

    os direitos de personalidade e os direitos fundamentais, observa que:

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 26 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    A afinidade emerge da parcial sobreposio ao nvel da pessoa humana de dois planos jurdico-gnoseolgicos: o do direito civil, onde se fundam os direitos da personalidade, e o do direito constitucional, donde irradiam os direitos fundamentais.

    E, aps distingui-los, conclui:

    Logo se concluir que, embora muitos e diversos direitos de personalidade sejam tambm direitos fundamentais, nem todos os direitos de personalidade constituem direitos fundamentais e, ao invs, nem todos os direitos fundamentais so direitos de personalidade.

    No Brasil, a proteo da honra e da privacidade constituem tanto direitos

    fundamentais contemplados no art. 5, X, da Constituio Federal, como

    direitos da personalidade, regulados pelos artigos 11 a 21 do Cdigo Civil.

    A preocupao com a proteo da privacidade comea nos EUA o final

    do Sculo XIX, obtendo uma sistematizao na Alemanha ao longo do Sculo

    XX.

    Em 1890, em Boston, Warren e Brandeis passam a discutir the right to

    be let alone (o direito de ser deixado s ou em paz), em seu artigo The Right to

    Privacy (WEINGARTNER NETO, Jaime. Honra, privacidade e Liberdade

    de Imprensa: uma pauta de justificao penal. Porto Alegre: Livraria do

    Advogado, 2002, p. 69.)

    A motivao foram os mexericos da imprensa acerca do salo de festas

    da esposa de Samuel Warren, elegante dama da sociedade, filha de senador e

    esposa de advogado renomado. Em 1902, a Corte local rejeitou, por maioria de

    quatro votos a trs, a alegao de violao intimidade. Os fundamentos

    essenciais para o reconhecimento da privacy so a I Amendment (liberdade de

    expresso e de imprensa), IV Amendment (proteo das pessoas, domicilio e

    correspondncia contra no razoveis buscas e intervenes) e VI Amendment

    (devido processo legal).

    Apesar da derrota judicial, a tese teve boa recepo pela opinio pblica

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 27 de 44

  • Superior Tribunal de Justia

    americana e a privacy foi acolhida, posteriormente, pelo Restatment (First) of

    Torts, em 1939, elaborado pelo American Law Institute (Seo 867 direito

    vida privada).

    Na Alemanha, a jurisprudncia, especialmente do Tribunal

    Constitucional Federal, ao longo do Sculo XX, a partir da Lei Fundamental de

    Bonn (art. 2.1), desenvolveu a noo de privacidade e intimidade como uma

    faceta do direito geral de personalidade, tendo como seu fundamento ltimo a

    prpria dignidade da pessoa humana.

    Protege-se a liberdade que assiste a cada pessoa de decidir quem e em

    que termos pode tomar conhecimento e ter acesso a espaos, eventos ou

    vivncias pertinentes respectiva rea de reserva (ANDRADE, Manoel da

    Costa. Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma perspectiva

    jurdico-criminal. Coimbra: Coimbra Editora, 1996) .

    Tradicionalmente, na jurisprudncia alem, a proteo da vida privada

    era analisada na perspectiva de trs graus ou esferas distintas: intimidade,

    privacidade e publicidade.

    A publicidade a rea de atuao pblica de cada pessoa, exposta ao

    interesse pblico em geral, e que, consequentemente, apresenta livre atuao

    pelos meios de comunicao em geral.

    A privacidade uma esfera intermediria, cuja proteo inversamente

    proporcional ao estatuto social da pessoa; assim, quanto mais pblica a pessoa,

    menor o grau de proteo.

    A intimidade o ltimo e inviolvel reduto da liberdade pessoal, que no

    pode ser devassada por mais pblica que seja a pessoa.

    Esses graus de proteo da vida privada serviram de referncia para a

    doutrina e para a jurisprudncia alem estabelecerem os limites da liberdade de

    imprensa, embora recentemente esses conceitos tenham sido revisitados.

    Note-se que honra e privacidade, abrangendo esta a vida privada e a Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 28 de 44

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    intimidade, so bens jurdicos distintos (ANDRADE, Manoel da Costa.

    Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma perspectiva

    jurdico-criminal. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 105).

