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reDescobrir vigotskyDestacvel Noesis N 77Parceria da Revista Noesis com a APEI - Associao de Profissionais de Educao de Infncia e a rede Children in Europe

Ficha Tcnica Textos: Infncia na Europa Traduo: Tiago Dinis Reviso cientfica (Portugal): Isabel Lopes da Silva Design Grfico: Metropolis Design e Comunicao www.metropolis.pt Impresso Editorial do Ministrio da Educao Estrada de Mem Martins, n 4 S. Carlos Apartado 113 2726-901 Mem Martins Tiragem: 16500 exemplares: 13500 como destacvel na Revista Noesis, 3000 distribudos pela APEI

APEI - Associao de Profissionais de Educao de Infncia - www.apei.pt Children in Europe - www.childrenineurope.org

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ndice 3 a abordagem histrico-cultural de lev vigotsky 5 lev vigotsky: da idade de prata ao terror vermelhoVladimir Zinchenko trata da vida e da poca de Lev Vigotsky

7 a perspectiva de educao de vigotskyElena Kravtsova explica como a perspectiva de educao e desenvolvimento de Vigotsky se centra em trs ideias nucleares

Bem-vindos a esta edio especial da Infncia na Europa organizada na decorrncia do 17 Congresso Anual da Associao Europeia para a Investigao em Educao de Infncia (European Early Childhood Research Association EECERA), realizado em Praga em Agosto de 2007, cujo tema foi Explorar as Ideias de Vigotsky: Cruzar Fronteiras. Este nmero trata as ideias de Vigotsky numa perspectiva histrica, mas tambm da sua relevncia e aplicao na educao de infncia actual. O nmero tambm especial por outros motivos. Pela primeira vez, Infncia na Europa acolhe uma editora convidada russa, Elena Yudina, e inclui artigos provenientes da Rssia, que so, evidentemente, importantes para uma temtica centrada no grande educador russo. Tambm tivemos a colaborao de um parceiro da International Step by Step Association (ISSA), que desempenha um papel importante na educao de infncia na Europa Central e de Leste e em pases anteriormente integrados na Unio Sovitica e acolhe este ano o Congresso da EECERA. Como rede de revistas, Infncia na Europa procura trabalhar com outras redes europeias; esta colaborao com a ISSA um bom exemplo do trabalho em rede com vrias redes. Lev Vigotsky morreu cedo, mas a sua curta vida foi extraordinariamente produtiva. Deixou uma herana rica. Neste nmero, homenageamos e comemoramos essa vida. Peter Moss, Editor

9 Jogar para aprender na escolaElena Bodrova e Deborah Leong analisam as relaes ntimas entre jogo e conhecimentos escolares, no trabalho de Vigotsky

13 a prtica da aprendizagem partilhada

Vytaly Rubtsov salienta as condies necessrias para uma actividade de aprendizagem partilhada eficaz, uma caracterstica fundamental da perspectiva de educao de Vigotsky

15 a ZDP: zona de desenvolvimento prximoBert van Oers analisa um dos conceitos centrais de Vigotsky

17 vigotsky, um amigo da prticaLeif Strandberg descreve exemplos das ideias de Vigotsky em prticas de educao de infncia na Sucia

20 o valor do jogo ser realmente compreendido?Pentti Hakkarainen revela como as ideias de Vigotsky motivam muitos a procurar as relaes entre jogo e desenvolvimento

22 as ideias de vigotsky nas novas democraciasTatjana Vonta explica o impacto das teorias de Vigotsky nas prticas pedaggicas em curso em pases da Europa de Leste

A revista Noesis congratula-se por, a convite da APEI, se associar publicao deste nmero especial dedicado a Vigotsky, embora sem partilhar necessariamente todas as ideias e opinies nele expressas.

a abordagem histrico-cultural de lev vigotskyElena [email protected]

* Professora de Desenvolvimento e Educao da Criana e directora do departamento de Psicologia e Educao da Universidade da Cidade de Moscovo.

Elena Yudina apresenta alguns dos principais conceitos e ideias de Lev Vigotsky. Lev Vigotsky morreu jovem, mas teve uma vida muito intensa. difcil apresentar resumidamente as suas ideias centrais, dada a riqueza e originalidade das suas teorias sobre a natureza e desenvolvimento da mente humana (ver o artigo de Vladimir Zinchenko sobre a sua vida). Especificamente, Vigotsky desenvolveu a teoria e metodologia da psicologia histrico-cultural, a que deu fundamento experimental e prtico. Esta abordagem teve grande influncia na psicologia do desenvolvimento e na educao, tendo sido, tambm, aplicada com xito a outras reas, por exemplo, neuropsicologia, psicologia clnica e educao especial. Com o tempo, a abordagem histrico-cultural tornou-se bem conhecida. Hoje em dia, serve de fundamento a muitos programas educativos, tanto na educao de infncia como na escolaridade obrigatria; vrios so descritos neste nmero. Actualmente, mais ainda do que no passado, o trabalho de Vigotsky permanece vivo e conhecido na investigao educativa e na prtica. Qual o segredo da sua popularidade? A concepo histrico-cultural na psicologia geral A ideia principal de Vigotsky de que as funes psicolgicas humanas funes mentais superiores, como as designou, e que constituem a mente humana, tais como memria, pensamento, linguagem ou outros processos psicolgicos usam instrumentos muito especiais: instrumentos internos ou signos, cuja utilizao semelhante dos instrumentos exteriores usados pelas mos, como um martelo para pregar um prego. Por exemplo, para se recordar alguma coisa, pode dar-se um n, que significa aquilo que se quer recordar. O n mais do que um n, tem um significado, torna-se assim um signo ou smbolo que ajuda a no esquecer determinada

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coisa. A memria utiliza-o como um instrumento. Portanto, a ideia de Vigotsky que os seres humanos desenvolveram dois tipos de instrumentos para realizar actividades: os externos e os internos. Os signos so produzidos e conservados pela cultura. Usam-se constantemente instrumentos culturais, mesmo sem dar por isso. Efectivamente, hoje em dia, se algum se quer recordar de alguma coisa, provavelmente escreve-a, em vez de dar um n. A escrita outro instrumento um sistema cultural de signos. O principal sistema de signos a linguagem. Na opinio de Vigotsky, o papel da linguagem na mente humana realmente ilimitado. As palavras so signos para vrios objectos e aces nossa volta, mas tambm para pensamentos e sentimentos. Ser humano significa dominar a linguagem, que um sistema de significados para representar o mundo interno e externo. Mas existem outros sistemas de signos na cultura, por exemplo, todas as artes e cincias. Mas como que os signos, criados muito antes da vida de cada um e conservados na cultura, vm a ser usados pelas pessoas nas actividades do dia-a-dia? Ser apenas o resultado de uma educao sistemtica? A resposta reside no conceito vigotskiano de internalizao. Os signos transitam do mundo exterior para o interior precisamente porque so usados como instrumentos nas actividades dirias. Por conseguinte, a internalizao o processo de transformar os instrumentos culturais externos (signos externos) em instrumentos psicolgicos internos: signos internos. Vigotsky admitiu que a cultura, como agrupamento de sistemas de signos, existe entre a pessoa e o mundo externo. Estes sistemas de signos participam na actividade humana como instrumentos psicolgicos. Esta ideia em geral referida na literatura contempornea da psicologia como tratando-se da noo de mediao. Por outras palavras, a actividade humana mediada por diferentes tipos de fenmenos cultu-

rais, que tanto podem ser objectos como pessoas. Vigotsky sublinhou que um ser humano nunca age como um animal, ainda que a aco parea ser a mesma, tal como comer: os seres humanos comem de um modo diferente devido a estas mediaes culturais. por isso que impossvel explicar o comportamento humano apenas do ponto de vista fisiolgico ou neurolgico. Os seres humanos so motivados a fazer ou no algo, e essa motivao no controlada pela biologia. Vrios exemplos provam que os seres humanos podem ultrapassar a sua natureza fisiolgica um aspecto importante dado o grande interesse actual pelas explicaes biolgicas (da neurocincia) para os fenmenos psicolgicos, particularmente para o desenvolvimento da criana. Embora reconhecendo o papel importante dos mecanismos biolgicos nas funes mentais, Vigotsky considerava perigoso atender demasiado s explicaes biolgicas em problemas psicolgicos. O desenvolvimento da criana numa perspectiva histrico-cultural Uma outra ideia importante de Vigotsky que, para compreender a verdadeira natureza da mente humana, necessrio acompanhar o seu desenvolvimento. impossvel perceber como funciona realmente uma funo mental depois de estar formada; para o saber preciso analisar o desenvolvimento da mente nas crianas (ou prtica clnica), onde se pode verificar como a funo se apresenta enquanto est em formao. Vigotsky pensava que o desenvolvimento da criana a chave da mente humana. Para ele, a criana no um pequeno adulto, a sua mente trabalha de um modo diferente, utilizando meios diferentes. Neste aspecto concorda com Piaget, embora discordando da viso deste de que h leis internas e inatas que regem a mente da criana e que preciso descobrir. Para Vigotsky, a criana nasce sempre numa sociedade cultural e o seu desenvolvimento sobretudo orientado pela inter-

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nalizao de signos e smbolos culturais: no h nada na mente da criana que no seja afectado por essa cultura. por isso necessrio descobrir sob que condies se internalizam os instrumentos culturais de modo a tornarem-se instrumentos psicolgicos que a criana pode usar na sua actividade, um processo que tambm leva ao domnio do comportamento, isto , ao desenvolvimento da auto-regulao. A ideia de mediao explica a importncia da comunicao no desenvolvimento da criana. Por exemplo, a criana tem de aprender a comer com uma colher. A maneira como um adulto prximo (normalmente a me) usa a colher o mediador para a criana aprender a comer, porque a criana s pode dominar a maneira cultural de fazer alguma coisa com a mediao do adulto. s vezes a me ajuda, outras demonstra como se faz, outras ainda, apoia. A criana desenvolve a aptido para agir (fazer alguma coisa) de forma humana na interaco com o adulto, que muito mais competente no modo cultural de agir. A interaco a comunicao com outros , por conseguinte, muito importante na aquisio de instrumentos culturais (ver o artigo de Vytaly Rubtsov). A ideia de Vigotsky acerca da zona de desenvolvimento prximo, actualmente muito divulgada, est relacionada com a ideia de mediao (ver o artigo de Bert van Oers). A zona de desenvolvimento prximo significa, de facto, a distncia entre o nvel real de desenvolvimento da criana, avaliado pela dificuldade do problema que a criana pode resolver sem a ajuda do adulto, e o seu nvel de desenvolvimento potencial, avaliado pela dificuldade do problema que uma criana consegue resolver com a ajuda de um colega mais competente ou de um adulto. Vigotsky considerou que para promover o desenvolvimento da criana, a educao deveria criar essas zonas: por outras palavras, a educao devia estar frente do desenvolvimento, e no segui-lo. Mas, na formao das funes mentais superiores, qualquer fenmeno cultural pode ser mediador. Vigotsky indica algumas actividades culturais como sendo extremamen-

te importantes para o desenvolvimento da criana, por exemplo, o jogo. Vigotsky descobriu que o jogo insubstituvel na educao da infncia: para o desenvolvimento da imaginao, das competncias sociais e comunicativas, da auto-regulao, e como motivao para a aprendizagem (ver os artigos de Elena Bodrova e Deborah Leong e de Pentti Hakkarainen). Como todos os professores e pais sabem, a criana aprende com os outros. Mas Vigotsky diz, exactamente, o que a criana vai

buscar as maneiras culturais de agir, atravs do uso de instrumentos e como fazer para aprender esses instrumentos. Vigotsky defende que a criana no uma garrafa vazia para o professor encher de conhecimentos, e que ensinar a criana no significa, necessariamente, que se desenvolva. Pelo contrrio, para desenvolver as funes mentais superiores, a criana tem de interagir com o ambiente, mas com a mediao de agentes culturais. Em resumo, a criana o sujeito e no o objecto da aprendizagem.

