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    Introduo

    05 Lies do Rio Grande: Referencial Curricular para as escolas estaduais

    11 Referenciais Curriculares da Educao Bsica para o Sculo 21

    25 Por que competncias e habilidades na educao bsica?

    29 A gesto da escola comprometida com a aprendizagem

    37 rea de Linguagens e Cdigos: Lngua Portuguesa e Literatura, Lngua Estrangeira Moderna, Arte (Artes Visuais, Dana, Msica e Teatro) e Educao Fsica

    Lngua Portuguesa e Literatura

    53 Primeiras palavras

    55 1 Leitura e formao do leitor

    61 2 Produo de textos

    70 3 Competncias e habilidades

    71 4 Reflexo lingustica

    83 5 Reflexo sobre a literatura

    92 6 Os contedos por srie/ano: progresso curricular

    116 7 Avaliao em Lngua Portuguesa e Literatura

    118 Portos de passagem

    119 Referncias

    Sumrio

    Lnguas Adicionais(Espanhol e Ingls)

    127 Introduo

    129 1 Pode-se aprender uma lngua adicional na escola?

    131 2 Por que aprender uma lngua adicional na escola?

    135 3 Do discurso para a prtica

    140 4 Quais so os contedos curriculares de Lngua Espanhola e de Lngua Inglesa?

    161 5 O planejamento de aulas de lngua

    164 6 Avaliao formativa

    169 7 O professor como interlocutor mais experiente em novas prticas de uso da lngua

    170 Concluso

    172 Referncias

    Progresso curricularpara educao bsica

    175 1 Objetivos da educao lingustica na educao bsica

    180 2 Sugestes para organizar a progresso curricular

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    Lies do Rio Grande Referencial Curricular para as escolas estaduais

    Mariza AbreuSecretria de Estado da Educao

    No Brasil e no Rio Grande do Sul, hoje o principal desafio melhorar a qualidade da educao de nossos alunos. E isso di-fcil. At algum tempo atrs, precisvamos aumentar o numero de vagas. O desafio era expandir o acesso educao escolar. Isso era mais fcil, pois se tratava de construir uma escola, inaugur-la e aumentar o n-mero de matrculas.

    Hoje, o acesso escola est, em grande parte, resolvido ou relativamente encaminha-do em todo o Pas e aqui no Estado, especial-mente no ensino fundamental e mdio. Ainda problema na educao infantil, responsabi-lidade dos Municpios, e tambm problema na educao profissional, responsabilidade dos Estados. Mas no ensino fundamental no RS, de 98% a taxa de escolarizao das crianas nas escolas estaduais, municipais ou particulares. E 77% dos jovens de 15 a 17 anos esto matriculados no sistema de ensi-no. um percentual ainda pequeno quando comparado com a meta de escolarizar no mnimo 98% tambm da populao nessa faixa etria. E muitos desses jovens ainda es-to atrasados, cursando o ensino fundamen-tal. Entretanto, somadas as vagas nas escolas pblicas e particulares do ensino mdio, h vaga para todos os jovens de 15 a 17 anos residentes no Rio Grande do Sul.

    verdade que existe problema na distri-buio geogrfica dessas vagas. s vezes faltam vagas em alguns lugares e h excesso noutros, principalmente nas cidades grandes e mais populosas, naquelas que recebem populao de outras regies ou de fora do Estado. s vezes, nas cidades grandes, falta em alguns bairros e sobra em outros. E no

    ensino mdio, h ainda o problema de ina-dequao entre os turnos, com falta de vagas no diurno.

    Mas o grande desafio em todo o Brasil e no Rio Grande do Sul a falta de qualida-de da educao escolar oferecida s nossas crianas e jovens. Colocamos muitos alunos na escola e os recursos pblicos destinados escola pblica no aumentaram na mesma proporo e, em consequncia, caiu a qua-lidade, as condies fsicas das escolas pio-raram, baixou o valor dos salrios dos pro-fessores, cresceram as taxas de reprovao e repetncia e reduziu-se a aprendizagem.

    Melhorar a qualidade muito mais dif-cil. Em primeiro lugar, ningum tem a fr-mula pronta, pois, para comear, j no to simples conceituar, nos dias de hoje, o que qualidade da educao. Depois, no palpvel, no se pega com a mo, como escola construda e nmero de alunos matri-culados. E depois, no to rpido.

    Construir escola possvel de se fazer no tempo de um governo e de capitalizar poli-ticamente. Qualidade da educao mais lenta no tempo, mais devagar. E tem mais um problema. De modo legtimo, os governantes movimentam-se atendendo a demandas da populao. E educao de qualidade no ainda uma demanda de todos. Por isso, apesar dos discursos polticos e eleitorais, na prtica a educao no tem sido prioridade dos governos. Nas pesquisas de opinio, em geral, segurana, sade e s vezes tambm emprego aparecem antes da educao nas preocupaes da populao. Isso porque j h vaga para todos, ou quase todos na es-cola pblica, e, por exemplo, tem merenda

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    para as crianas. As maiores reclamaes da populao referem-se a problemas com o transporte escolar ou a falta de professores. Dificilmente algum reclama que seu filho no est aprendendo. Dificilmente os pais ou a sociedade se mobilizam por falta de quali-dade da educao.

    Por tudo isso que se diz que, se que-remos educao de qualidade para todos, precisamos de todos pela educao de qua-lidade. E a melhoria da qualidade s pode ser resultado de um conjunto de aes, do governo e da sociedade.

    Como exemplos, em nosso governo, en-caminhamos uma soluo para o problema do transporte escolar, por meio da aprova-o, aps longa e proveitosa negociao com os prefeitos atravs da FAMURS, de uma lei na Assemblia Legislativa criando o Pro-grama de Transporte Escolar no RS. Junto com as direes, a Secretaria de Educao est aperfeioando o processo de matrcu-la, rematrcula e organizao das turmas das escolas estaduais. A confirmao da re-matrcula permite realizar um levantamento dos alunos que continuam frequentando a escola, eliminando os que deixam a escola por abandono ou so transferidos e ainda constam na listagem de alunos. Ao mesmo tempo, reaproxima os pais da escola, pois a relao da famlia com a escola uma das primeiras condies para que o aluno aprenda. De 2007 para 2008, a organiza-o das turmas das escolas em parceria com as CREs e a Secretaria foi realizada de forma artesanal, em fichas de papel; de 2008 para 2009, mais um passo utilizamos o nosso INE, a Informtica na Educao. E tambm est sendo feita uma pesquisa sobre o perfil socioeconmico das comunidades escola-res para promover poltica de equidade em nossas escolas. A partir de agosto de 2008, aperfeioamos a autonomia financeira das escolas, com atualizao do nmero de alu-nos matriculados, pois at ento eram ainda utilizados os dados de 2003, e aperfeioa-mos os critrios de repasse dos recursos. Ao mesmo tempo, o valor mensal repassado s

    escolas aumentou de 4,2 milhes para 5,4 milhes. Considerando-se a reduo da ma-trcula na rede estadual, pelo decrscimo da populao na idade escolar e a expanso da matrcula nas redes municipais, o valor da autonomia financeira aumentou de R$ 3,99 para R$ 4,18 por aluno.

    Em junho de 2008, foi lanado o Progra-ma Estruturante Boa Escola para Todos, com cinco projetos: SAERS Sistema de Avaliao Educacional do Rio Grande do Sul; Professor Nota 10; Escola Legal; Sala de Aula Digital e Centros de Referncia na Educao Profis-sional. Precisamos de escolas com boas con-dies de funcionamento. Se muitas escolas estaduais encontram-se em condies ade-quadas, isso se deve muito mais aos profes-sores e s equipes de direo que consegui-ram se mobilizar e mobilizar suas comunida-des para fazer o que o Governo do Estado, nesses quase 40 anos de crise fiscal, no foi capaz de fazer. Mas temos muitas escolas que no conseguiram fazer isso, ou porque suas direes no se mobilizaram o suficiente ou porque suas comunidades no tinham con-dies de assegurar os recursos necessrios para fazer o que o governo no conseguia fazer. difcil, em pouco tempo, recuperar o que o governo, em 30 ou 40 anos, no fez. Estamos realizando um esforo imenso para isso. Uma das primeiras medidas que o governo adotou foi assegurar que o salrio-educao fosse todo aplicado nas despesas que podem ser realizadas com esses recur-sos. Pela lei federal, o salrio educao no pode ser utilizado na folha de pagamento dos servidores da educao ou outros quais-quer. Entretanto, o salrio-educao saa da conta prpria onde era depositado pelo go-verno federal e, transferido para o caixa ni-co do Estado, no retornava s despesas em que pode ser aplicado.

    Para uma educao de qualidade neces-srio levar s escolas a tecnologia da infor-mao. um processo complicado no Brasil e em todo o mundo, como tivemos oportuni-dade de observar quando acompanhamos o Colgio Estadual Padre Colbachini, de Nova

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    Bassano, no Prmio Educadores Inovadores da Microsoft, etapa internacional em Hong Kong. No adianta instalar laboratrio de in-formtica nas escolas se, nas salas de aula, o ensino continuar a ser desenvolvido apenas com quadro negro, giz e livro didtico. E o laboratrio for um espao utilizado uma ou duas vezes por semana para aprender infor-mtica ou bater papo na internet, em geral com o atendimento de um professor espe-cfico, enquanto os professores do currculo continuam a no utilizar softwares educacio-nais. O laboratrio de informtica precisa vir a funcionar como aquela antiga sala de udio-visual, onde se tinha o retroprojetor ou a televiso com o vdeo-cassete. Para utilizar esse espao didtico, os professores se agen-davam para dar aulas especficas das suas disciplinas. preciso um servidor de apoio, de multi-meios, que saiba operar o hardwa-re, mas os professores precisam ser capacita-dos para usarem a tecnologia da informao os laboratrios com os microcomputadores e os softwares educacionais como recursos didticos em suas aulas. Em parceria com o MEC, nossa meta instalar mais 500 labo-ratrios nas escolas estaduais em 2009, com parte dos microcomputadores comprados pela Secretaria e outros recebidos do MEC, atravs do PROINFO.

