relações raciais entre universitários no rio de janeiro

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  • 8/8/2019 Relaes Raciais entre universitrios no Rio de Janeiro

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    Relaes Raciais entreUniversitrios no Rio de Janeiro

    Elielma Ayres MachadoLuiz Cludio Barcelos

    Resumo

    Este artigo analisa alguns aspectos da vivncia de estudantes uni-versitrios e sua percepo das relaes raciais no Brasil, utilizando da-dos de uma pesquisa que recorreu a procedimentos quantitativos e qua li-tativos. Investigamos como os estudantes compreendem a existncia detratamento diferenciado entre negros e brancos na sociedade em geral ena universidade em particular, suas opinies para a presena de poucosnegros na universidade e que tipo de medida poder-se-ia adotar para au-mentar essa presena. Em en trevistas com os estudantes que responde-ram ao questionrio, procurou-se entender os aspectos recorrentes naselaboraes discursivas dos estudantes acerca dos temas acima menci o-nados. Identifica-se, em geral, uma tendncia desse segmento especfico

    da populao a reconhecer a existncia da discriminao na sociedade,mas no na universidade. Da mesma forma, h uma baixa adeso idiade se promover polticas especficas para a promoo do aumento de ne-gros na universidade. Embora o subgrupo que mais apia a adoo demedidas com esse objetivo seja o de negros na universidade particular, aprincipal clivagem em rela o a esse aspecto est entre os alunos da uni-versidade p blica vis--vis os da universidade particular.

    Palavras-chave: relaes raciais; negros na Universidade; discriminaoracial; Rio de Janeiro.

    Abstract

    Racial Relations among University Students in Rio de JaneiroThis article analyses aspects of the re lationship among university

    students and their perception of racial relations in Brazil, based on datacollected from a survey that resorted to quantitative and qualitative

    Revista Estudos Afro-Asiticos1 Reviso: 17.01.2002

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    procedures. We investigated the students outlook on differentiated

    treatment of Negroes and Caucasians in society in gen eral and at theuniversity in particular, as well as their opinion regarding the presenceof only a few Negroes at the university and the measures that could beadopted to increase the presence of Negroes. During interviews withstudents who answered the questionnaire, we endeavored to understandthe recurring aspects in their treatment of above mentioned themes. Ingeneral, this particular segment of the population was identified to tendto acknowledge the existence of discrimination in society, but not at theuniversity. Also, only a few are in favor of specific policies leading to anincrease of the negro contingent at the university. Although thesub-group in favor of measures to this effect consists of Negroesstudying at private universities, the main difference in this respect refersto students at public universities vis--vis those at private universities.Key words: racial disparities; racial discrimination; racism; Negroes;Brazil.

    Rsum

    Relations Raciales Chez les tudiants de Rio de JaneiroDans cet article, on examine quelques aspects du vcu des tu diants

    et leur perception des relations raciales au Brsil. Pour cela, on part desrsultats dune recherche qui a fait appel des procds quantitatifs et dautres qualitatifs. On a examin comment les tudiants ressententlexistence dune discrimination de traitement entre Noirs et Blancs tantdans la socit que dans luniversit, leurs avis concernant le faible

    contingent de Noirs luniversit et les mesures prendre pour lever cecontingent. Ladministration des questionnaires aux tudiants a t suiviedentretiens o on a cherch comprendre les aspects les plus prsentsdans leurs discours. On y a trouv, en gnral, une tendance reconnatrelexistence dune discrimination raciale dans la socit mais non pas luniversit. Aussi, les tudiants favorables des actions spcifiques visant lever le nombre dtudiants noirs ne sont-ils pas nombreux, except unsous-groupe dtudiants noirs des universits prives qui prsentent unfort clivage vis--vis de ceux des universits publiques.Mots-cl: relations raciales; les Noirs luniversit; discrimination ra-ciale; Rio de Janeiro.

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    Introduo

    E ste artigo pretende contribuir para a discusso das relaes ra-ciais de ensino superior, tema que tem sido objeto de um cres-cente nmero de estudos. Nosso objetivo examinar a percepoque os estudantes universitrios, segundo sua cor1 e tipo de insti-tuio que freqenta pblica ou particular tm das relaes ra-ciais na sociedade brasileira, suas elaboraes sobre o pequeno n-mero de negros na Universidade e a eventual adoo das medidasque alteram este quadro.

    A afirmao de que h um pequeno nmero de negros naUniversidade se apia na literatura sobre o tema que estabelece,de forma inequvoca, as desigualdades raciais na realizao edu ca-cional, ainda que se deva considerar que a porcentagem da popu la-o da coorte etria ideal que freqenta cursos de nvel superior noBrasil esteja significativamente abaixo dessa taxa em outros pases,

    mesmo aqueles em desenvolvimento (Barcelos, 1999; Moro,1993; Teixeira, 1998). Entretanto, nos grandes centros urbanosdo pas j possvel observar o crescimento dessa participao, oque reflete a expanso do ensino superior nas ltimas dcadas noBrasil.