    Nas ofensas contra a honra, h a imputao de fatos inverdicos ou no

    verdadeiros contra a pessoa ofendida (calunia, difamao, injuria).

    Nas ofensas contra a privacidade ou a intimidade, os fatos revelados ou

    devassados so verdadeiros, mas invadem indevidamente uma esfera protegida

    do indivduo.

    7) Transparncia e boa-f na prestao de informaes:

    O Cdigo de Defesa do Consumidor, em seu art. 4, ao traar os

    princpios reitores da poltica nacional das relaes de consumo, faz expressa

    referncia transparncia (caput) e boa-f (inciso III), que so

    complementares entre si.

    O princpio da transparncia busca estabelecer, na lio de Cludia Lima

    Marques, uma relao contratual mais sincera e menos danosa entre

    consumidor e fornecedor. E complementa: Transparncia significa

    informao clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a

    ser firmado, significa lealdade a respeito das relaes entre fornecedor e

    consumidor, mesmo na fase pr-contratual, isto , na fase negocial dos

    contratos de consumo (MARQUES, Cludia Lima. Contratos no Cdigo de

    Defesa do Consumidor . So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999,

    p.286).

    Lembra Cludia Lima Marques que transparncia no deixa de ser um

    reflexo da boa-f exigida aos agentes contratuais (op. cit., p. 343).

    O princpio da boa-f objetiva, devidamente positivado tanto no CDC

    (art. 4, III, e art. 51, IV), como no Cdigo Civil de 2002 (artigos 113, 187 e

    422), constitui um modelo de conduta social ou um padro tico de Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 29 de 44

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    comportamento, que impe, concretamente, a todo o cidado que, na sua vida

    de relao, atue com honestidade, lealdade e probidade.

    No deve ser confundido com a boa-f subjetiva (guten Glauben ), que

    o estado de conscincia ou a crena do sujeito de estar agindo em

    conformidade com as normas do ordenamento jurdico (v. g. posse de boa-f,

    adquirente de boa-f, cnjuge de boa-f no casamento nulo).

    O princpio da boa-f objetiva (Treu und Glauben ) foi consagrado pelo

    242 do BGB, estabelecendo simplesmente o seguinte:

    242. O devedor deve cumprir a prestao tal como exige a boa-f e os costumes do trfego social.

    A partir dessa clusula geral de boa-f, a doutrina alem desvendou esse

    novo princpio do sistema de direito privado.

    A boa-f objetiva (Treu und Glauben ) apresenta-se, em particular, como

    um modelo ideal de conduta, que se exige de todos os integrantes da relao

    obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da

    obrigao, que a sua finalidade.

    Almeida Costa, aps afirmar que a boa-f objetiva constitui um

    standard de conduta ou um padro tico-jurdico, esclarece que ela estabelece

    que os membros de uma comunidade jurdica devem agir de acordo com a

    boa-f, consubstanciando uma exigncia de adotarem uma linha de correo e

    probidade, tanto na constituio das relaes entre eles como no desempenho

    das relaes constitudas. E com o duplo sentido dos direitos e dos deveres em

    que as relaes jurdicas se analisam: importa que sejam aqueles exercidos e

    estes cumpridos de boa-f. Mais ainda: tanto sob o ngulo positivo de se agir

    com lealdade, como sob o ngulo negativo de no se agir com deslealdade

    (ALMEIDA COSTA, Mrio Jlio. Direito das Obrigaes. Coimbra:

    Almedina, 2009, p. 113 e segs.).

    A inexistncia, no Cdigo Civil brasileiro de 1916, de clusula geral Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 30 de 44

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    semelhante ao 242 do BGB ou a do art. 227, n. 1, do Cdigo Civil portugus

    no impediu que a boa-f passasse a ser reconhecida em nosso sistema jurdico

    por constituir um dos princpios fundamentais do sistema de direito privado.

    A jurisprudncia j vinha utilizando o princpio da boa-f objetiva para

    soluo de casos concretos.

    A partir do CDC, esse obstculo foi superado, pois a boa-f foi

    consagrada como um dos princpios fundamentais das relaes de consumo

    (art. 4, III) e como clusula geral para controle das clusulas abusivas (art. 51,

    IV).