    O Sistema de Avaliao Educacional do Rio Grande do Sul constitudo por duas aes: o Projeto de Alfabetizao de Crianas de Seis e Sete Anos e o Sistema de Avaliao Externa da Aprendizagem. O Projeto de Alfa-betizao foi iniciado em 2007, pois o Brasil acabara de introduzir a matrcula obrigatria a partir dos 6 anos de idade e de ampliar a durao do ensino fundamental para nove anos letivos, por meio de duas leis federais respectivamente de 2005 e 2006. O desafio passou a ser o de alfabetizar as crianas a partir dos 6 anos no primeiro ano do ensino fundamental. Nossa proposta construir uma matriz de habilidades e competncias da al-fabetizao, comeando com o processo de alfabetizao aos 6 anos para complet-lo no mximo no segundo ano, aos 7 anos. O

    projeto piloto foi estendido em 2008 para as crianas de 7 anos no segundo ano do ensi-no fundamental e reiniciado com novas tur-mas de crianas de 6 anos no primeiro ano. Em 2009, o projeto deixou de ser piloto e foi generalizado na rede estadual, pois passou a ser oferecido a todas as turmas com crianas de 6 anos no primeiro ano do ensino funda-mental neste ano. O Projeto de Alfabetizao da Secretaria de Educao do Rio Grande do Sul adotou trs propostas pedaggicas testa-das e validadas em experincias anteriores: o GEEMPA que desenvolve uma proposta ps-construtivista de alfabetizao; o Alfa e Beto que se constitui num mtodo fnico de alfabetizao e o Instituto Ayrton Senna que trabalha uma proposta de gerenciamento da aprendizagem, com base no mtodo de alfa-betizao j utilizado pela escola. O Projeto Piloto, financiado em 2007 com recursos da iniciativa privada e, em 2008 e 2009, com recursos do MEC, foi desenvolvido em tur-mas de escolas estaduais e municipais, dis-tribudas em todo o Estado. Para toda a rede estadual, em 2009 o Projeto financiado com recursos prprios do governo do Rio Grande do Sul.

    O SAERS Sistema de Avaliao Externa de Aprendizagem, iniciado em 2007 de for-ma universal nas escolas estaduais, com-plementar ao sistema nacional de avaliao do rendimento escolar desenvolvido pelo Ministrio da Educao. O governo federal aplica o SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica desde o incio dos anos 90, numa amostra de escolas pblicas e pri-vadas de ensino fundamental e mdio e, des-de 2005, a Prova Brasil em todas as escolas pblicas de ensino fundamental com mais de 20 alunos nas sries avaliadas.

    A avaliao realizada para melhorar a qualidade da educao, para que os profes-sores possam, por meio da entrega dos bole-tins pedaggicos s escolas, apropriar-se dos resultados da avaliao e, com isso, melho-rar o processo de ensino-aprendizagem.

    Mas o Projeto mais importante do Progra-ma Boa Escola para Todos o Professor Nota

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    10, pois no existe escola de qualidade sem professor de qualidade, com boa formao, elevada auto-estima e comprometido com a aprendizagem de seus alunos. Para isso, necessrio uma formao continuada ofere-cida pelo Governo do Estado.

    Desde 2008 j foram realizadas vrias aes de formao continuada para os pro-fessores, como o Progesto, programa de for-mao continuada distncia para gestores escolares, desenvolvido pelo CONSED Con-selho Nacional de Secretrios da Educao.

    Embora o governo estadual anterior te-nha adquirido o material instrucional do Progesto, no implementou o programa para gestores das escolas estaduais. Desde 2000, o curso somente foi oferecido em al-guns Municpios gachos para gestores mu-nicipais. Desenvolvemos o PDE Escola, junto com o MEC, o Acelera Brasil, e uma srie de aes de capacitao para professores de diferentes modalidades de ensino, como educao indgena, especial, prisional, de jovens e adultos, etc. Chegamos a capacitar em 2008 mais de 16 mil dos nossos cerca de 80 mil professores em atividade na rede estadual de ensino.

    E agora estamos entregando para vocs as Lies do Rio Grande. No Rio Grande do Sul, como no Brasil, o processo social e edu-cacional desenvolve-se de maneira pendular.

    Nos anos 50/60 at os anos 70, tivemos um processo muito centralizado no que se refere a currculos escolares. Os currculos eram elaborados nas Secretarias de Educa-o e repassados s escolas, para que elas os executassem. Aqui no Rio Grande do Sul, inclusive os exames finais eram feitos na prpria Secretaria de Educao e eram enviados a todas as escolas do Estado, para serem aplicados. Eram elaborados no para avaliar o sistema, como o SAEB ou SAERS, mas para avaliar, aprovar ou reprovar os alunos. Os professores deviam desenvolver os currculos elaborados pela Secretaria de forma a preparar seus alunos para fazerem as provas da SEC. Naquela poca, a socie-dade era muito mais simples, com menos

    habitantes, e era menos diversificada. A fre-quncia escola era muito menor: apenas 36% da populao de 7 a 14 anos estavam na escola em 1950, enquanto hoje so 97% no Brasil e 98% no Estado. Quando apenas 36% da populao na faixa etria apropria-da frequentava a escola, basicamente s a classe mdia estudava e a escola era mais padronizada, tanto no currculo quanto na forma de avaliao da aprendizagem.

    Atualmente, a sociedade brasileira mui-to mais complexa e diversificada, com mais habitantes, e o Brasil uma das sociedades mais desiguais do planeta. A escola de to-dos: todas as classes sociais esto na escola, sendo impossvel desenvolver um processo educacional padronizado como antigamen-te. Com a luta pela redemocratizao do Pas nos anos 80, conquistou-se o importante con-ceito de autonomia da escola. Entretanto, no movimento pendular da histria, fomos para o outro extremo. Hoje, no Pas existem dire-trizes curriculares nas normas dos Conselhos de Educao, tanto Nacional como Estadual, mas essas diretrizes so muito gerais no existindo, assim, qualquer padro curricular. A partir dessas normas, as escolas so total-mente livres para fazerem os seus currculos, inclusive dificultando o prprio processo de ir e vir dos alunos entre as escolas, porque quando um aluno se transfere, diferente de escola para escola o que se ensina em uma mesma srie.

    O Brasil inteiro est fazendo um movimen-to de sntese entre esses dois extremos, entre aquilo que era totalmente centralizado nas Secretarias, at os anos 70, e a extrema auto-nomia da escola, no que se refere a currcu-los. Estamos chegando a uma posio inter-mediria, que uma proposta de referencial curricular para cada rede de ensino, definida pelas Secretarias: no aquela centralizao absoluta, nem a absoluta descentralizao de hoje. Essa sntese tambm um impera-tivo da sociedade a partir, por exemplo, das metas do Movimento Todos pela Educao.

    Esse Movimento, lanado em setembro de 2006, tm como objetivo construir uma

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    educao bsica de qualidade para todos os brasileiros at 2022, a partir da premissa de que o Pas s vai ser efetivamente indepen-dente quando atingir esse objetivo, o que, simbolicamente significa, at o ano do bicen-tenrio da independncia poltica do Brasil. Para isso, fixou cinco metas:

    Meta 1 toda criana e jovem de 4 a 17 anos na escola

    Meta 2 toda criana plenamente alfa-betizada at os 8 anos

    Meta 3 todo aluno com aprendizado adequado sua srie

    Meta 4 todo jovem com ensino mdio concludo at os 19 anos

    Meta 5 investimento em educao ampliado e bem gerido

    Para cumprir a meta 3, a sociedade brasi-leira tem que definir o que apropriado em termos de aprendizagem, para cada srie do ensino fundamental e do mdio. Para isso, preciso definir uma proposta de referencial curricular. o que estamos construindo para a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Mas no se comea do zero e no se reinventa o que j existe, parte-se da expe-rincia da prpria rede estadual de ensino e tambm daquilo que outros j fizeram, dos parmetros curriculares nacionais e do que outros pases j construram. Estudamos o que dois pases elaboraram: Argentina e Portugal, e o que outros Estados do Brasil j construram, especialmente So Paulo e Mi-nas Gerais. Mas no se copia, se estuda e se faz o que apropriado para o Rio Grande do Sul. Constitumos uma comisso de 22 espe-cialistas, formada por professores de vrias instituies de educao superior do Estado e professores da rede estadual de ensino, aposentados ou em atividade, titulados nas vrias reas do conhecimento.

    O ENCCEJA Exame de Certificao de Competncias da Educao de Jovens e Adultos aponta o caminho das grandes reas do conhecimento. O SAEB e a Prova Brasil, assim como o nosso SAERS, avaliam Lngua Portuguesa (leitura e interpretao de textos) e Matemtica (resoluo de pro-

    blemas), nas quatro reas dos parmetros curriculares nacionais (nmeros e opera-es, grandezas e medidas, espao e for-ma, tratamento da informao). J o ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio ab-solutamente interdisciplinar, com 63 ques-tes objetivas e redao.

    As reas do conhecimento do ENCCEJA tm origem nas diretrizes curriculares para o ensino mdio aprovadas pela Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao em 1998, cuja relatora foi a pro-fessora Guiomar Namo de Mello. Naqueles documentos Parecer 15 e Resoluo 3 constavam trs reas, cada uma delas com determinado nmero de habilidades e com-petncias cognitivas, a saber: Linguagens, seus cdigos e tecnologias, incluindo ln-gua portuguesa e lngua estrangeira moder-na, com nove habilidades e competncias; Cincias Exatas e da Natureza, seus cdigos e tecnologias, incluindo matemtica, fsica, qumica e biologia, com doze habilidades e competncias, e a rea das Cincias Huma-nas, seus cdigos e tecnologias, com nove habilidades e competncias. Em consonn-cia com a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-o Nacional, os currculos do ensino mdio deveriam tambm desenvolver, alm dessas reas, contedos de educao fsica e arte, sociologia e filosofia.

    Em 2002, ao organizar o ENCCEJA, o MEC primeiro separou matemtica das ci-ncias da natureza, criando quatro reas do conhecimento, que passaram a corresponder s quatro provas do exame de certificao da EJA; segundo, organizou as reas de Ma-temtica e a de Cincias da Natureza tam-bm cada uma delas com nove habilidades e competncias cognitivas; terceiro, no caso das provas do ensino mdio, incluiu os con-tedos de sociologia e filosofia, ao lado da histria e geografia, na rea das Cincias Humanas; quarto, incluiu contedos de edu-cao fsica e arte na prova de linguagens; e, por fim, cruzou as cinco competncias b-sicas da inteligncia humana dominar lin-guagens, compreender fenmenos, enfren-

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    tar situaes-problema, construir argumen-taes e elaborar propostas que haviam orientado a organizao da prova do ENEM, com as nove habilidades e competncias de cada uma das quatro reas de conhecimen-to e criou uma matriz de referncia para o ENCCEJA com quarenta e cinco habilidades e competncias cognitivas a serem avaliadas nas provas desse exame nacional. Uma ob-servao: educao fsica e arte foram inclu-das numa prova escrita de certificao de competncias da EJA; nos novos concursos do magistrio e na organizao do currcu-lo, devem ser trabalhadas como componen-tes curriculares especficos por pressuporem habilidades especficas, alm das exclusiva-mente cognitivas.