    Assim, os dados da PNAD-1990 para a sociedade brasileiracomo um todo, revelam que, com escolarizao suficiente para aomenos ingressar na Universidade doze anos de escolaridade oumais havia 2,1% de homens pretos e 2,8% de pardos, enquantoos n meros para mulheres pretas e pardas eram, respectivamente,2,5% e 3,2%. No Rio de Janeiro, esses ndices sobem para 3,1% dehomens pretos e 6,3% de pardos e 2,5% de mulheres pretas e 5,6%

    de pardas, e justificam o interesse em investigar a trajetria escolare os padres de escolha de carreira de negros (pretos e pardos) ebrancos no Rio de Janeiro. Justificam, igualmente, o interesse nospadres de sociabilidade entre negros e brancos cursando nvel su-perior. Neste sentido, torna-se particularmente interessante abor-

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    dar a percepo que tm os estudantes de ensino superior a res pe i-

    to das relaes raciais no Brasil.A pesquisa na qual a presente anlise se baseia foi realizadaentre estudantes de alguns cursos selecionados em duas uni ver si-dades uma pblica, outra privada na rea Metropolitana doRio de Janeiro. A pesquisa constou de duas fases: na primeira, osestudantes responderam a um questionrio; na segunda, foramrealizadas entrevistas em profundidade com alguns deles. No quediz respeito ao objeto de anlise do presente estudo, havia no ques-tionrio cinco perguntas sobre percepo das relaes raciais nasociedade brasileira. Os temas destas perguntas foram apro funda-dos nas entrevistas.

    A partir do material coletado, identificou-se, em geral, uma

    tendncia desse segmento da populao em reconhecer a exis tn-cia da discriminao na sociedade, mas no na Universidade. Damesma forma, h uma baixa adeso idia de se promover po lti-cas de ao afirmativa que beneficiem os negros, embora a cli va-gem entre estudantes das universidades pblica e particular sejamais marcante do que a diferena entre os grupos raciais.

    importante salientar que a abordagem desses temas nestesegmento da populao se torna ainda mais significativo em fun-o do momento presente. Um observador da sociedade brasileiracertamente notar que a discusso acerca das relaes raciais con-temporaneamente tem se tornado mais presente enquanto tema dedebate nacional. Um dos temas mais recorrentes , sem dvida, a

    realidade educacional. Foco de grande ateno entre os ativistaspolticos ligados ao movimento negro e de pesquisadores das maisdiferentes reas, o sistema educacional encontra-se relacionado adois outros aspectos da questo racial que igualmente tm des-pertado interesse crescente: (1) as estratgias e mecanismos de as-censo social, bem como os obstculos a esta ascenso; (2) as pos si-bilidades de implementao de polticas pblicas de cunho re pa ra-dor das desigualdades raciais. Certamente, analisar a percepo deum segmento da populao que se encontra com elevado nvel deescolarizao um elemento importante nesta discusso.

    Contextualizando o Problema

    No h dvida de que o enfoque sobre as relaes raciais nasociedade brasileira tem mudado, e muito, nos ltimos anos.Agncias governamentais e programas especficos no mbito dos

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    governos federal, estadual e municipal so criados. a sociedade

    brasileira, e mais especificamente o Estado brasileiro, enfim, res-pondendo desconstruo do para so racial. Obviamente, fun-damental neste processo tem sido a atuao do movimento negrocomo ator poltico. Podemos iden tificar eventos como os Encon-tros de Negros do Norte e Nordeste, realizados ao longo da dcadade 1980, o Encontro Nacional de Entidades Negras, realizado emSo Paulo, em 1991, a Marcha dos 300 Anos de Zumbi, realizadaem Braslia, em 1995, como momentos que marcam o fortale ci-mento da mobilizao poltica em torno da questo racial. No este o momento para fazer uma detida anlise da mobilizaoracial, mas importante ressaltar que, como j foi feito em Bar ce-los (1996), essa mobilizao no Brasil se constitui na manipulao

    de diversos smbolos na luta pela cidadania, em uma cultura po lti-ca que se caracteriza pela pouca receptividade afirmao de iden-tidades particulares.

    A ateno a este elemento fundamental da cultura polticabrasileira importante em um momento em que refletimos sobre aquesto das polticas pblicas de combate s desigualdades raciais.Como salientam alguns estudos (Bernardino, 1999;Dossi AesAfirmativas, 1996; Souza, 1997; Heringer, 1999; Bento, 2000),tratam-se das possibilidades e limitaes de aes que tm comofim a igualdade de realizao, no apenas a igualdade formal deoportunidades, mas que trata os grupos sociais de forma dis crimi-nada. As dificuldades dessas aes vo desde a ordem jurdica, at a

    legitimidade social de tais medidas. De qualquer forma, as pro pos-tas de aes afirmativas vm ao encontro (ou seria de encontro?) sreivindicaes histricas do movimento negro por medidas que es-tanquem os mecanismos de reproduo das desigualdades raciais.Guimares (1999:166) considera que o debate sobre polticas p-blicas de carter reparador das desigualdades raciais ainda se en-contra restrito a organizaes do movimento negro e a alguns es pa-os acadmicos, tendo se ampliado mais recentemente por ini ci a-tiva do Governo Federal.2 Ainda assim, vrias iniciativas de cunhoreparador das desigualdades raciais, especialmente na esfera edu-cacional, tm sido implementadas, e conforme observa Mo ehlec-ke (2000), o fato de essas iniciativas estarem circunscritas a or gani-

    zaes da sociedade civil, sejam elas organizaes do movimentonegro ou empresas privadas, um dado a mais para reflexo. Emseu cuidadoso levantamento, a autora classifica em trs tipos asaes voltadas para a incluso da populao negra no ensino su pe-rior no Brasil. So eles:

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    a) as aulas de complemen tao, que envolveri am os cursospr-vestibulares de vero e/ou de reforo durante a permanncia do es tu-dante na faculdade; b) o financiamento dos custos para o acesso e per ma-nncia nos cursos, envolvendo o custeio da mensalidade de instituiesprivadas, bolsas de estudos, auxlio moradia, alimentao e outros; c) asmudanas no sistema de ingresso nas instituies de ensino superior,atravs do sistema de cotas, taxas, metas e outros. (ibidem:73)

    Alm do seu alcance e contedo, as iniciativas de combate excluso envolvem questes que dizem respeito legitimidade demedidas de carter particular. Fry (1991), ao analisar a emer gn ciado comportamento chamado politicamente correto em contextossociais diferentes, sugere pistas interessantes para a compreensoda implementao de polticas pblicas especficas para um seg-mento da populao. Comparando ex-colnias portuguesas e bri-tnicas, o autor sublinha que nos Estados Unidos, por exemplo, apromoo de polticas com vistas a contemplar representativa-mente a composio tnico-racial e sexual da populao, visandoproteger as minorias, encontra-se articulada com a noo de di-fe rena. Por outro lado, no Brasil haveria a dificuldade em utilizara filiao tnico-racial ou de gnero como princpios distinti vospara discriminao. Neste caso, a condio socioeconmica man-tm-se como instncia paradigmtica da diferena. Nesta pers pec-tiva, nas universidades dos Estados Unidos o florescimento daconcepo de multiculturalismo celebrado; em contraposio,nas universidades brasileiras, a nfase recai sobre a universalidade.

    Podemos perceber, nos dados agregados e nas entrevistas,como essas temticas perpassam a experincia dos estudantes e suapercepo das relaes raciais no Brasil. Trata-se de um inte res san-te flagrante das elaboraes de um importante segmento da so cie-dade.

    Metodologia e Algumas Questes Suscitadas pelo Trabalho deCampo

    Instrumento de pesquisa, o survey e as entrevistas

    Elaboramos como instrumento de pesquisa um questionrio

    dividido em cinco sees, a saber, Identificao, Famlia e Re si dn-cia, Renda Familiar, Educao e Comportamento.3 Os question-rios foram respondidos pelos prprios alunos na presena de umpesquisador. Utilizamos a abordagem direta na seleo dos entre vis-tados, tendo participado alunos dos turnos diurno e noturno. Apli-

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    camos os questionrios entre outubro de 1998 e agosto de 1999,

    perfazendo um total de 1.306 questionrios respondidos. O pre en-chimento do ques tionrio dependeu de autorizao das direes dasuniversidades e/ou departamentos, e de entendimentos diretos comum professor que cedia parte do tempo de aula para que os alunosrespondessem. Apenas vinte questionrios devolvidos foram des-cartados por revelarem preenchimento imprprio. (Desses vintequestionrios, trs foram preenchidos por alunos estrangeiros.)

    Na segunda fase da pesquisa, durante o segundo semestre de1999 e os meses de janeiro e fevereiro de 2000, foram realizadas asentrevistas gravadas com os estudantes, alm das respectivas trans-cries das mesmas. Durante o preenchimento do questionrio,499 estudantes se dispuseram a participar da segunda etapa. Destetotal, com base nas questes sobre a classificao racial, par ticular-mente a questo aberta, selecionamos cem questionrios, sendoque noventa deles se autoclassificaram em uma das seguintes ca te-gorias: negro, preto, pardo, mulato, mestio e more no; os outrosdez se autoclassificaram como brancos. Para a realizao das en tre-vistas, fizemos contato com cerca de noventa estudantes, dos qua isobtivemos retorno de cinqenta, sendo realiza das 23 entrevistas.As dificuldades para contatarmos os estudantes foram em de cor-rncia do preenchimento incompleto da seo solicitando dadosindividuais, tais como: ausncia do nmero da residncia, donome do logradouro ou bairro, e ainda telefones onde as pessoasno se encontravam e mudana de endereo. Grande parte das en-trevistas foi rea lizada nas dependncias das universidades. Outros

    lugares escolhidos pelos entrevistados foram a residncia, o localde trabalho e, ainda, as dependncias do Centro de EstudosAfro-Asiticos. Buscou-se, em primeiro lugar, contemplar a gran-de parte dos entrevistados que se autoclassificaram como ne-gros/pretos e, em seguida, demos prosseguimento pesquisa comaqueles que se autoclassificaram a partir de outras categorias taiscomo: pardo, moreno, mulato, mestio e branco. Quanto idade eao sexo, os entrevistados tinham entre dezoito e quarenta anos,quinze mulheres e sete homens, todos moradores em diferentesbairros do Rio de Janeiros e de outros municpios do estado.