    Assim, a partir de 1990, o princpio da boa-f foi expressamente

    positivado no sistema de direito privado brasileiro, podendo ser aplicado, com

    fundamento no art. 4 da LICC, a todos os demais setores.

    No Cdigo Civil de 2002, o princpio da boa-f objetiva foi

    expressamente contemplado, inserindo-se como expresso, conforme Miguel

    Reale, de sua diretriz tica. Exatamente a exigncia tica fez com que, por

    meio de um modelo aberto, fosse entregue hermenutica declarar o

    significado concreto da boa-f, cujos ditames devem ser seguidos desde a

    estipulao de um contrato at o trmino de sua execuo.

    Na relao obrigacional, a boa-f exerce mltiplas funes, desde a fase

    anterior formao do vnculo, passando pela sua execuo, at a fase

    posterior ao adimplemento da obrigao: interpretao das regras pactuadas

    (funo interpretativa), criao de novas normas de conduta (funo

    integrativa) e limitao dos direitos subjetivos (funo de controle contra o

    abuso de direito).

    Em sua funo interpretativa, prevista no art. 113 do Cdigo Civil

    brasileiro de 2002, a boa-f auxilia no processo de interpretao das clusulas

    contratuais. Colabora, dessa forma, para uma anlise objetiva das normas

    estipuladas no pacto.Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 31 de 44

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    Na sua funo de controle, limita o exerccio dos direitos subjetivos,

    estabelecendo para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de ater-se aos

    limites traados pela boa-f, sob pena de uma atuao antijurdica, consoante

    previsto pelo art. 187 do Cdigo Civil brasileiro de 2002.

    Evita-se, assim, o abuso de direito em todas as fases da relao jurdica

    obrigacional, orientando a sua exigibilidade (pretenso) ou o seu exerccio

    coativo (ao).

    Desenvolveram-se frmulas, sintetizadas em brocardos latinos, que

    indicam tratamentos tpicos de exerccios inadmissveis de direitos subjetivos,

    como a supressio (o no-exerccio de um direito durante longo tempo poder

    ensejar a sua extino), a tuo quoque (aquele que infringiu uma regra de

    conduta no pode postular que se recrimine em outrem o mesmo

    comportamento) e a venire contra factum proprium (exerccio de uma posio

    jurdica em contradio com o comportamento anterior do exercente).

    A funo integrativa da boa-f, tendo por fonte o art. 422 do Cdigo

    Civil brasileiro de 2002, permite a identificao concreta, em face das

    peculiaridades prprias de cada relao obrigacional, de novos deveres, alm

    daqueles que nascem diretamente da vontade das partes.

    Ao lado dos deveres primrios da prestao, surgem os deveres

    secundrios ou acidentais da prestao e, at mesmo, deveres laterais ou

    acessrios de conduta. Enquanto os deveres secundrios vinculam-se ao

    correto cumprimento dos deveres principais (v. g. dever de conservao da

    coisa at a tradio), os deveres acessrios ligam-se diretamente ao correto

    processamento da relao obrigacional (v. g. deveres de cooperao, de

    informao, de sigilo, de cuidado).

    O dever de informao constitui consectrio da funo integrativa da

    boa-f objetiva, tendo assumido cada vez maior importncia em nossa

    sociedade de consumo massificada. Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 32 de 44

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    A impessoalizao das relaes de consumo, envolvendo, de um lado,

    um fornecedor profissional e, de outro lado, um consumidor annimo, exigem

    o mximo de transparncia, sinceridade e lealdade entre as partes.

    Assim, a informao constitui um direito bsico do consumidor, que tem

    sua matriz no princpio da boa-f objetiva.

    O marketing agressivo e impessoal utilizado apenas como elemento de

    persuaso do consumidor aquisio de determinado produto ou servio.

    Ressaltam-se os seus aspectos positivos, relacionados sua utilidade e

    conforto, esquecendo-se o fornecedor de efetivamente informar os

    consumidores acerca da sua correta utilizao e dos riscos por eles ensejados

    pelos produtos e servios ofertados. Freqentemente, o consumidor deixa de

    ser alertado para os perigos oferecidos pelo produto adquirido.