    As reas do conhecimento e a matriz de referncia do ENCCEJA so, hoje, o que se considera como a melhor alternativa para organizao dos currculos escolares da educao bsica, de forma a superar a fragmentao e pulverizao das disciplinas. Nessa direo, o MEC est reorganizando o ENEM com a intencionalidade de orientar a reorganizao dos currculos do ensino m-dio brasileiro, dando assim consequncia s diretrizes curriculares de 1998. Nessa mes-ma direo, encaminham-se os Referenciais Curriculares para a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Nessas quatro gran-des reas do conhecimento, com seus conte-dos, que passaremos a trabalhar.

    A proposta de Referencial Curricular do Rio Grande do Sul contm as habilidades e competncias cognitivas e o conjunto mni-mo de contedos que devem ser desenvolvi-dos em cada um dos anos letivos dos quatro anos finais do ensino fundamental e no en-sino mdio. A partir desse Referencial, cada escola organiza o seu currculo. A autonomia pedaggica da escola consiste na liberdade de escolher o mtodo de ensino, em sua livre opo didtico-metodolgica, mas no no

    direito de no ensinar, de no levar os alunos ao desenvolvimento daquelas habilidades e competncias cognitivas ou de no abordar aqueles contedos curriculares.

    Com o nosso Projeto de Alfabetizao, fica mais fcil entender o que queremos di-zer. Com o projeto piloto, nosso objetivo desenvolver a matriz das habilidades e com-petncias cognitivas do processo de alfabeti-zao, em leitura e escrita e em matemtica, que deve ser desenvolvida com as crianas de seis e sete anos de idade no primeiro e segundo anos do ensino fundamental de nove anos de durao. Essa matriz o nosso combinado: o que fazer com os alunos para que aprendam aquilo que apropriado para sua idade. Cada escola continua com sua li-berdade de escolher o mtodo de alfabetiza-o. Mas seja qual for o adotado, no final do ano letivo os alunos devem ter desenvolvido aquelas habilidades e competncias cogniti-vas. A escola no livre para escolher no alfabetizar, para escolher no ensinar. A li-berdade da escola, sua autonomia, consiste em escolher como ensinar.

    Somos uma escola pblica. Temos com-promisso com a sociedade, com a cidadania. Somos professores dos nossos alunos que so os futuros cidados e cidads do nosso Pas. E estamos aqui para cumprir o nosso compromisso com eles. E ns, da Secretaria da Educao, estamos aqui para cumprir o nosso compromisso com vocs, porque na escola que se d o ato pedaggico, na es-cola que acontece a relao professor/alu-no. para trabalhar para vocs, professoras e professores das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, que ns estamos aqui, na Secretaria de Estado da Educao.

    Bom trabalho!

    Julho de 2009.

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    Referenciais Curriculares daEducao Bsica para o Sculo 21

    A SEDUC-RS vem adotando medidas para enfrentar o desafio de melhorar a qualidade das aprendizagens dos alunos no ensino p-blico estadual do Rio Grande do Sul. Entre essas medidas, os Referenciais Curriculares para as escolas estaduais gachas incidem sobre o que nuclear na instituio escola: o que se quer que os alunos aprendam e o que e como ensinar para que essas aprendi-zagens aconteam plenamente.

    A reflexo e a produo curricular brasilei-ra tem se limitado, nas ltimas dcadas, aos documentos oficiais, legais ou normativos. Os estudos sobre currculo no despertam grande interesse da comunidade acadmi-ca e tambm so escassos nos organismos tcnico-pedaggicos da gesto dos sistemas de ensino pblico. O currculo vem perdendo o sentido de instrumento para intervir e aper-feioar a gesto pedaggica da escola e a prtica docente.1 Provavelmente por essa ra-zo, quando nos anos 1990 se aprovaram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e se elaboraram os Parmetros Curriculares Na-cionais (PCNs), os sistemas de ensino pbli-co estaduais e municipais consideraram esse trabalho um material a mais para enviar s escolas. E, por inexperincia de gesto cur-ricular, assumiram que os Parmetros consti-tuam um currculo pronto e suficiente para orientar as escolas e seus professores quanto ao que e como ensinar. Mas no eram.

    O currculo alinha

    O currculo integra e alinha, sob uma concepo educacional: as aprendizagens com as quais a escola se compromete na forma de competncias e habilidades a se-rem constitudas pelos alunos; as propos-tas de metodologias, estratgias, projetos de ensino, situaes de aprendizagem; os recursos didticos com os quais a escola conta, incluindo instalaes, equipamentos, materiais de apoio para alunos e professo-res; as propostas de formao continuada dos professores; a concepo e o formato da avaliao. Em outras palavras, o curr-culo o ncleo da Proposta Pedaggica, este por sua vez expresso da autonomia da escola. A arte e a dificuldade da ges-to educacional articular e colocar em

    1 Vale a pena lembrar que o Rio Grande do Sul foi um dos Estados que cultivou com grande competncia esse trabalho curricular nos anos 1960 e 1970.

    O objetivo principal de um currculo mapear o vasto territrio do conhecimento, recobrindo-o por meio de disciplinas, e articular as mesmas de tal modo que o mapa assim constitudo constitua um permanente convite a viagens, no representando apenas uma deli-mitao rgida de fronteiras entre os diversos territrios disciplinares.

    Nilson Jos Machado

    I - Por que importante um currculo estadual?

    Os Parmetros no so um material a mais para enviar s escolas sozinhos. Formulados em nvel nacional para um pas grande e di-verso, os Parmetros tambm no continham recomendaes suficientes sobre como faz-los acontecer na prtica. Eram necessaria-mente amplos e, por essa razo, insuficientes para estabelecer a ponte entre o currculo pro-posto e aquele que deve ser posto em ao na escola e na sala de aula.

    Guiomar Namo de Mello

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    sinergia todos esses insumos do processo de aprendizagem e ensino. No desalinha-mento deles, residem alguns dos entraves mais srios da reforma para a melhoria da qualidade desse processo.

    A noo de que na escola existe o curricular e o extracurricular foi profundamente revista ao longo do sculo 20. Era adequada para uma educao em que os contedos escolares deve-riam ser memorizados e devolvidos tal como fo-ram entregues aos alunos, e o currculo, abstra-to e desmotivador, precisava de um tempero extracurricular na forma de atividades culturais, ldicas ou outras, para que a escola fosse me-nos aborrecida. Na concepo moderna, o cur-rculo supe o tratamento dos contedos curri-culares em contextos que faam sentido para os alunos, assim, o que acontece na escola ou curricular ou no deveria acontecer na escola. Atividades esportivas aos fins de semana sem qualquer vinculao com a Proposta Pedaggi-ca da escola, na verdade, mais do que extracur-riculares, so extraescolares, e s acontecem na escola por falta de outros espaos e tempos disponveis. Atividades de esporte, cultura ou la-zer, planejadas e integradas aos contedos de Educao Fsica, Artes, Cincias ou Informtica, dentro da Proposta Pedaggica, so curricula-res quer ocorram em dias letivos ou em fins de semana, na escola ou em qualquer outro espa-o de aprendizagem.

    O currculo, portanto, no uma lista de disciplinas confinadas sala de aula. todo o contedo da experincia escolar, que aconte-ce na aula convencional e nas demais ativida-des articuladas pelo projeto pedaggico.

    O currculo transparece

    que a avaliao incida sobre o que est de fato sendo trabalhado na escola, por diferen-tes razes.

    A primeira diz respeito ao compromisso com a aprendizagem das crianas e jovens de um sistema de ensino pblico. O currculo estabelece o bsico que todo aluno tem o di-reito de aprender e, para esse bsico, detalha os contextos que do sentido aos contedos, s atividades de alunos e professores, aos recursos didticos e s formas de avaliao. Orienta o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem no tempo, garantindo que o percurso seja cumprido pela maioria dos alu-nos num segmento de tempo dentro do ano letivo e de um ano letivo a outro, ordenando os anos de escolaridade.

    A segunda razo diz respeito gesto es-colar, porque explicita quais resultados so es-perados e pode ser a base para um compro-misso da escola com a melhoria das aprendi-zagens dos alunos. O contrato de gesto por resultados tem no currculo sua base mais im-portante e na avaliao o seu indicador mais confivel. Isso requer que o currculo estabe-lea expectativas de aprendizagem viveis de serem alcanadas nas condies de tempo e recurso da escola.

    A terceira razo, pela qual importante que a avaliao incida sobre o que est sen-do trabalhado na escola, diz respeito do-cncia, porque importante que, em cada srie e nvel da educao bsica, o professor saiba o que ser avaliado no desempenho de seus alunos. A avaliao externa no pode ser uma caixa-preta para o professor. A refe-rncia da avaliao o currculo e no vice-versa. No faz sentido, portanto, afirmar que se ensina tendo em vista a avaliao, quando o sentido exatamente o oposto: se avalia tendo em vista as aprendizagens esperadas estabelecidas no currculo.

    Finalmente, a quarta razo diz respeito aos pais e sociedade. Para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos de modo ativo e no apenas reagir quando ocorre um problema, indispensvel que a famlia seja informada do que ser aprendido num

    O currculo, detalhado em termos de o que e quando se espera que os alunos aprendam, tambm a melhor forma de dar transparncia ao educativa.

    Num momento em que se consolidam os sistemas de avaliao externa como a PRO-VA BRASIL, o SAEB e o ENEM, fundamental

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    perodo ou ano escolar. Essa informao deve tambm estar acessvel para a opinio pblica e a imprensa.

    O currculo conecta

    Por sua abrangncia e transparncia, o currculo uma conexo vital que inse-re a escola no ambiente institucional e no quadro normativo que se estrutura desde o mbito federal at o estadual ou municipal. Nacionalmente, a Constituio e a LDB es-tabelecem os valores fundantes da educa-o nacional que vo direcionar o currculo. As DCNs, emanadas do Conselho Nacio-nal de Educao, arrematam esse ambien-te institucional em mbito nacional. Nos currculos que Estados e Municpios devem elaborar para as escolas de seus respectivos sistemas de ensino, observando as diretrizes nacionais, completa-se a conexo da esco-la com os entes polticos e institucionais da educao brasileira.

    O currculo dos sistemas pblicos, esta-duais ou municipais, conecta a escola com as outras escolas do mesmo sistema, con-figurando o que, no jargo educacional, chamado de rede: rede estadual ou rede municipal de ensino.

    O termo rede, embora seja usado h tem-pos pelos educadores, assume atualmente um novo sentido que ainda mais apropria-do para descrever esse conjunto de unidades escolares cujos mantenedores so os gover-nos estaduais ou municipais. De fato, o ter-mo rede hoje empregado pelas Tecnologias da Comunicao e Informao (TCIs), como um conjunto conectado de entidades que tm uma personalidade e estrutura prprias, mas que tambm tm muito a compartilhar com outras entidades.