    Seleo das universidades e cursos

    Considerando as circunstncias de tempo e recursos dis po-nveis para a pesquisa, uma etapa indispensvel para a rea lizao damesma seria a seleo das universidades e cursos que comporiam

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    nosso universo de pesquisa. Procuramos, ento, obter dados que

    caracterizassem o universo do ensino superior no Rio de Janeiro.Consultando uma publicao especificamente dedicada aos ves ti-bulandos, o Guia Abril do Estudante 1998, encontramos refern ci-as ao conjunto das instituies de ensino superior, nmeros de va-gas, cursos, e relao candidato/vaga para as carreiras. (Vale a penaressaltar que obtivemos do Servio de Ensino Superior do Minis-trio da Educao, em agosto de 1997, uma listagem dos cursos deensino superior, com suas respectivas instituies mantenedoras,mas a mesma revelou-se desatualizada e incompleta.) Os dados ob-tidos nessa publicao, complementados, em alguns casos, porconsultas por telefone aos setores das universidades responsveispela seleo e inscrio dos estudantes, orientaram nossa escolha

    das universidades e cursos que seriam objeto da pesquisa. Entre asuniversidades listadas, deveramos escolher uma pblica e umaparticular, consoante com o objetivo da pesquisa de comparar ins-tituies dos dois tipos. Quanto universidade pblica, es co lhe-mos aquela em que no tnhamos conhecimento de estudos sobreessa temtica na universidade. Considerando que o perfil do alu-nado tende a estar relacionado com o padro de segmentao ur ba-na em termos socioeconmicos, procuramos identificar uma uni-versidade particular que no estivesse localizada na mesma reageogrfica da universidade pblica escolhida. Assim, escolhemosuma universidade situada em um municpio limtrofe ao do Rio deJaneiro, na rea Metropolitana do Grande Rio.4

    Para escolhermos os cursos a serem pesquisados, elabo ra mosos quadros dos cursos mais oferecidos e mais procurados (relaocandidato/vaga) no Brasil e no Rio de Janeiro. Consideramos esseprocedimento mais adequado do que investigar os cursos que soconsiderados informalmente, j que h poucos estudos a respeito,e nenhum tomando como objeto as universidades selecionadas,como tendo maior nmero de alunos negros. Os cursos cor respon-dem, portanto, a dois grupos distintos: os cinco cursos mais pro-curados, nos quais se verificam as mais altas taxas da relao can di-dato/vaga, e os cinco cursos mais oferecidos, ou seja, os cursos quepodem ser encontrados em um maior nmero de instituies deensino superior. Os cursos mais procurados no Rio de Janeiro so:

    Medicina, Comunicao,5

    Odontologia, Engenharia e Direito; oscursos mais oferecidos no Rio de Janeiro so: Engenharia, Cinci asContbeis, Pedagogia, Letras e Administrao. Elaborando umalista dos cinco cursos mais oferecidos e dos cinco mais procurados,chegamos ao total de nove cursos,6 quais sejam, Administrao,

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    Cincias Contbeis, Comunicao, Direito, Educao, Engenha-

    ria, Letras, Medi cina e Odontologia. Nesses cursos procuramosentrevistar os alunos dos primeiro e segundo perodos.

    Dirio de campo

    Gostaramos de registrar algumas ocorrncias relacionadasao trabalho de aplicao dos questionrios e entrevista dos es tu-dantes. Esses acontecimentos no chegam a se constituir em ques-tes a serem detidamente problematizadas, mas, sem dvida, ilus-tram relevantes tpicos envolvidos no fazer pesquisa sobre re laesraciais no Brasil.

    Obviamente, nossas observaes comeam pelo momento

    da aplicao do questionrio, que nos levou a contatar os di ri gen-tes e os professores das duas universidades. Inicialmente, devemosregistrar a receptividade de dirigentes e professores das duas uni-versidades onde aplicamos os questionrios. Devido s carac ters-ticas das duas instituies, na universidade pblica tivemos quecontatar um nmero maior de dirigentes, uma vez que as unidadesda instituio (departamentos, escolas etc.) so bastante au tno-mas nas suas rotinas operacionais, e no vista como necessria aautorizao dos dirigentes no topo da hierarquia institucionalpara a aplicao de um questionrio. Por seu turno, os contatosiniciais na universidade particular com os diretores de uma dasunidades da instituio nos encaminharam imediatamente ao

    pr-reitor de Graduao.Como seria de se esperar, todos os dirigentes pediram paraver o questionrio que aplicaramos. Os da universidade pblicararamente fizeram alguma objeo ao contedo do questionrio,chegando mesmo a enfatizar o compromisso da universidade coma prestao de contas sociedade atravs da acolhida a pesquisasque buscassem at mesmo avaliar a instituio. O pr-reitor deGraduao da universidade particular, no entanto, apresentouquestionamentos pergun ta que sugeria que h poucos negros naUniversidade. Entretanto, a argumentao com os achados da li te-ratura sobre desempenho educacional dos grupos raciais foi o bas-tante para persuadi-lo.

