referenciação e ensino
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Leonor Werneck dos Santos
(Org.)
Faculdade de Letras
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Leonor Werneck dos Santos (Org.)
Referenciação e Ensino: análise de livros
didáticos
Rio de Janeiro UFRJ 2013
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Copyright ©2013 da Organizadora Ficha catalográfica
R332 Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos /
Leonor Werneck dos Santos (Org.) - Livro eletrônico – Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2013.
382p.
ISBN: 978-85-8101-011-3 Livro eletrônico Modo de acesso: www.lenorwerneck.com ; www.lingnet.pro.br
1. Língua Portuguesa – Estudo e ensino. 2. Livros didáticos – Brasil. I. Título II. SANTOS, Leonor Werneck.
CDD 469.071
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Sumário
Apresentação
Leonor Werneck dos Santos 05 A referenciação e a construção de sentido do texto: um caminho a percorrer
Amanda Heiderich Marchon 07 A abordagem da referenciação em livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental
Fabiana Gonçalo
Manuela Colamarco 35 Um olhar sobre as estratégias de referenciação nos manuais didáticos do Ensino Médio
Fábio Gusmão da Silva 80 Processos referenciais: a construção de sentidos em turmas de EJA
Karine Oliveira Bastos 120
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Os processos de referenciação nos livros didáticos: análise de textos jornalísticos
Luana Machado 164 A construção de objetos de discurso pelo léxico: uma abordagem relevante ao ensino
Mário Acrisio Alves Junior 207 A abordagem (ou não) da referenciação em dois livros didáticos do Ensino Médio
Natália Rocha Oliveira Tomaz 246 A referenciação em duas coleções didáticas
Matheus Odorisi Marques 280 Propostas de atividades 323 Sobre os autores 378
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Apresentação
Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos (UFRJ)
Este e-‐book é composto de oito artigos elaborados como
trabalho de conclusão do curso de pós-‐graduação “Leitura,
referenciação e argumentação em gêneros textuais jornalísticos”,
oferecido por mim, no primeiro semestre de 2012, na Faculdade
de Letras da UFRJ. O objetivo principal desta publicação é
divulgar debates teóricos que travamos durante o curso sobre
referenciação, argumentação e a aplicação desses temas ao
ensino, por meio da análise de alguns livros didáticos de Ensino
Fundamental e Médio, especificamente a partir de textos
midiáticos.
Como proposta de trabalho final para o curso, cada um
dos autores dos artigos aqui reunidos se debruçou sobre duas
coleções didáticas de Ensino Fundamental, Médio ou EJA,
escolhidas por terem sido aprovadas recentemente no Programa
Nacional de Livro Didático (PNLD/2012). A análise dos livros
abarcou se e como a referenciação (ou os processos referenciais,
ou ainda a coesão referencial) era abordada teoricamente, se
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
havia atividades sobre referenciação com base em textos da
mídia, se o Manual do Professor tratava do tema e se havia
alguma associação entre os processos referenciais e a
argumentação. Ao final de cada artigo, um dos textos midiáticos
presentes em uma das coleções foi escolhido para elaboração de
novas atividades, incluindo referenciação.
Ao final deste e-‐book, anexei atividades elaboradas pelos
alunos do curso (autores deste e-‐book) e discutidas em sala, a
partir de notícias de internet sobre a tragédia que se abateu
sobre a Serra Fluminense em 2011, após dias de chuvas fortes.
Nosso objetivo é mostrar como é possível elaborar atividades
mesclando leitura, análise linguística e produção textual, tendo
como foco a referenciação.
Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos
UFRJ – maio de 2013.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A referenciação e a construção de sentido do texto: um caminho a
percorrer
MARCHON, Amanda Heiderich (UFRJ) 1. INTRODUÇÃO
Há muito já se sabe que o fracasso escolar, nas séries
iniciais ou mesmo no Ensino Médio, está intimamente
relacionado à questão da leitura e da escrita – resultado da
enorme dificuldade que a escola tem de estabelecer novas e mais
eficazes metodologias para o desenvolvimento, por parte do
aluno, das diversas competências linguísticas, tributárias do ato
de ler-‐escrever-‐falar-‐ouvir e da aprendizagem formal desses
processos. Pesadelo de muitos alunos e dor de cabeça para
tantos professores, a deficiência de ler um texto e compreender
sua mensagem tornou-‐se um problema constante em escolas
públicas e particulares em todo o país.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001,
p.21),
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha e constrói visões de mundo, produz conhecimento.
Assim, também acreditamos que o aluno deva entender o texto
como uma forma importante de comunicação. Dessa forma,
muito mais que mera decodificação de signos e palavras, o atos
de ler e de escrever são fundamentais não apenas para a
formação acadêmica do estudante, mas também para sua
formação cidadã.
O texto não representa a materialidade do cotexto, nem é somente o conjunto de elementos que se organizam numa superfície material suportada pelo discurso; o texto é uma construção que cada um faz a partir da relação que se estabelece entre enunciador, sentido/referência e coenunciador, num dado contexto sociocultural. (CAVALCANTE, 2011, p. 17)
Todavia, vimos que toda a proposta dos PCN para o
ensino de Língua Portuguesa não condiz, na íntegra, com a
realidade do processo ensino/aprendizagem. Diversos fatores
podem ser apontados para tal descompasso, entre eles os
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
inúmeros problemas de ordem político-‐econômica, a tripartição e
o isolamento entre as disciplinas de Língua Portuguesa, Redação
e Literatura, a não utilização do texto como unidade de ensino
etc.
Há décadas, vários teóricos se debruçam sobre a questão
do papel e da importância das aulas de Língua Portuguesa.
Recentes trabalhos apontam para uma reflexão acerca de
algumas perguntas do tipo: ‘Por que / para que ensinar Língua
Portuguesa?’; ‘Para quem?’; ‘Como?’; ‘Quais tópicos priorizar em
um “aqui” e em um “agora” determinados?’. Há, sem dúvidas,
respostas satisfatórias e bem argumentadas para todas essas
interrogações. Travaglia (2002, p.17), por exemplo, declara que o
principal objetivo do ensino de Língua Portuguesa é desenvolver
a competência comunicativa dos falantes em diversas situações
de comunicação.
Porém, apesar de todo o caminho aberto por tantos
estudiosos do assunto em torno da língua materna, as aulas de
Português ainda privilegiam os exercícios de metalinguagem, nos
quais a análise sintática, por exemplo (reduzida, pois, a atividades
de classificação e de nomenclatura), parece ser, tanto para
alguns discentes quanto para tantos outros docentes, o ponto
máximo do estudo linguístico.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Não questionamos, no entanto, que as propostas de
metalinguagem tenham importância. O que aventamos é outra
percepção: a de que aquele tipo de exercício não deveria
representar um fim em si mesmo.
Geraldi (1998, p. 63-‐64) propõe que:
Todas estas considerações mostram a necessidade de transformar a sala de aula em um tempo de reflexão sobre o já-‐conhecido para aprender o desconhecido e produzir o novo. É por isso que atividades de reflexão sobre a linguagem (atividades epilinguísticas) são mais fundamentais do que a aplicação a fenômenos sequer compreendidos de uma metalinguagem de análise construída pela reflexão de outros. Aquele que aprendeu a refletir sobre a linguagem é capaz de compreender uma gramática – que nada mais é do que o resultado de uma (longa) reflexão sobre a língua; aquele que nunca refletiu sobre a linguagem pode decorar uma gramática, mas jamais compreenderá seu sentido.
Portanto, tomando por base o grande desafio imposto ao
professor de Língua Portuguesa de qualquer segmento – prover
meios para que os alunos pensem e usem, adequada e
criticamente, a língua materna a cada situação social–,
analisaremos se as coleções Português Linguagens e Projeto Eco
abordam a referenciação associando-‐a à construção de sentido.
Além disso, proporemos atividades de leitura a respeito de textos
da mídia.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2. REFERENCIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE
OBJETOS DE DISCURSO
A linguagem humana tem o poder não só de criar e nomear
o mundo, mas também de possibilitar a interrelação com o outro e
com a coletividade. Nessa perspectiva, a linguagem verbal é, então,
a matéria do pensamento e o veículo de comunicação social.
Segundo Koch (2007, p. 7), os diferentes modos de
considerar a linguagem humana têm sofrido transformações.
Historicamente, há três posicionamentos em relação à língua: como
representação (“espelho”) do mundo e do pensamento; como
estrutura, instrumento (“ferramenta”) de comunicação; como forma
(“lugar”) de ação e interação.
De acordo com a noção da língua como o lugar de
interação – perspectiva adotada atualmente pela Linguística de
Texto, base teórica deste artigo –, os sujeitos, por participarem
ativamente no contexto em que estão inseridos, são atores nas
situações comunicativas que buscam influenciar um ao outro. A
comunicação, portanto, decorre da indissociável relação entre os
interlocutores, para que se possa depreender das palavras seus
sentidos concretos. É na interação verbal que a língua se faz
significante e assume as marcas do sujeito.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Assim, ao conceber a comunicação como um processo
interativo, muito mais amplo do que a mera transmissão de
informações, diversos teóricos refutam “a hipótese de um poder
referencial da linguagem, que seria fundado ou legitimado por
uma ligação direta e verdadeira entre as palavras e as coisas”
(MONDADA e DUBOIS, 2003, p. 18-‐19. Com essa nova
perspectiva, o termo referência foi substituído por referenciação,
como explicam Koch, Morato e Bentes (2005, p. 8):
Tal mudança de perspectiva [...] é assinalada pela substituição do termo referência por referenciação, visto que passam a ser objeto de análise as atividades de linguagem realizadas por sujeitos históricos e sociais em interação, sujeitos que constroem mundos textuais cujos objetos não espelham fielmente o “mundo real”, mas são, isto sim, interativamente e discursivamente constituídos em meio a práticas sociais, ou seja, são objetos de discurso. A relação língua-‐mundo passa a ser, pois, interpretada, não meramente aferida por referentes que ou representam o mundo ou “autorizam” sua representação. (Grifos das autoras).
A referenciação é, portanto, uma atividade discursiva, em
que o sujeito constrói e reconstrói referentes no interior do
próprio texto, influenciado pelo contexto de comunicação e não
apenas por meras reproduções pré-‐existentes da realidade.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Dessa forma, esses referentes passam a ser chamados objetos de
discurso, diante das razões sociocognitivas que determinam sua
construção. Sobre essa atividade, Cavalcante (2011, p. 15-‐16)
destaca:
O ato de referir é sempre uma ação conjunta. Para a Linguística do Texto, hoje, fazemos referência a algo quando nos reportamos a pessoas, animais, objetos, sentimentos, ideias, emoções, qualquer coisa, enfim, que se torne essência, que se substantive quando falamos ou escrevemos. É na interação, mediada pelo outro, e na integração de nossas práticas de linguagem com nossas vivências socioculturais que construímos uma representação – sempre instável – dessas entidades a que se denominam referentes.
Em relação a essa instabilidade dos referentes, Koch
(2006, 0. 80-‐81) concebe que “os objetos de discurso são
dinâmicos, ou seja, uma vez introduzidos, podem ser
modificados, desativados, reativados, transformados,
recategorizados, construindo-‐se ou reconstruindo-‐se, assim, seu
sentido no curso da progressão textual.”. Nessa construção de
sentido, Koch e Elias (2008, p.125-‐126) destacam as seguintes
estratégias de referenciação: construção/ativação,
reconstrução/reativação e desfocalização.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A construção consiste na introdução de um objeto de
discurso até então não mencionado. A expressão linguística que o
representa é posta em foco, ficando esse objeto de discurso em
evidência no texto. A introdução pode ser não-‐ancorada –
quando um objeto de discurso totalmente novo é introduzido no
texto sem qualquer associação com elementos presentes na
superfície textual ou na situação de comunicação – ou ancorada
– quando um novo objeto de discurso é ativado, com base em
algum tipo de associação semântica com elementos presentes no
cotexto ou no contexto sociocognitivo, como ilustra o exemplo a
seguir (cf. KOCH e ELIAS, 2008, p.127):
De acordo com as autoras, “no último quadrinho da
tirinha, foi introduzido um novo referente – o vinho – que
associamos aos elementos cotextuais alcoólatra e vício no
primeiro quadrinho e ao contexto sociocognitivo” (ibid.).
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Para que o texto apresente progressão, além da
introdução de novos referentes textuais, faz-‐se necessário que
outros sejam retomados por meio de uma forma referencial, de
modo que o objeto de discurso permaneça em foco, criando-‐se,
assim, as cadeias referenciais. Esse processo de manutenção
implica uma recategorização do objeto de discurso que, como
discutimos, se transforma, assumindo, pela relação com
expressões cotextuais, outros traços semânticos. Koch e Elias
(2008, p. 131) para exemplificarem, destacam o trecho a seguir,
em que a retomada referencial é feita por meio da
pronominalização: os termos sublinhados, “ela” e “o” remetem,
respectivamente, a Blanche e a Heitor.
Em uma manhã ensolarada, Heitor encontrou uma linda cachorinha, pequena e toda branquinha, e deu a ela o nome de Blanche. Todos os dias, perto da hora do almoço, Blanche ficava junto ao portão, esperando Heitor chegar da escola. Ela dava pulos de alegria quando o via. Fonte: ROSA, Nereide S. Santa e BONITO, Angelo. Crianças famosas: Vila-‐Lobos. São Paulo: Callis, 1994.
Por fim, podemos considerar que, quando um novo objeto
de discurso é introduzido, ele passa a ocupar a posição focal. O
objeto retirado de foco, contudo, permanece em estado de
ativação parcial, disponível para a utilização, a fim de dar
continuidade à cadeia referencial anteriormente criada.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Segundo Cavalcante (2010, p. 53), há tipos variados de
processos referenciais que colaboram para a construção de
sentido dos textos. A autora considera que todo processo
referencial é viabilizado por um dispositivo remissivo, uma
propriedade de apontar para um dado objeto reconhecível a
partir de pistas muito diversificadas. Nessa perspectiva, propõe a
divisão dos processos referenciais em duas possibilidades:
Se as entidades são introduzidas no texto pela primeira vez, isto é, se elas ainda não foram citadas antes no texto, então estamos diante de ocorrências de introdução referencial. Se os referentes já foram de algum modo evocados por pistas explícitas no cotexto, então estamos em presença de continuidades referenciais, isto é, de anáforas. (CAVALCANTE, 2010, p. 54 – grifos da autora)
As anáforas diretas retomam referentes previamente
introduzidos e, assim, estabelecem uma relação de
correferencialidade entre o elemento anafórico e o seu
antecedente. As anáforas indiretas caracterizam-‐se pela ativação
de um referente textual não condicionado morfossintaticamente
por um sintagma nominal anterior. Trata-‐se, pois, de uma
estratégia de introdução de um novo objeto de discurso que
mantém alguma associação cognitivo-‐discursiva com elementos
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
nominais presentes no cotexto, como a tirinha que retrata um
bêbado no confessionário, exemplo reproduzido anteriormente.
Cavalcante (2010, p. 71) considera a anáfora
encapsuladora como um tipo peculiar de anáfora indireta,
porque não retoma nenhum objeto de discurso pontualmente,
mas se prende a conteúdos espalhados no texto.
De acordo com Koch (2008, p.105), o “encapsulamento”
representa uma atividade metadiscursiva em que se sumarizam
partes do discurso, seja por um pronome ou por uma expressão
nominal, conforme ilustram Koch e Elias (2008, p. 138):
PARECE BRINCADEIRA, MAS É CIÊNCIA Um homem lagarto, uma mulher que morreu três vezes, um animal que come a si mesmo. Fenômenos incríveis revelados através de uma visão científica única.
Discovery Channel
No exemplo apresentado, a expressão nominal
“fenômenos incríveis” encapsula as informações “um homem
lagarto, uma mulher que morreu três vezes e um animal que
come a si mesmo”, bem como denuncia a voz do enunciador
diante de fatos que o espantam.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Quando a forma coesiva que encapsula a informação
difusa no contexto precedente ou subsequente é representada
por um sintagma nominal, cria-‐se um novo objeto de discurso,
processo a que chamamos de rotulação. “Em outras palavras, o
rótulo vai categorizar o segmento resumido de uma certa
maneira, de acordo com a avaliação que o locutor faz do seu
conteúdo ou de sua enunciação.” (KOCH, 2008, p.105). Portanto,
toda rotulação é um encapsulamento, mas nem todo
encapsulamento é uma rotulação.
3. A REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS
Respaldados nos conceitos teóricos sobre a referenciação
e a construção de objetos de discurso, passamos a avaliar como
esse tema é abordado e de que forma é trabalhado nas
atividades de leitura e de produção textuais nas duas coleções de
livros didáticos analisadas. Em virtude da influência que os textos
midiáticos exercem sobre a sociedade, procuramos também avaliar
como o assunto é estudado em textos da mídia nos referidos
manuais didáticos.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A coleção Português Linguagens, composta por um
volume para cada série do Ensino Médio, é dividida em três
partes distintas: Literatura; Língua: uso e reflexão; Produção
Textual. Embora, no Manual do Professor, os autores se
proponham a percorrer um caminho diferente do trilhado pela
gramática tradicional – cujo foco recai sobre a classificação
metalinguística e a imposição de usos –, não encontramos, ao
longo dos volumes, exercícios que contemplem a relação entre os
conteúdos gramaticais e as questões de ordem textual e
discursiva.
Pelo contrário, a revisão dos capítulos sobre classes de
palavras confirmou a postura normativa que caracteriza os
compêndios didáticos: os livros separam, por critérios
morfossintáticos e semânticos, as classes gramaticais,
apresentando uma série de classificações e prescrições
metalinguísticas, numa abordagem totalmente desarticulada ao
processo de referenciação.
No capítulo 5, do volume 1, intitulado Introdução à
Semântica, observamos que são descritas as relações de
sinonímia, hiponímia e hiperonímia. Contudo, os autores, na
explanação teórica e nos exercícios não associam esses conceitos
à manutenção de objetos de discurso, tampouco se aventuram a
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
falar sobre recategorização, um estudo que poderia contemplar
as promessas de relacionar o conteúdo e as questões discursivo-‐
textuais, feitas no Manual do Professor. As atividades, de forma
geral, apresentam-‐se descontextualizadas, com o simples
objetivo de levar os alunos a reproduzirem a nomenclatura dos
conceitos estudados, como mostra o exercício reproduzido a
seguir:
Leia estes grupos de palavras:
• honestidade, fidelidade, preguiça, sinceridade, perseverança • verde, vermelho, amargo, alaranjado, cor-‐de-‐ rosa • colibri, borboleta, beija-‐flor, pardal, canário a) Em cada grupo de palavras, existe uma que não pertence ao mesmo campo semântico das demais. Indique-‐a, b) As palavras de cada grupo que pertencem ao mesmo campo semântico podem ser hipônimos de um hiperônimo. Quais são esses hiperônimos?
(CEREJA & MAGALHÃES, 2010, vol. 1, p. 141)
Embora, a cada capítulo do estudo gramatical, os autores
apresentem uma seção que busca associar o conteúdo à
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
construção de sentido do texto, os exercícios propostos não
contemplam, de forma aprofundada, a função referencial das
classes de palavras. No estudo do substantivo e do adjetivo, por
exemplo, não se faz qualquer menção à função dos sintagmas
nominais na criação de cadeias coesivas, tampouco à
possibilidade de esses elementos contribuírem para a criação de
objetos de discurso e, consequentemente, para a argumentação.
O exercício que mais se aproxima do estudo referencial, sugere
um trabalho com anáfora indireta, tendo por base o poema
Família, de Carlos Drummond de Andrade.
FAMÍLIA
Três meninos e duas meninas, sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata, o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo da horta e a mulher que trata de tudo.
A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza, a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes, o gramofone rouco toda noite e a mulher que trata de tudo.
O agiota, o leiteiro, o turco, o médico uma vez por mês, o bilhete todas as semana
branco! Mas a esperança verde.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A mulher que trata de tudo e a felicidade.
Na primeira estrofe, entre os membros da família, são mencionados a mulher, as crianças, os empregados, os animais. Só não é mencionado explicitamente
o homem, que também deve fazer parte da família.
a) Levante hipóteses: Por que, provavelmente, a menção ao homem não foi explicitada? b) Apesar de o homem não ter sido mencionado de modo explícito, é possível metonimicamente supor sua presença, por meio de alguns nomes. Levante hipóteses: que substantivos podem estar relacionados ao homem?
(CEREJA & MAGALHÃES, 2010, vol. 2, p. 35)
Apesar dessa iniciativa, não se faz qualquer menção à
função dos sintagmas nominais na criação de cadeias coesivas,
durante o estudo do substantivo e do adjetivo, tampouco à
possibilidade de esses elementos contribuírem para a criação de
objetos de discurso e, consequentemente, para a argumentação.
Nesses capítulos, os autores poderiam explorar o uso dos
substantivos comuns e próprios não na sua potencialidade
instituída pela tradição gramatical, que os vê como elementos
lexicais neutros e restritos ao seu papel nomeador, mas na
possibilidade de gerarem significações além do que está expresso
no texto, na construção de objetos discursivos. O mesmo pode
ser dito em relação à adjetivação, pois, quando os adjetivos
aparecem no discurso, representam o interesse do enunciador
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
em comunicar uma descrição objetiva ou uma apreciação sobre o
referente, constituindo-‐se, pois, em um importante recurso
argumentativo.
No que tange aos numerais e artigos, importantes classes
de palavras para o processo de referenciação, mais uma vez,
constatamos que o tratamento, nesta coleção, é restrito à
nomenclatura gramatical. Em relação aos primeiros, os autores
chegam a diferenciar numeral substantivo de numeral adjetivo,
porém nada abordam sobre a relação desse tema como o
processo de referenciação. Quanto aos artigos, até verificamos
que alguns exercícios propõem a observação dos diferentes
efeitos de sentido obtidos pela utilização ou não dos artigos
definidos e dos artigos indefinidos, entretanto a potencialidade
discursiva desse fenômeno não é relacionada, diretamente, à
criação de objetos discursivos, além de, em geral, as frases em
estudo aparecerem sem a devida contextualização.
Nas frases a seguir, explique a diferença de sentido conferida a elas pela presença ou pela ausência do artigo definido nas expressões destacadas. a) Ela pretende ser professora um dia. Ela pretende ser a professora um dia. b) Pedro, esta é minha irmã. Pedro, está é a minha irmã.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
(CEREJA & MAGALHÃES, 2010, vol. 2, p. 74)
A única abordagem que mais se aproxima do estudo da
referenciação foi encontrada na apresentação dos pronomes
demonstrativos. Nessa seção, os autores abordam a possibilidade
de esses pronomes evidenciarem as relações correferenciais
projectivas e retrospectivas, além de atuarem na desconstrução
da ambiguidade referencial, quando dois ou mais referentes
podem ser reativados no contexto.
(CEREJA & MAGALHÃES, 2010, vol.2, p.100)
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Embora os capítulos que tratem do estudo gramatical
estejam na seção intitulada Língua: uso e reflexão, os exercícios
propostos, em sua maioria, são pautados em curtas histórias em
quadrinhos ou em enunciados descontextualizados e pouco
refletem sobre a atividade linguística. São priorizados os aspectos
prescritivos e descritivos da gramática, o que vai de encontro à
afirmação feita no Manual do Professor: ...esta obra concentra aspectos que pertencem tanto à gramática normativa – em seus aspectos prescritivos (normatização a partir de parâmetros da variedade padrão: ortografia, flexões, concordâncias, etc.) e descritivos (a descrição das classes e categorias -‐ quanto à gramática de uso (que amplia a gramática internalizada do falante) e ainda à gramática reflexiva (que explora aspectos ligados à semântica e ao discurso). (Manual do Professor, p. 20)
Assim, encontramos textos midiáticos apenas na parte de
Produção Textual, porém as atividades se voltam para a estrutura
dos gêneros em foco (notícia, reportagem, anúncio publicitário,
editorial, entrevista etc.) além de algumas questões de
compreensão textual. Nenhuma alusão é feita aos processos
referenciais ou à construção de objetos de discurso.
Em relação à segunda coleção analisada, Projeto Eco
Língua Portuguesa, chamou-‐nos a atenção, a superficialidade
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
com que o conteúdo gramatical é trabalhado – ao contrário das
muitas unidades destinadas à Literatura.
No que tange ao estudo das classes de palavras, por
exemplo, o volume 2 apresenta um único capítulo que descreve
as dez classes, sem qualquer sistematização teórica. Apesar de o
capítulo ser intitulado Classes de palavras e construção de
sentido nos textos, os exercícios não trabalham essa relação e
tampouco fazem alusão ao processo de referenciação.
Encontramos, no volume 3, um único capítulo –
Progressão textual –, que, entretanto, limita-‐se ao estudo da
repetição de palavras no texto, ora como recurso de construção,
ora como defeito textual, como ilustra o exercício a seguir, numa
atividade com tirinhas:
Qual é a ideia/informação repetida por três vezes na tira?
Explique como é construída a progressão textual
(ALVES & MARTIN, 2010, vol. 3, p. 304)
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Como sugestão de gabarito, as autoras destacam que a
progressão textual é construída no plano visual e não no texto
escrito. Isso porque a mudança de sentimentos dos personagens
é percebida em sua expressão facial.
Em relação aos textos midiáticos, quase nada
encontramos, nesta coleção: nos exercícios gramaticais, o texto
literário é priorizado; na parte de produção textual, apenas os
gêneros notícia, reportagem e artigo de opinião são
superficialmente descritos, embora, no Manual do Professor, as
autoras garantam que
O texto não é somente ponto de partida para a reflexão sobre a língua – ele é igualmente ponto de chegada. Nesta coleção, a prática de produção textual recebe tratamento organizado e estruturado, fornecendo ao aluno ferramentas para a concepção inicial de sua produção, o planejamento e a execução textual. (Manual do Professor, p. 12)
4. A RERENCIAÇÃO NOS TEXTOS DA
MÍDIA: PROPOSTAS DE ATIVIDADES
Diante da ausência de um estudo dirigido sobre
referenciação e construção de objetos de discurso, com base em um
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
editorial apresentado no volume 2 da coleção de Cereja e
Magalhães, apresentaremos algumas propostas de atividades que
contemplam esses temas tão importantes para a compreensão e
produção textuais.
PROPAGANDA A SER LIMITADA
É grande a força do lobby de cervejarias, TVs e agências de propaganda. Mais uma vez, conseguiu evitar que a publicidade de cervejas fosse equiparada a das demais bebidas alcoólicas e proibida das 6h às 21h.
O projeto de lei do Executivo restituindo um pouco de lógica à legislação que regula a propaganda de álcool estava pronto para ser votado. Mas um acordo entre parlamentares e governo conseguiu retirar a urgência da proposta, que agora fica sem prazo para ir ao plenário. A julgar pelos precedentes, isso dificilmente ocorrerá antes dos Jogos Olímpicos de Pequim, em agosto, ou quem sabe da Copa de 2014.
Em termos de saúde publica e ciência, não há justificativa para tratar a publicidade de bebidas alcoólicas de qualquer gradação de forma diversa da do tabaco, que é vedada quase totalmente.
O álcool é uma droga psicoativa com elevado potencial para provocar dependência. Estudo da Organização Mundial da Saúde atribui ao abuso etílico 3,2 % das mortes ocorridas no planeta (cerca de 1,8 milhão de óbitos anuais). Metade delas tem como causa doenças, e a outra metade, ferimentos. No Brasil, dados da Secretaria Nacional
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Antidrogas (2005) apontam que 12,3% da população entre 12 e 65 anos pode ser considerada dependente.
Não se trata de proibir o consumo de álcool, mas esses números deixam claro, por outro lado, que ninguém deveria ser estimulado a beber. A propaganda é uma atividade legítima para a esmagadora maioria dos produtos e serviços existentes. O caso das drogas lícitas é uma exceção. A Constituição Federal, em seu artigo 220, prevê restrições a esse tipo de publicidade.
Não faz, portanto, sentido a campanha que a Associação Brasileira de Agencias de Publicidade mantém desde o final de abril, afirmando que a restrição à publicidade de cervejas teria o mesmo efeito que proibir "a fabricação de abridores de garrafa".
Louvar as virtudes reais ou imaginarias de abridores de garrafa não costuma levar jovens a consumir quantidades crescentes de drogas psicotrópicas. Já a propaganda de cerveja o faz.
Folha de São Paulo, 11/05/2008
Ø Propostas de atividades
1) Ao longo do texto, o objeto de discurso “cerveja” é retomado por diversas expressões nominais. a) Transcreva duas expressões nominais.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
R.: O objeto de discurso cerveja é, ao longo do texto, retomado por expressões como “drogas lícitas”, “álcool”, “drogas psicotrópicas”. b) De que forma essas expressões nominais que retomam o objeto de discurso “cerveja” colaboram para o projeto argumentativo do texto? R.: Todas as expressões nominais que retomam, ao longo do texto, o objeto de discurso “cerveja” reforçam o caráter destrutivo da bebida. O próprio substantivo “droga” tem seu sentido negativamente marcado. 2. No 4º parágrafo, são apresentadas expressões quantitativas diferentes para se referir às mortes provocadas pelo consumo de álcool. a) Quais são essas expressões. R.: As expressões são 3,2% e 1,8 milhão. b) Em que contexto essas expressões foram empregadas? R.: Para se referir às mortes provocadas pelo consumo de álcool, o texto emprega o percentual 3,2%, que, inicialmente, pode parecer pequeno. Porém, esse valor logo é especificado pelo alarmante número absoluto 1,8 milhões, mostrando que muitas pessoas têm suas vidas ceifadas por conta do abuso etílico. 3. A progressão textual é resultado de um conjunto de procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto, relações de interdependência. Sabendo disso, responda: a) Que expressão, empregada no 5º parágrafo, retoma o conteúdo do 4º? R.: A expressão “esses números”, empregada no 5º parágrafo faz referência às mortes provocadas pelo consumo de álcool, item destacado no parágrafo anterior. b) Por que tal expressão denuncia a opinião do enunciador sobre a proibição das propagandas de cerveja?
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
R.: Como é elevado número de mortes relacionadas à bebida alcoólica, o enunciador sugere que esse consumo não seja estimulado por meio das propagandas, que deveriam, então, ser proibidas. 4. Considerando as estratégias de sedução e convencimento empregadas pelos textos publicitários, no penúltimo parágrafo, a propaganda da Associação Brasileira de Agências Publicitárias compara dois elementos do texto. a) O que está sendo comparado? R.: A Associação Brasileira de Agências Publicitárias compara o ato de restringir as propagandas de bebidas alcoólicas ao ato de proibir a fabricação de abridores de garrafa. a) Explique a crítica implícita nesta comparação. R.: Na tentativa de justificar que as propagandas de bebidas alcoólicas não deveriam ser restringidas, por não incitarem diretamente o consumo das mesmas, a Associação Brasileira de Agências Publicitárias, num tom irônico e exagerado, sugere que a fabricação de abridores de garrafas também deveria ser proibida, uma vez que seu uso está relacionado ao consumo etílico, por ser o instrumento utilizado para abrir o recipiente em que a bebida está contida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Guiados pelos postulados da atual fase da Linguística de
Texto, analisamos como a referenciação é tratada em duas
coleções de livros didáticos destinadas ao Ensino Médio:
Português Linguagens e Projeto Eco – Língua Portuguesa. Embora
se configure como importantes estratégias de interpretação e
produção textuais, o trabalho com a construção de objetos de
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
discurso e de cadeias referenciais quase não aparece nos
manuais escolares em tela.
Como proposta didática, ressaltamos que a leitura é uma
atividade imprescindível em qualquer área do conhecimento.
Textos de natureza diversa exigem diferentes abordagens para se
chegar ao seu significado. Todo professor, portanto, deve estar
comprometido com a formação de leitores críticos que aprendam
a pensar sobre o pensamento dos outros e cheguem a produzir
seus próprios pensamentos. Para isso, a leitura precisa extrapolar
as linhas do texto, as páginas dos livros, buscando significados em
outros textos, outros livros, outras vivências.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental:
Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar sua leitura a partir da localização de elementos discursivos.” PCN (1997, p. 54)
Com base nesses pressupostos e considerando que a
leitura e a escrita sejam atividades de interação entre sujeitos,
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
acreditamos que o estudo sistemático do processo de
referenciação nos livros didáticos – embora seja um caminho
ainda a percorrer – muito possa contribuir para se alcançar um
dos objetivos principais do ensino de língua materna, previstos
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais: desenvolver a
competência comunicativa do aluno, integrando, enfim, texto e
gramática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. 3. ed. Brasília: MEC/SEF, 2001. CAVALCANTE, M.; PINHEIRO, C.; LINS, M. da P.; LIMA, G. Dimensões textuais nas perspectivas sociocognitiva e interacional. In: BENTES, A.C.; LEITE, M. Q. (org.). Linguística de texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 225-‐261. GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino. Exercícios de militância e divulgação. Campinas-‐SP: ALB & Mercado das Letras. 1998. KOCH, Ingedore. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
______. A inter-‐ação pela linguagem. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
______. Como se constroem e reconstroem os objetos-‐de-‐discurso. In: Anais do XIII Congresso da Associação Latino-‐Americana de Estudos do Discurso (ALED), 2008. p. 99-‐114. ______; MORATO, Edwiges Maria; BENTES, Anna Christina. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005. ______; ELIAS, Vanda. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2008. MONDADA, Lorenza; DUBOIS, Daniele. Construção dos objetos de discurso e categorização: Uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, Mônica Magalhães; RODRIGUES, Bernardete Biasi; CIULLA, Alena. (Org.). Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003. p. 17-‐52. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8ª. ed. São Paulo: Cortez, 2002. MANUAIS DIDÁTICOS ALVES, Hernandes Roberta e MARTIN, Lia Vilma. Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Positivo, 2009. CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens (volumes 1, 2 e 3). 7ª ed. reformulada, São Paulo: Editora Moderna, 2009;
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A abordagem da referenciação em livros didáticos de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental
GONÇALO, Fabiana (UFRJ/ CNPq)
COLAMARCO, Manuela (UFRJ/ CAPES)
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo reunir as contribuições do
processo de referenciação para um trabalho mais produtivo com
o texto em sala de aula no Ensino Fundamental, principalmente
no que se refere às atividades de leitura e interpretação. Para
isso, nosso objeto de análise são duas coleções de livros didáticos
de língua portuguesa (doravante, LDP), Viva Português e Tudo é
Linguagem, ambas da Editora Ática, aprovadas pelo PNLD-‐EF-‐
2011 e que estão sendo utilizadas nas redes pública e privada até
2013. Nessas coleções, nos concentramos nos textos midiáticos,
verificando se eles são relacionados a atividades de referenciação
e, em caso positivo, como essas atividades são realizadas. Além
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
disso, buscamos observar se há algum tipo de atividade, nesses
LDP, que vise associar a questão da referenciação à
intencionalidade dos autores no momento da produção de seus
textos.
A escolha pelo corpus em questão deve-‐se a sua
relevância no cenário atual e à recorrência dos textos midiáticos
nos LDP. Além disso, sabe-‐se que, no que concerne a alguns
gêneros textuais do grupo dos textos jornalísticos (reportagem e
notícia, por exemplo), é recorrente a fala – inclusive nas escolas –
de que esses textos caracterizam-‐se pela imparcialidade de seus
autores. Como não acreditamos na neutralidade de um discurso,
ou seja, entendemos que todo produtor de um texto atribui uma
intenção ao que escreve/fala, conforme postulam Beaugrande e
Dressler (1981), procuramos verificar se os LDP buscam, de
alguma maneira, ao tratar da referenciação, abordar a questão
da intencionalidade, também nesses textos tão historicamente
marcados por uma suposta imparcialidade.
Para desenvolver este trabalho, adotamos como suporte
teórico estudos sobre a referenciação, com base na Linguística do
Texto, destacando as obras de Koch (2004, 2006, 2008), Koch &
Elias (2006), Marcuschi (2008), Cavalcante et alii (2003),
Cavalcante (2011), Mondada (2001), dentre outros.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
De acordo com a Linguística do Texto (doravante, LT),
partimos, primordialmente, da defesa de que a referenciação é
uma atividade discursiva, ou seja, de que o texto é organizado
para ser o próprio lugar da interação de sujeitos sociais que
compartilham todos os seus conhecimentos com a finalidade de
atingir as suas propostas de sentido. Diante dessa perspectiva
sociointeracional, os objetos-‐de-‐discurso são construídos e
reconstruídos pelos enunciadores por meio de escolhas dentre as
inúmeras alternativas que a língua oferece para designar um
referente. Sobre essa visão do texto, Koch (2008, p. 188) afirma:
[o texto é] um construto histórico e social, extremamente complexo e multifacetado, cujos segredos é preciso desvendar para compreender melhor esse “milagre” que se repete a cada nova interlocução – a interação pela linguagem, linguagem que, como dizia Carlos Franchi, é atividade construtiva. [grifos da autora]
Neste artigo, então, será abandonada a visão
representacional e estática da tradição escolar, que opta pelo
termo “coesão referencial”, tendo em vista que a referenciação
vai muito além dessa posição, tratando-‐se de uma operação
colaborativa entre os parceiros da interação, fazendo com que os
referentes sejam construídos no e pelo discurso e,
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
consequentemente, sejam chamados de objetos-‐de-‐discurso.
Esses objetos podem ser recategorizados de diversas formas, e a
escolha de cada um deles é carregada de valores e
posicionamentos ideológicos. Em outras palavras, a referenciação
trabalha com a intenção do produtor do texto, pois ele opera
sobre o material linguístico de que dispõe, selecionando-‐o de
acordo com a melhor adaptação ao seu ponto de vista, a fim de
concretizar sua proposta de sentido. Logo, ele rompe com uma
possível neutralidade e mostra o seu posicionamento diante do
que é dito.
Desse modo, ao considerar esse processo como uma
atividade discursiva de (re) construção de objetos-‐de-‐discurso,
percebemos que ele é estrategicamente intencional. Nessa
perspectiva, é possível relacionar a referenciação à orientação
argumentativa, pois sempre que enunciamos, objetivamos atuar
sobre os parceiros da interação e obter deles determinadas
reações (KOCH, 2002), impondo ou orientando o nosso modo de
se referir como o mais verdadeiro. Segundo Adam (1992, apud
SANTOS, 2007), o enunciador constrói o discurso para modificar
representações, crenças, comportamentos e opiniões do
interlocutor.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Tendo em vista a dificuldade que cerca o trabalho dos
professores com o texto em sala de aula, acredita-‐se que os
mecanismos referenciais possam servir de instrumento para que
o docente oriente melhor seus alunos. Segundo Travaglia (2005),
somente através do texto, o professor desenvolve a competência
comunicativa dos alunos, fazendo-‐os lidar de modo eficaz com
sua língua materna nas mais variadas situações de comunicação.
Nossa hipótese, ao pensar este trabalho, era a de que as
coleções analisadas, mesmo que se caracterizem por serem de
qualidade, abordariam ainda de forma precária a questão da
referenciação, principalmente em sua relação com a
intencionalidade. Sabemos que, na academia, esse tema é
bastante estudado e sua relevância é inquestionável. No entanto,
ainda há muito que fazer para levá-‐lo até a sala de aula.
Por último, ao final da análise, com vias a auxiliar
professores que se interessem pelo tema em questão,
elaboraremos atividades de compreensão relacionadas à
referenciação com base em um texto extraído de um dos LDP
analisados.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2. ABORDAGEM TEÓRICA
2.1.1 A Linguística do Texto
Na década de 60, na Europa, houve o surgimento da
Linguística do Texto, que estabeleceu o texto como a principal
fonte de investigação dos fatos linguísticos, no lugar do então
estudo da palavra isolada e da frase descontextualizada. Até a
primeira metade da década de 70, a preocupação básica era em
relação aos mecanismos interfrásticos, ou seja, componentes do
sistema gramatical, como correferência, pronominalização,
artigo, ordem das palavras, dentre outros usos que garantiam o
estatuto de texto, sendo este visto como um produto. O objeto
de estudo principal era, então, a coesão, o que fez com que
surgissem diversas gramáticas do texto. Nesse período, ainda, a
coesão era confundida com a coerência que, por sua vez, era tida
apenas como uma propriedade ou característica do texto.
A partir da segunda metade da década de 70, houve a
adoção da perspectiva pragmática (“virada pragmática”),
defendendo o texto como a unidade básica de interação humana,
considerado no processo mesmo de sua constituição, e não mais
um produto acabado e, por isso, os elementos que revelam as
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
intenções dos falantes deveriam ser levados em conta. Na
década de 80, o texto passou a ser visto como o resultado de
processos mentais (“virada cognitivista”), com o postulado de
que se deviam levar em conta os saberes armazenados na
memória que os parceiros da comunicação possuem para
explicar as operações responsáveis pela forma como os textos
são criados e utilizados. A LT foi, então, buscar explicações para
as inferências, através da memória, da atenção, das
representações mentais etc.
Além disso, a partir de 1980, rediscute-‐se a dicotomia
entre texto e discurso, para se assumir uma perspectiva textual-‐
discursiva, uma vez que o texto não deve ser visto simplesmente
como uma superfície material que conduz ao discurso, mas como
indissociável dele e definido pelo uso (cf. KOCH, 2002, 2004;
MARCUSCHI, 2008; CIULLA E SILVA, 2008). Adam (2008) também
postula que texto e discurso devem ser pensados de forma
contextualizada e articulada e, por isso, ele considera a LT um
subdomínio da área mais ampla da análise das práticas
discursivas.
Porém, a concepção atual da LT foi estabelecida na
década de 90 (“virada discursiva”), baseando-‐se na perspectiva
de Bakhtin (GOMES-‐SANTOS et alii, 2010). O texto começou a
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
receber um tratamento de ordem sociocognitiva-‐interacional,
pois não podia ser entendido apenas como resultado de
processos cognitivos. Passou-‐se, então, a questionar a divisão
entre exterioridade e interioridade, postulada pelas ciências
cognitivas clássicas, no que concerne à separação que opera
entre fenômenos mentais e sociais.
Fundamenta-‐se a ideia de que tais operações não
ocorrem apenas na mente do indivíduo, mas são o resultado da
interação de várias ações conjuntas praticadas por ele (KOCH,
2004, p. 29/ 30), não sendo somente resultado de processos
cognitivos, mas interacionais. Dessa forma, a partir da concepção
de base sociocognitiva-‐interacional, o texto passa a ser entendido
como “lugar de interação entre atores sociais e de construção
interacional de sentidos” (KOCH, 2004, introdução). Isso implica
dizer que texto e contexto estão intimamente ligados.
Dentro dessa perspectiva, a LT trouxe uma mudança para
o estudo do texto, estabelecendo que o leitor deve ser capaz não
só de entender as mensagens veiculadas pelos diversos textos,
como precisa, ainda, identificar as intenções comunicativas de
seus autores, trazendo à tona conhecimentos armazenados em
sua memória, reconhecendo os diversos tipos e gêneros textuais
e as diferentes estratégias de referenciação e sequenciação
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
(KOCH, 2004). Modificando toda uma tradição de estudo do
texto, a LT desconstrói a relação de hierarquia autor-‐leitor, em
que o segundo deve apenas coletar informações isoladas que
estariam “prontas” para ele dentro de um “produto acabado”.
Assim, passa-‐se a entender o texto como o resultado da
interação de elementos sociais, cognitivos e linguísticos, e a sua
compreensão mobiliza recursos cognitivos e pragmáticos. Indo
ainda um pouco mais além, Cavalcante et alii (2010, p. 228)
postulam que:
[...] o texto é a unidade funcional que não somente permite a interação, como também viabiliza diversas formas de representar o mundo, de transformá-‐lo e de, a um só tempo, reconstruir-‐se a partir dessa dinâmica emergência dos sentidos, que envolve toda espécie de heterogeneidades enunciativas, dentre elas as relações intertextuais e interdiscursivas.
Para a LT, os interlocutores são compreendidos como
sujeitos que, dialogicamente, nele se constroem e por ele são
construídos (KOCH, 2008). Desse modo, um texto seria originado
por uma multiplicidade de operações cognitivas interligadas e
sua produção de sentidos se realizaria com base nos elementos
linguísticos presentes na sua superfície e na sua forma de
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
organização. No entanto, a percepção desses sentidos requer não
apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes, como
também a sua reconstrução no momento da interação verbal. À
LT caberia, então, desenvolver estratégias de descrição e análise
textuais capazes de dar conta desses processos.
Uma vez apresentada, em termos gerais, a teoria que
determinará a forma pela qual o corpus desta pesquisa será
analisado, expomos, a seguir, os conceitos que mais
particularmente interessarão a este trabalho: intencionalidade,
escolhas lexicais e referenciação.
2.2 A relação entre a intencionalidade, as escolhas lexicais e a construção dos sentidos
O texto, isto é, o discurso produzido pelo sujeito ao
significar o mundo de acordo com o lugar social e ideológico que
ocupa, é definido por Orlandi (2007, p. 77) como uma “[...]
unidade de significação cuja relação com as condições de
produção é constitutiva”. O texto é visto, portanto, não como um
emaranhado de frases soltas ou como uma composição apartada
do mundo, mas sim como algo cujo sentido torna-‐se inteligível
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
apenas na esfera da enunciação, ou seja, do contexto social,
ideológico, político em que fora produzido. Consoante Fiorin
(1996, p. 30), “o discurso não é uma grande frase nem um
aglomerado de frases, mas um todo de significação”.
O sentido do discurso é dotado de um caráter dialógico
(MUSSALIM, 2001). Isso implica dizer que o significado do que se
diz se constrói no âmbito do interdiscurso, isto é, no diálogo com
outros discursos. Nada do que se enuncia é completamente
original. Tudo o que se diz é cortado por inúmeros outros
discursos que entram na formação do que o próprio sujeito é e
pensa. Assim, ao significar o mundo em seu discurso, o indivíduo
encontra-‐se influenciado por inúmeros outros dizeres.
Entendemos que a linguagem é caracterizada por uma
orientação argumentativa, sendo encarada como forma de ação,
isto é, levar o outro a fazer X. Por trás de qualquer discurso, há a
intenção de se transmitir ideologia(s), na acepção mais ampla do
termo, uma vez que tudo que diz respeito à linguagem tem uma
subjetividade inerente, pois todos nós somos sujeitos que têm
intenções e objetivos delimitados e que buscamos convencer o
outro das nossas ideias e fazer com que ele chegue às mesmas
conclusões que nós. Logo, se o sujeito sempre age para ser aceito
de modo que suas opiniões sejam mais bem recebidas do que as
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
dos outros, a neutralidade é um mito, haja vista que até o
discurso que se declara “neutro” tem a intenção de ser o mais
objetivo possível, conforme evidencia Koch (2011, p. 17).
A LT estabelece que, além de entender as mensagens
veiculadas pelos vários textos, o leitor precisa conseguir
identificar as intenções comunicativas de seus autores. De que
modo se chega, então, a essas intenções ou mesmo – por que
não dizer – a essas ideologias? Certamente, por meio do material
linguístico presente no texto. Conforme assevera Sarfati (2010, p.
28), “todo material linguístico, constituído, principalmente, de
elementos e de microssistemas lexicais, organiza a expressão da
subjetividade linguística”.
Desse modo, de forma mais específica, podemos entender
que “pela escolha vocabular, o autor de um texto busca
expressar seu ponto de vista em relação ao mundo que o cerca,
emitindo juízo de valor” (PAULIUKONIS, 2005, p. 126). Isso
porque, ao fazer a escolha por determinado item lexical, o autor,
necessariamente, deixa de escolher outros que poderiam ocupar
aquela mesma posição. Assim, quando se usa, por exemplo, um
termo pejorativo como “pivete” (ao se referir a um menino de
rua), opta-‐se por um vocábulo específico dentro de um grupo de
outras palavras que são, consequentemente, silenciadas
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
(“menino de rua”, “menor abandonado”, entre outros), o que
provoca efeitos de sentido diferentes, condicionados pela
intenção de quem enuncia.
Concordamos, então, com Marcuschi quando ele afirma:
Com uma visão de língua como atividade sócio-‐interativa [...] e uma hipótese sócio-‐cognitiva, tentamos superar a noção meramente representacionalista e referencialista da língua, para privilegiar as relações intersubjetivas instauradas pelos interlocutores mediante os recursos linguísticos. (MARCUSCHI, 2004, p. 273)
2.3 O processo de Referenciação
Dentro das abordagens da LT, a referenciação destaca-‐se
como importante estratégia para introduzir novas entidades ou
referentes no texto (KOCH e ELIAS, 2006) e constitui um
elemento basilar, uma vez que a ela são atribuídas as funções de
imprimir sentido ao texto e de contribuir para sua progressão.
Ressalta-‐se que o processo de referenciação também está
relacionado à ideia de escolha vocabular, tratada na seção
anterior deste artigo, uma vez que, ao selecionar um referente
lexical (um substantivo isolado ou um substantivo determinado
por adjetivo(s) dentro de uma expressão nominal) para ocupar
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
determinada posição no texto, o autor deixa de escolher outros
referentes também possíveis naquele contexto e é isso que,
como vimos, manifesta sua intenção.
A presença do enunciador no discurso ocorre, justamente,
por meio dessas escolhas referenciais que ele faz, isto é, ele se
revela no texto pela referenciação, marcando o seu ponto de
vista. Mesmo quando se esforça para ser isento de
posicionamento, toma um determinado partido. Conforme
Rabatel (2005, p.121), “o modo de apresentação dos referentes
comporta saberes e marcas de um modo de falar, perceber e/ou
pensar que aponta para determinado enunciador”.
A nomeação de um referente envolve uma reflexão sobre
o próprio dizer, o que faz com que a seleção referencial mais
apropriada se dê com base no receptor, nos propósitos
comunicativos, no contexto, no gênero textual em questão etc. O
produtor textual pode ter a intenção de criticar algo, de
ressignificar um termo em evidência, de causar humor, dentre
outras opções, fazendo com que haja uma grande instabilidade
nessa nomeação dos referentes.
Durante muito tempo, a questão da referência foi
entendida e estudada como uma forma de representação do
“mundo real” no co-‐texto. As formas linguísticas utilizadas para
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
retomar ou antecipar algo, na superfície textual, deveriam ser
selecionadas de acordo com critérios de correspondência e
veracidade em relação ao mundo exterior que, por sua vez,
estava pronto para ser espelhado (cf. CAVALCANTE et alii., 2010).
É nessa perspectiva de reflexo da realidade que está a
noção tradicional de coesão referencial, que concebe a
linguagem como transparente e considera os referentes como
objetos do mundo, excluindo o contexto e a construção de
efeitos de sentido. Em outras palavras, a noção de “fazer
referência a algo” dizia respeito a algo estritamente linguístico: a
relação entre palavras isoladas e referentes do mundo real
prontos para serem etiquetados e manipulados de modo rígido.
Posteriormente, alguns estudiosos, como Mondada,
Apothéloz & Reicher-‐Béguelin e Koch, voltaram-‐se para a
necessidade de considerar uma perspectiva sociocognitiva e
interacionista no que diz respeito à referência, entendendo que
referentes são construtos culturais presentes na cena de
enunciação, que podem ser transformados dentro da situação
comunicativa. De acordo com essa concepção, as formas
linguísticas selecionadas devem ser avaliadas segundo a
adequação aos propósitos e às ações em curso dos enunciadores,
que compartilham a mesma sociedade, isto é, trata a língua como
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
uma negociação entre indivíduos e exclui uma possibilidade de
mundo excessivamente estabelecido e delimitado, “pronto para
receber uma etiqueta lexical incontestável e válida para todos os
sujeitos” (CORTEZ, 2003, p. 24).
Por conta disso, os referentes são considerados objetos de
discurso e não apenas objetos do mundo (MONDADA e DUBOIS,
1995); são “representações semióticas instáveis (constantemente
reformuláveis) e não entidades da realidade preexistentes à
interação” (CAVALCANTE et alii, 2010, p. 233). Eles são dinâmicos
e, assim, uma vez introduzidos, podem ser modificados,
desativados, reativados, transformados ou recategorizados. Por
esta via, constroem-‐se ou reconstroem-‐se os sentidos do texto.
Isso faz, então, com que entendamos a referenciação como um
“processo em permanente reelaboração, que, embora opere
cognitivamente, é indiciado por pistas linguísticas e completado
por inferências várias” (CAVALCANTE et alii, 2010, p. 234).
Os processos referenciais se dividem em duas
possibilidades: (i) introdução referencial, quando entidades são
introduzidas no texto pela primeira vez; e (ii) anáforas, que
supõem “uma retomada ou continuidade referencial de uma
entidade qualquer já introduzida no texto, não importa de que
maneira” (CAVALCANTE et alii, 2010, p. 237). É importante
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ressaltar que, para que haja uma anáfora, é necessário que as
expressões referenciais anafóricas estejam ancoradas em pistas
do cotexto, que podem apontar para trás (remissões
retrospectivas), ou para frente (remissões catafóricas).
A progressão referencial pode se efetivar através das
estratégias de correferencialidade, quando um objeto de discurso
é completamente recuperado pelo termo anafórico ou “pela
menção de expressões que, embora não representem o mesmo
referente citado, estão de algum modo ligadas a outras âncoras
linguísticas do cotexto e operam uma espécie de referência
indireta, que nem por isso deixa de ser anafórica” (CAVALCANTE,
2011, p. 36). Assim, a anáfora direta distingue-‐se da anáfora indireta
pelo fato de que, na primeira, há a retomada do mesmo objeto
de discurso (recategorizado ou não) e, na segunda, não acontece
essa retomada. Ou seja, é a presença ou a ausência da estratégia
de correferencialidade que vai determinar um ou outro processo,
respectivamente (CAVALCANTE et alii, 2010)1.
1 Ressaltamos que decidimos por adotar, neste trabalho, a visão mais atual sobre a distinção entre anáforas diretas e anáforas indiretas (CAVALCANTE et alii., 2010; CAVALCANTE, 2011).
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Como síntese do que foi dito, faremos uso do quadro de
Cavalcante (2011, p. 38), em relação aos processos referenciais
atrelados à menção:
Processos referenciais atrelados à menção
Introdução
Referencial
Anáfora (continuidade referencial)
Anáforas
Diretas (Correferenciais)
Anáforas indiretas
(Não correferenciais)
Finalmente, a manutenção dos objetos de discurso pode
realizar-‐se através de recursos de ordem gramatical (pronomes,
elipses, numerais, advérbios locativos, etc.) ou de ordem lexical
(reiteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes
genéricos, expressões nominais, etc.), que evidenciam as
escolhas do sujeito-‐enunciador no seu querer-‐dizer.
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
O corpus sob análise constitui-‐se de textos do ramo
midiático, pertencentes aos gêneros notícia, artigo de opinião,
editorial e reportagem. Esses textos encontram-‐se em duas
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
coleções, da Editora Ática, de livros didáticos para o Ensino
Fundamental (sexto a nono anos), aprovadas pelo PNLD-‐EF-‐2011:
a coleção Viva Português, escrita por Elizabeth Campos, Paula
Cardoso e Sílvia de Andrade, e a coleção Tudo é Linguagem,
escrita por Ana Borgatto, Terezinha Bertin e Vera Marchezi. Em
ambas as coleções, avaliamos também o livro do professor. Dessa
forma, temos um total de oito livros e, nesses livros, 70 textos e
387 exercícios foram analisados. É importante destacar que
apenas contabilizamos os textos a partir dos quais foram criados
exercícios de análise linguística e/ou textual. Ou seja, textos que
serviram unicamente para exemplificar determinado conceito ou
como ilustração não foram contabilizados neste trabalho, uma
vez que nosso objetivo era justamente analisar os exercícios
propostos pelos LDP.