    Uma rede pode ser de pessoas, de insti-tuies, de pases. No caso de uma rede de escolas pblicas, a conexo que permite com-partilhar e construir conhecimentos em cola-borao muito facilitada com a existncia de um currculo que comum a todas e que

    tambm assume caractersticas prprias da realidade e da experincia de cada escola. Pode-se mesmo afirmar que, embora os sis-temas de ensino pblico venham sendo cha-mados de rede h bastante tempo, apenas com referncias curriculares comuns e com o uso de TCIs, essa rede assume a configurao e as caractersticas de rede no sentido con-temporneo, um emaranhado que no ca-tico, mas inteligente, e que pode abrigar uma aprendizagem colaborada.

    Finalmente, o currculo conecta a esco-la com o contexto, seja o imediato de seu entorno sociocultural, seja o mais vasto do Pas e do mundo. Se currculo cultura so-cial, cientfica, cultural, por mais rido que um contedo possa parecer primeira vista, sempre poder ser conectado com um fato ou acontecimento significativo, passado ou presente. Sempre poder ser referido a um aspecto da realidade, prxima ou distante, vivida pelo aluno. Essa conexo tem sido designada como contextualizao, como se discutir mais adiante.

    O currculo um ponto de equilbrio

    O currculo procura equilibrar a prescri-o estrita e a prescrio aberta. A primeira define o que comum para todas as esco-las. A segunda procura deixar espao aberto para a criatividade e a inovao pedaggica, sugerindo material complementar, exemplos de atividades, pesquisas, projetos interdisci-plinares, sequncias didticas.

    A presena da prescrio fechada e da prescrio aberta garante a autonomia para inovar. Quando tudo possvel, pode ser difcil decidir aes prioritrias e conte-dos indispensveis. Quando estes ltimos esto dados, oferecem uma base segura a partir da qual a escola poder empreender e adotar outras referncias para tratar os contedos, realizar experincias e projetos.

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    Um bom currculo tambm combina rea-lidade e viso. Suas prescries estritas pre-cisam ser realistas ao prever quanto e quo bem possvel aprender e ensinar num de-terminado tempo e em condies determina-das. Mas esses possveis no podem ser to fceis que deixem de desafiar o esforo e o empenho da escola.

    O currculo demarca o espao de consenso

    Todo currculo tem como referncia pri-meira as finalidades da educao, consen-suadas pela sociedade. No caso do Brasil, essas finalidades esto expressas na LDB e nos instrumentos normativos que a com-plementaram. Para cumpri-las, recortam-se os contedos e estabelecem-se as expec-tativas de aprendizagem, publicizando o espao para construir o consenso sobre a educao que vamos oferecer aos alunos. Isso mais srio do que tem sido conside-rado na prtica da escola bsica brasileira.

    No Brasil, a legislao nacional, que de-corre da Constituio de 1988, tem um prin-cpio pedaggico fundamental e inovador em relao ao quadro legal anterior, que o direito de aprendizagem. Esse princpio se sobrepe ao da liberdade de ensino, que foi um divisor de guas no campo educacional brasileiro nos anos 60. Quando o direito de aprender mais importante do que a liber-dade de ensinar, no o ensino, operado pelo professor, e sim a aprendizagem dos alunos, que se constitui em indicador de de-sempenho e de qualidade.

    A educao bsica no forma especialis-tas, nem prepara para empregos especficos. Como seu prprio nome afirma, est total-

    mente voltada para a constituio de pessoas capazes de viver, conviver e trabalhar nesta sociedade de modo produtivo, solidrio, inte-grado e prazeroso. Diante de cada disciplina ou contedo, preciso sempre problematizar: qual o papel desse contedo na formao bsica para viver no mundo contemporneo? Para que esse conhecimento importante? Se a resposta for para ingressar no ensino supe-rior ou para engajar-se num emprego espec-fico, preciso lembrar que, segundo a LDB, a educao bsica no est destinada a ne-nhum desses objetivos.

    Afirmar que a educao bsica no se destina a preparar para um posto de tra-balho especfico, nem para fazer vestibu-lar, no significa que ela seja alheia ao trabalho e continuidade de estudos, ao contrrio. A LDB afirma logo em seu pri-meiro Artigo, Pargrafo 2, que A educa-o escolar dever vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social. Nos Arts. 35 e 36, dedicados ao ensino mdio, a lei menciona explicitamente a preparao b-sica para o trabalho.

    Sendo o trabalho projeto de todos os ci-dados e cidads, a educao bsica dever propiciar a todos a constituio das compe-tncias necessrias para ingressar no mundo do trabalho. O acesso ao ensino superior ingresso numa carreira profissional, o que quer dizer que a educao bsica dever propiciar a todos as competncias que so pr-requisito para escolher e perseguir uma carreira de nvel superior. Portanto, a respos-ta s questes acima deve ser completada: a educao bsica no est destinada ao pre-paro para um trabalho especfico nem para entrar na faculdade, mas sendo bsica in-dispensvel a ambos.

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    Na origem dos estados modernos, a defi-nio do que se deve aprender na escola es-teve associada busca da unidade nacional e da igualdade formal entre os cidados, da o carter pblico e leigo que o currculo as-sume na maioria dos pases. Desse processo resulta a presena, na quase totalidade das naes democrticas, de leis de educao que estabelecem o currculo nacional, ainda que os nveis de especificao sejam distintos de um pas para outro.

    As profundas mudanas ocorridas no mundo aps a segunda guerra mundial pro-vocaram rupturas e revises das bases demo-crticas da educao. A partir da segunda metade do sculo 20, os currculos nacio-nais passam por sucessivas reorganizaes. Alm de incorporar a rpida transformao da cincia e da cultura, essas revises tam-bm deram nfases crescentes aos valores da diversidade e da equidade, como forma de superar a intolerncia e a injustia social.

    Finalmente, desde o limiar do sculo 21, a revoluo tecnolgica est impondo a todas as naes revises curriculares com a finali-dade de incorporar tambm, e para todos, os valores da autonomia, da sustentabilidade e da solidariedade, que sero necessrias para a cidadania nas sociedades ps-industriais.

    Essa rpida retrospeco histrica im-portante para destacar que a construo de currculos no um capricho pedaggico nem um ato arbitrrio dos nveis de conduo das polticas educacionais. , sim, um dever dos governos que esto gerenciando o Esta-do num momento de rupturas e mudanas de paradigmas educacionais.

    O Brasil um pas complexo. Por ser fe-derao, a definio do currculo se inicia na regulao nacional do Congresso e do Conselho Nacional de Educao, passa pela coordenao do Governo Federal, finaliza na gesto estadual ou municipal para entrar em ao na escola. Alm disso, um pas de di-

    menses continentais, com grande diversidade regional e marcantes desigualdades sociais na distribuio da renda e do acesso qualidade de vida. Estabelecer currculos nessa realidade uma tarefa nada trivial, que a LDB inicia e ordena em duas perspectivas.

    A primeira perspectiva, a partir da qual a LDB regula o currculo, poltica e se refere diviso de tarefas entre a Unio e os entes federados quando estabelece para toda a educao bsica, em seu Art. 26, que Os currculos do ensino fundamental e Mdio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensi-no e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultu-ra, da economia e da clientela. Diferente-mente das leis de diretrizes e bases que a antecederam, a LDB no definiu, nem dele-gou a nenhuma outra instncia, a definio de disciplinas ou matrias obrigatrias para integrar a base nacional comum a que se refere o Art. 26.

    A segunda perspectiva pedaggica e se refere ao paradigma curricular adotado pela Lei. Quando trata separadamente do ensino fundamental e do mdio, a LDB traa as di-retrizes dos currculos de ambos segundo um paradigma comum, expresso em termos de competncias bsicas a serem constitudas pe-los alunos e no de conhecimentos disciplina-res (Arts. 32, 35 e 36). As competncias ficam assim estabelecidas como referncia dos curr-culos da educao escolar pblica e privada, dando destaque, entre outras, capacidade de aprender e de continuar aprendendo, compreenso do sentido das cincias, das ar-tes e das letras e ao uso das linguagens como recursos de aprendizagem. Tambm aqui a LDB no emprega o termo matria ou dis-ciplina, nem utiliza os nomes tradicionais das mesmas. Refere-se a contedos curriculares, componentes ou estudos.

    II - DCN, PCN e currculos dos sistemas pblicos estaduais ou municipais

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    Se a lei adotasse um paradigma curri-cular disciplinarista, a cooperao entre as esferas de governo seria concretizada na elaborao, pela Unio, de uma lista de disciplinas ou matrias obrigatrias que se complementaria com listas de disciplinas adi-cionais elaboradas pelas diversas instncias de definio curricular. Esse foi de fato o pro-cedimento adotado no passado.

    A verificao do cumprimento das disposi-es curriculares legais, no caso do paradig-ma por disciplinas, feita pelo controle do comparecimento destas ltimas nos currcu-los propostos. Da a necessidade de listar dis-ciplinas obrigatrias, impondo que toda es-cola deveria elaborar sua grade curricular, isto , a lista de disciplinas que constituam seu currculo, em duas partes: a base nacio-nal comum e a parte diversificada, sendo que em cada uma dessas partes havia disciplinas obrigatrias. Esse modelo, que ainda ado-tado em muitas escolas pblicas e privadas, realmente uma grade no sentido de barreira que impede a passagem e a comunicao.

    Com o paradigma curricular estabeleci-do pela LDB, o cumprimento das diretrizes impe que tanto a base nacional comum como a parte diversificada prestem contas das competncias que os alunos devero constituir. E essas competncias no so aderentes a uma disciplina ou contedo especfico, mas devero estar presentes em todo o currculo. So competncias trans-versais. Alm disso, o cumprimento das

    disposies legais curriculares, neste caso, no se realiza pela verificao de uma lista de matrias. Para viabiliz-la, preciso ob-ter evidncias do desempenho dos alunos e constatar at que ponto constituram as competncias previstas.

    As disposies curriculares da LDB foram fundamentadas pelo Conselho Nacional de Educao, num trabalho do qual resultaram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os diferentes nveis e modalidades da educao bsica. Foram tambm consubs-tanciadas nos Parmetros Curriculares Na-cionais que o MEC elaborou como recomen-dao aos sistemas de ensino.