    Com a expectativa de que pudssemos dispor, no futuro, dedados sobre todo o corpo discente da universidade, e dos candi da-tos ao vestibular, dirigimo-nos ao diretor do Departamento de Se-leo, unidade responsvel por ministrar o concurso vestibular.Mais uma vez, esse dirigente tambm foi extremamente atencioso

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    e colocou nossa disposio dados do questionrio so cioeco nmi-

    co aplicado aos inscritos no vestibular. Solicitamos, ento, a in clu-so do quesito raa/cor no questionrio. Em um encontro sub se-qente, entretanto, esse dirigente nos informou que tinha con ver-sado a respeito com um outro dirigente da universidade, que eleno especificou quem seria, que teria observado que a incluso detal quesito seria ilegal, uma vez que poderia servir eventualmentepara prticas discriminatrias. Com essas observaes gosta ramosapenas de ilustrar como a mera obteno do dado racial aindaconstitui um evento extraordinrio no Brasil, ao mesmo tempo emque uma realidade facilmente identificvel. interessante ob ser-var que vrios professores da universidade pblica, em conversasinformais, nos indicavam os cursos em que deveramos aplicar osquestionrios em funo de, segundo a percepo desses colegas,tais cursos teriam um maior contingente de alunos negros.

    Quanto ao preenchimento do questionrio, o registro da ca-tegoria racial suscitava comentrios jocosos dos estudantes, em bo-ra, como podemos atestar ao analisar as respostas, essa circuns tn-cia no tenha afetado negativamente a qualidade dos dados ob ti-dos. Vale a pena observar que os alunos da universidade pblicaquestionaram mais freqente mente o pesquisador que estava apli-cando o questionrio quanto ao carter presumidamente racistadas questes que abordavam a presena de negros na universidade.Essa reao no foi observada na universidade particular.

    Por ltimo, gostaramos de registrar a existncia do Pro vo exame de avaliao, institudo em 1996, de concluintes de al-guns cursos de nvel superior, supostamente a ser estendido a to dosos cursos como uma circunstncia externa que afetou a realiza-o da pesquisa. Na universidade pblica, os alunos dos cursos queobtiveram bons resultados no ento mais recentemente mi nis tra-doProvo, em alguns momentos articulavam o preenchimentodo questionrio com o resultado obtido nesse exame. Era como sepreencher o questionrio se impusesse como uma legitimao adi-cional ao bom resultado alcanado. Por outro lado, o dirigente doscursos da rea mdica da universidade particular se mostrou hostil realizao da pesquisa, associando a coleta de dados divulgaode resultados adversos universidade.

    A Percepo das Relaes Raciais em Dados

    Antes de analisarmos as experincias e percepes dos es tu-dantes pesquisados, necessrio olharmos o perfil dessa po pu la-

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    o. A Tabela 1 apresen ta a distribuio da populao pesquisada

    segundo os cursos e universidades. Observa-se que os maiores con-tingentes participando da nossa amostra so de alunos dos cursosde Engenharia, Pedagogia, Letras e Direito. A proporo de alu-nos do curso de Medicina uma surpresa, uma vez que esse cursooferece poucas vagas anualmente. Quanto faixa etria, os alunosse distribuem por uma faixa que vai dos 16 aos 54 anos. Entre tan-to, 80,2% dos participantes tm idades entre 17 e 24 anos, a idadeconsiderada tpica para freqentar curso de nvel superior. Essadis tribuio nos d um parmetro para avaliao entre a po pu la-o do survey e a populao geral, atravs da comparao com osdados da PNAD-1998.

    Tabela 1

    Distr ibuio dos Alunos, segundo Cursos e Universidades

    Curso

    Universidade

    Pblica Particular

    N % N %

    Administrao 75 7,6 33 10,3

    Cincias Contbeis 80 8,1 45 14,1

    Comunicao 42 4,3 - -

    Direito 120 12,2 68 21,3

    Economia 4 0,4 - -

    Engenharia 207 21,0 - -

    Fsica 4 0,4 - -

    Informtica 3 0,3 16 5,0

    Letras 144 14,6 39 12,2

    Matemtica 1 0,1 - -

    Medicina 113 11,5 - -

    Odontologia 32 3,2 7 2,2

    Pedagogia 161 16,3 112 35,0

    Total 986 100,0 320 100,0

    Fonte: Pesquisa original

    Em relao ao sexo, a maioria da populao em nos so survey de mulheres, enquanto, segundo a PNAD, a proporo de mu-lheres na faixa etria dos 16 aos 54 anos com doze anos de estudosou mais cai para 42,4% (Tabelas 2 e 2.1).

    Relaes Raciais entre Universitrios no Rio de Janeiro

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    Tabela 2

    Distr ibuio dos Alunos por Sexo (%)

    Sexo %

    Masculino 41,1

    Feminino 58,9

    Fonte: Pesquisa original.