    Por isso, a Carta de Proteo do Consumidor, elaborada pelo Conselho

    da Comunidade Europia, em 17/05/1973, elencou a informao como um dos

    direitos bsicos do consumidor.

    Em 16/04/1985, a Assemblia Geral das Naes Unidas expediu a

    Resoluo n. 30/248, que, entre as diretivas para proteo ao consumidor,

    estabelece a necessidade de amplo acesso a informao

    Em 1990, o CDC, seguindo a mesma linha, elencou, entre os direitos

    bsicos do consumidor, a informao adequada e clara sobre os diferentes

    produtos e servios, com especificao correta de quantidade, caractersticas,

    composio, qualidade e preo, bem como sobre os riscos que apresentem

    (art. 6, III).

    No Brasil, como pas em vias de desenvolvimento, a necessidade de

    prestao de informaes claras pelos fornecedores assume um relevo especial,

    em face do grande nmero de pessoas analfabetas ou com baixo nvel de

    instruo inseridas no mercado de consumo.

    As informaes devem ser prestadas em linguagem de fcil Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 33 de 44

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    compreenso, enfatizando-se, de forma especial, as advertncias em torno de

    situaes de maior risco.

    A legislao do consumidor, acompanhando a tendncia moderna do

    direito privado, acolheu amplamente o dever de informao do fornecedor em

    vrios momentos (art. 4, IV, art. 6, III, art. 8, art. 12, art. 14, art. 18, art.

    20, art. 31, art. 43, art. 46).

    Enfim, o consumidor deve ser informado clara e objetivamente acerca de

    todos os aspectos atinentes relao contratual desde o perodo pr-negocial,

    incluindo dever de mxima transparncia dos arquivos de consumo.

    8) Privacidade e transparncia nos arquivos de consumo

    O CDC e a Lei n. 12.414/2011 tiveram clara preocupao em proteger a

    privacidade do consumidor e assegurar o mximo de transparncia nos

    arquivos de consumo em geral.

    O CDC, em seu art. 43, ao regular os arquivos de consumo, deixou

    expresso:

    a) direito de acesso do consumidor s informaes existentes sobre ele

    nesses cadastros e bancos de dados, alm das respectivas fontes;

    b) dever de clareza dos arquivos;

    c) direito de retificao de informaes incorretas;

    d) fixao de uma vida til para essas informaes (cinco anos).

    Na mesma linha, a lei do cadastro positivo regulamentou a matria,

    merecendo lembrana os principais deveres textualmente estabelecidos na Lei

    n 12.414/2011, em seu art. 3, verbis :

    Art. 3 Os bancos de dados podero conter informaes de adimplemento do cadastrado, para a formao do histrico de crdito, nas condies estabelecidas nesta Lei.

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 34 de 44

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    1 Para a formao do banco de dados, somente podero ser armazenadas informaes objetivas, claras, verdadeiras e de fcil compreenso, que sejam necessrias para avaliar a situao econmica do cadastrado.

    2 Para os fins do disposto no 1o, consideram-se informaes: I - objetivas: aquelas descritivas dos fatos e que no envolvam juzo de valor; II - claras: aquelas que possibilitem o imediato entendimento do cadastrado independentemente de remisso a anexos, frmulas, siglas, smbolos, termos tcnicos ou nomenclatura especfica; III - verdadeiras: aquelas exatas, completas e sujeitas comprovao nos termos desta Lei; e IV - de fcil compreenso: aquelas em sentido comum que assegurem ao cadastrado o pleno conhecimento do contedo, do sentido e do alcance dos dados sobre ele anotados.

    3 Ficam proibidas as anotaes de: I - informaes excessivas, assim consideradas aquelas que no estiverem vinculadas anlise de risco de crdito ao consumidor; e II - informaes sensveis, assim consideradas aquelas pertinentes origem social e tnica, sade, informao gentica, orientao sexual e s convices polticas, religiosas e filosficas.

    Essas limitaes previstas na lei do cadastro positivo podem ser

    sintetizadas em cinco deveres a serem cumpridos pelo fornecedor do servio:

    a) dever de veracidade;

    b) dever de clareza;

    c) dever de objetividade;

    d) vedao de informaes excessivas;

    e) vedao de informaes sensveis.