A partir do levantamento desse corpus, buscamos verificar
se o tema referenciação é abordado em atividades relacionadas a
esses textos e, em caso positivo, como essa abordagem é
realizada pelos livros didáticos. A nossa escolha pelo que seria
um exercício de referenciação deu-‐se com base na proposta
teórica adotada nessa pesquisa e apresentada no item anterior
deste artigo e não conforme o que é apresentado pelos LDP.
54
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Neste trabalho há, desse modo, o desenvolvimento de duas
etapas, a saber: (i) uma análise quantitativa para mostrar as
ocorrências das atividades com referenciação em relação ao
número total de exercícios dos textos; e (ii) uma análise
qualitativa, de cunho analítico-‐descritivo, buscando observar a
qualidade das atividades encontradas, no que tange à
contribuição para uma leitura mais produtiva por parte do aluno,
principalmente em relação às escolhas lexicais reveladoras de
intencionalidade do autor do texto.
4. RESULTADOS
4.1.1 Coleção Viva Português Na coleção de LDP Viva Português, no livro do sexto ano,
encontramos três reportagens. Em uma delas, “Festas e
brincadeiras no Xingu”, da Folha de S. Paulo, sobre curiosidades
indígenas, o livro propõe uma atividade mencionando o processo
de referenciação ao tratar rapidamente o estudo dos sinônimos.
Porém, induz o aluno a pensar que a repetição de palavras é
obrigatoriamente ruim e que, por isso, devemos usar sinônimos
55
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
para evitá-‐la, como pode ser visto no exercício em questão,
extraído do LDP:
Para garantir a relação entre as partes de um texto, é comum o autor retomar informações já dadas. Nessas retomadas, os substantivos são muito úteis, pois podemos trocar um substantivo por outro de sentido parecido (sinônimo) e, assim, evitar a repetição de palavras. Exercite esse recurso reescrevendo os trechos abaixo no caderno. Substitua os termos destacados por outros de significado semelhante evitando repetir palavras já empregadas. a) “Entre as crianças camaiurás são muito comuns as brincadeiras: além de
imitar a dança e o canto dos adultos, as crianças do sexo masculino brincam de bicicleta e de atirar flechas. As crianças do sexo feminino contaram que gostam de brincar de catiguá (boneca) e mostraram como fazem uma boneca com flores do pequizeiro enfiadas num graveto” . (Adaptado de Folha de S. Paulo, 19/7/2003) R: os meninos, as meninas.
b) “Depois de flechar a boneca e de dançar em grupo, cada índio de uma aldeia tenta acertar sua flecha num adversário da outra aldeia”. (Idem) R: tribo/ povoação.
Além disso, essa atividade se mostra mecânica para o
aluno e em nada contribui para a leitura do gênero em questão,
podendo ser feita com qualquer outro texto, de qualquer outro
gênero, pois não gera a reflexão por parte do estudante. As
outras duas reportagens encontradas não mencionam aspectos
referenciais em suas questões de interpretação e, além disso,
neste livro, não há nenhuma ocorrência dos outros gêneros
midiáticos pesquisados (editorial, notícia e artigo de opinião).
56
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
No livro do sétimo ano, há um total de seis reportagens e
quatro notícias, porém não há ocorrência de atividades com a
referenciação envolvendo esses textos. Também não
encontramos editoriais nem artigos de opinião. Por sua vez, no
livro do oitavo ano, dentre os quatro gêneros aqui analisados, há
apenas uma notícia, que também não traz menção às estratégias
referenciais em seus exercícios.
Por fim, no livro do nono ano, há seis reportagens, uma
notícia, seis artigos de opinião e nenhum editorial. Em relação a
um desses artigos (“A epidemia da beleza”, da Folha de S. Paulo),
há uma atividade que busca fazer com que o aluno saiba
identificar expressões nominais que recuperem um referente no
texto (no caso, “crianças e adolescentes”). Novamente, o
exercício é automático, como pode se observar abaixo,
restringindo-‐se a um trabalho de localização para o aluno, em vez
de enfatizar a diferença entre usar “crianças e adolescentes” e os
outros referentes sugeridos pelo gabarito.
Os seis primeiros parágrafos apresentam as informações que motivaram a
composição do artigo.
O primeiro parágrafo apresenta as pessoas de quem se fala no texto: crianças e adolescentes. Observe que o artigo tratará desse grupo e, para confirmar essa informação, basta buscar nos cinco parágrafos seguintes as outras expressões usadas para referir-‐se a ele. Identifique-‐as.
57
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
R: jovens brasileiros, parte expressiva de uma geração, atual geração.
Na tabela abaixo, esses resultados podem ser observados de
forma mais clara:
GÊNERO TEXTUAL Total de textos
Total de exercícios
Total de exercícios sobre referenciação
Artigo de opinião 06 21 1
Editorial -‐ -‐ -‐
Notícia 06 12 0
Reportagem 15 80 1
TOTAL 27 113 2
Tabela 1: análise quantitativa dos exercícios de análise dos textos midiáticos na coleção Viva Português.
4.2 Coleção Tudo é Linguagem
Na segunda coleção analisada, Tudo é linguagem, a
quantidade de exercícios sobre referenciação foi mais
significativa. Ao mesmo tempo, porém, essa coleção apresenta
um número bem maior de textos para análise e de exercícios. Na
tabela a seguir, esses números ficam mais evidentes:
GÊNERO TEXTUAL Total de textos
Total de exercícios
Total de exercícios sobre
58
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
referenciação
Artigo de opinião 11 88 2
Editorial 02 25 0
Notícia 17 71 1
Reportagem 13 90 4
TOTAL 43 274 7
Tabela 2: análise quantitativa dos exercícios de análise dos textos midiáticos na coleção Tudo é linguagem.
Artigos de opinião, notícias e reportagens aparecem nos
quatro livros da coleção; o editorial só é encontrado no do 9º
ano.
No livro do 6º ano, a partir de uma reportagem da revista
Quatro Rodas, “Parque Nacional Marinho de Abrolhos –
Caravelas”, o aluno é convidado a perceber que a expansão de
um sintagma nominal por meio da utilização de adjetivos pode
determinar a intenção do autor do texto. Temos, assim, um
exercício de construção do referente associado à
intencionalidade:
Se você fosse convidado para produzir um folheto que tivesse o objetivo de
encantar turistas e convencê-‐los a visitar Abrolhos, as qualidades do lugar
poderiam ser ampliadas por meio de mais adjetivos e locuções adjetivas.
59
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Por exemplo, a expressão: “... área cheia de recifes de coral...” poderia ficar
assim: ... área cheia de deslumbrantes e coloridos recifes de coral... ou então ...
área cheia de recifes de coral de cores intensas...
No trecho a seguir, estão presentes substantivos que nomeiam os pontos
principais de Abrolhos. Cabe a você ampliar as frases, enriquecendo-‐as com
adjetivos e locuções adjetivas para encantar o leitor e convencê-‐lo a visitar o
local:
Conheça Abrolhos, um parque nacional marinho, onde há ilhas, fauna marinha
e aves. Há ainda passeios em águas claras.
O exercício em questão, no entanto, apresenta problemas.
Primeiro, ao mostrar para o aluno que os adjetivos modificam o
referente e, por isso, manifestam uma intencionalidade, os
autores sugerem que se mude o gênero textual: não se trata mais
de uma reportagem, mas sim de “um folheto que tivesse o
objetivo de encantar turistas”. Ou seja, reafirma-‐se,
indiretamente, a falsa ideia de que uma reportagem não
manifesta a intencionalidade de seu autor. Além disso, a frase
que deverá ser modificada pelos alunos é uma frase solta, criada
unicamente para o exercício. Desse modo, o texto base é deixado
de lado na continuidade do exercício.
No segundo livro da coleção, do 7º ano, ao abordar o
conceito de “sujeito oculto”, pede-‐se que o aluno perceba que
esse tipo de sujeito evita repetições excessivas no texto. No
60
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
mesmo capítulo, em outro exercício, o autor aborda novamente
a questão da repetição a partir da reportagem da Revista Isto é,
intitulada “Sapo-‐boi”:
No trecho sobre o sapo-‐boi, as repetições foram evitadas por meio de três
recursos:
• Sujeito oculto; • Expressão sinônima ou equivalente; • Pronome. Transcreva:
a) As expressões sinônimas ou equivalentes que substituem “sapo-‐boi”; R: “esse réptil”; “o bicho”.
b) O pronome utilizado para evitar a repetição. R: “ele”.
Da mesma forma que observamos na coleção Viva
Português, essa atividade mostra-‐se mecânica para o aluno e não
contribui para a leitura do gênero em questão, pois poderia ser
feita com qualquer outro texto, de qualquer outro gênero. Da
mesma forma, reforça-‐se a ideia de que as repetições em um
texto não são legítimas e devem ser evitadas.
O livro do 8º ano traz apenas um exercício de
referenciação: após a leitura do artigo de opinião “Insegurança”,
publicado na Publifolha, pede-‐se que o aluno identifique a
expressão que, na continuidade do texto, pode ser considerada
61
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
equivalente à palavra que dá título ao texto, “insegurança”.
Desse modo, o aluno deve perceber que o referente “segurança
perdida” retoma o objeto de discurso “insegurança”. Temos,
mais uma vez, um exercício mecânico sobre um texto que trata
do tema da adolescência de maneira crítica. Ao retomar
“insegurança” por “segurança perdida”, evidenciando, ainda, que
essa “segurança perdida” relaciona-‐se ao adolescente, o autor
evidencia uma clara oposição entre a criança e o adolescente. Se
a segurança deste foi perdida, significa que, no passado, em sua
época de criança, ele a tinha. Quantas discussões, então,
poderiam surgir a partir dessa constatação, que tem como base a
retomada de um referente?
Por último, o livro do 9º ano apresenta, no capítulo sobre
editorial, uma longa discussão sobre os “mecanismos de coesão”,
termo introduzido no livro do 8º ano, a partir da análise de um
texto narrativo. No entanto, nessas duas situações, a coleção
entende por “mecanismos de coesão” o uso de conectivos, o que
não nos interessa nesse trabalho, pois não se configura como
estratégia de referenciação. Algumas páginas mais à frente, o
livro do 9º ano faz menção ao uso de pronomes como estratégia
de coesão textual, utilizando, desse modo, novamente o termo
“coesão”. Aqui, no entanto, os textos analisados são crônicas,
62
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
tirinhas, letras de música e poemas, ou seja, gêneros não
midiáticos e que, portanto, não são objeto de análise desta
pesquisa.
Neste mesmo livro, a partir do texto “A mãe de todas as
guerras”, reportagem publicada na revista Superinteressante, os
autores propõem o seguinte exercício, que se encontra no
capítulo sobre a coerência textual:
No texto, o autor, depois de informar o que é o “engenho conhecido como trebuchet”, retoma essa expressão por meio de outros termos, que acrescentam características à sua descrição da máquina: “o monstro” e “o colosso”. O emprego dos termos monstro e colosso é coerente com a opinião que o autor expressou no olho da reportagem: “... as máquinas – e não o homem – é que decidiam as batalhas”. Que relação existe entre esses termos e a afirmação do seu autor? Sugestão de resposta: pelo emprego dos termos “monstro” e “colosso”, o autor enfatiza o poder da máquina, reforçando sua opinião de que o que decide as batalhas são as máquinas e não a força humana.
Conforme percebemos, trata-‐se de um exercício que
associa referenciação e intencionalidade (ou argumentatividade),
na análise de uma reportagem, mostrando, assim, que também
nesse gênero o jornalista manifesta, no texto, sua posição. Além
disso, por esse exercício estar situado no capítulo referente à
coerência textual, entende-‐se que coesão e coerência não são
categorias distintas, mas uma está intrinsecamente relacionada à
63
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
outra. Seria interessante que o exercício explicitasse essa ideia,
uma vez que ele é direcionado a alunos do 9º ano que já têm
maturidade para compreender essa relação.
4.3 Aprofundando um pouco mais a análise
Ao observarmos as duas coleções em conjunto, chegamos,
então, ao seguinte resultado para a quantidade – e porcentagem –
de exercícios sobre referenciação a partir de textos midiáticos nas
duas coleções analisadas:
COLEÇÃO Total de exercícios
Total de exercícios sobre referenciação
Percentual de exercícios sobre referenciação
Viva Português 113 2 1,8%
Tudo é Linguagem 274 7 2,6%
TOTAL 387 9 2,3%
Tabela 3: análise quantitativa dos exercícios de referenciação a partir de textos midiáticos nas coleções Viva Português e Tudo é linguagem.
Confirmando nossa hipótese, percebe-‐se que a quantidade
de exercícios sobre referenciação ainda é bem pequena nos LDP,
correspondendo a apenas 2,3% do total de exercícios dos oito
livros das duas coleções analisadas.
64
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Olhando mais detidamente para cada um dos nove
exercícios encontrados nas coleções Viva Português e Tudo é
linguagem, podemos dividi-‐los em categorias: (i) exercícios que
visam à eliminação da repetição no texto, seja solicitando que o
aluno reescreva um trecho eliminando as repetições, seja
pedindo que o aluno identifique a estratégia ou o termo utilizado
para evitar uma repetição; (ii) exercícios que relacionam
referenciação e intencionalidade (cf. exercícios transcritos e
comentados na seção anterior); e (iii) exercícios que pedem que
o aluno identifique o referente que foi retomado ou que retoma
determinada expressão. Na tabela a seguir, observamos, em
números, como ocorre a divisão dos exercícios nas coleções Viva
Português e Tudo é linguagem:
Tipo de Exercício Coleção
Viva Português Coleção
Tudo é linguagem TOTAL
Eliminação da repetição em um texto
1 4 5
Referenciação e 0 2 2
65
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
intencionalidade
Recuperação do referente
1 1 2
Tabela 4: tipos de exercício de referenciação nas coleções Viva Português e Tudo é linguagem.
A distribuição desses exercícios pelas duas coleções em
conjunto ocorre, então, da seguinte maneira:
Gráfico 1: percentual dos tipos de exercício de referenciação a partir de textos midiáticos das coleções Viva Português e Tudo é linguagem em conjunto.
Desse modo, a partir de uma análise mais detalhada,
percebemos que 78% dos exercícios encontrados que tratam,
indiretamente, da referenciação correspondem a atividades
sobre a eliminação de uma repetição ou sobre a recuperação de
56% 22%
22%
Percentual dos Xpos de exercício de referenciação nas coleções analisadas
Eliminação da repetição
Intencionalidade
Recuperação do referente
66
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
um referente, exercícios que, da forma como foram propostos,
mostraram-‐se sempre muito mecânicos, não exigindo reflexão do
estudante. Não se pede, por exemplo, que o aluno perceba o
efeito de sentido que uma repetição pode dar ao texto.
Repetições podem ser legítimas e têm um importante papel na
construção do sentido do texto. Da mesma forma, os exercícios
de recuperação de um referente restringem-‐se a um trabalho de
localização para o aluno, que não é levado a perceber a diferença
entre usar um ou outro referente ou ainda que, ao escolher
determinado referente, o autor opta por um vocábulo específico
dentro de um grupo de outras palavras também possíveis para
aquele contexto. Essa escolha, claramente, é condicionada pela
sua intenção ao produzir aquele texto.
Além disso, conforme exposto na seção anterior, dos dois
exercícios que associam, indiretamente, referenciação e
intencionalidade, apenas um configura-‐se verdadeiramente como
um exercício de análise textual voltado para formar um aluno
capaz de ler criticamente um texto. O exercício do livro do 6º ano
da coleção Tudo é linguagem, como vimos, acaba por desvincular
o exercício sobre a intencionalidade do texto que estava sendo
analisado.
67
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Desse modo, tanto quantitativamente quanto
qualitativamente a abordagem das estratégias de referenciação
pelos LDP ainda deixa muito a desejar, principalmente no que diz
respeito a sua relação com a intencionalidade, tema tão
importante para exercitar a reflexão e o pensamento crítico do
estudante. Assim, na seção que se segue, propomos algumas
atividades de análise textual envolvendo os conceitos de
referenciação e intencionalidade, a título de exemplificação do
que comentamos até aqui.
5. PROPOSTA DE ATIVIDADES
A atividade a seguir foi proposta com base em trechos de
dois editoriais presentes no livro do 9º ano da coleção Tudo é
linguagem, ambos retirados do jornal Folha de São Paulo. Como
nosso intuito era mostrar alguns exemplos de exercícios que
podem ser propostos sobre referenciação e, também, sobre sua
relação com a intencionalidade, transcrevemos, aqui, apenas um
pequeno trecho de cada editorial. Os textos na íntegra
encontram-‐se no Anexo.
EDITORIAL 1 – CONTRA AS ARMAS (fragmento)
68
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
“O veto às armas pode ser interpretado como uma limitação ao
direito de autodefesa, o qual, mais do que garantia legal, é um
instinto biológico. Está entre as atribuições do Estado, todavia,
definir regras para o exercício de certas atividades e fixar os
requisitos para a concessão de licenças. Ninguém tem seu direito
de ir e vir ameaçado pelo fato de não poder dirigir um carro sem
possuir habilitação. E não resta dúvida de que a decisão, entre
nós, está sendo tomada por caminhos democráticos.”
EDITORIAL 2 – NÃO BASTA VETAR ARMAS (fragmento)
“Ao que indicam algumas pesquisas, o referendo sobre a venda
de armas de fogo, previsto para outubro, resultará na proibição
desse tipo de comércio. A restrição – alardeada por alguns como
uma panaceia contra a violência – precisa ser considerada com
cautela, para não alimentar mais ilusões.
É isto que indica a reportagem publicada segunda-‐feira
por esta Folha. [...]”
EXERCÍCIOS
1) Os editoriais 1 e 2 apresentam opiniões opostas sobre a
proibição do comércio de armas de fogo no Brasil. O primeiro
69
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
é a favor e o segundo, contra. Sendo assim, COMPARE as
expressões: “veto às armas” e “proibição desse tipo de
comércio”. De que modo as expressões transcritas
anteriormente evidenciam os diferentes pontos de vista dos
autores dos editoriais 1 e 2?
R: O autor que é a favor da proibição, mostra que as “armas” serão vetadas. Ou seja, algo ruim, que é responsável pela morte de muitas pessoas inocentes. Já o autor que é contra a proibição, fala que “esse tipo de comércio” será proibido, ou seja, uma expressão bem mais leve e suave do que “armas”. “Esse tipo de comércio” sugere que se trata apenas de mais um tipo de comércio, como outro qualquer. 2) Ainda a partir das expressões “veto às armas” e “proibição
desse tipo de comércio”, faça o que se pede.
a) IDENTIFIQUE as expressões que, na continuidade dos fragmentos, retomam “veto às armas” e “proibição desse tipo de comércio”, respectivamente.
R: “Decisão” e “restrição”.
b) Por que a oposição entre as duas opiniões é reforçada através das escolhas lexicais dos autores ao se referirem a esse fato pelas expressões transcritas por você no item anterior?
R: “Decisão” é um termo mais neutro que não tem, necessariamente, uma carga semântica negativa ou positiva. Já
70
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
“restrição” significa “proibição”, “falta”, o que dá a ideia de algo ruim. 3) O autor do texto 2, no comentário entre os travessões, refere-‐
se à “proibição desse tipo de comércio” como “uma panaceia
contra a violência”.
a) PROCURE no dicionário um significado para “panaceia”, adequado ao contexto.
R: O aluno deverá escolher a opção do dicionário que define panaceia como sendo uma espécie de remédio, de solução milagrosa para todos os males.
b) Que posição é reforçada por meio dessa escolha do autor? Justifique sua resposta.
R: Uma solução milagrosa para todos os males não é algo sério, confiável. Logo, reafirma-‐se a ideia de que a proibição do comércio de armas não resolverá, verdadeiramente, o problema na violência no país.
4) No texto 2, o pronome “isto” retoma não apenas uma
expressão, mas toda uma ideia presente no parágrafo
anterior.
a) IDENTIFIQUE a ideia que é retomada por este pronome.
R: A ideia de que “o referendo sobre a venda de armas de fogo, previsto para outubro, resultará na proibição desse tipo de comércio”.
71
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
b) Se a opinião do autor do texto 2 fosse outra, por que outra expressão ele poderia substituir o pronome “isto”? Você poderá reescrever toda a frase para melhor adequá-‐la à expressão escolhida.
Sugestão de Resposta: A reportagem publicada segunda-‐feira por esta Folha indica esta vitória.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais:
Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva. [...] A área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias objetiva ampliar a competência do educando, permitindo-‐lhe, entre outros aspectos: analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens [...](BRASIL: 98-‐99; [grifos nossos]).
Além disso, postula-‐se que o ensino de língua portuguesa,
no intuito de desenvolver a competência discursiva do aluno,
deve se pautar em três grandes pilares: a análise linguística, a
prática da leitura e a prática da produção de textos.
Desse modo, justifica-‐se, mais uma vez, a relevância do
estudo das estratégias de referenciação no Ensino Fundamental.
72
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A observação dessas estratégias parte da análise do material
linguístico do texto, uma vez que o estudante precisa identificar
os referentes introduzidos e retomados nele, compreendendo a
cadeia referencial formada naquele texto a ser analisado. A partir
da observação desses referentes, o aluno recupera sentidos do
texto e compreende a sua progressão. Além disso, a cadeia
referencial determina a orientação argumentativa proposta no
texto. Percebendo isso, a leitura do aluno passa a um estágio
mais reflexivo e crítico. Por fim, ao entender que as escolhas
lexicais e a construção dos referentes podem marcar uma
intencionalidade, sua prática de produção textual também
poderá apresentar mais argumentatividade e coerência.
Assim, apesar da indiscutível importância da referenciação
para o ensino de língua portuguesa (cf. SANTOS E TUPPER, 2011),
ainda há pouco material sobre o tema disponível para o Ensino
Fundamental. Como vimos neste trabalho, mesmo em LDP mais
modernos e atualizados, não encontramos de forma significativa
exercícios sobre as estratégias de referenciação, principalmente
em sua relação com a intencionalidade.
Reafirmamos que esses conceitos, embora vastamente
discutidos no meio acadêmico, ainda estão muito timidamente
presentes na educação básica. Faz-‐se urgente, desse modo, levar
73
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
até a sala de aula as descobertas do meio acadêmico por meio de
metodologias e materiais didáticos a serem desenvolvidos, como
os exercícios propostos neste artigo.
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ANEXO Editorial “Contra as armas”
A Câmara dos Deputados deve aprovar em breve o projeto de decreto legislativo que define a pergunta a ser feita no referendo nacional sobre armas. Se não houver alterações, os eleitores brasileiros serão convocados em algum domingo de outubro próximo a responder à pergunta: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?". Esta Folha defende o "sim".
Fá-‐lo não por considerar a proscrição total o mais adequado nem por julgar que a medida, se aprovada e convertida em lei, será capaz de conter as ações cada vez mais ousadas de criminosos, mas porque, diante das alternativas, as vantagens da proibição parecem superar em muito os problemas por ela acarretados.
Ao longo do debate, defendeu-‐se neste espaço a proibição do porte, restrições à venda e o direito do cidadão manter arma em sua residência. Alertou-‐se, também, para o risco
77
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
de um plebiscito criar falsas ilusões sobre a eficácia da medida num país em que as armas em mãos de civis, cidadãos de bem ou marginais, advêm, em larga escala, do comércio clandestino, sobre o qual o veto à venda regular não teria efeito, salvo, possivelmente, o de estimulá-‐lo.
Além de sua dimensão simbólica, a vantagem da proibição, desde que aliada a ações sistemáticas para reprimir a venda ilegal, está na possibilidade de reduzir significativamente um tipo muito específico de homicídio -‐o motivado por causas fúteis-‐, bem como os acidentes com armas de fogo. Esse ganho, ao que indicam as estatísticas, seria importante. Na Grande São Paulo, por exemplo, 60% dos homicídios são cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em bares e outras situações em que o destempero e os efeitos do álcool se associam à existência de uma arma à mão para produzir uma tragédia. A esse respeito, a campanha de desarmamento, que recolheu mais de 300 mil artefatos principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, parece já estar produzindo resultados auspiciosos. Estudo divulgado nesta semana indica que internações hospitalares relacionadas a ferimentos por tiros caíram 10,5% em SP e 7% no RJ desde o início da coleta.
O veto às armas pode ser interpretado como uma limitação ao direito de autodefesa, o qual, mais do que uma garantia legal, é um instinto biológico. Está entre as atribuições do Estado, todavia, definir regras para o exercício de certas atividades e fixar os requisitos para a concessão de licenças. Ninguém tem seu direito de ir e vir ameaçado pelo fato de não poder dirigir um carro sem possuir habilitação. E não resta dúvida de que a decisão, entre nós, está sendo tomada por caminhos democráticos. Assim, se o plebiscito determinar que o poder público deve proibir a comercialização e circunscrever o porte de armas a
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
militares, policiais e algumas outras categorias, não se deverá ver aí um atentado aos direitos e garantias fundamentais, mas apenas mais uma das clássicas regulamentações da vida em sociedade.
Tal decisão não vai, como já se disse, impedir que traficantes e outros representantes do crime organizado consigam o armamento leve ou pesado de que se utilizam. Para isso seriam necessárias outras medidas, que o poder público tem falhado em adotar. Diante do caminho que o debate seguiu, não resta dúvida, porém, que o melhor a fazer é votar pelo "sim" no plebiscito, na convicção de que a restrição às armas, sem ferir direitos fundamentais, venha a contribuir para preservar vidas e tornar melhor a sociedade brasileira.
(Folha de São Paulo, 15 de maio de 2005, p. A2)
Editorial “Não basta vetar armas” Ao que indicam algumas pesquisas, o referendo sobre a venda de armas de fogo, previsto para outubro, resultará na proibição desse tipo de comércio. A restrição -‐alardeada por alguns como uma panacéia contra a violência-‐ precisa ser considerada com cautela, para não alimentar mais ilusões.
É isto que indica reportagem publicada segunda-‐feira por esta Folha. Segundo especialistas consultados, a proibição do comércio terá efeitos limitados sobre a violência. Uma vez que a maior parte do crime emprega armamento ilegal (segundo dados oficiais apenas 7,5% das armas existentes no Brasil são registradas), o veto certamente não funcionará para refrear a ação de criminosos. Mais preocupante ainda, a medida poderá ter o efeito funesto de estimular ainda mais o contrabando, caso não seja acompanhada de ações eficazes contra o comércio clandestino.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Se bem sucedida, a proibição deverá ser eficaz na redução dos assassinatos motivados pelas chamadas "causas fúteis", além dos acidentes com armamento. Estima-‐se que mais da metade dos homicídios no país seja cometida por motivos triviais, como discussões no trânsito, desentendimentos em bares e outras desavenças cotidianas -‐sendo a maior parte deles levada a cabo com armas de fogo de pequeno porte. Para obter resultados mais significativos seria necessário integrar o veto ao comércio de armas a um conjunto de políticas públicas.
Além dos sempre lembrados esforços na área social, com ações comunitárias e educativas, é indispensável trabalhar pelo melhor aparelhamento e integração das polícias. É igualmente fundamental enfrentar a terrível mazela que é a impunidade. Sem uma polícia que apure com eficiência e uma Justiça que puna com mais presteza, os progressos nessa área continuarão pequenos.
(Folha de São Paulo, 27 de julho de 2005, p. A2)
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Um olhar sobre as estratégias de referenciação nos manuais didáticos do Ensino Médio
SILVA, Fábio Gusmão (UFRJ)
1. INTRODUÇÃO
As competências e habilidades elencadas pelos
Parâmetros Curriculares nacionais para o Ensino Médio (PCNEM),
no que tange ao Ensino de Língua Portuguesa, buscam
desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das
múltiplas possibilidades de expressão linguística e sua capacidade
como leitor efetivo dos mais diversos gêneros textuais
representativos da nossa cultura.
Esses documentos explicitam que o uso da língua, em
textos orais e escritos, deveria ser o eixo norteador do ensino de
língua materna. Levando em conta esse preceito, um programa
sério e comprometido com o desenvolvimento das habilidades
linguísticas do aluno somente pode ser concebido se o texto
estiver no centro de qualquer prática de ensino.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
De acordo com Antunes (2009, p. 51), é fácil encontrar
razões que fundamentem a relevância dessa proposta, já que
entender o fenômeno da linguagem constitui uma tarefa tanto
mais fecunda quanto mais se pode compreender os diferentes
processos implicados em seu funcionamento concreto, o que
leva, necessariamente, ao domínio do texto, em seus múltiplos
desdobramentos cognitivos, linguísticos, discursivos e
pragmáticos. Para essa pesquisadora, o texto envolve uma teia
de relações, de recursos, de estratégias, de operações, de
pressupostos, que promovem a sua construção, seus modos de
sequenciação, que possibilitam seu desenvolvimento temático,
sua relevância informativo-‐contextual, sua coesão e sua
coerência.
Nessa mesma concepção, Jurado e Rojo (2006, p. 39),
aludem que é por meio do contato com os textos que o aluno é
capaz de refletir sobre as possibilidades de usos da língua, ao
analisar os elementos que determinam esses usos e as formas de
dizer: o contexto, os interlocutores, os gêneros discursivos, os
recursos utilizados pelos interlocutores para dizer o dito e o não-‐
dito.
Um dos recursos mais relevantes para a produção e a
compreensão de sentidos em qualquer texto, de acordo com
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Cavalcante (2012, p. 13), é o processo empregado diariamente na
escrita, na fala e na enunciação digital, mas pouco trabalhado nas
atividades e no âmbito escolar: as formas de nos referirmos a
objetos, pessoas, sentimentos, ações ou a qualquer entidade,
caracterizadas como estratégias de referenciação.
Esse processo textual-‐discursivo possibilita a amarração
das ideias dentro de uma unidade de sentido, além de assegurar
a progressão textual e de colaborar para o desenvolvimento da
argumentação nos textos. Já que a referenciação é pouco
explorada nas atividades escolares, acreditamos que é relevante
verificar de que maneira as reflexões teóricas referentes a essa
temática perpassam pelos manuais didáticos escritos
recentemente, bem como de que forma os autores abordam
conceitos inerentes a esse tópico nos livros aprovados pelo
último PNLD 2012 (Programa Nacional do Livro Didático) para o
Ensino Médio.
Diante disso, o presente artigo tem como propósito
analisar, em duas coleções de Língua Portuguesa para Ensino
Médio, a abordagem da referenciação e a sua relação com as
atividades de leitura e de produção textual. A primeira é a
coleção Ser protagonista, organizada por Ricardo Gonçalves
Barreto, das Edições SM, e a segunda é o Projeto ECO, elaborada
83
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
pelas autoras Roberta Hernandes e Vima Lia Martin, da Editora
Positivo.
As reflexões inerentes aos pressupostos teóricos sobre
referenciação são explanadas pelo viés de Koch (2004, 2005 e
2009), Cavalcante (2005, 2011 e 2012), Marcuschi e Koch (2002),
Koch e Elias (2006 e 2009) e Marcuschi (2005). Após abordagem
teórica, será exposta a análise dos dois manuais didáticos,
levando em conta o tratamento dado à referenciação nas
atividades de leitura e produção textual. Ao final deste artigo,
serão propostas algumas atividades, à luz da teoria exposta,
tendo como base um texto midiático contemplado por um dos
materiais didáticos que foram analisados, com intuito de aludir
de que forma esse tópico pode ser explorado pelo professor em
sua prática docente.
2. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS SOBRE
REFERENCIAÇÃO
O que se sabe hoje sobre referenciação começou na
Suíça, quando Lorenza Mondada, em 1994, propôs “tratar da
descrição de processos discursivos que se verificam na
introdução de um objeto, nos ajustes que ele sofre quando vai
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
participando da configuração complexa de um texto e na
passagem de um objeto a outro.” (CAVALCANTE, 2011, p. 9)
Dessa forma, falava-‐se não de referentes como entidades da
realidade externa do mundo, entretanto, de objetos de discurso,
aqueles que emergem da elaboração discursiva de um saber
compartilhado e que intervêm nas formas estruturantes de um
texto e, ao mesmo tempo, são por elas condicionadas.
Nesse mesmo período, Apothéloz também aludia sobre os
“objetos de discurso como constructos culturais cuja
representação na memória discursiva dos interlocutores era
alimentada pela própria atividade linguística.” (Id. Ibid.) Desde
então, estudos sobre esses fenômenos linguísticos que envolvem
esse pressuposto antropológico do referente vêm sendo
analisados nas mais diversas pesquisas no âmbito da linguagem.
Em toda produção, seja escrita ou falada, há um
pressuposto de que, em seu desenvolvimento, se faça
constantemente referência a algo, a alguém, a fatos, a eventos e
a sentimentos, que se mantenham em foco referentes
introduzidos por meio de operação de retomada e, ainda, que se
desfocalizem referentes introduzidos anteriormente e os deixem
em stand by, para que outros referentes sejam introduzidos no
discurso. Essas estratégias, por meio das quais são construídos os
85
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
objetos-‐de-‐discurso, ou referentes, e mantidos ou desfocalizados,
na produção de qualquer texto, são chamadas de referenciação.
Por referenciação, entendemos o nome dado às diversas
formas de introdução, no texto, de novas entidades ou
referentes. Quando esses referentes são retomados mais adiante
ou servem de base para a introdução de novos referentes, temos
o que se denomina progressão referencial. Koch (2005, p. 79)
baseia-‐se na suposição de que a referenciação constitui uma
atividade discursiva, pressuposto esse que implica uma visão
não-‐referencial da língua e da linguagem. Posição também
defendida por Mondada & Dubois (1995, citado por Koch, 2005,
p. 79) que postulam uma instabilidade das relações entre as
palavras e coisas:
Assim, não se entende a referência no sentido mais tradicionalmente atribuído, como simples representação extensional de referentes do mundo extramental: a realidade é construída, mantida e alterada não somente pela forma como nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como interagimos com ele: interpretamos e construímos nossos mundos através da interação com o entorno físico, social e cultural. A referência passa a ser considerada como resultado da operação que realizamos quando, para designar, representar ou sugerir algo, usamos um termo ou criamos uma situação discursiva referencial com essa finalidade: as entidades são vistas como
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
objetos-‐de-‐discurso e não como objetos-‐do-‐mundo. (KOCH, 2005, p. 79)
Para Apothéloz (apud Cavalcante, 2005, p. 124), o
processo de referenciação não se completa no simples emprego
de expressões referenciais, mas vai muito além disso, porque o
referente é concebido a partir de um conjunto de ações, pelo
modo com que os co-‐enunciadores ajustam suas ações
conversacionais e pela maneira da construção dos sentidos em
cada evento comunicativo.
Entendem Mondada e Dubois (apud Koch, 2009, p. 32)
que as categorias empregadas para a descrição do mundo
alteram-‐se tanto diacrônica quanto sincronicamente, seja nos
discursos ordinários, seja nos discursos científicos, elas são antes
plurais e mutáveis do que fixadas normativa e historicamente.
Essas autoras, segundo Koch, “salientam que é necessário
considerar a referência aos objetos do mundo físico e natural no
seio de uma concepção geral dos processos de categorização
discursiva e cognitiva, assim como são considerados nas práticas
situadas dos sujeitos.” (Id. Ibid.)
Assim, a língua não existe fora dos sujeitos sociais que a
falam, fora dos eventos discursivos nos quais esses sujeitos
intervêm e nos quais mobilizam suas percepções, seus saberes,
87
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
seja na ordem linguística ou na ordem sociocognitiva. Enfim, em
seus modelos de mundo, que não são estáticos, (re) constroem-‐
se tanto sincrônica como diacronicamente, dentro das diversas
cenas enunciativas, de modo que, assim que se passa da língua
para o discurso, faz-‐se necessário mobilizar conhecimentos –
socialmente compartilhados e discursivamente (re) construídos –
, bem como situar-‐se dentro de contingências históricas, para
que se possa proceder aos encadeamentos discursivos.
Marcuschi e Koch (2002, p. 38) defendem que “a
discursivização ou textualização do mundo por meio da
linguagem não consiste em um simples processo de elaboração
de informações, mas num processo de (re) construção do próprio
real”, pois, sempre que utilizamos uma forma simbólica,
manipulamos a própria percepção da realidade de maneira
significativa. A proposta de substituir a noção de referência pela
noção de referenciação emana desse conceito, já que tanto a
referenciação quanto a progressão referencial fazem parte da
construção e reconstrução de objetos-‐de-‐discurso, ou seja, os
referentes de que se fala não espelham diretamente o mundo
real, não são simples rótulos para designar as coisas do mundo,
uma vez que são construídos e reconstruídos no interior do
próprio discurso, de acordo com a percepção de mundo de cada
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
um, das crenças e das atitudes, além dos propósitos
comunicativos.
De acordo com Koch (2005, p. 79), a referenciação
constitui uma atividade discursiva. O sujeito opera, por ocasião
da interação verbal, sobre o material linguístico que tem à sua
disposição e procede a escolhas significativas para representar
estados de coisas, de modo condizente com a sua proposta de
sentido. As formas de referenciação são escolhas do sujeito em
interação com outros sujeitos, em função de um querer-‐dizer.
Para Koch e Elias (2006, p. 124), não devemos confundir
os objetos-‐de-‐discurso com a realidade extralinguística, já que
eles a reconstroem no próprio processo de interação. Ou seja, a
realidade é construída, mantida e alterada pela forma como,
sociocognitivamente, interage-‐se com ela: interpreta-‐se e
constroem-‐se mundos por meio da interação com o entorno
físico, social e cultural (KOCH, 2009).
Na constituição da memória discursiva, enquanto
operações básicas, estão envolvidas as seguintes estratégias de
referenciação:
a) construção/ativação: pela qual um “objeto” textual até então não mencionado é introduzido, ativado na memória, passando a preencher um nódulo (“endereço” cognitivo, locação) na rede
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
conceptual do modelo de mundo textual: a expressão linguística que o representa é posta em foco na memória de trabalho, de tal forma que esse “objeto” fica saliente no modelo. b) reconstrução/ reativação; um módulo já presente na memória discursiva é reintroduzido na memória operacional, por meio de uma forma referencial, de modo que o objeto-‐de-‐discurso permanece saliente (o nódulo continua em foco). c) desfocalização, passando a ocupar a posição focal. O objeto retirado de foco, contudo permanece em ativação parcial (stand by), podendo voltar à posição focal a qualquer momento; ou seja, ele continua disponível para utilização imediata na memória dos interlocutores. (KOCH, 2009, p. 33 e 34)
Pela repetição constante de tais estratégias, estabiliza-‐
se, por um lado, o modelo textual; por outro, porém, este
modelo é continuamente reelaborado e modificado por meio de
novas referenciações. Dessa forma, os nódulos (endereços
cognitivos, locação) já existentes podem ser modificados ou
expandidos a todo momento, de modo que, durante o processo
de compreensão, desdobra-‐se uma unidade de representação
extremamente complexa pelas sucessivas e interminentes trocas
de novas categorias e/ ou avaliações acerca do referente (KOCH,
2009, p. 34).
Nessas trocas de novas categorias, notamos que a
construção e a reconstrução do referente não intervêm somente
90
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
de um saber construído linguisticamente pelo próprio texto e
pelos conteúdos que podem ser inferidos a partir dos elementos
linguísticos tomados por premissas, devem-‐se levar em conta não
só os conhecimentos lexicais, os pré-‐requisitos enciclopédicos e
culturais e os lugares comuns argumentativos de uma
determinada sociedade, mas os saberes, as opiniões e os juízos
compartilhados no momento da interação entre o locutor e o
público com quem ele dialoga e do qual espera uma
concordância. Se esse leitor se enquadrar na imagem construída
pelo produtor do texto, essa reação será de consenso. No
entanto, se a imagem criada pelo produtor do texto for
equivocada, essa reação poderá ser de dissenso.
No modelo textual, os referentes podem ser
introduzidos pela ativação ancorada e não ancorada. A
introdução será não ancorada quando um objeto-‐de-‐discurso, ou
referente, totalmente novo é introduzido no texto e esse é
representado por uma expressão nominal que opera uma
primeira categorização do referente. Já a ativação ancorada
acontece sempre que um novo objeto-‐de-‐discurso é introduzido
no texto, levando em conta algum tipo de associação com
elementos já citados e presentes no cotexto ou no contexto
sociocognitivo dos interlocutores.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
De acordo com Cavalcante (2011, p. 54), os processos
referenciais se dividem em duas possibilidades. Se as entidades
são introduzidas no texto pela primeira vez, ou seja, se não foram
ainda citadas antes no texto, tem-‐se a ocorrência de introdução
referencial. Entretanto, se os referentes já foram de alguma
forma evocados por meio de pistas explícitas no contexto, tem-‐se
a presença de continuidades referenciais, isto é, de anáforas.
Marcuschi (2005, p. 54 e 55) elucida que, originalmente,
o termo anáfora, na retórica clássica, designava a repetição de
uma expressão ou de um sintagma no início de uma frase. Na
acepção técnica de hoje, anáfora anda longe da noção original e
o termo é usado para designar expressões que, no texto, se
reportam a outras expressões, enunciados, conteúdos ou
contextos textuais (retomando-‐os ou não) contribuindo assim
para a continuidade tópica e referencial. As anáforas diretas (AD)
retomam referentes previamente introduzidos e assim
estabelecem uma relação de correferência entre o elemento
anafórico e seu antecedente.
Mas, além delas, há também as anáforas indiretas e as
associativas. As anáforas indiretas (AI), de acordo com Koch e
Elias (2006, p. 128), são caracterizadas pelo fato de não existir no
cotexto um antecedente explícito. As anáforas indiretas (AI) são
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
caracterizadas “pela menção de um novo referente relacionado a
outro, distinto, e já citado anteriormente, ou relacionado a
alguma pista formal do texto, como um verbo, por exemplo”
(CAVALCANTE, 2011, p. 61).
Segundo Marcuschi (2005, p. 53), a anáfora indireta (AI)
é geralmente constituída por expressões nominais definidas,
indefinidas e pronomes interpretados referencialmente sem que
lhes corresponda um antecedente (ou subsequente) explícito no
texto. Para esse mesmo autor, trata-‐se de uma estratégia
endofórica de ativação de referentes novos e não de uma
reativação de referentes já conhecidos, o que constitui um
processo de referenciação implícita. De uma maneira geral, as
(AI) evidenciam essencialmente três aspectos: “primeiro, a não
vinculação da anáfora com co-‐referencialidade, segundo, a não-‐
vinculação da anáfora com a noção de retomada; terceiro, a
introdução de referente novo.” (id., p. 60 e 61)
Esse processo de referenciação é constituído com base
em elementos mentais e é muito mais comum a sua produção do
que se pode imaginar, já que desempenham um papel relevante
tanto na progressão quanto na coerência do texto.
De acordo com os estudos de Koch (2002 e 2004) e de
Marcuschi (2005), respaldados em Schwarz (citado por Koch e
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Elias, 2009, p. 136), as anáforas indiretas (AI) podem ser
constituídas com base, por exemplo, em modelos cognitivos,
inferências ancoradas no mundo textual ou em relações
semânticas inscritas nos sintagmas nominais definidos,
particularmente as relações meronímicas (relações parte-‐todo).
Conforme Cavalcante (2011, p. 62), alguns estudiosos
pleiteiam, ainda, uma subdivisão dentro das anáforas indiretas:
Os estudos convergem para duas abordagens do fenômeno: uma estreita, que se apoia em restrições léxico-‐estereotípicas; outra ampla, que diz não se limitar a tais restrições. Esse duplo olhar para as relações anafóricas indiretas redundou em decisões classificatórias distintas. Certos autores preferiram restringir o fenômeno às ligações fundadas, em princípio, em associações que seriam, supostamente, apenas semântico-‐lexicais, deixando à margem as situações que requeressem outros tipos de inferência – é o caso de Kleiber (2001). Outros autores, como Schwarz (2000), por exemplo, optaram por propor duas classes de referência indireta: -‐ as anáforas associativas – seriam “conceitualmente baseadas”; -‐ as anáforas inferenciais – seriam “inferencialmente baseadas”; englobariam muitos outros casos em que a recuperação do referente indireto exigisse percepções da situação enunciativa, informações do conhecimento culturalmente compartilhado, dados fornecidos pelo próprio desenvolvimento textual e argumentativo etc. (CAVALCANTE, 2011, p.62)
94
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Entretanto, outros autores como Apothéloz e Reichler-‐
Béguelin (1999), decidiram-‐se por não distinguir as anáforas
indiretas, aglutinando-‐as todas num único conjunto de anáforas
associativas, alegando que não importa a origem da âncora em
que se apoia o anafórico indireto, nem importa a forma como ele
se manifesta, uma vez que o importante é o mecanismo
inferencial envolvido no processo.
Para Koch e Elias (2006, p. 128), as anáforas associativas
introduzem um referente novo no texto pela exploração de
relações meronímicas, ou seja, toda vez em que um dos
elementos da relação pode ser considerado, de alguma forma,
ingrediente do outro.
Além desses objetos, há outros casos de introdução de
novos objetos-‐de-‐discurso, que podem também incluir as
chamadas nominalizações ou rotulações, quando se designa, por
meio de um sintagma nominal, um processo ou estado expresso
por uma proposição ou proposições precedentes ou
subsequentes no texto. Neste caso, entretanto, o processo de
inferência é diferente daquele mobilizado no caso das anáforas
associativas e indiretas. As nominalizações são consideradas por
Francis (apud Koch, 2009, p. 36) como rotulações resultantes de
encapsulamentos operados sobre predicações antecedentes ou
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
subsequentes, ou seja, sobre processos de seus actantes, os
quais passam a ser representados como objetos-‐acontecimento
na memória discursiva dos interlocutores.
Por meio da estratégia da nominalização, erigem-‐se, em
objetos-‐de-‐discurso, conjuntos de informações expressas no
texto precedente – informação-‐suporte –, segundo Apothéloz e
Chanet (1997, citado por Marcuschi e Koch, 2002, p. 32), que
anteriormente não tinham tal estatuto.
No que se refere às nominalizações, é preciso distinguir
entre a operação de nominalização propriamente dita, que é de
natureza anafórica, e a expressão utilizada para efetuar tal
operação. Enquanto operação, a nominalização atribui o estatuto
de referente ou objeto-‐de-‐discurso a um conjunto de
informações que anteriormente não possuíam tal estatuto,
assinalando simultaneamente uma mudança de nível e uma
condensação da informação. Do ponto de vista da distância
comunicativa, essa operação retoma, pressupondo a sua
existência, um processo que foi significado predicativamente,
que acaba de ser posto. Como forma anafórica, por sua vez, a
nominalização é uma forma linguística: o substantivo –
predicativo.
96
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
As formas nominais referenciais respondem,
simultaneamente, pelos dois grandes processos de construção
textual: retroação e prospecção. Elas desempenham também
funções cognitivas de grande importância para o processamento
textual. Como forma de remissão a elementos citados
anteriormente no texto, ou sugeridos pelo cotexto precedente,
elas possibilitam a sua (re) ativação na memória do interlocutor:
a alocação ou focalização na memória ativa (ou operacional)
deste.
Além disso, por outro lado, ao operarem uma
recategorização ou refocalização do referente ou, em se tratando
de nominalizações, sumarizando e rotulando as informações-‐
suporte, elas têm, ao mesmo tempo, função predicativa. Esse
caso é chamado de formas híbridas, referenciadoras e
predicativas, porque veiculam tanto informações dadas quanto
informações inferíveis e novas.
Marcuschi e Koch (2002, p. 31), aludem que a
referenciação por meio de expressões nominais definidas
desempenha papel relevante na organização textual e,
consequentemente, na construção do sentido. Esses elementos
desempenham um aspecto importantíssimo no processo de
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
textualização e é de grande relevância para a coesão e coerência
textual.
Nesse mesmo trabalho de Marcuschi e Koch (2002, p.
39), é mencionado que há dois tipos dessas formas, designadas
expressões referenciais definidas: as descrições definidas, que há
muito tempo vêm sendo objeto de estudo da lógica e da
semântica; e as formas nominais (nominalizações), com as quais
se referencia, por meio de um sintagma nominal (nem sempre
deverbal), um processo anterior expresso por uma proposição. As
descrições nominais definidas são caracterizadas pelo fato de
operarem uma seleção – entre as diversas propriedades de um
referente – reais, co(n)-‐textualmente determinadas ou
intencionalmente atribuídas pelo locutor em dada situação de
interação.
Koch (2005, p. 87) elucida que o uso de uma descrição
nominal implica uma escolha dentre as propriedades ou
qualidades capazes de caracterizar o referente. Escolha esta que
será feita em cada contexto em razão do projeto comunicativo
daquele que produziu o texto. Essa autora ressalta também que,
em geral, trata-‐se da ativação dos conhecimentos pressupostos
como partilhados com o(s) interlocutor (es), ou seja, a partir de
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
um background tido por comum, de características ou traços do
referente que o locutor procura ressaltar ou enfatizar.
A escolha de determinada descrição definida pode ter
função avaliativa, isto é, trazer ao leitor/ouvinte informações
relevantes referentes às opiniões, crenças e atitudes do produtor
do texto, auxiliando-‐o, dessa forma, na construção do sentido. O
locutor utiliza uma descrição definida com o objetivo de dar a
conhecer ao interlocutor, com os mais variados propósitos,
propriedades ou fatos relativos ao referente que acredita
desconhecido do parceiro. Em geral, o emprego dessas
expressões nominais anafóricas opera a recategorização de
objetos-‐de-‐discurso, isto é, tais objetos serão reconstruídos de
determinada forma, de acordo com o projeto do enunciador.
Além dessas expressões referenciais, há ainda a anáfora
especificadora, que acontece nos contextos em que é necessário
um refinamento da categorização. Essa anáfora é
frequentemente introduzida por um artigo indefinido. Segundo
Koch (2009, p. 39), esse fato é pouco registrado na literatura da
linguística, pois esse tipo de anáfora permite trazer, de forma
compacta, informações novas que se referem ao objeto de
discurso, conforme o exemplo:
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Uma catástrofe ameaça uma das últimas colônias de gorilas da África. Uma epidemia de Ebola já matou mais de 300 desses grandes macacos no santuário de Lossi, no noroeste do Congo. Trata-‐se de uma perda devastadora, pois representa o desaparecimento de um quarto da população de gorilas da reserva. (grifo nosso).
Um outro aspecto é que, de acordo com essa mesma
autora, em certas paráfrases feitas por expressões nominais, elas
funcionam como anáforas definicionais ou didáticas, e essas
expressões propiciam a projeção na memória de um novo léxico.
Ela menciona ainda que a função das expressões referenciais não
é apenas referir, mas, como são multifuncionais, elas contribuem
para elaborar o sentido, indicando pontos de vista, assinalando
direções argumentativas, sinalizando dificuldades de acesso ao
referente e recategorizando os objetos presentes na memória
discursiva.
Assim, a referenciação no discurso, bem como as demais
atividades de produção de texto de sentido, constitui uma
construção de cunho sociocognitivo e interacional. Nessa
concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são os
atores, ou melhor, os construtores sociais que dialogicamente se
constroem no texto, o próprio lugar da interação, e por ele são
construídos.
100
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Portanto, todos esses referentes aludidos constituem
objetos-‐de-‐discurso que, construídos sociocognitivamente no
bojo da interação, são altamente dinâmicos, já que transformam
e reconstroem-‐se constantemente no curso de uma interação.
3. ANÁLISE DA ABORDAGEM DA
REFERENCIAÇÃO NOS MANUAIS DIDÁTICOS
A análise, feita em duas coleções de Língua Portuguesa,
tem como respaldo os conceitos teóricos inerentes às estratégias
de referenciação. Pretendemos avaliar de que forma esse
mecanismo de textualização é elucidado nos dois manuais
analisados e de que maneira essa temática perpassa pelas
atividades de leitura e de produção textual, contempladas por
duas coleções aprovadas pelo PNLD 2012 (Plano Nacional do
Livro Didático) para o Ensino Médio.
A primeira coleção, Ser Protagonista, composta por três
volumes – cada um deles destinados a uma das séries do Ensino
Médio –, é segmentada em três partes distintas: Literatura,
Linguagem e Produção de texto. Nela, não existe uma parte
específica para o trabalho com a leitura, entretanto, é possível
verificar que ao longo dos três anos há atividades que tem por
101
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
objetivo explorar as diferentes estratégias, como, por exemplo,
compreensão geral do texto, produção de inferências, bem como
localização e retomada de informações nos textos abarcados por
esse manual. Com relação à produção escrita, observamos que
são elaboradas atividades com base no trabalho com os gêneros
textuais, enfatizando sempre a prática de escrita em seu universo
de uso social e indicando as condições ideais da produção.
Nesse material, verificamos que são incluídos tópicos
inerentes às estratégias de referenciação, conforme podemos
observar em uma das passagens retiradas da página 341 do
primeiro volume da coleção, cujo objetivo é explicitar os
mecanismos de articulação empregados no texto:
102
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Cabe ressaltar que tanto o conceito de referenciação
quanto às atividades alusivas a essa temática são especificadas
no material escrito. Além disso, é possível encontrar na coleção
outros fragmentos que mencionam o trabalho com a coesão
textual, mais especificamente com o mecanismo coesivo de
referenciação, como se verifica em mais um fragmento da
coleção, que consta na página 296, do volume 1:
Percebemos que há uma preocupação, por parte dos
autores, em aplicar os conceitos relativos às estratégias de
referenciação aos exercícios propostos de leitura e de produção
103
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
textual ao longo do material escrito, com intuito de que os alunos
apreendam tais recursos e apliquem-‐nos no momento da
elaboração dos diferentes gêneros textuais.
Isso fica evidente em uma das propostas de produção
textual no livro do primeiro volume, página 343, em que os
autores mencionam: “O resumo precisa eliminar repetições
desnecessárias. Para isso, pode fazer uso da referenciação.”
Nessa mesma atividade, há outra sinalização para o aluno: “Ao
reescrever o seu resumo, observe se você usou adequadamente
esse recurso, deixando claros os referentes antecipados ou
retomados por outras palavras.”
Além de abordar a estratégia de referenciação nas
diferentes propostas de produção textual, os autores aludem que
há imbricação dos mecanismos de referenciação com os
diferentes sentidos produzidos na escolha de um e não de outro
vocábulo para a elaboração de um texto. No momento da
apresentação do artigo, é descrito que o falante pode se referir a
um elemento presente na situação de enunciação ou ao
conhecimento partilhado com seu interlocutor; pode retomar ou
antecipar um outro elemento do texto e ainda indicar que o
substantivo que antecede é entendido de maneira genérica,
como integrante de uma categoria.
104
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Na abordagem da classe de palavras relacionada aos
números, os autores mencionam que os numerais colaboram
para a clareza e coesão do texto, antecipando ou retomando
elementos em sequência e evitando repetições desnecessárias.