    Tabela 2.1

    Populao do Estado do Rio de Janeiro de 16 a

    54 anos com 12 anos ou mais de Estu do, por Sexo (%)

    Sexo %

    Masculino 57, 6

    Feminino 42,4

    Fonte: PNAD-98.

    De forma similar, em nos sosurveyo total de brancos aba i xoda proporo desse segmento no total da populao, res pectiva-mente, 69,3% e 84,8% (Tabelas 3 e 3.1).

    Tabela 3

    Distr ibuio dos Alunos por Cor

    (questo fechada)

    Cor %

    Branca 69,3

    Preta 4,3

    Parda 22,3Amarela 1,8

    Indgena 2,3

    Fonte: Pesquisa original

    Tabela 3.1

    Populao do Estado do Rio de Janeiro

    de 16 a 54 Anos com 12 Anos ou mais

    de Estudo, por Cor (%)

    Cor %

    Branca 84,8

    Preta 3,9

    Parda 11,1

    Amarela 0,1

    Indgena 0,1

    Fonte: PNAD-98

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    Esses dados nos indicam que a populao em nos so survey

    mais feminina e negra do que a populao em geral com es colari-dade similar na mesma faixa etria. Entretanto, devemos lembrarque os dados da PNAD dizem respeito ao conjunto da populaodo Estado do Rio de Janeiro, inclusive da rea rural, embora oEstado do Rio seja essencialmente urbano. Por outro lado, nossosurvey reflete uma realidade regional mais circunscrita. Esses da-dos sugerem que, apesar da limitao dos nossos dados em funoda seleo de universidade e cursos pesquisados, so relativamentemaiores as chances de um negro atingir um curso de nvel superiorna regio do Grande Rio.

    A Tabela 4 revela a distribuio por tipo de estabelecimento,segundo a filiao racial, dos alunos de nvel superior, comparando

    uma instituio pblica e uma particular. Documenta-se, assim,pela primeira vez na literatura sobre relaes raciais e educao noBrasil, o maior enegrecimento de uma instituio de ensino su pe-rior par ticu lar, vis--visuma instituio pblica. Enquanto na p-blica os alunos brancos chegam a compor trs quartos do corpo dis-cente, na particular essa proporo cai para um pouco menos da me-tade. Vale a pena observar que permiti mos tambm que os alunosidentificassem sua cor atravs de uma questo aberta. Apesar deuma relativa disperso por um total de dezessete termos, as respostasbranca (70,7%), parda (10,2%), morena (10,1%) e negra(4,5%) concentram a grande maioria da preferncia, atingindo emconjunto 95,5% das opes dos entrevistados.7

    Tabela 4

    Distr ibuio dos Alunos segundo as

    Universidades, por Cor (%)

    Cor Universidade

    Pblica Particular

    Branca 76,3 47,4

    Preta 3,0 8,4

    Parda 16,9 39,4

    Amarela 1,2 3,5

    Indgena 2,6 1,3

    Fonte: Pesquisa original

    Tendo esboado o perfil da nossa populao, podemos nosdedicar ao exame das questes que se remeteram especificamente avaliao dos estudantes so bre sua convivncia na universidade e

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    suas percepes das relaes raciais e opinio quanto eventual

    adoo de medidas de combate s desigualdades raciais.

    8

    Prime i ra-mente perguntamos como os estudantes avaliam sua relao comos colegas e com os professores. Analisando os dados das Tabelas 5e 6, constatamos que bastante alta a avaliao positiva pelos alu-nos de ambos os tipos de interao. Entretanto, enquanto no senota grande diferena na avaliao que alunos negros e brancos dasduas universidades fazem da sua relao com os colegas, nota-se al-guma diferenciao, por universidade, da avaliao da relao comos professores. Brancos e negros da universidade particular apre-sentam ndices mais altos de avaliao positiva da relao com osprofessores do que seus colegas na universidade pblica. Porexemplo, 81,8% dos alunos negros da universidade particular ava-

    liam a sua relao com os professores como excelente ou boa,enquanto na universidade pblica esse contingen te cai para73,7%. (Os ndices para os alunos brancos so 90,7% na univer si-dade particular, e 80,2% na pblica).

    Tabela 5

    Relao com os Colegas segundo a Universidade, por Cor (%)

    Cor Branca Negra

    Relao\Universidade Pblica Particular Pblica Particular

    Excelente 37,3 32,1 30,0 28,8

    Boa 56,5 62,1 58,4 62,6

    Regular 5,5 5,7 10,5 7,9

    Ruim 0,6 - 0,5 0,7

    Pssima - - 0,5 -

    Fonte: Pesquisa original

    Tabela 6

    Relao com os Professores segundo a Universidade, por a Cor (%)