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lev vigotsky da idade de prata ao terror vermelhoVladimir Zinchenko* Professor na Universidade Estatal de Moscovo e editor da revista Psicologia Histrico-culturalVladimir Zinchenko apresenta uma panormica da vida curta mas muito produtiva de Lev Vigotsky e tambm da extraordinria poca em que viveu A vida de Lev Vigotsky mostra claramente que os seres humanos esto sujeitos aos caprichos do destino. Tal como Jean Piaget, Vigotsky nasceu em 1896, mas a sua vida foi quase 50 anos mais breve. Apesar dos seus conceitos de desenvolvimento mental serem diferentes, merecem, actualmente, a mesma ateno por parte dos maiores psiclogos mundiais. Em 1996, por exemplo, num congresso dedicado ao centsimo aniversrio de Jean Piaget, Jerome Bruner apresentou um artigo intitulado O triunfo da variedade: Piaget e Vigotsky. Os seus quadros conceituais so como dois continentes no mapa do desenvolvimento humano. Lev Vigotsky nasceu na cidade de Orsha, numa famlia abastada, que depois se mudou para Gomel, tambm na Bielorssia, a parte da Rssia imperial onde era permitido aos judeus viver. Os seus interesses na escola, e durante toda a sua vida, foram a histria (inclusive a histria do povo judeu), a filosofia e a literatura. A sua juventude coincidiu com o que mais tarde veio a ser designada Idade de Prata, um perodo no virar do sculo em que a vida cultural russa se desenvolveu rapidamente. Vigotsky no foi apenas um observador destes acontecimentos: cedo se tornou participante activo desta curta poca que, mesmo hoje, provoca admirao pela sua mistura de criatividade e de acontecimentos sociais dramticos. Em 1913, Vigotsky, por instncia dos pais, entrou para a Faculdade de Medicina da Universidade de Moscovo, um feito quase miraculoso para um estudante judeu. No entanto, mudou pouco depois para a Faculdade de Direito, comeando simultaneamente a estudar Cincias Humanas na Universidade Popular A. P. Shanyaavskii. Durante dois anos, frequentou os seminrios de Gustav Shpet, que foram as suas primeiras aulas de psicologia profissional. Aps a licenciatura, Vigotsky regressou a Gomel, no momento em que a Rssia imperial foi avassalada pelos acontecimentos da revoluo de Outubro (1917). Infelizmente para a Rssia, e felizmente para a psicologia, a profisso de advogado deixou de ser necessria, j que a justia revolucionria ultrapassou tanto os direitos naturais como os humanos. Durante um tempo Vigotsky tentou o jornalismo, como crtico literrio e teatral. Tambm deu aulas de lgica, filosofia e literatura em escolas e numa instituio de formao de professores, onde fundou um laboratrio de psicologia. Os anos de 1918 a 1924, durante os quais Vigotsky viveu em Gomel, foram bastante produtivos. Tinha grande interesse pela arte e a literatura, embora a psicologia tambm o atrasse. Conseguiu aliar estes interesses num artigo, A Psicologia da Arte, que terminou por volta de 1925 (embora tivesse sido publicado pela primeira vez, s em 1965) e constituiu a base da sua dissertao. Este artigo mostra as origens da abordagem que mais tarde foi designada por no-clssica ou por psicologia histricocultural. Nessa abordagem, os sentimentos humanos, normalmente encarados como totalmente subjectivos, foram considerados como mais objectivos, inseridos e fazendo parte da cultura, podendo ser expressos pelas belas artes, que considerou como meios mediadores culturais, instrumentos que ajudam a sentir e a exprimir sentimentos. As belas artes foram frequentemente para Vigotsky uma fonte de inspirao para desenvolver ideias e conceitos cientficos. Ao mesmo tempo que A Psicologia da Arte, Vigotsky escreveu um livro, Psicologia Pedaggica, provavelmente decorrente da reflexo sobre a sua prpria experincia pedaggica. Na edio de 1926 j se encontram debatidas questes como as relaes entre ensino e desenvolvimento, ensino e educao, e as correspondentes actividades de aprendizagem individual dos alunos. Escreveu que a prpria criana que vai agir, enquanto ao professor cabe apenas a tarefa de guiar e orientar a actividade da criana. Acrescentou que professor e criana devem cooperar entre si, e que se deve incentivar nas crianas qualidades tais como o desejo e a capacidade de agir em conjunto com o professor. Mais tarde, quando Vigotsky trabalhava em Moscovo, props que o ensino deve antecipar o desenvolvimento, desde que o professor seja sensvel zona de desenvolvimento prximo; nos progressos da criana uma parte devida ao ensino e duas ao desenvolvimento da prpria criana. A relao entre ensino e desenvolvimento assemelha-se verso da antiga lenda de Aquiles e da tartaruga (ou da tartaruga e da lebre) que alternadamente passam frente uma da outra. difcil acreditar que estes dois livros foram escritos por um novato em psicologia. Em 1924, Vigotsky mudou-se para o Instituto de Psicologia da Universidade de Moscovo. Tinha j um programa bem definido para desenvolver a psicologia e em breve se formou em seu redor uma equipa, o ncleo da escola cientfica de Vigotsky. Primeiro Alexander Luria e Alexey Leontiev, depois outros, como Alexander Zaporozhets, Daniil Elkonin, Lydia Bozhovich, Natalia Morozova e Rosa Levina. medida que o tempo foi passando, o crculo dos vigotskianos cresceu, incluindo membros muito para alm da Rssia. Vigotsky era um reformador. Boris Mescheryakov props uma ideia interessante: que na busca da sua identidade Vigotsky imitou Martinho Lutero, que mudou de apelido, que era LuDer o apelido de Vigotsky era originalmente VigoDsky. Citava muitas vezes o ditame de Lutero Aqui estou (Hier stehe ich). Vigotsky aceitou a revoluo, adoptou o marxismo e a chamada tarefa de transformar a sociedade, at mesmo a estpida e trgica ideia de criar um novo Homo sapiens. Pensava que a condio mais importante para atingir estes objectivos consistia numa reforma da psicologia, a que dedicou os ltimos dez anos da sua vida. O Sentido Histrico da Crise da Psicologia pode ser considerado como a abertura de um espao para construir uma nova psicologia, pois neste livro chega concluso de que toda a psicologia se encontrava numa crise profunda. Hoje percebe-se quo injusto era este juzo. Estavam em curso muitos avanos notveis na psicologia. Recordem-se nomes como Max Wertheimer, Kurt Koffka, Jean Piaget, e claro, o prprio Vigotsky. Ainda no se sabe por que no publicou O Sentido Histrico da Crise da Psicologia, editado mais de 50 anos

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7depois e para ser justo, o seu esprito crtico foi acompanhado por ideias construtivas. Nas ideias de Vigotsky, a destruio era muitas vezes criativa, como se v claramente nos seus trabalhos subsequentes. interessante acompanhar a evoluo das perspectivas de Vigotsky. O seu percurso na psicologia encaminhou-se para uma explorao da relao entre sentidos e conscincia. Por exemplo, ao comear a analisar a conscincia em Pensamento e Linguagem, caracteriza-a como um reflexo de reflexos; mas, no final, qualifica-a como um sentimento de sentimentos como unidade de anlise e afirma que a conscincia humana uma construo sistemtica feita de sentidos. Ao estudar o modo como as funes mentais superiores tm origem no trabalho humano cooperativo, Vigotsky aproximou-se mais do problema dos sentidos e da conscincia. Tal como o conceptualizou, as funes mentais superiores so mediadas por instrumentos, tais como signos, palavras, smbolos: meios de mediao. Estas funes so adquiridas a partir da cultura e da sociedade, mas s atravs das actividades realizadas por cada pessoa. Nas palavras de Martin Buber, pode dizer-se que todo o drama do desenvolvimento mental ocorre num ponto intermdio isto , no espao situado entre as pessoas: neste espao que so criadas as diferentes formas de actividade mental. A srie total dos meios de mediao no inclui apenas signos, palavras e smbolos, mas tambm mitos e obras de arte. Os mediadores personalizados, tais como pais, professores e deuses, desempenham tambm um papel decisivo no desenvolvimento humano. Importa ainda notar mais um aspecto dos meios de mediao. Um mediador (termo de Vigotsky) no funciona apenas como um instrumento: traz consigo algum significa-

do e sentido e, por isso, necessita de ser interpretado. O meio mediador (como a palavra) e o objecto que denota no devem ser considerados como ligados por correntes de ao. Uma relao fixa desse tipo, que grava signos, smbolos e mitos nas cabeas dos cidados, tem subjacente a ideologia, na maioria dos regimes totalitrios. Mas a completa emancipao da realidade dos instrumentos psicolgicos leva-os a perder as suas propriedades de relao com os objectos, o que pode ser igualmente perigoso. Os meios de mediao no so apenas instrumentos, ou meios de desenvolvimento. Representam mundos globais: o mundo dos signos, da linguagem, dos sentidos, dos mitos e das belas artes. Numa tentativa de englobar todos estes mundos num nico termo, pode dizer-se que constituem a cultura, que age como uma fora atractiva. Para a cultura assim concebida, cada ser humano algo de desejado e aguardado. Possuindo livre vontade, o ser humano pode ou no aceitar essa atraco. Quando algum no participa na cultura, tanto a pessoa como a prpria cultura ficam prejudicadas, porque nesse caso a pessoa no cumpre o seu destino na vida. Na minha opinio, este o principal significado da teoria histrico-cultural do desenvolvimento da mente e da conscincia de Vigotsky. Qual foi a relao de Vigotsky com o marxismo? O seu marxismo no era de tipo firme, dogmtico. Para o fim da vida, as crenas iniciais (ou mais exactamente as iluses) marxistas de Vigotsky desapareceram completamente. O perodo reformista e romntico do seu trabalho foi substitudo por preocupaes sobretudo acadmicas. A unidade dinmica do afecto e do intelecto passou a ser uma forte convico; talvez a predominncia de afecto na sua personalidade tenha sido substituda por uma predominncia do intelecto. Numa obra to fundamental como Pensamento e Linguagem, no h influncia marxista. As paixes da juventude tinham sido esquecidas ou desvalorizadas sob a presso da terrvel situao da URSS, inclusive o desenvolvimento da cincia, com o regime bolchevique a banir muitas perspectivas, entre as quais a psicanlise e