    Merecem especial destaque as informaes proibidas, que so as

    qualificadas como excessivas e sensveis.

    Leonardo Roscoe Bessa explica a vedao s informaes excessivas

    nos seguintes termos (op. cit. P. 93/94) :

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 35 de 44

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    A Lei 12.414/2011 veda o tratamento de informaes excessivas. Se pode ser verdadeiro que, sob a tica econmica, quanto mais informaes melhor pe a avaliao de crdito (more is better), para o direito, para proteo jurdica da privacidade, fundamental restringir, tanto no tempo, como na qualidade e quantidade, as informaes que circulam pelos bancos de dados de proteo ao crdito.

    A primeira forma de limitar a qualidade da informao que circula em arquivos de consumo exigir que ela esteja vinculada ao propsito especfico do banco de dados. Os dados coletados devem ser visivelmente teis para os objetivos especficos do arquivo. Se no atenderem a esse pressuposto, a coleta e o tratamento da informao devem ser considerados ilegais, ilegtimos e ofensivos privacidade (art. 5, X, da CF).

    A redao do inc. I do 3 atende justamente a essa preocupao, pois consideram-se informaes excessivas aquelas que no estiverem vinculadas anlise de risco de crdito ao consumidor.

    Antes mesmo da edio da Lei 12.414/2011, era possvel sustentar, em razo do ncleo essencial do direito privacidade (art, 5, X, da CF), que o tratamento de informaes excessivas ou desvinculadas das finalidades especficas dos arquivos de consumo seria inconstitucional. O dispositivo comentado positiva tal entendimento.

    De fato, para conferir significado mnimo inviolabilidade da privacidade, prevista tanto na Constituio Federal (art. 5, X) como no Cdigo Civil (art. 21), h que ser estabelecidas restries positivas. No se cuida de desconsiderar a possibilidade de restrio ou conformao de direito fundamental, mas do cuidado em preservar o ncleo essencial do direito. imprescindvel, no mbito da moderna concepo de proteo de dados, limitar tanto o contedo como a quantidade de informao que tratada pelas entidades de proteo ao crdito.

    A vedao de utilizao de dados sensveis busca evitar a utilizao

    discriminatria da informao, conforme claramente definido pelo legislador

    como aqueles pertinentes origem social e tnica, sade, informao

    gentica, orientao sexual e s convices polticas, religiosas e filosficas.

    Desse modo, no sistema jurdico brasileiro, encontram-se devidamente

    regulados tanto o dever de respeito privacidade do consumidor (v.g. Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 36 de 44

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    informaes excessivas e sensveis), como o dever de transparncia nessas

    relaes com o mercado de consumo (v.g. deveres de clareza, objetividade e

    veracidade).

    Alm disso, devem ser respeitadas as limitaes temporais para as

    informaes a serem consideradas, estabelecidas pelo CDC e pela Lei n.

    12.414/2011, que so de cinco anos para os registros negativos (CDC) e de

    quinze anos para o histrico de crdito (Lei n. 12.414/2011, art. 14).

    No caso especfico do credit scoring, devem ser fornecidas ao

    consumidor informaes claras, precisas e pormenorizadas acerca dos dados

    considerados e as respectivas fontes para atribuio da nota (histrico de

    crdito), como expressamente previsto no CDC e na Lei n 12.414/2011.

    O fato de se tratar de uma metodologia de clculo do risco de concesso

    de crdito, a partir de modelos estatsticos, que busca informaes em

    cadastros e bancos de dados disponveis no mercado digital, no afasta o dever

    de cumprimento desses deveres bsicos, devendo-se apenas ressalvar dois

    aspectos:

    De um lado, a metodologia em si de clculo da nota de risco de crdito

    (credit scoring) constitui segredo da atividade empresarial, cujas frmulas

    matemticas e modelos estatsticos naturalmente no precisam ser divulgadas

    (art. 5, IV, da Lei 12.414/2011: ..."resguardado o segredo empresarial).

    De outro lado, no se pode exigir o prvio e expresso consentimento do

    consumidor avaliado, pois no constitui um cadastro ou banco de dados, mas

    um modelo estatstico.

    Com isso, no se aplica a exigncia de obteno de consentimento prvio

    e expresso do consumidor consultado (art. 4).