    Paradigmas, diretrizes e parmetros, ainda que bem fundamentados pedagogicamente, no promovem a melhoria da qualidade do ensino. Para no releg-los a peas formais e burocrticas, preciso criar as condies ne-cessrias a sua implementao. E a condio de implementao mais importante a tra-duo da lei, das normas e das recomenda-es curriculares nacionais em currculos que possam ser colocados em ao nas escolas, adequados s realidades diversas de estados, regies, municpios ou comunidade; detalha-dos o suficiente para servirem de guia de ao s equipes escolares; abrangentes o bastante para dar alinhamento e orientao ao conjun-to dos insumos do ensino-aprendizagem: as atividades de alunos e professores, os recursos didticos, a capacitao dos professores para implementar o currculo utilizando os recursos didticos e os procedimentos de avaliao.

    Essa traduo do currculo do plano pro-positivo para o plano da ao uma tare-fa intransfervel dos sistemas de ensino e de suas instituies escolares. para cumprir a sua parte que a SEDUC-RS entrega s esco-las pblicas estaduais os presentes Referen-ciais Curriculares, cujos princpios norteado-res so apresentados a seguir, reconhecendo que caber s escolas, em suas propostas pedaggicas, transform-los em currculos em ao, orientadas por estes referenciais e ancoradas nos contextos especficos em que cada escola est inserida.

    A lei nacional da educao brasileira cumpre o papel que lhe cabe num pas federativo. D incio a um processo de construo curricular que dever ser concludo pelos sistemas de ensino es-taduais e municipais, para ser colocado em ao pelas suas escolas. Indica, no entanto, as diretrizes segundo as quais os sistemas e escolas devero pautar a finalizao desse processo. Essas indi-caes fazem toda a diferena.

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  • 1717A sociedade ps-industrial est mudan-do a organizao do trabalho, a produo e disseminao da informao e as formas de exerccio da cidadania. Essas mudanas esto impondo revises dos currculos e da organizao das instituies escolares na maioria dos pases. Aqueles cujos sistemas educacionais esto consolidados, que pro-moveram a universalizao e democratiza-o da educao bsica na primeira metade do sculo passado, esto empenhados em vencer os obstculos culturais e polticos ao trnsito da escola para o sculo 21.

    Os emergentes como o Brasil, que ain-da esto concluindo o ciclo de expanso quantitativa e universalizao da educao bsica, deparam-se com um duplo desafio. Herdeiro de uma tradio ibrica que des-tinava a escolaridade longa apenas a uma seleta minoria, h pouco tempo cerca de trs dcadas , nosso pas ainda devia esse direito bsico a quase metade das crianas em idade escolar.

    Quando todos chegaram escola e, por mecanismos diversos, a permaneceram, fi-cou visvel nossa incapacidade de criar, para a maioria das crianas e jovens brasileiros, situaes de aprendizagem eficazes para suas caractersticas e estilos cognitivos. , portanto, um pas que precisa urgentemente reinventar a escola para trabalhar com um alunado diversificado culturalmente e desi-gual socialmente. E deve dar conta desse de-safio ao mesmo tempo em que transforma a educao bsica para fazer frente s deman-das da sociedade do conhecimento.

    O sculo 21 chegou, e com ele a globa-lizao econmica, o aquecimento global, a despolarizao da poltica internacional, a urgncia de dar sustentabilidade ao de-senvolvimento econmico, a valorizao da diversidade, as novas fronteiras cientficas, a acessibilidade da informao a um nmero cada vez maior de pessoas, o aparecimento de novas formas de comunicao. nesse tempo que os estudantes brasileiros esto vi-

    vendo, qualquer que seja sua origem social. Mas na escola pblica que esto chegando as maiorias pobres e, portanto, a qualida-de do ensino pblico que se torna estratgica para nosso destino como nao.

    O acesso requisito para democratiza-o do ensino bsico. Mas, para que esse processo seja plenamente consolidado, ur-gente garantir que a permanncia na escola resulte em aprendizagens de conhecimentos pertinentes. Conhecimentos que os cidados e cidads sejam capazes de aplicar no en-tendimento de seu mundo, na construo de um projeto de vida pessoal e profissional, na convivncia respeitosa e solidria com seus iguais e com seus diferentes, no exerccio de sua cidadania poltica e civil para escolher seus governantes e participar da soluo dos problemas do pas.

    Este um tempo em que os meios de co-municao constroem sentidos e disputam a ateno e a devoo da juventude, a esco-la precisa ser o lugar em que se aprende a analisar, criticar, pesar argumentos e fazer es-colhas. Isso requer que os contedos do cur-rculo sejam tratados de modo a fazer senti-do para o aluno. Esse sentido nem sempre depende da realidade imediata e cotidiana, pode e deve, tambm, ser referido realida-de mais ampla, remota, virtual ou imaginria do mundo contemporneo. Mas ter de ser acessvel experincia do aluno de alguma forma, imediata e direta ou mediata e alu-siva. Esse o ponto de partida para aceder aos significados deliberados e sistemticos, constitudos pela cultura cientfica, artstica e lingustica da humanidade.

    Em nosso pas, a escolaridade bsica de 12 anos est sendo conquistada agora pelas camadas mais pobres, inseridas em proces-sos de ascenso social. Milhes de jovens sero mais escolarizados que seus pais e, diferentemente destes, querem se incorporar ao mercado de trabalho no para sobreviver e seguir reproduzindo os padres de gera-es anteriores. Trabalhar para estes jovens

    III - Desafios educacionais no Brasil contemporneo

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    , antes de mais nada, uma estratgia para continuar estudando e melhorar de vida. So jovens que vivem num tempo em que a ado-lescncia tardia e o preparo para traba-lhar mais longo e que, contraditoriamente, por sua origem social, precisam trabalhar precocemente para melhorar de vida no longo prazo. O currculo precisa identificar e propor s escolas conhecimentos e com-petncias que podem ser relevantes para o sucesso desse projeto complexo, envolvendo o trabalho precoce e a constituio da ca-pacidade de continuar aprendendo para, no futuro, inserir-se nesse mesmo mercado com mais flexibilidade.

    dar vida cultura presente no currculo, si-tuando os contedos escolares no contexto cultural significativo para seus alunos. Em nosso Pas, de diversidade cultural marcan-te, revitalizar a cultura recortada no curr-culo condio para a construo de uma escola para a maioria. Onde se aprende a cultura universal sistematizada nas lingua-gens, nas cincias e nas artes sem perder a aderncia cultura local que d sentido universal.

    Finalmente, o grande desafio, diante da mudana curricular que o Brasil est pro-movendo, a capacidade do professor para operar o currculo. Tambm aqui impor-tante desfazer-se de concepes passadas que orientaram a definio de cursos de capacitao sem uma proposta curricular, qualquer que fosse ela, para identificar as necessidades de aprendizagem do profes-sor. Cursos de capacitao, geralmente contratados de agncias externas educa-o bsica, seguiram os padres e objetivos considerados valiosos para os gestores e formadores dessas agncias. Independen-temente da qualidade pedaggica desses cursos ou programas de capacitao, a ver-dade que, sem que o sistema tivesse um currculo, cada professor teve acesso a con-tedos e atividades diferentes, muitas vezes descoladas da realidade da escola na qual esse professor trabalhava.

    Nesse projeto, o fortalecimento do dom-nio da prpria lngua indispensvel para organizar cognitivamente a realidade, exercer a cidadania e comunicar-se com os outros. Alm disso, a competncia de leitura e escrita condio para o domnio de outras lingua-gens que precisam da lngua materna como suporte literatura, teatro, entre outras.

    Vencida quase uma dcada no novo scu-lo, a Secretaria de Educao do RS tem cla-reza de que a melhor capacitao em servio para os professores aquela que faz parte in-tegrante do prprio currculo, organicamente articulada com o domnio, pelo professor, dos contedos curriculares a serem aprendidos por seus alunos e da organizao de situa-es de aprendizagem compatveis.

    Este documento, ao explicar os fun-damentos dos Referenciais Curriculares, inaugura essa nova perspectiva da capa-citao em servio.

    O mundo contemporneo disputa o uni-verso simblico de crianas e adolescentes, lanando mo de suportes os mais variados imagens, infogrficos, fotografia, sons, m-sica, corpo , veiculados de forma tambm variada a internet, a TV, a comunicao visual de ambientes pblicos, a publicidade, o celular. A escola precisa focalizar a compe-tncia para ler e produzir na prpria lngua e abrir oportunidades para que os alunos aces-sem outros tipos de suportes e veculos, com o objetivo de selecionar, organizar e analisar criticamente a informao a presente.

    O currculo um recorte da cultura cien-tfica, lingustica e artstica da sociedade, ou seja, o currculo cultura. Os frequen-tes esforos de sair da escola, buscando a verdadeira cultura, tm efeitos devasta-dores: estiola e resseca o currculo, tira-lhe a vitalidade, torna-o aborrecido e desmoti-vador, um verdadeiro zumbi pedaggico. Em vez de perseguir a cultura premente

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  • 1919Importncia da aprendizagem de quem ensina

    Quem ensina quem mais precisa apren-der. Esse o primeiro princpio destes Refe-renciais. Os resultados das avaliaes exter-nas realizadas na ltima dcada, entre as quais o SAEB, a PROVA BRASIL, o ENEM e agora o SAERS, indicam que os esforos e re-cursos aplicados na capacitao em servio dos professores no tm impactado positiva-mente o desempenho dos alunos. Essa falta de relao entre educao continuada do professor e desempenho dos alunos explica-se pelo fato de que os contedos e formatos da capacitao nem sempre tm referncia naquilo que os alunos desses professores precisam aprender e na transposio didti-cas desses contedos.

    de distintas etapas e disciplinas da educao bsica. E os princpios dos Referenciais devem orientar as estratgias de capacitao em n-vel escolar, regional ou central.

    Aprendizagem comoprocesso coletivo

    Na escola, a aprendizagem de quem en-sina no um processo individual. Mesmo no mercado de trabalho corporativo, as ins-tituies esto valorizando cada vez mais a capacidade de trabalhar em equipe. A van-tagem da educao que poucas atividades humanas submetem-se menos lgica da competitividade quanto a educao escolar, particularmente a docncia. O produto da escola obrigatoriamente coletivo, mesmo quando o trabalho coletivo no uma estra-tgia valorizada.

    Diante do fracasso do aluno, a responsa-bilidade recai em algum coletivo o governo, a educao em geral ou a escola, dificilmen-te sobre um professor em particular. Na do-cncia, o sucesso profissional depende me-nos do exerccio individual do que em outras atividades, como, por exemplo, as artsticas, a medicina, sem falar em outras mais bvias, como a publicidade, vendas ou gesto do se-tor produtivo privado. Os professores atuam em equipe mesmo que no reconheam.