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a pedagogia, a cincia e a prtica (prxima da avaliao na sala de aula) que Vigotsky tinha passado muito tempo a desenvolver. O segredo do sucesso de Vigotsky neste perodo no reside na censura do seu prprio trabalho, mas antes numa orientao para o trabalho prtico, tanto no desenvolvimento da criana, como no ensino escolar, como ainda no teatro e no cinema (incluindo trabalho com Sergei Eisenstein) ou at mesmo na psicologia ocupacional. Escreveu que a dinmica da personalidade um drama, e esta observao parece baseada na sua experincia pessoal de vida. A sua vida familiar foi acompanhada de uma doena dolorosa, o seu percurso cientfico, de grandes crticas cientficas e de perseguies polticas. A cincia da pedagogia foi proibida pelos bolcheviques. Durante a vida, o seu trabalho esteve sujeito s crticas mais absurdas, que constituram o incio da sua difamao pblica. Suportava tudo isto

com perseverana, por vezes com amarga ironia. Vigotsky costumava dizer, como recorda Alexander Zaporozhets: A diferena entre uma situao m e boa no no ter sada, mas ter uma boa sada. Encontrou a soluo no trabalho incrivelmente intenso, a que dedicou todas as suas foras, at aos ltimos momentos da vida. As palavras-chave da nova psicologia que Vigotsky desenvolveu como cultura, histria, desenvolvimento, sentimentos, como fonte de conscincia e de sentido revelaram-se inteis para a hegemonia sovitica. Suscitavam uma crtica agressiva por parte dos lderes soviticos. Paradoxalmente, a prpria designao da teoria de Vigotsky como histrico-cultural proveio de um dos seus crticos marxistas: recordmo-lo quando inicimos, em 2005, a publicao da revista internacional com o ttulo Psicologia Histrico-cultural. Nos ltimos anos de vida, Vigotsky (como

o seu heri Hamlet) esteve mergulhado em pensamentos acerca das mgoas da existncia. Nesse tempo, os bolcheviques mataram milhes de pessoas, mas Vigotsky, ao contrrio de muitos dos seus colegas, morreu na cama, de tuberculose, em 1934, com apenas 38 anos. A sua famlia e discpulos conseguiram conservar e publicar a sua herana cientfica, apesar dos anos de terror vermelho e da Segunda Guerra Mundial. A compilao dos trabalhos de Vigotsky est hoje disponvel e psiclogos de todo o Mundo discutem as suas ideias. Em 2007, acadmicos de 10 pases, incluindo a Rssia, participaram em O Guia Cambridge de Vigotsky. No h dvida de que, para os interessados nos eternos problemas do desenvolvimento humano, a herana de Lev Vigotsky ir servir, ainda durante muito tempo, de fonte de inspirao.

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a perspectiva de educao de vigotksyElena [email protected]

* Professora no Instituto Vigotsky de Psicologia na Universidade Estatal Russa de Humanidades. , tambm, neta de Vigotsky.

Elena Kravtsova desenvolve as trs ideias centrais do pensamento de Vigotsky sobre educao e desenvolvimento difcil encontrar, hoje em dia, um sistema educativo que no se baseie, pelo menos em teoria, nas ideias de Lev Vigotsky. Curiosamente, as mesmas referncias aos seus trabalhos so por vezes usadas para fundamentar princpios e mtodos muito diferentes e, at mesmo, contraditrios. Mas se analisarmos a perspectiva global de educao de Vigotsky, encontraremos trs ideias essenciais sobre a educao das crianas e algumas maneiras bem definidas de as pr em prtica.reDescobrir vigotsky

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Educao e desenvolvimento A ideia central de Vigotsky, abundantemente citada por investigadores e educadores, refere-se ntima relao entre educao e desenvolvimento. S boa a educao que conduz ao desenvolvimento. Para muitos educadores, esta afirmao significa que a sua principal tarefa ensinar tendo em conta as caractersticas psicolgicas prprias das crianas e que os interesses so uma questo de menor importncia. Embora esta interpretao possa parecer uma traduo literal da ideia de Vigotsky, os professores sabem, na prtica, que este tipo de educao no promove o desenvolvimento da criana e pode mesmo impedir mudanas positivas. Na pior das hipteses, pode ter como resultado que a criana no queira estudar. Para perceber melhor, pode relacionar-se esta ideia de Vigotsky com a dos dois momentos de aparecimento das funes psquicas, primeiro nas relaes entre as crianas e, depois, como funes psquicas, naquilo que podem realizar sozinhas. A partir daqui pode-se perceber que uma educao que conduz ao desenvolvimento implica organizar actividades colectivas ou partilhadas pelas crianas, em vez de meramente comunicar ou transmitir informao. Este processo exige ter em conta o nvel de desenvolvimento das crianas, a sua capacidade de interagir e os seus interesses; se assim no for, no sero capazes de participar em actividades colectivas.

Para a educao ter efeitos no desenvolvimento, contribuindo para o desenvolvimento psicolgico da criana, os educadores precisam de determinadas competncias: serem capazes de organizar actividades colectivas com grupos de crianas e de interagir com as crianas envolvidas nessas actividades. Se as crianas conseguem fazer alguma coisa em conjunto, como resolver um problema, sero mais tarde capazes de lidar sozinhas com tarefas ou problemas idnticos. este o modo como as crianas adquirem competncias e, ao mesmo tempo, progridem no seu nvel de desenvolvimento psicolgico. (Ver o artigo de Vytaly Rubtsov para discusso mais aprofundada de actividade partilhada em educao.) Na prtica, tambm quer dizer que tanto a educao em si como a organizao de actividades educativas esto intimamente relacionadas com a comunicao. Organizar a educao sem comunicao no uma educao para o desenvolvimento. Mas, ao mesmo tempo, a comunicao demasiado complicada para as crianas, desencorajando-as. De qualquer modo, podem surgir problemas: por exemplo, as crianas podem ser colocadas num grupo de ensino especial simplesmente porque os contedos da educao tm pouca ou nenhuma relao com o seu nvel de comunicao, apresentando um nvel superior de comunicao e interaco. A partir dos resultados de estudos experimentais e de projectos educativos, pode-se concluir que o modo de transformar a ideia de educao para o desenvolvimento de Vigotsky num meio eficaz de promover o desenvolvimento das crianas consiste em organizar grupos de vrias idades e uma vida diria preenchida com acontecimentos bem planeados e estruturados, que se baseiam em vrias formas de comunicao entre crianas e adultos. Educao e personalidade A segunda ideia-chave da perspectiva de educao das crianas de Vigotsky a sua concepo de personalidade. Uma pessoa tem personalidade, comportando-se com

um cunho distinto e pessoal, quando se percepciona como fonte do seu comportamento e actividade. Quer isto dizer que a educao s apoia o desenvolvimento pessoal se as crianas se percepcionarem como a fonte e o sujeito da educao; por outras palavras, como participantes activos. Neste contexto, as actividades centradas na criana so especialmente importantes, incluindo todos os tipos de criatividade, a comear pelo jogo. Jogo e educao no so antagnicos, pelo contrrio, o jogo um dos principais meios e mtodos da educao. Esta ideia pode ser compreendida atravs da criao de ambientes que renem vrias idades e da organizao de acontecimentos interessantes, que sejam atraentes e divertidos, como frias e festas, aventuras e passeios, e nas quais tanto as crianas como os adultos no s participam como tambm se percepcionam como sujeitos activos da actividade. (Ver o artigo de Elena Bodrova e Deborah Leong para uma discusso mais detalhada da importncia do jogo na educao.) Educao espontnea e reactiva A terceira ideia-chave de Vigotsky envolve tipos de educao, nomeadamente a diferena entre educao espontnea e reactiva. Em formas de educao espontnea, as crianas, de acordo com o pensamento de Vigotsky, criam o seu prprio programa, enquanto na educao reactiva tm de estudar pelo programa de outrem. H nesta ideia dois aspectos de grande importncia. Primeiro, a criana s capaz de estudar reactivamente a partir de uma certa idade psicolgica, cerca dos oito ou nove anos: anteriormente, a educao s pode ser espontnea. Segundo, a educao espontnea que no seja organizada pode muitas vezes ter como consequncia atrasar o desenvolvimento psicolgico. Para que a educao espontnea seja eficaz, o educador precisa de dar particular ateno a como a estimular e apoiar melhor. Por exemplo, se um adulto quiser que uma criana aprenda os quatro pontos cardeais

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da bssola, pode dar criana um ursinho de peluche que perdeu os pais e tem de se dirigir para norte para os encontrar. Ento a criana quer espontaneamente saber onde fica o norte e pede que lho expliquem, percepcionando-se como a fonte, o iniciador, da actividade educativa. Neste contexto, a noo de Vigotsky de ambiente social para o desenvolvimento bastante significativa. Os adultos organizam a educao espontnea das crianas com apoio deste ambiente, que coloca a criana no centro dos processos educativos, e no qual se apercebe de uma educao que conduz ao desenvolvimento. Estes princpios de educao so a base da Chave de Ouro e da Matriz dos currculos educativos, criados para crianas em idade pr-escolar e escolar. As crianas que os frequentam no s concretizam as suas zonas de desenvolvimento prximo como tambm as alargam e transformam de modo significativo. (Ver os artigos de Bert van Oers e Pentti Hakkarainen para uma discusso mais aprofundada da zona de desenvolvimento prximo.) Tornam-se, alm disso, mais activas e saudveis. A educao baseada na perspectiva de Vigotsky permite s crianas experimentar a aprendizagem como um tempo feliz e interessante e no como um trabalho aborrecido e difcil.

15 a 25 crianas dos 3 aos 10 anos, que tm uma casa em vez de uma sala de aula. Os professores aprendem a incentivar uma comunidade de aprendizagem com a ajuda da formao em servio, e os pais so tambm participantes activos. Dentro das famlias de vrias idades, as crianas mais velhas aprendem a ser modelos de comportamentos mais competentes, assim como a apoiar as crianas mais novas.

Os eventos so um conceito nuclear nas escolas Chave de Ouro, baseando-se em acontecimentos histricos e pessoais e nas estaes do ano. Uma descrio mais completa pode ser encontrada em http://faculty.cmsu.edu/drobbins/index.html. Para mais informao, ler Escolas para o Desenvolvimento (leitura recomendada) ou contactar directamente Elena Kravtsova.