Para a explanação dos pronomes, é aludido que as palavras
pertencentes a essa classe situam as pessoas do discurso,
indicando elementos textuais e situacionais e que, dentro do
texto, atuam como mecanismos coesivos de anáfora (retomada
de um referente) e catáfora (antecipação de um referente).
Já para a explicação dos verbos, é mencionado que a
ancoragem é um momento importante do planejamento da
produção textual, em que o produtor do texto toma consciência
de qual é o seu papel em relação ao que enuncia e à situação de
enunciação. Por fim, na explanação dos advérbios, salientam que,
como elementos coesivos, podem fazer referência a outro
elemento do texto, retomando-‐o ou antecipando-‐o (coesão
referencial). Ainda, eles podem assinalar a ordenação da
sequência temporal, permitindo a continuidade das ideias.
Nesses dois casos, os advérbios estabelecem relações entre as
partes do texto, contribuindo para a progressão textual.
Nessa coleção, encontra-‐se um excelente recurso para
desenvolver trabalhos relacionados às estratégias de
105
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
referenciação, bem como levar o aluno a refletir sobre o uso da
língua, a importância das escolhas linguísticas para a elaboração
de um texto, além dos efeitos de sentido que produzirá ao
escolher uma e não outra forma para referenciar os objetos de
seu texto na interação com outros sujeitos nas mais variadas
situações discursivas das quais participa.
Já com relação à análise da coleção Projeto Eco, não
verificamos a mesma abordagem no que tange à referenciação.
Esse material é composto de 3 volumes, cada um destinado a
uma série do Ensino Médio. Cada volume é constituído por três
partes (Literatura, A Língua em uso e Produção de texto),
divididos em unidades.
Os textos apresentados nessa coleção estão mais voltados
para a Literatura, uma vez que grande parte dos conteúdos
apresentados na coleção é destinada ao estudo dessa disciplina,
o que torna o ensino dos elementos linguísticos, de leitura e de
produção textual desigual se comparado à Literatura. O trabalho
com a produção textual e com as questões gramaticais ganha um
espaço pouco significativo se comparado aos conteúdos voltados
para o aspecto literário. Assim, os tópicos inerentes à
textualidade e às questões gramaticais são vistos de uma forma
bastante superficial. As classes de palavras, que aparecem no
106
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
volume 2, são apresentadas de uma maneira superficial, não
tecendo nenhuma relação com os mecanismos de textualização.
Na coleção, não existe qualquer menção quanto aos
elementos de referenciação, apenas no volume 3, destinado ao
terceiro ano do Ensino Médio, há uma alusão à coesão e à
coerência textuais:
Você já deve ter ouvido afirmações como “Um bom texto deve ter coesão e coerência”. Na prática, isso significa que deve ocorrer articulação entre as estruturas linguísticas e as ideias do texto deve estar conectadas entre si. Um dos critérios para definir que se está diante de um texto e não de um amontoado de palavras soltas é o texto apresentar coesão. Normalmente, a coesão se dá pelo uso de mecanismos linguísticos como a retomada do que já foi escrito e a utilização de uma sequência de ideias conectadas. Assim, a coesão pode ser definida como a interligação entre as diversas palavras que compõem o texto e está mais relacionada à forma.
Para que o texto apresente também coerência, é preciso que haja produção de sentido entre as ideias do texto. Ou seja, não basta que as ideias estejam interligadas gramaticalmente, é preciso que haja conexão de sentido entre elas. Assim, a coerência está mais relacionada ao sentido do texto. (p. 255-‐256)
Esses dois tópicos, tão importantes para a produção de
qualquer gênero textual, são comentados apenas no último
107
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
volume da coleção, entretanto deveriam nortear todas as
atividades voltadas para o trabalho com a textualização, desde a
primeira série do Ensino Médio. Um outro conteúdo, progressão
textual, relacionado aos mecanismos de referenciação é elencado
na página 300 desse mesmo volume, mas apenas citado, não é
desenvolvido nenhum conceito e tampouco há atividades
alusivas a essa temática. Logo, poucas informações e atividades
referentes às estratégias de referenciação podem ser
encontradas nessa coleção, que ainda não privilegia uma
abordagem mais atual no ensino de língua materna, bem como
não contempla a referenciação, fenômeno textual-‐discurso tão
importante para o desenvolvimento das habilidades de leitura e
de produção textual na construção do sentido dos diferentes
gêneros.
4. PROPOSTAS DE ATIVIDADES DE REFERENCIAÇÃO
Nesta seção, são apresentadas algumas atividades
relacionadas às estratégias de referenciação, com o propósito de
mostrar algumas abordagens dos fenômenos referenciais que
podem ser aplicados na prática docente no ensino de leitura,
compreensão e de produção textual. O texto escolhido para a
108
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
elaboração das atividades foi retirado do primeiro volume,
página 259, da coleção Ser Protagonista, uma das obras
analisadas neste trabalho.
Brasileira descobre “orfanato” de estrelas Uma astrônoma brasileira da Nasa anunciou ontem ter encontrado
um conjunto de estrelas "órfãs", nascidas fora de grandes galáxias. Duilia de
Mello, cientista do Centro Goddard de Voos Espaciais, da agência americana,
descobriu esses pequenos aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas
azuis no espaço sideral.
O "orfanato" estelar foi identificado pela brasileira ao cruzar imagens
do satélite Galex, que capta luz ultravioleta, e do Observatório Nacional de
Radioastronomia dos EUA, que "enxerga" ondas de rádio.
"Eu tinha visto as bolhas azuis com o Galex, mas com as imagens de
rádio vi que havia mais alguma coisa ali", disse Mello. A região era uma nuvem
de hidrogênio, local onde normalmente se formariam estrelas. Mas era
rarefeita demais para ser um berçário viável.
Astrônomos russos já tinham olhado para aquela área do espaço na
década de 1980, mas com um telescópio menos potente. "Na época,
apareciam umas duas ou três estrelas, mas com o [telescópio] Hubble nós
pudemos ver que são 2.000", disse Mello. A descoberta foi anunciada no
encontro anual da AAS (Sociedade Astronômica Americana), no Texas.
O Hubble foi crucial para a descoberta de Mello, detalhada em estudo
a ser publicado na revista "The Astronomical Journal". Só com as imagens do
telescópio espacial foi possível descobrir as idades das estrelas vistas. Como
109
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
elas são "jovens" com menos de 30 milhões de anos (daí sua coloração azul),
só podem ter sido produzidas ali, e não importadas de galáxias próximas.
Ao lado das imagens da descoberta, os cientistas também
apresentaram uma proposta de explicação para o fato de o grupo de estrelas
ter nascido "no meio do nada". Normalmente, a formação estelar ocorre em
zonas de alta densidade de gases, e tais regiões só existem dentro das
galáxias.
As bolhas azuis encontradas por Mello não estão em uma região
como essa, mas vivem uma condição especial. Elas estão no meio de duas
galáxias próximas, que se deslocam e interagem entre si por meio da força da
gravidade, dando origem a fenômenos inusitados.
Alguns astrônomos acreditam que as duas galáxias (e mais uma galáxia-‐anã)
passaram "de raspão" uma perto da outra há cerca de 200 milhões de anos,
num evento em que umas "roubaram" algumas estrelas da borda das outras.
A quase-‐colisão também criou uma zona de turbulência na área de
gás rarefeito, possibilitando então que algumas estrelas nascessem em região
menos densa. Na fronteira turbulenta, a matéria conseguia se agregar com
mais facilidade.
Segundo Mello, a existência de estrelas desse tipo pode explicar por
que o Universo está "poluído" com nuvens de elementos mais pesados que
hidrogênio e hélio (e que fornecem a matéria-‐prima para a formação de
planetas).
Esses elementos são produzidos nos núcleos de estrelas velhas e
expelidos quando elas morrem. A morte de estrelas dentro de galáxias, porém,
não deixa sujeira espalhada, pois ela é contida pela gravidade galáctica.
GARCIA, Rafael. Folha de S. Paulo, 9 jan. 2008.
110
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
1. Identifique no fragmento que segue todos os termos que
retomam os vocábulos destacados:
Uma astrônoma brasileira da Nasa anunciou ontem ter encontrado
um conjunto de estrelas "órfãs", nascidas fora de grandes galáxias. Duilia de
Mello, cientista do Centro Goddard de Vôos Espaciais, da agência americana,
descobriu esses pequenos aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas
azuis no espaço sideral.
O "orfanato" estelar foi identificado pela brasileira ao cruzar imagens
do satélite Galex, que capta luz ultravioleta, e do Observatório Nacional de
Radioastronomia dos EUA, que "enxerga" ondas de rádio.
"Eu tinha visto as bolhas azuis com o Galex, mas com as imagens de
rádio vi que havia mais alguma coisa ali", disse Mello. A região era uma nuvem
de hidrogênio, local onde normalmente se formariam estrelas. Mas era
rarefeita demais para ser um berçário viável.
Astrônoma brasileira: Duilia de Mello, brasileira, Mello.
Conjunto de estrelas “órfãs”: esses pequenos aglomerados de
estrelas jovens na forma de bolhas azuis, orfanato estrelar, as
bolhas azuis.
Salétile Galex: Galex
111
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2. Complete os espaços que seguem, estabelecendo
designações alternativas para os objetos do discurso
sublinhados, atendendo ao que se pede:
a) Uma expressão nominal definida:
“Uma astrônoma brasileira da Nasa anunciou ontem ter
encontrado um conjunto de estrelas "órfãs", nascidas fora de
grandes galáxias. A cientista descobriu esses pequenos
aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas azuis no
espaço sideral.”
b) Um hiperônimo
“Só com as imagens do telescópio espacial foi possível descobrir
as idades das estrelas vistas. Como os astros são "jovens" com
menos de 30 milhões de anos (daí sua coloração azul), só podem
ter sido produzidas ali, e não importadas de galáxias próximas.”
3. Assinale a proposição em que o antecedente do termo
sublinhado não pode ser localizado no mesmo segmento do
texto que está entre aspas:
112
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
a) “Uma astrônoma brasileira da Nasa anunciou ontem ter
encontrado um conjunto de estrelas "órfãs", nascidas fora de
grandes galáxias. Duilia de Mello, cientista do Centro Goddard de
Vôos Espaciais, da agência americana, descobriu esses pequenos
aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas azuis no
espaço sideral.”
b) “Só com as imagens do telescópio espacial foi possível
descobrir as idades das estrelas vistas. Como elas são "jovens"
com menos de 30 milhões de anos (daí sua coloração azul), só
podem ter sido produzidas ali, e não importadas de galáxias
próximas.”
c) “Normalmente, a formação estelar ocorre em zonas de alta
densidade de gases, e tais regiões só existem dentro das
galáxias.”
d) “A morte de estrelas dentro de galáxias, porém, não deixa
sujeira espalhada, pois ela é contida pela gravidade galáctica.”
e) “Segundo Mello, a existência de estrelas desse tipo pode
explicar por que o Universo está "poluído" com nuvens de
elementos mais pesados que hidrogênio e hélio (e que fornecem a
matéria-‐prima para a formação de planetas).”
113
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
4. Assinale a alternativa em que o vocábulo destacado não
retoma outro(s) elemento(s) citado(s) anteriormente.
a) “ O ‘orfanato’ estelar foi identificado pela brasileira ao cruzar
imagens do satélite Galex, que capta luz ultravioleta, e do
Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA...”
b) “ ‘Eu tinha visto as bolhas azuis com o Galex, mas com as
imagens de rádio vi que havia mais alguma coisa ali’, disse
Mello.”
c) “Elas estão no meio de duas galáxias próximas, que se
deslocam e interagem entre si por meio da força da gravidade,
dando origem a fenômenos inusitados.”
d) “Alguns astrônomos acreditam que as duas galáxias (e mais
uma galáxia-‐anã) passaram ‘de raspão’ uma perto da outra há
cerca de 200 milhões de anos, num evento em que umas
‘roubaram’ algumas estrelas da borda das outras.”
e) “Segundo Mello, a existência de estrelas desse tipo pode
explicar por que o Universo está "poluído" com nuvens de
elementos mais pesados que hidrogênio e hélio (e que fornecem
a matéria-‐prima para a formação de planetas).”
114
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
5. Na coesão textual, os pronomes são empregados, muitas
vezes, com o objetivo de ligar o que está sendo dito e o que já
foi enunciado anteriormente. Assinale a alternativa em que o
pronome não estabelece ligação com o que já foi mencionado
anteriormente nas passagens que seguem.
a) “Uma astrônoma brasileira da Nasa anunciou ontem ter
encontrado um conjunto de estrelas "órfãs", nascidas fora de
grandes galáxias. Duilia de Mello, cientista do Centro Goddard de
Voos Espaciais, da agência americana, descobriu esses pequenos
aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas azuis no
espaço sideral.”
b) “Como elas são ‘jovens’ com menos de 30 milhões de anos (daí
sua coloração azul), só podem ter sido produzidas ali, e não
importadas de galáxias próximas.”
c) “Elas estão no meio de duas galáxias próximas, que se
deslocam e interagem entre si por meio da força da gravidade,
dando origem a fenômenos inusitados.”
d) “As bolhas azuis encontradas por Mello não estão em uma
região como essa, mas vivem uma condição especial. Elas estão
no meio de duas galáxias próximas, que se deslocam e interagem
115
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
entre si por meio da força da gravidade, dando origem a
fenômenos inusitados.”
e) “Esses elementos são produzidos nos núcleos de estrelas
velhas e expelidos quando elas morrem. A morte de estrelas
dentro de galáxias, porém, não deixa sujeira espalhada, pois ela é
contida pela gravidade galáctica.”
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo dos processos de referenciação constitui uma
temática de extrema relevância na tessitura textual. Isso ocorre
não somente porque eles exercem funções textual-‐discursivas
que servem para organizar, construir argumentações e introduzir
referentes, mas também porque desempenham funções
discursivas dos processos referenciais, como a introdução de
novos referentes e da recategorização, o encapsulamento de
orações inteiras do contexto, a organização e a centração das
partes do texto, a marcação da heterogeneidade enunciativa, o
convite para a ativação na memória, a identificação dos
participantes e, ainda, a estratégia argumentativa de colocar em
cena várias vozes no texto/ discurso (CAVALCANTE, 2012, p. 133
e 134).
116
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Por esse motivo, a abordagem desses fenômenos
referenciais deve ser priorizada no ensino de língua materna, já
que esse conteúdo pode ter uma aplicação direta ao ensino de
compreensão e de produção textual por haver uma estreita
relação entre a referenciação e os outros recursos de organização
da textualidade e das articulações interdiscursivas para a
configuração geral dos sentidos.
Mesmo que alguns manuais recomendados pelo catálogo
do PNLD 2012 (Programa Nacional do Livro Didático) para o
Ensino Médio ainda não estão em consonância com as recentes
pesquisas no campo da linguística, uma vez que abordam de
forma pouco aprofundada as estratégias de referenciação, ou
ainda, não mencionam nem oportunizam atividades inerentes a
essa temática, conforme se verificou na coleção Projeto Eco, há
outros manuais, como os da coleção Ser Protagonista, que
apresentam, de forma consistente, avanços significativos na
explanação dos principais tópicos inerentes à referenciação.
A coleção Ser Protagonista teceu relações importantes
entre as classes de palavras e os sentidos produzidos pela escolha
de um ou de outro vocábulo para a composição dos diversos
textos que são produzidos tanto no âmbito escolar quanto nos
elaborados nas diferentes situações vivenciadas. Além disso,
117
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
mostrou conceitos relevantes para definir as principais formas de
referenciar e trouxe propostas de atividades que contemplam a
aplicação das estratégias de referenciação, tanto na leitura
quanto na produção textual, tão importantes para o
desenvolvimento da coerência e da argumentação no texto.
Sabemos que os materiais didáticos não representam o
único caminho para desenvolver as competências e as
habilidades que devem ser trabalhadas na escola. Entretanto, no
momento em que o professor escolher um manual didático para
auxiliar a sua prática docente, ele deve estar atento à abordagem
dos conteúdos, bem como às propostas de trabalho para o
desenvolvimento das competências linguísticas do seu aluno,
uma vez que muitos manuais didáticos distanciam-‐se dos novos
estudos e das recentes pesquisas feitas no campo da Linguística
de Texto e, por isso, têm um longo caminho a percorrer.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
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120
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Processos referenciais: a construção de sentidos em turmas
de EJA
BASTOS, Karine Oliveira (UFRJ)
1. INTRODUÇÃO
Não há dúvida de que a Linguística de Texto, desde seu
surgimento, sempre teve o compromisso de por o texto em lugar
de destaque no ensino de língua materna. Não por acaso, os
primeiros estudos do Brasil voltados para a leitura e para a
escrita, muito embora ainda privilegiassem a superfície textual, já
lidavam com a noção de “referência” quando tinham como
objeto a coesão e, a seguir, a coerência.
Essa ponte teoria-‐prática proposta pelos estudos textuais,
como se nota, é cara para quem pretende atrelar, de fato,
pesquisa a ensino, sobretudo considerando os desafios já
enfrentados em relação a esse aspecto pelos estudos linguísticos
de uma forma geral. Nesse sentido, assumindo o texto como
unidade de ensino, é preciso compreender que a forma como
121
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
este é trabalhado em sala de aula traduz o modo como é
conceituado. Uma aula de coesão que se proponha apenas a
destacar alguns elementos coesivos que retomam outros
anteriormente expressos, por exemplo, não leva em conta a
concepção sociocognitivo-‐dialógica da língua, tampouco o texto
como lugar de interação.
Se o trabalho com o texto é considerado central em sala
de aula, cabe refletir como essa prática precisa ocorrer. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), implantados em 1998
pelo MEC – cujas propostas trazem reflexos dos princípios da
Linguística Textual – defendem a perspectiva “uso-‐reflexão-‐uso”
para o ensino da língua materna. Propõe-‐se, desse modo, um
trabalho que dê foco às práticas de leitura, produção de texto e
análise linguística. Em outras palavras, é preciso valorizar a
abordagem dos diferentes gêneros na escola, isto é, dos usos da
língua em situações concretas, de modo que a leitura e a
produção de texto não sejam somente exercícios constantes em
sala de aula, senão que estejam atrelados à prática de reflexão
sobre a língua, sobre os objetivos do texto, sobre os papéis dos
interlocutores e sobre todas as estratégias utilizadas tanto na
leitura quanto na produção. É o que se entende – e se defende –
por ensino produtivo, nos termos de Travaglia (2006).
122
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
No entanto, longo é o caminho que une teorias e
orientações à prática pedagógica, principalmente porque ainda é
possível observar reflexos de um ensino prescritivo, que pouco se
compromete com o uso efetivo da língua e, de modo mais grave,
pouco se implica em termos de uma postura mais crítica diante
das diferentes situações sociais. A título de exemplo, se observa o
equívoco no tratamento dado nas escolas à teoria dos gêneros
textuais. De fato, podemos considerar esta teoria um avanço
para o ensino da língua, todavia reduzir esse trabalho à
classificação dos gêneros mais se aproxima da abordagem
tradicional da gramática – tão criticada atualmente – do que de
uma proposta de ensino realmente produtivo.
Essas questões são observadas tanto no discurso do
professor em sala de aula quanto nos manuais didáticos
destinados às diferentes séries do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), por
exemplo, modalidade carente de manuais didáticos e de políticas
públicas que valorizem as especificidades dos estudantes, esse
quadro se torna ainda mais preocupante. Dessa forma, as
reflexões acerca do ensino da língua materna perpassam
questões ainda mais amplas e, justamente, por isso, deveriam se
intensificar para além do âmbito acadêmico, porque são
123
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
fundamentais em todo campo da educação. O modo como o
texto está inserido em sala de aula, nesse caso, torna-‐se ponto
central na reflexão sobre o ensino, não somente por conta da sua
importância nesse contexto, mas principalmente porque usá-‐lo
arbitrariamente pode trazer mais danos do que proveitos nesse
processo.
Assim, a fim de unir pesquisa a ensino, pretendemos,
neste artigo, conduzir esta reflexão a partir da análise de manuais
didáticos destinados a séries da Educação Básica, de modo que
seja possível discutir sobre como a referenciação, importante
fenômeno textual-‐discursivo, é abordada nestes manuais.
Optamos pela análise de duas coleções de livros didáticos
destinados às séries finais do Ensino Fundamental da Educação
de Jovens e Adultos, quais sejam: Viver, aprender, de Heloisa
Ramos et alii, e Tempo de Aprender, de Cícero de Oliveira et alii.
Ambas as coleções são organizadas de modo multidisciplinar, isto
é, abarcam, em todos os seus volumes, conteúdos de todas as
disciplinas com base na perspectiva de integração do currículo.
Porém, serão analisadas apenas as seções/unidades destinadas à
Língua Portuguesa.
Cabe ressaltar que a opção pelo material da EJA decorre
da escassez de materiais produzidos para essa modalidade de
124
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ensino, que, dentre tantos desafios, enfrenta o estigma de
educação compensatória, supletiva e emergencial. É possível
supor, nesse caso, que este estigma se reflete no próprio ensino
de língua, tornando ainda mais necessária a discussão.
2. REFERENCIAÇÃO: ALGUNS
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Levando em conta a importância da Linguística de Texto
para o trabalho com o texto em sala de aula, é possível afirmar
que os estudos acerca da referenciação contribuíram
significativamente nesse processo, sobretudo, em termos de
desenvolvimento da escrita e da leitura. Nesse sentido, cabe
apresentar os pressupostos teóricos que nortearam a análise do
tratamento da referenciação nos livros didáticos.
Assim, discutir as concepções de texto assumidas ao longo
do tempo torna-‐se tarefa fundamental para compreender os
desafios teórico-‐metodológicos enfrentados pelo ensino da
língua e, principalmente, para repensar os objetivos deste
trabalho em sala de aula. Koch (2002), ao relacionar os conceitos
de leitura, sujeito, língua e sentido, distingue algumas
concepções de texto.
125
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Segundo a autora, os estudos iniciais assumiam a língua
como representação do pensamento do autor e, portanto, o
texto como produto deste pensamento, de modo que caberia ao
leitor apenas o papel passivo de captar as ideias do autor. No que
se refere ao ensino, o caráter moralizante predominava nas
escolas, bem como na sociedade de uma forma geral, em meados
do século XX. Basta rever o conteúdo ideológico presente nos
textos, que enfatizava o amor pátrio e uma boa conduta cidadã.
Em seguida, os estudos apontavam para uma concepção
de língua como código, ou seja, o foco antes voltado para o autor
passa a se voltar para o texto – considerado produto da
codificação de um emissor a ser decodificado pelo receptor. A
leitura, com base nessa linha de entendimento, caracterizava-‐se
como mera prática de reconhecimento das informações contidas
no texto.
É justamente essa concepção que ainda se vê refletida no
ensino da língua. Basta observar as propostas de atividades de
leitura/interpretação em sala de aula: muitos exercícios se
destinam somente a avaliar a capacidade do estudante de
localizar informações expressas no texto – atividades muito
pouco comprometidas com a formação de um leitor autônomo,
crítico, capaz de fazer inferências, criar hipóteses e reformular
126
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ideias. Não é à toa que, ainda hoje, quando um professor propõe
questões que exijam minimamente a realização de inferências
por parte do aluno, encontra pouco retorno, uma vez que os
estudantes estão acostumados à prática de buscar no texto todas
as respostas. Nesse caso, é possível compreender por que a
referenciação também recebe no ensino uma abordagem que
ainda valoriza a superfície textual – restringindo-‐se à expressão
dos elementos – em detrimento a uma visão mais ampla do
texto, que a trate como uma atividade discursiva de construção
de sentidos.
Atualmente, a LT defende a concepção sociocognitivo-‐
dialógica da língua, que leva em conta a interação autor-‐texto-‐
leitor, nos termos de Koch (2007). Em outras palavras, assume-‐se
o texto como lugar de interação e de constituição dos sujeitos
enquanto construtores sociais. A leitura, com base nessa
perspectiva, corresponde a uma atividade interativa de
construção de sentidos, que não ocorre somente por meio dos
elementos explícitos na superfície textual, senão por meio da
ativação de um conjunto de saberes e experiências dos sujeitos
envolvidos. Nesse sentido, um ensino comprometido com esta
concepção não pode ignorar uma gama de implícitos oferecidos
no decorrer da leitura com os quais se pode trabalhar em sala de
127
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
aula. Como bem defende Pauliukonis (2011, p. 243), “em vez de
se procurar o que o texto diz, procurar analisar como o texto diz
e por que diz o que diz de um determinado modo”. É um
caminho que busca fugir da imposição dos significados únicos e
hegemônicos do texto e alcançar um ensino produtivo da língua.
Essa concepção de língua, texto e leitura vai ao encontro
do que se entende por práticas de letramento. Em outros termos,
defende-‐se que a alfabetização esteja atrelada às práticas de
letramento, uma vez que ler não se trata apenas de uma prática
de decodificação, mas de uma atividade de construção de
sentidos necessariamente relacionada ao contexto sócio-‐
histórico-‐cultural em que os sujeitos se inserem. Nesse sentido,
deve ser proposta da escola tornar esta atividade cada vez mais
complexa, de modo que os estudantes, no decorrer do processo
de ensino-‐aprendizagem, estejam expostos às práticas de
letramento escolar e social e, aos poucos, sejam capazes não só
de localizar informações no texto, mas também de fazer
inferências, formular hipóteses, avaliar criticamente e alcançar
sua autonomia leitora.
Podemos dizer, então, que a perspectiva da interação
social também norteou os estudos ligados à referenciação,
considerada esta um processo, uma atividade discursiva de
128
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
construção e reconstrução de referentes e, portanto, um
fenômeno de grande importância para a produção/compreensão
de textos.
Os referentes, por sua vez, são objetos do discurso –
representados ou não por expressões referenciais – introduzidos
e ajustados de acordo com os conhecimentos compartilhados
entre os sujeitos, até que dão lugar a outro objeto. Segundo
Cavalcante (2011, p.15),
são entidades que construímos mentalmente quando enunciamos um texto. São realidades abstratas, portanto imateriais. (...) não são significados, embora não seja possível falar de referência sem recorrer aos traços de significação, que nos informam do que estamos tratando, para que serve, quando empregamos. (...) também são formas, embora, em geral, realizem-‐se por expressões referenciais.
Portanto, o ato de referir está condicionado a uma ação
conjunta (CAVALCANTE, 2011) e traduz o próprio entendimento
de leitura como interação autor-‐texto-‐leitor. Isso significa dizer
que somente a partir desta interação a coerência do texto é
construída. Cabe ao professor de língua materna, portanto, ficar
bastante atento a essa questão, de modo que não reduza o
processo de leitura em sala de aula à simples captura de ideias do
129
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
texto, justamente porque os sentidos – e a coerência – não estão
exatamente apontados ali. Além disso, como o ato de referir
exige negociação entre interlocutores, deve-‐se levar em conta
principalmente a pluralidade de leituras e sentidos (KOCH, 2007).
Ainda no âmbito do ensino, o estudo sobre referenciação
torna-‐se ainda mais relevante para que o aluno compreenda
como se estrutura o texto. Em outras palavras, é importante
também que ele perceba o papel dos referentes na construção
de tópicos discursos – seja quanto à sua manutenção, seja
quanto à sua progressão – de modo que torne disponível para o
processo de leitura e de escrita toda sorte de estratégias
referenciais: introdução referencial, anáforas, encapsulamento,
dêixis. Assim, compreendendo a interação autor-‐texto-‐leitor
quando estuda referenciação, certamente terá mais condições de
assumir os papéis ora de autor, ora de leitor, consciente dos
exercícios de construção de objetos do discurso e de construção
de sentidos.
Cavalcante (2012, p. 133), ao tratar das funções textual-‐
discursivas das expressões referenciais, defende que os
processos referenciais
(...) exercem funções textual-‐discursivas que podem servir para organizar, argumentar,
130
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
introduzir referentes, entre outras possibilidades. Isso não quer dizer que devemos acreditar que existe um antecedente ou um “gatilho” explícito que ative essas formas de retomada, mas que a elaboração global do texto nos fornece pistas sobre o que põe essas estratégias em funcionamento.
Assim, outra questão importante de ser abordada no
ensino de língua materna é a relação que se pode conferir entre
o processo de referenciação e a intencionalidade do texto.
Marquesi (2007, p. 217) reassalta que “tratar da referenciação
exige que se pense não apenas na abordagem linguística, mas
também na cognitiva, estando ambas estreitamente imbricadas,
já que são concernentes às práticas e aos discursos”. O ato de
referir, por exemplo, pode estar a serviço da argumentação e
esta correlação torna-‐se fundamental no processo
produção/compreensão de texto.
Como se nota, a referenciação encontra-‐se no seio da
discussão da Linguística de Texto e, nesse sentido, se esta linha
teórica tem contribuído significativamente para o protagonismo
do texto em sala de aula, certamente os estudos referenciais,
desenvolvidos com base na perspectiva sociocognitiva-‐dialógica,
assumem um papel ainda mais importante nesse processo,
sobretudo porque estão diretamente implicados nas práticas de
131
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
produção/compreensão de texto. Cabe, portanto, refletir como
acontece esta abordagem nos manuais didáticos destinados à
Educação Básica.
3. ANÁLISE DA REFERENCIAÇÃO NOS
LIVROS DIDÁTICOS DE EJA
Como foi dito anteriormente, a opção pelos manuais
didáticos destinados à Educação de Jovens e Adultos decorre
principalmente da escassez de materiais produzidos para essa
modalidade de ensino. É possível conferir, por exemplo, que o
Guia dos livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático
2011 da EJA apresenta somente duas coleções destinadas às
séries finais do Ensino Fundamental – justamente as que foram
selecionadas para esta análise. Cabe ressaltar que o número
reduzido de obras se deve, inclusive, à regulamentação tardia do
PNLD da EJA: a Alfabetização de Jovens e Adultos foi
contemplada em 2007 e, somente em 2010, o Programa passou a
abarcar todas as séries do Ensino Fundamental.
O Guia reforça a ideia de que é preciso valorizar a
diversidade e a heterogeneidade desse público de estudantes. No
entanto, essa questão é colocada como um desafio a ser
132
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
enfrentado pelo professor: “(...) o educador que atua na EJA
enfrenta muitos desafios em seu cotidiano. A começar pelo
reconhecimento dos saberes que os estudantes jovens e adultos
já trazem consigo fruto de suas experiências de vida” (BRASIL,
2011, p. 19). De fato, existe heterogeneidade em turmas de EJA,
no entanto é preocupante notar que as demais turmas – que não
fazem parte desta modalidade de ensino – possam ser
consideradas homogêneas ou turmas que não trazem consigo
saberes e experiências de vida. Esse questionamento torna-‐se
fundamental, principalmente, porque os reflexos de uma
concepção de educação como esta podem ser observados, por
exemplo, no ensino de língua materna, foco da análise proposta
por este artigo.
Assim, como base para análise dos manuais didáticos
destinados à EJA, cabe refletir sobre a própria concepção de EJA
que se pretende defender aqui. Embora esta modalidade de
ensino carregue o estigma de educação supletiva, emergencial,
em que os sujeitos retornam à sala de aula para recuperar um
“tempo perdido”, é preciso considerar que estudantes de EJA
fazem parte de um grupo social vulnerabilizado pelo
sucateamento do sistema de educação pública e, portanto, são
estes mesmos sujeitos que devem ser capazes de, mais do que
133
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
resistir a um cenário que lhes seja imposto, transformar sua
própria realidade e a do meio em que estejam inseridos. Por isso,
é urgente o reconhecimento de suas potencialidades como ser
cognitivo, histórico e cultural, capaz de promover transformações
da estrutura social.
Nesse sentido, cabe ao professor assumir os materiais
didáticos, sobretudo, os destinados a este público como uma
possibilidade discursiva de elaboração de sua contrapalavra.
O material didático é mais uma possibilidade de réplica do diálogo que nos constitui, devendo estar disposto não só a “ensinar” ou “explicar” algo ao educando, a “guiar corretamente” os passos do educador, mas permita a elaboração de críticas, a construção de enunciados, a alteração de suas próprias palavras, assim como a ressignificação das palavras do autor (STAUFFER, 2007, p.172).
Bagno (2010, p. 36), por sua vez, ao defender o uso do
livro didático no ensino de língua materna, pontua:
Defendo os LD porque, num país onde o alfabetismo pleno é uma ave rara, essas obras constituem um dos poucos veículos da cultura letrada disponíveis em muitos círculos familiares. Com a universalização do ensino, com praticamente todas as crianças frequentando a escola e com os programas governamentais de distribuição maciça de material didático, os LD
134
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
passaram a habitar lares onde, até então, quase não existia material impresso. Diversas pesquisas que, no caso específico dos livros de língua portuguesa, essas obras constituem importantes agentes de letramento para inúmeras famílias e comunidades que, mesmo com um domínio rudimentar da leitura, encontram nos LD contos, poesias, histórias em quadrinhos, letras de música, notícias de jornal, entrevistas, receitas culinárias, curiosidades científicas, ilustrações, caricaturas, fotografias, mapas, anúncios publicitários, reproduções de quadros famosos e de outras obras de arte (...)
Nesse contexto, pretende-‐se iniciar uma análise dos livros
didáticos pautada na concepção sociocognitiva-‐dialógica da
língua, que esteja, portanto, atenta à necessidade de reflexão
acerca do ensino de língua materna.
3.1. Coleção Viver, aprender
Viver, aprender é uma das coleções aprovadas pelo PNLD
de EJA 2011 para as séries finais do Ensino Fundamental. A obra
é organizada em quatro volumes multi e interdisciplinares, de
modo que cada um se estrutura em torno de um tema geral a
partir do qual se desenvolvem os conteúdos dos seguintes
componentes curriculares: Língua Portuguesa, Língua Inglesa,
Arte e Literatura, Matemática, Ciências Humanas: História e
135
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Geografia, e Ciências Naturais. Os temais gerais, por sua vez, se
organizam a partir da seguinte ordem: Contextos de vida e
trabalho; Por uma vida melhor; Mundo em construção; e
Identidades.
Em todos os volumes, na parte destinada à Língua
Portuguesa, há uma apresentação inicial da proposta de trabalho
nesta área, sendo possível conferir as concepções de língua, texto
e leitura defendidas. No primeiro volume, sob o título “As
palavras, os sentidos”, o texto inicial trata da “necessidade de
haver alguém para testemunhar as coisas” (p. 11) e, com base
nessa reflexão, defende: “Toda língua é composta por um
conjunto de signos linguísticos convencionalmente organizados,
que servem à interação e à comunicação entre as pessoas” (p.
11). Assim, reforça: “o que define um texto não é a presença ou a
ausência de palavras, mas o sentido ou os sentidos que o autor
pretendeu alcançar quando o criou, uma certa unidade, que é
perceptível para quem o lê, ouve e vê” (p. 12). É possível
perceber que, ao mesmo tempo em que se defende uma visão
sociointeracionista, há uma distinção marcada entre “leitura” e
“audição” em “lê” e “ouve”, o que traduz uma discussão pouco
ampliada sobre o que vem a ser leitura de um texto. No entanto,
em seguida, é apresentado um olhar mais claro para a questão:
136
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
“(...) não é possível ler sem interpretar. A interpretação de um
texto não ocorre depois, mas durante a leitura. (...) o leitor vai
estabelecendo relações entre as ideias apresentadas, refletindo
sobre a maneira como o texto foi organizado, inferindo a
intenção do autor (...)” (p. 12).
No terceiro volume, sob o título “O texto, o leitor”, o texto
inicial mantém a defesa de que a leitura é uma atividade de
interação. Assim, adianta para o estudante: “Este é nosso
objetivo: que você se envolva com a palavra e adquira confiança
para participar ativa e essencialmente da construção de sentido
de diversos tipos de texto”. Nessa linha de entendimento,
acrescenta que “há muitas maneiras de interagir ou dialogar com
um texto e (...) por esse motivo é que as interpretações variam.
Um texto pode ter significados diferentes, pois cada leitor o lê de
um jeito diferente” (p. 11). Em seguida, conclui que “a interação
entre leitor e autor é a essência do ato de ler” (p. 12).
As concepções de língua, texto e leitura apresentadas
inicialmente dão conta de atender, de uma forma geral, a uma
proposta de ensino produtivo, que considere a perspectiva “uso,
reflexão, uso” colocada pelos PCN. Cabe, nesse sentido, conferir
se essas concepções vão se refletir, de fato, nas atividades
propostas no decorrer dos volumes da coleção Viver, aprender.
137
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Para tanto, o foco de análise passa a se voltar para o tratamento
da referenciação nos livros didáticos.
Já no primeiro volume, na primeira atividade proposta –
intitulada “diálogo com o texto” (p. 15) –, é possível observar
como a forte relação entre referenciação e
produção/compreensão do texto é bem abordada.
Ao ver o abandono da velha casa: o mato
a crescer das paredes
Ao ver os desenhos de mofo espalhados
nos rebocos carcomidos
Ao ver o mato a subir no fogão, nos
retratos,
nos armários
E até na bicicleta do menino encostada no
batente da casa
Ao ver o musgo e os limos a tomar conta
do batente
Ao ver o abandono tão perto de mim que
dava
até para lamber
Pensei em puxar o alarme
Mas o alarme não funcionou.
A nossa velha casa ficou para os morcegos
e
os gafanhotos.
E os melões-‐de-‐são-‐caetano que subiram
pelas
Paredes já estão dando frutos vermelhos.
BARROS, Manoel de. Retrato do artista
quando coisa. 3. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2002. P. 73
Dentre as primeiras questões acerca da leitura do poema
de Manoel de Barros, está a tarefa de resgatar elementos da
paisagem que recuperem o sentido de “abandono”, termo
138
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
mencionado no primeiro verso “Ao ver o abandono da velha
casa: o mato a crescer das paredes”. Assim, é preciso que o aluno
identifique ao longo do poema elementos que indiquem
abandono, tais como: “o mato a crescer das paredes” e “os
desenhos de mofo espalhados nos rebocos carcomidos”. Nota-‐se,
nesse caso, que a estratégia do encapsulamento é explorada sem
que se exija do aluno classificá-‐la.
Em seguida, há uma análise longa e detalhada de todo o
poema, que ressalta, dentre vários aspectos da leitura, a
importância dos processos referenciais para a construção de
sentidos, como se comprova no trecho destacado:
Essa relação do “eu” do poema com a casa fica ainda mais evidente no final do texto: a “velha casa”, do verso 1, é chamada de “nossa velha casa”, no verso 15. Esse “eu”, então, está envolvido com o lugar. Repare que a escolha não foi “minha casa”. Ao dizer “nossa”, o “eu” revela uma experiência familiar com o local. (RAMOS, Heloisa et alii, 2009, v. 1, p. 17)
Em outro momento do primeiro volume, a noção de
“referenciação” retorna, mas ainda sem sistematização do
conteúdo. Assim, com base na leitura da crônica de Moacyr
Scliar, intitulada “Não roubarás” (p. 61), a primeira questão
propõe:
139
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
1) O texto tem um subtítulo:
“Tinha certeza de que, se entrasse numa igreja para roubar, mais
cedo ou mais tarde seria castigado”
Títulos e subtítulos podem dar pistas do que vai acontecer numa
narrativa. A certeza do castigo se confirmou? O assaltante foi castigado?
Como?
O objetivo é fazer com que o estudante perceba que os
sentidos vão sendo construídos ao longo da leitura e que as
estratégias de referenciação contribuem para tal. Nesse caso, a
leitura do título e do subtítulo da crônica permite que se crie uma
série de expectativas quanto ao desenrolar da história: o termo
“roubar”, por exemplo, sugere a existência de um assaltante na
história, assim como “castigo” por um roubo à igreja sugere
“ação divina”.
Se, no primeiro volume da coleção, a prática, de fato, se
coloca como reflexo das concepções assumidas inicialmente, no
segundo, as atividades que abarcam os estudos referenciais não
revelam o mesmo, principalmente porque a sistematização do
conteúdo e os exercícios propostos parecem se restringir à
superfície textual. Assim, já no início do volume, aborda-‐se o
emprego de alguns pronomes, com base na ideia de que são
140
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
usados para “evitar repetições de algumas palavras, ou seja, (...)
substituem substantivos ou expressões mencionados antes” (p.
14). Essa explicitação tem como objetivo principal discutir o uso
dos pronomes pessoais retos e oblíquos, relacionando esta
discussão à questão da variação linguística, quando são
mencionados os usos na “linguagem informal” e na “norma
culta”. Em seguida, são propostos alguns exercícios que não
apresentam relação com texto algum, de modo que as frases de
cada questão foram criadas sem relação com algum tema
norteador que seja. Uma atividade, por exemplo, propõe que se
reescrevam frases, substituindo os sintagmas nominais ou
preposicionais por pronomes pessoais (p. 21):
4. Leia as frases abaixo e reescreva-‐as substituindo a palavra repetida, que
está sublinhada, por um dos seguintes pronomes: ele – ela – o – a – lhe; eles –
elas – os – as – lhes.
a) Minha amiga é uma pessoa maravilhosa. Minha amiga sabe como manter as
amizades.
b) O rapaz mudou-‐se, mas o carteiro localizou o rapaz.
c) O rapaz mudou-‐se, por isso o carteiro não conseguiu localizar o rapaz.
Outra atividade sugere que se siga um modelo (p. 26):
7. Leia o modelo e, a seguir, complete as frases.
É preciso estudar as regras.
141
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
É preciso estudá-‐las.
a) Eu gostaria de admirar o país.
Eu gostaria de ___________________________________
b) Não consegui ouvir o pedido.
Não consegui ____________________________________
c) Esqueci-‐me de grifar as palavras.
Esqueci-‐me de ___________________________________
O terceiro volume da coleção se inicia com a mesma
lógica do primeiro: com base na proposta “diálogo com o texto”,
é apresentada uma análise do conto “Essas meninas”, de Carlos
Drummond de Andrade. Antes disso, em consonância com o que
se entende por construção de sentidos, algumas questões pré-‐
textuais sugerem que o aluno reflita, dentre outros aspectos,
sobre o título e discorra sobre suas expectativas para o decorrer
da leitura (p. 14).
Essas meninas
As alegres meninas que passam na rua, com suas pastas escolares, às vezes
com seus namorados. As alegres meninas que estão sempre rindo,
comentando o besouro que entrou na classe e pousou no vestido da
professora; essas meninas, essas coisas sem importância.
O uniforme as despersonaliza, mas o riso de cada uma as diferencia. Riem
alto, riem musical, riem desafinado, riem sem motivo; riem.
142
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Hoje de manhã estavam sérias, era como se nunca mais voltassem a rir e
falar coisas sem importância. Faltava uma delas. O jornal dera a notícia do
crime. O corpo da menina encontrado naquelas condições, sem lugar ermo. A
selvageria de um tempo que não deixa mais rir.
As alegres meninas, agora sérias, tornaram-‐se adultas de uma hora para
outra, essas mulheres.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis.
Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 172.
Em seguida, a própria análise do texto explora a
importância dos processos referenciais para a construção de
sentidos. Só é possível compreender, por exemplo, a
transformação de “essas meninas” – título do texto – em “essas
mulheres” – expressão que fecha o texto – a partir das
inferências realizadas quanto à “notícia do crime”. Se a
abordagem dessa questão, ao contrário, se restringisse à
superfície textual, certamente teria comprometido uma leitura
mais ampla do conto.
Em outro momento da análise, a dêixis é explorada sem
que para isso seja necessária a sua classificação. Há uma frase do
texto que faz menção ao acontecimento trágico: “O corpo da
menina encontrado naquelas condições, em lugar ermo”. Na
análise, o sintagma “naquelas condições” é destacado a fim de
143
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
que se reflita com o leitor sobre a questão do conhecimento
compartilhado:
O leitor contemporâneo, que convive diariamente com o tipo de violência urbana a que Drummond está se referindo, sabe perfeitamente que “naquelas condições” deve significar que a menina havia sofrido violência física, podia talvez até estar nua. (RAMOS, Heloisa et alii, 2009, v.3, p. 15)
A riqueza da leitura, muitas das vezes, está no “não dito”
e, se a referenciação é explorada como um processo a serviço da
produção/compreensão do texto, da construção de sentidos, é
sinal de que a atividade apresentada nesta coleção cumpre o que
se defende inicialmente em termos de um ensino produtivo da
língua, sobretudo porque está comprometida com a formação
crítica do leitor.
Por fim, o quarto volume da coleção busca explorar a
produção textual, discutindo, em especial, o processo de
construção do texto argumentativo. Nessa perspectiva, o texto
inicial – intitulado “Tecendo o texto” – retoma o conceito de
texto apresentado nos volumes anteriores e defende a
importância de sua unidade, isto é, a necessidade de
entrelaçamento dos fios do “tecido” para formar um todo. Assim,
pontua: “Deve haver afinidade entre as várias ideias que
compõem o texto, e elas também devem estar dispostas em uma
144
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ordem lógica” (p. 11). E, como a atenção está voltada para a
escrita, reforça: “se seguirmos essas orientações, nosso texto
dará ao leitor todas as possibilidades de ser compreendido” (p.
11).
Logo em seguida, portanto, “coesão e coerência” se
colocam como o primeiro ponto de discussão do volume, uma
vez que a “unidade” mencionada no texto inicial é atribuída a
esses dois conceitos, assim definidos:
A coerência tem a ver com o sentido, a lógica entre as ideias, e a coesão tem a ver com o modo como as partes do texto estão encadeadas. Na maioria das vezes, a coesão conta com elementos linguísticos. Em alguns casos, o elemento linguístico responsável pela coesão pode interferir na coerência. (RAMOS, Heloisa et alii, 2009, v.4, p. 13)
Desse modo, na análise inicial do texto “Os indesejáveis
ratos”, de Francisco Luiz, é possível perceber uma atenção dada à
interação autor-‐texto-‐leitor, uma vez que se coloca:
Você compreendeu tudo o que o autor do texto apresentou porque acompanhou o encadeamento das ideias, ou seja, você se beneficiou da estratégia de coesão que foi usada no texto. Outro fator que contribuiu para sua compreensão foi a estratégia de coerência que o autor usou. No texto, todas as ideias estão relacionadas e voltadas a um objetivo, que é o de mostrar as doenças
145
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
causadas pelos ratos. (RAMOS, Heloisa et alii, 2009, v.4, p. 14)
No entanto, no detalhamento da análise, notamos que os
exemplos dados para reforçar o que se entende por coesão
fragilizam a concepção dialógica antes defendida, porque
propõem um olhar restrito à superfície textual. Em outros
termos, o que se discute a respeito de coesão está ligado apenas
à ideia de retomada de elementos anteriormente expressos no
texto. Os próprios exemplos destacados pela análise comprovam
isso: “naquela época”, “essa doença”, “esses animais”. Embora
seja também relevante tratar desses exemplos básicos, a análise
fica comprometida porque não avança na discussão, tampouco
comenta sobre o processo de construção da coerência, defendida
inicialmente.
Em seguida, são propostos exercícios que seguem a
mesma lógica da análise (p. 22):
a) Cada expressão sublinhada no texto remete o leitor a algo que foi
tratado antes. Escreva que ideias são retomadas por:
• isso _______________________________________________
• nesses ambientes _____________________________________
146
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
• esse tipo de solo ______________________________________
• o material ___________________________________________
Em linhas gerais, é importante dizer que a coleção Viver,
aprender, no que se refere à abordagem acerca da referenciação,
apresenta algumas análises pertinentes, reflexo de uma proposta
de trabalho comprometida com a formação crítica do leitor. No
entanto, os volumes 2 e 4, em especial, acabam, de alguma
forma, contradizendo a concepção defendida, porque propõem
apenas exercícios que se restringem ao âmbito da superfície
textual. Em última instância, percebemos a falta de unidade
entre todos os volumes, de modo que uns se relacionam mais do
que outros à concepção sociointeracionista-‐dialógica da língua.
3.2. Coleção Tempo de aprender
Organizada em quatro volumes multidisciplinares, esta
coleção abarca sete componentes curriculares, quais sejam:
Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências
Naturais, Língua Inglesa e Artes. Embora se proponha um
trabalho pedagógico disciplinar – ao contrário do que se entende
por interdisciplinaridade –, há uma tentativa de articulação entre
147
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
os componentes, de modo que cada volume se estrutura em
torno de dois eixos temáticos, explorados por todas as
disciplinas: “Identidade”, e “Cidadania e leitura” no primeiro
volume; “Meio ambiente”, e “Saúde e qualidade de vida” no
segundo; “Cidadania e cultura” e “cultura de paz” no terceiro;
“Trabalho e consumo” e “Globalização e novas tecnologias” no
quarto.
Ao contrário da primeira coleção analisada, Tempo de
aprender não propõe uma reflexão mais ampla acerca da língua.
Os textos apresentados no início de cada unidade ou de cada
capítulo se restringem a discutir – muito brevemente – os temas
que serão abordados, resgatando para isso algumas prováveis
memórias de jovens e adultos. No entanto, falta um “conversa”
mais intensa com o estudante sobre algumas questões que
seriam pertinentes para o ensino da língua materna, que
pudessem trazer reflexos da própria concepção defendida de
língua, texto e leitura, por exemplo. São poucas as vezes em que
essa “conversa” acontece e, em geral, quando acontece, não
apresenta grandes desdobramentos, como o caso a seguir (p. 25):
Ampliando o tema
Para você, a língua também é uma forma de retratar um povo, uma cultura,
148
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
uma pessoa? A língua que falamos também constitui nossa identidade? Leia o
texto a seguir...
A língua falada representa, igualmente, uma das mais imediatas marcas de
identidade social: “A fala de uma pessoa pode indicar seus sentimentos, o tipo de personalidade que tem, quem é. Alguns modos de falar são indicadores de características demográficas, tais como idade, sexo, ocupação, grau e tipo de educação, nação ou região de origem”. (Robinson, 1977:68)
Dino Preti (Org.). Léxico na língua oral e na escrita.
São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2003.
É possível perceber que a proposta de “ampliação do
tema”, embora abarque uma discussão interessante, se
apresenta de forma isolada, refletindo a falta de uma maior
organicidade das discussões.
Focando a análise para o tratamento da referenciação, no
primeiro volume da coleção, pouco se observa a respeito desse
tema. A título de exemplo, a proposta de atividade a seguir
aborda o processo referencial de encapsulamento (p. 30):
Atenção! Compro gavetas,
compro armários,
cômodas e baús.
Preciso guardar minha
Preciso guardar minhas lembranças,
As viagens que não fiz,
Ciranda, cirandinha
E o gosto de aventura
Que havia nas manhãs.
149
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
infância,
Os jogos da amarelinha,
Os segredos que contaram
Lá no fundo do quintal.
Preciso guardar meus talismãs
O anel que me deste
O amor que tu me tinhas
E as histórias que eu vivi.
Roseana Murray. Classificados
poéticos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004.
1. Que palavras ou expressões ajudam a construir o ambiente
da infância presente no texto? Transcreva-‐as.
A expressão referencial infância é retomada ao longo do
texto pelos referentes jogos de amarelinha, ciranda, cirandinha,
gosto de aventura, entre outros. No entanto, o tratamento dado
à referenciação se esgota nessa questão, ou seja, desperdiça um
desdobramento maior, que pudesse provocar/exigir uma leitura
mais crítica por parte do aluno, mais comprometida com a
reflexão acerca da língua e de todas as estratégias do texto e
menos preocupada com a busca de respostas no poema.
No segundo volume da coleção, há outros poucos
exemplos de atividades que se proponham a tratar dos processos
de referenciação. Assim, com base na leitura de uma notícia
150
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
publicada na internet, há questões que tratam da relação entre
título e subtítulo do texto (p. 35), assim apresentados:
Calada mais uma voz de defesa dos povos da floresta
Irmã Dorothy Stang é assassinada a sangue frio no Pará
No entanto, as questões, como se notam a seguir, não
propõem uma discussão mais ampla sobre as estratégias
referenciais utilizadas no texto (p. 36).
b) A quem se refere a manchete?
c) A manchete diz o que significa essa pessoa para a comunidade?
d) Para você, o que quer dizer “uma voz de defesa dos povos da
floresta”?
Os exercícios poderiam tratar da forte relação que se
pode estabelecer entre referenciação e intencionalidade do
texto. Apesar de o gênero ser uma notícia e ter como objetivo
principal informar, há um posicionamento assumido, que está
refletido nas estratégias de referenciação utilizadas. Os termos
“calada” e “uma voz de defesa” dizem muito sobre a
argumentação construída. É possível observar também que a
expressão referencial “calada”, presente no título, é
151
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
recategorizada por outra expressão referencial no subtítulo:
“assassinada”. Tratar dessas questões, sem dúvida, contribuiria
para a formação crítica do leitor, proposta que deveria ser central
no ensino da língua materna.
No último volume da coleção, os poucos exercícios
encontrados que abordam a referenciação se restringem a tratar
da substituição de elementos expressos no texto por pronomes.
Assim, no estudo dos pronomes demonstrativos, se observam
questões como (p. 11):
a) Na frase “– Que está fazendo esta gente, seu José Felismino?”, a
palavra esta se refere a que outra palavra do texto?
2. Na frase “Aquilo era todos os dias, fizessem eles muito ou fizessem
pouco”, a palavra aquilo refere-‐se a que situação? Explique sua resposta
com base nas informações do texto.
Quanto à sistematização dos conteúdos, é possível
conferir uma abordagem bastante tradicional. No decorrer da
análise dos quatro volumes, vão surgindo quadros que
apresentam, a cada momento, uma classe de palavra diferente.
Com os pronomes, por exemplo, acontecem deste modo: ora se
discutem os pessoais, ora os possessivos, ora os demonstrativos.
152
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
No entanto, em nenhum momento, notamos o uso do pronome
relacionado às estratégias de referenciação.
Em linhas gerais, podemos afirmar que a coleção Tempo
de aprender não parece acompanhar as discussões teóricas a
respeito do ensino da língua, tampouco dos estudos textuais. No
que diz respeito aos processos referenciais, esse atraso se mostra
ainda maior.
4. REFERENCIAÇÃO: ALGUMAS
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
Assumindo o texto como lugar de interação e de
constituição dos sujeitos como construtores sociais, seguindo a
concepção sociocognitivo-‐dialógica da língua, torna-‐se
fundamental atrelar pesquisa a ensino. Em outras palavras, é
possível perceber o quanto o ensino de língua materna precisa
ainda se articular com os estudos textuais, a fim de promover, de
fato, a formação de leitores críticos. Nesse sentido, com o
objetivo de trazer contribuições para o trabalho com o texto em
sala de aula, propomos, a seguir, algumas atividades que
contemplem o estudo dos processos referenciais.
153
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Para isso, foram selecionados dois textos midiáticos que já
estavam inseridos na coleção Tempo de aprender, analisada
neste artigo. Ambos os textos fazem parte da unidade “Trabalho
e consumo”, abarcada no volume 4. Portanto, vale reforçar que
as atividades propostas terão os estudantes das séries finais do
Ensino Fundamental da EJA como público alvo.
1ª proposta de atividade:
QUESTÃO PRÉ-‐TEXTUAL: Observe o título do texto que você irá
ler e, com base no seu conhecimento de mundo, explique o jogo
de sentidos proposto.