    Esse carter coletivista (no bom sentido) da prtica escolar quase nunca aprovei-tado satisfatoriamente. Ao contrrio, muitas vezes, serve de escudo para uma responsa-bilizao annima e diluda, porque, embo-ra todos sejam responsabilizados pelo fra-casso, poucos se empenham coletivamente para o sucesso. Espera-se que estes Refe-renciais ajudem a reverter essa situao, servindo como base comum sobre a qual estabelecer, coletivamente, metas a serem alcanadas e indicadores para julgar se o fo-ram ou no e o porqu. Sua organizao por reas j um primeiro passo nesse sentido.

    IV - Princpios e fundamentos dos Referenciais Curriculares

    Dessa forma, estes Referenciais tm como prin-cpio demarcar no s o que o professor vai en-sinar, mas tambm o que ele precisa saber para desincumbir-se a contento da implementao do currculo e, se no sabe, como vai aprender.

    por esta razo que, diferentemente de muitos materiais didticos que comeam pe-los livros, cadernos ou apostilas destinadas aos alunos, estes Referenciais comeam com materiais destinados aos professores. Trata-se no de repetir os acertos ou desacertos da formao inicial em nvel superior, mas de promover a aderncia da capacitao dos professores aos contedos e metodologias indicados nos Referenciais.

    E como devem aprender os que ensinam? A resposta est dada nos prprios Referenciais: em contexto, por reas e com vinculao prtica. Se a importncia da aprendizagem de quem ensina for observada no trabalho escolar, os Referenciais devem ser base para decidir aes de capacitao em servio para a equipe como um todo e para os professores

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    As competncias como referncia2

    O currculo por competncias constitui hoje um paradigma dominante na educao esco-lar, no Brasil e em quase todos os demais pases da Amrica, da Europa e at pases asiticos. Na frica, tambm vem sendo adotado como organizador de vrias propostas de reforma educacional e curricular. Nestes Referenciais, as competncias so entendidas como orga-nizadores dos contedos curriculares a serem trabalhados nas escolas pblicas estaduais. Essa onipresena das competncias no discur-so e nas propostas educacionais, nem sempre se faz acompanhar de explicaes para tornar o conceito mais claro no nvel das escolas, o que motiva estes Referenciais a estenderem-se no exame da questo.

    Como a maior parte dos conceitos usa-dos em pedagogia, o de competncias responde a uma necessidade e uma ca-racterstica de nossos tempos. Na verdade, surge como resposta crise da escola na segunda metade do sculo 20 provocada, entre outros fenmenos, pela ento inci-piente revoluo tecnolgica e pela cres-cente heterogeneidade dos alunos. Essa crise levou a uma forte crtica dos curr-culos voltados para objetivos operaciona-lizados e observveis, que fragmentava o processo pedaggico.

    As competncias so introduzidas como um conjunto de operaes mentais, que so resultados a serem alcanados nos aspectos mais gerais do desenvolvimento do aluno. Em outras palavras, caracterizaram-se, no incio, pela sua generalidade e transversa-lidade, no relacionadas com nenhum con-tedo curricular especfico, mas entendidas como indispensveis aquisio de qual-quer conhecimento.

    O exame das muitas definies de com-petncia permite destacar o que est pre-sente em todas elas. A competncia, nas vrias definies, se refere a:

    um conjunto de elementos.... que o sujeito pode mobilizar.... para resolver uma situao.... com xito.

    Existem diferenas no substantivas quan-to ao que se entende de cada uma dessas palavras, o que no incomum quando se trata de descrever aspectos psicolgicos cognitivos ou emotivos. Em uma definio os elementos so designados como recur-sos, em outras, como conhecimentos, em outras, como saber. Mobilizar para uns sig-nifica colocar em ao, para outros colocar esquemas em operao e ainda selecionar e coordenar. Situao caracterizada como uma atividade complexa, como um proble-ma e sua soluo, como uma representao da situao, pelo sujeito. O xito entendi-do como exerccio conveniente de um papel, funo ou atividade, ou como realizar uma ao eficaz, ou responder de modo pertinen-te s demandas da situao ou ainda como ao responsvel, realizada com conheci-mento de causa.

    Analisando o contedo dos diversos ter-mos utilizados para caracterizar o conceito de competncia, pode-se afirmar que no h polissemia, isto , diferentes significados de competncia, e apesar das diferenas termi-nolgicas todos tm em comum uma abor-dagem que entende a competncia como algo que acontece, existe e acionado des-de processos internos ao sujeito. Este aspecto essencial, ou seja, de que a competncia no est na situao, nem em conhecimentos ou saberes do currculo, e sim naquilo que a situao de aprendizagem e esses saberes constituram no aluno, o que importa para fins pedaggicos por duas razes.

    A primeira a de que, se esses processos internos do aluno so constitudos, eles po-dem e devem ser aprendidos. A segunda a de que um currculo por competncias se ex-pressa, manifesta e valida pelas aprendizagens

    2 Deste ponto em diante este documento incorpora algumas ideias das discusses e dos textos de trabalho do grupo responsvel pela concepo do currculo na Secretaria da Educao do Estado de So Paulo.

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    que constituiu no aluno e que este coloca em ao de determinada maneira em determinada situao. Os objetivos de ensino podem ser ex-pressos naquilo que o professor faz, nos mate-riais que manipula, nos contdos que seleciona e nas operaes que realiza para explicar.

    Um currculo que tem as competncias como referncia, organiza-se por operado-res curriculares transversais, que se referem s competncias gerais que devem ser per-seguidas em todas as reas ou disciplinas, porque so competncias indispensveis para aprender qualquer contedo curricular. Es-tes Referenciais adotam como competncias para aprender as cinco grandes competncias do ENEM, que podem ser consideradas seus operadores transversais:

    Dominar a norma culta e fazer uso das lin-guagens matemtica, artstica e cientfica;

    Construir e aplicar conceitos das vrias reas do conhecimento para a compreen-so de fenmenos naturais, de processos histrico-geogrficos, da produo tecno-lgica e das manifestaes artsticas;

    Selecionar, organizar, relacionar, interpre-tar dados e informaes representados em diferentes formas, para tomar deci-ses e enfrentar situaes-problema;

    Relacionar informaes, representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponveis em situaes concretas, para construir argumentao consistente;

    Recorrer aos conhecimentos desenvolvi-dos na escola para elaborar propostas de interveno solidria na realidade, res-peitando os valores humanos e conside-rando a diversidade sociocultural.

    Mas um currculo constitudo por contedos e preciso que as competncias transversais para aprender, como as do ENEM, sejam articuladas com as competncias a serem constitudas em cada uma das reas ou disciplinas. Na ausn-cia dessa articulao instaura-se uma aparente ruptura entre competncias e contedos curricu-lares, que tem levado ao entendimento equivo-cado de que a abordagem por competncias no valoriza os contedos curriculares, quando na verdade eles so nucleares e imprescindveis para a constituio de competncias.

    A inseparabilidade entre competncia e conhecimento

    Um currculo por competncias no elimina nem secundariza os contedos. Sem contedos, recursos intelectuais, saberes ou conhecimen-tos, no h o que possa ser mobilizado pelo sujeito para agir pertinentemente numa situa-o dada, portanto no se constituem compe-tncias. Os contedos so a substncia do cur-rculo e para tanto se organizam em reas do conhecimento ou disciplinas. preciso, portan-to, construir um currculo que no se limite ape-nas s disciplinas, mas inclua necessariamente as situaes em que esses contedos devem ser aprendidos para que sejam constituintes de competncias transversais.

    Mas o que valida o currculo no so os objetivos de ensino e sim os processos que se constituram no aluno e se expressam pela com-petncia de saber, de saber fazer e de saber por-que sabe.

    Isso significa que um currculo referido a com-petncias s tem coerncia interna se contedos disciplinares e procedimentos de promover, orien-tar e avaliar a aprendizagem sejam inseparveis.

    Para isso preciso identificar, em cada contedo ou disciplina, os conceitos mais im-portantes e as situaes nas quais eles devem ser aprendidos de forma a constiturem com-petncias transversais como as do ENEM. A ausncia desse trabalho resultou, no Brasil, na anomia curricular instalada nos anos recentes, de currculos em ao nas escolas que so di-vorciados das normas curriculares mais gerais e dos pressupostos tericos que as orientam.

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    mbito nacional e o estadual, municipal ou escolar demarca o espao de articulao en-tre as competncias transversais ou compe-tncias para aprender e os contedos curri-culares. Nesse marco institucional, portanto, esse trabalho articulador de responsabili-dade dos Estados, Municpios ou escolas.

    A aprendizagem em contexto

    A passagem das competncias transversais para aprender para as competncias a cons-tituir em cada rea ou contedo curricular e a passagem da representao, investigao e abstrao para a comunicao, compreenso e contextualizao, so facilitadas por meio de duas estratgias: a aprendizagem em con-texto e a interdisciplinaridade.

    A contextualizao a abordagem para rea-lizar a j mencionada, indispensvel e difcil ta-refa de cruzar a lgica das competncias com a lgica dos objetos de aprendizagem. Para que o conhecimento constitua competncia e seja mobilizado na compreenso de uma situao ou na soluo de um problema, preciso que sua aprendizagem esteja referida a fatos da vida do aluno, a seu mundo imediato, ao mundo re-moto que a comunicao tornou prximo ou ao mundo virtual cujos avatares tm existncia real para quem participa de sua lgica.

    Quando a lei indica, entre as finalidades do ensino mdio, etapa final da educao bsica, a compreenso dos fundamentos cientfico-tecnolgicos dos processos produti-vos, relacionando a teoria com a prtica, no ensino de cada disciplina (Art. 35 inciso IV); ou quando, no Art. 36, afirma que o curr-culo do ensino mdio destacar [...] a com-preenso do significado da cincia, das letras e das artes (grifo nosso), est estabelecendo a aprendizagem em contexto como impera-tivo pedaggico da educao bsica. Mais ainda, ao vincular os contedos curriculares

    O espao de articulao das competncias com os contedos

    No processo de definio curricular j analisado nestes Referenciais, o paradigma curricular que poderia ser chamado de mes-tre est na Lei 9394/1996 LDB, que foi seguida das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e dos Parmetros Curriculares Nacio-nais (PCNs). As DCNs, obrigatrias, apresen-tam disciplinas ou reas de conhecimento e as competncias que devem ser constitudas. Quanto aos contedos, so bastante gerais, porque supem uma etapa intermediria de desenvolvimento curricular para adequar as diretrizes nacionais s distintas realidades re-gionais, locais e escolares, tarefa que cabe aos mantenedores e gestores das redes p-blicas e privadas. Os PCNs e qualquer orien-tao emanada do MEC no tm carter obrigatrio. So recomendaes e assistn-cia tcnica aos sistemas de ensino.

    Tanto os PCNs como as DCNs no consti-tuem um currculo pronto para ser colocado em ao. No so pontos de chegada e sim de partida para um caminho que se inicia nas normas nacionais e s consegue alcan-ar o cho da escola de modo eficaz, se os sistemas de ensino completarem o percurso, desenvolvendo seus prprios currculos.