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Escolas Chave de Ouro Muitos programas educativos inovadores foram implementados, na Rssia, durante a Perestroika. Elena Kravtsova desenvolveu, no seu laboratrio, o currculo Chave de Ouro, para reduzir o alheamento da escola vivido por muitas crianas e famlias. Baseadas nos princpios de Vigotsky, foram criadas mais de 30 escolas Chave de Ouro, a partir de 1989. Trabalhando com as ideias de Vigotsky sobre interaco e zona de desenvolvimento prximo, as crianas destas escolas so colocadas em famlias e no em classes, tendo cada famlia de

Jogar para aprender na escolaElena BodrovaInvestigadora principal no Centro Continental de Investigao para a Educao e a Aprendizagem (McREL), em Denver, Colorado. [email protected]

Deborah Leong

Professora da Faculdade Pblica Metropolitana de Denver.exigncias da escolaridade formal. Quaisquer que sejam as razes, os resultados so notavelmente semelhantes em pases to diferentes como os EUA e a Federao Russa: em ambos os casos, os investigadores verificaram um declnio na quantidade e qualidade do jogo de faz-de-conta, que coincidiu com uma maior presso para ensinar contedos escolares a crianas cada vez mais novas. Na perspectiva de Vigotsky, no entanto, a dicotomia entre jogo e aprendizagem escolar falsa. Na sua opinio, o jogo simblico um dos mais importantes contextos para as crianas desenvolverem competncias crticas que iro garantir a sua adaptao e desempenho com sucesso, em ambientes escolares formais. mais do que qualquer outra, a exercer uma auto-regulao. Estas restries surgem na forma de regras que a criana tem de seguir, por exemplo quando aceita fazer de beb e no de me (o beb no usa facas e tem de esperar que lhe dem de comer) ou de usar um prato de papel para fingir que um volante e no uma tarte (pode dar uma dentada se for uma tarte, mas no se for um volante). Nem todo o jogo apresenta os mesmos benefcios para o desenvolvimento da auto-regulao. Estudos actuais da relao entre o jogo e a auto-regulao confirmam a ideia de Vigotsky de que o jogo de faz-deconta tem mais potencialidades para melhorar a auto-regulao em crianas extremamente impulsivas, difceis de controlar, o que, no entanto, s acontece quando as crianas so capazes de criar, em conjunto, uma situao imaginria, assumindo papis de vrias personagens imaginrias, e de as representar usando adereos, linguagens e gestos simblicos da sua imaginao.

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11Elena Bodrova e Deborah Leong analisam a ntima relao entre jogo e aprendizagens escolares, presente no trabalho de Vigotsky Em muitos pases, os educadores de infncia de hoje enfrentam o mesmo dilema: centrarem-se no ensino de contedos escolares ou permitir que as crianas se envolvam em actividades mais apropriadas ao desenvolvimento, como brincar ao faz-de-conta. Existem muitas razes, tais como as crianas precisarem de aprender, num mundo mais competitivo, mais do que aprendiam no passado e de as crianas de meios desfavorecidos necessitarem de mais um empurrozinho nas primeiras idades para dar uma melhor resposta s

O jogo promove o desenvolvimento da auto-regulao Sempre que no jogo h uma situao imaginria, h regras no regras estabelecidas de antemo e que mudam durante o decurso do jogo, mas regras que brotaram da situao imaginria... No jogo a criana livre. Mas esta liberdade ilusria. (Vigotsky, O Jogo e o seu Papel no Desenvolvimento Mental da Criana.) Vigotsky considera vrios aspectos em que o jogo precursor da aprendizagem escolar. Primeiro, o jogo ajuda a criana a desenvolver a capacidade de auto-regular o seu comportamento fsico, social e cognitivo, isto , a realizar esses comportamentos seguindo regras externas ou interiorizadas, em vez de agir por impulso. As crianas que no conseguem prestar ateno ou seguir orientaes, bem como as que no so capazes de controlar as emoes tm, normalmente, dificuldade em dominar contedos escolares. Contrariamente noo tpica de jogo do adulto como um tempo em que as crianas so livres para fazerem o que quiserem, Vigotsky considerou o jogo como uma actividade que coloca as maiores restries nas aces da criana, obrigando-a, deste modo,

O jogo promove o pensamento abstracto Do ponto de vista do desenvolvimento, o facto de criar uma situao imaginria pode ser considerado como um meio de desenvolver o pensamento abstracto. (Vigotsky, O Jogo e o seu Papel no Desenvolvimento Mental da Criana.) O pensamento abstracto, exigido em disciplinas escolares aos alunos mais velhos, est normalmente associado ao uso da lngua oral ou escrita em geral, sem os objectos estarem presentes. Vigotsky admitiu, porm, que as crianas mais novas do os primeiros passos na direco do pensamento abstracto ao usarem objectos (brinquedos, adereos, roupas) no jogo simblico. A utilizao de objectos para fazer de conta, sem a finalidade que tm na vida real, serve de ponte entre as manipulaes sensrio-motoras dos objectos, prprias das crianas que comeam a andar, e o pensamento lgico completa-

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mente desenvolvido, que surge quando as crianas so capazes de manipular as ideias em pensamento. No jogo, ao usar vrios adereos para representar coisas reais, as crianas aprendem a separar o significado ou ideia do objecto, do objecto em si. Quando a criana faz de conta que conduz um bloco no tapete, como se fosse um camio, separa a ideia de camio do camio real e liga-a ao bloco. Esta capacidade de separar o significado do objecto precursora do desenvolvimento do pensamento abstracto, em que a criana tem de manipular ideias que podem no ter uma ligao imediata com objectos tangveis. Tal como acontece com a auto-regulao, nem todo o jogo de faz-de-conta promove igualmente o desenvolvimento do pensamento abstracto. O melhor tipo de jogo aquele em que a criana usa adereos no estruturados e multifuncionais, completamente diferentes dos que so realistas e com funes especficas. Com brinquedos realistas, no h necessidade de separar o significado do objecto, uma vez que o objecto real e o simblico so semelhantes e podem ser usados da mesma forma. Por outro lado, quando as crianas usam adereos no-realistas, no s tm de mudar constantemente o significado atribudo a esses adereos, mas tambm de usar pa-

lavras diferentes para descrever aos companheiros de jogo essas mudanas. Por exemplo, as crianas podem usar a mesma caixa de carto, primeiro como garagem, depois como bomba de gasolina e finalmente como mercearia. Dado a caixa ter a mesma aparncia quando representa os trs edifcios, as crianas tm de comunicar a sua mudana de funo, atribuindo nomes diferentes, porque, de outro modo, a criana que est a fazer de mecnico acaba a mudar os pneus na mercearia! Para Vigotsky, este sucessivo nomear e renomear no jogo ajuda as crianas a dominar a natureza simblica das palavras. Leva, no futuro, a que compreendam a relao nica que existe entre as palavras e os objectos que significam e, finalmente, emergncia da conscincia metalingustica o conhecimento do modo como a linguagem funciona, que investigadores contemporneos frequentemente associam ao domnio da linguagem escrita, necessrio para o sucesso na aprendizagem escolar. Como usar o potencial do jogo de faz-de-conta Para resumir a investigao feita pelo prprio Vigotsky e pelos investigadores que seguiram as suas pisadas, apenas o jogo simblico plenamente desenvolvido e amadurecido tem potencial para afectar positi-

vamente o futuro sucesso das crianas na escola. Infelizmente, hoje em dia este amadurecimento raramente se observa. Muitas crianas dos 3 aos 5 anos brincam da maneira que seria de esperar em crianas de cerca de um ano; manipulam simplesmente os objectos, raramente dialogam com outras crianas. Os elementos que, para Vigotsky, definem jogo situao imaginria, papis e regras esto presentes de forma rudimentar ou no surgem de todo. Os professores dizem que as crianas que tm dificuldade em seguir orientaes ou em estar atentas so habitualmente as mesmas que no se conseguem dedicar a jogos elaborados e imaginativos. Porm, os mesmos professores tm normalmente relutncia em intervir, partindo do princpio de que o jogo simblico se desenvolve naturalmente nas crianas. A teoria de Vigotsky apresenta uma perspectiva diferente da natureza do jogo, relacionando-o com o contexto social em que a criana cresce. Tanto adultos como crianas mais velhas fazem parte desse contexto social. Se nem uns nem outros brincarem com as crianas mais novas, servindo de modelo ao desempenho de um papel ou ao uso de um adereo para fazer de conta, o jogo pode nunca se desenvolver. Enquanto as geraes passadas aprenderam a brincar com os irmos e vizinhos mais velhos, as crianas dos 3 aos 5 anos passam hoje a maior parte do tempo em grupos de crianas da mesma idade, frequentemente sem modelos de jogo. Quais as implicaes de tudo isto para os educadores de infncia? Precisam de aceitar mais uma responsabilidade: a de ensinar as crianas a brincar. S se a tarefa de promover o jogo for encarada com a mesma seriedade e intencionalidade com que se considera a promoo do desenvolvimento cognitivo ou da linguagem da criana se poder garantir que o potencial do jogo, ou, nas palavras de Vigotsky, a fonte que conduz o desenvolvimento, seja plenamente realizado.

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a prtica da aprendizagem partilhadaVytaly Rubtsov* Director do Instituto de Psicologia da Academia Russa de Educao e reitor da Universidade de Psicologia e Educao da Cidade de MoscovoSendo a interaco fundamental para a concepo de educao de Vigotsky, Vytaly Rubtsov indica as condies necessrias a uma actividade eficaz de aprendizagem partilhada Lev Vigotsky considerava a actividade partilhada o mais importante dos meios socioculturais de desenvolvimento; era, na sua opinio, o modo fundamental de aprender. , no entanto, mais fcil falar das interaces professor-aluno como a base da aprendizagem bem sucedida, do que, efectivamente, planear essas interaces numa situao de aprendizagem real. Segundo Vigotsky, nem todas as formas de organizar actividades de aprendizagem partilhadas, ou repartidas, iro permitir s crianas dominar novos meios e estratgias de resoluo das tarefas de aprendizagem. Foi Alexei Leonteev, aluno de Vigotsky, quem primeiro se debruou sobre essa questo chave: planear actividades partilhadas que influenciem o desenvolvimento da criana. Investigar a interaco O mtodo dos pesos ilustra a forma de organizar uma actividade conjunta eficaz, neste caso para que crianas de sete a nove anos compreendam as relaes complexas entre coisas. Duas crianas tm de trabalhar em conjunto para equilibrar uma srie de pesos num brao calibrado, movendo, acrescentando ou retirando pesos. Para resolver este problema, tm de ter em conta a relao entre cada peso e a sua distncia relativamente ao centro de gravidade do brao. Um participante tem a possibilidade de mover os pesos no brao, mas no de os acrescentar ou retirar; o outro pode aumentar ou reduzir o nmero de pesos, mas no mov-los. Esta diviso de actividades exige, por conseguinte, que os dois participantes trabalhem em conjunto, coordenando as suas aces, a fim de resolver a tarefa com xito. Quando as crianas passam para o problema seguinte, trocam de papel. Planear deste modo a actividade partilhada ajuda as crianas a compreender a relao entre pesos e distncias e a utilizar a generalizao desta compreenso para resolver problemas especficos de equilbrio. Esta generalizao da compreenso permitelhes: coordenar entre si as aces; aplicar a novas situaes esta forma geral de coordenar aces individuais; e adaptar o modo de coordenar as aces de cada um, quando a tarefa muda. Coordenar aces com um parceiro promove o pensamento reflexivo da criana. Mas, s por si, no garante que seja capaz de identificar os elementos essenciais da tarefa e de realizar as aces apropriadas que os implicam. necessrio usar outros meios para aumentar a eficcia de actividades de aprendizagem partilhada, tais como a utilizao por parte das crianas de modelos simblicos e pictricos para representar os problemas que resolvem e os passos de cada parceiro para a soluo do problema. Outro meio eficaz de organizar a resoluo interactiva de problemas preparar um conflito de aprendizagem, por exemplo limitar os materiais ou as operaes. O primeiro pode implicar a remoo de alguns objectos essenciais ou a introduo de um objecto inadequado ou suprfluo, de forma a exigir dos participantes uma anlise cuidadosa. A segunda pode envolver a criao de condies que obriguem os participantes a reestruturar previamente os mtodos de interaco adoptados. A criao destes conflitos apoia vrios tipos de aco partilhada: anlise e seleco, avaliao do mtodo proposto e adequao da sua implementao; ponderao comparativa da eficcia dos diferentes modos de implementar a activi-