Sugestão de resposta: Elizabeth é o nome da rainha da
Inglaterra, muito conhecida pelo mundo todo. Portanto, o jogo de
sentidos está na relação entre “Elizabeth” e “rainha”.
ENTREVISTA
Elizabeth, rainha do campo
Mulher do líder João Pedro Teixeira, das Ligas Camponesas da
Paraíba, assassinado por latifundiários, ela esteve com Jango e continua
acreditando na reforma agrária. Ela é que se pode chamar de símbolo da resistência. Por tudo o que passou
154
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
na vida, desde que fugiu de casa aos 15 anos para se casar com um operário semialfabetizado, e foi desprezada pela família, até ter de sair de Sapé, na Paraíba, fugindo da perseguição da ditadura militar, para São Gabriel, no Rio Grande do Norte, onde viveu na clandestinidade, com um nome falso, por vários anos. [...]
Passados quarenta anos do golpe que derrubou João Goulart,
Elizabeth Teixeira, 79 anos completados no dia 13 de fevereiro, lembra como
se fosse hoje tudo o que passou. E, embora conserve a calma de quem muito
viveu e aprendeu com a vida, não foge de perguntas e se inflama quando lhe
perguntam sobre questões políticas antigas ou atuais, principalmente se o
assunto é a reforma agrária, pela qual ela aprendeu a lutar com o pai de seus
onze filhos, João Pedro, fundador das Ligas Camponesas na Paraíba.
Apesar de todo sofrimento que passou, além do assassinato do
marido e da perda de três filhos, [...] Elizabeth não guarda mágoas nem
rancor, embora deixe transparecer uma infinita tristeza no olhar.
Como a senhora se sente sendo homenageada pelas mulheres
paraibanas como símbolo de luta e resistência?
Eu me sinto muito feliz pela consideração das companheiras à minha
pessoa. Isso é uma coisa, minha filha, que deixa a gente emocionada. As
mulheres se lembrarem de mim, na idade em que estou, já velha, isso é muito
gratificante. Essas mulheres tão valorosas, que lutam no dia-‐a-‐dia para ver se
melhoram as condições do nosso povo.
A senhora também foi homenageada recentemente no Paraná, pelo
MST...
Pois é, eu estive lá e fiquei muito comovida. Tinha muita gente,
155
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
muitos companheiros, muitos jovens. Eles queriam saber a história de João
Pedro, como tinha sido a luta dele aqui na Paraíba. Lembrei muito do que o
João Pedro me falava, quando chegava naquelas fazendas, naqueles sítios
daquela época, e via crianças morrendo de fome, sem direito à alfabetização,
numa situação muito difícil, e ele sonhava que um dia tudo isso ia melhorar,
que ia ser implantada uma reforma agrária para que o homem do campo
tivesse condições de sobreviver dignamente com suas famílias. E até hoje isso
não se concretizou. [...] Lourdinha Dantas. Revista Caros amigos. nº n19, mar. 2004.
1. Com base na leitura do texto, responda:
a) Por que Elizabeth é designada rainha do campo?
Sugestão de resposta: Elizabeth é designada rainha do
campo, principalmente, porque era esposa do líder
João Pedro Teixeira, fundador das Ligas Camponesas
da Paraíba.
b) Destaque do texto expressões que fazem referência à
Elizabeth.
Sugestão de resposta: As expressões que fazem
referência à Elizabeth são “mulher do líder” e “símbolo
da resistência”.
c) O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), muitas vezes, é noticiado na mídia com uma
156
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
conotação negativa. É o caso de algumas manchetes
de jornal que fazem referência ao Movimento usando
termos como “invasores de terra”, por exemplo. Ao
contrário disso, é possível perceber que o texto
“Elizabeth, rainha do campo” assume um
posicionamento favorável ao MST. Explique como esse
posicionamento é marcado pelas estratégias de
referenciação observadas no texto.
Sugestão de resposta: Há expressões no texto que
refletem esse posicionado favorável ao MST: “luta”,
“resistência", dentre outras.
2ª proposta de atividade:
Medida afirmativa
Há uma proposta simplista e, ao final das contas, inadequada de
combater a desigualdade no acesso ao ensino superior no Brasil: o
estabelecimento de cotas em universidades públicas, seja para negros,
seja para alunos do ensino médio oriundos de escolas públicas. Estados
como a Bahia e o Rio de Janeiro optaram por essa via, que, além de dúbia
na origem (como selecionar afrodescendentes ou como garantir que o
estudante da escola pública seja necessariamente carente?), atenta
contra o princípio meritocrático que deve prevalecer quando o assunto é
157
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ensino superior.
Felizmente, na esfera federal houve resistência à ideia das cotas. O
atendimento à justa demanda pela ruptura da segregação social no
acesso ao ensino superior, nessa instância, começa a dar-‐se de outra
maneira. Em medida provisória editada na terça-‐feira, criou-‐se um
programa federal para transferir recursos a iniciativas – seja na área
pública, seja na privada – como a instalação de cursos pré-‐vestibulares ou
a concessão de bolsas de estudo a alunos negros, índios e/ou carentes.
Não se trata, portanto, de abrir uma porta privilegiada de acesso a
vagas universitárias. Trata-‐se de proporcionar melhores condições de
disputa por uma vaga a alunos de estratos sociais historicamente
marginalizados. Trata-‐se, também, de ajudar financeiramente um aluno
pobre que já tenha conquistado a vaga, dando-‐lhe um incentivo para que
faça o curso até o fim.
Evidentemente esse tipo de iniciativa, embora conceitualmente
melhor que a das cotas, também é um paliativo. A solução definitiva virá
somente quando o Estado brasileiro puder proporcionar uma educação
básica e média de nível equiparável à das melhores instituições
particulares. Massificar o ensino de qualidade continua a ser um dos
maiores desafios para que a democracia no Brasil se enraíze socialmente.
Folha de S. Paulo, 29 ago. 2002.
1. O editorial Medida afirmativa discute a temática das cotas
em universidades públicas. Com base na leitura:
158
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
a) Destaque do texto algumas expressões que fazem
referência ao título medida afirmativa.
Sugestão de resposta: As expressões que fazem
referência à medida afirmativa são “proposta simplista
e (...) inadequada”, “estabelecimento de cotas nas
universidades públicas”, entre outras.
b) É possível perceber que o texto assume um
posicionamento diante da temática das cotas no
acesso ao ensino superior público. Diga se este
posicionamento é contrário ou favorável ao sistema de
cotas, fundamentando-‐se nas estratégias referenciais
utilizadas no texto.
Sugestão de resposta: O texto apresenta um
posicionamento contrário ao sistema de cotas no
acesso a universidades públicas. É possível perceber
isso por meio das expressões referenciais utilizadas:
“proposta simplista e (...) inadequada”, “via (...) dúbia
na origem”, “porta privilegiada”, entre outras.
Certamente, outras questões sobre referenciação
poderiam ser formuladas com base nesses textos. No entanto, as
159
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
questões apresentadas foram eleitas, principalmente
considerando a forte relação que estabelecem com a
interpretação dos textos, de modo que um olhar mais crítico por
parte do estudante é exigido no decorrer da leitura.
Assim, as questões relativas ao texto “Elizabeth, rainha do
campo” pretendem que o aluno recupere o conhecimento de que
Elizabeth é nome de rainha e perceba, ao longo da leitura, o que
vem a ser a “rainha do campo”. Ao mesmo tempo, é importante
ressaltar que a seleção deste texto do livro didático considerou o
posicionamento favorável ao MST, discussão bastante
pertinente, em especial em turmas de EJA.
O mesmo se pode dizer a respeito do tema tratado no
editorial – sistema de cotas em universidades públicas – uma vez
que esse debate é fundamental para a formação de tal público. A
argumentação do texto – contrária ao sistema de cotas – é
construída por meio de expressões que fazem referência à
medida afirmativa anunciada no título. Assim, uma formação
crítica do leitor deve estar comprometida não somente com a
identificação dessas marcas linguísticas no texto, senão com o
posicionamento crítico dos estudantes leitores.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
160
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O presente artigo propôs discutir a abordagem dos
processos referenciais no ensino de língua materna. Assim, com
base na concepção sociocognitivo-‐dialógica da língua, que
assume o texto como lugar de interação e de constituição dos
sujeitos enquanto construtores sociais, buscamos refletir sobre a
importância do trabalho com o texto em sala de aula, de modo
que também faça parte dessa reflexão o papel do ensino quanto
à formação crítica de leitores.
Nesse sentido, a partir da análise do tratamento dado à
referenciação pelos livros didáticos, pudemos constatar que
ensino e pesquisa ainda precisam dialogar. Em geral, percebemos
uma abordagem que privilegia a superfície textual, isto é, que
atrela o estudo da referenciação aos exercícios de retomada de
elementos anteriormente expressos no texto, muitas vezes
ignorando a relevância dos processos referenciais para a
construção de sentidos.
Diante dessa questão, é preciso admitir que alguns
equívocos percebidos no tratamento dado à referenciação nos
livros didáticos refletem, de modo mais grave, concepções de
língua, texto e leitura que pouco – ou nada – consideram a
interação autor-‐texto-‐leitor. Nesse sentido, torna-‐se ainda mais
161
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
difícil um ensino que se proponha a tratar da dinâmica de
construção dos objetos do discurso, dos efeitos cognitivo-‐
discursivos da referenciação e desta como um fenômeno
fundamental no processo de construção de sentidos.
Nesse caso, é preciso reforçar: a superficialidade que se
critica nos exercícios sobre referenciação propostos nos livros
didáticos é a mesma que, talvez, permeie a relação entre
pesquisa e ensino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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162
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ELIAS, Vanda M. (org.) Ensino de língua portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Contexto, 2011. KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. ______. O texto e a construção de sentidos. São Paulo: Contexto, 2002. MARQUESI, Sueli. Referenciação e intencionalidade: considerações sobre escrita e leitura. In: CARMELINO, A. C.; PERNAMBUCO, J.; FERREIRA, L. A. (org.). Nos caminhos do texto: atos de leitura. Col. Mestrado em Linguística, v. 2. São Paulo: EdUnifran, 2007. p. 215-‐233. PAULIUKONIS, Maria A. Texto e Contexto. In: VEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. (org.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2011, p. 239-‐258. STAUFFER, Anakeila de B. Concepções de Educação e Livro Didático: dialogando sobre suas relações na formação do agente comunitário de saúde. In: STAUFFER, A. B.; MARTINS, C. M. Educação e Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV / Fiocruz, 2007, p. 159-‐191. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 11. ed. São Paulo: Cortez.
163
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
MANUAIS DIDÁTICOS OLIVEIRA, Cícero de. et alii. Tempo de Aprender. Educação de Jovens e Adultos: 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, 2. ed. IBEP. São Paulo: 2009. RAMOS, Heloisa et alii. Viver, aprender. Educação de Jovens e Adultos: segundo segmento do ensino fundamental. São Paulo: Global: Ação Educativa, 2009.
164
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Os processos de referenciação nos livros didáticos: análise de textos
jornalísticos
MACHADO, Luana (UFRJ)
1. INTRODUÇÃO O livro didático é o principal mediador dos conhecimentos
partilhados entre professores e alunos: os docentes tomam-‐no
como principal norteador na busca do que aplicar durante o ano;
os discentes, por sua vez, concebem-‐no como principal
reservatório de saber. Sendo assim, há anos a elaboração desse
material é discutida, com vistas ao seu aprimoramento, não só
em relação ao conteúdo, mas também às questões
metodológicas e novas demandas educacionais.
A mais recente reformulação foi instaurada pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na década de 90, que
trouxeram orientações inovadoras para os docentes. Em Língua
Portuguesa, os avanços foram de grande importância, uma vez
que a língua deveria passar a ser estudada do ponto de vista
sociointeracional.
165
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Nessa perspectiva, língua é um sistema de signos específico, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e a sociedade. Aprendê-‐la é aprender não somente palavras e saber combiná-‐las em expressões complexas, mas apreender pragmaticamente seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas. (PCN, 1998, p.20)
Dessa forma, o trabalho, estritamente voltado para itens
gramaticais, utilizando o texto como mero pretexto, cedeu
espaço para estudos de interpretação e produção textual dos
mais variados gêneros. Além de observar os tópicos gramaticais
por meio da tríade uso>reflexão>uso.
O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. (PCN, 1998, p.29)
Todavia, tudo isso é o que propõem os PCN, não
necessariamente o que, realmente, trazem os manuais. Estudos
apontam as diferenças entre o que determinam os PCN e o que
aparece nos livros didáticos de língua portuguesa (LDP),
166
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
mostrando que, na teoria, os LDP já estão sendo concebidos
segundo as orientações estabelecidas. Entretanto, ao serem
analisados, percebe-‐se que parte das antigas práticas continua
sendo executada. Os estudos de tópicos gramaticais, por
exemplo, ainda são, de certa forma, descontextualizados, não se
levando em consideração a teoria sociointeracional proposta.
Assim, continuam sendo trabalhados com base em fundamentos
que não mais dão conta dos fenômenos da língua e de um ensino
libertador.
Portanto, em meio a este cenário confuso entre o que se
propõe e o que realmente é posto em prática, este artigo visa
investigar, em duas coleções voltadas para o Ensino Fundamental
(EF), do segundo segmento, sua adequação aos PCN quanto ao
assunto “processos de referenciação”. Analisaremos, neste
trabalho, de que maneira o tópico é abordado pelos livros, bem
como as atividades propostas. A ideia é ver se, realmente, está
sendo realizada uma abordagem sociointeracional ao serem
explicados os processos de referenciação e sua aplicabilidade nos
textos das coleções.
Cabe ressaltar que, em virtude do grande volume de texto
presente em cada coleção, de gêneros variados, para a análise
167
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
das atividades foram selecionados os textos jornalísticos, a fim de
tornar a apreciação mais enxuta e objetiva.
Para realizar tal investigação, este artigo se fundamenta
nos pressupostos teóricos da Linguística Textual, conforme
Cavalcante (2011), Koch (2011), Koch e Elias (2011), Koch e
Fávero, (2008), Koch e Marcuschi (1998), Marcuschi (2001), com
foco nos processos de referenciação, segundo uma abordagem
sociointeracional. No item a seguir, serão aprofundados os seus
conceitos dessa abordagem.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. A Linguística de Texto
Até a década de 60, os estudos sobre a linguagem
voltavam-‐se para a gramática da frase, do enunciado. Porém, a
necessidade de preencher algumas lacunas deixadas pelas
gramáticas normativas motivou o surgimento desse novo ramo
de estudo: a Linguística de Texto (LT), termo primeiramente
empregado por Weinrich (1966, 1967, apud FÁVERO e KOCH,
2008, p.11).
Segundo Fávero e Koch (ibidem), a LT tem “como objeto
particular de investigação, não mais palavra ou a frase, mas sim o
168
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
texto, por serem os textos a forma específica de manifestação da
linguagem”. Assim, o domínio de análise deixou de ficar restrito a
frases retiradas de obras literárias, ou até mesmo inventadas
para a realização dos estudos gramaticais. O texto, tanto oral
quanto escrito, passou a ser o cerne das investigações, com todas
as suas relações lógico-‐semânticas, o que permite concebê-‐lo
como uma unidade de sentido.
Dentro do quadro da LT, texto é todo objeto que tem
textualidade. Para Beaugrande e Dressler (1981, apud KOCH e
TRAVAGLIA, 1999), são sete os fatores que determinam sua
existência: a situcionalidade, a intencionalidade, a aceitabilidade,
a informatividade, a intertextualidade e a coesão e a coerência –
sendo as cinco primeiras externas ao texto e as duas últimas
centradas no texto.
Com base nisso, não só os itens cotextuais, mas também
os contextuais passaram a fazer parte dos estudos do texto, que
começou a ser enxergado como um construto socialmente
construído, criado por uma pessoa, dirigido a outra(s) com
objetivos e finalidades, de maneira interativa. Isto é,
O texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos. Desta forma há lugar, no texto, para
169
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação” (KOCH, 2011, p. 17)
Dentro dessa abordagem, um dos aspectos citados acima
– a coesão – é enxergado de outra forma. A coesão não se
encaixa mais na conceituação de um simples mecanismo da
estrutura superficial do texto, capaz de realizar retomadas e
projeções correferenciais. Sua análise tem como preocupação a
forma como é estruturada na superfície textual, aliada aos
elementos sociocognitivos, para a criação de sentido.
Na segunda metade da década de 90, o estudo desses
aspectos textuais ganhou espaço e novas análises. Assim, a
expressão Referenciação veio à tona, com trabalhos de diversos
estudiosos tentando organizar e explicitar os processos
referenciais que não só ocorrem na superfície textual, mas
também no processo interacional.
2.2. Referência e Referenciação
A Referência é preocupação constante dos estudiosos da
linguagem, principalmente daqueles que querem entender como
as línguas se referem ao mundo. Segundo Cavalcante (2011,
170
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
p.19), tal estudo, “por um longo tempo, ocupou a mente dos
filósofos da linguagem e dos lógicos, bem antes de interessar aos
linguistas”.
Existem duas visões bem opostas em relação ao tema. A
primeira entende que há uma completa correspondência entre as
palavras e as coisas, ou seja, a língua é um “espelho da
realidade”. Referir significa, portanto, usar meios linguísticos
para representar objetos-‐do-‐mundo, de maneira estável e
discretizada.
A outra visão, mais atual, na qual se fundamenta este
artigo, baseia-‐se na concepção de que “a língua é heterogênea,
opaca, histórica, variável e socialmente constituída, não servindo
como mero instrumento de espelhamento da realidade.” (KOCH
e MARCUSHI, 1998, p. 173). Assim, os elementos referidos em
um texto deixam de ser objetos-‐do-‐mundo e passam a ser
considerados objetos-‐do-‐discurso. Ou seja, entidades que são
construídas no e pelo discurso.
Como afirmam Marcuschi e Koch (1998, p. 5), não é o caso de
negar a existência da realidade extra-‐mente, nem estabelecer a subjetividade como parâmetro do real. Nosso cérebro não opera como um sistema fotográfico do mundo, nem como um sistema de espelhamento, ou seja, nossa maneira de ver e
171
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
dizer o real não coincide como o real. Ele reelabora os dados sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E essa reelaboração se dá essencialmente no discurso. Também não se postula uma reelaboração subjetiva, individual: a reelaboração deve obedecer a restrições impostas pelas condições culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento decorrentes do uso da língua.
De acordo com esta concepção, os referentes não são
estáveis e pré-‐existentes, mas criados e recriados, de acordo com
o ponto de vista dos interlocutores. Assim, não cabe mais usar o
termo Referência, associado a uma visão representacionalista da
língua, estática. O termo mais apropriado é Referenciação, que
traz a noção de processo, atividade dinâmica que se constitui na
interação discursiva.
Quanto a essa nova perspectiva, segundo Koch (2001, p.
81),
Esta posição implica, necessariamente, uma noção de língua que não se esgota no código, nem seja concebida apenas como um sistema de comunicação que privilegia o aspecto informacional ou ideacional. A discursivização ou textualização do mundo por via da linguagem não se dá como um simples processo de elaboração de informação, mas de (re)construção do próprio real. Ao usar e manipular uma forma simbólica, usamos e manipulamos tanto o conteúdo como a estrutura dessa forma. E, deste modo, também
172
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
manipulamos a estrutura da realidade de maneira significativa. E é precisamente neste ponto que reside a ideia central de substituir a noção de referência pela noção de referenciação, tal como postulam Mondada e Dubois (1995).
2.3. A Referenciação
Segundo Koch e Elias (2011, p. 123),
denomina-‐se referenciação as diversas formas de introdução, no texto, de novas entidades ou referentes. Quando tais referentes são retomados mais adiante ou servem de base para a introdução de novos referentes, tem-‐se o que se denomina progressão textual. (grifos do autor).
Além disso, tanto a referenciação quanto a progressão
textual estão envolvidas na “construção e reconstrução de
objetos de discurso” (ibidem). Entretanto, as duas estratégias são
englobadas pelo nome Referênciação, que é, portanto, uma
atividade discursiva.
Em obra recente, Cavalcante (2011) descreve toda a
evolução dos estudos de referenciação e busca formatar um
quadro teórico com os diferentes tipos de processos referenciais.
Com base nessa obra, e também em textos de Koch e Marcuschi,
explicitaremos tais processos e suas caraterísticas.
173
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2.3.1. Os processos referenciais:
Introdução referencial e
anáfora direta
Assim como Koch, Marcuschi e outros autores, Cavalcante
afirma que os processos inferenciais se dividem em dois
agrupamentos principais: a introdução de novos referentes e a
manutenção desses referentes no texto.
O primeiro grupamento caracteriza-‐se pelo aparecimento
de entidades no texto pela primeira vez, recebendo o nome de
introdução referencial, como observamos no exemplo de
Cavalcante (2011, p. 54):
O sujeito chega para o padre e pergunta: – Padre, o senhor acha correto alguém lucrar com os erros dos outros? – É claro que não, meu filho! – Então me devolve a grana que eu te paguei para fazer o meu casamento.
(piada, As melhores piadas de Casseta e Planeta, v.4).
No exemplo em questão, os termos “sujeito” e “padre”
introduzem referentes que ainda não foram citados no texto. Ou
seja, aparecem pela primeira vez, sem nenhum antecedente.
174
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O segundo agrupamento, responsável pela manutenção
dos referentes no texto, denominado pela autora como “reino
das anáforas” (2003, p. 108), diz respeitos aos processos
anafóricos, sejam eles diretos, indiretos, com dêiticos ou sem
dêiticos; de maneira remissiva, prospectiva, ou para ambas as
direções. A fim de podermos apresentar suas especificidades,
apresentaremos as anáforas diretas (AD) e as anáforas indiretas
(AI) em tópicos distintos. Em virtude do espaço, não serão
tratadas, aqui, as nuances dos dêiticos.
As anáforas diretas se caracterizam pela relação de
correferencialidade entre dois elementos do texto. Isto é, um
termo é retomado de maneira direta por outro elemento do
contexto, como vemos no exemplo de Koch e Elias (2011, p. 124):
Nova espécie de ave é descoberta na Grande SP O Ibama anunciou ontem a descoberta de uma nova ave, o bicudinho-‐do-‐brejo-‐paulista. O Stymphalornissp.nov (a terminação indica que o animal não recebeu a denominação definitiva da espécie) foi encontrado pelo professor Luís Fábio Silveira, do Departamento de Zoologia da USP, em áreas de brejo nos municípios de Paraitinga e Biritiba-‐Mirim, na Grande São Paulo, em fevereiro. O pássaro tem pouco mais de 10 centímetros de comprimento, capacidade pequena de voo e penugem cinza.
175
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A introdução referencial, sublinhada, é retomada pelas
anáforas diretas, destacadas em cinza. Observe que é possível
ancorar cada retomada na introdução referencial, presente no
cotexto.
Cabe ressaltar que, segundo Cavalcante (2003), as
correferências podem ser de três tipos: co-‐significativas,
recategorizadora sou nenhuma das duas:
1) Anáfora correferencial co-‐significativa: termo retomado
por meio de expressões sinônimas ou repetições (apesar
de nem toda repetição ser, necessariamente, co-‐
significação).
2) Anáfora correferencial recategorizadora: retomada por
meio da “renomeação” do termo, conforme as
necessidades e estratégias discursivas, podendo ser
realizada por hiperônimos, expressões definidas, nomes
genéricos e pronomes Como afirma a autora: as
recategorizações
remodulam a forma de designação, transformando-‐a, ou seja, recategorizando-‐a, ou pela utilização de um termo superordenado, para que o enunciador se esquive de repetições estilisticamente indesejáveis, ou pela utilização de expressões com alguma carga avaliativa.” (CAVALCANTE, 2003, p. 110)
176
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
3) Anáforas correferenciais não-‐co-‐significativas e não-‐
recategorizadoras: retomadas realizadas por meio de
pronomes pessoais.
Essas subdivisões são válidas para as anáforas
correferenciais totais. A autora divide as anáforas correferenciais
em totais e parciais; para esta última, as estratégias são outras:
Para não confundir com as anáforas indiretas, que se instauram muitas vezes por uma relação de parte-‐todo, optamos por circunscrever estes casos às repetições do sintagma antecedente, precedidas de um quantificador, ou de um adjetivo, imprimindo ao anafórico a idéia de parte de um conjunto não-‐unitário. Por vezes, o nome nuclear é elidido por economia lingüística e por razões de estilo [...] (CAVALCANTE, 2003, p. 112)
Percebe-‐se, portanto, que, independente das subdivisões,
para as anáforas diretas o importante é ressaltar o seu valor
correferencial. A âncora do termo referido está presente no texto
de maneira clara. É possível identificá-‐la sem grandes esforços
cognitivos.
177
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2.3.2. A questão das anáforas
indiretas
Opostamente às AD, as anáforas indiretas (AI) são
caracterizadas por não apresentar correferencilidade com
nenhum termo do texto. Segundo Marcuschi (2001, p. 217), a AI,
geralmente, é
constituída por expressões nominais definidas ou pronomes interpretados referencialmente sem que lhes corresponda um antecedente (ou subseqüente) explícito no texto. Tratamos de uma estratégia endofórica de ativação de referentes novos e não de uma reativação de referentes já conhecidos, o que constitui um processo de referenciação implícita.
Em conformidade com o autor, Koch (2011, p. 107)
afirma que as anáforas indiretas consistem
no emprego de expressões definida anafóricas, sem referente explícito no texto, mas inferível a partir de elementos nele explícitos, isto é, trata-‐se de uma configuração discursiva em que se tem um anafórico sem antecedente literal explícito [...], que pode ser reconstruído, por inferência, a partir do co-‐texto precedente.
178
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Na mesma linha de raciocínio, Cavalcante (2011, p. 58)
explicita que ocorre a AI quando não há correferencialidade
entre os termos (o introduzido e o retomado) e, por isso, é
necessário recorrer a nexos cognitivos mais complexos.Para
corroborar tal descrição, a autora utiliza o seguinte exemplo:
O Prefeito foi visitar o hospício a cidade. Chegando na biblioteca, percebe que tem um louco, de cabeça para baixo, pendurado no teto. Preocupado, comenta com o diretor do hospício: – O que é que esse louco está fazendo aí no teto? – Ele pensa que é um lustre. – Mas é muito perigoso, ele pode cair e se machucar. – Por que vocês não o tiram do teto? – Mas e, à noite, como é que a gente vai fazer para ler no escuro?
(piada, Coleção 50 piadas – loucos, de Donaldo Buchweitz)
A partir do exemplo, a autora mostra que os termos
“Prefeito” e “hospício” introduzem novos referentes. Outros
termos e expressões, como “esse louco” e “ele”, retomam um
referente presente no texto de maneira direta: “um louco”.
Porém, “biblioteca”, “diretor” e “um louco” são exemplos de AI,
pois se referem à expressão “hospício da cidade” não de maneira
direta, mas por relações metonímicas e funcionais. A “biblioteca”
179
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
faz parte do hospício, já “diretor” e “um louco” são agentes desse
ambiente.
Percebe-‐se, assim, que a AI tem uma dupla função. Nos
dizeres de Marcuschi (2001, p. 224), ela produz uma
“tematização remática”, porque ativa um novo referente e, ao
mesmo tempo, o ancora em um universo textual já dado.
Segundo o autor (ibidem):
Há, pois, algo similar a uma ativação-‐reativação na continuidade do domínio referencial. Assim, podemos dizer que a AI é uma espécie de ação remática e temática simultaneamente na medida em que traz a informação nova e a velha, ou seja, produz uma "tematização remática.
Marcuschi (2001, p. 226) propõe ainda uma tipologia das
AI, subdividindo-‐as em dois tipos: tipos semanticamente
baseados e tipos conceitualmente baseados:
Para sua solução, os tipos (I) exigem estratégias cognitivas fundadas em conhecimentos semânticos armazenados no léxico (mais especificamente ligadas a âncoras lexicais precedentes) e estão vinculados a papéis semânticos. Já os tipos (II) exigem estratégias cognitivas fundadas em conhecimentos conceituais baseados em modelos mentais, conhecimentos de mundo e enciclopédicos (mais especificamente vinculados ao modelo de mundo
180
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
textual presente no co(n)texto) e mais ligados a processos inferenciais gerais.
Ao final de seu estudo, o autor postula ainda que as AI
possam ser um caso de subespecificação da língua, em relação a
uma das máximas griceanas – “seja relevante”. De acordo com
essa máxima, não devemos ser simplistas demais, em um texto, a
ponto de deixar lacunas, porém não devemos ser prolixos
demais, explicitando a mais do que seria necessário. Dessa
forma, a AI funcionaria como pistas de informações inferíveis por
parte do receptor, que auxiliam o entendimento.
2.3.3. As anáforas indiretas
encapsuladoras
Segundo Cavalcante (2011, p. 73), as anáforas
encapsuladoras são tidas como um tipo peculiar de AI, uma vez
que não retomam nenhum objeto-‐do-‐discurso pontualmente,
mas se referem a conteúdos espalhados pelo texto. Assim,
há uma recuperação difusa de informações e que este é o traço mais típico das anáforas encapsuladoras; é o que lhes confere o caráter de anáfora também indireta: ser não correferencial e ter um poder de resumir informações cotextuais e contextuais.
181
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ainda segundo a autora, o que diferencia as AI
propriamente ditas das encapsuladoras é o poder destas últimas
de resumir, sintetizar conteúdos proposicionais, inteiros,
precedentes ou subsequentes. Há autores que especificam os
rótulos de maneira distinta das anáforas encapsuladoras. Porém,
não faremos essa distinção aqui, seguindo o mesmo raciocínio de
Cavalcante (2011).
Para exemplificar as anáforas encapsuladoras, vejamos
um exemplo de Koch e Elias (2011, p. 130).
Gosto de beber uma cervejinha, falo palavrão e
não vou deixar de ter amizade com alguém por ser
gay, assim como acredito que o uso da camisinha é
importante para prevenir doenças e até mesmo a
gravidez”, diz Érika Augusto da Silva, 20, cabelos
avermelhados, quatro furos na orelha.
O depoimento não faria diferença se tivesse sido
colhido em um colégio ou numa rave. Mas o
ambiente de Érika é outro. Única católica
praticante da família, neta de evangélicos, ela
frequenta um grupo de jovens católicos há quatro
anos e vai à igreja pelo menos duas vezes por
semana.
182
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Em agosto, pretende realizar um desejo antigo:
participar de sua primeira Jornada Mundial da
Juventude. [...] Fonte: Folha de S. Paulo, 10 abr.
2005.
O Primeiro referente (sublinhado) sumariza tudo o que foi
dito pela entrevistada. Assim, não é possível encontrar um termo
específico ao qual o referente, “o termo”, se ligue. O mesmo
ocorre para o referente destacado em cinza. A única diferença
entre os dois é que o primeiro é retrospectivo, e o segundo,
prospectivo.
Cabe ressaltar, ainda, o valor avaliativo presente nas
anáforas encapsuladoras. Ao resumir conteúdos proposicionais
em uma determinada expressão ou termo, a escolha lexical
realizada apresenta o ponto de vista do enunciador, contribuindo
para a “transmissão de impressões avaliativas e para a condução
argumentativa do texto” (CAVALCANTE, 2011, p. 76).
Para tentar agregar tudo o que foi dito até agora, abaixo
segue o quadro, criado por Cavalcante (2011, p.60), a fim de
sintetizar os processos de referenciação.
183
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Processos referenciais atrelados à menção
Introdução
Referencial
Anáforas
Anáforas Diretas
(correferenciais)
Anáforas Indiretas (não correferenciais)
Anáforas Indiretas
Propriamente
Ditas
Anáforas Indiretas
Encapsuladoras
3. O QUE OS LDLP FALAM SOBRE
REFERENCIAÇÃO
Com base no aporte teórico aqui explicitado e também
nas orientações dos PCN, será feita uma análise de duas coleções
de LDLP: Português: a arte da palavra, de Gabriela Rodella, Flávio
Nigro e João Campos; e Português: ideias & linguagens, de Dileta
Delmanto e Maria Da Conceição Castro. Tal análise visa
identificar a maneira como tais materiais abordam os processos
de referenciação.
A fim de tornar o levantamento mais objetivo, cada
coleção será abordada separadamente. Além disso, para a
apreciação das atividades propostas, serão levados em
consideração apenas os textos jornalísticos, em virtude o espaço
para a investigação. Ao final das análises, serão propostas
atividades a partir de um texto presente em uma das coleções.
184
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Vale esclarecer que ambas as coleções foram aprovadas
pelo PLND-‐EF/2011, consideradas de boa qualidade e
condizentes com os PCN. Assim, a análise a seguir não pode ser
tomada como base para crítica da coleção em sua totalidade,
pois será feita uma reavaliação de um único aspecto.
3.1. COLEÇÃO PORTUGUÊS: A ARTE
DA PALAVRA
3.1.1. Análise Teórica
Nesta coleção, cada capítulo focaliza um gênero textual
específico para trabalhar os itens relacionados à língua:
interpretação textual, produção textual, oralidade e
gramática.Cada capítulo divide-‐se, basicamente, em três partes:
estudo do texto, expressão escrita e oral (às vezes os dois, outras
apenas um deles) e estudo da língua.
O primeiro conteúdo relacionado, de alguma forma, aos
processosde referenciação aparece no volume do 6° ano, no
tópico que fala sobre o uso dos Pronomes. Após uma extensa
explanação gramatical das características e uso dos pronomes, os
autores citam, em três linhas, que eles “são importantes
185
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
elementos na construção do texto” (p. 137). Afirmam também
que “como eles muitas vezes se referem a substantivos que já
apareceram antes, acabam criando ligações entre as diversas
partes do texto” (p. 137). Entretanto, a questão não é
aprofundada. Abaixo desse comentário há um exercício de
identificação de referentes.
Até mesmo as questões relativas às pessoas do discurso (o
caráter dêitico dos pronomes pessoais, por exemplo), apontadas
e discutidas, anteriormente, na parte teórica deste volume, não
são retomadas nessa atividade.Abordar esse aspecto seria de
grande valia, principalmente porque o gênero trabalhado no
capítulo são as cartas e outras correspondências.
No Manual do Professor, ao final do livro, consta a
seguinte orientação:
Aqui [se referindo ao tópico sobre pronomes] se tratam de atividades de identificação das pessoas do discurso a partir dos pronomes em textos narrativos e dissertativos, assim como atividades de substituição de repetições por pronomes, sempre enfatizando a coesão textual (grifos nossos). (p. 63)
186
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
No entanto, percebe-‐se que a “ênfase” na coesão não é
trabalhada, e o único aspecto coesivo dos pronomes explicado é
a pura e simples substituição.
No último capítulo do volume direcionado ao 6° ano, que
trata do gênero notícia, a coesão é retomada como um tópico de
estudo específico. Todavia, mais uma vez o aspecto enfocado é a
substituição: na página 224, há uma notícia e, a partir dela,
trabalha-‐se o conceito da substituição como estratégia com o
seguinte comentário:
Quando escrevemos um texto, temos alguns recursos para nos referir a uma palavra que já foi usada alguma vez nele. Um desses recursos é substituir essa palavra por um pronome [...]. Outra maneira de evitar repetições é substituir a palavra já usada por uma outra que tenha um sentido equivalente.
A explanação, mais uma vez, é bem resumida e centrada
na simples substituição por pronome. Agora, os autores
adicionam ainda o caráter de o substantivo realizar essa função,
mas não exploram suas potencialidades. No próprio texto
exposto por eles, uma notícia que relata um assalto a uma
joalheria, fica patente a capacidade de o substantivo funcionar
como uma anáfora recategorizadora e de apresentar o ponto de
187
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
vista do enunciador. Na manchete da notícia, aparece o termo
“ladrão”, retomado pelos termos “homem”, “distraído rapaz”,
“ele” e “mané”. Porém, a peculiaridade da escolha lexical no
momento da substituição por parte do enunciador não é
discutida, mesmo havendo, no capítulo, um tópico específico que
apresenta a ilusória neutralidade nos textos jornalísticos.
Nos volumes do 7° e 9° anos da coleção em análise,
nenhum dos tópicos faz referência aos processos de
referenciação. Apenas no volume do 8° aparece a seção “Coesão:
a substituição”, retomando o tópico, mas com enfoque um pouco
mais aprofundado. Os autores levantam a questão da
recategorização, das novas possibilidades de sentido cada vez
que um termo é retomado por um sinônimo.
A substituição de uma palavra por um sinônimo ou por uma palavra de sentido aproximado garante que o texto seja construído de maneira encadeada, pela retomada dos mesmos tópicos. Dessa maneira, a continuidade do assunto é preservada. Além disso, a cada nova palavra, novos sentidos são atribuídos ao que se diz, enriquecendo-‐se o texto. (p. 35)
Porém, a explanação se resume ao trecho destacado
acima e, posteriormente, não há atividades que estimulem a
capacidade do aluno em encontrar termos referentes e as novas
188
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
concepções que eles agregam aos termos retomados. Há apenas
um exercício, reproduzido a seguir:
1. Releia o trecho da biografia de Paulo Coelho, abaixo, e observe as palavras
grifadas.
Paulo Coelho de Souza nasceu em uma chuvosa madrugada de 24 de agosto
de 1947, dia de São Bartolomeu, na Casa de Saúde São José, no Humaitá,
bairro de classe média do Rio de Janeiro, Brasil. Nasceu morto. Os médicos
previam dificuldades naquele parto, o primeiro da jovem dona de casa Lygia
Araripe Coelho de Souza, de 23 anos, casada com o engenheiro Pedro Queima
Coelho de Souza, de 33 anos. O bebê não seria apenas o primogênito do casal,
mas também o primeiro neto dos quatro avós e o primeiro sobrinho de tias e
tios de ambos os lados. Os exames iniciais apontavam um risco considerável: a
criança parecia ter ingerido uma mistura fatal de mecônio – ou seja, suas
próprias fezes – com líquido amniótico. Depois disso, só um milagre o faria
nascer com vida. Inerte no ventre materno, sem manifestar qualquer intenção
de mover-‐se em direção ao mundo, o recém-‐nascido teve de ser retirado a
fórceps.
Fernando Morais. O mago. São Paulo: Planeta, 2008. P. 63.
a. A quem elas se referem?
b. Qual nova informação a palavra primogênito traz a respeito do
biografado? Se necessário, procure as palavras desconhecidas no dicionário.
189
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Observa-‐se, nessa atividade, que o texto, apesar de curto,
oferece uma gama de palavras que podem ser discutidas e
analisadas, porém os autores se restringem a apenas uma delas –
“primogênito”. Além disso, poderiam orientar, de alguma forma,
a ideia de que as anáforas não fazem referência apenas ao
cotexto, mas também aos conhecimentos partilhados, uma vez
que consideraram o primeiro referente, “Paulo Coelho de Souza”,
uma AD, em vez de uma introdução referencial; assim, já se
parte do pressuposto de que sabemos de quem se trata e
queremos apenas ler sua história de vida. Isso acontece porque
essas informações foram apresentadas no capítulo,
anteriormente à questão, e foram esclarecidas. Dessa forma, a
retomada é possível, mas precisa de inferências.
Concluindo, na abordagem teórica desta coleção, apesar
de haver um movimento na tentativa de apresentar algumas
estratégias de referenciação, elas continuam a ser vistas sob a
ótica rígida da coesão. Isto é, como um mero mecanismo de
articulação da estrutura textual, a fim de evitar repetições e
deixar o texto mais enxuto, excluindo todo o aparato
sociointeracional que a elas se associa.
190
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
3.1.2 Análise das Atividades com
textos jornalísticos
Na coleção em análise, os textos jornalísticos, no primeiro
volume, aparecem no capítulo que versa sobre o gênero notícia.
Em nenhuma das atividades é trabalhada a referenciação. Em
apenas uma delas, na página 210, há um exercício que explora o
conceito de associação. Ele pede que o aluno, a partir da
manchete, correlacione a notícia a uma determinada sessão do
jornal. Porém, não há nenhuma conceituação prévia sobre esse
tipo de conhecimento trabalhado na questão.
No segundo volume, destinado ao 7° ano, há alguns textos
jornalísticos no capítulo que trabalha o gênero entrevista, mas
nenhuma das atividades referentes aos textos ao menos
tangenciam o estudo da referenciação.
No terceiro volume (8° ano, p. 67), que trata do gênero
textual teatro, há um texto jornalístico da Folha de São Paulo.
Nas atividades propostas sobre o texto, há uma questão sobre
anáfora direta.O texto em questão versa sobre uma Companhia
de teatro (Companhia do Feijão) e sua última adaptação, a qual
fez muito sucesso. No texto, é utilizada a expressão “camaleões
do Feijão” para retomar “atores”, fazendo referência a sua
191
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
capacidade de transformarem-‐se em diversos personagens.
Observe o trecho:
Montagem mergulha público no silêncio dos excluídos
Sergio Salvia Coelho – Crítico da Folha
[...]
Pedro Pires e Zernesto Pessoa, adaptadores e encenadores, entrelaçam
20 contos curtos com uma arrojada sintaxe cinematográfica, a partir de
improvisos de atores preparados não só para trocar de personagem sem apoio
de figurino ou maquiagem, como sugerir o cenário pela marcação e fazer a
sonoplastia em cena.
E esses camaleões do Feijão também alternam-‐se na narração, indicando
mudanças de tempo e local às quais o resto do elenco se adapta em segundos,
e na paisagem sonora, por onomatopeias e discretas percussões.
[...]
Folha de S. Paulo, quinta-‐feira, 17 de abril de 2003.
A atividade se destacada por não se restringe à
identificação do referente apenas. Ela pede também que se
explique o que o texto quis dizer com a expressão utilizada para
realizar a retomada. Dessa forma, o aluno tem que ter entendido
todo o conteúdo proposicional anterior para chegar ao
significado da expressão, criando uma recategorização do termo
192
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
retomado “atores”. No entanto, é o único texto jornalístico em
todo o volume.
Por fim, no último volume da coleção (9° ano), há um
texto opinativo, da Folha de São Paulo. Nas atividades propostas
em relação a esse texto (p. 192), há uma questão que trabalha o
conceito de anáfora prospectiva a partir do título do texto, mas,
nesse caso, a explora-‐se apenas o reconhecimento do referente.
Reproduzimos abaixo a parte inicial do artigo para vermos como
a expressão referente ao termo “atividade”, no título, é
esclarecida logo no início do texto:
Atividade expõe tensão entre direitos Gilberto Dimenstein – Colunista da Folha A pichação é umas das expressões mais visíveis da instabilidade
humana. São mais do que rabiscos. São uma forma de estabelecer uma
relação de pertencimento coma comunidade – mesmo que por meio da
agressão – e, ao mesmo tempo, de dar ao autor um sentido de autoridade. [...] Folha de S. Paulo, 21 jan. 2006.
A questão pede para que o aluno identifique, segundo o
texto, qual é atividade, mas, nesse caso, não explora nada além
da simples identificação de referente. Entretanto, cabe ressaltar
que é a primeira de oito atividades sobre o texto. Assim, poderia
193
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ser considerada uma atividade de reconhecimento, introdutória
para as demais questões.
3.2. COLEÇÃO PORTUGUÊS: IDEIAS E
LINGUAGENS
3.2.1. Análise Teórica
A coleçãoé dividida em unidades e, cada uma delas,
aborda um tema. Cada unidadetrabalha, basicamente, os
seguintes itens: estudo do texto, expressão escrita e oral e
estudo da língua.
No primeiro volume da coleção, voltado ao 6° ano, os
substantivos são abordados na unidade 3. Após toda a
explanação gramatical sobre essa classe de palavras, há uma
atividade em que o conceito de coesão é pontuado:
3. Quando escrevemos, precisamos nos preocupar em “amarrar” as frases, observar se possuem vínculo entre si, para não deixar o nosso leitor perdido. Há vários recursos que conferem coesão a um texto. Um deles é a correta retomada de palavras que já foram mencionadas, sem precisar repeti-‐las o tempo todo. Você pode, por exemplo, empregar um substantivo abstrato para retomar um verbo que já foi enunciado anteriormente. (p. 97)
194
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ao observarmos o enunciado da atividade, já percebemos
o conceito de coesão e o uso dos substantivos, segundo as
autoras: evitar repetições. Em relação à questão em análise,
especificamente, é trabalhada a alternância entre verbo e
substantivo, como mostra o modelo apresentado pelas
estudiosas: “Quando ouviram o sinal, os alunos correram em
direção ao pátio, atropelando-‐se uns aos outros. A corrida só foi
interrompida com a chegada da diretora” (p. 97). Em momento
algum o caráter recategorizador das retomadas exercidas pelos
substantivos e sua importância nos textos.
Ainda no primeiro volume, na unidade 8 (p. 216), o tópico
pronomes é trabalhado sem mencionar sua relação com as
estratégias de retomadas e seu caráter “neutro”. Porém, em uma
das atividades propostas, exige-‐se o reconhecimento dos
referentes em um pequeno texto, reproduzido a seguir:
Espertinho
No parque, o garoto pede dinheiro a sua mãe para dar a um velhinho.
Sensibilizada, ela dá o dinheiro, mas lhe pergunta:
-‐ Para qual velhinho você vai dar o dinheiro, meu querido?
-‐ Para aquele que está gritando “Olha a pipoca quentinha!”.
195
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Em nenhum dos demais volumes é discutida, de alguma
forma, a questãoda referenciação. Ou seja, apenas no 6° ano é
feita uma tímida menção teórica sobre o assunto, que, nos anos
posteriores, não é retomado.
Cabe aqui um comentário sobre um conceito que aparece
no último volume, dentro do tópico Produção Textual. As autoras
intitulam o assunto como A importância da focalização, com o
objetivo de apresentar como os textos focalizam determinados
objetos-‐de-‐discurso e “obscurecem” outros, deixando
transparecer o ponto de vista, a ótica do enunciador. As autoras,
nesse momento, falam especificamente de textos descritivos e
narrativos, mas poderiam aproveitar o assunto para trabalhar as
estratégias de referenciação, que têm o caráter de, como
apontam Koch e Elias (2011, p. 125-‐126), introduzir objetos-‐de-‐
discurso, retomá-‐los (manter em foco) e desfocalizá-‐los.
3.2.2. Análise das atividades
com textos jornalísticos
Em virtude de a coleção ora em análise ser organizada em
temas, os textos jornalísticos encontram-‐se distribuídos ao longo
da coleção. Serão observadas as atividades propostas relativas a
196
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
esses textos, independente da unidade em que apareçam, a fim
de analisarmos se, ao menos nos exercícios, os processos
dereferenciação são trabalhados.
Após buscar em cada volume os textos jornalísticos,
constatamos que a maior parte deles aparece como textos de
“reflexão”, no início das unidades, ou fazendo parte da coletânea
de textos para auxiliar na produção textual. Isto é, nesses casos,
não há atividades relativas ao texto.
Os poucos textos jornalísticos vêm com perguntas
relacionadas à identificação de informações explícitas, tais como
o que aconteceu?, onde?, quando? etc., e à tipologia textual,
com foco na estrutura – manchete, lead, subtítulo, corpo do
texto.
Dessa forma, percebemos que a coleção não aborda o
conceito da referenciação de forma teórica, nem propõe
exercícios que levem os alunos a uma reflexão acercados
processos referenciais na constituição de um texto, como a
retomada por diferentes escolhas vocabulares, ou mesmo as
anáforas indiretas e encapsuladoras. Além disso, nesta coleção,
os textos jornalísticos não são trabalhados do ponto de vista
sociointeracional. As explicações e atividades se restringem a
197
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
determinar a estrutura do texto e fazer uma análise superficial de
seus elementos.
4. PROPOSTA DE ATIVIDADE
As análises realizadas mostraram que as atividades
(quando há) que utilizam os conceitos de referenciação ainda os
trabalham de maneira tímida e pouco aprofundada. Poucas são
as questões que exigem dos alunos uma reflexão além da
substituição de termos. Não há um trabalho voltado para a
análise textual, fazendo os alunos pensarem, no caso das
anáforas diretas, o que determinadas escolhas lexicais geram no
texto. Os demais tipos de anáfora nem sequer aparecem nas
atividades.
Sendo assim, a partir de um texto do gênero notícia,
propomos aqui algumas atividades que poderiam constar nos
livros didáticos. A seguir, reproduzimos a notícia, retirada da
coleção Português: a arte da palavra (vol. 1, p. 221).
198
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Uol tecnologia – 12/12/2006 – 10h16
Homem na Alemanha acompanha roubo de sua
casa no Brasil pela Web
por Alberto Alerigi
SÃO PAULO (Reuters) – A tecnologia ajudou a
evitar um assalto no litoral de São Paulo neste fim
de semana, quando um empresário que estava na
Alemanha viu imagens de sua residência sendo
roubada por um ladrão. As imagens foram
transmitidas por câmeras conectadas à internet de
sua casa e o ladrão foi preso depois que a polícia foi
acionada.
O empresário estava na cidade alemã de
Colônia e recebeu um alerta em seu celular vindo da
casa litorânea, no outro lado do Atlântico.
O alerta foi acionado no dia 10 pelo sistema
de segurança da casa, localizada na praia de
Pernambuco, no Guarujá.
O empresário ligou seu laptop após receber
o aviso eletrônico de invasão de sua residência e
pela internet conseguiu ver uma pessoa rondando e
usando objetos da casa.
199
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A vítima então avisou sua mulher, que
chamou as autoridades e manteve contato com a
polícia durante o cerco da residência.
“Ela passou detalhes para a gente de como
era o ladrão e onde ele estava enquanto estávamos
cercando a casa”, contou à Reuters, por telefone, o
cabo Américo Rodrigues, da 5a companhia do 21°
Batalhão do Interior da Polícia Militar. “Isso foi
crucial para que a gente agisse com objetividade. A
ação não demorou mais que 15 minutos”,
acrescentou o policial que participou do cerco.
Segundo ele, o ladrão usou uma escada da
própria residência para entrar na casa pelo primeiro
andar.
Os donos puderam ver o ladrão provando
roupas, e, quando os policiais entraram na casa,
uma série de objetos, entre eles eletrodomésticos e
ferramentas, estavam embalados em sacos na
cozinha, prontos para serem levados.
O ladrão não desconfiou que estava sendo
vigiado a milhares de quilômetros de distância.
200
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
“Ele ficou surpreso quando soube que estava
sendo visto por câmeras pela internet”, disse
Rodrigues.
Os donos da casa foram procurados pela
Reuters, mas não puderam ser encontrados para
comentar o ocorrido.
Folha Online. Disponível em:
http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/reuters/2006//
12/12/ult3949u596.jhtm. Acesso em: 21 ago. 2008.
Questões:
1 – Muitas foram as formas utilizadas por essa notícia para
retomar diversos referentes. Preencha a tabela abaixo com essas
formas.
Homem Ladrão Américo Rodrigues empresário pessoa policial
vítima ele ele donos Rodrigues
2 –De acordo com a leitura do texto, podemos afirmar que o
homem que colocou câmeras em sua casa pode ser retomado
como “a vítima”? Justifique sua resposta.
201
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
R: Sim, pois ele teve sua casa assaltada, sendo, assim, alvo de um
crime, a vítima.
3 – Podemos entender como encapsuladores termos de natureza
nominal ou pronominal que resumem indiretamente informações
do texto e do contexto. Assim, analisando a fala do cabo Américo
Rodrigues (6° parágrafo), quando diz “Isso foi crucial”, ao que ele
se refere?
R: O policial se refere ao fato de a mulher do empresário ter dado
detalhes da movimentação do ladrão e de como ele era para a
polícia enquanto a casa era cercada.
4 – Na manchete da notícia, aparece a expressão “Web”, que
está diretamente ligada à área tecnológica. Ao longo do texto,
outras expressões do campo semântico da tecnologia surgem
para explicar a maneira como o assalto foi evitado. Retire do
texto essas palavras.
R: “câmeras conectadas à internet”, “celular”, “sistema de
segurança”, “laptop”, “aviso eletrônico” e “internet”.
5 – Nos três primeiros parágrafos, o texto usa algumas
expressões alternando os artigos que a precedem. Identifique
que expressões são estas e justifique essa alternância.
R.: um empresário/o empresário; um ladrão/o ladrão e um
alerta/o alerta. O texto precede as expressões com artigo
202
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
indefinido quando estas aparecem pela primeira vez no texto,
isto é, não são de conhecimento do leitor, pois não foram
citadas antes. Quando realiza a retomada, o texto utiliza o artigo
definido, deixando para o leitor a pista de que este termo já é
conhecido, já apareceu anteriormente.
Essas são algumas possibilidades de abordagem das
estratégias de referenciação que poderiam ser cobradas nos
livros didáticos. Não queremos, com isso, postular que a teoria
completa seja abordada, especificando o nome dos processos e
suas peculiaridades. Queremos, antes, que, no momento do
trabalho com os textos, seja realizado um percurso que leve o
aluno a enxergar esses mecanismos, tão importantes para a
construção textual e para uma leitura menos ingênua e mais
crítica de qualquer gênero.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As orientações dos PCN de Língua Portuguesa, baseadas
em estudos de longa data, buscam um ensino mais crítico e
reflexivo, uma metodologia que leve o aluno a refletir sobre o
203
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
uso da língua, e não apenas a classificar e identificar termos e
elementos gramaticais.
Entretanto, no tocante ao ensino das estratégias de
referenciação, as tentativas, quando existem, são tímidas e sem
uma apreciação teórica bem fundamentada. Apesar de os PCN
orientarem um trabalho com o texto sob o ponto de vista
sociointeracional, entendendo o texto como o lugar da interação
–como Koch e Marcuschidefendem desde a década de 60 –, na
realidade dos livros didáticos isso ainda não acontece.
Os autores ainda repassam os conhecimentos coesivos
sob o rótulo da substituição com o objetivo de evitar repetições
desnecessárias. Como essas substituições são feitas, quais são as
suas consequências, os seus efeitos discursivos, nada disso é
discutido nas duas coleções analisadas.
Em consequência disso, os professores podem acabar
passando adiante tais conhecimentos ultrapassados, pois
também não têm a seu dispor um material que dê suporte a seu
autodesenvolvimento. Sem um local adequado de consulta, que
no geral é, em primeira instância o LD, o profissional não
consegue se atualizar em relação a alguns conteúdos e
abordagens e não tem tempo de organizar materiais paralelos
para suprir tantas lacunas.
204
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Enfim, na análise feita em relação à abordagem da
referenciação nos livros didáticos de Língua Portuguesa do
segundo ciclo do ensino fundamental, podemos perceber:
-‐ que não há uma correspondência da perspectiva de ensino
indicada pelos PCN e os LD;
-‐ quando há algum item que se aproxime das estratégias de
referenciação, este ainda é abordado de maneira superficial,
restringindo a retomada à substituição de termos para evitar
repetições;
-‐ o manual do professor não alicerça o docente quanto à teoria e
metodologia de estudo do fenômeno;
-‐ as atividades propostas não exigem do aluno reflexões de cunho
sociointeracional.Solicitam, grande parte das vezes, apenas a
identificação dos termos retomados nos textos por substantivos
equivalente e pronomes.