    V - Competncias e contedos nos currculos brasileiros

    Estes currculos, partindo das competncias transversais e de indicaes genricas de con-tedos estabelecidas no mbito nacional, de-vem incluir: um recorte do contedo; sugesto de metodologia de ensino e de materiais de apoio didtico e situaes de aprendizagem; procedimentos de avaliao; e as necessidades de formao continuada dos professores.

    No Brasil, em funo do regime federati-vo e do regime de colaborao entre Unio, Estados e Municpios, a mediao entre o

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    com os processos produtivos caracteriza um contexto no apenas relevante, mas manda-trio para tratar os contedos curriculares: o mundo do trabalho e da produo.

    O destaque da relao entre teoria e pr-tica em cada disciplina, lembra que a dimen-so da prtica deve estar presente em todos os contedos. A prtica no se reduz a aes observveis, experincias de laboratrio ou elaborao de objetos materiais. A prtica comparece sempre que um conhecimento pode ser mobilizado para entender fatos da realidade social ou fsica, sempre que um conhecimento passa do plano das abstra-es conceituais para o da relao com a realidade. A aprendizagem em contexto a abordagem por excelncia para estabelecer a relao da teoria com a prtica.

    As Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino mdio assim explicam a aprendizagem em contexto: O tratamento contextualizado do conhecimento o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condio de especta-dor passivo. Se bem trabalhado, permite que, ao longo da transposio didtica, o contedo do ensino provoque aprendizagens significa-tivas que mobilizem o aluno e estabeleam entre ele e o objeto do conhecimento uma relao de reciprocidade. A contextualizao evoca por isso reas, mbitos ou dimenses presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competncias cognitivas j adquiri-das (Parecer 15/98 da Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao).

    Mas a contextualizao no pode ser um fim em si mesma. Se a transposio didtica se limitar ao contexto, o conhecimento cons-titudo pode ficar refm do imediato, do sen-tido particular daquele contexto, e essa no a finalidade ltima do currculo. Como recor-te da cultura humanista, cientfica e artstica, que se sistematiza e organiza em nvel mais universal e abstrato, o currculo quer, em l-tima instncia, tornar o aluno participante dessa cultura sistematizada.

    Partir do que prximo significativo e pre-sente no mundo do aluno uma estratgia. Seu propsito final propiciar apropriao daquilo que, mesmo sendo longnquo, siste-mtico e planetrio, tambm intelectual e emocionalmente significativo. A contextuali-zao, portanto, no elimina, ao contrrio, requer um fechamento pela sistematizao e pela abstrao. No queremos cidados aprisionados em seu mundo cultural e afetivo prximo, queremos cidados do mundo no sentido mais generoso dessa expresso.

    Interdisciplinaridadecomo prtica permanente

    A interdisciplinaridade acontece como um caso particular de contextualizao. Como os contextos so quase sempre multidisciplinares, quando o contedo de uma determinada rea ou disciplina em contexto, quase inevitvel a presena de outras reas de conhecimento. Um contedo de histria, por exemplo, no con-texto de um lugar, instituio ou tempo espec-fico, depara-se com questes de geografia, de meio ambiente, de poltica ou de cultura. Nessa aprendizagem em contexto trata-se no apenas de aprender fatos histricos, mas de entender relaes do tipo: como os recursos naturais de-terminaram a histria dos povos e o que acon-teceu quando esses recursos se esgotaram; ou como a histria de um lugar foi determinada por seu relevo ou bacia hidrogrfica. Esse en-tendimento inevitavelmente requer conhecimen-tos de biologia e geografia para aprender o que so os recursos naturais e entender o territrio como determinante desses recursos.

    Organizar situaes de aprendizagem nas quais os contedos sejam tratados em contex-to requer relacionar o conhecimento cientfico, por exemplo, a questes reais da vida do aluno, ou a fatos que o cercam e lhe fazem sentido.

    A Biologia ou a Qumica precisam fa-zer sentido como recursos para entender o prprio corpo e gerenciar sua sade, para identificar os problemas envolvidos no uso de drogas, na adoo de dietas radicais, ou na agresso ao meio ambiente.

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    A interdisciplinaridade acontece natural-mente se houver sensibilidade para o contexto, mas sua prtica e sistematizao demandam trabalho didtico de um ou mais professores. Por falta de tempo, interesse ou preparo, o exerccio docente na maioria das vezes ignora a interveno de outras disciplinas na realidade ou fato que est trabalhando com os alunos.

    H inmeras formas de realizar atividades ou trabalhos interdisciplinares. Muitos professores dos anos iniciais do ensino fundamental traba-lham de modo interdisciplinar. Mesmo o pro-fessor disciplinarista pode realizar a interdisci-plinaridade de um professor s, identificando e fazendo relaes entre o contedo de sua disciplina e o de outras, existentes no currculo ou no. Numa mesma rea de conhecimento as possibilidades de abordagem interdisciplinar so ainda mais amplas, seja pelo fato de um professor assumir mais de uma disciplina da rea, seja pela proximidade entre elas que per-mite estabelecer conexes entre os contedos.

    Ao tratarmos da interdisciplinaridade fun-damental levar em conta que, como o prprio nome indica, ela implica a existncia de disci-

    plinas. Sem domnios disciplinares no h rela-es a estabelecer. Por esta razo, convenien-te lembrar que a melhor interdisciplinaridade a que se d por transbordamento, ou seja, o domnio profundo e consolidado de uma disci-plina que torna claras suas fronteiras e suas in-curses nas fronteiras de outras disciplinas ou saberes. Dessa forma, o trabalho interdisciplinar no impede e, ao contrrio, pode requerer que uma vez tratado o objeto de perspectivas disci-plinares distintas, se promova o movimento ao contrrio, sistematizando em nvel disciplinar os conhecimentos constitudos interdisciplinarmen-te. Duas observaes para concluir.

    A interdisciplinaridade pode ser simples, parte da prtica cotidiana da gesto do curr-culo na escola e da gesto do ensino na sala de aula. Para isso, mais do que um projeto es-pecfico, preciso que o currculo seja conhe-cido e entendido por todos, que os planos dos professores sejam articulados, que as reunies levantem continuamente os contedos que esto sendo desenvolvidos e as possibilida-des de conexo entre eles, que exista abertura para aprender um com o outro.

    Segundo, a interdisciplinaridade requer ge-nerosidade, humildade e segurana. Humilda-de para reconhecer nossas limitaes diante da ousada tarefa de conhecer e levar os alunos a conhecerem o mundo que nos cerca. Genero-sidade para admitir que a minha disciplina no a nica e, talvez, nem a mais importante num determinado contexto e momento da vida de uma escola. E segurana, porque s quem conhece profundamente sua disciplina pode dar-se ao luxo didtico de abrir para os alunos outras formas de entender o mesmo fenmeno ou de buscar em outros o auxlio para isso.

    Referncias:

    ETTAYEBI, Moussadak; OPERTTI, Renato; JONNAERT, Philippe. Logique de comptences et dvelopment cur-riculaire: dbats, perspectives et alternative pour les systmes ducatifs. Paris: Harmattan, 2008.

    DENYER, Monique; FURNMONT, Jacques; POU-LAIN, Roger; VANLOUBBEECK, Georges. Las com-petencias em ducacin: un balance. Mexico: Fon-do de Cultura Econmica, 2007.

    A interdisciplinaridade, portanto, no preci-sa, necessariamente, de um projeto especfico. Pode ser incorporada no plano de trabalho do professor de modo contnuo; pode ser reali-zada por um professor que atua em uma s disciplina ou por aquele que d mais de uma, dentro da mesma rea ou no; e pode, final-mente, ser objeto de um projeto, com um pla-nejamento especfico, envolvendo dois ou mais professores, com tempos e espaos prprios.

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    Por que competncias ehabilidades na educao bsica?

    Lino de Macedo Instituto de Psicologia, USP 2009

    O objetivo de nossa reflexo analisar o problema da aprendizagem relacionada ao desenvolvimento de competncias e habili-dades na educao bsica. Em outras pa-lavras, trata-se de pensar a questo quais so os argumentos para a defesa de um cur-rculo comprometido com o desenvolvimento de competncias e habilidades na educao bsica? Sabemos que elas sempre foram uma condio para a continuidade do exer-ccio de profisses qualificadas e socialmente valorizadas. Mas, hoje, temos duas altera-es fundamentais, que expressam conquis-tas de direitos humanos e superao de de-sigualdades sociais. Primeira, competncias e habilidades so julgadas necessrias para todas as profisses e ocupaes. Segunda, mais que isto, so essenciais para uma boa gesto e cuidado da prpria vida, na forma complexa que assume, hoje.

    O melhor momento e lugar para formar competncias profissionais na escola supe-rior ou em cursos de habilitao. O melhor momento e lugar para formar competncias e habilidades vlidas para qualquer profisso e que tm valor para a vida como um todo na educao bsica, ou seja, no sistema de ensino que a compe (Escola de Educao In-fantil, Escola Fundamental e Escola de Ensino Mdio). E se os contedos e os procedimentos relativos s competncias e habilidades pro-fissionais so necessariamente especializados, as competncias e habilidades bsicas s po-dem ser gerais e consideradas nas diferentes disciplinas que compem o currculo da edu-cao bsica. Da nossa opo pelas com-petncias valorizadas no Exame Nacional do ensino mdio (ENEM) como referncia.

    Consideremos, agora, o problema da aprendizagem em si mesma. Aprender sem-

    pre foi e ser uma necessidade do ser hu-mano. que os recursos biolgicos (esque-mas inatos ou reflexos) de que dispomos ao nascer no so suficientes, ocorrendo o mes-mo com os valores e condies sociocultu-rais que lhes so complementares, expressos como cuidados dos adultos. Por exemplo, a criana nasce sabendo mamar, isto , nasce com esquema reflexo de suco. Mas neste reflexo no esto previstos, nem poderiam estar, as caractersticas (fsicas, psicolgicas, sociais, culturais, etc.) da mama e da mame, que a amamentar. Da parte da mame a mesma coisa. Mesmo que ter um filho seja um projeto querido, sua mama cheia de leite e seu corao cheio de disponibilidade no substituem os esforos de suco de seu fi-lho, deste filho em particular, com suas ca-ractersticas e condies singulares, no pre-visveis para a pessoa que cuidar dele. Para que esta interao entre dois particulares seja bem sucedida, mesmo que apoiada em dois gerais (uma criana e uma me), ambos tero de aprender continuamente, tero de reformular, corrigir, estender, aprofundar os aspectos adquiridos.