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dade partilhada. A resoluo de conflitos de aprendizagem envolve, ao contrrio da dos conflitos pessoais, uma expresso emocional relativamente controlada, dado que os parceiros se centram em se sim ou no cada soluo proposta consistente com a estratgia geral que adoptaram e se o processo de aco que acordaram funciona numa nova situao.

desta documentao permite s crianas pesquisar independentemente mtodos eficazes de resoluo de problemas. As crianas participam neste trabalho de grupo com muito entusiasmo. Empenhamse activamente na discusso de mtodos de resoluo de problemas e dos registos que fizeram nos seus dirios. Cada participante est desejoso de justificar os seus mtodos e de avaliar outras sugestes. So feitas muitas perguntas ao professor acerca dos mtodos escolhidos pelos membros do grupo e a sua adequao. As crianas avaliam as suas prprias aces, no s em termos da sua eficcia, mas tambm de como se enquadram nas aces dos outros membros do grupo. Os resultados de muitos anos de pesquisa demonstram que as crianas conseguem dominar estes novos mtodos de resolver problemas, dentro de um grupo. Conseguem usar a experincia para completar novas tarefas. As concluses tambm indicam que essas capacidades de resoluo de problemas em grupo se mantm, para a maioria das crianas, pelo menos at ao fim da educao escolar. Mais ainda, determinados modos de cooperao entre crianas esto relacionados com determinadas formas de cooperao na resoluo de problemas. o primeiro modo abordagem individual caracteriza-se por os participantes no encararem a soluo do problema como uma tarefa conjunta; o segundo modo aco paralela caracteriza-se por a aco de um parceiro ser considerada subordinada do outro, e poder, por isso, legitimamente impor-selhe; o terceiro modo cooperao caracteriza-se por a aco de um e outro dos parceiros e tambm as maneiras de as coordenar serem consideradas do ponto de

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Pr a investigao em prtica Foram introduzidos programas para ensinar a lngua russa, artes e fsica com base no trabalho realizado na Escola Experimental n 91 em Moscovo (escolas experimentais so aquelas em que os novos mtodos educativos propostos por investigadores so aplicados prtica). Nestes programas, a actividade partilhada do professor e das crianas caracterizada por: O adulto e grupos de crianas a trabalham em conjunto, consistindo esse trabalho na resoluo prtica de tarefas.

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As crianas, trabalhando em grupo, investigam as condies para organizar o trabalho interactivo, registando as suas aces em dirios de estudo com essa finalidade e discutindo os resultados alcanados pelo grupo. As actividades partilhadas incluem tambm a troca de dirios entre grupos, a discusso mtua do trabalho e a criao por parte de um grupo de problemas para outro resolver. O professor organiza as actividades partilhadas quer intra-grupo quer entre grupos. No demonstra como se fazem as tarefas, mas orienta as crianas, organizando situaes educativas especficas. O uso de modelos pictricos e grficos (como desenhar uma balana com pesos posicionados de maneiras diferentes) para representar tanto as actividades em si como os seus resultados. O intercmbio

vista da sua contribuio para o objectivo partilhado. Para alcanar nveis mais avanados de resoluo de problemas, as crianas tm de ser capazes de chegar cooperao, o terceiro modo de aco. bastante bvio que a capacidade de coordenar as aces de cada um com as dos outros e a capacidade de estabelecer uma comunicao e cooperao mtuas so indicadores extremamente importantes do desenvolvimento psicolgico das crianas. Estas concluses provam as ideias de Vigotsky. No geral, a investigao inspirada pela teoria de Vigotsky demonstra a importncia das condies criadas pelo professor para que as crianas participem em actividades partilhadas de aprendizagem. A condio mais importante garantir que a ateno dos participantes esteja centrada no contedo do problema e, simultaneamente, nas maneiras de cada um coordenar com o seu parceiro as aces direccionadas para a resoluo do problema. importante planear actividades partilhadas de modo a conterem exigncias que imponham alguns constrangimentos s aces de cada criana, para que se envolva cada vez mais em processos de pensamento reflexivo. Desse modo, a criana poder, por um lado, voltar-se para a aco de outro participante e, por outro, estruturar a aco mtua relacionando as suas aces com as do outro. Como foi anteriormente observado, estes processos podem ser facilitados pelo uso abundante de modelos simblicos e pictricos. medida que as crianas se dedicam a actividades partilhadas e comeam a encarar as tarefas em que trabalham como tarefas conjuntas, h uma mudana na forma como vem as suas prprias aces o que, finalmente, permite uma maior flexibilidade dessas aces. Nesse momento, conseguem ultrapassar o egocentrismo das suas prprias aces e desenvolver as competncias necessrias para uma cooperao bem sucedida.

a ZDP, zona de desenvolvimento prximoBert van [email protected]

* Professor no Departamento de Teoria e Investigao em Educao, da Universidade Livre de Amesterdo

Bert van Oers analisa diferentes perspectivas de um dos conceitos centrais de Lev Vigotsky

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Educao, desenvolvimento e aprendizagem Teorias recentes em pedagogia defendem que a aprendizagem escolar no deve estar apenas centrada no domnio de tarefas cognitivas. Deve, tambm, promover o desenvolvimento das crianas num sentido mais lato, incluindo o desenvolvimento da identidade. Como compreender os processos de aprendizagem que podem estimular o desenvolvimento da identidade da criana a sua capacidade pessoal de participar consciente e reflexivamente em prticas culturais? Nos ltimos anos, as ideias de Vigotsky tornaram-se cada vez mais relevantes para os debates sobre a inovao nas prticas educativas. Segundo Vigotsky, a boa educao deve estar sempre um passo frente dos alunos, ajudando-os a apropriar-se de novas aces e promovendo, deste modo, o desenvolvimento. Vigotsky afirmou que o desenvolvimento se baseia na formao de estruturas complexas das funes psicolgicas, na motivao e na relao com o Mundo. Promover o desenvolvimento significa promover inovaes nessas estruturas complexas, atravs da formao de novas capacidades de pensamento de nvel mais elevado, de novas motivaes e de novas atitudes: o que Vigotsky designa de novoobrazovanie, e que traduzo por neoformaes. Ao discutir os processos de aprendizagem que podem promover desenvolvimentos desse tipo, Vigotsky faz notar que os educadores devem ter em conta o nvel de funcionamento que as crianas j adquiriram o nvel de desenvolvimento real. Mas acentua que, com apoio adequado, as crianas podem atingir mais do que se poderia esperar com base no seu nvel de desenvolvimento real. Este apoio cria uma

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rea potencial de processos de aprendizagem, a zona de desenvolvimento prximo que, em condies adequadas, pode promover neoformaes e, por conseguinte, o desenvolvimento.

O que a ZDP? A noo de zona de desenvolvimento prximo provavelmente um dos mais famosos conceitos da teoria de desenvolvimento de Vigotsky, de que amplamente se usa e abusa na investigao e na prtica. H ainda muita confuso acerca da sua definio e pretendo propor um conceito de zona de desenvolvimento prximo que seja consistente com as ideias educativas globais de Vigotsky. A zona uma noo que teve evolues no trabalho de Vigotsky. Inicialmente, usou o conceito como um indicador de potencial intelectual, defendendo que o desenvolvi-

mento potencial no pode ser avaliado em termos absolutos (por exemplo, atravs dos resultados num teste de inteligncia), devendo basear-se no que a criana capaz de aprender em condies ptimas (por exemplo, com apoio). Mais tarde, no seu trabalho, Vigotsky centra-se mais nas condies necessrias para criar a zona de desenvolvimento prximo. A zona passou a ser um conceito educativo. A maioria das definies parte da definio operacional da zona como a diferena entre a resoluo independente de problemas e os desempenhos da criana com o apoio de adultos ou de colegas com maiores conhecimentos. No entanto, esta regra da discrepncia, ao centrar-se no desempenho de tarefas especficas por uma determinada criana, atraioa as verdadeiras intenes educativas do conceito. A importncia que Vigotsky atribui ao apoio de outros mostra que a zona no uma qualidade especfica

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da criana, nem uma qualidade especfica do ambiente educativo ou dos educadores. Pelo contrrio, essencialmente uma actividade partilhada, produzida em colaborao, na interaco da criana com outros mais conhecedores. As tradues da zona como um potencial de aprendizagem (muito comuns a partir de 1970) concebem-na como uma das qualidades do indivduo que aprende. Nesta situao, a zona funcionaria quase como um sinnimo de Q.I., reportando-se capacidade geral de uma pessoa para aprender coisas novas mas no era isso que Vigotsky queria dizer. Para contrariar este cenrio, preciso compreender a importncia da mudana no pensamento de Vigotsky, no sentido da zona como conceito educativo. Esse pensamento aprofundado num artigo sobre a interaco entre aprendizagem e desenvolvimento. Argumenta que a plena compreenso do conceito de zona de desenvolvimento prximo deve ter como consequncia uma reavaliao do papel da imitao na aprendizagem. (sublinhado meu). No seu ltimo e fundamental trabalho Pen-

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samento e Linguagem, escreve Vigotsky: O aspecto central de toda a psicologia educacional consiste na possibilidade de transio para um nvel mais elevado de funcionamento cognitivo atravs da colaborao, a transio do que a criana j capaz de fazer para o que ainda no consegue fazer com a ajuda da imitao. este o fundamento do sentido da educao para o desenvolvimento e que, na realidade, coincide com o contedo da zona de desenvolvimento prximo. Se se conceber a imitao num sentido lato, esta constitui a forma principal de a educao exercer influncia no desenvolvimento (sublinhado meu). Ao elaborar a noo de imitao, Vigotsky sublinha que no deve ser confundida com a mera cpia das aces concretas dos outros. A imitao antes de mais, para Vigotsky, a emulao de uma actividade cultural.