Sendo assim, é necessário pensar como incluir o processo
de referenciação nos LDLP, a fim de tornamos os discentes
leitores mais astuciosos e críticos, mostrando-‐lhes que um texto
vai muito além do que está escrito. Abrir seus olhos para além do
papel, para que eles possam perceber os mecanismos de que eles
205
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
mesmos se valem no momento de escrever um texto e, após essa
consciência, possam escrever textos ainda melhores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTE, M. M. Expressões referenciais – uma proposta
classificatória.Caderno de Estudos. Linguísticos, Campinas, vol. 44, 2003. p. 105-‐118.
______. Referenciação: sobre as coisas ditas e não ditas.
Fortaleza: Edições UFC, 2011. KOCH, I, G. V. & MARCUSCHI, L. A. Processos de referenciação na
produção discursiva. D.E.L.T.A., vol. 14, Número especial, 1998. p. 169-‐190.
______. TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo: Contexto,
1999. ______. FÁVERO, L. L. Linguística Textual: Introdução. São Paulo:
Cortez, 2008. ______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez,
2011. ______. ELIAS, V. M. Ler e Compreender os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2011. MEC/SEF: SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, 1998.
206
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
MARCUSCHI, L. A. Anáfora Indireta: o barco textual e suas âncoras.Revista Letras, n°. 56, Curitiba: Editora da UFPR, 2001. p. 217-‐258.
______. KOCH, I. V. Estratégias de referenciação e progressão
referencial na língua falada. In ABAURRE, M.B. (org.) Gramática do português falado, vol. VIII, Campinas: Ed. da UNICAMP/FAPESP, 1998.p. 31-‐56.
MANUAIS DIDÁTICOS
RODELLA, G. NIGRO, F. & CAMPOS, J. Português: a arte das palavras. São Paulo: AJS, 2009.
DELMANTO, D.& CASTRO, M. C. Português: ideias e linguagens.
13° ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
207
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A construção de objetos de discurso pelo léxico: uma
abordagem relevante ao ensino
ALVES JÚNIOR, Mário Acrisio (UFRJ)
1. INTRODUÇÃO
Considerando que os processos referenciais, além de
garantirem o encadeamento e a coerência textuais, constituem-‐
se como excelentes ferramentas de persuasão, sobretudo
quando, em sua base, os elementos linguísticos empregados são
da ordem do léxico, este artigo focaliza a abordagem da
referenciação no ensino de língua portuguesa. Como alvo de
análise, tomamos duas coleções de livros didáticos de língua
portuguesa dirigidas ao ensino fundamental.
Para além do papel meramente coesivo dos elementos
referenciais, o debate sobre suas funções argumentativas é hoje
uma das mais relevantes discussões em pauta nos estudos
textual-‐discursivos. Embora muitos autores, desde os trabalhos
208
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
inaugurais de Mondada e Dubois (MONDADA, 1994; MONDADA
& DUBOIS, 1995) sobre “a construção dos objetos de discurso”, já
apontem para a natureza intencional, ideológica e subjetiva da
referenciação, é necessário dizer que o tema não se esgota,
principalmente no que concerne à sua aplicação nas atividades
de leitura, compreensão e produção.
Partindo desses princípios e apoiando-‐se em um quadro
teórico já definido pela linguística interacional, este trabalho
segue dividido em outras cinco seções: nas próximas três, serão
retomados os aspectos teóricos sobre a referenciação, bem como
o papel argumentativo dos objetos de discurso – com focalização
das modalidades anafóricas –, a partir de autores consagrados na
área, como Mondada e Dubois (2003), Koch e Marcuschi (1998),
Koch (2004, 2005), Marcuschi (2004, 2005) e Cavalcante (2011);
na quinta, será observado, primeiramente, se e como o tema é
abordado nos livros didáticos analisados e, em seguida, serão
propostas atividades em torno de um texto jornalístico extraído
de uma das coleções; a última parte é dedicada às considerações
abstraídas a partir da articulação entre o percurso teórico feito e
as análises desenvolvidas.
209
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2. O PARADIGMA DA REFERENCIAÇÃO
A fim de discutir questões teóricas concernentes ao
quadro amplo da referenciação e, na seção seguinte, sobre a
função de orientação argumentativa das expressões referenciais
no texto, estabelecemos um diálogo entre autores reconhecidos
por dedicar boa parte de suas pesquisas ao estudo do tema no
campo mais amplo das teorias do texto e do discurso.
Uma vez que a questão da referência é assunto dos mais
frequentes nos debates sobre a relação entre linguagem e
mundo, é importante, a princípio, trazer à tona a lembrança de
que a teoria da referenciação surge como uma resposta a outro
modelo teórico que corresponde a uma visão puramente
referencialista da linguagem, na qual referir significa representar
diretamente e extensionalmente os objetos do mundo. Essa
tendência pressupõe a estaticidade da língua e não considera a
interferência dos sujeitos na construção dos sentidos, o que
ilustra claramente, na crítica de Mondada e Dubois (1995, p.19),
“um poder referencial da linguagem que é fundado ou legitimado
por uma ligação direta (e verdadeira) entre as palavras e as
coisas”.
210
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Alves Jr. (2011) comenta que, ao questionar a concepção
referencialista, essas autoras operam um aprofundamento na
noção de referência, descartando a suposta relação de
correspondência e estabilidade entre as palavras e as coisas.
Passa-‐se, então, no contexto da virada cognitivista, a considerar
as experiências perceptiva e cognitiva no quadro da significação
referencial, na busca por compreender “como as atividades
humanas, cognitivas e linguísticas estruturam o mundo e lhe dão
um sentido” (MONDADA & DUBOIS, 1995, p.20). No interior
desse novo paradigma, não se focalizam mais as relações
referenciais em si, mas o processo desencadeado a partir dessas
relações: a referenciação.
O paradigma cognitivo logo é ampliado para uma
perspectiva sociointeracionista, e passa-‐se a conceber o papel
ativo dos sujeitos na construção de sentidos no (e pelo) texto.
Essa mudança de uma tendência extensionalista da linguagem
para uma de teor interacional e discursivo é bem explicitada por
Koch e Marcuschi (1998, p.173), no que tange à atividade
referencial:
Referir não é mais atividade de "etiquetar" um mundo existente e indicialmente designado, mas sim uma atividade discursiva de tal modo que os referentes passam a ser objetos-‐de-‐discurso e não
211
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
realidades indepndentes. Não quer isso dizer que tudo se transforma numa panacéia subjetivista, mas que a discretização do mundo pela linguagem é um fenômeno discursivo. Em outros termos, pode-‐se dizer que a realidade empírica, mais do que uma experiência estritamente sensorial especularmente refletida pela linguagem, é uma construção da relação do indivíduo com a realidade.
Enfim, o estudo da referenciação permite uma formulação
cada vez mais consensual de que os referentes ou objetos de
discurso são construídos e reconstruídos pelos sujeitos – “atores
sociais” – no curso das atividades cognitivo-‐discursivas que são as
práticas de linguagem. Nesse novo paradigma não há espaço
para se afirmar que a realidade é concebida em termos de
correspondência com um mundo previamente discretizado, pois
isso eliminaria a singularidade de cada ato de enunciação, o qual,
sabe-‐se, diz respeito a um evento discursivo único e irrepetível.
No bojo dos processos de referenciação, estão os
elementos lexicais, por meio dos quais fica mais evidente o
caráter variável das relações entre linguagem e mundo, por ser o
léxico, de acordo com Marcuschi (2004, p.270), “o nível da
realização linguística tido como o mais instável, irregular e, até
certo ponto, incontrolável”. Grosso modo, é dito que tal
212
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
instabilidade é fruto da variabilidade das situações de interação
com que os indivíduos se deparam e, em contrapartida, da
limitação do léxico, quando considerado em sua sistematicidade.
Em um nível discursivo, que inclui a língua, mas também o
contexto sociocognitivo e os atores sociais envolvidos na
interação com suas ações e intenções, o funcionamento do léxico
está muito mais ligado às atividades de manuseio da língua por
seus usuários, isto é, como eles agem sobre o léxico para
produzir sentido. Em síntese, são os contextos linguístico e
sociocultural que definem o sentido de determinada expressão
nominal empregada em uma situação de interação. Por exemplo,
o termo “furacão” pode se referir (e essas acepções não são
raras): a uma mulher que causou um enorme reboliço
sentimental ao passar pela vida de um homem; a uma banda
musical de sucesso que tem levantado muitos seguidores; ou,
mesmo em seu sentido mais primitivo, ao fenômeno natural que
costuma causar grandes estragos onde ocorre.
3. REFERENCIAÇÃO, LÉXICO E ENSINO
213
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Como frutos dos processos de referenciação, é posto que
os objetos de discurso são construídos pelos sujeitos no curso
dos eventos discursivos “em função de um querer-‐dizer”, como
afirma Koch (2005, p.35). Dessa forma, a autora atesta que as
escolhas lexicais não são aleatórias, mas operadas de acordo com
os propósitos comunicacionais e com a situação de comunicação.
Dito isto, é possível pensar na relevância dessas escolhas
quando a intenção do sujeito é persuadir o interlocutor, levando-‐
o a aderir a uma ideia, a uma proposta sobre o mundo. No que se
refere às expressões nominais referenciais, vale destacar que não
é apenas o nome nuclear que pode assumir um papel de
orientador argumentativo, mas também os modificadores
nominais que eventualmente entram nessas construções. Basta
pensar nos termos em destaque nas seguintes construções: o
furacão devastador, a cena impressionante, sérios problemas,
notável saber. Imaginar tais expressões sem os termos
destacados leva a concluir o forte papel avaliativo que cumprem
ao serem empregadas como formas referenciais.
Koch (2005, p.35) defende que, quando expressões
nominais são empregadas, “uma de suas funções textual-‐
214
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
interativas específicas é a de imprimir aos enunciados em que se
inserem, bem como ao texto como um todo, orientações
argumentativas conformes à proposta enunciativa do seu
produtor”.
É necessário esclarecer, quando se fala em orientação
argumentativa, que a noção de argumentação a que essa função
se refere em nada se refere àquela ligada à estrutura
argumentativa ou ao modo de organização argumentativo
(CHARAUDEAU, 2008). Tal conceito diz respeito ao nível
macrotextual, e pode-‐se dizer, didaticamente falando, que é um
conceito mais produtivo no ensino de produção de textos do que
no de leitura. A função de orientação argumentativa das
expressões nominais referenciais é assim denominada por conta
do caráter avaliativo de certas construções, e diz respeito, pois,
ao nível microtextual. Basta verificar, ao longo de um texto, como
essas expressões, quando são avaliativas, orientam o leitor em
direção a um posicionamento, um ponto de vista colocado no
texto.
Partindo desse pressuposto, defendemos que as
atividades com textos em sala de aula devem contemplar a
abordagem da referenciação, por entendermos que os
mecanismos de operação desse processo dão estrutura e sentido
215
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
aos textos. Esse posicionamento encontra apoio na seguinte
afirmação de Cavalcante (2011b, p.157):
Cremos que explorar, em sala de aula, os papéis que os processos de referenciação desempenham na construção dos textos e dos discursos é muito importante para o desenvolvimento das habilidades de leitura e de produção textual (...) [e] para a melhoria no desempenho da (re)construção da coerência.
Também os autores de livros didáticos de língua
portuguesa não podem negar esse conteúdo, haja vista sua
ligação direta com a “competência textual” ou “comunicacional”,
tão claramente especificadas nos PCN. Mas, mesmo que os livros
didáticos não ofereçam tal conteúdo, o professor deve estar apto
e bem disposto a trabalhá-‐lo a partir, por exemplo, de um texto
do próprio livro, levando-‐se em conta que este não é um
instrumento único e autônomo de ensino/aprendizagem. Ao
discutir sobre o que se poderia levar sobre os processos de
referenciação ao ensino, Cavalcante (2011b, p.165) recomenda
que “mergulhar, pacientemente, junto com os alunos, nesse mar
de riquezas é uma oportunidade a que o professor de língua
portuguesa não deveria se furtar”.
216
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
É com essa visão sobre a relevância dos processos de
referenciação para o ensino de língua portuguesa que o presente
artigo busca propor a abordagem específica da função
argumentativa projetada a partir das (re)categorizações
avaliativas, as quais, no amplo universo das estratégias
referenciais, transformam os referentes pela(s) mudança(s) de
designação ao longo do texto. Para Matos (2005), essas
transformações por que passam os objetos de discurso resultam
de decisões semântico-‐estruturais determinadas por fatores
extralingüísticos, tais como os propósitos comunicativos e/ou
persuasivos do locutor.
Assim, o trabalho em sala de aula com a argumentação,
observando os índices lexicais, é um campo muito farto e
interessante a explorar, e seguir esse caminho a partir da noção
de recategorização avaliativa parece ser uma opção produtiva
como proposta de ensino numa perspectiva textual.
Considerando, pois, a referenciação como um fenômeno
discursivo, que consiste na introdução, manutenção e/ou
reconstrução de objetos de discurso, o que se apresenta a seguir,
de forma bem sucinta, são os pressupostos dos processos
referenciais. Para isso, entendemos ser necessário acompanhar
217
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
de perto alguns aspectos vinculados à noção de progressão
referencial claramente abordada em Koch (2002; 2004).
Koch (2004, p.60) defende que “a referenciação, bem
como a progressão referencial, consistem na construção e
reconstrução de objetos de discurso”. Para a autora (2002), na
construção de um modelo textual, estão envolvidos três
princípios básicos de referenciação:
1. ativação: ocorre quando um referente textual é introduzido de
forma inédita no texto, permanecendo a expressão linguística
que o representa cognitivamente disponível na memória de curto
termo;
2. reativação: um nódulo (“endereço” cognitivo, locação) já
introduzido é reativado por meio de uma forma referencial;
3. de-‐ativação: desloca-‐se o foco de atenção para um outro
referente textual, desativando-‐se o referente anterior. O
referente anteriormente em evidência, contudo, “continua a ter
um endereço cognitivo (locação) no modelo textual”, podendo
ser reativado a qualquer momento.
218
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Retomando Schwarz, Koch (2002, p.83) salienta que, “pela
repetição cíclica de tais procedimentos, estabiliza-‐se, por um
lado, o modelo textual; por outro lado, porém, ele é
continuamente elaborado e modificado por meio de novas
referenciações”. Ainda conforme a autora (id., p.85), o uso de
pronomes ou elipses, de expressões nominais definidas e de
expressões nominais indefinidas são as principais estratégias de
progressão referencial, que “permitem a construção, no texto, de
cadeias referenciais por meio das quais se procede à
categorização ou recategorização discursiva dos referentes”. A
seguir, será dado prosseguimento a essa discussão, privilegiando-‐
se as modalidades anafóricas.
4. AS MODALIDADES ANAFÓRICAS
Desde o advento da Linguística de Texto, a questão da
correferência é constantemente abordada. Nos momentos
iniciais, os processos correferenciais (anafóricos e catafóricos)
constituíam basicamente o centro do estudo das relações
referenciais. Eram poucos os autores que faziam referência, por
exemplo, às anáforas indiretas, hoje consideradas fenômenos
219
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
remissivos não correferenciais. Ainda nesse momento inicial,
também, pouco se considerava a possibilidade de retomada
anafórica de porções textuais de maior ou menor extensão, como
acontece com muita frequência quando do uso de
demonstrativos, geralmente neutros (isto, isso, aquilo, o) (KOCH,
2004, p.04).
Resumidamente, o que se considerava, nas primeiras
abordagens do tema, eram as relações coesivas, anafóricas ou
catafóricas, com retomada explícita de elementos textuais. Aliás,
somente em estudos mais recentes sobre progressão referencial
é que tem sido conferido maior espaço às relações referenciais
anafóricas operadas entre dois (ou mais) itens lexicais do texto, o
que, de acordo com Jubran (2003, p.95),
“engloba e ultrapassa a definição tradicional de anáfora como estratégia de retomada, geralmente pronominal, de um item lexical colocado anteriormente no texto, com correferencialidade entre os elementos em relação”.
Com a evolução dos estudos em Linguística de Texto e,
sobretudo, com a abordagem interacionista da linguagem, cresce
220
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
o interesse pelo fenômeno da referenciação, bem como por
outras questões decorrentes (progressão referencial, progressão
tópica, formas de articulação textual e outras), e hoje é mais do
que consensual que o emprego de formas de ativação
‘ancoradas’ – isto é, formas remissivas cuja interpretação é
viabilizada por inferenciação ou por associação, a partir de um
frame ou de conhecimentos enciclopédicos – constituem fatos da
língua, e mais: configuram-‐se como formas dinamicamente
atuantes na progressão do texto e na organização do discurso.
Às anáforas correferenciais, ficam reservados casos de
retomada direta, alguns dos quais ocorrendo:
• quando o núcleo da forma nominal repete, na íntegra ou
parcialmente, o núcleo do antecedente que está sendo
retomado;
• quando a retomada ou a predição referencial se efetuam
por meio de expressões sinônimas ou quase-‐sinônimas
(parassinônimas);
• quando a retomada se dá por meio de um hiperônimo,
um nome genérico, ou de uma descrição nominal.
221
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Sobre as anáforas diretas (AD), Marcuschi (2005, p.55) faz
uma observação esclarecedora:
Em geral, postula-‐se que as AD retomam referentes previamente introduzidos, estabelecendo uma relação de correferência entre o elemento anafórico e seu antecedente. Parece haver uma equivalência semântica e, sobretudo, uma identidade referencial entre a anáfora e seu antecedente. Na realidade, a anáfora direta seria uma espécie de substituto do elemento por ela retomado. A noção de correferencialidade é nestes casos crucial, embora nem sempre se dê de modo estrito.
Para além das formas não ancoradas, representadas assim
pelas anáforas diretas, há ainda que registrar certos
“movimentos abruptos, fusões e alusões”, correspondentes às
formas ancoradas de ativação pelas quais “a progressão textual
renova as condições de textualização e a consequente produção
de sentido” (cf. KOCH, 2002, p.85). São casos em que as relações
anafóricas ocorrem com base em um já dito ou no que será dito,
mas trata-‐se de uma relação sugerida pelo cotexto, ou seja, uma
relação indireta, motivo pelo qual são assim nomeadas as
anáforas indiretas. De modo geral, sempre que um objeto de
222
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
discurso é introduzido sob o modo do dado, em virtude de algum
tipo de associação passível de ser estabelecida via inferenciação,
caracteriza-‐se um caso de anáfora indireta.
A literatura sobre o tema é clássica, e, somente a título de
rememoração, retoma-‐se um exemplo extraído de Koch (2004,
p.65):
Uma das mais animadas atrações de Pernambuco é o trem do forró.
Com saídas em todos os fins de semana de junho, ele liga o recife à
cidade de Cabo de Santo Agostinho, um percurso de 40 quilômetros.
Os vagões, adaptados, transformam-‐se em verdadeiros arraiais.
Bandeirinhas coloridas, fitas e balões dão o tom típico à decoração.
Os bancos, colocados nas laterais, deixam o centro livre para as
quadrilhas.
Não é complexo observar a relação entre os termos trem,
vagões e bancos, mas essas relações não se estabelecem no
texto de forma direta, ou seja, não se trata de uma relação
correferencial entre esses elementos. No processo de leitura, não
há dificuldade para a compreensão, porém é certo que o esforço
cognitivo é mais complexo do que numa relação direta.
223
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ao abordar o uso das rotulações (nominalizações) no
texto, Francis (2003) fala de uma “referência difusa” para
designar a situação em que não é possível delimitar precisamente
a porção do discurso que uma expressão rotuladora encapsula.
Nesses casos, certamente a interpretação dessas formas
anafóricas requer uma complexa atividade sociocognitiva. A
autora atenta para o fato de que “nem sempre é possível decidir
onde se encontra o limite inicial de sua base de referência”
(p.200). O exemplo a seguir, extraído de Alves Jr. (2011, p.39),
ilustra essa constatação:
“Sob a justificativa de conter a criminalidade, a polícia paulista mata
cada vez mais. Relatos sobre abusos policiais e casos de inocentes
assassinados por engano por PMs aumentaram de modo alarmante
este ano, chocando a população e até as autoridades do Estado. Em
2009, a Polícia Militar matou 524 pessoas em supostos confrontos em
São Paulo – 33,7% a mais do que em 2008. De janeiro a março, a
letalidade saltou 40,8%, se comparada ao primeiro trimestre do ano
passado. E apesar do banho de sangue não se verificou a alegada
redução nos índices de criminalidade. Os delitos contra o patrimônio
permanecem em níveis elevados e os homicídios, que vinham em
queda desde o início da década, voltaram a crescer [...] Embora a
explosão de truculência seja preocupante, especialistas afirmam que
a Polícia Militar não está fora de controle, mas sim sob um
224
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
equivocado comando das autoridades responsáveis por ela” (ISTOÉ,
19-‐05-‐2010 -‐ Reportagem).
Embora seja possível proceder a algumas suposições, a
tarefa de delimitar com precisão a exata porção de texto
encapsulada pelas expressões a letalidade, o banho de sangue e
explosão de truculência se torna complexa.
Assim, pode ser que o referente transformado em objeto
de discurso pelo rótulo o banho de sangue seja o período
anterior [De janeiro a março, a letalidade saltou 40,8%, se
comparada ao primeiro trimestre do ano passado.] ou até os dois
períodos anteriores [Em 2009, a Polícia Militar matou 524
pessoas em supostos confrontos em São Paulo – 33,7% a mais do
que em 2008. De janeiro a março, a letalidade saltou 40,8%, se
comparada ao primeiro trimestre do ano passado]. E não se pode
desprezar o fato de que todo o conteúdo anterior ao sintagma
nominal o banho de sangue pode ser compreendido como a
porção de discurso por ele encapsulada. E o que dizer da
expressão metafórica explosão de truculência, cujo referente
não é possível delimitar?
225
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Certamente, as três rotulações em evidência formam uma
cadeia referencial em que a força argumentativa do texto é
sugerida por uma gradação, de acordo com a ordem em que elas
aparecem – (1ª) a letalidade, (2ª) o banho de sangue e (3ª)
explosão de truculência. Assim, a estratégia argumentativa se
configura pela ascensão avaliativa das três expressões no texto,
sendo a 1ª a mais neutra e a 3ª a que expressa um juízo de valor
mais evidente – se é que podemos falar em uma escala
argumentativa.
O exemplo acima evidencia o papel do sujeito nas
escolhas lexicais para essas construções. Nesse sentido, Koch
(2001, p.84) destaca que “a escolha da metáfora adequada é
importante para realizar a avaliação e, em decorrência,
estabelecer a orientação argumentativa do texto”.
Francis (2003, p.211) encara a rotulação como um recurso
de coesão textual, mas não deixa de mencionar o poder dos
rótulos ao “adicionar algo novo ao argumento indicando a
avaliação do escritor das proposições que eles encapsulam”. A
autora considera ainda que “a extensão precisa do discurso a ser
seccionada pode não importar: é a mudança de direção
assinalada pelo rótulo e seu ambiente imediato que é de crucial
importância para o desenvolvimento do discurso” (p.200).
226
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
É nessa função argumentativa que a seção seguinte deste
trabalho se concentra, e ela não se restringe somente às
rotulações. Ocorre também por meio de anáforas diretas e
indiretas. A classificação das rotulações como uma espécie de
anáfora indireta não será discutida e é bem explorada por
Cavalcante (2011b).
O que interessa aqui é que o papel argumentativo
desempenhado pelas expressões referenciais anafóricas é algo a
ser considerado nas atividades de leitura, e muito relevante para
a formação de leitores conscientes e críticos, que saibam avaliar
as opiniões expressas em um texto, podendo aderir ou não a
elas.
5. REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS
DIDÁTICOS
5.1 Análise das coleções
Nesta seção, serão breves análises de duas coleções de
livros didáticos de língua portuguesa, buscando observar se elas
contemplam a abordagem da referenciação por meio de
227
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
expressões nominais – bem como sua função argumentativa – e
que relevância é dada ao tema em cada uma delas. As coleções
são destinadas ao ensino fundamental regular. São elas: Para ler
o mundo, publicada pela Editora Scipione e elaborada pelas
autoras Graça Sette, Maria Angela Paulino e Rozário Starling; e A
aventura da linguagem, publicada pela Editora Dimensão e
elaborada pelos autores Luiz Carlos Travaglia, Maura Alves de
Freitas Rocha e Vânia Maria Bernardes Arruda-‐Fernandes.
5.1.1 Para ler o mundo
Nesta coleção, no volume dedicado ao 6º ano, a primeira
evidência de abordagem da referenciação é observada na seção
Gramática em uso, em que se fala sobre “a função dos numerais
na organização de um texto” (p.84) e sobre as formas como
certos itens lexicais são usados para se referirem a nomes e
expressões do cotexto. Esse procedimento se repete na página
132, focalizando-‐se a “função dos substantivos e dos numerais na
construção da notícia”. Ainda nesta página, encontramos uma
atividade relevante de interpretação escrita de uma notícia cujo
título é “Vira-‐lata salva garotos de ataque de pit bull”. Na
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
atividade, é requerido que se identifiquem, dentre quatro
alternativas, aquelas que confirmem que “a jornalista, além de
contar os fatos, manifesta sua opinião” através de marcas
linguísticas de manifestação da subjetividade.
No volume destinado ao 7º ano, observamos que, em
poucas linhas, os autores exploram recursos linguísticos
empregados para retomar ideias (p. 44, 139), elencando nomes,
pronomes e outras expressões. No entanto, nenhuma atividade
envolvendo referenciação e argumentação é encontrada.
No volume do 8º ano, destacamos a menção às
retomadas por meio de pronomes, sinônimos, hiperônimos e
repetição de palavras (reiteração), embora os autores não
explorem essas estratégias, tão comuns na progressão referencial
dos textos e muito produtivas como mecanismos
argumentativos. Um exercício na página 202 aborda “a função
argumentativa dos adjetivos na reportagem”. Nele, é requerido
que se identifiquem adjetivos que expressem avaliações positivas
dos redatores de uma reportagem em alguns trechos. Não
observamos, no entanto, o cuidado em avaliar o adjetivo em seu
contexto linguístico de ocorrência, como a expressão referencial
em que ele se insere – no caso, construções como belas ruínas, o
antigo pelourinho e estado bruto.
229
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O último volume (9º ano), ao contrário do que se
esperava, não apresenta avanços significativos quanto à
abordagem da referenciação. Como a maioria dos textos
empregados no volume é do universo literário, os autores optam
por destacar fenômenos como os coloquialismos, elementos da
narrativa, além de privilegiarem conteúdos gramaticais.
5.1.2 A aventura da linguagem
A maior evidência de abordagem da referenciação nesta
coleção é verificada na seção Aprendendo mais sobre coesão, que
não aparece em todos os capítulos dos volumes.
No volume destinado ao 6º ano, já é mencionada, por
exemplo, a substituição de palavras, expressões ou trechos por
um pronome, a fim de evitar a repetição desnecessária,
relacionar os elementos do texto e garantir a manutenção do
tema. Da mesma forma, a elipse também é elencada como
estratégia de coesão. Ainda no mesmo volume, a substituição
pronominal e a elipse são retomadas, e os autores acrescem,
como elementos de coesão, os advérbios (“lá”, “aqui”, “ali”), os
pronomes demonstrativos (“isto”, “isso”, “aquilo”) e, por fim, as
230
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
anáforas construídas a partir de um substantivo, formando
expressões nominais. Entre as atividades propostas, os autores
questionam sobre a diferença entre o emprego de um pronome e
o emprego de uma expressão nominal no texto. A partir de uma
sequência de texto, os autores sugerem:
Discuta com seus colegas e diga qual é a diferença entre o
emprego de “ele” em vez de “o doido”.
Destacam, assim, a ideia de que quando um autor usa um
substantivo como recurso de coesão, ele escolhe um termo que
ajuda a mostrar sua opinião sobre o assunto (p. 241). O mesmo é
dito sobre os adjetivos. Nas palavras dos autores, “ao usar os
adjetivos, quando falamos ou escrevemos damos características
dos seres, ou melhor, apresentamos os seres como os vemos ou
percebemos” (p.214).
No volume destinado ao 7º ano, todas as definições e
explicações encontradas no volume anterior são revisitadas de
forma breve, e na primeira aparição do tema “coesão”, os
autores mostram como os numerais (“primeiro” / “primeira”;
“segundo” / “segunda”...) podem ser produtivos elementos de
retomada/referência. Em seguida, é proposta uma produção de
231
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
texto usando esses elementos. As atividades propostas neste
volume já se mostram consideravelmente mais complexas e
relevantes, entrando em evidência os efeitos de sentido e a
subjetividade provocados pelo emprego de certas expressões
coesivas, especificamente no texto jornalístico (cf. seção
“Aprendendo mais sobre coesão”, p. 117). Como atividades de
compreensão, os autores, após uma reportagem apresentada nas
páginas 109-‐112, propõem:
Na reportagem, o jornalista utiliza-‐se de termos diferentes para
se referir à Maria Marreta como, por exemplo, menina pobre, a
primeira e única boxeadora amazonense e campeã brasileira.
Essa forma de fazer a referência é uma estratégia que possibilita
ao produtor do texto construir uma imagem progressiva de
Maria Marreta, ou seja, cada termo acrescenta novas
informações e ideias a respeito da mesma pessoa ou ser.
1. Que outros termos são empregados no texto para
caracterizar Maria Marreta?
2. Que efeito de sentido o jornalista acarretaria se tivesse usado
apenas Maria Marreta em todo o texto?
São atividades desse tipo que, a nosso ver, estimulam o
senso crítico dos alunos, e os textos jornalísticos são excelentes
ferramentas para a formação de leitores competentes, que
232
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
saibam avaliar as opiniões alheias e, ao mesmo tempo, expressar
seus próprios pontos de vista.
No volume destinado ao 8º ano, a retomada do tema é
acompanhada de uma novidade: os autores mostram, na página
335, que, entre os elementos que apontam para um referente
textual, estabelecendo a coesão, existem aqueles que
“antecipam outros que vão aparecer no texto”, o que caracteriza
a referência prospectiva (ou catáfora). Em seguida, propõem
exercícios de identificação dos referentes antecipados por
pronomes e expressões nominais que atuam prospectivamente.
A função argumentativa, no entanto, não é explorada de forma
relevante neste volume.
O volume destinado ao 9º ano traz, na seção Aprendendo
mais sobre organizadores textuais, a ideia de que certas palavras,
expressões ou frases “contribuem para articular as partes de um
texto, marcar mudanças no assunto tratado ou no modo de
abordá-‐lo” (p.57), garantindo, entre outros aspectos, a coerência
do texto. Alguns desses organizadores textuais (“a partir deste
momento”, “depois disso”, “por esta razão”),
consequentemente, atuam como elementos referenciais, embora
isso não seja mencionado.
233
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
6. PROPOSTAS DE ATIVIDADES
O texto a seguir, extraído do volume do 7º ano da coleção
Para ler o mundo, será, após sua transcrição, o ponto de partida
para uma série de atividades que propomos aqui com a
finalidade de explorar a função argumentativa de certas
expressões referenciais. Trata-‐se de uma reportagem
originalmente publicada no Correio Brasiliense.
A opção por propor atividades a partir de um texto
extraído da coleção Para ler o mundo decorre da menor
relevância dada ao tema nesta coleção, visto que, nela, é possível
ampliar as possibilidades de abordagem da referenciação. Vale
destacar, contudo, que o texto é bem trabalhado nas atividades
propostas na coleção – inclusive no que se refere à questão da
função argumentativa das expressões nominais referenciais –, e
que o objetivo aqui é menos o de lançar um olhar crítico do que o
de oferecer alternativas ao professor de língua portuguesa que
faz uso desta coleção.
Menino resistiu a preconceitos e se tornou desenhista de projetos
arquitetônicos
234
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Conceição Freiras – Correio Brasiliense
Tarzan era o apelido do professor de educação física da 3ª
série do Colégio Parisiense, uma escola particular do Rio de Janeiro
nos anos 40. O homem era forte, alto, louro, como cabia a um rei das
selvas. Havia um único aluno negro na sala. Chamava-‐se Willy, tinha 8
anos, era o único filho de Antônio Bezerra de Mello, motorista de táxi
e de Carmem, dona de casa e bordadeira. E sobrinho único de tios
maternos. “Fui o menino mais paparicado do mundo”, conta hoje
Willy, 65 anos depois do acontecimento que se segue.
O professor de educação física pediu aos alunos que
corressem em volta do campo de futebol. E só poderiam parar de
correr quando ele determinasse. E Tarzan o fazia chamando cada um
pelo nome: Pedro, João, Estefânia e... “Miquimba” (em iorubá, termo
depreciativo que pode significar, num xingamento, “coisa” ou
“macaquinho”). “Miquimba, para!”, Tarzan ordenou olhando para
Willy. “Esse não sou eu”, disse para si mesmo o menino negro.
“Miquimba, pode parar!”. O garotinho continuou correndo e
repetindo: “Esse não sou eu”. Willy correu até que as pernas
perderam as forças e ele caiu. Resultado: Tarzan lhe deu uma bronca
e um castigo. Como dever de casa teria de preencher uma folha de
papel almaço, da primeira à última linha, com a frase: “Devo
obedecer meus professores”, método pedagógico muito comum nos
anos 40 e que duraria mais um bom tempo.
235
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Dona Carmem condoeu-‐se com a tripla humilhação do filho,
a de ter sido chamado de Miquimba, a de ter levado uma bronca e
ainda a de ter de cumprir um castigo. Mãe e filho temiam pela reação
do pai, um negro orgulhoso da cor da pele que convivia com
intelectuais nos bares do Rio de Janeiro e que tinha visto de perto a
vida dos negros num dos países mais segregacionistas do mundo, à
época, os Estados Unidos.
“Cumpra o castigo, entregue para o professor, mas se ele te
chamar de Miquimba novamente, aja do mesmo jeito que agiu”. Filho
e mãe recobraram as forças. E ela passou a noite bordando o nome
do garoto no casaco que ele usava nos dias de frio. No dia seguinte, o
aluno negro do professor louro chegou à mesa dele, entregou o
castigo, apontou o dedinho para o bordado e disse: “Este é o meu
nome”.
Orgulho e herança
Willy Bezerra de Mello tem esse nome em homenagem a um
grande amigo do pai, durante o tempo em que morou nos Estados
Unidos. No início do século 20, Antônio Bezerra de Mello largou a
cidade onde nasceu, Recife, para fugir de uma epidemia de varíola,
tomou um navio às margens do Rio Capiberibe e passou 13 anos no
país da Ku Klux Klan. Mas os filhos e oito dos nove netos de Willy têm
nomes africanos. Os filhos: Kenya, Mali, Luena, e os gêmeos Ialê e
Kwane.
236
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Antes de cultivar o orgulho pela história da resistência dos
negros às humilhações dos brancos, Willy sempre gostou de desenhar
formas arquitetônicas (e mais tarde formas geométricas, além de
figuras negras). Seu traço está em algumas das grandes obras de
Brasília. Ele foi um dos desenhistas do Departamento de Urbanismo e
Arquitetura da Novacap, desde o tempo do barracão construído onde
hoje é o Palácio da Justiça. Detalhou projetos de arquitetura de
dezenas de obras modernistas da cidade. Os banheiros do Congresso
Nacional, por exemplo, saíram dos esquadros de Willy. Com a
inauguração da cidade, o desenhista foi chefiar a fiscalização de obras
da Novacap, depois trabalhou na Fundação Cultural.
Quando veio para Brasília, em 1958, o menino que correu até
cair já era um homem, tinha 23 anos. Deixou no Rio uma namorada
firme, hoje sua ex-‐mulher, e uma mãe apreensiva: “Onde é Goiás?
Ninguém sabe onde é Goiás?”. Era longe. Depois de mais de três
horas de vôo, Willy desceu no aeroporto de Brasília e procurou por
um carro na Novacap que o estaria esperando. Era um sábado, 15 de
agosto de 1958. Havia muitos táxis, alguns jipes e um caminhão
amarelo com a inscrição da empresa que administrou a construção de
Brasília. Todos os passageiros encaminharam-‐se para a saída,
entraram nos táxis e nos jipes e foram embora. “Ficamos só eu e o
caminhão. Eu digo: Bom o jeito é pegar uma carona ir para um hotel e
esperar segunda-‐feira”.
Bom humor
237
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Procurou pelo motorista do caminhão que também estava
meio atrapalhado. “Estou esperando um gringo e o homem não
apareceu”. Foi quando Willy desconfiou do que estava acontecendo:
“Como é o nome desse gringo?”. E o motorista: “Um tal de Willy”. E o
tal de Willy: “É, eu estava esperando um carro, veio um caminhão.
Você estava esperando um gringo, veio um negro. Desse jeito
ninguém ia achar ninguém”.
O artista plástico Olumello e o desenhista Willy são a mesma
pessoa. Olumello (“seu Mello”, em iorubá) foi a composição que Willy
encontrou para se livrar da inveja que tinha do nome africano dos
filhos. “Eu ia carregar nome de gringo pro resto da vida?”, pergunta o
artista, meio brincando, meio exercendo seu infatigável ativismo
negro. Desde menino, Willy fortaleceu raízes africanas. Aos 12 anos,
já pertencia à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos, ordem religiosa criada entre os séculos
17 e 18 para proteger sob o manto do sincretismo religioso, negros
escravos e libertos. Ele e a ex-‐mulher, Lydia, são históricos militantes
do movimento negro, primeiro no Rio de Janeiro, depois em Brasília.
Do gosto pelo traço livre do risco arquitetônico, do fervor
com que cultivou a herança cultural africana, da influência de Rubem
Valentim e Athos Bulcão nasceu o artista plástico Olumello que,
desde o 1º Salão de Arte Moderna de Brasília, participa de exposições
coletivas e individuais. Sua obra está no acervo do Museu Afro, em
São Paulo. Mas a maior parte dela – bico de pena, colagem tapeçaria,
238
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
pintura em acrílico – está nas paredes e nos armários de sua casa, no
Guará 2.
[...]
Ø Proposta de atividade 1:
O texto fala sobre a trajetória do artista plástico Olumello. Vários
nomes e expressões são usados para se referir a ele, tais como
“menino” (título) e “um único aluno negro” (linhas 3 e 4), esta
última, aliás, estrategicamente utilizada tendo em vista a
temática do preconceito racial. Nos parágrafos 2, 4 e 7,
identifique e transcreva, após atenta leitura, outras expressões
que façam referência ao protagonista e que reforcem a discussão
sobre racismo no texto.
Gabarito: “o menino negro” (linha 13); “o aluno negro do
professor louro” (linha 29); “o menino que correu até cair” (linha
49).
Ø Proposta de atividade 2:
239
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Em sua opinião, qual é o objetivo do texto ao reiterar o termo
Tarzan para se referir ao professor de educação física nos
primeiros parágrafos?
Gabarito: Provavelmente para enfatizar as características físicas
dele – forte, alto e louro – em oposição ao aluno negro. Assim,
fica mais evidente a atitude preconceituosa contra o menino.
Ø Proposta de atividade 3:
No 5º parágrafo, a que se refere a expressão “país da Ku Klux
Klan”? Que relação pode haver entre tal expressão e a temática
abordada no texto? (Você pode pesquisar em sites de busca ou
consultar seu professor de história sobre o que veio a ser a Ku
Klux Klan).
Gabarito: A expressão retoma Estados Unidos, e é assim
empregada devido à fama pela qual este país ficou conhecido
devido a um violento movimento segregacionista denominado Ku
Klux Klan, que teve início no século 19 e se estendeu até meados
do século seguinte. Tratava-‐se de uma ordem de homens adeptos
ao protestantismo e ao ideal da supremacia branca, e que, por
conta de seu obstinado preconceito, agrediam de diversas formas
e matavam pessoas negras em certas regiões dos EUA.
240
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Já que o texto fala sobre um personagem que teve que lutar
contra o preconceito racial, podemos notar que a expressão “o
país da Ku Klux Klan” realça essa ideia.
Ø Proposta de atividade 4:
a) Como Olumello (ou Willy) encarou a difícil trajetória de
preconceitos durante sua vida?
Gabarito: Ele encarou com muita firmeza e coragem, pois apesar
das dificuldades impostas a ele e à família, conseguiu se tornar
um importante artista.
b) Nos dois últimos parágrafos do texto, o personagem central
passa a ser categorizado por meio de algumas expressões que
acentuam sua ascensão profissional. Identifique e transcreva
algumas dessas expressões.
Gabarito: “o artista plástico Olumello” (linha 65); “o desenhista
Willy” (linha 65); “o artista” (linha 68).
Ø Proposta de atividade 5:
241
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Explique a que parte do texto se refere a expressão “o
acontecimento que se segue” (linha 7). De que maneira você
qualificaria esse “acontecimento” utilizando um adjetivo?
Gabarito: essa expressão faz referência a um fato ocorrido com
Olumello nos tempos de escola, ocasião em que sofreu
preconceito por parte de seu então professor de educação física.
Pode-‐se dizer que a expressão resume, de forma antecipada, todo
o parágrafo seguinte.
Em minha opinião, esse foi um acontecimento “triste”, “infeliz”,
“desagradável”, “marcante” etc.
7. CONCLUSÕES
A trajetória percorrida desde as considerações teóricas
até a análise das coleções e as propostas de atividades constitui-‐
se, a nosso ver, em uma dupla finalidade: a de chamar a atenção
sobre as ricas contribuições de uma abordagem textual-‐
discursiva, como perspectiva teórica, para o ensino de português;
e a de demonstrar ao professor possibilidades de aplicar essa
abordagem a partir de uma excelente coletânea de textos que é
242
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
o livro didático. Afinal, o professor pode propor atividades que
não são contempladas no livro didático, e que, a depender do
contexto escolar, podem ser mais apropriadas.
A reportagem transcrita na seção anterior mostra que não
são somente os gêneros textuais de caráter opinativo os
responsáveis por defender pontos de vista. Muitas pesquisas têm
confirmado que a impessoalidade no texto é uma ilusão, e que
alguns dos gêneros ditos informativos se revestem de uma
máscara de neutralidade para camuflar a parcialidade da
instância enunciativa, que é caracterizada pela subjetividade.
Buscamos mostrar, dessa forma, que certas expressões
constituem marcas que denunciam essa subjetividade nos textos,
que é o que os tornam veiculadores de pontos de vista, opiniões,
avaliações sobre fatos, pessoas, objetos. Assim, a identificação de
índices contextuais que levam à recategorização do referente é
muito eficiente para se observar como o objeto de discurso pode
ser introduzido, transformado e/ou desativado de acordo com os
propósitos comunicativos do autor do texto.
Acreditamos que dedicar mais tempo e importância aos
aspectos argumentativos da referenciação no ensino de língua é
um caminho muito produtivo para a formação de leitores
243
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
conscientes, que não se deixam levar pela opinião que o texto
apresenta, mas que avaliem os pontos de vista expressos,
podendo concordar ou não com eles.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
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246
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A (nã0) abordagem da referenciação em dois livros
didáticos do Ensino Médio
TOMAZ, Natália Rocha Oliveira (UFRJ)
1. INTRODUÇÃO
A década de 1990 representa um marco para a Linguística
de Texto. Isso porque, na Suíça, Lorenza Mondada introduzia os
primeiros estudos acerca da referenciação, fundamentais para
redefinir o que antes se convencionou chamar de Mecanismos
coesivos.
Hoje, além de Mondada, Dubois, Koch e Marcuschi são
nomes indispensáveis para os estudos da referenciação, junto a
muitos outros pesquisadores que vêm discutindo novas formas
de enxergar os processos coesivos no texto. É fundamental,
portanto, percebermos a grande transformação do conceito de
referente como uma construção coletiva que é partilhada entre
os coparticipantes da enunciação.
247
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Assim, após o contato com esses estudos, parece-‐nos
difícil ainda enxergar a referenciação como uma relação entre
expressões referenciais e marcas cotextuais explícitas
(CAVALCANTE et al., 2010, p. 235) quando sabemos que, além de
elementos linguísticos, esse processo é também cognitivo.
A partir desse panorama, analisaremos, neste artigo, duas
coleções de livros didáticos do Ensino Médio, muito diferentes
entre si no que se refere ao tratamento da referenciação:
Português: contexto, interlocução e sentido, de Maria Luiza M.
Abaurre, Maria Bernadete M. Abaurre e Marcela Pontara (Editora
Moderna), e a coleção Viva Português -‐ Ensino Médio, de
Elizabeth Campos, Paula Marques Cardoso, Silvia Letícia de
Andrade (Editora Ática). Nosso objetivo é analisar criticamente o
que se diz ou o que se poderia dizer sobre referenciação nesses
livros didáticos, considerando que são livros aprovados pelo MEC
para uso em sala de aula.
De acordo com os PCN de Língua portuguesa, o ensino da
Língua deve ser baseado em três objetivos essenciais: leitura,
produção textual e análise linguística. Segundo Koch e Elias
(2006, p. 11):
248
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O sentido de um texto é construído na interação
texto-‐sujeitos e não algo que preexista a essa
interação. A leitura é, pois, uma atividade
interativa altamente complexa de produção de
sentidos, que se realiza evidentemente com base
nos elementos linguísticos presentes na superfície
textual e na sua forma de organização, mas requer
a mobilização de um vasto conjunto de saberes no
interior do evento comunicativo.
Dessa forma, para integrar o conjunto de saberes aos
mecanismos linguísticos, o estudo da referenciação deveria fazer
parte dos livros didáticos. Nesse processo coesivo, há elementos
linguísticos com múltiplas funções: indicar pontos de vista,
conduzir os direcionamentos argumentativos, recategorizar
objetos do discurso. Se esse estudo é ignorado, o
reconhecimento da unidade do texto por parte do aluno pode
não se efetivar. Essa falta de abordagem da referenciação nos
livros didáticos pode culminar em uma análise estanque de frases
soltas que não correspondem a enunciados, tampouco fazem
sentido fora de contexto.
Ainda que, neste breve artigo, apenas duas coleções
tenham sido privilegiadas, nosso maior objetivo é tentar
compreender o processo de referenciação à luz da Linguística de
249
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Texto, relacionar a teoria existente à realidade da sala de aula
por meio dos livros didáticos e propor possibilidades de
abordagem do assunto nesses livros. O material didático de
Língua Portuguesa deve ser uma tentativa de tornar a Língua
pertinente para a vida dos alunos, fazer uma real integração
entre as áreas básicas em que se divide o ensino de língua
materna e formar leitores críticos, falantes e escritores mais
competentes.
2. OS PROCESSOS DE REFERENCIAÇÃO
Nos anos de 1980, a noção de referente era, certamente,
bem diferente da visão atual. Entendia-‐se como referenciação o
processo cotextual pelo qual um elemento do texto remetia a
outro com que tivesse uma relação interpretativa. Essa visão,
difundida por grandes nomes, como Halliday e Hasan (apud
CAVALCANTE et al., 2010), foi, sem dúvida, muito importante
para os avanços dos estudos da Linguística de Texto, já que a
limitação dessa classificação gerou a necessidade de se
ampliarem os estudos para além da superfície do texto.
A partir desses estudos, o conceito de referente foi se
aprofundando e passou a ser definido como uma entidade
250
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
mental, construída coletivamente pelos participantes da
enunciação. Assim, não se pode negar que, em muitos casos, ele
está relacionado às estruturas sintático-‐semânticas e escolhas
lexicais presentes no enunciado, mas, acima de tudo, o contexto
sociodiscursivo e cultural é fundamental para que os
participantes da enunciação cheguem à plena comunicação.
Portanto, podemos afirmar que a noção de referenciação passa
por aspectos linguísticos, sociocognitivos, discursivos e
interacionais.
Segundo Cavalcante (2011), o referente, nessa
perspectiva, é uma entidade abstrata, imaterial, projetada pelo
enunciador na situação de comunicação com seu interlocutor.
Essa representação do referente varia tanto para o enunciador
quanto para seu coenunciador, ainda que se trate do mesmo
objeto de discurso. É uma realização, pois, subjetiva e instável. A
linguista considera ainda que, ao fazer referência a algo, damos
essência substantiva a uma entidade abstrata. Daí serem os
sintagmas nominais – e também os pronomes substantivos – as
formas mais comuns para nomear um referente, incluindo-‐se
nesse processo os sintagmas adverbiais.
251
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Segundo Koch e Elias (2006), ao construirmos referentes
textuais, podemos empregar três estratégias: a introdução
(construção), a retomada (manutenção) e desfocalização.
A introdução ocorre quando um “objeto” ou referente é
introduzido pela primeira vez em um texto a partir de uma
expressão linguística que se destaca, que é focalizada no texto.
Já a retomada acontece se houver a reativação de um
referente já expresso no texto, mantendo o objeto de discurso
em evidência. É importante ressaltar que quando não há
manutenção de um “objeto” introduzido explicitamente no texto,
trata-‐se do caso das anáforas indiretas, em que os seus
referentes não podem ser recuperados pelo cotexto, o que
veremos mais adiante.
A desfocalização, por sua vez, trata da sobreposição de
um novo referente que passa a ser o foco do texto em um dado
momento, reduzindo a evidência de “objeto” anterior.
Entretanto, Koch e Elias (2006, p. 126) afirmam que “O objeto
retirado de foco, contudo, permanece em estado de ativação
parcial (stand by), ou seja, ele continua disponível para utilização
imediata sempre que necessário”.
Tomando como base as introduções referenciais, se a
criação de um referente se estabelece por instâncias de ordem
252
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
subjetiva, podemos afirmar que as expressões referenciais
carregam pontos de vista. A referenciação, portanto, pode
revelar a intencionalidade do enunciador e orientar o
interlocutor na construção dos sentidos, que, ainda assim,
dependerão das vivências socioculturais particulares de ambos,
num processo singular, inédito e que não se repete. Sobre esse
teor argumentativo dos processos de referenciação, Cortez
(2005, p. 318) afirma que:
[...] referência como um processo realizado no
discurso e [...] referentes como objetos-‐de-‐
discurso, que, apresentados, construídos e
desenvolvidos discursivamente, contribuem para a
orientação argumentativa do texto e a articulação
de um “projeto de sentido”.
A ideia de Cortez só pode ser compreendida se
entendermos que a referenciação é uma forma pessoal de ler o
mundo, se considerarmos as coisas do mundo como referentes
construídos e reconstruídos no discurso. Assim, a referenciação
consiste na construção de objetos de discurso, não como
referentes presentes no mundo, já que é o sujeito que está no
centro da criação do discurso, e depende do ponto de vista dos
253
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
participantes da enunciação e do contexto de interação. De
acordo com Marquesi (2007, p. 218), “a realidade é construída,
mantida e alterada não somente pela forma como
sociocognitivamente se interage com ele: interpretam-‐se e
constroem-‐se mundos por meio da interação com o entorno
físico, social e cultural”. Considerando que não há uma única
versão do mundo ou verdade universal sobre ele, podemos
afirmar que toda referência é construída de maneira social e
intersubjetivamente pelos sujeitos enunciadores, de modo que
nenhum enunciado é neutro.
Quando passamos a enxergar os processos de
referenciação como construções coletivas, percebemos que um
objeto de discurso é dinâmico o suficiente para que a
manutenção do tópico, na progressão textual, passe por
modificações, desativações ou reativações. A essas
transformações chamamos recategorização de um referente.
Assim, os processos referenciais recategorizáveis estão
presentes no transcurso da interação, pois são responsáveis por
comprovar que um objeto de discurso se reconfigura, se
transforma, seja em estruturas sintático-‐semânticas, seja pela
apreensão do contexto sociodiscursivo e cultural do enunciador e
de seu coenunciador.
254
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
3. AS ANÁFORAS NOS PROCESSOS DE
REFERENCIAÇÃO
Outro conceito que se ampliou nos estudos da Linguística
de Texto é a anáfora. Antes caracterizada como expressões
referenciais do cotexto que fazem remissão a outro elemento do
texto, a anáfora passou a abarcar também uma dimensão em que
não há mais obrigatoriedade em explicitar a expressão
referencial. É preciso reiterar que estamos tratando da anáfora
como um processo de referenciação atrelado aos aspectos
linguísticos, sociocognitivos, discursivos e interacionais. Assim,
não há mais espaço para uma visão apenas linguística, que
privilegie unicamente o campo cotextual, relacionada à anáfora.
Essas transformações no campo da referenciação implicam
alterações nos estudos não só das anáforas, mas também das
introduções referenciais, já que o antecedente de uma anáfora
pode não estar explícito no cotexto.
Quando tratamos das introduções referenciais, estamos
nos referindo a expressões que não estão relacionadas a
elementos anteriores do cotexto, são referentes novos.
Entretanto, quando uma expressão referencial, por meio de uma
255
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
remissão direta, alude a esses referentes novos, então temos um
caso de anáfora, mais precisamente de uma anáfora direta, ainda
que nessa anáfora o referente seja recategorizado.
A distinção crucial entre uma anáfora direta e uma
indireta está na relação entre essas formas de referência e seus
termos-‐âncora. Por âncora entende-‐se a relação de inferência
entre uma expressão referencial e conhecimentos diversos
ativados pela memória dos coenunciadores. Dessa forma, as
âncoras são fundamentais para os dois tipos de anáforas, seja em
uma relação correferencial – anáforas diretas – seja em uma não
correferencialidade – anáforas indiretas.
Nos casos em que ocorrem anáforas diretas, a expressão
referencial recupera o mesmo objeto de discurso antes
introduzido. Entretanto, se nos voltamos para as anáforas
indiretas, percebemos que o que se recupera, na verdade, são
referentes novos não depreensíveis do cotexto anterior, mas
pressupostos por meio de pistas do contexto ou âncoras
presentes no texto. Vejamos o que diz Koch (apud CAVALCANTE,
2011, p. 57 -‐ 58) a esse respeito:
As anáforas indiretas, por seu turno, caracterizam-‐
se pelo fato de não existir no cotexto um
antecedente explícito, mas sim um elemento de
256
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
relação (por vezes uma estrutura complexa), que
se pode denominar âncora (SCHWARZ, 2000) e
que é decisivo para a interpretação; ou seja, trata-‐
se de formas nominais que se encontram em
dependência interpretativa de determinadas
expressões da estrutura textual em
desenvolvimento, o que permite que seus
referentes sejam ativados por meio de processos
cognitivos inferenciais que mobilizam
conhecimentos dos mais diversos tipos
armazenados na memória dos interlocutores.
Nessa perspectiva, parece-‐nos claro que a melhor
distinção entre a anáfora direta e a indireta está na manutenção
de um referente já explicitado para aquela e na não retomada do
mesmo referente para esta. As anáforas indiretas não
apresentam um antecedente explícito no cotexto, mas âncoras
que são essenciais como elementos de relação entre os
significados.
Sendo anáforas diretas ou indiretas, o importante é que a
progressão referencial é projetada no texto por processos de
inferência requisitados, nesse caso, pelas anáforas a partir da
troca coletiva entre os participantes da enunciação.
257
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
4. ENCAPSULADORES: UM TIPO
ESPECIAL DE ANÁFORA INDIRETA
Ao falar de anáforas indiretas, não podemos nos esquecer
de que há um tipo particular muito comum nos textos: os
encapsuladores. Sua classificação como anáfora indireta decorre
da retomada ou antecipação de um referente que recupera
informações espalhadas, não pontuais do texto, por isso não
conseguimos encontrar termos-‐âncora na superfície do texto. Já
a sua natureza encapsuladora está relacionada à capacidade de
resumir, sintetizar conteúdos.