    Isso no libera, porm, o cumprimento dos demais deveres estabelecidos

    pelo CDC e pela lei do cadastro positivo, inclusive a indicao das fontes dos

    dados considerados na avaliao estatstica, como, alis, est expresso no art. Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 37 de 44

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    5, IV, da prpria Lei n 12.414/2011 (So direitos do consumidor cadastrado

    ... conhecer os principais elementos e critrios considerados para a anlise do

    risco de crdito, resguardado o segredo empresarial).

    Assim, essas informaes, quando solicitadas, devem ser prestadas ao

    consumidor avaliado, com a indicao clara e precisa dos bancos de dados

    utilizados (histrico de crdito), para que ele possa exercer um controle acerca

    da veracidade dos dados existentes sobre a sua pessoa, inclusive para poder

    retific-los ou melhorar a sua performance no mercado.

    Devem ser prestadas tambm as informaes pessoais do consumidor

    avaliado que foram consideradas para que ele possa exercer o seu direito de

    controle acercas das informaes excessivas ou sensveis, que foram

    expressamente vedadas pelo art. 3, 3, I e II, da prpria Lei n 12.414/2011.

    No podem ser valoradas pelo fornecedor do servio de credit scoring

    informaes sensveis, como as relativas cor, opo sexual ou orientao

    religiosa do consumidor avaliado, ou excessivas, como as referentes a gostos

    pessoais, clube de futebol de que torcedor etc.

    Caracterizado abuso de direito pela utilizao de informaes sensveis,

    excessivas, incorretas ou desatualizadas, a responsabilidade civil pelos danos

    materiais e morais causados ao consumidor consultado ser objetiva e solidria

    do fornecedor do servio de credit scoring, do responsvel pelo banco de

    dados, da fonte e do consulente (art. 2 da lei do cadastro positivo), nos termos

    do art. 16 da Lei n. 12.414/2011, verbis:

    Art. 16. O banco de dados, a fonte e o consulente so responsveis objetiva e solidariamente pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado.

    Enfim, devem ser respeitados os limites traados pela legislao

    brasileira, especialmente pelo CDC e pela Lei n. 12.414/2011, no sentido da

    Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 38 de 44

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    proteo da privacidade do consumidor consultado e da mxima transparncia

    na avaliao do risco de crdito, sob pena de caracterizao de abuso de direito

    com eventual ocorrncia de danos morais.

    9) Dano moral

    A ltima questo a ser enfrentada diz com o reconhecimento da

    ocorrncia de dano moral nos casos de excesso na utilizao do sistema.

    No h dvida que o desrespeito regulamentao legal do sistema

    credit scoring, por constituir abuso no exerccio desse direito (art. 187 do

    CC), pode ensejar a ocorrncia de danos morais.

    A simples circunstncia, porm, de se atribuir uma nota insatisfatria a

    uma pessoa no acarreta, por si s, um dano moral, devendo-se apenas

    oportunizar ao consumidor informaes claras acerca dos dados utilizados

    nesse clculo estatstico.

    Entretanto, se a nota atribuda ao risco de crdito decorrer da

    considerao de informaes excessivas ou sensveis, violando sua honra e

    privacidade, haver dano moral in re ipsa.

    No mais, para a caracterizao de um dano extrapatrimonial, h

    necessidade de comprovao de uma efetiva recusa de crdito, com base em

    uma nota de crdito baixa por ter sido fundada em dados incorretos ou

    desatualizados.

    10) Teses sugeridas:

    1) O sistema credit scoring um mtodo desenvolvido para avaliao do risco de concesso de crdito, a partir de modelos estatsticos, considerando diversas variveis, com atribuio de uma pontuao ao consumidor avaliado (nota do risco de crdito).

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    2) Essa prtica comercial lcita, estando autorizada pelo art. 5, IV, e pelo art. 7, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo).

    3) Na avaliao do risco de crdito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteo do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da mxima transparncia nas relaes negociais, conforme previso do CDC e da Lei n. 12.414/2011.

    4) Apesar de desnecessrio o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histrico de crdito), bem como as informaes pessoais valoradas.