Imitao e participao No se pode ultrapassar o que o prprio Vigotsky escreveu e dizer que a imitao est directamente relacionada com a par-

ticipao nas prticas socioculturais. Esta afirmao no se encontra no trabalho de Vigotsky, mas pode ser facilmente inferida. A imitao refere-se ao facto de que a actividade cultural preexistente criana e pode ser por ela emulada, ao participar nesta actividade a partir das capacidades que possui no momento. A criana recebe ajuda das aces ou funes dessa actividade, que ainda no consegue fazer sozinha. Na minha opinio, a zona de desenvolvimento prximo refere-se rea de desenvolvimento de neoformaes, que revelada quando os alunos participam em actividades socioculturais, em que querem participar e em que so capazes de dar sentido participao, mas em que necessitam de mais ajuda para se apropriarem das novas aces e funes que essas actividades encerram. Esta relao intrnseca entre imitao e participao da maior importncia para a prtica educativa. Na ltima dcada, atravs de diversos estudos em sala de aula, encontrei vrios exemplos da fecundidade desta interpretao do trabalho de Vigotsky. Por exemplo, quando as crianas esto a comear a aprender a ler, procura-se envolv-las em actividades comunicativas num sentido lato, em que participam com os seus prprios meios e em que so encorajadas a inventar novas formas de comunicao. As crianas no comeam imediatamente a ler, mas partem de ser escritores e de inventar e melhorar os instrumentos da escrita. A partir da compreenso do seu papel como escritores, podem imaginar as intenes do escritor de um livro e aprender a interpretar a sua escrita, atravs da aquisio gradual e com ajuda das tcnicas da leitura como acto comunicativo. Envolver deste modo as crianas em actividades culturais cria uma zona de desenvolvimento prximo em que conseguem imitar essa actividade cultural. Ao imitar neste contexto com ajuda de outros, apropriam--se de instrumentos culturais significativos, como a leitura, a escrita, a matemtica, etc.

vigotsky, um amigo da prticaLeif [email protected]

* Psiclogo, trabalha na Sucia

-infncia e no o que tm na cabea que decisivo para o seu desenvolvimento. O que est nas suas cabeas uma srie de actividades anteriores externas e conjuntas, apoiadas por instrumentos e situadas em contextos culturais especficos.

Leif Strandberg apresenta exemplos suecos de mtodos prticos para aplicar as ideias de Vigotsky educao de infncia Dar um passo em frente! A vida humana uma aventura fantstica. A capacidade de passar do que no se sabe para o que se sabe, e do que se sabe para o que no se sabe, verdadeiramente fascinante e enche de esperana: possvel avanar, h possibilidade de dar um passo em frente! A pedagogia da educao pr-escolar consiste em ajudar as crianas a dar esses passos. O que leva a dar esses passos? Por que se quer avanar? H dois modelos explicativos. Um baseia-se nas teorias que defendem que as respostas podem ser encontradas no interior do apetrechamento mental do indivduo e que o desenvolvimento nasce da maturao. Tem de se passar algo de errado com a criana que no se desenvolve correctamente. Esta teoria um beco sem sada para a criana. Para refutar este modelo, Vigotsky desenvolveu uma perspectiva totalmente diferente: a psicologia histrico-cultural. A voz de Vigotsky est plena de esperana. O desenvolvimento no uma questo individual, no desabrocha a partir do mundo mental interior. Baseia-se, pelo contrrio, na vida real e prtica que a criana leva. o que as crianas fazem no jardim-de-

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Actividade conjunta a palavra-chave Vigotsky menciona quatro dimenses nas actividades de aprendizagem da criana. Em primeiro lugar, a dimenso social. A competncia de cada criana tem a sua origem em diferentes formas de interaco com outros. Vigotsky fala de um modelo em dois tempos. A aprendizagem ocorre duas vezes: primeiro em conjunto, depois a ss. A criana est simplesmente a pedir emprestada a competncia de um amigo. Quando no sei fazer alguma coisa, peo a um amigo mais esperto que ma empreste e depois consigo faz-la sozinho. Em cooperao com outros, a criana consegue realizar uma cabea mais acima, como expressa Vigotsky. Em segundo, a dimenso do instrumento. Contestando o primeiro modelo de desenvolvimento, Vigotsky introduz o conceito de mediao. Uma criana activa usa sempre instrumentos e signos. Estes contm conhecimento armazenado, que as crianas usam nas suas actividades. Sem contar pelos dedos, no haver clculo mental. A palavra um instrumento particularmente importante, pois influencia e transforma a maneira de pensar. Em terceiro lugar, a dimenso contextual. As actividades de aprendizagem da criana no se fazem no vcuo. Ocorrem sempre em situaes especficas e em contextos culturais, por exemplo, em salas. Estes contextos contm competncias, a criana pede emprestadas as competncias da sala. Por isso, Onde ests quando aprendes? uma importante questo pedaggica. Algumas salas ajudam, outras impedem a aprendizagem. Por ltimo, a dimenso criativa. Actividades criativas tm consequncias na aprendiza-

gem e no desenvolvimento. As crianas no usam apenas as relaes, os instrumentos e as situaes. Tambm os recriam. No so apenas utilizadores de instrumentos, tambm os constroem. , por isso, importante que as crianas tenham liberdade para fazer as coisas sua maneira, que lhes seja permitido usar todas as que Loris Malaguzzi chamou as suas cem linguagens, para que desenvolvam a sua capacidade de construtoras de significados. Estas quatro dimenses ajudam a criana a dar um passo em frente. J que a palavra-chave actividade, aceitar a perspectiva de Vigotsky abre, nos jardins-de-infncia, um mundo muito prtico para crianas e educadores. Vigotsky liberta adultos e crianas de uma pedagogia retrospectiva, diagnstica e resignada e leva uns e outras para um mundo de actividades onde se olha em frente e no apenas para trs, onde se faz e realiza e no apenas explica, e onde se tem esperana. uma questo de desenvolver as interaces entre crianas e adultos e das crianas entre si; das crianas terem acesso a instrumentos e palavras; de variar as salas; e de envolver as crianas como parceiros criativos. Os textos de Vigotsky podem parecer difceis, mas os mtodos construdos sobre as suas teorias so simples, baratos, agradveis e prticos e produzem efeitos imediatos. A criana sente-se capaz de agir, pensar, planear, sentir e querer de maneira totalmente diferente quando lhe permitido agir com uma cabea mais acima em actividades conjuntas, que reconhecem a competncia da criana. Vigotsky chama a este tipo de actividade zona de desenvolvimento prximo. Dar um passo em frente uma aventura, mas no um mistrio. possvel dar um passo em frente, juntamente com os outros, o que deve parecer maravilhoso a um educador. O facto de o desenvolvimento emanar de relaes d verdadeiro sentido a ser educador e amigo. Eu fao a diferena. Eu significo alguma coisa.

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Trabalhar com Vigotsky O programa educativo dos jardins-de-infncia suecos (centros para crianas de 1 a 6 anos) e das escolas inspira-se nas ideias de Vigotsky. Participei, durante muitos anos, em projectos de desenvolvimento para aplicar essas ideias. A seguir, encontram-se breves descries de exemplos de mtodos prticos que os professores desenvolveram.

INTERACO Pergunta a trs amigos Este mtodo visa habituar as crianas a pedir ajuda a outras. As crianas habitualmente voltam-se para o adulto por nunca terem aprendido que correcto perguntar a um amigo. As crianas incentivadas a perguntar a trs amigos descobrem que acontecem coisas boas se se atreverem a perguntar: os amigos podem ajudar.reDescobrir vigotsky

rentes aspectos do trabalho em equipa: por exemplo como as crianas do e partilham com outros, como se ajudam mutuamente, como pensam e fazem planos em conjunto. A ideia do jogo reside em as crianas, divididas em pequenos grupos, tirarem uma fotografia e um carto (os adultos ajudam-nas a ler a pergunta). O grupo responde ento pergunta e tambm demonstra concretamente como se ajudam mutuamente; as fotografias auxiliam as crianas a ver que j realizam actividades em conjunto e, no jogo, tm a oportunidade de aprender os nomes dessas actividades. Todas as actividades que estimulam as crianas a agir em conjunto constituem um passo importante.

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Os trs devem saber Desafimos as crianas a resolver tarefas em conjunto e no ficarem satisfeitas at todos os elementos do grupo as saberem fazer. As crianas so encorajadas a tornar-se professores uns dos outros e demonstraram ter jeito para se ajudarem umas s outras, se tiverem essa oportunidade.

Instrumentos e linguagens Artefactos mediadores A participao das crianas pequenas na mudana das fraldas muitas vezes passiva. Num jardim-de-infncia, as crianas so incentivadas a fazer algumas coisas sozinhas, tal como tirar a fralda e p-la no caixote do lixo. Foram colocados bonecos diferentes no fraldrio. Uma menina, que ainda no sabia falar, usou estes bonecos de um modo inteligente. Em cada fralda havia imagens de animais diferentes. Era evidente que menina queria uma fralda com uma determinada imagem, mas no conseguia encontrar a que queria. Ento foi procurar um brinquedo que correspondesse imagem que desejava. Trouxe um gato e foi, assim, capaz de achar a imagem do gato. Depois disto, o pessoal do infantrio aprendeu a usar artefactos mediadores em todas as interaces.

da criana est relacionado com a qualidade da interaco adulto-criana. H sempre duas pessoas envolvidas num acto sociocultural. Os educadores decidiram incidir mais na linguagem, trabalhando com a Palavra da Semana. Todas as semanas, era introduzida uma palavra nova e interessante que era utilizada com as crianas. Simples e banal? Sim. Vigotsky pragmtico. Vigotsky convida a fazer. Muitas vezes o que parece evidente nunca chega mesmo a ser feito porque os adultos esto espera que a criana amadurea como espera de Godot... No mundo de Vigotsky a aprendizagem precede o desenvolvimento, o que significa que os professores podem desafiar as crianas com o que ainda no sabem. Novas palavras podem ser um desses desafios. As palavras so importantes para o pensamento lgico, abrindo um espao para o desenvolvimento conceptual se realizar.

Trabalhar em conjunto um jogo sobre trabalho em equipa H num jardim-de-infncia uma caixa com muitas fotografias de crianas em todos os tipos de actividade conjunta. Escrevemos perguntas em cartes e colocmo-los noutra caixa. As perguntas incluam dife-

Palavras Num outro jardim-de-infncia, os educadores consideravam que as crianas tinham uma linguagem pobre. Mas ao reflectirem, com a ajuda de Vigotsky, perceberam que o desenvolvimento lingustico

Salas Pensar e aprender so contextuais, aprendem-se coisas diferentes em situaes diferentes. Que tipo de salas temos? Como podemos utiliz-las? Num jardim-de-infncia fizemos uma visita sociocultural s instalaes e colocmos as seguintes perguntas: em que tipo de sala um grupo de crianas achar fcil ser ouvido, discutir e, tambm, interagir? Em que tipo de sala ser fcil pedir emprestada a competncia de um amigo mais capaz? H um local onde a criana se possa sentar e falar alto bem como estar em silncio e s? Como deve ser equipada e decorada a sala para estar uma cabea mais acima da criana, noutras palavras, ser desafiadora? Que possibilidades escondidas existem nos ambientes exteriores? Que tipo de sala ajuda a criana a concentrar-se? O objectivo no era construir novas salas. Tratou-se, em geral, de uma questo de usar tapetes, cadeiras, mesas, coberto-

res e almofadas existentes para ajudar as crianas a usar diferentes salas com diferentes finalidades. Umas favorecem o dilogo e outras, o trabalho em equipa em grandes grupos, enquanto certos locais ajudam as crianas a estar ss para organizarem o seu discurso interior.