    Cor Branca Negra

    Relao\Universidade Pblica Particular Pblica Particular

    Excelente 13,2 17,8 11,6 13,0

    Boa 67,0 72,9 62,1 68,8

    Regular 18,7 8,6 24,7 16,7Ruim 0,7 - 1,6 1,4

    Pssima 0,4 0,7 - -

    Fonte: Pesquisa original

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    Um outro conjunto de questes explorado em nossa pes qui-

    sa diz respeito percepo dos estudantes quanto s relaes ra-ciais no Brasil. Distinguimos entre a percepo desse tratamentona sociedade em geral e na universidade em particular. De formageral podemos afirmar que grande a percepo de que ocorrecom certa freqncia o tratamento diferenciado para brancos e ne-gros na sociedade brasileira, conforme revelam os dados da Tabela7. No ultrapassa 1,5% a proporo dos que acreditam que nun-ca ocorre tratamento diferenciado entre negros e brancos na so ci-edade brasileira. Chama a ateno o relativamente alto ndice dene gros da instituio particular que indicaram a opo sempre,notando-se que essa percepo maior entre os negros de ambas asuniversidades do que entre seus colegas brancos.

    Tabela 7

    Opinio quanto ao Tratamento Diferenciado para Negros e Brancos na

    Sociedade, segundo a Universidade, por Cor (%)

    Cor Branca Negra

    Opinio\Universidade Pblica Particular Pblica Particular

    Sempre 6,3 15,3 15,0 20,4

    Quase sempre 35,7 27,8 34,2 30,7

    s vezes 52,1 52,6 47,6 43,8

    Quase nunca 4,9 3,6 2,1 3,6

    Nunca 0,9 0,7 1,1 1,5Fonte: Pesquisa original.

    Curiosamente, ocorre uma inverso na distribuio dos n-dices na Tabela 8 que indica a resposta sobre a existncia de tra ta-mento diferenciado especificamente na universidade. A tabela ficamais pesada na extremidade da escala de opes apresentada aosestudantes que apontam para a existncia de tratamento di fe ren-ciado entre negros e brancos no espao universitrio como algo ex-cepcional. Ainda assim, os negros tendem a apontar com mais fre-

    qncia a ocorrncia de tratamento diferenciado. Entre os bran cosda universidade pblica, apenas 7,0% acredita que negros e bran-cos sejam tratados de forma diferente sempre ou quase sem pre;entre os negros da universidade particular esse percentual sobepara 17,9%.

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    Tabela 8

    Opinio quanto ao Tratamento Diferenciado para Negros e Brancos na

    Univer sida de, segundo a Universidade, por Cor (%)

    Cor Branca Negra

    Opinio \ Universidade Pblica Particular Pblica Particular

    Sempre 1,7 4,6 1,1 3,7

    Quase sempre 5,3 10,8 11,0 14,2

    s vezes 31,1 30,7 36,8 40,3

    Quase nunca 39,8 26,9 29,1 17,9

    Nunca 22,1 26,9 22,0 23,9

    Fonte: Pesquisa original

    Deve-se acrescentar, como podemos observar com base noscomentrios ao questionrio feitos pelos alunos, a formulaotratamento diferenciado foi amplamente entendida como even-tos de racismo e discriminao. Nesse sentido, podemos afirmarque comea a dar sinais de exausto a crena generalizada da so cie-dade brasileira como um paraso racial (Entretanto, essa novacompreenso no se viabiliza pela total substituio por uma visoconflituosa das nossas relaes raciais, como veremos a se guir como material qualitativo).

    Indagamos tambm sobre quais causas os estudantes apon-tariam como responsveis pelo pequeno nmero de alunos negros

    nas universidades. A Tabela 9 apresenta as respostas dos estu dantessegundo o tipo de universidade (a pergunta solicitava que fossemindicadas at trs causas, em ordem de importncia. A tabulaodos dados considerou apenas o total de causas apontadas). Causaseconmicas e uma suposta decadncia da escola pblica so am-plamente apontadas como as principais causas para a excluso donegro do ensino superior em ambas universidades. Discriminaotambm foi apontada como causa para essa excluso, embora emmenor medida pelos alunos da universidade particular. Como ve-mos, causas externas ao indivduo foram apontadas ma jo ritari a-mente como os principais fatores de excluso dos negros 89,3%dos alunos da universidade pblica e 73,0% dos alunos da par ti cu-

    lar. Entretanto, no deixa de causar certa surpresa e preocupaoque pouco mais de um quarto dos alunos da universidade pblicatenham apontado desinteresse e maior aptido para atividades cul-turais e esportivas dos negros como explicao para o pequenocontingente de negros que atingem o curso universitrio.

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    Tabela 9

    Opinio quanto s Causas para a Presena de Poucos Negros na Universidade,

    segundo a Universidade (%)

    Causas Pblica Particular

    Falta de recursos econmicos dos negros para custearseus estudos

    38,8 32,8

    Desinteresse dos prprios negros 7,0 16,8

    Maior aptido dos negros para atividades culturais eesportivas

    3,7 10,1

    Por causa do racismo e discriminao que os negrossofrem

    22,9 18,1

    Por causa da decadncia do ensino pblico 27,6 22,1

    Fonte: Pesquisa original.