    Aprender uma necessidade constante do ser humano, necessidade que encerra muitos conflitos e problemas, apesar de sua impor-tncia. Nem sempre reunimos ou dominamos os diferentes elementos que envolvem uma aprendizagem. Cometemos erros. Calcula-mos mal, no sabemos observar os aspec-tos positivos e negativos que compreendem uma mesma coisa, nem sempre sabemos ponderar os diferentes lados de um mesmo problema. Da a necessidade de fazer regula-es, de prestar ateno, aperfeioar, orien-tar as aes em favor do resultado buscado. Este processo sustentado pelo interesse de

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    aprender. As crianas desde cedo descobrem o prazer funcional de realizar uma mesma atividade, de repeti-la pelo gosto de repetir, pelo gosto de explorar ou investigar modos de compreender e realizar, de enfrentar e re-solver problemas que elas mesmas se colo-cam. Gosto de aprender, no s pelas conse-quncias, no s como um meio para outro fim, mas como um fim em si mesmo. Como conservar na escola este modo de se relacio-nar com os processos de aprendizagem? Um modo que a reconhece como soluo para um problema interessante? Que valoriza a aprendizagem no apenas por suas conse-quncias futuras (algo difcil de ser entendido por uma criana), mas pelo prazer funcional de realiz-la em um contexto de problemas, tarefas ou desafios que comportam significa-es presentes, atuais, para os alunos?

    Uma caracterstica de certas formas de aprendizagem que, em sendo adquiridas, se estabelecem como hbitos ou padres condicionados. Funcionam como modos de respostas que, uma vez adquiridas, nos possibilitam responder de modo pronto, ime-diato aos problemas do cotidiano. Mesmo que seus processos de formao tenham sido ativos, presentes, pouco a pouco vo se tornando habituais. Se estas respostas so suficientes, tudo bem. Se no, muitas vezes temos desistncias, desinteresses, ocorrn-cias de padres emocionais negativos. Alm disso, nelas o interesse sustentado por consequncias (ameaas, reforos) externas que substituem, agora, o prazer funcional da prpria ao. Fazemos porque necessrio fazer, porque deve ser feito.

    H outras formas de aprendizagem que sempre devero conservar o sabor e o desafio de seus modos de construo. Sempre tero algo original, novo como forma ou contedo, que nunca ser suficiente repetir ou aplicar o j conhecido. No assim, por exemplo, em uma situao de jogo? Por mais que seus objetivos e regras sejam conhecidos, por mais que a estrutura (sistema de normas e valores) se mantenha, cada partida tem sua especifici-dade, tem problemas e desafios cuja resolu-

    o no se reduz a um conhecido ou contro-lvel. Ou seja, no basta repetir ou seguir um hbito ou resposta aprendida. necessrio estar presente, sensvel, atento aos diferen-tes aspectos que caracterizam o desenrolar de uma partida. necessrio manter o foco (concentrao), saber planejar, antecipar, fa-zer boas inferncias, tornar-se um observador de si mesmo, do oponente e do prprio jogo. Alm disso, nesta situao o sujeito deve se manter ativo, no passivo nem distrado, cons-ciente de que suas aes tm consequncias e que supem boa capacidade de leitura e de tomada de deciso. Esta forma de aprendi-zagem como se pde observar tem todas as caractersticas que qualificam uma pessoa competente e habilidosa.

    Aprender muito importante, dentro e fora da escola. Qual a diferena entre estes dois ambientes? Na escola, a aprendizagem se re-fere a domnios que s ela pode melhor pro-ver. So aprendizagens que supem professo-res e gestores, intencionalidade pedaggica, projeto curricular, materiais e recursos did-ticos, todo um complexo e caro sistema de ensino e avaliao que sustenta e legitima os conhecimentos pelos quais a escola social-mente responsvel por sua transmisso e valo-rizao. Fora da escola, todos estes aspectos no esto presentes, s o ter de aprender que se mantm. Seja por exigncias externas (dos pais, por exemplo) ou por exigncias in-ternas (a criana quer brincar ou usar um ob-jeto e o que j sabe no suficiente para isso). Necessidade constante de aprender combina com caractersticas de nossa sociedade atual: tecnolgica, consumista, globalizada e in-fluenciada pelo conhecimento cientfico. So muitos interesses, problemas, informaes, novidades a serem adquiridos, consumidos. E no basta poder comprar ou possuir uma tecnologia, preciso aprender a us-la e, de preferncia, a us-la bem.

    Como oferecer na escola as bases para as aprendizagens fora dela? Como reconhe-cer e assumir que em uma cultura tecnolgi-ca derivada do conhecimento cientfico, em uma sociedade de consumo, globalizada, os

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    conhecimentos e seus modos de produo, os valores e suas orientaes positivas e ne-gativas, so cada vez mais uma deciso pes-soal e coletiva ao mesmo tempo? No mbito da escola, a aprendizagem gerida pelos profissionais da educa. Fora dela, trata-se de uma gesto de pessoas sobre algo, cuja complexidade e importncia requerem habili-dades e competncias aplicveis ao contexto profissional, mas igualmente para as formas de conduzir a prpria vida e suas implicaes ambientais e coletivas.

    O que significa competncia? Considere-mos os principais significados propostos no dicionrio (Aurlio Eletrnico, por exemplo):

    1. Faculdade concedida por lei a um fun-cionrio, juiz ou tribunal para apreciar e julgar pleitos ou questes.

    2. Qualidade de quem capaz de apre-ciar e resolver certo assunto, fazer de-terminada coisa; capacidade, habilida-de, aptido, idoneidade.

    3. Oposio, conflito, luta.

    O significado 1 indica que se trata de um poder atribudo a algum para fazer julga-mentos, tomar decises. Destaquemos aqui dois aspectos: competncia requer uma ins-tituio ou rgo com legitimidade para esta atribuio e que confere ou transfere aos seus possuidores um poder para. O significado 2 qualifica estes poderes em termos de capa-cidade, habilidade, idoneidade de uma pes-soa. O significado 3 caracteriza o contexto ( situaes de oposio, conflito ou luta) em que a competncia se aplica. Depreende-se da proposio do dicionrio que o melhor exemplo de competncia aquela que se ve-rifica, ou que deveria se verificar, no sistema jurdico. Depreende-se, tambm, pelo signi-ficado 3, que competncia se refere a situa-es nas quais as pessoas envolvidas em uma situao de conflito ou oposio no podem ou no sabem elas mesmas darem conta do problema, recorrendo justia para que se decida pela melhor soluo para o conflito.

    Como transpor estas significaes para o campo educacional, sobretudo para a esco-

    la fundamental? Por que fazer isto? O que se conserva, o que se modifica em relao ao que est proposto no dicionrio? O que se conserva que uma instituio a escola mantm o direito e a obrigao de legiti-mar o ensino que transmite aos alunos. Este ensino corresponde a competncias e habi-lidades, no profissionais no sentido estrito, mas fundamentais seja para a aprendizagem de uma profisso ou, principalmente, para o cuidado da prpria vida. Vida cuja natureza complexa, interdependente, exige tomadas de deciso e enfrentamentos em contexto de muitas oposies, conflitos, oportunidades diversas ou impedimentos e dificuldades que se expressam de muitas formas.

    Na educao bsica, como mencionado, as competncias a serem desenvolvidas no so relativas a profisses em sua especificida-de. Como se viu no dicionrio, a significao tradicional de competncia refere-se capa-cidade ou habilidade de um profissional, le-gitimado por uma instituio, para apreciar, julgar ou decidir situaes que envolvem con-flito, luta, oposio. Por exemplo, uma pessoa que est doente recorre a um mdico para ser tratada. Do ponto de vista dos gestores e dos professores, ou seja, dos profissionais da edu-cao (ou da aprendizagem), o mesmo acon-tece; espera-se que eles sejam competentes para cuidar das necessidades fundamentais das crianas (aprender a ler e a escrever, etc.), pois nenhuma delas pode fazer isto por si mesma. Seus recursos so insuficientes e em caso de conflito relacional, brigas, disputas, nem sempre podem chegar por si mesmas a uma boa soluo destes impasses. Nestes dois exemplo, limites para a aprendizagem escolar e dificuldades ou problemas relacionais, ges-tores e professores so profissionais qualifica-dos, ou devem ser, para transformarem estas limitaes em oportunidades de construo de conhecimento.

    Defender no currculo da educao bsica o desenvolvimento de competncias e habi-lidades significa ampliar sua funo tradicio-nal relacionada especificamente ao mbi-to profissional, considerando-as tambm na

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    perspectiva dos alunos, incluindo por isto mesmo conhecimentos e valores que envol-vem a vida pessoal e social como um todo. E isto se faz atravs das disciplinas escolares, dos contedos, mtodos e recursos necess-rios ao ensino das matrias que compem a grade curricular. Trata-se, ento, de criar situaes de aprendizagem organizadas para desenvolver competncias e habilidades no contexto das disciplinas. Nestas situaes, como propusemos, as competncias de re-ferncia so as do ENEM e as habilidades so as que possibilitam aprender os conte-dos disciplinares, ou seja, observar, identifi-car, comparar, reconhecer, calcular, discutir,

    definir a ideia principal, desenhar, respeitar, consentir, etc. Assim, o aluno, pouco a pouco, vai se tornando uma pessoa habilidosa, que faz bem feito, que tem destreza mental ou fsica, que valoriza, porque aprendeu a fazer bem, a compreender bem, a viver e conviver bem.

    Estamos sonhando? Quem sabe, mas so estes tipos de sonhos que justificam o nosso presente como profissionais da educao, que nos do esperana para um futuro me-lhor e mais digno para nossos alunos. Que os professores do Rio Grande do Sul se sin-tam bem qualificados hoje, para esta imensa tarefa de construir em seus alunos as bases para um melhor amanh!

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    A gesto da escola comprometidacom a aprendizagem

    Sonia Balzano e Snia Bier

    Nos ltimos anos, a sociedade brasileira vem tomando conscincia da necessidade de melhorar a qualidade do ensino oferecido maioria da populao, por meio do fortaleci-mento e da qualificao da gesto da escola. A gesto escolar deve mobilizar e articular as condies materiais e humanas necessrias promoo da efetiva aprendizagem dos alu-nos, tornando-os capazes de enfrentar os de-safios da sociedade do sculo XXI.

    A partir da LDB (art.15), a escola passou a ter maior autonomia nas reas administrativa, pedaggica e financeira, e a sua gesto tor-nou-se mais complexa, o que passou a exigir da equipe gestora, alm de uma viso global, a capacidade de reconhecer que na socieda-de do conhecimento, a dimenso pedaggica da gesto a mais importante. Assim, o foco da gesto passa a ser pedaggico e as di-menses administrativa e financeira so meios para alcanar as finalidades da educao.

    Para responder s exig