Criatividade O jardim-de-infncia um contexto ideal para o jogo, a imaginao e a criatividade, actividades que so mesmo importantes quando as crianas esto para dar um passo em frente. O jogo, escreve Vigotsky, o mtodo prprio da aprendizagem das crianas: o jogo cria uma zona de desenvolvimento prximo para a criana... no jogo como se estivesse uma cabea acima da sua. Muitas vezes basta dar espao ao jogo das crianas para que elas prprias inventem diferentes formas de brincar. No entanto, alguns jardins-de-infncia estabeleceram as seguintes actividades. parte do jardim-de-infncia e as crianas tm muitas oportunidades para descobrir novas orientaes de pensamento. Mas, numa escola secundria, o jogo foi usado para permitir que os adolescentes chegassem a novos nveis de abstraco na matemtica e na fsica. as actividades e, num momento oportuno, introduzi-los na terminologia matemtica. Este pequeno projecto tambm ajudou a estabelecer uma continuidade entre o trabalho pedaggico do jardim-de-infncia e da escolaridade obrigatria. Temos a mesma tarefa, mas trabalhamos de maneiras diferentes.

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Oficina de Trapalhadas Um jardim-de-infncia tinha um canto cheio de trapalhadas, como computadores partidos, bicicletas e tecidos. Os educadores incentivavam as crianas a desmont-los e a usar as peas para construir coisas novas, a criar por eles alguma coisa.

Metodologia do jogo e zona de desenvolvimento prximo H vrios elementos que podem ser includos no jogo das crianas para as ajudar a dar um passo em frente. Um a visualizao de um objecto que no existe. Uma cadeira pode transformar-se num barco. Essa capacidade de visualizao dando significado a um objecto um aspecto importante para o desenvolvimento do pensamento abstracto, por outras palavras, para encontrar uma nova orientao de pensamento. O jogo faz naturalmente

As crianas pequenas fazem matemtica Foi pedido ao pessoal duma escola para dar uma especial ateno matemtica. Um grupo de supervisores de creche, trabalhando com crianas mais novas, interrogou-se se esse pedido teria a ver com a sua aco. Mostraram-me fotografias de actividades dirias das crianas e discutimos se incluam matemtica. Era emocionante ver que muitos conceitos matemticos podiam ser, realmente, descobertos nestas actividades. Tendo-o percebido, podiam ajudar as crianas a prosseguir com

Concluso O objectivo do meu artigo demonstrar quo fcil, simples e barato pode ser trabalhar pedagogicamente utilizando uma perspectiva sociocultural, onde as interaces, instrumentos, salas e criatividade geram uma zona de desenvolvimento prximo. As perspectivas de Vigotsky ajudam as crianas a dar um passo em frente. Vigotsky leva a querer fazer, experimentar, ousar. E ao apoiar o desenvolvimento das crianas, tanto estas como os adultos se devem divertir.

o valor do jogo ser realmente compreendido?Pentti [email protected]

* Consrcio do Campus de Kajaani, Universidade de Oulu, Finlndia.

Pentti Hakkarainen apresenta investigaes, inspiradas pelas ideias de Vigotsky, que aprofundam as relaes entre jogo e desenvolvimento, Na Finlndia, bem como em todos os pases nrdicos, o jogo da criana tem um estatuto especial na educao de infncia (EI). H documentos oficiais que relacionam o desenvolvimento da criana com a experincia de brincar. Mas como, que o jogo desenvolve a criana e qual o melhor tipo de jogo no quotidiano? Apesar de haver uma atitude favorvel, estas questes no so tratadas nas orientaes curriculares para a EI; por exemplo, o Currculo Finlands para a Educao Pr-Escolar trata detalhadamente modos de desenvolver o domnio cognitivo, mas no de mtodos de jogo. Posteriormente, na escola, o jogo apenas proposto como mtodo complementar, para tornar o ensino mais interessante.

lhor forma a criatividade e o desenvolvimento das crianas. Tanto o clube de jogo como a sala de aula reunindo diferentes idades tinham como objectivo apoiar a iniciativa e a imaginao das crianas. As crianas podiam escolher entre diferentes actividades criativas no clube: actividades para todo o grupo, actividades em pequenos grupos distribudos por diversas reas e actividades individuais. Procurou manter-se o equilbrio entre as actividades da iniciativa da criana e da iniciativa do adulto, e fornecer espao e tempo suficientes para o jogo individual. As crianas da sala, integrando diferentes idades, trabalhavam 60 a 70% do tempo em diferentes enquadramentos narrativos: mundos conjuntos de fantasia (descritos abaixo), jogo temtico, projectos narrativos e jogos. O tempo restante era diversificado, trabalho escolar para o primeiro e segundo anos e actividades de jogo para as crianas mais novas. A diversificao era possvel por haver uma equipa de 3 adultos (professor do 1 ciclo, educador de infncia e auxiliar de educao) a trabalhar na sala.

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Investigao experimental sobre jogo A relao entre jogo e desenvolvimento constituiu a primeira temtica de investigao experimental sobre jogo do Centro de Investigao de Ensino e Aprendizagem para o Desenvolvimento no campus de Kajaani da Universidade de Oulu (http:// www.kajaaninyliopistokeskus.oulu.fi/tutkimuskonsortio/developunit.htm). O ponto de partida terico foi o enigmtico comentrio de Vigotsky, o jogo cria sempre a zona de desenvolvimento prximo, que pode parecer uma promessa vazia. Mas os trabalhos experimentais que realizmos em clubes de jogo criativo para crianas (do nascimento aos 6 anos) e em salas de aula que reuniam diferentes idades (dos 4 aos 8) demonstram que se deve interpretar este comentrio em articulao com outras ideias de Vigotsky sobre o desenvolvimento da criana e o jogo. O nosso desafio foi criar ambientes de jogo e aprendizagem que promovessem da me-

a resoluo de problemas que se verifica quando h ajuda de outro competente (normalmente, o professor). Mas como que o adulto pode ajudar a criana a brincar? Na tradio nrdica, tem-se como ideal o jogo livre das crianas, em que o adulto tem o papel de espectador que no intervm no seu desenrolar. Por outro lado, est a ser cada vez mais introduzido na educao de infncia um ensino directo de transmisso de conhecimentos, como aspecto necessrio preparao para a escola. Procuramos encontrar a soluo combinando formas directas e indirectas de apoio do adulto no jogo e na aprendizagem. Porqu? Consideramos que, para crianas pequenas, a experincia emocional e a atribuio de significado so sempre componentes essenciais do processo de aprendizagem. O conhecimento objectivo e os simples factos so para a criana elementos estranhos sua compreenso do Mundo. A imaginao o factor bsico na aprendizagem da criana, mesmo para dominar conhecimentos e capacidades que tm a ver com a realidade.

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Criar a zona de desenvolvimento prximo Como que os adultos ajudam a criar a zona de desenvolvimento prximo no jogo e em enquadramentos narrativos? A definio padro da zona de desenvolvimento prximo d realce aprendizagem como

A criao de mundos de fantasia No trabalho experimental que realizamos, adultos e crianas constroem mundos de fantasia partilhados em torno de temas importantes para a vida das crianas. Os professores iniciam habitualmente o mun-

do de fantasia contando uma bela histria ou lenda. por exemplo contada a histria dos duendes de Moomin e construdo em conjunto um mundo imaginrio. O mundo da fantasia constitui uma actividade semanal durante 5 a 7 meses e tanto as crianas como os professores podem introduzir novos elementos. Por exemplo, os professores podem ajudar as crianas a elaborar o tema, representando um determinado papel ou cena depois de ter observado o jogo livre das crianas. Tem sido difcil convencer os directores das escolas de que o mundo de fantasia pode ser um ambiente de aprendizagem mais eficaz do que o das aulas tradicionais. Chamamos a ateno para o desenvolvimento da imaginao, da iniciativa das crianas, e para a vontade de mudar as caractersticas pessoais de cada um, questionando como pode um adulto ajudar as crianas a desenvolver essas qualidades. O nosso trunfo tem sido o conceito de instrumentos psicolgicos de Vigotsky.

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Instrumentos psicolgicos Que instrumentos so esses? Vigotsky identificou dois tipos de instrumentos: os tradicionais, como um martelo ou serra que se usam para mudar objectos do ambiente; e os instrumentos psicolgicos, usados para mudar a vida psicolgica. Um belo exemplo de instrumentos psicolgicos passa-se numa das nossas salas de aulas. H cerca de dois meses as crianas tinham visitado o mundo de fantasia de Rumpelstiltskin. O mensageiro do rei (papel representado pelo professor) introduz uma nova reviravolta na aventura do mundo de fantasia, anunciando que Rumpeltiltskin tinha capturado as pessoas da corte, tendo-as prisioneiras nas caves escuras do castelo. Seriam os meninos capazes de as libertar? Inconscientemente, as crianas comeam a preparar instrumentos psicolgicos que as ajudassem a vencer o medo. Todas as crianas recortaram um escudo de carto para levarem quando en-

trassem na cave do castelo (a cave da escola). Decidiram que Rumpelstiltskin tinha medo do vermelho, por isso todas pintaram os escudos de vermelho. Achando que no bastava, inventaram um feitio contra os poderes mgicos de Rumpelstiltskin. Esse feitio estava escrito no interior de cada escudo e era pronunciado em voz alta porta da cave. Curiosamente, as crianas que costumavam ser mais gabarolas e destemidas nas situaes do dia-a-dia no se manifestaram nessa altura to corajosas. O que importante neste exemplo? No se trata de jogo livre das crianas: os adultos criaram novas situaes imaginrias, representaram-nas, desempenhando papis. Por que isto necessrio? Nos jardins-de-infncia encontram-se poucas crianas capazes de criar enredos de jogo, os perodos de jogos so curtos e com apenas dois ou trs participantes. Mesmo as crianas mais velhas (dos 4 aos 6 anos) ainda brincam com objectos ou sozinhas. A elaborao conjunta de um mundo de fantasia cria situaes imaginrias desafiadoras, nas quais as crianas tm de tomar iniciativas, desempenhar papis e resolver problemas complicados. O conceito de jogo de Vigotsky sublinhou estes aspectos como o mecanismo desenvolvimental do jogo. As crianas modificam o seu comportamento, ao usar o papel que representam como instrumento psicolgico. Desempenhar um papel e criar uma situao imaginria implica adoptar regras culturais escondidas, que guiam aces; por exemplo, a maneira como a criana desempenha o papel de me est intimamente relacionada com o modo como tratada no seu ambiente cultural. Na psicologia vigotskyana, o jogo do faz-de-conta da criana foi chamado a escola da vontade e motivao.