    5) O desrespeito aos limites legais na utilizao do sistema credit scoring, configurando abuso no exerccio desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidria do fornecedor do servio, do responsvel pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrncia de danos morais nas hipteses de utilizao de informaes excessivas ou sensveis (art. 3, 3, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crdito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.

    11) Anlise do Recurso Especial n. 1.419.697-RS:

    No recurso especial interposto pelo Banco Boa Vista, com fundamento

    na alnea a do permissivo constitucional, a recorrente apontou violao aos

    seguintes dispositivos legais:

    (I) art. 535, II, do CPC, porquanto o acrdo recorrido teria deixado de

    enfrentar pontos omissos relevantes para o deslinde da causa;

    (II) art. 267, VI, do CPC, pois a recorrente seria parte ilegtima para

    figurar no polo passivo da demanda, visto que (i) no possui qualquer

    ingerncia sobre a tomada de decises nos estabelecimentos comerciais para os

    quais presta servios consultivos, no tendo influncia sobre a concesso ou

    no de crdito por determinadas empresas; (ii) o seu servio consiste em

    compilar dados cadastrais disponibilizados publicamente com cadastros de

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    inadimplncia para que o comerciante decida se concede ou no crdito ao

    consumidor;

    (III) art. 333, II, do CPC, pois (i) restou comprovado que no

    responsvel pela negativao do crdito do consumidor, mas sim, o concedente

    do crdito, destinatrio dos seus servios; (ii) o SCPC SCORE CRDITO no

    possui qualquer relao com o cadastro positivo (consagrado pela Lei

    12.414/2001), visto que no utiliza informaes positivas dos consumidores;

    (iii) adota parmetros similares aos de seguradoras de veculos, fornecendo

    dados estatsticos, baseados em critrios objetivos e de cincia de todos os

    envolvidos; (iv) no possvel falar na ocorrncia de dano "in re ipsa".

    Passo ao exame do prprio recurso especial, iniciando pela anlise da

    preliminar de ofensa ao art. 535 do CPC, que, adianto, no merece acolhida.

    Com efeito, apresenta-se deficiente a fundamentao do recurso especial

    na parte em que alega ofensa ao art. 535 do CPC se faz de forma genrica, no

    havendo a demonstrao clara dos pontos do acrdo que se apresentam

    omissos, contraditrios ou obscuros.

    Aplica-se, assim, o bice da Smula 284/STF.

    Nesse sentido, merecem lembrana os seguintes precedentes do STJ:

    AgRg no Ag 1.130.264/SP, 6 Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina

    (Desembargador Convocado do TJ/RS), DJe de 01/07/2011; REsp

    1.253.231/SC, 2 Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 03/11/2011; REsp

    1.268.469/SP, 2 Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de

    27/02/2012; e REsp 1.190.865/MG, 3 Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe

    de 01/03/2012.

    Rejeita-se, assim, a preliminar de violao ao art. 535 do CPC.

    Passo ao exame do mrito.

    No merecem acolhida as alegaes de ofensa ao art. 267, VI, e 333, II,

    do CPC, em face das concluses estabelecidas na primeira parte do voto Documento: 1343042 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 17/11/2014 Pgina 41 de 44

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    acerca da natureza do sistema "scoring".

    Merece acolhida a alegao de inocorrncia de dano "in re ipsa" se no

    houver prova da negativao do crdito do consumidor consultado, conforme

    j aludido na primeira parte do voto, no sentido de que "o desrespeito aos

    limites legais na utilizao do sistema credit scoring, configurando abuso no

    exerccio desse direito (art. 187 do CC), .... pode ensejar a ocorrncia de danos

    morais nas hipteses de utilizao de informaes excessivas ou sensveis (art.

    3, 3, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de recusa

    indevida de crdito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados."

    No caso, no tendo sido afirmada pelas instncias ordinrias a

    comprovao de recusa efetiva do crdito ao consumidor recorrido, no

    possvel o reconhecimento da ocorrncia de dano moral.

    Assim, deve-se reconhecer a violao pelo acrdo recorrido, nesse

    tpico, do disposto no art. 333, II, do CPC, provendo-se o recurso especial

    para julgar improcedente a demanda indenizatria, com inverso dos encargos

    sucumbenciais, ressalvada a concesso na origem do benefcio da assistncia

    judiciria gratuita.