Criados a partir de uma informação velha com referências
novas e resumitivas, os encapsuladores podem trazer consigo
mais do que a simples retomada sintética de referentes. Também
podem ser cruciais na argumentação, quando por meio de certas
escolhas lexicais um ponto de vista é defendido. Para esse fim, as
recategorizações de referentes são muito empregadas nos
encapsulamentos, já que indicam a forma particular como o
enunciador enxerga o referente.
A visão de Francis (apud CAVALCANTE, 2011) a respeito
dos rótulos apresenta algumas singularidades em relação aos
encapsuladores. Para a autora, os rótulos são também formas
258
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
resumitivas de conteúdos do texto, mas dispõem de um traço
essencial: manifestam-‐se por sintagmas nominais.
Parece-‐nos que a visão de Cavalcante em não distinguir
rótulos de encapsuladores é a mais coerente para nosso estudo,
voltado à aplicação da referenciação nos livros didáticos e em
sala de aula, uma vez que a função textual de ambos é a mesma –
sintetizar conteúdos.
Portanto, devemos destacar a função coesiva dos
encapsuladores. Seu emprego auxilia na progressão e
manutenção de tópicos discursivos, porque marca o
encerramento de uma porção textual, direcionando o
interlocutor para o próximo estágio.
5. ANÁLISE DA REFERENCIAÇÃO NOS
LIVROS DIDÁTICOS
Nas coleções de livros didáticos Português: contexto,
interlocução e sentido e Viva Português – ambas voltadas ao
Ensino Médio e aprovadas pelo PNLD –, podemos constatar a
precariedade da abordagem sobre a temática da referenciação.
Segundo o Guia PNLD 2012 de Língua Portuguesa para o Ensino
Médio (p. 12-‐13):
259
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Experimentando diferentes caminhos, e com
diferentes graus de eficácia, todas elas trazem
textos, informações, conceitos, noções e
atividades capazes de colaborar, em maior ou
menor medida, com os objetivos oficiais
estabelecidos para cada um dos quatro grandes
objetos de ensino da disciplina: leitura, produção
de textos escritos, oralidade e conhecimentos
linguísticos.
É surpreendente perceber que a ausência de um estudo
que privilegie a referenciação como um processo coesivo
diretamente relacionado à leitura, à produção de textos escritos
ou orais e aos conhecimentos linguísticos não tenha sido notada,
já que se consideram as duas coleções aqui tratadas, além das
demais que constam do guia, como satisfatórias nesses aspectos.
5.1. Coleção Viva Português
Tomando por base a coleção Viva Português -‐ Ensino
Médio, de Elizabeth Campos, Paula Marques Cardoso e Silvia
Letícia de Andrade (Editora Ática), percebemos que há muitas
propostas interessantes, como a concretização por parte dos
260
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
alunos de projetos diversos que se baseiam nos mais variados
gêneros. Esse projetos são divididos por etapas ao longo do ano e
devem ser orientados pelo professor a partir da divisão em
grupos de alunos. Porém, as etapas dos projetos que se
relacionam ao texto escrito ou oral não aproveitam para abordar
os conceitos imbricados no campo da referenciação. Aliás, essa
temática não é mencionada no volume da 3ª série, último ano
letivo do aluno, que, teoricamente, está prestes a ingressar no
Ensino Superior. Assim, o reconhecimento e emprego de certas
referências pode se tornar tarefa difícil para o universitário, que
se depara com um ambiente mais exigente no campo da leitura e
da escrita.
No volume 1, destinado à 1ª série, encontramos algumas
menções à referenciação. No entanto, as autoras, nesses casos,
permaneceram adotando uma visão já ultrapassada sobre os
processos de referenciação, focando apenas em marcas
cotextuais, perspectiva que já se ampliou, conforme vimos no
início deste artigo. Vejamos, por exemplo, a atividade proposta
no referido volume (p. 89):
Lisbela e o prisioneiro
Osman Lins
[...]
261
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Lisbela: Meu pai, a Vitória está parecendo uma
terra sem dono. (Vendo Leléu). Ah, o senhor!
Leléu: Visitando os amigos.
Lisbela: Agora, vamos ter sossego lá em casa.
Leléu: Queira Deus.
Lisbela: Então, lhe prenderam de novo.
Leléu: Me prenderam, dona, mas eu acho que
valeu a pena. Só poder ver a senhora outra vez!
Ten. Guedes: Você não tem o que fazer aqui,
Lisbela? Pode voltar, não fale com esse homem.
Lisbela: O que é que tem? O senhor não achou que
podia levá-‐lo lá pra casa?
Ten. Guedes: Aquilo foi um erro. Um erro triste.
Lisbela: Quero que ele saiba de uma coisa: eu fui
contra aquela história de levá-‐lo.
Leléu: Por quê?
Lisbela: Não era direito.
Leléu: (Com alívio.) Ah, sim! Com isso, me
contento. Mas fiquei triste quando não lhe vi
naquele dia. A senhora, no circo. Tinha me batido
tantas palmas!
Ten. Guedes: Vá pra casa, Lisbela.
Lisbela: (Sem dar-‐lhe atenção.) Como é que você
pode se lembrar de mim? Todo mundo bateu
palmas.
Leléu: Eu só via as da senhora, moça. Num
domingo de tarde. A senhora estava na segunda
262
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
fila de cadeiras, de blusa branca e uma fita verde
no cabelo. Eu vi. [...]
4) Os textos lidos neste capítulo são compostos de
diversas frases que formam uma unidade. Essa
unidade resulta do emprego de alguns recursos
coesivos. Por exemplo: aquilo que foi dito em uma
frase é retomado nas frases seguintes com outras
palavras, assim o autor pode fazer o assunto
avançar, ao mesmo tempo que mantém o leitor
sempre ligado à ideia central do texto. Releia o
trecho que vai da fala 43 (Meu pai, a Vitória está
parecendo...) à 58 (Eu só via as da senhora...) do
texto Lisbela e o prisioneiro.
a) Quais são os termos empregados nas falas de
Lisbela para essa personagem se dirigir ou se
referir a Leléu?
b) Que termos são empregados nas falas de Leléu
para essa personagem se dirigir ou se referir a
Lisbela?
Acrescentemos ainda que as respostas são, segundo o
gabarito presente no livro, respectivamente: “o senhor, lhe, lo,
ele, você” e “dona, a senhora, lhe, (d)a senhora, moça”. Há,
inclusive, uma nota para o professor no rodapé desta mesma
página: “Prof.(a), chame a atenção dos alunos para o fato de que
263
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
os termos encontrados nos itens a e b são pronomes pessoais e
de tratamento”.
A redução da importância da referenciação é tão explícita
em ocorrências como essa, que tendemos a acreditar, a partir
dessa forma de abordagem, que o assunto se restringe a
aspectos gramaticais, já que apenas os pronomes recebem
importância nos processos coesivos.
Em outro momento, ainda no volume 1, a explicitação da
análise da referenciação como uma relação entre termos do
cotexto é reiterada por meio de um box (p. 230): “A coesão é a
ligação entre os elementos de um texto”. Por essa lógica, fica
evidente que a visão privilegiada se restringe a elementos
cotextuais apenas.
Com relação ao volume 2 para a 2ª série, da mesma
coleção Viva Português, encontramos uma referência à anáfora,
porém numa perspectiva desatualizada. Vejamos a definição e o
exemplo de anáfora (p. 71) constante do volume que estamos
analisando:
Anáfora é um recurso linguístico de coesão textual
em que um termo gramatical (pronome, advérbio,
substantivo) recupera um outro termo ou
expressão.
264
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
As pessoas saíam aos poucos da igreja. O
problema é que o lugar estava muito quente.
É importante relembrar que, segundo as concepções da
LT, a anáfora teve sua dimensão textual ampliada, a ponto de não
apresentar mais a obrigatoriedade de explicitar a expressão
referencial no texto, o que vai de encontro ao que as autoras
determinam em sua coleção no Manual do Professor.
Na continuação dessa conceituação de anáfora, o volume
passa a abordar os processos de hiperonímia e hiponímia. Aqui
também não há novidades: o assunto se restringe a vocabulário
geral ou específico e são apresentados sem relação com a
referenciação. Koch e Elias (2006), por exemplo, tratam da
hiperonímia e homonímia como casos de anáfora especificadora,
já que são formas refinadas de especificação de um referente.
Seria interessante que as autoras demonstrassem, ao menos, que
hiperônimos e hipônimos são conceitos relacionados à anáfora e
não separassem os dois assuntos como se fossem tópicos
distintos.
De modo geral, se analisarmos quantitativamente os
momentos em que, de alguma maneira, a coleção Viva Português
menciona a referenciação, ainda que com outras nomenclaturas,
265
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
chegaremos à conclusão de que os volumes praticamente
ignoraram a existência do assunto. A abordagem é rápida,
pontual e restrita aos dois primeiros volumes. Qualitativamente,
é preciso que haja atualização sobre os processos de
referenciação.
5.2. Coleção Português: Contexto,
interlocução e sentido
Diferentemente da coleção anterior, os volumes de
Português: Contexto, interlocução e sentido, de Maria Luiza M.
Abaurre, Maria Bernadete M. Abaurre e Marcela Pontara (Editora
Moderna), parecem estar no caminho para uma visão mais
moderna acerca dos processos de referenciação. Porém, esse
progresso está particularmente presente em apenas um volume,
o que compromete a proposta da coleção como um todo se
analisarmos os demais volumes.
Tal qual ocorreu em Viva Português, também não
encontramos qualquer menção à referenciação no volume 3 da
coleção Português: Contexto, interlocução e sentido. Os capítulos
da parte de gramática ficam restritos ao estudo das orações,
crase e pontuação. Ainda nessa parte, a unidade 4, “Articulação
266
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
dos termos na oração”, poderia tratar do referente, mas
concordância e regência são os conceitos aprofundados ali. Em
seguida, em outra parte, “Produção de texto”, privilegiam-‐se as
características de gêneros textuais. Em vários gêneros
apresentados pelas autoras, a referenciação poderia ser inserida,
seja abordando sua importância na construção de sentido dos
textos, ou mesmo na elaboração textual. Nada disso ocorre.
No volume 1, há vários momentos em que a referenciação
poderia estar mais clara. As autoras exploram teorias e exercícios
voltados, por meio das variações linguísticas, a gírias ou jargões.
Afirmam que quem não tem conhecimento específico das
referências dessas expressões não compreenderá os termos. E
ainda acrescentam que essas expressões fazem parte, muitas
vezes, do vocabulário de um grupo específico e definem quem
são os interlocutores do texto.
Embora não mencionem diretamente os conceitos
envolvidos na referenciação, as autoras valorizam, na relação
comunicativa de expressões e significados, o aspecto interacional
do discurso, o que já é um fator positivo na coleção.
O volume 1 traz ainda (p. 265) uma parte que se intitula
“Usos das relações lexicais na construção da coesão textual”,
porém dá-‐se ênfase a retomadas vocabulares de referentes
267
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
explícitos. Por outro lado, as autoras valorizam a ideia de campo
semântico como fator responsável pelas relações de sentido
construídas em um texto.
As autoras surpreendem nesse mesmo volume quando
comentam o texto “Vaguidão específica”, de Millôr Fernandes,
em que a falta de referentes explícitos é o elemento de humor
para o leitor. Após o texto, afirmam (p. 243):
A leitura do texto sugere que essas duas mulheres
sabem muito bem sobre o que estão falando. O
leitor, porém, não é capaz de identificar as
referências que podem atribuir um sentido
específico aos enunciados do diálogo. Isso
acontece porque ele não tem conhecimento do
contexto em que se produziu essa interlocução. O
humor do texto nasce da impossibilidade de
compreensão da conversa das duas mulheres.
Esse texto é um exemplo extremo da exploração
de uma característica marcante da linguagem: ela
é indeterminada. Isso significa que a
responsabilidade por dizer ou não dizer algo, pelo
grau de explicitação a que se quer chegar, pela
escolha de enunciados ambíguos, é do falante, que
tem sempre um trabalho a realizar a partir das
268
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
possibilidades que a língua coloca à sua
disposição.
Nesse fragmento, podemos notar a valorização das
autoras aos aspectos linguísticos, sociocognitivos, discursivos e
interacionais dos processos de referenciação. Seria interessante
que se destacasse a importância da construção coletiva do
referente a partir do papel fundamental também do interlocutor.
Já no volume 2, as autoras retrocedem dessa visão, por
exemplo, quando em um box definem anáfora como “processo
linguístico por meio do qual um termo recupera outro termo que
o antecedeu em um texto” (p. 368). Fica claro que estão tratando
do conceito antigo de anáfora, que privilegiava apenas os
mecanismos linguísticos explícitos do texto.
O volume 2 traz, inclusive, uma seção dedicada à coesão e
coerência, tratando dos conceitos de anáfora e, agora, catáfora.
A abordagem, no entanto, se volta apenas para os mecanismos
linguísticos de retomada ou antecipação, de substituição, de
repetição ou reiteração e de contiguidade. O volume 2 não
amplia o conceito de referente como ocorreu no volume 1.
Assim, comparando as coleções Português: Contexto,
interlocução e sentido com Viva Português, percebemos grande
269
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
diferença em relação à abordagem sobre referenciação.
Acreditamos que, se houvesse uma continuidade nos volumes 2 e
3 do estudo feito no volume 1 em Português: Contexto,
interlocução e sentido, os conceitos de referenciação poderiam
ser construídos pelos alunos de forma mais completa, intrínseca
e natural ao chegarem à 3ª série, mas o que vimos foi um estudo
que principia em uma razoável abordagem da referenciação no
volume 1 e desaparece nos dois volumes seguintes.
6. PROPOSTAS DE ATIVIDADES
Com base nos conceitos mais recentes relacionados à
referenciação e tendo em vista a abordagem insuficiente ou nula
– em alguns momentos – desse estudo pelas coleções aqui
analisadas, propomos atividades baseadas no texto “Um tipo
inesquecível”, de Silvio Lancellotti, retirado de Viva Português,
volume 3 (p. 248):
Um tipo inesquecível
Silvio Lancellotti
Criada em 1922, a revista Seleções do Reader’s
Digest, até hoje publicada em mais de 70 países,
ostenta uma rubrica que sempre me fascinou: “O
270
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Meu Tipo Inesquecível”. Pessoas várias enviam
textos a respeito de outras que, de alguma forma,
encantaram os seus destinos. Neste começo de
2010 eu utilizo este “Quintal Paulistano” a fim de
eleger meu tipo inesquecível no ano que acabou.
Trata-‐se de Frederico Marcondes de Carvalho,
nascido em Santos, em março de 1981, um
produtor do “Pontapé Inicial”, o programa matinal
do qual, eventualmente, participo no canal ESPN
Brasil. Filho de um neurologista e de uma
enfermeira, por incrível que pareça, Frederico
padeceu no parto. O cordão umbilical se enrolou
no seu pescoço e praticamente o enforcou. Por
falta do oxigênio crucial, se tornou um deficiente
físico, na sua mobilidade e na sua fala.
Deficiente? Absolutamente, não. À parte o fato de
ele torcer para o “Peixe”, em que fulgurou um
certo Pelé, que Frederico jamais viu jogar ao vivo e
em cores. Um absurdo de inteligência e de
criatividade, ele aprendeu, nas suas palavras, “a
aceitar o fato de ser diferente”. Completou, em
escolas convencionais, o curso colegial. E se
diplomou em jornalismo.
Na faculdade, mesmo com todas as dificuldades
de dicção, conduziu um programa de rádio no qual
alinhavou entrevistas inesquecíveis com Mário
Soares, líder político de Portugal, com o
271
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
presidente Fernando Henrique Cardoso e com
Chico Buarque.
O esforço e o sucesso cativaram José Trajano,
diretor da ESPN, que lhe abriu um espaço, em
2004. Apaixonado por música, dono de uma vasta
coleção de CDs de todos os estilos, da MPB ao
fado, do jazz ao tango, ele é hoje responsável pela
trilha sonora que escolta o “Pontapé”.
Do chefe, recebe broncas, quando escorrega,
como qualquer funcionário da emissora.
Invariavelmente, porém, responde com um bom
humor cativante.
Emociona testemunhar o seu esforço e a sua
competência. E saber que Frederico, atualmente,
faz aulas de teclado e de canto. Que Frederico,
apesar das dificuldades na fala e na mobilidade, é
um jovem feliz. Eu o admiro. Aqui, peço que ele
enquadre e dependure este “Quintal” na parede
do seu quarto.
Revista da Folha, 10 jan. 2010. Folhapress.
1) Ao caracterizar Frederico Marcondes de Carvalho,
no 3º parágrafo, o escritor Silvio Lancellotti demonstrou não
concordar com a escolha do time do amigo. Frederico torce para
o “Peixe”. Apesar de não haver referência direta no texto, a não
272
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ser uma pista de que Pelé foi jogador desse time, você saberia
identificar de que clube se trata?
Trata-‐se do Santos, time no qual Pelé se consagrou.
2) “Rubrica” é uma palavra que pode apresentar vários
significados:
I -‐ Assinatura abreviada.
II -‐ Descrição em detalhes sobre como um ator deve encenar
seu personagem no teatro.
III -‐ Programa ou atração de rádio ou televisão.
a) O significado de “rubrica” no 1º parágrafo do texto
corresponde a algum dos sentidos acima? Em caso negativo,
explique qual é o seu significado.
Não. Rubrica significa coluna ou seção da revista a que
Silvio Lancellotti se refere.
b) Que passagens ou expressões referem-‐se à palavra
“rubrica” e dão pistas de seu significado?
O próprio nome da seção, “O Meu Tipo Inesquecível”,
para onde as pessoas enviam “textos a respeito de outras que, de
alguma forma, encantaram os seus destinos”.
273
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
3) Os processos coesivos são fundamentais para que
haja progressão textual. Nesse sentido, a referenciação é
comumente empregada nos textos para retomar ou antecipar
termos ou ideias compartilhadas com o leitor. Baseando-‐se nisso,
complete o quadro abaixo com fragmentos do 2º parágrafo do
texto que cumpram as funções especificadas em cada coluna:
Expressão introduzida pela primeira vez no parágrafo
Expressão que a retoma
Frederico Marcondes de Carvalho
um produtor do “Pontapé Inicial” /
Filho de um neurologista e de uma enfermeira
“Pontapé Inicial”
o programa matinal
4) Antes mesmo de falar sobre Frederico Marcondes
de Carvalho no 2º parágrafo, o autor antecipa essa referência,
utilizando uma determinada expressão no 1º parágrafo.
Destaque-‐a e comente a respeito da escolha dessa expressão
para tratar de Frederico.
A expressão “meu tipo inesquecível” no final do primeiro
parágrafo já antecipa a referência a Frederico Marcondes de
Carvalho. A escolha dessa expressão se deve ao autor considerar
274
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
que Frederico é uma pessoa que marcou sua vida, seu tipo
inesquecível, já que só são escolhidas pessoas que “encantaram”
o destino de alguém.
5) A referenciação pode ocorrer em um texto, muitas
vezes, por meio da omissão de um termo ou até por outro termo
ou expressão que tenha relação de significado com o anterior.
Releia o trecho seguinte, retirado do 1º parágrafo do texto:
Pessoas várias enviam textos a respeito de outras (...)
A referência adequada que se pode fazer do termo
destacado indica que se trata de:
a) situações.
b) publicações.
c) pessoas.
d) revistas.
e) rubricas.
7. CONCLUSÃO
Não são poucos os artigos publicados acerca da
preocupação de muitos especialistas em Língua Portuguesa com
o livro didático usado nas escolas. A inquietação desses
275
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
profissionais é justificada pela qualidade duvidosa de alguns
manuais levados à sala de aula, que, devendo ser uma fonte de
estímulo e desafio para o discente, acabam se transformando em
um fim em si mesmo. Apesar de apresentarem uma razoável
variedade de textos que permitem um bom trabalho da
construção do referente, esses livros perdem a oportunidade de
fazê-‐lo, quando privilegiam, ora questões puramente gramaticais,
ora interpretações sem propósito.
A referenciação parece-‐nos de vital importância porque se
relaciona à cadeia de construção dos sentidos, essenciais à
interpretação e à produção textual. É por meio dela que o aluno
constrói inferências e se posiciona como enunciador ou como
coenunciador em uma interação. Enfocar, nos livros didáticos, os
processos de referenciação é propiciar ao aluno um
aprofundamento em um estudo concreto, que se reflete no seu
cotidiano e que, portanto, ele reconhecerá como fundamental.
Dessa forma, os livros didáticos devem se preocupar com
essa proposta se querem atender aos Parâmetros Curriculares
Nacionais. A visão dos PCN de Língua Portuguesa do Ensino
Médio (p. 5) acerca da linguagem é bastante clara:
276
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A linguagem é considerada aqui como a
capacidade humana de articular significados
coletivos e compartilhá-‐los, em sistemas
arbitrários de representação, que variam de
acordo com as necessidades e experiências da vida
em sociedade. A principal razão de qualquer ato
de linguagem é a produção de sentido.
E ainda:
Não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é
a interação, a comunicação com um outro, dentro
de um espaço social, como, por exemplo, a língua,
produto humano e social que organiza e ordena de
forma articulada os dados das experiências
comuns aos membros de determinada
comunidade linguística.
Dentre os diversos processos envolvidos na construção do
sentido, a referenciação também deve ter seu espaço assegurado
pelos livros didáticos e pelos professores em sala de aula. Se a
linguagem está íntima e diretamente relacionada à vida em
sociedade, ao indivíduo e às experiências comuns com que vai
construindo seu repertório de conhecimento, o estudo da
277
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
referenciação também deve figurar em meio a tantos pretextos
para usos do texto.
Todo esse conhecimento beneficia os estudantes, que
têm o privilégio de compreender melhor o processo de
referenciação nos diversos textos – orais e escritos – que
produzem, leem ou ouvem. No entanto, as escolas e os livros
didáticos não têm contribuído para o alcance desse ideal,
reproduzindo – muito raramente – visões ultrapassadas sobre as
questões que envolvem a referenciação textual ou sequer
mencionando a existência desse assunto – o mais comum dos
casos, como vimos nas duas coleções analisadas.
A abordagem da referenciação nas duas coleções que
analisamos está muito aquém do que deveria. Ainda assim,
Português: contexto, interlocução e sentido parece considerar
uma relativa importância do assunto, já que em certos
momentos menciona-‐o de acordo com as novas teorias da
Linguística de Texto, o que não ocorre com Viva Português.
É preciso que leitura e produção textual sejam o centro
dos estudos de Língua portuguesa em sala de aula. Para tanto, a
referenciação deve ser incluída efetivamente nos livros didáticos,
que, muitas vezes, norteiam o trabalho do professor. Se a
abordagem desse assunto, presente no ambiente escolar e na
278
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
vida do aluno, fosse considerada com a mesma importância que
os estudos dos aspectos gramaticais do texto têm nesses livros,
certamente a situação da referenciação seria outra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio, Língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica/MEC, 1999. CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Referenciação: sobre coisas ditas e não ditas. Fortaleza: EdUFC, 2011. CORTEZ, Suzana. Referenciação e ponto de vista: constituição de instâncias discursivas para orientação argumentativa na crônica de ficção. In: KOCH, Ingedore V.; MORATO, Edwiges M.; BENTES, Anna C. (Orgs.) Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005, p. 317 – 338. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender os sentidos do Texto. Ed. São Paulo: Contexto, 2006. MARQUESI, Sueli. Referenciação e intencionalidade: considerações sobre escrita e leitura. In: CARMELINO, A. C.; PERNAMBUCO, J.; FERREIRA, L. A. (Orgs.). Nos caminhos do texto:
279
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
atos de leitura. Col. Mestrado em Linguística, v. 2. São Paulo: EdUnifran, 2007. p. 215-‐233. (Disponível em http://publicações.unifran.br/index.php/coelcaoMestradoEmLinguistica/issue/view/59) LIVROS DIDÁTICOS ABAURRE, Maria Luiza M.; ABAURRE, Maria Bernadete M.; PONTARA, Marcela. Português: contexto, interlocução e sentido. 3 v. São Paulo: Moderna, 2010. CAMPOS, Elizabeth; CARDOSO, Paula Marques; ANDRADE, Silvia Letícia. Viva português. 3 v. São Paulo: Ed. Ática, 2011.
280
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A referenciação em duas coleções didáticas
MARQUES, Matheus Odorisi (UFRJ)
1. INTRODUÇÃO Quando pensamos no estudo da língua portuguesa em
salas de aula brasileiras, várias questões vêm à tona. Uma delas,
primordial, mas que há séculos constitui um problema não
resolvido, é o ensino da língua não vinculada ao texto. A negação
da textualidade no ensino imprime um caráter sistemático às
análises, fazendo com que sejam geralmente superficiais . Esse
fato lembra-‐nos uma comparação feita por Marcos Bagno, que
lança mão do exemplo da água e do peixe. Para o autor, seres
humanos são como peixes que vivem imersos em linguagem, das
quais possuem uma dependência intrínsica. Essa relação
peixe/água também pode ser pensada no que toca à relação
entre a linguagem e o texto. Uma palavra ou uma frase solta, fora
do contexto, seria como um peixe fora d'água, teria sua
existência comprometida. Bagno (Bagno, 2012 p. 12) diz que “o
281
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
texto é o ambiente natural para qualquer palavra, qualquer frase.
Fora do texto, a palavra sufoca, a palavra estrebucha e morre.”.
Podemos lançar mão de outra comparação para tratar da
questão, ao pensarmos no papel das palavras como ativadores de
sentido, o que já leva o nosso pensamento para teorias da
Linguística Textual mais moderna. Pensemos em um tangram (ver
imagem 1), que é um quebra cabeça chinês. Muito antigo, o jogo
é formado por sete peças -‐ 5 triângulos, 1 quadrado e 1
paralelogramo – que combinadas, podem formar mais de 1500
figuras diversas. O jogo é utilizado para treinar habilidades de
rociocínio lógico em aulas de matemática.
Ao combinarmos as peças do jogo, formamos imagens que dão
sentido às simples formas geométricas que constituem o
Ilustração 1: Formas do jogo Tangram
282
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Tamgram, transformando a linguagem matemática na linguagem
representacional dos desenhos, como podemos ver na figura 2:
Podemos pensar que as palavras ou frases soltas são as
formas geométricas que compõem o jogo. Cada uma delas é uma
forma que funciona separadamente, assim como cada palavra ou
construção ativa um sentido. Porém, o que dá base para que a
linguagem adquira existência é a dimensão textual, assim como a
linguagem geométrica das figuras do tangram adquire existência
representacional ao se combinarem. O estudo de formas
Ilustração 2: Imagens formadas a partir das formas do Tangram
283
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
separadas das figuras do tangram nada nos diz sobre as
possibilidades imagéticas que elas possibilitam. Cada figura
montada com as peças traz à tona sentidos diversos que fazem
parte de contextos diversos, numa cadeia significativa e
correlacional, o que torna a busca pelo sentido uma tarefa
profunda e fascinante. Isolar as peças, assim como isolar as
palavras nos estudos da língua portuguesa, é fugir dessa análise.
O problema maior ocorre quando privamos os alunos
desses processos em sala de aula, numa prática perpetuada
durante gerações, que ensina o aluno a fazer análises pontuais
dos elementos linguísticos. E o que cada vez mais está sendo
discutido, até mesmo pelo MEC como podemos ver no conteúdo
cobrado pelo ENEM, é a questão da língua amparada sempre
pelo texto: palavras, frases, orações, imagens, e tudo mais que
constitui linguagem sendo analisadas em seus habitats naturais.
O artigo que aqui apresentamos busca analisar como
manuais que auxiliam os professores de ensino fundamental a
orientar os alunos em relação a questões textuais tratam um
ponto fundamental: a referenciação. Esse ponto relaciona-‐se de
maneira cíclica com a visão de texto como base para o estudo da
língua. Se, por um lado, para entendermos a referenciação é
necessária a visão do todo, da dimensão textual, estudando
284
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
referenciação solidificamos essa mesma ideia, de texto como um
constructo relacional. A necessidade de ensinar referenciação
para a compreensão do processo produtivo e interpretativo do
texto justifica uma abordagem comprometida das operações que
utilizamos para tal, que constroem sentidos por meio de ativação
e reativação de conceitos, e exercitam também uma das mais
importantes funções da linguagem: a ideologia.
2. SOBRE O CONCEITO DE TEXTO
É mais fácil definirmos o que não constitui texto do que
definir o que é texto, já que compartilhamos da ideia de que
“conjuntos aleatórios de palavras ou frases não constituem um
texto” (Bagno, 2010 p. 30). Outro consenso é que textos
preveem inicialmente situações comunicativas que envolvem
emissores e interlocutores e pressupoem um evento social, com
algum propósito e alguma função em um deteminado contexto.
A concepção de ato comunicativo leva o texto a um patamar em
que operam ações que vão além da linguística, como as ações
sociais e cognitivas.
Koch (2010) percorre algumas definições de texto
lançadas ao longo dos estudos da Linguística de Texto. A autora
285
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
afirma que, quando a língua era vista como representação do
pensamento, o texto era considerado como um produto lógico
do pensamento do autor, o que dava ao leitor o papel de
captador desse pensamento e de suas intenções (cf. Koch 2010
p.11) , em um exercício como procurar ideias em um saco de
frases. Já quando a língua é vista como uma estrutura, o sujeito
do texto torna-‐se assujeitado pelo sistema, preso em amarras
estruturais. Nessa visão de língua como um código, o texto acaba
se tornando um produto de codificação de um emissor a ser
codificado pelo leitor, em um processo explicado por uma visão
simples e horizontal da teoria da comunicação de Jakobson. Uma
fuga a essas possíveis simplicações do texto seria justamente a
concepção interacional da língua, na qual os sentidos são
construídos na interação.
Essa nova abordagem conceitual do texto justifica-‐se pela
necessidade de abandonar a noção de que ele seja um produto,
para passar a observá-‐lo como processo, dinâmico, social e
cognitivo. Pauliukonis (2009) discorre sobre o real processo
interpretativo de que se constitui a leitura de um texto
considerando uma abordagem processual:
286
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Um novo enfoque de texto visto como discurso
tem por objetivo considerar a importância da
compreensão do seu sentido global pelo exame
dos mecanismos produtores desse sentido. Em vez
de simplesmente fixar o conteúdo das proposições
– ou o que o texto diz – evidenciar o processo
interacional entre um enunciador e um leitor, o
qual se torna um co-‐enunciador do texto; analisar
como o texto diz algo e, ao dizer, que efeitos de
sentido consegue transmitir e, ainda, o mais
importante: de que meios linguísticos e operações
discursivas se vale a estruturação textual como um
todo
O texto é antes de mais nada, um processo de construção
de sentido, e como o sentido é algo dinâmico, não estático, o
texto teria essa mesma característica. Dessa forma, o papel do
leitor é ativo, no momento em que constrói sentido e acessa
informação necessárias, guiado pelos rastros deixados pelo
autor.
Observemos o exemplo abaixo, retirado da coluna do
jornalista Ancelmo Góis, do site do jornal O Globo:
287
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
(1) Dilma perdeu
Dilma viajou a Salvador no fim da tarde de ontem para um
comício do petista Nelson Pelegrino.
Pelo programa, coitada, estaria no avião de volta a Brasília na
hora do... capítulo final de “Avenida Brasil”.
(disponível em http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/, acessado
em 20/010/2012)
A pequena nota, característica das postagens na coluna
do jornalista, tem como título uma oração em que o sujeito é a
presidente Dilma, seguido de um verbo sem seu complemento. O
sentido produzido pelo complemento omitido na oração,
somente é captado se pensarmos em um ambiente textual
sociocognitivo. O que está em jogo no título da nota está muito
além do publicado no jornal. O texto inclui a situação enunciativa
em que temos o último capítulo de uma novela televisiva de
grande sucesso de audiência, “Avenida Brasil”, cuja exibição era
esperada por muitos telespectadores. Há, no texto, um eco
situacional, provocado por várias notícias vinculadas na semana
em que o capítulo em questão seria exibido, de que “todos”,
incluindo personalidades como políticos e celebridades, iriam
assistir o final do folhetim. O título da nota, então, nega essa
288
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
expectativa de que todo mundo assistiu, ao informar que a
presidente perdeu. Nota-‐se que o complemento incialmente
omitido no título só aparece no final do texto. O vazio inicial
deixado pelo autor é recuperável tanto textualmente no sentido
strictu sensu, quando o termo omitido aparece no final, quanto
socialmente, já que a informação de que todos assistiriam o
programa é obtida por conhecimento de mundo.
Segundo Paulikonis (2009), o conceito que temos de texto
influencia o tipo de abordagem prática que faremos e os
elementos que levaremos em consideração para a sua análise e
produção. Transportando esse pensamento para a sala de aula, o
conceito de texto como discurso é fundamental para que se
trabalhe de maneira efetiva os mecanismos linguísticos que
levam à construção e manutenção de ideias dentro do texto.
Dentre esses mecanismos, temos a referenciação.
Partimos, então da noção de texto como processo
cercado por fatores sociais e psicológicos. Ao olhar para o texto
sob essa perspectiva, ele não será “uma superfície material que
conduz ao discurso” (Koch 2002), mas indissociável dele, assim
como de seu uso, “das relações culturais, sócio-‐históricas, em
processos intercognitivos, considerados sob uma perspectiva de
289
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
cognição interacionalmente situada” (Cavalcante et al., 2010, p.
227).
O constructo textual é formado por mecanismos que
levam o leitor a construir sentidos a acessar a realidade,
contribundo de maneira co-‐autoral. Veremos adiante como a
referenciação é valiosa dentre esses mecanismos.
3. SOBRE A REFERENCIAÇÃO
O dinamismo do texto como processo cria uma condição
para que haja nele uma mobilidade de sentidos, constituindo um
jogo contínuo de ativação de referentes. Estes, vistos sob uma
ótica cognitivista, constituirão elementos que contribuem para
que conceitos sejam elevados na mente do leitor, o que colabora
para o acesso do conhecimento linguístico e de mundo.
Essa visão torna complexos os fatores textuais, como a
coesão, construída em parte por práticas referenciais.
Precisamos, antes de tudo, prever o leitor como atuante do
processo, para que se estabaleçam esses tipos de de fatores.
Cavalcante et al. (2010, p 227) tocam na questão ao introduzir o
conceito de processos referenciais: “A ideia de que os processos
referenciais se edificam nas representações mentais dos
290
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
interlocutores, num jogo de negociação que envolve estratégias
inferenciais ainda pouco explicadas, encontra-‐se baseada em
autores que já a debatem há algum tempo.” Dessa maneira, a
referenciação está vinculada diretamente a processos
interacionais de contrução textual. Ainda segundo os autores, os
referentes possuem características instáveis, por poderem ser
acessados e reacessados, construídos e reconstruídos, não
existindo senão no ato da enunciação. A referenciação é assim
definida:
A referenciação é o processo pelo qual, no
entorno sociocognitivo-‐discursivo interacional, os
referentes se (re)constroem. Trata-‐se, portanto,
de um ponto de vista cognitivo discursivo, e é por
isso que se diz que a referenciação é um processo
em permanente reelaboração, que, embora opere
cognitivamente, é indicado por pistas linguísticas e
completado por inferências várias. (Cavalcante et
al, 2010, p 233)
Assumimos, portanto, que a referenciação depende de
interação e construção de sentido. Ao assumir também que
texto e contexto não são instâncias separadas e incluir o discurso
e o conceito de enunciação ao processo, tornamos a
291
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
referenciação também um ato cognitivo e interacional. Segundo
Cavalcante (2011, p 21) “não poderíamos falar de referência
considerando apenas a palavra fora de contexto, em estado de
dicionário […], pois só se identifica o referente correspondente a
um nome quando se analisa o enunciado e o contexto de uso em
que esse nome foi empregado” .
Cavalcante (2011) divide os processos referenciais entre
aqueles nos quais introduzimos o referente pela primeira vez,
chamados de introduções referenciais, e aqueles com os quais
damos continuidade ao referente, que já foi evocado no texto,
as anáforas. Estas podem ser diretas, cujo referente está
presente de maneira mais substancial e concreta no texto, que
recuperam algo mencionado diretamente ; ou indiretas, quando
a menção de um novo referente relaciona-‐se a outro citado
anteriormente de maneira a configurar uma pista formal no texto
para o seu reconhecimento, como se o dado já fosse velho (cf.
Cavalcante, 2011 p. 61). Observemos o texto seguinte:
(2) "Mendigo de Curitiba" é conhecido por moradores do
centro da cidade e seria usuário de crack
292
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Depois de virar um dos assuntos mais comentados do
Facebook, nesta quarta-‐feira (17), após ter uma foto sua
compartilhada cerca de 37 mil vezes, o homem que vem sendo
chamado nas redes sociais de o “mendigo de Curitiba” virou
alvo de especulações. A reportagem do UOL foi até a praça
Tiradentes, local no centro da capital paranaense onde a foto foi
feita, para conversar com usuários de drogas, comerciantes e
integrantes do Movimento Nacional da População de Rua
(MNPR) e descobriu que o rapaz é conhecido na região.
Segundo o Movimento Nacional da População de Rua
(MNPR), que auxilia moradores de rua, ele chegou a ser
encaminhado para a Casa de Acolhimento São José. "O problema
dele é o crack”, afirmou Regiane da Silva Keppe, integrante da
organização.
Os comerciantes da região também lembram da figura.
"Ele aparece aqui quase toda noite. Parece meio louco, acho que
por causa das drogas”, afirmou Jefferson Alves Leite, que
trabalha em uma barraca de cachorro-‐quente no local. O
proprietário do estabelecimento, Edgar Weber, também conhece
o rapaz: “Essa história só vai deixar ele mais perdido”, afirmou.
Uma funcionária da região, que não quis se identificar,
disse: "Ele é bonito mesmo, devia ser modelo."
293
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Mas não é só pela beleza que o rapaz é lembrado pelas
pessoas que circulam no centro de Curitiba. Segundo Luciano
Romão, proprietário de um quiosque na praça, o morador de rua
é “muito chato” e nem mesmo os outros usuários de drogas
gostam dele. “Ele fica ‘zanzando’ por aqui. Enche o saco das
pessoas, pede coisas e depois sai por aí, sem rumo”, disse.
“O cara vive andando, é pilhado, e perturba um pouco,
mas não chega a incomodar”, afirmou Carlos Humberto, mais
conhecido como “Pulga”, um morador de rua da área.
Benedito Antonio da Silva, atendente de uma lanchonete
ali, também confirma que o “mendigo de Curitiba” costuma
perambular pela praça. “Olha, ele dorme por aí. Sempre o vejo
na hora do almoço ou um pouco antes. Não incomoda, mas
dizem que ele realmente é um chato.”
(disponível em http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-‐
noticias/2012/10/18/mendigo-‐de-‐curitiba-‐e-‐usuario-‐de-‐crack-‐e-‐
preocupa-‐a-‐familia.htm, acessado em 20/10/2012)
O texto acima dá informações sobre um morador de rua
que virou uma celebridade de internet após ter sua foto
divulgada por um usuário na rede social Facebook, sua aparência
294
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
destoa da maioria dos mendigos. No título da reportagem, há o
que podemos classificar como introdução referencial em
"Mendigo de Curitiba". Não há nada presente anteriormente no
texto que remeta ao referente, o que não nos possibilita
construí-‐lo previamente. Por outro lado, há termos no corpo do
texto que tornam-‐se pistas ou indícios que nos levam a construir
e reconstruir o referente inicial do mendigo. Em um primeiro
momento, o termo o homem que vem sendo chamado nas
redes sociais de o “mendigo de Curitiba” é o start para
ativarmos o que já foi mencionado no título, porém com a
informação acrescida de que o título veio dos usuários de redes
sociais. Logo após, temos termos como o rapaz, dele, figura,
ele, e o morador de rua, que apontam para o referente
introduzido incialmente, suportando a construção de sentido,
além de guiar o leitor a ler/construir o texto como uma unidade.
Esses elementos são chamados de anáforas.
Elementos introdutórios e anafóricos constituem um
recurso que constitui para o enunciador a possibilidade de
trabalhar com o sentido. Pode ser também uma maneira de
deixar pistas que podem levar o leitor a construir um sentido de
cunho ideológico. Observe o exemplo a seguir:
295
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
(3) Dilma inicia 'road show' eleitoral
Presidente começou por Salvador, na sexta, e segue a agenda de
campanha neste sábado com comícios em Campinas e São Paulo
A presidente Dilma Rousseff iniciou, na sexta-‐feira, uma
série de comícios de apoio a correligionários e a aliados neste
segundo turno das eleições municipais. Os locais escolhidos têm
em comum candidatos adversários de partidos que estão no
arco de alianças nacional ou que são apoiados por políticos que
poderão estar unidos contra ela na disputa pela reeleição
presidencial em 2014.
Salvador foi a primeira parada do périplo de Dilma. Em
caso de vitória de ACM Neto (DEM), adversário de Nelson
Pelegrino (PT), a capital baiana poderá se transformar num
centro forte de oposição tanto ao governo estadual de Jaques
Wagner (PT) quanto ao governo federal.[...]
(disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/dilma-‐
inicia-‐road-‐show-‐eleitoral acessado em 20/10/2012)
296
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Em (3) podemos observar como as escolhas referenciais
têm finalidades maiores do que apenas indicar elementos no
texto. No título da matéria, usa-‐se a expressão em inglês road
show como introdução referencial para os comícios que a
presidente brasileira Dilma Roussef realizará com candidatos
apoiados pela sua legenda partidária. O site Dictionary.com
define road show como “a show, as a play or musical comedy,
performed by a touring group of actors.”2. Ao chamar os comícios
de road show, define-‐se o ato como uma peça de teatro, algo
encenado e falso, e os políticos participantes como atores, ou
seja, pessoas que interpretam uma realidade fictícia. Impossível
não perceber a carga de julgamento na definição. O referente é
retomado via anáfora pelo elemento mais genérico comícios,
seguido por uma série de comícios e finalmente por périplo, que
significa uma viagem que tem como retorno o ponto de partida,
termo que retira um sentido político maior dos atos da
presidente. Quando trata dos políticos que Dilma apoiará, a
introdução referencial é feita com os termos correligionários e a
aliados, que contêm explícito o interesse político partidário do
apoio. O texto é um exemplo de como o julgamento ideológico
2 Um show, como uma peça ou comédia musical, performada por um grupo de atores que viajam. (tradução nossa)
297
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
está presente no ato de referenciar, já que o texto é impregnado
de um pensamento contra o ato de apoio da presidente aos
prefeitos aliados do PT. Esse pensamento subjaz nas escolhas
lexicais das operações referenciais, que deixam pistas que podem
conduzir o leitor a formar os conceitos sugeridos na enunciação.
A importância desses recursos referenciais parece não ser
entendida em vários manuais didáticos. O que vemos
comumente no que toca à referenciação nos livros de ensino
fundamental é um tratamento do fenômeno simplesmente como
indicador de referentes. Essa visão diminui o valor de anáforas
reduzindo-‐as a elementos indicadores que realizam uma simples
troca de uma palavra para outra. Veremos a seguir os poucos
momentos em que duas coleções de livros didáticos lançam mão
de atividades e pequenas discussões sobre a referenciação, e
onde haveria espaço para tal.
4. SOBRE A REFERENCIAÇÃO NAS
COLEÇÕES
Nossa análise pretende investigar como a referenciação é
tratada em duas coleções de livros didáticos voltados para o
298
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
segundo segmento do ensino fundamental: Para Viver Juntos, da
Editora SM, e Diálogo, da Editora FDT.
Sabemos que, dentre as funções do estudo da Língua
Portuguesa na escola, destaca-‐se a produção de textos.
Preparamos nossos alunos para situações reais de comunicação,
constituindo nosso objetivo e preocupação maior formar leitores-‐
produtores, que dominem as técnicas textuais em vários âmbitos,
para que sejam capaz de produzir e entender textos variados.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, em
vários momentos o professor é orientado sobre a importância de
formar primeiramente, antes de aluno de Língua Portuguesa, um
leitor em Língua Portuguesa. É sublinhada a importância de
tornar o aluno um cidadão que utilize a língua de maneira não só
eficiente gramaticalmente, mas também comunicativa:
A linguagem verbal possibilita ao homem representar a realidade física e social e, desde o momento em que é aprendida, conserva um vínculo muito estreito com o pensamento. Possibilita não só a representação e a regulação do pensamento e da ação, próprios e alheios, mas, também, comunicar idéias, pensamentos e intenções de diversas naturezas e, desse modo, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais anteriormente inexistentes. Essas diferentes dimensões da linguagem não se excluem: não é possível dizer algo a alguém sem ter o que dizer. E ter o que dizer, por sua vez, só é
299
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
possível a partir das representações construídas sobre o mundo. Também a comunicação com as pessoas permite a construção de novos modos de compreender o mundo, de novas representações sobre ele. A linguagem, por realizar-‐se na interação verbal dos interlocutores, não pode ser compreendida sem que se considere o seu vínculo com a situação concreta de produção. É no interior do funcionamento da linguagem que é possível compreender o modo desse funcionamento. Produzindo linguagem, aprende-‐se linguagem. (Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, página 22)
Como já destacado, a referenciação não pode ter um
papel meramente formal e indicativo dentro do texto, já que é
uma ferramenta que cria uma gama de possibilidades de criação
de sentido e expressa ideologia.
4.1. Coleção Para Viver Juntos
Os livros da coleção Para Viver Juntos apresentam muitos
textos em todas as suas unidades, que se estuturam a partir de
um gênero textual comum. Desse gênero, são apresentados de
início dois textos principais, e trechos de textos menores no
momento dos exercícios. Em cada unidade há o que o livro
chama de “Reflexões Linguísticas”, seção com questões textuais e
300
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
gramaticais. A proposta do livro se preocupa em fazer o aluno
perceber a estrutura superficial do texto, trabalhando com
esquemas e quadros. Porém, ao lermos os exercícios de
estruturas, que podem ser úteis ao trabalhar pontos como
tópicos textuais, esperamos que o livro toque em questões um
pouco mais profundas, como a referenciação, o que raramente
acontece.
No livro de sexto ano da coleção, que se dedica ao estudo
principalmente de textos narrativos e de classes de palavras, a
questão da referenciação aparece, não nomeada, em somente
dois momentos. Vejamos:
301
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 3: página 64, extraída de Costa (2009), 6o ano
302
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O exercício 3, que faz parte da lição sobre pronomes, trata
da ambiguidade referencial no uso do pronome “ela”, que é uma
anáfora direta. No exemplo da anedota, a anáfora pode ter como
referente dois elementos, “cachorra” e “minha casa”, causando o
mal entendido que é o motivo do humor. Constitui um exercício
simples que, com a orientação do professor, pode servir para
demonstrar como mesmo em casos de anáforas diretas, em que
podemos “setar” os elementos, o processo não é tão simples
assim, e ainda frisar a importância desse tipo de processo, cujo
mal uso pode comprometer a intenção enunciativa, ou criar o
efeito, no caso, o humor.
Observemos a próxima página do volume do 6º ano,
última menção ao processo referencial no livro:
303
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 4: página 215, extraída de Costa (2009) 6o ano
304
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
A seção fala especificamente do papel coesivo do uso do
pronome, cuja atribuição demonstrada é referencial. Os
exercícios são de identificação de referentes, em que o aluno
precisa identificar o elemento substituído pelo pronome. Há
também questões de cada que provocam reflexão sobre a
operação, como a letra “d” do exercício 1, que leva o aluno a
pensar no referente do pronome possessivo, ou a letra “b”, que
questiona o uso do “esses” a fim de fazer com que o aluno
chegue a pensar na função restritiva e recaptulativa do uso
referencial. Esse momento torna-‐se oportuno para a discussão do
papel da referenciação na estrutura do texto.
Ao observarmos o livro dedicado ao 7º ano da coleção,
nos deparamos com mais atividades sobre a referenciação.
Vejamos a página extraída do volume:
305
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 5: página 59, extraída de Costa (2009,) 7o ano
O primeiro exercício trabalha a referenciação como
recurso de criação de sentido no texto, no caso, a expectativa. O
uso do pronome “ela” repetitivamente faz com que o leitor
306
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
procure o referente, que não havia sido antecipado. As questões
de interpretação que seguem o texto conduzem o aluno a uma
pequena reflexão sobre o efeito, mas não sobre o processo
referencial. O exercício seguinte traz outro trecho do mesmo
texto, em que o referente fica mais explícito, o que causa um
estranhamento pela “descoberta” do leitor.
Na página 177 do volume 7, temos uma pequena
definição de coesão textual, acompanhada de exercícios que
ultrapassam a esfera da “indicação direta” atribuída a operações
de referenciação, ao dar espaço para que se trabalhe o
julgamento ou avaliação presentes em determinações,
adjetivações e substituições.
Ao analisarmos o livro do 8º ano, chegamos à conclusão
de que o assunto da referenciação não é abordado. Apesar de
tratar de estratégias coesivas em alguns momentos, estas se
restringem ao uso de conjunções – é abordado um pouco de seus
papéis semânticos – neste volume.
No último volume da coleção Para Viver Juntos de Ensino
Fundamental, a questão da referenciação é tratada em apenas
dois momentos, mas de maneira superficial. Vejamos o primeiro:
307
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 6: página 25, extraída de Costa (2009), 9o ano
308
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O exercício sobre o texto dos gatos tem como objetivo a
localização de termos que subtituem “gatos” e “Egito”. Poderia
ser incluído um item que dissesse respeito aos “ratos”, que no
texto são anaforicamente retomados como “roedores”. Uma
discussão sobre a hiperonímia seria oportuna, , com o objetivo de
fazer o aluno perceber a relação de maior abrangência semântica
de termos como “bichanos” e “animais” , em contrapartida aos
mais específicos, como o referente “gatos”. No momento em que
o livro didático lista os recursos que evitam a repetição de
palavras, o professor atento poderia introduzir a ideia de que as
substituições não são ingênuas, mas partem de escolhas do
enunciador, o que enriqueceria a atividade.
Em um segundo momento, na página 91, o livro volta a
tratar de substituição de termos, dessa vez com pronomes
relativos, sem aprofundar o assunto.
4.2. Coleção Diálogo
Os livros da coleção Diálogo trabalham em suas unidades
com textos bases seguidos de atividades textuais e gramaticais,
seguindo o modelo da maioria dos livros didáticos. O diferencial
da coleção é a presença de atividades em que o texto é abordado
309
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
também em jogos, e o trabalho com textos orais, pouco
presentes nos manuais de ensino fundamental. Ao final de cada
unidade, a coleção apresenta sempre um projeto, que
constituem atividades interessantes para a produção textual.
A respeito da referenciação, ao analisarmos o volume
indicado para o 6º ano, encontramos alguns exercícios que
abordam superficialmente a questão da construção referencial.
Em algumas interpretações de textos, como a da página 108, é
pedido ao aluno que encontre no texto o que lhe dá “o tom
fantasioso”, ou “o mistério”. Sabemos que a escolha lexical está
envolvida nesse processo de construção do que o livro chama de
“tom do texto”, e esses momentos são boas oportunidades para
o professor trabalhar tal assunto. Quando o mesmo volume fala
de pronomes, aborda-‐se a anáfora direta (nas páginas 11 e 135),
mas em exercícios que são somente de identificação do
referente.
No volume voltado para o sétimo ano da coleção, a
referenciação é trabalhada novamente como um instrumento
para evitar a repetição de termos, atrelado ao estudo dos
pronomes. Um exemplo de exercícios retirado do 7º volume do
livro da coleção é reproduzido a seguir.
310
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 7: página 212, extraída de Beltrão (2009), 7o ano
311
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Se no sétimo volume da coleção a referenciação é
trabalhada em um único momento, no oitavo ela não aparece. Já
no volume nove, temos uma rápida abordagem do assunto, na
introdução de estudos da semântica. Na página reproduzida a
seguir, o livro traz definições de algumas relações de sentido e
seu uso na referenciação.
312
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 8: página 39 extraída de Beltrão (2009) 9o ano
313
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
É um momento propício para o professor abordar a
questão dos hipônimos e hiperônimos, já que o livro cita seu uso
para a “retomada de elementos textuais na produção de textos
orais e escritos”. Infelizmente, após o quadro destinado a essas
relações de sentido, tal questão não é abordada nos exercícios
posteriores, cabendo, mais uma vez, ao professor sanar essa
deficiência.
5. PROPOSTA DE EXERCÍCIOS
Na seção destinada à análise pontuamos que o volume 8
da coleção Para Viver Juntos não apresenta atividades
relacionadas à referenciação. Notamos, porém, muitas
oportunidades perdidas de abordagem do uso da referenciação,
já que encontramos vários textos midiáticos e opinativos no livro,
como o artigo de opinião e carta de leitor, que apresentam, esse
tipo de recurso. O texto seguinte, extraído da página 239, é um
desses exemplos em que a referenciação poderia ser trabalhada:
314
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ilustração 7: recorte da página 239 extraída de Costa (2009) 8o ano
O texto reproduzido é uma resposta de um leitor a outro
texto, também presente no livro, sobre testes de produtos com
animais de laboratório. A rede de referenciação criada pelo texto
é um dos recursos argumentais que sustentam a opinião do
315
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
leitor, que se coloca contra os testes. Observamos que logo na
primeira frase, os testes com animais são introduzidos
referencialmente como “crimes contra os animais”. Outra
estratégia que colabora na argumentação de que não se
admitem os testes contra os animais é construída pela
introdução referencial presente na quinta linha, em que
“humanos” é definido como “uma espécie”, na mesma frase em
que temos “as outras espécies”. Definir humanos como espécie
não é um ato textual desprovido de ideologia: sublinha que
somos uma espécie como as demais, estabelece igualdade entre
os seres humanos e os outros animais, mais especificamente, os
que são utilizados para testes. A criminalização dos testes é
realizado pelo texto ainda quando este a define, de maneira a
tornar mais grave, como tortura. Essa definição é sustentada
quando se usa os termos “mutilar e cegar” (linha 13) e “infligir
tanta dor” (linha 15), que se encaixam na ideia de tortura que
compartilhamos mentalmente.
Dessa forma, concluímos que o texto exemplificado seria
um bom instrumento para se trabalhar referenciação, assunto
não tratado neste volume de 8º ano da coleção. Segue, então,
uma sugestão de exercícios que poderiam acompanhar o texto
para sanar tal falta:
316
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Sugestões de exercícios relativos ao texto “Pesquisa com
animais”
1) Como percebemos que este texto tem como base um
outro?
2) Identifique e retire do texto o sintagma nominal
responsável pela introdução do assunto principal a ser
abordado.
3) Podemos dizer que a introdução do assunto principal
simplesmente lança o conceito ou há nela um
julgamento? Explique.
4) Sobre o trecho: “Uma espécie que deseja prolongar a vida
de seus indivíduos à custa da tortura de demais espécies
não merece ser salva” (linha 5 e 6), responda:
a) A que espécie o texto primeiramente se refere?
b) Como são referenciados os animais utilizados nos testes?
c) Podemos dizer que as referenciações destacadas em “a” e
“b” são escolhas ideológicas? O que essas escolhas
demonstram?