Criar uma comunidade de aprendizes envolvidos e activos No nosso exemplo de mundo de fantasia, os alunos do primeiro e segundo anos brincam

com muito entusiasmo, e somos, por vezes, acusados de que este tempo roubado verdadeira aprendizagem. Este argumento baseia-se na ideia de que apenas os trabalhos e as tarefas que so distribudos em cada matria escolar e as explicaes do professor podem conduzir verdadeira aprendizagem. A indicao do que essencial na aprendizagem pe em causa esta ideia de educao. No jogo, tudo faz sentido para as crianas, mas no ensino normal do 1 ciclo as crianas precisam de ser motivadas para resolver as tarefas que lhes so propostas. Essas tarefas escolares no fazem parte do mundo e da criatividade das crianas; em muitos casos o ensino no visa ampliar a iniciativa das crianas, mas limit-las muito. Em resumo, h uma grande diferena entre jogo e aprendizagem escolar sria na promoo da iniciativa das crianas. Conclumos, a partir do nosso trabalho, que os mundos de fantasia e as actividades narrativas criam uma comunidade de aprendizes envolvidos e activos: implicam as emoes e a curiosidade das crianas; introduzem um tpico ou tema humano/pessoal importante, apelam a respostas, discusso, partilha e reflexo; e envolvem as crianas na soluo dos problemas colocados pelo mundo de fantasia. Em Kajaani, consideramos que o apoio dado pelos adultos s iniciativas e experincias das crianas conduz a mudanas reais no desenvolvimento e cria uma zona de desenvolvimento prximo tanto no jogo, como na aprendizagem.

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as ideias de vigotsky nas novas democraciasTatjana [email protected]

* Directora do Centro de Investigao em Desenvolvimento - ISSA, Lubliana, Eslovnia

Tatjana Vonta descreve a influncia que esto a ter as teorias de Vigotsky em novas prticas pedaggicas de pases da Europa de Leste A educao de infncia no sistema comunista tinha uma estrutura hierrquica e autoritria, muito influenciada por uma abordagem behaviorista do desenvolvimento da criana, e por um paradigma de ensino transmissivo. O trabalho do professor consistia em implementar actividades para todo o grupo, de acordo com os programas aprovados, os planos e manuais escolares, em que todas as crianas faziam e aprendiam as mesmas coisas, ao mesmo tempo. As oportunidades para as crianas escolherem e brincarem com jogos ou materiais no eram valorizadas como experincias de aprendizagem; na maioria dos pases, a aprendizagem sria e o jogo livre eram vistos como sendo totalmente diferentes. Era dada maior importncia s competncias cognitivas e fsicas do que aos aspectos sociais da aprendizagem e o uso da linguagem reduzia-se, no geral, a responder s perguntas do professor. Este clima hierrquico tambm existia na formao de professores e no envolvimento das famlias. A ISSA Step by Step Association pe em contacto profissionais da educao de infncia e do 1 ciclo da Europa Central e de Leste e da ex-Unio Sovitica (ver pgina seguinte). A abordagem da associao centrada na criana e assenta numa articulao criativa de diferentes fontes tericas, sendo Vigotsky uma das mais importantes. Muitos educadores destes pases ou no conheciam as suas teorias ou no compreendiam as suas implicaes na prtica. Mas rapidamente se verificou que o trabalho de Vigotsky podia ter um impacto positivo nas mudanas necessrias a vrios nveis, que incluam: o trabalho dos professores com as crianas na sala de aula; o desenvolvimento profissional dos professores e as relaes com as famlias e as comunidades. Neste artigo so apresentados exemplos da influncia das ideias de Vigotsky em mudan-

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as educativas. Nomeadamente, no seio da rede associativa, as ideias de Vigotsky tm contribudo para redefinir o papel do educador de infncia, pela importncia atribuda ao significado das experincias sociais e comunicao e pela necessidade de ter como referncia a zona de desenvolvimento prximo das crianas para planear e individualizar o trabalho pedaggico.

O trabalho com crianas A aprendizagem ocorre em processos interactivos A abordagem Step by Step (passo a passo) cria experincias sociais que ajudam as crianas a desenvolver-se e a aprender, proporcionando situaes em que podem escolher grupos e projectos, facultando-lhes um grande nmero de oportunidades para ouvir e falar com outros e partilhar experincias. Os educadores propem, ao longo do dia, actividades de todo o grupo e de pequenos grupos; do s crianas a possibilidade de escolherem as actividades de trabalho; criam grupos de vrias idades (se possvel); e possibilitam a incluso de crianas com necessidades de apoio e de meios familiares diversos. Neste contexto, o papel dos educadores

apoiar as crianas a construir na sala de aula uma comunidade com a sua cultura, com valores e comportamentos que criam um contexto social para a aprendizagem. Por exemplo, nos encontros da manh e da tarde, as crianas constroem relaes mtuas; preocupam-se uns com os outros; negoceiam e elaboram as regras da sala de aula, encontram em comum solues para as suas vidas; e partilham conhecimentos, compreenso e experincias. As crianas planeiam em conjunto com os professores e reflectem sobre o que esto a fazer, o que aprendem, e o que deve mudar. As interaces sociais com outros adultos so incentivadas e planeadas atravs da incluso das famlias em actividades da sala de aula e de oportunidades em que as crianas saem e comunicam com membros da comunidade e os membros da comunidade entram na sala de aulas. A linguagem e a comunicao so essenciais no processo de aprendizagem Vigotsky mostrou que a linguagem expressa a partilha de experincias, necessria para construir o desenvolvimento cognitivo. A abordagem proposta pela ISSA considera que as crianas no aprendem s fazendo, mas tambm fazendo em con-

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junto e falando (notem-se as diferenas com o behaviorismo ou as perspectivas do desenvolvimento da criana de Piaget). O papel do professor redefinido, e de nico transmissor de conhecimento passa a ser um orientador, que cria situaes para as crianas falarem e aprenderem umas com as outras. A aprendizagem cooperativa alarga, aprofunda, apoia e estimula a comunicao e a interaco a diferentes nveis, entre crianas e entre crianas e adultos, de modo a apoiar a aprendizagem da criana. O professor tambm incentiva a participao activa de todas as crianas na vida social da sala de aula e ajuda-as a pr em prtica e compreender as suas responsabilidades num ambiente democrtico. Zona de Desenvolvimento Prximo Um outro conceito vigotskyano que influenciou a abordagem de ISSA a zona de desenvolvimento prximo a distncia entre a tarefa mais difcil que a criana consegue fazer sozinha e a tarefa mais difcil que consegue fazer com o apoio de crianas mais competentes ou de adultos. Este apoio conhecido como colocao de andaimes e pode, pela informao ou apoio dado criana, ajud-la a alcanar um novo conceito ou capacidade. Para dar este tipo de apoio, os educadores devem observar as crianas para determinar onde se encontram no processo de aprendizagem e onde so capazes de chegar a seguir, tendo em conta as suas necessidades individuais e o contexto social que as rodeia. So estas as bases do trabalho da associao na rea da individualizao, influenciando todas as actividades relacionadas com o planeamento curricular. As necessidades de desenvolvimento, interesses, estilos de aprendizagem, conhecimentos, capacidades e experincias de cada criana so tidos em conta. O educador estabelece uma ponte entre as exigncias do currculo oficial e as suas observaes, os conhecimentos que tem de cada criana e a sua apreciao quanto melhor forma de

apoiar a sua aprendizagem. Colocar andaimes envolve correr riscos, testar hipteses, aprender com os erros, que s podem proporcionar experincias de aprendizagem bem sucedidas em ambientes em que as crianas se sintam psicolgica e fisicamente seguras. Para criar este tipo de ambiente, deve ser construdo um forte sentido de comunidade, atravs de interaces entre crianas, famlias, educadores, directores das escolas e membros da comunidade.

mas de neutralizar essas influncias negativas, a fim de melhorar o contexto social do ambiente de aprendizagem.

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O desenvolvimento profissional dos educadores As experincias sociais e os processos interactivos de aprendizagem so tambm importantes para o desenvolvimento profissional dos educadores. Trabalhar em equipa e em rede d oportunidades para partilhar, reflectir e crescer pessoal e profissionalmente. Os cursos de formao da associao proporcionam oportunidades de aprendizagem interactiva, em que os educadores partilham as suas experincias para melhor compreender conceitos educativos e a forma de os implementar. Este trabalho de desenvolvimento profissional engloba a ideia de que h uma zona de desenvolvimento prximo na aprendizagem dos adultos. A associao promove diferentes formas de aconselhamento para professores: sistemas de aconselhamento regional, equipas de aconselhamento centradas na escola, aconselhamento entre colegas, aconselhamento online, etc. O aconselhamento facilita a auto-avaliao dos educadores, saberem onde se encontram no processo de melhoria da prtica e ajuda-os a identificar os passos que necessitam de dar a seguir. O programa de formao e aconselhamento da associao tambm promove uma consciencializao dos preconceitos, tendenciosidades e opinies inconscientes que podem influenciar o comportamento dos professores e as interaces com as crianas e famlias, disponibilizando for-

Relaes com as famlias e comunidades De acordo com Vigotsky, a associao considera que a aprendizagem e o desenvolvimento das crianas so fortemente influenciados e moldados pelas famlias, comunidades, cultura e estatuto na sociedade. O processo de aprendizagem assenta no que as crianas trazem da microcultura familiar: o que j sabem e pensam. Para criar as melhores condies de aprendizagem, necessrio conhecer o contexto familiar da criana, mostrar que se lhe d apreo e incorporar alguns dos seus aspectos no contexto da sala de aula. Uma forma de conseguir esta incluso dos contextos sociais da criana atravs do envolvimento activo dos membros da famlia em actividades de aprendizagem que associam a escola e a famlia. Os educadores procuram recolher informao junto dos pais que ir ajudar a aprendizagem da criana e incluir os pais nos processos de avaliao e planeamento. Esta participao realiza-se numa atmosfera de respeito, cooperao e abertura diversidade, em que os pais sentem que tm poder e so eficazes, tanto em casa como no jardim-de-infncia que os seus filhos frequentam. CONCLUSO Incorporar as ideias de Vigotsky na educao de infncia tem potencialidades para mudar as nossas sociedades; valorizar e melhorar as interaces sociais e promover a participao de cada um na sociedade civil. As ideias de Vigotsky produziram mudanas importantes nos pases da rede da associao. No entanto, a associao aprecia a diferena. Por isso, a implementao das ideias de Vigotsky reflecte as diferenas dos contextos sociais dos membros da rede, dando oportunidade a uma investigao que possa proporcionar novas maneiras de ver Vigotsky.

A Infncia na Europa visa contribuir para o desenvolvimento de polticas e prticas europeias e nacionais. uma rede europeia de 15 revistas nacionais que se juntaram para produzir uma revista nica, com o mesmo nome, publicada duas vez