    12) Concluso

    Ante o exposto, aps no conhecer do agravo regimental e dos

    embargos declaratrios interpostos no curso do processamento do presente

    recurso representativo de controvrsia, voto no sentido do parcial

    provimento do recurso especial para julgar improcedente a demanda

    indenizatria, com inverso dos encargos sucumbenciais, ressalvada a

    concesso na origem do benefcio da assistncia judiciria gratuita.

    o voto.

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    CERTIDO DE JULGAMENTOSEGUNDA SEO

    Nmero Registro: 2013/0386285-0 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.419.697 / RS

    Nmeros Origem: 01029399720138217000 01493785120128210001 02876565020138217000 1029399720138217000 111201106215 11201106215 1493785120128210001 2876565020138217000 70053783122 70054363627 70054789383 70055630297 70059168088

    PAUTA: 12/11/2014 JULGADO: 12/11/2014

    Relator

    Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

    Presidente da SessoExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMO

    Subprocurador-Geral da RepblicaExmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TVORA NIESS

    SecretriaBela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER

    AUTUAO

    RECORRENTE : BOA VISTA SERVIOS S/AADVOGADOS : FLVIO PEREIRA LIMA E OUTRO(S)

    GIANMARCO COSTABEBER E OUTRO(S)RECORRIDO : ANDERSON GUILHERME PRADO SOARESADVOGADOS : LISANDRO GULARTE MORAES E OUTRO(S)

    DEIVTI DIMITRIOS PORTO DOS SANTOSFABIANO GARCIA SEVERGNINIIVI ANDRIA PORTO DOS SANTOS

    INTERES. : BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRALINTERES. : CONFEDERAO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS - "AMICUS

    CURIAE"ADVOGADOS : LEANDRO ALVARENGA MIRANDA E OUTRO(S)

    NIVAL MARTINS DA SILVA JNIORINTERES. : SERASA S/A - "AMICUS CURIAE"ADVOGADOS : ANDR LUIZ SOUZA DA SILVEIRA

    SRGIO BERMUDES E OUTRO(S)FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI

    INTERES. : FEDERAO BRASILEIRA DE BANCOS FEBRABAN - "AMICUS CURIAE"ADVOGADO : ANTONIO CARLOS DE TOLEDO NEGRAO E OUTRO(S)INTERES. : IDV - INSTITUTO PARA DESENVOLVIMENTO DO VAREJO - "AMICUS

    CURIAE"ADVOGADO : ARIEL ROCHA ZVOZIAK

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenizao por Dano Moral

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    SUSTENTAO ORAL

    Consignadas as presenas dos Drs. FLVIO PEREIRA LIMA, pela Recorrente BOA VISTA SERVIOS S/A; LEONARDO BORCHARDT, pelo Recorrido ANDERSON GUILHERME PRADO SOARES; ERASTO VILLA VERDE DE CARVALHO FILHO, pelo amicus curiae BANCO CENTRAL DO BRASIL S/A; LEANDRO ALVARENGA MIRANDA, pelo amicus curiae CONFEDERAO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS e SERGIO BERMUDES, pelo amicus curiae SERASA S/A.

    CERTIDO

    Certifico que a egrgia SEGUNDA SEO, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:

    A Seo, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente a demanda indenizatria, e no conheceu do agravo regimental e dos embargos declaratrios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvrsia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Para os efeitos do artigo 543-C do Cdigo de Processo Civil foram definidas as seguintes teses: "1) O sistema credit scoring um mtodo desenvolvido para avaliao do risco de concesso de crdito, a partir de modelos estatsticos, considerando diversas variveis, com atribuio de uma pontuao ao consumidor avaliado (nota do risco de crdito). 2) Essa prtica comercial lcita, estando autorizada pelo art. 5, IV, e pelo art. 7, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliao do risco de crdito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteo do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da mxima transparncia nas relaes negociais, conforme previso do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4) Apesar de desnecessrio o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histrico de crdito), bem como as informaes pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilizao do sistema credit scoring, configurando abuso no exerccio desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidria do fornecedor do servio, do responsvel pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrncia de danos morais nas hipteses de utilizao de informaes excessivas ou sensveis (art. 3, 3, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como no