5) No texto, os testes com animais são caracterizado como
tortura. Localize um trecho que comprove a afirmativa.
317
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
6) Marque os itens presentes no texto que sustentam que os
testes com animais são torturas:
( ) lucro financeiro
( ) experimentos
( )mutilar e cegar
( ) cura do câncer
( ) infligir tanta dor
( ) privados da natureza e do convívio apropriado com a sua
espécie
Gabarito sugerido
1) Através da introdução do texto, que informa que é “em
relação à reportagem Vetada na UE, cobaia é usada no
Brasil”, além da citação do que dizem os entrevistados de
tal reportagem.
2) Crimes contra os animais.
3) Há um julgamento negativo por tratar as experiências
como crimes.
4)
a) Aos humanos.
b) Demais espécies.
318
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
c) Sim. As escolhas demonstram que o autor do texto
considera que humanos e outros animais pertencem a
mesma categoria, por tratar ambos como espécies de
animais. Esse pensamento é um argumento para que haja
uma igualdade de tratamento em relação a todas as
espécies de animais, indo contra, portanto, os testes que
utilizam animais como cobaias.
5) São cães, camundongos e coelhos, dentre outras espécies,
cujas peles e cujos olhos são submetidos a substâncias
corrosivas, cancerígenas, etc.
6) Terceiro, quinto e sexto itens.
Os exercícios sugeridos têm como objetivo tratar os
pontos discutidos que são trazidos à tona por meio da
referenciação. Percebemos que pouco é trabalhado em relação à
referenciação que foge ao estudo dos pronomes, e que não se
trate de operações de anáfora direta. Esse fato pode ser
contornado pelo professor ao utilizar também outros tipos de
fontes e preparar exercícios extras ao conteúdo do livro didático.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
6. CONCLUSÃO
Percebemos, na breve análise aqui realizada que a
referenciação é tratada de maneira superficial nos manuais
didáticos. Se considerarmos que os livros didáticos aqui
escolhidos são de coleções recentes e aprovadas pelo MEC,
concluiremos que: (i) há uma continuidade da tradição de
abordagem dos processos referenciais somente como índices
textuais; e (ii) há uma despreocupação das editorias em cobrar
tal estudo como importante para o desenvolvimento de um leitor
com plenas habilidades textuais.
Ao reduzir o estudo dos processos referenciais ao estudo
dos pronomes nos livros avaliados, cria-‐se a ideia de que eles são
as únicas ferramentas para esse tipo de operação. De maneira
geral, na tradição escolar, a referenciação está ligada somente ao
uso dos pronomes, enquanto percebemos que ao tratar de
referenciação por sinônimos, por exemplo, há muitas questões
mais interessantes que poderiam ser trabalhadas, como no caso
das construções com hiperônimos, pouco trabalhados nos
manuais.
Outro ponto é a forma como a referenciação é trabalhada
nos livros didáticos: somente com anáforas diretas. O aluno
320
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
pode pensar que essa é a única forma de criar uma referência
anafórica. Mesmo com exemplos em que utilizamos os pronomes
para referenciar, é possível criar uma discussão mais ampla,
como demonstrado com o cartaz na seção anterior.
Pontuar questões como ideologia na referenciação, uso
do encapsulador ou anáforas indiretas, com as devidas
adaptações segundo o nível de cada série, exigem raciocínio mais
profundo do que simplesmente indicar referentes. O material
midiático presente no dia a dia dos alunos contém diversos usos
que passam despercebidos para a descrição, mas cumprem seu
papel comunicativo. Fazer com que os alunos percebam esses
usos e se apropriem deles está diretamente ligado ao
compromisso de formar leitores capazes e ativos, construtores e
modificadores de pensamento.
Promover análises linguísticas utilizando material em uso
é ensinar utilizando como base o texto, compromisso que deve
ser comum a todo professor de língua. Porque restringir o estudo
da referenciação na maioria dos casos na seção de estudo de
pronomes? Por que não incluí-‐la nos estudos de sinônimos,
aprofundando a questão da intenção do autor na escolha lexical,
e até mesmo quando se estuda morfologia, como nos casos em
que a criação de nomes a partir de verbos ou no sentido
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
contrário se faz por conta de uma necessidade de referência e
não repetição? Todas essas questões devem ser preocupações do
professor, que, mesmo quando amparado por manuais
incompletos, deve procurar trabalhar com a língua em uso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola, 2010. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. 3. ed. Brasília: MEC/SEF, 2001. CAVALCANTE, M.M. Referenciação: Sobre Coisas Ditas e Não Ditas. Fortaleza: Edições UFC, 2011. CAVALCANTE, M. M. et al. Dimensões textuais nas perspectivas sociocognitiva e interacional. In: BENTES, A. C. & LEITE, M. Q. Linguística de texto e análise da conversação. São Paulo: Cortez, 2010. PAULIUKONIS, M. A. L. Desafios atuais no ensino de língua: reflexões e propostas. In: Diadorim, n.6. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. p. 37-‐54.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
LIVROS DIDÁTICOS ANALISADOS BELTRÃO, E. L. S. Diálogo. São Paulo: FDT, 2009. vol. 6-‐9. COSTA, C.L. Para Viver Juntos. São Paulo: Edições SM, 2009. vol6-‐9.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Propostas de atividades
As atividades a seguir foram elaboradas pelos autores dos artigos deste e-‐book, com base em notícias de jornal (versão online) a respeito das chuvas que atingiram a Serra Fluminense (RJ), em janeiro de 2011. São atividades pensadas para alunos de Ensino Fundamental e Médio, propondo leitura, produção e análise linguística, enfatizando aspectos relacionados aos processos referenciais. Algumas questões apresentam sugestões de gabarito, em vermelho. TEXTO 1: Aniversário da tragédia na serra terá bolo de lama Em Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo, uma série de atividades vai marcar o aniversário da enxurrada que matou mais de 900 pessoas. Na programação, há missas e protestos
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Chuva destrói calçamento no bairro Jardim Califórnia, em Nova Friburgo (Severino Silva/ Ag. O Dia) A tragédia da região serrana do Rio de Janeiro, que deixou mais de 900 mortos, completa um ano nesta quinta-feira. De lá para cá, os habitantes desses municípios têm enfrentado dias de penúria e desilusão, sobretudo após os escândalos de corrupção. Em Nova Friburgo, um bolo de lama será levado para a Praça Demerval Barbosa Moreira, no Centro, às 17h, para lembrar o aniversário do desastre, num protesto contra a falta de ações concretas das autoridades. "Até agora, só vimos lama. Então, nada mais justo que um bolo de lama. Tivemos a tragédia climática e também a política. São três prefeitos em um ano. A instabilidade política é muito grande. Até agora, não temos nenhuma casa construída e sequer um projeto", afirma Edil Nunes, coordenador do Fórum Sindical Popular. Durante os últimos 12 meses, o processo de reconstrução dos municípios atingidos manteve-se nos noticiários mais pelos escândalos de corrupção do que por resultados concretos. Dos 780 milhões de reais destinados pela União para obras de habitação, contenção de encostas e prevenção de desastres, pouco mais de 100 milhões foram empregados. Em Friburgo, suspeitas de desvios de verba levaram ao afastamento do prefeito em exercício, Dermeval Barbosa Moreira Neto. Ele passara a ocupar o cargo em setembro de 2010, quando o prefeito Heródoto Bento de Mello sofreu um acidente na Suíça. Hoje, o município está nas mãos do presidente da Câmara de Vereadores, Sérgio Xavier. Mas ainda há rumores sobre um possível retorno de Demerval ao posto. Em Teresópolis, a situação é bastante parecida. Primeiro, denúncias de desvios de verba levaram ao afastamento do prefeito Jorge Mario Sedlack, que teve o mandato cassado por unanimidade pelos vereadores. Então, o vice-prefeito Roberto Pinto assumiu, mas morreu de infarto apenas dois dias após sua posse. Acabou sobrando para o presidente da Câmara, Arlei de Oliveira Rosa. Nesta quinta-feira, haverá uma série de manifestações em Teresópolis. A programação começa às 14h, com o encontro das famílias dos desaparecidos na Praça Santa Teresa, no Centro. Às 17h, haverá a leitura de uma carta aberta das vítimas da tragédia de janeiro do ano passado. Ainda está programado um minuto de silêncio, às 18h. "Teremos a adesão até dos ônibus, que vão parar durante o minuto de silêncio. Pedimos que todos na cidade parem o que estiverem fazendo", afirma Nina Benedito, diretora da Associação das Vítimas das Chuvas de Teresópolis (Avit). Como forma de lembrar as vítimas da catástrofe, a prefeitura de Teresópolis inaugura, às 15h, no Cemitério Municipal Carlinda Berlim, um memorial em homenagem aos 392 mortos do município. Também será celebrada uma missa
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
ecumênica às 19h, no Ginásio Poliesportivo Pedro Jahara (Pedrão), local que chegou a servir de abrigo para as vítimas da chuva. A maioria dos eventos é organizada por ONGs, que pedem à população para pendurar bandeiras brancas nas janelas de casa e fitas nos carros. Também estão previstas manifestações e protestos isolados, pela manhã, em bairros castigados pelas chuvas de 2011. Em Nova Friburgo, representantes de movimentos sociais se reúnem a partir das 14h, na Praça Demerval Barbosa Moreira, no Centro. Com a presença de psicólogos, o intuito é relembrar a tragédia. Às 17h, tem início um ato público que deve seguir pelas ruas da cidade, com faixas e cartazes. Lá, as atividades estão sendo articuladas pelo Fórum Sindical Popular, que congrega 23 sindicatos e mais a associação de moradores. Eles denunciam que mais de 2 mil pessoas ainda vivem em área de risco e não recebem o aluguel social. Em Petrópolis, haverá uma missa de um ano da tragédia, às 19h, na Igreja do Divino, no Vale do Cuiabá. Os desabrigados e desalojados na enxurrada do ano passado ainda aguardam a ajuda do poder público. Segundo a prefeitura, atualmente está em andamento a construção de casas nos seguintes bairros: Posse (144 unidades), na Mosela (140 unidades) e no Cuiabá (61 unidades em parceria com a Firjan). (Rafael lemos, Veja On line (12/01/2012 - 11:43) 1. A expressão “bolo de lama”, presente na manchete, pode ser interpretada de duas maneiras diferentes. a) Explique o sentido denotativo da expressão. Denotativamente, a expressão “bolo de lama” representa o bolo que foi levado para a ruía, durante as manifestações. b) Explique o sentido conotativo da expressão. Conotativamente, o “bolo de lama” representa a corrupção e os desvios de verbas públicas relacionadas à reconstrução das cidades atingidas pelas chuvas de janeiro de 2011.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2. Ao longo do texto, o fenômeno climático que ocorreu na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, é retomado por diferentes palavras. Cite, pelo menos, três delas. “Tragédia da região serrana”, “desastre”, “tragédia climática” são exemplos de expressões que fazem referência ao fenômeno climático que ocoreu na região serrana do Rio de Janeiro. 3. No texto, o advérbio “lá” aparece nos 1º e 9º parágrafos. É possível dizer que ambos apresentam o mesmo referente? Justifique sua resposta. O advérbio lá, no 1º parágrafo, tem valor temporal, indica o dia em que ocorreu a tragédia na região serrana. Já no 9º parágrafo, o advérbio faz referência à local onde ocorreriam as manifestações. 4. Que expressão estabelece a coesão entre os 4º e 5º parágrafos? A expressão “a situação é bastante parecida” funciona como um elo coesivo entre os 4º e 5º parágrafos. 5. Para se referir às pessoas diretamente atingidas pelas chuvas de janeiro de 2011, em Teresópolis, o jornalista, nos 6º e 7º parágrafos, emprega cinco diferentes expressões. Identifique-‐as. As expressões que fazem referência à pessoas atingidas pelas chuvas são: “desaparecidos”, “vítimas da tragédia”, “vítimas da catástrofe”, “mortos”, “vítimas das chuvas”. 6) Explique a ironia da manifestação dos moradores da Serra ao “comemorarem” o aniversário da tragédia com um “bolo de lama”, conforme informa a manchete da notícia. Se é comum associarmos aniversários a bolos para comemoração, então, no caso dos moradores da Serra, o bolo é de lama, pois em seguida, a notícia inclui a fala do coordenador
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
do Fórum Sindical Popular que afirma que a população até agora só viu lama, daí a referência ao bolo de lama. 7) No primeiro parágrafo do texto, a expressão desses municípios faz uma referência explícita ou implícita a conteúdos do texto? Justifique sua resposta, indicando quais conteúdos são esses. Uma referência direta, que só é recuperada quando o leitor volta à chamada da notícia, abaixo da manchete: “Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo”. 8) Pode-‐se definir dêixis como sendo expressões que exigem o conhecimento do lugar ou do tempo em que se encontra o enunciador. Assim, transcreva do texto ao menos duas expressões dêiticas e justifique suas escolhas. No primeiro parágrafo, a expressão “nesta quinta-‐feira” é dêitica, porque só pode ser compreendida se o leitor considerar que seria a quinta-‐feira da semana do dia 12 de janeiro de 2012. Já no terceiro parágrafo, a expressão “Durante os últimos 12 meses” também necessita de que o leitor saiba que se trata do ano de 2011, já que se tem como referência o ano atual, 2012. 9) Muitas foram as formas utilizadas por essa notícia para nomear o que ocorreu na região serrana do Rio em janeiro de 2011, resumindo e ao mesmo tempo revelando um ponto de vista. Cite dois termos que cumprem essa função no texto. A notícia trata do que aconteceu como “tragédia” e “catástrofe”. 10) Releia o seguinte parágrafo: Em Teresópolis, a situação é bastante parecida. Primeiro, denúncias de desvios de verba levaram ao afastamento do prefeito Jorge Mario Sedlack, que teve o mandato cassado por unanimidade pelos vereadores. Então, o vice-‐prefeito Roberto Pinto assumiu, mas morreu de infarto apenas dois dias após sua
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
posse. Acabou sobrando para o presidente da Câmara, Arlei de Oliveira Rosa. A afirmação coloquial e de tom pessoal: Acabou sobrando para o presidente da Câmara (...) não deixa claro o que, de fato, “acabou sobrando” para o presidente, mas é possível perceber certa intenção e subjetividade presentes. Identifique a que situação a expressão faz referência. Tendo em vista que se relata o que aconteceu com os dois prefeitos anteriores, fica claro que o presidente da Câmara teve de assumir a prefeitura em uma situação muito difícil. O que sobrou a ele, portanto, foi a difícil tarefa de assumir o mandato nas condições precárias em que se encontra a cidade. TEXTO 2: Uma casinha na serra Muitos moradores das encostas de Teresópolis afirmam ter recebido "certificados" de posse no governo de Mario Tricano, ex-prefeito por três mandatos. Hoje processado sob a acusação de envolvimento no jogo do bicho, ele é tido como o principal responsável por ocupações irregulares na cidade nos últimos 20 anos. Na vizinha Friburgo, houve a mesma combinação de negligência com o interesse de criar currais eleitorais. As duas cidades da serra fluminense têm perto de 20 mil pessoas em lugares de risco, sobressaltadas desde a tempestade de 2011, que deixou 900 mortos na região. Embora grande, o contingente equivale a menos de 6% da população dos dois municípios. Resolver o problema não deveria ser difícil, mas a construção de casas para a transferência dessa gente a locais seguros virou um périplo burocrático-legal. Em Friburgo, um terreno desapropriado pelo prefeito da época da tragédia - Dermeval Barbosa, depois afastado sob a acusação de desviar verbas emergenciais - revelou-se um pântano. Foi preciso esperar um ano para que o Estado garantisse a posse de outra área, por R$ 2,8 milhões. Em Teresópolis, os donos da fazenda onde serão erguidas as moradias recorreram do valor fixado pelas autoridades, R$ 2 milhões. Pediram R$ 24 milhões, e só agora a Justiça bateu o martelo em R$ 11 milhões.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Para complicar o processo, nenhuma construtora apresentou-se no ano passado para as obras, bancadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida. Para atrair interessados, o Estado negociou o aumento do valor de cada habitação, de cerca de R4 50 mil para R$ 65 mil. As primeiras unidades poderão ser entregues no fim do ano, mas os novos bairros completos não ficarão prontos em menos de 18 meses. É menos complicado fazer uma casa oscilante em cima do morro, e rezar para não chover mais. 1. Ao ler o título do texto, é possível pensar que a expressão “casinha na serra” pode apresentar uma conotação positiva ou negativa. a) Explique o sentido positivo que a expressão sugere. A expressão sugere um lugar calmo, bucólico. b) Ao longo do texto, esse sentido positivo se mantém? Justifique sua resposta. Os termos que retomam o referente “uma casinha na serra”, mas, ao mesmo tempo, desconstroem sua imagem bucólica e sossegada são: “encostas”, “ocupações irregulares”, “lugares de risco”, “pântano”. 2. Para informar sobre a ação governamental para a reconstrução das cidades atingidas pelas chuvas de janeiro de 2011, há no texto emprega outras expressões para se referir à “casinha na serra”. a) Identifique três delas. Destacam-‐se os seguintes termos: “casas”, “locais seguros”, moradias”, habitação”, “unidades”, novos bairros”. b) Explique o porquê da mudança na forma de se referir às habitações.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Para se referir à ação governamental, a autora emprega termos mais neutros, sem carga emotiva, já que as construções são feitas em série e não remetem a lares, famílias, são apenas obras, números para o governo, produtos vendidos pelas construtoras. 3. Que expressão, empregada no 2º parágrafo, retoma o conteúdo do 1º e também denuncia a opinião crítica da autora em relação à política habitacional da serra fluminense? A expressão que estabelece a coesão entre os parágrafos citados é: “...houve a mesma combinação de negligência com o interesse de criar currais eleitorais.” 4. São apresentadas expressões quantitativas diferentes, nos 2º e 3º parágrafos, para se referir às pessoas que habitam áreas de risco. a) Quais são essas expressões. As expressões são “20 mil pessoas” e “6% da população” b) Em que contexto essas expressões foram empregadas? No 3º parágrafo, a autora emprega um número absoluto (20 mil) para mostrar que ainda é alarmante a quantidade de pessoas que mora em áreas de risco. Entretanto, no 4º parágrafo, a porcentagem evidencia que esse número equivale a apenas 6% da população total, o que representa um problema relativamente pequeno e que, por isso, já deveria ter sido resolvido pelas autoridades. 5. O emprego do adjetivo “menos complicado” sugere a comparação entre dois elementos do texto. a) O que está sendo comparado?
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
O texto apresenta uma comparação entre “fazer uma casa oscilante em cima do morro, e rezar para não chover mais” e esperar que as autoridades providenciem locais seguros para a população atingida pelas chuvas de janeiro de 2011. b) Explique a crítica implícita nessa comparação. O texto chama a atenção para a morosidade e desinteresse do governo em resolver o problema habitacional das pessoas atingidas pelas chuvas. TEXTO 3: Personagens-‐símbolo da tragédia na serra fluminense contam como vivem Susto e tensão pela enxurrada fizeram Tainá entrar em trabalho de parto. Dona Ilair foi salva da correnteza com ajuda de vizinhos por uma corda. Pai e filho que ficaram soterrados por 15 horas foram resgatados com vida.
No estado do Rio de Janeiro, um ano depois da destruição provocada pelas chuvas na Região Serrana, o Jornal Nacional reencontrou alguns personagens-símbolo da tragédia. A reportagem é de Bette Lucchese.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
“Quando chove, a gente fica pensativo. Pensa: ‘ai meu Deus, será que vai cair barranco de novo?”, diz Tainá. “Esquecer, a gente não vai esquecer nunca”, garante Dona Ilair. “A fé é tudo. Se você não viver a fé, você não vive a vida”, destaca Wellington. Marcos André completou um ano. Poucas horas antes de o menino nascer, a família viveu momentos de pavor, quase foi arrastada pela enxurrada, que destruiu a casa. O susto e a tensão fizeram Tainá entrar em trabalho de parto. Ela estava grávida de oito meses. A equipe de reportagem do JN junto com os bombeiros ajudou a jovem através do Globocop. A adolescente, de 16 anos, não é mais a mesma: “Com a tragédia e com a chegada do meu filho, mudou muita coisa. A nossa família está muito mais unida, graças a Deus”, ela conta. Todos os meses, a família de Tainá depende de R$ 500 do governo para pagar o aluguel. Casa simples, cheia de problema. “Fica muito difícil para gente dormir, fazer alguma coisa dentro de casa”, ela diz. Ela espera que as casas prometidas para Teresópolis fiquem logo prontas: “Que saia logo, porque viver no aluguel é muito ruim, é muito difícil”. Um ano atrás, um prédio em São José do Vale do Rio Preto passava por uma reforma. O que ninguém poderia imaginar é que uma corda, deixada na cobertura pelo pintor, ajudaria a salvar uma vida. “Aquilo ali foi a mão de Deus mesmo. Você viu que aperto. A casa dele despencando, eu só ali”, lembra Dona Ilair. O cachorro de estimação, a casa dela, do irmão e de vizinhos foram levados pela correnteza. Mas Dona Ilair diz que teve a oportunidade de nascer de novo. Com a vida nova, vieram presentes do programa Caldeirão do Huck. “Ganhei uma casa. Um cachorro novo, uma cadela nova. Tenho meus filhos vivos, graças a Deus, com saúde. Isso é importante na vida da gente”, afirma. Uma das encostas que deslizaram em janeiro de 2011 fica no centro de Nova Friburgo. Os destroços das casas foram retirados, se não fosse um estacionamento aberto na região, pouco teria mudado. No local, pai e filho ficaram soterrados por 15 horas. Os bombeiros ouviram um pedido de socorro. E quando finalmente retiraram o sobrevivente, o que parecia inacreditável aconteceu: no meio de toneladas de escombros, surgiu o pequeno Nicolas. Alguns minutos depois, o pai que salvou o filho mantendo o bebê apertado contra o peito também fiu retirado. “Eu juntava saliva na boca para dar nele. Para, pelo menos, molhar a boca dele”, lembra Wellington. A família dormia na hora do desastre. A mulher de Wellington não resistiu e morreu na hora. A sogra também. “As pessoas falam: ‘o sobrevivente’. Não! O sobrevivente, não, a pessoa que está aprendendo, realmente, a dar valor ao que
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tem dar valor, dar importância ao que tem que dar importância, valorizar o que tem que ser valorizado: família, amigos”, garante. Wellington é um pai dedicado. Nicolas está com um ano e meio. “Com ele, aprendi viver. Essa é a palavra”. “A Região Serrana está precisando de apoio. Não de palavras, de apoio. Você vê notícias de superfaturamento, de desvio de verbas. Atitude! Vamos cobrar, vamos cobrar”, pede Wellington. Jornal Nacional (Edição do dia 13/01/2012, Atualizado em 13/01/2012 21h15)http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/01/personagens-simbolo-da-tragedia-na-serra-fluminense-contam-como-vivem.html 1. Segundo a reportagem do Jornal Nacional sobre a tragédia na serra fluminense, a quem o termo “personagens-‐símbolo” faz referência? Por que eles recebem esse nome? O termo faz referência à adolescente Tainá, à Dona Ilair, ao Wellington e seu filho (Nicolas). São considerados personagens-‐símbolo por terem sobrevivido à tragédia de modo inacreditável: Tainá entrou em trabalho de parto logo após sua família quase ter sido arrastada pela enxurrada, tendo a sua casa destruída; Dona Ilair conseguiu se salvar com uma corda deixada pelo pintor na cobertura do prédio; e Wellington e o filho ficaram 15 horas soterrados. 2. As anáforas encapsuladoras são aquelas que não recuperam um referente específico, mas conteúdos inteiros do texto, precedentes e/ou consequentes, a fim de resumi-‐los. Com base nisso, observe a seguinte fala de Dona Ilair e responda ao que se pede: “Ganhei uma casa. Um cachorro novo, uma cadela nova. Tenho meus filhos vivos, graças a Deus, com saúde. Isso é importante na vida da gente”.
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a) Qual termo está funcionando como uma anáfora encapsuladora nesse trecho? O pronome demonstrativo “isso”. b) O que essa anáfora está recuperando? Recupera toda a fala anterior de Dona Ilair (o fato de ela ter ganhado uma casa e uma cadela novas e de ter os filhos vivos, com saúde). 3. De acordo com a leitura do texto, podemos afirmar que Wellington se identifica com o referente “o sobrevivente”, atribuído pelas pessoas a ele? Justifique sua resposta. Não. Ele não se considera um sobrevivente, mas alguém que está aprendendo a dar valor ao que realmente importa na vida: a família e os amigos. 4. Identifique, no texto, palavras ou expressões que façam referência à Tainá, uma das sobreviventes. “Ela”; “a jovem”; “a adolescente”. 5. Algumas expressões referenciais só fazem sentido se forem analisadas dentro do contexto, ou seja, exigem o conhecimento do lugar, da pessoa e do tempo em que se encontra o enunciador. Diante disso, observe os fragmentos a seguir, com depoimentos das vítimas da tragédia, e responda ao que se pede: “Quando chove, a gente fica pensativo. Pensa: ‘ai meu Deus, será que vai cair barranco de novo?’”(Tainá) “A casa dele despencando, eu só ali” (Dona Ilair) a) Destaque os elementos dêiticos de cada depoimento. “a gente”; “dele”; “eu”; “ali”. b) Indique as referências de cada um desses elementos, considerando o contexto em que se encontram. “a gente” = Tainá e sua família; “dele” = algum vizinho; “eu” = dona Ilair; “ali” = dona Ilair segurando na corda para se salvar.
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TEXTO 4: No meio da serra fluminense, o grito dos sobreviventes ainda reverbera, um ano depois: “não está tudo bem”
Vem cá, moça. A gente precisa falar o que tá acontecendo aqui: não tá tudo bem”.
A frase foi o primeiro contato da reportagem do UOL com moradores da região serrana do Rio, no início deste mês, na viagem de quatro dias pelos municípios mais afetados pela enchente e pelos deslizamentos do fatídico 12 de janeiro de 2011. A partir da capital, a equipe seguiu para Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo --em ordem crescente, onde foi registrada a maioria das quase 1.000 mortes consideradas pelas estatísticas oficiais.
A autora é uma comerciante de Petrópolis --ou melhor: “do distrito de Itaipava” (como tantas vezes a administração local fez questão de ‘corrigir’, nos primeiros dias após a tragédia, a pretexto de o turismo ‘em Petrópolis’ não ser afetado). Dos 74 mortos registrados no município, todos eram do distrito. Todos, de um vilarejo rural conhecido como vale do Cuiabá e do qual pouco sobrou.
O curioso é que, uma palavra mudada aqui, outra ali, com um tom de revolta mais ou menos acentuado, isso seria ouvido até o último dia de jornada da equipe. Mais que “moradores” da região serrana, as pessoas fazem questão de se apresentar como “sobreviventes” daquele que ficou marcado como o pior desastre natural da história do Brasil.
E se revoltam: 12 meses depois, não bastasse muito pouco ter sido recuperado, tentar esquecer os momentos de maior desespero é uma luta diária tão árdua quanto recuperar o bem material que se perdeu. Afinal, os escombros e a infraestrutura urbana destruída estão ali tão presentes quanto as encostas que ainda exibem, ameaçadoras, as marcas da destruição. “As crianças crescem com essas imagens aí na cabeça”, lamenta seu Sebastião, comerciante em Teresópolis. Não só elas, seu Sebastião. Os esqueletos da destruição e as placas oficiosas
Nas três cidades, as localidades mais afetadas pelos deslizamentos guardam entre si a semelhança de ainda portarem muitos esqueletos do que restou de casas, hotéis, pousadas e bares.
Guardam também a riqueza de detalhes com que cada sobrevivente lembra do próprio apuro na madrugada do dia 12 de janeiro e do destino de parentes e amigos mortos ou salvos em galhos de árvores. E uma queixa comum: segundo uma gama variada de entrevistados, administrador público
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pouco ou nada é visto nesses pontos, ainda que o talonário do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), em alguns bairros, tenha vindo em 2012 com reajustes consideráveis.
Em Teresópolis, uma situação curiosa: a contar pelas volumosas placas anunciando investimentos, a recuperação da cidade vai de vento em popa. Lama no que era um importante ponto turístico como a Cascata do Imbuí e pichações de “corrupto” em algumas dessas mesmas placas contradizem a propaganda oficial da recuperação a olhos vistos. A sabedoria popular do "enxuga-gelo" e as flores do caminho
Gíria para ineficiência, a expressão “enxugar gelo” é outra a que os sobreviventes das três cidades recorrem para avaliar as poucas obras em andamento. Não é difícil compreender o sentido: montes de areia na beira de um rio que precisa ser desassoreado, aprende uma criança na aula de Ciências, é facilmente transportável para o mesmo rio pela ação do tempo.
Casas à beira de encostas nuas, se aprende com a experiência do fato vivido, são risco iminente e chance fácil para o azar. Estradas inacessíveis a quem delas depende para escoar a produção, ensina o homem do campo, é falta de comida na mesa --ou uma incômoda dependência da boa vontade de quem assume o papel do Estado em ação voluntária, mas de alcance limitado.
O “não tá tudo bem” de dona Sandra, comerciante em Petrópolis --pois é para a prefeitura de lá que ela paga impostos, não Itaipava--, tem um corpo definido para a equipe ao fim da viagem. Seja pelo que se ouve, seja pelo que se vê.
Mas algumas flores que insistem em surgir em meio a rochas imensas que rolaram sobre o bairro de Campo Grande, em Teresópolis, ajudam a apontar algum caminho de mudança: seja pela artista plástica que recolheu dezenas de cães da enchente, seja por dona Maria, de Nova Friburgo, que mostra a casinha sendo refeita cômodo por cômodo ao lado de duas vira-latas que recolheu dos escombros, seja pelos jipeiros que deixam o conforto do fim de semana no Rio para levar água e comida a isolados na zona rural --isolados um ano depois.
São os exemplos pontuais, ainda que singelos, que ajudam a afastar algumas nuvens pesadas da serra fluminense. E a prontidão de um "a resposta será dada nas urnas”, como a reportagem ouviu nas três cidades neste 2012 de eleições municipais, é a que talvez, lá adiante, explique ao comerciante do devastado Vale do Cuiabá a dúvida expressada sob um sol forte das duas da tarde: “será possível que todo ano vai ser a mesma tragédia?” Em tempo: a qualidade da reconstrução do que foi destruído e do recomeço de uma nova etapa de desenvolvimento dependem também da resposta que a Justiça dará aos desvios de dinheiro público constatados nos últimos 12 meses
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por órgãos como MPF (Ministério Público Federal) e MPE (Ministério Público Estadual), além de CGU (Controladoria Geral da União).
Como simples e sabiamente definiriam os sobreviventes, chega de enxugar gelo. Janaína Garcia, Do UOL, em São Paulo. Notícias UOL - 17/01/2012 06h00 http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/01/17/no-meio-da-serra-fluminense-o-grito-dos-sobreviventes-ainda-reverbera-um-ano-depois-nao-esta-tudo-bem.htm 1. De acordo com o texto, explique qual a diferença entre usar “distrito de Itaipava” e usar “Petrópolis” para se referir ao local da tragédia. As vítimas da tragédia dizem que são de Petrópolis, mas a administração local prefere falar que o acidente aconteceu no distrito de Itaipava para que o turismo de Petrópolis não seja afetado e, assim, para que eles não tenham prejuízo financeiro. 2. Transcreva do texto duas expressões que a jornalista usa para se referir ao episódio de enchentes e deslizamentos na serra fluminense. “enchente e deslizamentos do fatídico 12 de janeiro de 2011” e “o pior desastre natural da história do Brasil”. 3. Explique como as expressões destacadas na resposta acima contribuem para transmitir um ponto de vista acerca da tragédia. Ao usar essas expressões, a jornalista reforça a ideia de que o acontecimento foi muito grave e acentua a revolta diante do pouco que foi feito um ano depois para resolver ou amenizar a situação.
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4. Segundo o texto, explique como as vítimas da tragédia se referem a si mesmas. Elas se referem a si mesmas como “sobreviventes”, porque a referência de “moradores da região serrana” se tornou pouco diante da gravidade da situação pela qual passaram. TEXTO 5: O município de Teresópolis, um dos mais afetados pelas chuvas do começo do ano passado no Rio de Janeiro, ainda tenta se recuperar dos estragos deixados. Um ano depois das fortes chuvas e dos deslizamentos que deixaram centenas de mortos e destruíram comunidades inteiras, a cidade de Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, ainda tenta se reconstruir e retomar a normalidade do dia a dia. A prefeitura de Teresópolis afirma que, somente no município, que continua em estado de calamidade pública, as enchentes e desabamentos ocorridos na madrugada de 12 de janeiro de 2011 deixaram 392 mortos confirmados, além de 180 desaparecidos, nas 80 localidades atingidas. No bairro de Campo Grande, o deslizamento de terra causado pelo acúmulo de água no topo de um morro causou uma enxurrada de lama e pedras que praticamente dizimou a comunidade, a mais atingida pelo desastre. A tragédia atingiu outras localidades, como o bairro de Posse. Somado com os de outros municípios da serra fluminense, como Nova Friburgo e Petrópolis, o número de mortos devido às chuvas de janeiro de 2011 superou os 900, segundo dados das prefeituras. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) aponta que 345 pessoas estão desaparecidas, segundo dados de março do ano passado. Posse
Na Estrada da Posse, rota que leva às áreas mais devastadas em Teresópolis, muitas propriedades que foram destruídas pela enchente e pelos desabamentos estão sendo reerguidas aos poucos, enquanto outras, que ficavam à beira do rio Paquequer, foram totalmente demolidas. Nos bairros adjacentes à estrada, como Granja Florestal e Cascata do Imbuí, muros de contenção estão sendo construídos à beira de encostas, para evitar novos deslizamentos. Já as paredes das casas interditadas pela Defesa Civil apresentam inscrições em vermelho, com as iniciais de cada bairro ("CI" para Cascata do Imbuí e "CG" para Campo Grande, por exemplo) seguidas de um número de identificação. O economista Martinho Ferreira dos Santos, 63 anos, mora no bairro da Posse há sete, junto da mulher. Ambos estavam em casa na madrugada de 12 de
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janeiro de 2011, quando ocorreu o deslizamento. "Eu estava dormindo e não ouvi nada na hora, foi a minha mulher que disse que havia alguém na rua pedindo socorro", disse Santos à BBC Brasil. A residência do economista - uma casa de dois pisos, construída há 70 anos em um terreno de 2 mil m²- fica à beira do córrego do Príncipe, que vem do bairro vizinho de Campo Grande e corta o bairro da Posse. Um ano após o desastre, o córrego, que "mal encobria o pé da gente", segundo Santos, ganhou volume e força, ficando com mais de 1 m de profundidade. "Foi promovido a rio", ironiza o morador. No dia da tragédia, no entanto, o córrego deu lugar a uma enxurrada de lama e rochas que vinham da direção do bairro do Campo Grande. A casa do economista, assim como as de seus vizinhos, ficou dois meses sem água e luz, e chegou a ser interditada, devido ao risco de novos desabamentos. Tomado pela lama, o terreno de Santos acabou sendo invadido até por animais, como um cavalo de raça. "Era um mangalarga lindo, mas todo machucado", diz. Hoje, supervisionando reparos feitos no portão de entrada de sua propriedade, o economista diz não ter medo de uma nova tragédia, mas afirma que as ações do poder público para recuperar a sua zona são lentas demais. "A gente vê muros de contenção sendo feitos em outros lugares, o que é importante, mas aqui foi feita muito pouca coisa." Campo Grande Mais adiante, fica Campo Grande, o bairro mais afetado pelo desastre. Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada. Retroescavadeiras ainda trabalham no local, tentando remover a terra que chega a quase 2 m de altura por sobre alguns pontos da estrada. Um verdadeiro mar de rochas enormes agora faz parte da paisagem local, que parece intocada desde os desabamentos de janeiro de 2011. Em todo o bairro, dezenas de casas semidestruídas estão vazias, interditadas pela Defesa Civil. Estima-se que dezenas de corpos ainda estejam encobertos pela lama e pelos escombros. Moradores afirmam que, há uma semana, ossos humanos foram desenterrados por funcionários das obras de recuperação. Uma das residências liberadas para morar é a do motorista Anísio Siqueira da Silva, 52 anos. Ele afirma que não tem medo de permanecer no local, mesmo que a parte dos fundos, onde residia a sua filha, tenha sido abandonada por ordem da Defesa Civil. Nos fundos, à beira do Córrego do Príncipe, ele aponta para o local onde moravam seis sobrinhos seus. Todos foram mortos pela enxurrada de 2011, diz o motorista. Além deles, segundo Silva, vários vizinhos morreram ou desapareceram devido à tragédia, "Moro aqui desde que eu nasci. O que tinha que acontecer, já aconteceu, não tenho medo de ficar", diz Silva, que mora junto da mulher e de quatro filhos.
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A família do motorista chegou a ficar dois meses em um abrigo, mas conseguiu voltar para casa sem maiores perdas. Agora, Silva diz que aguarda uma maior ação do governo para melhorar a estrutura do bairro. "Tem que ajeitar a rua, trazer os ônibus de volta, dar luz para quem precisa, ajudar a gente", afirma o morador. Caleme No bairro do Caleme, outra localidade fortemente atingida pelos deslizamentos, moradores aguardam a liberação definitiva das autoridades para permanecer em casas situadas em áreas de risco moderado, chamadas de "linha amarela". Segundo a Defesa Civil de Teresópolis, as construções localizadas na "linha amarela" ficam próximas de áreas com risco de desabamento, mas sem apresentar risco iminente - diferentemente das zonas mais perigosas, interditadas permanentemente, conhecidas como "linha vermelha". A dona de casa Raquel Laje Siqueira, 25 anos, mora na "linha amarela", perto de um morro que desabou em janeiro de 2011. No topo do morro, cerca de 200 m acima da rua, duas rochas grandes são visíveis em meio à terra molhada pela chuva. Mesmo com essa aparente ameaça, Raquel diz que não cogita sair de casa, e que não tem medo que aconteça um novo desastre. "Quando é para acontecer, acontece em qualquer lugar", disse ela, que mora com marido e um filho. A Defesa Civil alega que um laudo técnico do Departamento de Recursos Minerais (DRM) do Estado do Rio apontará se a "linha amarela" será liberada ou não para ser habitada. O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Caleme (Amac), Jeová dos Santos Silva, conta que uma das medidas de prevenção adotadas foi a entrega de um pluviômetro pelo governo do Estado à sua entidade. Quando o aparelho indicar chuvas acima de 60 mm, um alerta é feito via rádio à Defesa Civil. Além disso, duas sirenes foram instaladas no bairro, além da fixação de placas indicando rotas de fuga em caso de enchentes e deslizamentos. No entanto, Silva diz que ainda faltam medidas de saúde no bairro, como a criação de um posto de atendimento e ações para evitar doenças como a leptospirose. A prefeitura de Teresópolis afirma que o governo federal repassou ao município R$ 7,241 milhões, sendo que cerca de R$ 1 milhão foi bloqueado, segundo a administração municipal, devido a problemas administrativos ocorridos na gestão do prefeito Jorge Mário (PT), afastado no ano passado. O restante das verbas, de acordo com a prefeitura, foi utilizado para locar equipamentos para a limpeza das áreas atingidas e para o atendimento às vítimas. Já o governo do Estado liberou para Teresópolis R$ 4,19 milhões, que foram utilizados, segundo a prefeitura, para a compra de medicamentos e materiais para o atendimento de saúde. O saldo restante, de R$ 1,854 milhão, está sendo aplicado na recuperação de postos de saúde, de acordo com a administração municipal.
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http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5552774-EI8139,00- Um+ano+apos+chuvas+Teresopolis+ainda+guarda+marcas+da+tragedia.html 1. Identifique no fragmento que segue todos os termos que retomam os vocábulos destacados: Um ano depois das fortes chuvas e dos deslizamentos que deixaram centenas de mortos e destruíram comunidades inteiras, a cidade de Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, ainda tenta se reconstruir e retomar a normalidade do dia a dia. A prefeitura de Teresópolis afirma que, somente no município, que continua em estado de calamidade pública, as enchentes e desabamentos ocorridos na madrugada de 12 de janeiro de 2011 deixaram 392 mortos confirmados, além de 180 desaparecidos, nas 80 localidades atingidas. No bairro de Campo Grande, o deslizamento de terra causado pelo acúmulo de água no topo de um morro causou uma enxurrada de lama e pedras que praticamente dizimou a comunidade, a mais atingida pelo desastre. A tragédia atingiu outras localidades, como o bairro de Posse. 2. Leia o fragmento: O economista Martinho Ferreira dos Santos, 63 anos, mora no bairro da Posse há sete, junto da mulher. Ambos estavam em casa na madrugada de 12 de janeiro de 2011, quando ocorreu o deslizamento. "Eu estava dormindo e não ouvi nada na hora, foi a minha mulher que disse que havia alguém na rua pedindo socorro", disse Santos à BBC Brasil. A residência do economista -‐ uma casa de dois pisos, construída há 70 anos em um terreno de 2 mil m²-‐ fica à beira do córrego do Príncipe, que vem do bairro vizinho de Campo Grande e corta o
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bairro da Posse. Um ano após o desastre, o córrego, que "mal encobria o pé da gente", segundo Santos, ganhou volume e força, ficando com mais de 1 m de profundidade. "Foi promovido a rio", ironiza o morador. Todas as palavras que seguem retomam a expressão O economista Martinho Ferreira dos Santos, exceto: letra B a) ambos b) alguém c) Santos d) o morador e) economista 3. Assinale a proposição em que o antecedente do termo sublinhado não pode ser localizado no mesmo segmento do texto que está entre aspas: letra D a) “Mais adiante, fica Campo Grande, o bairro mais afetado pelo desastre. Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada.” b) “Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada. Retroescavadeiras ainda trabalham no local, tentando remover a terra que chega a quase 2 m de altura por sobre alguns pontos da estrada.” c) “Um verdadeiro mar de rochas enormes agora faz parte da paisagem local, que parece intocada desde os desabamentos de janeiro de 2011.” d) “Um verdadeiro mar de rochas enormes agora faz parte da paisagem local, que parece intocada desde os desabamentos de janeiro de 2011.” e) “Mais adiante, fica Campo Grande, o bairro mais afetado pelo desastre. Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada.”
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4. Assinale a alternativa em que o vocábulo destacado não retoma outro(s) elemento(s) citado(s) anteriormente. letra D a) “Um ano depois das fortes chuvas e dos deslizamentos que deixaram centenas de mortos e destruíram comunidades inteiras...” b) “A prefeitura de Teresópolis afirma que, somente no município, que continua em estado de calamidade pública...” c) “o deslizamento de terra causado pelo acúmulo de água no topo de um morro causou uma enxurrada de lama e pedras que praticamente dizimou a comunidade...” d) “O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) aponta que 345 pessoas estão desaparecidas, segundo dados de março do ano passado.” e) “Na Estrada da Posse, rota que leva às áreas mais devastadas em Teresópolis, muitas propriedades que foram destruídas pela enchente e pelos desabamentos...” 5. Leia o fragmento que segue e marque o referente da palavra sua: letra D “O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Caleme (Amac), Jeová dos Santos Silva, conta que uma das medidas de prevenção adotadas foi a entrega de um pluviômetro pelo governo do Estado à sua entidade.” a) associação dos moradores b) amigos do Caleme c) governo do Estado d) Jeová dos Santos Silva e) Amac 6. Leia o excerto:
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Mais adiante, fica Campo Grande, o bairro mais afetado pelo desastre. Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada. Retroescavadeiras ainda trabalham no local, tentando remover a terra que chega a quase 2 m de altura por sobre alguns pontos da estrada. Um verdadeiro mar de rochas enormes agora faz parte da paisagem local, que parece intocada desde os desabamentos de janeiro de 2011. Em todo o bairro, dezenas de casas semidestruídas estão vazias, interditadas pela Defesa Civil. Para que haja progressão do texto, o autor empregou outras expressões ou palavras para retomar o vocábulo Campo Grande. Assinale a alternativa em que aparece um termo que não cumpre essa função: letra E a) o bairro b) localidade c) no local d) em todo o bairro e) a terra 7. Leia: “A casa do economista, assim como as de seus vizinhos, ficou dois meses sem água e luz, e chegou a ser interditada, devido ao risco de novos desabamentos.” a) O termo as destacado no texto, faz alusão a um elemento que não aparece de forma explícita no fragmento. Pelo contexto, é possível inferir que esse elemento de coesão refere-‐se a quê? b) A expressão seus vizinhos refere-‐se a que termo mencionado no texto anteriormente? c) A forma verbal “ser interditada” refere-‐se a que vocábulo? A casa do economista
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8. Leia: “Na Estrada da Posse, rota que leva às áreas mais devastadas em Teresópolis, muitas propriedades que foram destruídas pela enchente e pelos desabamentos estão sendo reerguidas aos poucos, enquanto outras, que ficavam à beira do rio Paquequer, foram totalmente demolidas.” Analise as proposições que seguem e depois assinale a alternativa incorreta: letra D a) as formas verbais “foram destruídas” e “sendo reerguidas” referem-‐se a “muitas propriedades”. b) na passagem “que ficavam à beira do rio Paquequer”, a palavra que, de forma implícita, retoma a expressão “muitas propriedades”. c) em “rota que leva ás áreas mais devastadas...” a palavra que refere-‐se à palavra “rota”. d) a forma verbal “foram totalmente demolidas” refere-‐se a “áreas mais devastadas em Teresópolis...” e) o vocábulo “outras” retoma o termo “muitas propriedades”. 9. Considere as seguintes sentenças: letra D I. “Uma das residências liberadas para morar é a do motorista Anísio Siqueira da Silva, 52 anos. Ele afirma que não tem medo de permanecer no local...” II. “Ele afirma que não tem medo de permanecer no local, mesmo que a parte dos fundos, onde residia a sua filha, tenha sido abandonada por ordem da Defesa Civil.”
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III. Ele afirma que não tem medo de permanecer no local, mesmo que a parte dos fundos, onde residia a sua filha, tenha sido abandonada por ordem da Defesa Civil. IV. “Estima-‐se que dezenas de corpos ainda estejam encobertos pela lama e pelos escombros. Moradores afirmam que, há uma semana, ossos humanos foram desenterrados...” Com base apenas nos trechos citados acima, identifique aqueles em que as expressões grifadas retomam termos citados, cumprindo a função de elementos coesivos: a) I, II e IV b) II, III e IV c) I, III e IV d) I, II e III e) III e IV 10. Na coesão textual, os pronomes são empregados, muitas vezes, com o objetivo de ligar o que está sendo dito e o que já foi enunciado anteriormente. Assinale a alternativa em que o pronome não estabelece ligação com o que já foi mencionado anteriormente nas passagens que seguem. letra D a) "Eu estava dormindo e não ouvi nada na hora, foi a minha mulher que disse que havia alguém na rua pedindo socorro" b) “A casa do economista, assim como as de seus vizinhos, ficou dois meses sem água e luz, e chegou a ser interditada...” c) “Nos fundos, à beira do Córrego do Príncipe, ele aponta para o local onde moravam seis sobrinhos seus. Todos foram mortos pela enxurrada de 2011, diz o motorista.” d) “Nos fundos, à beira do Córrego do Príncipe, ele aponta para o local onde moravam seis sobrinhos seus.”
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e) “Mesmo com essa aparente ameaça, Raquel diz que não cogita sair de casa, e que não tem medo que aconteça um novo desastre. "Quando é para acontecer, acontece em qualquer lugar", disse ela, que mora com marido e um filho.” -‐-‐> QUESTÃO pré-‐textual (TEXTO 6): Observe a manchete da notícia que você irá ler e explique com suas palavras a que pode se referir a expressão destacada: Um ano após tragédia, bairro de Nova Friburgo parece cidade fantasma. TEXTO 6: Um ano após tragédia, bairro de Nova Friburgo parece cidade fantasma Deslizamentos que atingiram a região serrana em 2011 causaram mais de 900 mortes Repleto de casas destruídas e interditadas, o bairro de Córrego Dantas, em Nova Friburgo, mais parece uma cidade fantasma, um ano depois da enchente e dos deslizamentos que atingiram a região serrana do Rio de Janeiro, causando mais de 900 mortes. De acordo com a Defesa Civil, 429 pessoas morreram em Nova Friburgo devido à tragédia de janeiro de 2011. Praticamente todos os bairros da cidade foram atingidos pelas enchentes e desmoronamentos, inclusive o centro, onde vários prédios foram afetados. No município, 44 pessoas continuam desaparecidas. Situado entre dois morros e às margens do curso d'água que dá nome à comunidade, Córrego Dantas foi o bairro mais afetado pelos deslizamentos de terra e pelas fortes chuvas. Dezenas de casas tiveram as paredes totalmente arrancadas. Várias delas estão sendo demolidas. Praticamente todos os moradores já abandonaram o bairro. Alguns deles acompanham os trabalhos das retroescavadeiras usadas para reverter o assoreamento do Córrego Dantas, além dos tratores que realizam as demolições. [...] A Defesa Civil afirma que, além de Córrego Dantas, outros bairros fora do centro urbano de Nova Friburgo que tiveram muitos danos devido às chuvas de 2011 foram Duas Pedras, Jardim Califórnia, Floresta, Jardinlândia e Campo do Coelho. No centro da cidade, a vida parece ter voltado à normalidade, embora muitos prédios ainda estejam interditados.
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O teleférico localizado na praça do Suspiro, um dos principais cartões postais da cidade, ainda não foi reaberto, já que a área onde ficam as suas torres foi muito atingida. Além do teleférico, a igreja Santo Antônio, situada na mesma praça, também está fechada. Um abrigo municipal continua em funcionamento, onde cerca de 20 pessoas que perderam suas casas estão instaladas, segundo a Defesa Civil. [...] Rafael Spuldar, da BBC Brasil | 13/01/2012 às 07h41 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120112_teresopolis_cidade_fantasma_rs.shtml
1. Explique como título e subtítulo se relacionam. 2. Identifique ao longo do texto as expressões anafóricas que fazem referência ao termo tragédia, apresentado no título. 3. Com base na leitura do texto, indique a que local a expressão cidade fantasma se refere: ( ) Córrego Dantas ( ) Duas Pedras ( ) Jardim Califórnia ( ) Floresta ( ) Jardinlândia ( ) Campo do Coelho ( ) Centro da cidade
4. Explique por que, no título do texto, a expressão cidade fantasma é usada para caracterizar um bairro de Nova Friburgo. TEXTO 7: Tragédia no Rio: abandono já dura um ano Em janeiro de 2011, região serrana foi palco de uma tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados. Até hoje, novas casas e sistema de prevenção contra chuvas prometidos não foram entregues. Um ano depois da tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados na região serrana do Rio, o estado ainda não conseguiu entregar nenhuma das cerca de 5 mil casas prometidas para as vítimas das chuvas. De acordo com a secretaria de Obras, as primeiras unidades só deverão ser concluídas a partir de março. Mas a maioria delas só ficará pronta em 2013. Vice-governador e coordenador de infraestrutura do estado, Luiz Fernando Pezão culpou a
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burocracia e a falta de interesse dos empresários pela demora: “Ali você não tem uma área abundante, plana, segura para construções. Ou você está na encosta ou na beira do rio. Isso dificulta muito. Áreas para as quais conseguimos viabilizar o processo de desapropriação acabaram descartadas pelo Ministério do Meio Ambiente. Então é difícil colocar estas pessoas de novo em um lugar que não tenha problemas.” Para mitigar o problema, o governo prometeu pagar aluguel social a 7.372 famílias até o fim de 2012. No entanto, muitas das famílias beneficiadas voltaram para as casas interditadas pela Defesa Civil — por estarem em áreas de risco — após as chuvas de 12 de janeiro de 2011. Outros permanecem em locais improvisados. É o caso das 35 pessoas que invadiram um canteiro de obras onde seria construído um hospital, em Sumidouro. Ou das famílias que permanecem, desde fevereiro de 2011, num ambulatório transformado em abrigo em Nova Friburgo. O abrigo tem hoje oito famílias remanescentes da chuva de janeiro de 2011 instaladas em consultórios médicos transformados em quartos. São 36 pessoas, sendo 16 crianças e 12 adolescentes. O secretário municipal de Ação Social, Josué Ebenézer, diz que quatro delas recebem o aluguel social há alguns meses. E que as outras devem passar a receber o benefício este mês, um ano depois da tragédia. [...] Publicado em 13/01/2012 http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1212317
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5. Observe o título do texto II e explique como é possível confirmar o tempo que dura o abandono referente à tragédia no Rio.
6. Considerando o gênero textual notícia e suas características sociocomunicativas, pode-‐se dizer que este texto teria a mesma função enunciativa se lido daqui a alguns anos? 7. Observe a frase destacada no quarto parágrafo do texto I: Praticamente todos os moradores já abandonaram o bairro. Compare-‐a com o título do texto II: Tragédia no Rio: abandono já dura um ano. Explique a diferente interpretação da expressão abandono nesses trechos.
8. Identifique ao longo do texto II as expressões anafóricas/ os termos que fazem referência ao termo abandono, apresentado no título. 9. Observe as seguintes frases destacadas do texto 2 e explique a que problema cada uma se refere. Então é difícil colocar estas pessoas de novo em um lugar que não tenha problemas. (Última frase do segundo parágrafo)
Para mitigar o problema, o governo prometeu pagar aluguel social a 7.372 famílias até o fim de 2012. (Primeira frase do terceiro parágrafo)
10. Observe o que diz o vice-‐governador e coordenador de infraestrutura do Estado, Luiz Fernando Pezão, e reflita: a quem se refere o pronome em destaque? Ele se refere a alguém em especial ou é usado com valor indeterminado?
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Ali você não tem uma área abundante, plana, segura para construções. Ou você está na encosta ou na beira do rio. Isso dificulta muito. TEXTO 8: Secretaria de Estado de Turismo lança campanha publicitária da Região Serrana
A campanha “Suba a Serra do Rio de Janeiro e veja a vida de um novo ângulo”, que foi inteiramente filmada e fotografada na Região Serrana (com o apoio das cidades envolvidas: Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis), mostra as belezas e o prazer de descobrir ou redescobrir destinos maravilhosos, segundo o diretor de Marketing da TurisRio, Guto Graça.
Na cidade do Rio de Janeiro, aproveitando o grande fluxo de turistas por ocasião da Rio+20, a Secretaria de Estado de Turismo está fazendo uma grande cobertura de mobiliário urbano e marca presença também nos cinemas da cidade neste mês de junho.
Tanto na TV aberta como na TV fechada, foi feita uma vasta cobertura e um planejamento de mídia que segue critérios técnicos para melhor otimização dos investimentos.
Chegar ao produto final foi uma construção que teve nas figuras do secretário de Estado de Turismo, Ronald Azaro, e do Ministro Gastão Vieira, o exemplo do trabalho em parceria entre as esferas de poder. Um resultado objetivo que seguiu uma linha clara de trabalho, que vem sendo posta em prática, de somar forças. E através deste alinhamento, cada envolvido pode se sentir parte integrante de um todo. Seja no Estado, em Brasília ou nos municípios de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis.
Segundo a secretária de Turismo de Nova Friburgo, Bianca Tempone Felga, que participou de reuniões, junto com representantes dos municípios de Teresópolis e Petrópolis na Secretaria de Estado de Turismo, sobre a proposta de Campanha para a Região Serrana, a veiculação deste material chega em boa hora na Região Serrana e no Estado. Segundo Bianca, o momento é de mostrar ao Rio de Janeiro e a todo Brasil que a região está recuperada e aguardando a visita dos turistas. http://novafriburgo.rj.gov.br/2012/06/secretaria-de-estado-de-turismo-lanca-campanha-publicitaria-da-regiao-serrana/#ixzz1y0vkaPPg Publicado em 12 de junho de 2012
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11. Diferente dos primeiros textos, é possível notar que o texto III apresenta referências positivas em relação à região serrana um ano após a destruição causada pelas chuvas. Destaque do texto algumas expressões que comprovam isso. 12. Por que o texto III, em especial, apresenta essas referências positivas em relação à cidade de Nova Friburgo e a toda região serrana do Rio? 13. Observe que, no texto III, a secretária de turismo Bianca Tempone Felga afirma que a região serrana está recuperada, sem, no entanto, mencionar a condição de destruição da qual a região se recuperou. Essa omissão foi intencional? Justifique. 14. Forme um grupo com outros dois colegas de sua turma. O grupo deverá montar uma encenação de um telejornal, com os seguintes personagens: o prefeito de uma cidade da região serrana do Rio de Janeiro, uma vítima das fortes chuvas e o jornalista. De acordo com a fala de cada personagem a respeito da condição atual da região serrana, a turma terá como tarefa registrar as expressões referenciais que apresentam, explicitamente, como cada enunciador avalia a condição das regiões atingidas pelas fortes chuvas. Em seguida, a turma discutirá sobre a função argumentativa da referenciação na construção do texto. TEXTO 9: Chuvas deixam pelo menos cinco mortos na região serrana do Rio de Janeiro
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Maior parte dos problemas se concentra no município de Teresópolis
A forte chuva registrada nesta sexta-feira no Rio de Janeiro castigou os moradores da região serrana. Pelo menos cinco pessoas morreram no início da noite no município de Teresópolis, segundo o Corpo de Bombeiros do estado fluminense. Em Nova Friburgo, também na serra, um rio transbordou e alagou ruas e casas. As informações são da Globo News.
As mortes ocorreram em Teresópolis, nos bairros de Bom Retiro, onde dois corpos foram encontrados nos escombros de um desabamento, Santa Cecília e Quinta Lebrão, além da comunidade Pimentel. Em Quinta Lebrão, um adolescente morreu soterrado por um muro que desabou. Já em Santa Cecília, uma mulher foi localizada embaixo dos escombros.
Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Sérgio Simões, o número de desalojados e desabrigados passa de 500.
De acordo com a Defesa Civil do Rio de Janeiro, o sistema de alerta sonoro foi acionado nos pontos da cidade com maior risco de deslizamento. Houve pelo menos oito desabamento no município. A chuva obrigou a Polícia Rodoviária Federal a bloquear totalmente a rodovia Rio-Teresópolis.
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/04/chuvas-deixam-pelo-menos-cinco-mortos-na-regiao-serrana-do-rio-de-janeiro-3719803.html Zero Hora Rio Grande do Sul - Região castigada 06/04/2012 | 23h15 Atualizada em 07/04/2012 | 04h11
1) Que efeito de sentido gera a expressão “pelo menos”, presente na manchete da notícia? 2) Após ler a notícia, quais seriam os problemas apontados no subtítulo “Maior parte dos problemas se concentra no município de Teresópolis”? 3) Observe o início do segundo parágrafo da notícia, que começa referindo-‐se a algumas mortes que ocorreram em Teresópolis. a-‐ Que mortes são essas? b-‐ É a primeira vez que essas mortes são citadas no texto? Se não, onde apareceram pela primeira vez.
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4) Além da tragédia com as moradias e as mortes, qual foi a outra consequência da forte chuva?
TEXTO 10: Chuva forte castiga região serrana do Rio de Janeiro Temporal em Nova Friburgo e Teresópolis mata cinco pessoas e deixa cerca de mil desabrigadas. Defesa Civil mandou homens e máquinas para trabalhar na remoção de entulhos Rio de Janeiro (ABr) - Pouco mais de um ano depois da tragédia que atingiu cidades da região serrana do do Rio de Janeiro, matando cerca de mil pessoas e deixando centenas de desaparecidos, as chuvas voltam a castigar as cidades de Nova Friburgo e Teresópolis. Em Teresópolis, pelo menos cinco pessoas morreram e cerca de mil estão desabrigadas. Elas foram deslocadas para alojamentos disponibilizados pela prefeitura. O último dos cinco corpos, que estava soterrado, foi resgatado no final da madrugada. A vítima é uma mulher ainda não identificada, moradora do bairro de Santa Cecilia, um dos mais atingidos pelo temporal.
Segundo a Defesa Civil do estado, em pouco mais de quatro horas choveu na região serrana 160 milímetros, volume que se esperava para todo o mês. Em consequência, segundo o Inea, todos os rios da região serrana estão em estágio de atenção.
A chuva só deu uma trégua por volta das 23h de ontem, mas o dia amanheceu nublado na região, o que levou o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) a divulgar boletim colocando os municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo em estado de vigilância, assim como Macaé e todas as cidades localizadas no norte e noroeste do estado.
O secretário estadual de Defesa Civil e comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, coronel Sérgio Simões, esteve na região acompanhando os trabalhos de auxílio às vítimas e de resgate das pessoas ilhadas. Por medida de segurança, a concessionária que administra a Rio-Teresópolis fechou o trecho da serra, entre o km 89 e o km 104, por volta das 19h da sexta-feira, e só o reabriu às 23h30.
Na RJ-142, um deslizamento de terra na estrada que liga os distritos de Mury a Lumiar levou à interdição parcial da rodovia e os motoristas devem dirigir com a atenção redobrada.
O governo do Estado do Rio de Janeiro enviou a Teresópolis 10 caminhões e cerca de 80 homens para remover a lama que se acumulou nas ruas e prometeu mandar retroescavadeiras e caminhões-pipa para reforçar o
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trabalho da defesa civil. De acordo com informações da assessoria de imprensa, um posto de comando foi montado na sede da Secretaria Municipal de Segurança Pública, na Várzea, com equipes da Defesa Civil e de Segurança Pública, a fim de concentrar informações e determinar as ações de pronto-atendimento aos moradores das áreas atingidas.
O sistema de alerta sonoro foi acionado em comunidades com áreas de risco e moradores estão sendo orientados a seguir para os pontos de apoio. Por medida de precaução, equipes também foram mobilizadas em Nova Friburgo, onde o Rio Bengalas permanece em estágio de atenção. Também houve interdição de um trecho da RJ-142, em Nova Friburgo, que liga os distritos de Mury e Lumiar.
Na manhã deste sábado, a prefeitura de Teresópolis lançou um apelo pedindo a doação de água potável, cestas básicas e colchonetes para atender aos desabrigados. Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, as doações podem ser entregues no Ginásio Pedrão. Já os colchonetes e cestas básicas estão sendo providenciados pela prefeitura, em parceria com o Governo do Estado.
Tribuna do Norte Publicação: 08 de Abril de 2012 às 00:00 http://tribunadonorte.com.br/noticia/chuva-forte-castiga-regiao-serrana-do-rio-de-janeiro/217067
1) De acordo com o texto, foi a primeira vez que uma tragédia como essa aconteceu na Região Serrana? Justifique sua resposta: 2) A quem se refere o pronome de terceira pessoa no trecho “Elas foram deslocadas para alojamentos”, no segundo parágrafo? 3) O que significa a expressão “deu uma trégua”, no terceiro parágrafo? 4) O texto informa que a estradas foram bloqueadas “por medida de precaução”, o que significa dizer isso?
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5) No último parágrafo, o redator informa sobre o pedido de doação e utiliza a palavra “apelo” para fazer referência a ele. Que efeito de sentido é gerado por essa escolha vocabular?
TEXTO 11 (fragmentos): Os esquecidos da Região Serrana Há um ano, sete municípios da região viviam a pior tragédia climática da história do país. Hoje, moradores ainda convivem com o medo quando começa a chover. Os esquecidos da Região Serrana Moradores se desesperam ao menor sinal de chuva, desabrigados sofrem com desinformação, obras andam em ritmo lento e corrupção traga recursos da reconstrução. Quase um ano depois, Fórum conta histórias desoladoras da região que protagonizou a pior tragédia climática brasileira. Entre a noite do último dia 11 de janeiro e a manhã do dia seguinte, um temporal de proporções épicas atingiu a região serrana do estado do Rio de Janeiro. Em 24 horas, choveu o previsto para o mês inteiro. Nos dias seguintes, as imagens da catástrofe e o número de mortos não deixaram dúvidas: aquela foi a maior tragédia climática da história do Brasil. [...] Quase um ano depois, às vésperas de outro verão chuvoso, Fórum visitou a região para saber o que feito e como estão vivendo os sobreviventes da tragédia. “Vocês estão medindo minha casa pela metade” O caminho até o ponto final do Vale do Cuiabá, em Itaipava, distrito de Petrópolis, é longo. São pelo menos 30 minutos de ônibus entre o centro petropolitano e Itaipava, onde fica a fábrica de cerveja de mesmo nome, e outros 40 até a região que foi devastada pelas chuvas de janeiro. O lugar é famoso por abrigar mansões luxuosas de políticos e capitães da indústria fluminense, haras e pousadas chiques. Moradores contam que, semanas depois da catástrofe, donos de haras ofereceram polpudas recompensas para quem encontrasse pedaços dos cavalos perdidos entre os escombros. Só assim eles poderiam receber os seguros pagos pelos animais. Entre as muitas mortes que ocorreram ali, as que mais comoveram a opinião pública foram oito familiares do economista Erik Conolly de Carvalho, executivo do Icatu. Ele perdeu três filhos, os pais, a irmã, o cunhado e o sobrinho. A casa em que estava o grupo pertencia a Ângela Gouvêa Vieira, cunhada de Eduardo Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Moradora da região desde que nasceu,
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há 67 anos, a aposentada Edilma Vieira desenha no ar um mapa imaginário do Vale do Cuiabá e mostra onde estava a casa com a família Conolly. “Só sei que era gente importante. Quando os repórteres chegavam aqui, iam direto para lá”. [...] José Fonseca está inconformado porque funcionários do governo demoliram o que sobrou da casa sem avisá-lo. “Tinha um monte de telha, maçanetas e outros materiais que eu podia ter vendido”. Assim como todos os presentes na hora da inspeção, Fonseca não tem ideia de quando, ou mesmo se vai receber uma casa nova ou indenização do governo, como foi prometido com pompa e circunstância pelo governador Sérgio Cabral no calor dos acontecimentos. Apesar de receberam um aluguel social do governo de até R$ 500, os moradores reclamam que nenhuma das casas prometidas há quase um ano foi construída. [...] Solução é sair de casa Dez meses depois da tragédia, qualquer sinal de chuva causa pânico nos moradores de Nova Friburgo. Quando a água começa a cair com um pouco mais de veemência, mães correm para buscar os filhos nas escolas, comerciantes fecham as portas e o medo se instala no rosto das pessoas. Em Friburgo, os sinais das chuvas de janeiro ainda são visíveis no centro da cidade, que é cortada por um rio. Na Praça do Suspiro, o teleférico, que era a grande atração turística do local, está do mesmo jeito que estava em 12 janeiro. As cadeiras ainda estão lá, como em um trem fantasma abandonado. [...] De fato, poucas intervenções urbanas foram realizadas no período, e o ritmo das obras em andamento é lento. Técnicos são unânimes em dizer que não há mais tempo de fazer nada além de preparar um esquema de retirada das famílias de áreas de risco em caso de chuva forte. “As primeiras habitações só ficarão prontas no verão de 2013. Fizemos análises de investimentos e concluímos que não foi investido quase nada em Defesa Civil e contenção de encostas”, afirma o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB), presidente da CPI da Região Serrana. Ele aponta para o caos político da região, onde dois prefeitos, o de Nova Friburgo e o de Teresópolis, foram cassados, entre outros motivos, por desvios de verbas emergenciais. Mas pontua que falta organização ao governo estadual. “A CPI não achou informações centralizadas sobre o que está sendo feito. As demandas caíram na rotina das secretárias. O ideal era que a operação toda ficasse em um centro”. Um secretário municipal da Região Serrana que cuida da interface com o governo estadual nos projetos de reconstrução conversou longamente com a reportagem, mas pediu que seu nome fosse preservado. Ele concorda com a avaliação do presidente da CPI e vai além. “Além de o processo estar dividido em muitas secretarias, o estado não divide responsabilidades com as prefeituras. O governador não abre mão do poder político das obras. Ocorre que a máquina
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do estado é paquidérmica”. Ele cita um exemplo. “Colocaram duas dragas e três caminhões para fazer a dragagem em um trecho de rio, mas mandaram despejar a terra a 30 quilômetros de distância. Resultado: os caminhões são enchidos rapidamente e demoram horas para ir, despejar a terra e voltar. As dragas ficam paradas quase o dia inteiro. O cara que tomou essa decisão está no Rio de Janeiro e não conhece a região”. Ele diz, ainda, que ficará feliz se o estado conseguir construir 380 das 1,5 mil casas prometidas na sua cidade até 2013. Detalhe: todos os prefeitos da Região Serrana são aliados do governador Sérgio Cabral. [...] Pelo ralo Além da lentidão do governo estadual, as cidades da Região Serrana sofrem com o caos político local. Grande parte dos recursos enviados pelo governo federal para ajudar na reconstrução das cidades escorreu pelo ralo da mais mesquinha corrupção. Relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União apontaram irregularidades em contratos sem licitação assinados pelas prefeituras e governo do estado. Em Nova Friburgo, nada menos que R$ 10 milhões enviados de Brasília evaporaram. O Ministério Público Federal instaurou dez inquéritos civis públicos na cidade. Em Teresópolis, o MP revelou um esquema entre empreiteiras e autoridades, que cobrava até 50% de propina na execução de obras. Em Nova Friburgo, o TCU mostrou que a prestação de contas enviada pela prefeitura estava cheio de buracos. Nenhuma das prefeituras das cidades atingidas conseguiu fazer uma prestação de contas decente. O Ministério da Integração Nacional enviou R$ 30 milhões para serem divididos entre os municípios. [...] Antes de deixar a Região Serrana, assisti a uma reunião da CPI municipal das chuvas na Câmara dos Vereadores de Nova Friburgo. Apenas sete pessoas, entre elas quatro jornalistas locais, acompanhavam o depoimento do secretário José Ricardo Carvalho. Sentado ao lado de seu advogado, ele tentava convencer os vereadores da mesa diretora que o dinheiro desapareceu por causa do caos da chuva. “As circunstâncias eram muito precárias. Havia dificuldade na oferta de serviço. Não era todo mundo que tinha confiança de receber ou queria arriscar seus equipamentos. Não havia internet. Quando a equipe dizia que a empresa era idônea, eu assinava”. À medida que as perguntas se tornaram mais específicas e passaram a citar nominalmente contratos, valores e erros de procedimento, o advogado passou a bater boca com os depoentes. Formou-se então um grande teatro. Enquanto isso, assessores observavam pela janela a chuva que caía cada vez mais forte... (In: http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9660/, acesso em 31 de maio de 2012) Por Pedro Venceslau [12.01.2012 14h15]
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TEXTO 12: Um ano após a tragédia, o medo de novas chuvas Um dos laços culturais mais fortes a unir o Brasil e a Suíça, a bela Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, atravessa momentos de tristeza pela proximidade de uma data que ninguém na cidade gosta de lembrar. Em 12 de janeiro, se completará um ano da tragédia, causada pelas fortes chuvas de verão, que custou a vida de 918 pessoas (além de 215 desaparecidos) em sete municípios da Região Serrana do Rio, fazendo a metade dessas vítimas em Nova Friburgo. Apreensiva, a população friburguense vê a volta das chuvas fortes, acompanhada da constatação de que quase nada foi feito pelo poder público para evitar novos deslizamentos e enchentes nos inúmeros pontos vulneráveis da cidade. Após passar a noite de Ano-Novo sob chuva fina, Nova Friburgo reviveu o pesadelo durante a madrugada do dia 2 de janeiro, quando as pancadas de chuva e a elevação das águas de alguns rios que cortam a cidade fizeram soar sirenes de alarme em 14 bairros, o que acabou gerando algum pânico entre a população. Segundo o serviço meteorológico, naquele dia choveu em 24 horas cerca de 100 milímetros, ultrapassando o limite de segurança previamente estabelecido pela Defesa Civil. Não houve vítima na cidade, mas foram registrados pequenos deslizamentos de terra nas localidades de Mury, Braunes e Campo do Coelho. A Praça do Suspiro, principal ponto turístico de Nova Friburgo e que sequer havia sido restaurada, voltou a sofrer deslizamentos, tornando-se símbolo da difícil situação em que se encontra a cidade. Quase totalmente destruído pela força das águas e das rochas trazidas pela enxurrada há um ano, o bairro de Córrego D’Antas viu o rio Bengalas transbordar novamente e assustar a população: “Quando chove, ninguém dorme”, disse a costureira Maria da Penha de Souza, em imagem captada pelas câmeras de televisão. A preocupação dos moradores é grande, pois no último dia 19 de dezembro uma forte pancada de chuva fez o rio subir, invadir algumas casas e, para desespero de muitos, arrastar a ponte que, improvisada há um ano, serve como único ponto de contato entre Córrego D’Antas e o resto do mundo. Somente após esse incidente, a Defesa Civil anunciou a construção de uma ponte definitiva no local. É em Córrego D’Antas que a Associação Fribourg-Nova Friburgo, que administra a aplicação de parte dos donativos oferecidos pela Suíça à cidade brasileira, toca o projeto de construção de uma creche.
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Diretor cultural da Casa Suíça de Nova Friburgo, Maurício Pinheiro, relata o ambiente na cidade: “As pessoas estão com medo, principalmente aqueles que moram em áreas de risco. Medo da chuva, medo dos deslizamentos, medo de ter medo. Esse assunto está sempre presente, mesmo nos momentos de lazer. O problema maior é que mesmo as chuvas moderadas são capazes de inundar as ruas, uma vez que as galerias continuam obstruídas e os rios assoreados em diversos pontos”. A volta das chuvas de verão e dos riscos de nova tragédia tornou evidente a morosidade na reconstrução das cidades da Região Serrana do Rio. O governador Sérgio Cabral foi o primeiro a reconhecer o atraso: “Ainda temos uma tarefa gigantesca pela frente, e essa recuperação não se conclui em um ano”, disse. O prefeito em exercício de Nova Friburgo, Sérgio Xavier, afirma que seu antecessor - Demerval Barbosa Neto, afastado em novembro por decisão da Justiça - iniciou apenas 40% das obras necessárias à recuperação da cidade. Demerval foi afastado do cargo por sonegar ao Ministério Público informações no inquérito que investiga o desvio das verbas destinadas pelo governo federal à recuperação de Nova Friburgo. (In: http://www.swissinfo.ch/por/especiais/Tragedia_e_reconstrucao_na_Regiao_Serrana/Um_ano_apos_a_tragedia,_o_medo_de_novas_chuvas.html?cid=31922378, acesso em 31 de maio de 2012) : 01. Fevereiro 2012 - 10:08Por Maurício Thuswohl, swissinfo.ch 1. O título do texto I trata dos “esquecidos da Região Serrana”. IDENTIFIQUE as expressões que, nos dois primeiros parágrafos, representam esses “esquecidos”. 2. Ainda nessa primeira parte da matéria, o autor utiliza cinco expressões para se referir ao que aconteceu, em janeiro, na Região Serrana do Rio de Janeiro. a) IDENTIFIQUE essas expressões. b) Que ideia é reforçada por meio dessas escolhas lexicais? 3. Observe as expressões abaixo, utilizadas no texto I para se referir a diferentes personagens que sofreram com as chuvas da
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Região Serrana (todas as expressões encontram-‐se no segundo parágrafo da segunda parte da matéria, “Vocês estão medindo minha casa pela metade”). Moradores – donos de haras – familiares do economista Erik Conolly de Carvalho – o grupo – Moradora da região desde que nasceu. a) SEPARE essas personagens em dois grupos, tendo em vista sua denominação. b) De que modo a diferença na denominação dessas pessoas reforça a ideia de desigualdade que há entre elas? c) IDENTIFIQUE a expressão, presente na fala da moradora Edilma Vieira, que reforça ainda mais essa situação de desigualdade. 4. A Revista Fórum, periódico de onde o texto I foi retirado, caracteriza-‐se por buscar “uma visão de mundo diferente da presente nos grandes meios de comunicação”. RELEIA o trecho transcrito a seguir e EXPLIQUE de que modo as escolhas lexicais do texto deixam subentendida uma crítica à imprensa tradicional. “Entre as muitas mortes que ocorreram ali, as que mais comoveram a opinião pública foram oito familiares do economista Erik Conolly de Carvalho, executivo do Icatu.” 5. No terceiro parágrafo da segunda parte do texto I, o jornalista afirma que Fonseca não sabe quando vai receber uma “casa nova”. a) IDENTIFIQUE a expressão que, na continuidade desse parágrafo, substitui o referente “casa nova”. b) Ao fazer essa substituição, qual ideia se está defendendo?
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6. Observe a descrição que é feita da promessa de Sérgio Cabral ainda neste terceiro parágrafo: “Assim como todos os presentes na hora da inspeção, Fonseca não tem ideia de quando, ou mesmo se vai receber uma casa nova ou indenização do governo, como foi prometido com pompa e circunstância pelo governador Sérgio Cabral no calor dos acontecimentos.” a) Pode-‐se dizer que, no trecho sublinhado, a descrição foi utilizada em função de uma argumentação, ou seja, manifesta um ponto de vista? JUSTIFIQUE sua resposta com base nas escolhas lexicais do autor. b) IDENTIFIQUE a expressão que, no trecho transcrito, refere-‐se ao período da tragédia e EXPLIQUE como ela manifesta um ponto de vista do texto. 7. Luiz Paulo Correa e um secretário municipal da Região Serrana foram ouvidos pelo jornalista do texto I. Embora ambos apontem para o caos político da região, o secretário municipal é bem mais enfático em suas críticas. a) Se Luiz Paulo Correa quisesse ser mais incisivo em sua crítica, por que outro referente ele poderia substituir a expressão “demandas” em “As demandas caíram na rotina das secretárias”. b) IDENTIFIQUE o referente utilizado pelo secretário para se referir à pessoa que criou a estratégia para fazer a dragagem em um trecho de um rio. Ao ler essa expressão, que imagem o leitor cria dessa pessoa? c) O secretário municipal também descreve a “máquina do estado”. Pode-‐se dizer que essa descrição foi utilizada em função de uma argumentação, ou seja, manifesta um ponto de vista? JUSTIFIQUE sua resposta com base nas escolhas lexicais.
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8. No último parágrafo do texto I, o jornalista trata da “reunião da CPI municipal das chuvas”. a) IDENTIFIQUE a expressão que, na continuidade desse parágrafo, substitui o referente “reunião da CPI municipal das chuvas”. b) Ao fazer essa substituição, que ideia o jornalista está defendendo? 9. No último parágrafo do texto I, o jornalista é bastante irônico. EXPLIQUE o porquê dessa ironia. 10. Compare os trechos a seguir que tratam de um mesmo ponto turístico de Friburgo: “Na Praça do Suspiro, o teleférico, que era a grande atração turística do local, está do mesmo jeito que estava em 12 janeiro. As cadeiras ainda estão lá, como em um trem fantasma abandonado.” (Texto I) “A Praça do Suspiro, principal ponto turístico de Nova Friburgo e que sequer havia sido restaurada, voltou a sofrer deslizamentos, tornando-‐se símbolo da difícil situação em que se encontra a cidade.” (Texto II) a) IDENTIFIQUE o elemento que, no texto I, refere-‐se ao teleférico e o elemento que, no texto II, refere-‐se à Praça do Suspiro. b) Tendo em vista sua resposta à questão anterior (11a), DIFERENCIE os dois textos no que diz respeito à linguagem utilizada para criticar a situação da Região Serrana hoje. 12. Observe o trecho a seguir, retirado do texto II: “Medo da chuva, medo dos deslizamentos, medo de ter medo.”
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Sabe-‐se que, com vistas à redação de um texto mais elegante, costumam-‐se evitar repetições de vocábulos. Entretanto, há casos em que tais repetições são legítimas, como no trecho acima. EXPLIQUE qual é o sentido da recorrência do substantivo “medo” no período. TEXTO 13: FÚRIA CLIMÁTICA: Tragédia no RJ coloca o Brasil no mapa-‐múndi das catástrofes Calamidade natural na região serrana do Rio foi o terceiro maior desastre em número de mortes no ano passado, segundo a ONU As inundações e os deslizamentos de terra na região serrana do Rio de Janeiro, que vitimaram pelo menos 900 pessoas no verão de 2011, colocaram o Brasil em posição de destaque mundial nas estatísticas de tragédias climáticas. O episódio foi o terceiro maior desastre natural em número de mortes entre os registrados no ano passado, ficando atrás apenas do terremoto seguido de tsunami no Japão, que totalizou 19.846 mortes em março, e das tempestades tropicais nas Filipinas em dezembro, com 1.430 mortes. Os dados fazem parte de um levantamento da Estratégia Internacional para Redução de Desastres, órgão das Nações Unidas, e do Centro de Investigação sobre a Epidemiologia dos Desastres. O mapeamento divulgado em janeiro mostrou que 302 desastres naturais foram registrados em 2011 no mundo, provocando a morte de 29.782 pessoas e afetando 206 milhões. A quantidade de desastres é inferior à de 2010, que teve 373 ocorrências. Apesar dessa queda, a tendência observada nos últimos 20 anos é de crescimento, analisa o diretor do Centro de Apoio Científico em Desastres da Universidade Federal do Paraná, Renato Eugênio de Lima. Ele aponta que, a médio prazo, existem países que vêm contabilizando cada vez mais prejuízos e vítimas, entre eles o Brasil. “Começamos a aparecer [na lista de países com mais mortes] há cerca de três a quatro anos. Agora, existe a necessidade de esforço nacional para reverter essa tendência”, diz. A tragédia no Rio é considerada a maior da história brasileira. No ano passado, o Brasil reportou seis desastres naturais significativos, ficando na nona posição entre os países com mais ocorrências, de acordo com o levantamento. Preparo O estudo destaca que países com renda média e alta registraram grandes catástrofes, apesar de terem mais recursos para melhorar os sistemas de
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prevenção. O Brasil, por exemplo, gasta 8,5 vezes mais em reconstrução do que em prevenção, de acordo com um levantamento da ONG Contas Abertas. Falta no país um planejamento urbano para o crescimento ordenado das cidades, observa o professor de Geografia da Pon-tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Marcelo Motta. “As chuvas torrenciais são o único problema natural no Brasil e nós não sabemos lidar com ele”, afirma, lembrando que o país está livre de outros desastres como terremotos, vulcões e furacões. Para o engenheiro florestal e advogado Paulo de Tarso Lara Pires, pós-doutorando em Direito Ambiental e Desastres Naturais na Universidade de Berkeley, a população brasileira vem sofrendo com desastres naturais considerados de fácil solução, mas de grande impacto. Ele aponta que o Brasil começa a se preparar, mas sem uma política clara de prevenção. “No caso do Brasil, quanto maior o investimento público em obras de prevenção e quanto mais preparada estiver a população, menores serão os riscos de que esses eventos se transformem em desastres naturais.” 04/02/2012 Bruna Maestri Walter http://www.jornaldelondrina.com.br/online/conteudo.phtml?id=1220164 TEXTO 14: Após um ano, mais de 200 continuam desaparecidos na serra do Rio Ainda restam 215 pessoas desaparecidas desde as fortes chuvas que causaram enchentes e desabamentos em diversos municípios da região serrana do Rio de Janeiro há exatamente um ano, deixando mais de 900 mortos confirmados. Atualizados no início de janeiro, os números do PIV (Programa de Identificação de Vítimas) indicam que 137 pessoas ainda estão desaparecidas no município de Teresópolis, enquanto Nova Friburgo tem 44, Petrópolis 18 e Sumidouro uma; outros 15 desaparecidos não tiveram a localidade informada. O Programa de Identificação de Vítimas faz parte de outro mais amplo, o Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), mantido em parceria entre o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e a Polícia Civil, e que conta com a colaboração de outros órgãos públicos, como a Defesa Civil, o Detran e o Corpo de Bombeiros. A ação do programa consiste em identificar as pessoas cujo desaparecimento foi comunicado por parentes. Segundo o coordenador do Plid, o promotor de Justiça Pedro Borges, foram feitas 698 comunicações relacionadas à tragédia na serra fluminense. No caso de Teresópolis, onde comunidades inteiras foram dizimadas pela enxurrada de lama e pedras, acredita-se que vários corpos ainda estejam soterrados pelos escombros. Moradores afirmam que ossos humanos são
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encontrados semanalmente por funcionários que trabalham em obras de reparação. Técnicas de identificação A identificação das vítimas é feita basicamente por meio de três técnicas: a papiloscopia (recolhimento de impressões digitais), exames de arcada dentária e verificação de DNA. O coordenador do Plid afirma que, para a identificação por meio de digitais, a maior dificuldade é a decomposição dos corpos e os danos causados a eles pelos desmoronamentos. Já o exame de arcada dentária é dificultado, segundo ele, pelo fato de muitas vítimas serem de baixa renda e não terem prontuário odontológico registrado em dentistas. Para a identificação por DNA, segundo Borges, a maior dificuldade decorre do deterioramento dos restos mortais encontrados sob a lama e os escombros, que gera a contaminação das amostras, prejudicando a análise. Além disso, de acordo com o promotor, a dificuldade em fazer a identificação por DNA é maior de acordo com o grau de parentesco da pessoa que busca com a vítima encontrada. Se a relação for direta, como de mãe e filho, o trabalho é mais rápido do que se os restos mortais forem de um familiar mais distante. Segundo o coordenador do Plid, 110 mortos cujo desaparecimento foi comunicado por parentes foram identificados por meio de exame papiloscópico. Já o exame de arcada dentária permitiu a identificação de apenas duas vítimas, enquanto 35 foram identificadas por meio de material genético. Até janeiro deste ano, 342 pessoas cujo desaparecimento foi comunicado foram encontradas com vida em seis municípios da serra fluminense. Esperança Àqueles que desejam pelo menos encontrar os restos de seus familiares, a fim de realizar um sepultamento, o promotor pede que mantenham as esperanças. "A Operação Serra (nome dado aos esforços para identificação das vítimas das enchentes de 2011) só será encerrada quando zerarmos o número de comunicações de desaparecidos", diz. Borges diz que, mesmo um ano após a tragédia, muitas pessoas ainda são localizadas com vida, por vários motivos. Um deles é o fato de que o reaparecimento de diversos moradores dados como desaparecidos - que somente estavam incomunicáveis durante as chuvas - acabou não sendo relatado às autoridades. "Já nessa semana houve o caso de uma pessoa que deixou sua família no período exato da tragédia. Assim, o que parecia um desaparecimento devido à chuva tratava-se tão somente de um abandono de lar", afirma o promotor.
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"Ou seja, este é um universo variado. Nada pode ser presumido, tudo tem de ser esgotado." Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/bbc/1033328-apos-um-ano-mais-de-200-continuam-desaparecidos-na-serra-do-rio.shtml 12/01/2012 - 09h05 DA BBC BRASIL 1. Os dois textos acima, embora tratem do mesmo assunto, focalizam aspectos distintos. Qual é o foco de cada um dos textos? 2. A tragédia à qual o primeiro texto se refere diz respeito a um acontecimento recente, ocorrido há poucos dias? Justifique sua resposta destacando trechos que mostrem o momento da tragédia. 3. Localize, no terceiro parágrafo do primeiro texto, um pronome pessoal empregado para retomar um referente, identificando esse referente. 4. As palavras “tragédia”, “calamidade”, “catástrofe” e “desastre”, entre outras, aparecem com frequência no primeiro texto. Explique como o emprego desses termos pode ajudar o leitor a compreender a opinião expressa no texto sobre o que houve na região serrana do Rio de Janeiro. 5. O segundo texto, assim como o primeiro, fala de acontecimentos ocorridos na “região serrana do Rio de Janeiro”. Supondo que você não conhece o Rio e que não acompanhou as notícias na época em que ocorreram os episódios, é possível identificar essa “região” por meio da leitura do texto? Explique.
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7. No sétimo parágrafo do texto 2, o termo “três técnicas” aponta para qual referente? É possível dizer que esse termo encapsula (resume) o referente? Por quê? 8. Na última parte do segundo texto, a que ESPERANÇA o autor se refere? 9. Que diferença há entre o emprego das palavras “pessoas” e “vítimas” ao longo do texto? 10. Aponte, no segundo texto, alguns adjetivos que contribuem para compreender o ponto de vista do texto sobre os acontecimentos noticiados. TEXTO 15: Tragédia na Serra Em 2011, as chuvas impiedosas causaram destruição na região serrana do Rio de Janeiro e geraram imagens que ficarão para sempre na memória do país. Um ano e muitas promessas depois, a situação de risco insiste em permanecer. O ano passou rápido. As imagens ficaram na cabeça. Foi em fevereiro de 2011. Subimos a região serrana do Rio de Janeiro em um dia nublado. Ligamos o rádio e os locutores só falavam naquilo: um temporal destruiu bairros inteiros, bombeiros procuram os mortos. O clima de emergência estava no ar. Helicópteros mergulhavam e saíam das nuvens em missão de resgate. Carros de polícia, caminhões carregados de água mineral, barreiras caídas – o clima era de desastre. Mas ninguém poderia imaginar o tamanho do desastre: 894 mortos, ruas riscadas do mapa, famílias desfeitas e, no ar, o cheiro dos destroços molhados e dos corpos esperando enterro em morgues improvisados. Como foi possível tudo isso? Por que não estávamos preparados? Quais lições vamos aprender com a tragédia? As perguntas se sucediam, mas não era um bom momento para elas. À medida que subia para o ponto mais atingido de Teresópolis – o bairro de Campo Grande –, eu cruzava com as famílias batendo em retirada, com as
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poucas coisas que salvaram, cachorros e gatos de estimação. Carregavam o que podiam, inclusive a angústia de escolher o que salvar. Abraçada a um poodle, a mulher o mostrava orgulhosamente. Mas a voz do marido, alguns metros atrás, era implacável: “O cachorro que estava velho e cego você deixou para trás.” Naqueles primeiros momentos, ainda havia o risco de novas chuvas. Só usavam máscaras os parentes que iam reconhecer corpos, os funcionários e os voluntários no IML. Um caminhão frigorífico de uma peixaria foi colocado na porta para recolher os corpos excedentes. Nem todos os moradores isolados estavam a salvo. Às vezes, o mau tempo mantinha os helicópteros no solo. Equipes de TV encontraram uma grávida em trabalho de parto. E a trouxeram, perguntando com insistência, ao microfone, se estava se sentindo bem, se era menino ou menina. Mas nem todos foram ajudados. Um homem retirou o corpo do próprio filho dos escombros, conservou-o em uma geladeira, improvisou um caixão e o enterrou. Havia, então, dois obstáculos: os novos temporais e os boatos sobre arrastões e rompimento de represas que não ocorreram. Em Friburgo, um repórter de TV perguntava às autoridades o que fazer: “Fugir ou subir no prédio mais alto?” A resposta: “Não sabemos, pode ser que os prédios desabem também”. Mas o medo real era de um novo temporal. Alcancei para o bairro de Campo Grande, quando todos o abandonavam, e passei algumas horas examinando os escombros. No caminho, vi carros cobertos de lama, piscinas invadidas pelo barro, portões soltos na rua, uma igreja isolada pelos escombros. Mas o que impressionava era olhar para cima e ver a quantidade e o tamanho das pedras que rolaram da montanha. Cheguei andando ao bairro destruído. Nosso Gol ficou no caminho, incapaz de vencer os obstáculos – pedras, buracos, inundações. Lá em cima, vi algo parecido com o fim do mundo. Não havia quase nada em pé. O interior das casas estava revirado. Algumas pessoas vasculhavam os escombros. As nuvens tornaram-se ameaçadoras e os helicópteros passavam apressados. Alguém disse: “Olha a chuva aí!”. Com a chuva batendo forte, descemos rapidamente. Voltaria muitas vezes, ao longo do ano para entender o que passou e o que estava sendo feito para atenuar a dor daquelas pessoas. Era uma promessa. Fonte: http://www.rollingstone.com.br/edicao/edicao-65/tragedia-na-serra Ed. 65, Fev./2012, FERNANDO GABEIRA 1) Ligamos o rádio e os locutores só falavam naquilo: um temporal destruiu bairros inteiros, bombeiros procuram os mortos. (1º parágrafo)
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Embora o pronome demonstrativo “aquilo”, no que diz respeito à coesão textual, seja frequentemente utilizado para retomar um referente, no caso acima, seu uso foi diferente. Indique a que ele se refere no texto, explicitando também sua referência temporal. No texto, o pronome “naquilo” faz referência a algo posterior: “um temporal destruiu bairros inteiros, bombeiros procuram os mortos.” Sua referência temporal revela uma lembrança do autor, ou seja, um passado distante, nesse caso, o ano anterior. 2) Ao empregar a palavra “desastre”, no final do 1º parágrafo, o autor resume subjetivamente o que viu em fevereiro de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro. O que ele considera como “desastre”? Ele caracteriza como desastre um temporal que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro e destruiu bairros inteiros, a necessidade de busca de sobreviventes por parte dos bombeiros, da polícia e de helicópteros e a queda de barreiras. 3) Como foi possível tudo isso? A pergunta acima, feita por Fernando Gabeira no 2º parágrafo do texto, revela o espanto do autor diante da gravidade do problema. Que expressão foi usada na pergunta que gera esse efeito? Indique a que ela faz referência. A expressão “tudo isso”, pois ao questionar sobre a possibilidade de “tudo isso” ter ocorrido, o autor faz referência à grande tragédia que houve, seu elevado número de mortos e à modificação do mapa da cidade devido à atual inexistência de certas ruas. 4) No 5º parágrafo, fala-‐se de dois obstáculos: os novos temporais e os boatos sobre arrastões e rompimento de represas que não ocorreram.
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Por que foram utilizados artigos definidos para determinar essas dificuldades se era a primeira vez que apareciam no texto? Porque o referente já era conhecido pelo leitor por meio da expressão “obstáculos”, citado anteriormente. 5) Podemos entender como encapsuladores termos de natureza nominal e, às vezes, subjetiva que resumem indiretamente informações do texto e do contexto. Assim, analisando o último parágrafo do texto, complete o quadro abaixo com um exemplo retirado dessa parte do texto para cada coluna. Termo encapsulador Referência textual retomada promessa
Voltaria muitas vezes, ao longo do ano para entender o que passou e o que estava sendo feito para atenuar a dor daquelas pessoas.
6) A assinatura da autoria do texto por Fernando Gabeira atribui
pessoalidade e subjetividade à descrição. Identifique elementos
que comprovem a afirmativa.
7) Identifique no primeiro parágrafo os elementos textuais que
criam o campo semântico de guerra e o cenário apocalíptico para
a referida tragédia.
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
8) No trecho abaixo, os termos separados por colchetes têm funções diferentes em relação ao mesmo conteúdo. Explique quais são essas funções que fazem os termos serem relacionados. "Mas ninguém poderia imaginar o tamanho do [desastre]: [894 mortos, ruas riscadas do mapa, famílias desfeitas e, no ar, o cheiro dos destroços molhados e dos corpos esperando enterro em morgues improvisados.] Como foi possível tudo [isso]? Por que não estávamos preparados? Quais lições vamos aprender com a tragédia? As perguntas se sucediam, mas não era um bom momento para elas." 9) O texto promove uma mudança de tratamento sobre o
assunto: de início, o que houve é tratado como tragédia; depois,
passa-‐se a problematizá-‐lo como consequência de má
administração. Como os referentes “culpa”, ‘mecanismos”,
“solução” contribuem para essa formação de sentido?
TEXTO 16: Tragédia no Rio: abandono já dura um ano CALAMIDADE Em janeiro de 2011, região serrana foi palco de uma tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados. Até hoje, novas casas e sistema de prevenção contra chuvas prometidos não foram entregues Somente parte das promessas foi cumprida: Reconstrução de pontes Das 75 prometidas, apenas uma foi entregue, sendo aberta ao tráfego semana passada, ainda em obras. Parques fluviais Importantes para impedir a ocupação das margens de rios, eles ainda não saíram do papel.
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Centro operacional O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais foi criado no fim de 2011, mas apenas 56 dos 251 municípios de alto risco de desastres naturais do país contam com análise e mapeamento de riscos. Sirenes e pluviômetros O sistema de alerta foi instalado em 50 comunidades da Serra. Chegou a ser acionado durante as chuvas do início deste mês, mas precisa ser ampliado. Radares meteorológicos Anunciados, eles só devem chegar em março de 2013. Obras Contenções não estão prontas Um ano após os temporais provocarem 777 deslizamentos em sete municípios da região serrana, fluminense a maioria dos pontos não recebeu obras de contenção. O subsecretário de Interior do governo do estado, Affonso Monnerat, estimou que R$ 1 bilhão ainda terão de ser gastos nas encostas para torná-las seguras. Ele não incluiu os investimentos para recuperar áreas consideradas de menor risco, por estarem em locais isolados. Na conta também estão fora os R$ 147 milhões que estão sendo investidos em 30 pontos considerados prioritários. As primeiras obras acabam este mês em Petrópolis, mas a maioria deve prosseguir até março. As obras se limitaram às cidades maiores. Os 30 pontos estão em Friburgo (8), Teresópolis (12) e Petrópolis (10). Sumidouro, Bom Jardim, Areal e São José do Vale do Rio Preto, que somaram quase 200 deslizamentos, ainda esperam recursos. Em vistoria feita na região, porém, o CREA só encontrou oito pontos em obras. Um ano depois da tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados na região serrana do Rio, o estado ainda não conseguiu entregar nenhuma das cerca de 5 mil casas prometidas para as vítimas das chuvas. De acordo com a secretaria de Obras, as primeiras unidades só deverão ser concluídas a partir de março. Mas a maioria delas só ficará pronta em 2013. Vice-governador e coordenador de infraestrutura do estado, Luiz Fernando Pezão culpou a burocracia e a falta de interesse dos empresários pela demora: “Ali você não tem uma área abundante, plana, segura para construções. Ou você está na encosta ou na beira do rio. Isso dificulta muito. Áreas para as quais conseguimos viabilizar o processo de desapropriação acabaram descartadas pelo Ministério do Meio Am--biente. Então é difícil colocar estas pessoas de novo em um lugar que não tenha problemas.” Para mitigar o problema, o governo prometeu pagar aluguel social a 7.372 famílias até o fim de 2012. No entanto, muitas das famílias beneficiadas voltaram para as casas interditadas pela Defesa Civil — por estarem em áreas de risco — após as chuvas de 12 de janeiro de 2011. Outros permanecem em
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locais improvisados. É o caso das 35 pessoas que invadiram um canteiro de obras onde seria construído um hospital, em Sumidouro. Ou das famílias que permanecem, desde fevereiro de 2011, num ambulatório transformado em abrigo em Nova Friburgo. O abrigo tem hoje oito famílias remanescentes da chuva de janeiro de 2011 instaladas em consultórios médicos transformados em quartos. São 36 pessoas, sendo 16 crianças e 12 adolescentes. O secretário municipal de Ação Social, Josué Ebenézer, diz que quatro delas recebem o aluguel social há alguns meses. E que as outras devem passar a receber o benefício este mês, um ano depois da tragédia. O secretário estadual de Obras, Hudson Braga, sustenta que o estado deve entregar, até março, 96 unidades habitacionais em Nova Friburgo. Segundo ele, as casas já estavam sendo construídas antes da tragédia e serão compradas pelo estado. Todas as outras, no entanto, só devem ser entregues a partir do fim do ano. Segundo a secretaria, está em andamento, no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, a contratação de 5.459 unidades habitacionais e comerciais, com investimento de R$ 452,6 mi--lhões. As primeiras 2.166 começam a ser construídas este mês, segundo o governo. “Enfrentamos dificuldades para encontrar áreas e levantar se essas áreas são seguras. Uma das que identificamos como adequada foi avaliada em R$ 2 milhões, mas o proprietário acabou pedindo R$ 10 milhões”, conta Hudson. Outro problema, segundo o secretário, é o custo das construções. Ele diz que foram feitas sete convocações, pelas regras da Caixa, para a apresentação de propostas, uma por município, envolvendo 14 terrenos. Mas só cinco entregaram propostas: duas para Teresópolis, uma para Friburgo, uma para São José do Vale do Rio Preto e uma para Bom Jardim. Fonte: Do jornal Gazeta do Povo, do Paraná. Texto publicado em 13/01/2012. 1) A estruturação do texto jornalístico permite atribuições de
valor, além de adiantar o assunto tratado para o leitor.
Identifique o primeiro elemento estrutural “da página” que
realiza essa função e qual a ideia introduzida. (aba da página)
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
2) No lead da matéria, qual a relação entre o elemento
sublinhado e a referência mais presente para o ocorrido na
região serrana?
3) De que maneira os elementos sublinhados no texto constroem
a ideia de que o ocorrido teve como agente a natureza?
Texto 17: Os jornalões como cúmplices da tragédia no Rio de Janeiro No momento em que este post é escrito, o número de mortos nas enchentes e deslizamentos no Rio de Janeiro já chegam quase a três centenas. Parece apenas um número, mas são famílias destroçadas, vidas reais que acabam de uma hora para a outra e que causam sofrimentos múltiplos e intensos, muito mais fortes do que os números são capazes de dizer. Tragédias como essas se repetem. Nos dias anteriores aos acontecimentos do Rio, fora São Paulo quem sofrera com problemas semelhantes. No início de 2010 foi a mesma coisa. Durante o último ano as enchentes se repetiram em São Paulo. No Alagoas, também. Todos os Estados brasileiros enfrentam, em medidas, níveis e momentos diferentes, esse tipo de dificuldade. E, tragédia após tragédia, os diversos governos se dizem surpresos com a intensidade das chuvas, culpam a população por jogar lixo nas ruas, culpam, literalmente, deus e o mundo. E a mídia tradicional vai no mesmo embalo. Dependendo do governo e do momento político, as causas estruturais dos problemas são ignoradas. A responsabilidade do Estado é omitida pela velha mídia, e nos casos mais recentes de São Paulo e do Rio de Janeiro foi / está sendo desse jeito. Problemas de limpeza urbana e das vias de escoamento, construções ilegais nas encostas (sejam mansões construídas por ricaços irresponsáveis, sejam barracos construídos por quem não tem onde morar). Praticamente ou totalmente ignoradas pela grande mídia as necessidades de uma profunda reforma urbana, de fiscalização em áreas de risco, de maiores cuidados de manutenção das estruturas das grandes cidades. Uma passagem pelos portais dos três maiores jornais do país e pelo G1 mostra essa omissão. Às 22h30 desta quarta-feira (13/01), são 40 chamadas nos quatro sites (nove no
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G1, 14 no O Globo, dez na Folha de S. Paulo, sete no Estadão). Nenhuma das 40 chamadas refere-se às causas político-sociais da tragédia. Entre os quatro textos principais, apenas duas rápidas referências a essas causas, no Estadão e no O Globo. Mas bem rápidas. O que aconteceu foi, novamente, um verdadeiro crime cometido pelo Estado contra a sociedade. Ao calar-se, a mídia torna-se cúmplice dessas centenas de assassinatos. Vale destacar que hoje as emissoras de televisão começaram a falar das responsabilidades do governo do Rio de Janeiro, curiosamente omitidas no caso de São Paulo. Quarenta chamadas, nenhuma falando em causas além da chuva. Para não responsabilizar ninguém, responsabiliza-se “a chuva” ou “as enxurradas”. G1: Chuva faz 267 mortes em três cidades do RJ Dilma libera R$ 780 milhões para municípios atingidos por chuvas Bebê é resgatado após 15 horas Equipe que atuou no Bumba e no Haiti reforça buscas a vítimas Chuva em SP e em Nova Friburgo ultrapassa média histórica, diz Inpe Estilista morta em chuvas terá homenagem Franco da Rocha decreta emergência (SP) Veja imagens da tragédia no RJ Enchente traz maior risco para a saúde O Globo: Já passa de 260 o total de mortos pelas enxurradas em 3 cidades da Região Serrana Tragédia deixa 16 mortos em um sítio em Petrópolis Tragédia em Itaipava Região Serrana pede alimentos, colchões e doações de sangue Dilma Rousseff visita o Rio amanhã e deve liberar R$ 700 milhões Cabral pede ajuda à Marinha Mais de 15 frentes de ações emergenciais abertas, diz Minc Veja fotos da tragédia na Serra Pousada Tambo Los Incas é arrasada pela cheia em Itaipava Nas redes sociais, preocupação com parentes Em Itaipava estilista Daniela Conolly, 7 parentes e babá morrem Chuvas deixam moradores incomunicáveis Temporal deixou 75 mil clientes sem luz na Região Serrana BR-116 está interditada Folha: Chuva mata ao menos 257 na região serrana do Rio; 130 são de Teresópolis Escola vira necrotério em Nova Friburgo
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Era inevitável abrir comporta, diz Sabesp Veja imagens dos estragos causados pela chuva Franco da Rocha (SP) permanece alagada SP registra chuva do mês todo de janeiro Dilma vai sobrevoar região serrana amanhã Governo libera R$ 780 milhões para Estados afetados Chuva destrói hotel e teleférico de Nova Friburgo Lama dificulta ajuda, ouça relato do enviado Estadão: Chuva mata 257 pessoas na Serra do Rio Previsão é de mais chuvas para a região Marinha cede helicópteros para resgate Tragédia é pior do que em Angra dos Reis, diz vice-governador do Rio Dilma vai para o Rio nesta quinta Estilista e família morrem em sítio Diretor do Icatu perde oito familiares Do blog Jornalismo B, do Rio Grande do Sul. Texto publicado em 12/02/2012 1) O texto seleciona alguns título de manchetes que têm como
assunto comum a tragédia ocorrida na região serrana. Identifique
e transcreva alguns desses títulos que sirvam para justificar a
seguinte afirmativa presente no sétimo parágrafo do texto: “Para
não responsabilizar ninguém, responsabiliza-‐se 'a chuva' ou 'as
enxurradas'”.
2) Como o texto cria a forte crítica à administração pública
lançando mão do campo semântico de "crime"?
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Sobre os autores
Amanda Heiderich Marchon
Doutoranda em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, desenvolve um projeto de pesquisa intitulado As
escolhas lexicais em gêneros jornalísticos: uma interface com o
ensino de Língua Portuguesa. Atualmente, é professora da
Universidade Candido Mendes e de colégios públicos e privados
em Nova Friburgo. Na Fundação Centro de Ciências e Educação
Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Fundação
CECIERJ), trabalha como conteudista do Programa Nova EJA.
E-‐mail: [email protected]
Fabiana Gonçalo
Mestre em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Bacharel e Licenciada em Letras
(Português/Literaturas) pela mesma instituição. Integrante do
projeto de pesquisa Abordagem textual no ensino de Língua
Portuguesa: Problemas e Perspectivas (Coord.: Profa. Dra. Leonor
Werneck dos Santos).
E-‐mail: [email protected]
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Fábio Gusmão da Silva
Doutorando em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Professor de Língua Portuguesa do Ensino Médio,
é especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua
Portuguesa pela Universidade Federal do Paraná, pós-‐graduado
em Currículo e Prática Educativa pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Mestre em Estudos Linguísticos pela
Universidade Federal do Paraná.
E-‐mail: [email protected]
Karine Oliveira Bastos
Mestranda do Programa de Pós-‐graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com
Bacharelado e Licenciatura em Letras (Português/Literaturas)
pela mesma instituição. Atua como professora de Língua
Portuguesa, no Município do Rio de Janeiro e na Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), e como
coordenadora da Educação de Jovens e Adultos da EPSJV/Fiocruz.
E-‐mail: [email protected]
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Leonor Werneck dos Santos
Mestre e Doutora em Língua Portuguesa pela UFRJ, onde leciona
desde 1995. Foi professora de Ensino Fundamental e Médio em
escolas particulares e na rede pública. Atua em cursos de
graduação e pós-‐graduação, incluindo o curso de Especialização
em Literatura Infantil e Juvenil. Já participou dos programas de
seleção de livros de literatura infantil e juvenil Mais Cultura/2007
e 2010 (Biblioteca Nacional/MEC) e PNBE (MEC), além de ter
participado do PNLEM/2009 (MEC). Dentre suas publicações,
estão os livros Articulação textual na literatura infantil e juvenil
(Lucerna), Estratégias de leitura: texto e leitor (co-‐autoria,
Lucerna), Literatura infantil e juvenil na prática docente (co-‐
autoria, Ao Livro Técnico) e Análise e produção de textos (co-‐
autoria, Contexto).
Email: [email protected]
Website: www.leonorwerneck.com
Luana Maria Siqueira Machado
Doutoranda em Língua Portuguesa pela UFRJ, Mestre em Língua
Portuguesa pela mesma instituição. Atua com pesquisas de
interface entre as áreas Fonética Acústica e Linguística de
Texto/Análise do Discurso, vinculada às linhas de pesquisa Língua
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
e Ensino e Língua e Acústica. Professora da Rede Municipal de
Ensino do Rio de Janeiro.
E-‐mail: [email protected]
Manuela Colamarco
Doutoranda em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Mestre em Língua Portuguesa pela mesma
instituição, onde também cursou Bacharelado e Licenciatura em
Letras (Português/Literaturas). Integrante do projeto de pesquisa
Abordagem textual no ensino de Língua Portuguesa: Problemas e
Perspectivas. (Coord.: Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos).
E-‐mail: [email protected]
Mário Acrisio Alves Junior
Doutorando em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Licenciado em Letras-‐Português, com Mestrado
em Estudos Linguísticos (2011) pela Universidade Federal do
Espírito Santo. É colaborador do programa Universidade Aberta
do Brasil (UAB/CAPES), pelo qual atua como tutor EAD de pós-‐
graduação lato sensu.
E-‐mail: [email protected]
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Matheus Odorisi Marques
Professor de Língua Portuguesa, Redator de Conteúdo on-‐line e
Revisor de Texto. Doutorando em Língua Portuguesa na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, trabalha com o aparato
teórico da Linguística Cognitiva, com o qual atualmente estuda
questões morfológicas de formação de compostos a partir do
Inglês.
E-‐mail: [email protected]
Natália Rocha
Mestranda em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, na área de Análise do Discurso. Graduada em
Letras – Português / Espanhol pela UFRJ e professora de Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira do Colégio e Curso Miguel
Couto. Também é coautora do material didático de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental do Sistema Miguel Couto.
E-‐mail: [email protected]
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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Ensino de Leitura: fundamentos, práticas e
reflexões para professores da era digital
Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos
Leonor Werneck dos Santos
(Org.)