    Ainda que possamos constatar, como sugerimos an teri or-mente, a relativa falncia do mito da democracia racial, certamenteainda no podemos anunciar um apoio majoritrio a medidas queprocurem corrigir as desigualdades raciais. indagao sobre o tipode medidas que poderiam ser adotadas para aumentar o nmero denegros na universidade a grande maioria dos estudantes escolheu aopo medidas que beneficiem todas as pessoas carentes por opo-sio opo medidas que beneficiem especificamente os negros(Tabela 10). H dois aspectos que merecem destaque na anlise des-ses dados. Por um lado, o maior apoio a medidas especficas para ne-gros registrado entre os alunos negros da universidade particular,

    ao mesmo tempo em que entre os negros da universidade pblicaesse apoio menor do que entre os brancos dessa mesma universida-de. Por outro lado, nota-se que a clivagem mais marcante entrealunos da universidade pblica e da particular, independentementedo grupo racial. Em outras palavras, os alunos da universidade par-ticular so mais inclinados a apoiar a adoo de medidas que bene fi-ciem especificamente os negros como forma de atacar o problemadas desigualdades raciais no ensino superior no Brasil.

    Tabela 10

    Opinio quanto Adoo de Medidas para Carentes ou

    Espec fi cas para Negros, por Cor (%)

    Cor Branca Negra

    Opinio \ Universidade Pblica Particular Pblica ParticularTodas as pessoas carentes 91,8 88,2 93,8 80,8

    Especfica aos negros 8,2 11,8 6,2 19,2

    Fonte: Pesquisa original

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    O Elemento Racial na Experincia Escolar Inicial

    A primeira referncia discriminao racial, para in di vduosque se autoclassificam como negros, remete infncia, mais es pe-cificamente entrada na escola. Essas lembranas so tambm ex-plicitadas de forma direta.

    1) P: E quando voc era criana, na primeira escola, voc tinha boas re la-es com seus amigos e professores?R: Sempre tive boa relao com meus amigos, com os professores, comtudo mundo, mas, quando eu era criana, sofri muito preconceito. Por-que eu era criana e eu sempre ouvia: Preto ladro, sempre ouvia isso.Uma vez eu fiz um teste, uma prova para uma escola e fui aprovada, e nodia da matrcula no me aceitaram pelo fato de meu pai ser negro.P: E quem foi fazer [a matrcula]?

    R: , ele e minha me.P: E em algum momen to falaram isso?R: Mais ou menos, no falaram explicitamente, deixaram assim... e aca-bou que eu no fui, nem fui para essa escola [...].2) P: Como foi o relacionamento com seus amigos de escola, no segundograu, e como agora na faculdade?R: Quando criana eu fui muito discriminada, sempre tinha aquelas pia-dinhas. Quando eu era criana eu acho at que eu criei uma certa aversoa homens claros por causa disso, de uma certa forma. Eu acho que socoisas que voc leva para a vida.

    Percepo do Racismo: Confronto e Negociao

    A respeito da percepo de discriminao e racismo na socie-dade em geral, e na Universidade em particular, obtivemos umgrande nmero de respostas em que o racismo emerge como dis-curso indireto e sob a forma de anedota, como no trecho a seguir.

    1) P: Voc nunca viu discriminao no espao da universidade?R: Eu cheguei a presenciar sim, uma vez estvamos em um barzinho aquiperto, era at de manh, por volta de uma e meia, duas horas, a tinha unscolegas l contando piadas de negro, de repente passou um rapaz negro,eles disfararam, e depois comearam a rir do cara. Ele no percebeu,mas tinha que ter percebido e dar uma sova nos caras.

    O discurso direto encontra-se associado a casos especficos,como nos momentos de conflito, nas referncias boa aparnciacomo exigncia no mercado de trabalho, e nas revistas e des confi-anas de guardas de segurana de lojas de departamentos.

    1) P: E entre negros e brancos, voc sabe se so tratados de formas dife-rentes na sociedade brasileira?

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    R: Eu acho, na faculdade eu no vejo nada no, mas na sociedade bra si-leira sem dvida.P: Por que?R: Infelizmente ainda tem muito preconceito e a gente tem que tentaracabar com isso.P: E me conta uma situao?R: Uma situao que aconteceu com minha prima h pouco tempo. Mi-nha prima estava l na Americanas, quando ela entrou o segurana veioatrs dela e chegou para ela e disse o segurana era negro , e disse: Suaneguinha, voc roubou, e no sei o que. Falando que ela tinha roubado,ela comeou a bater boca e entrou na justia contra o segurana.P: Ela entrou na justia?R: Entrou.P: Contra o racismo?R: O cara j foi mandado embora das Lojas Americanas.2) P: A gente perguntou se voc acha que negros e brancos so tratados deforma diferente [na universidade], voc respondeu que era, s vezes, porque?R: Eu acho assim, no digo entre professor e aluno, que eu nunca vi essetratamento, mas eu acho que certas pessoas ainda so preconceituosas,ento, talvez excluam os negros do seu grupinho, de pessoas que con ver-sam. Existe isso aqui dentro. Eu no vejo to grande, mas certas pessoaseu vejo que ainda tm algum preconceito, acho que ainda tm.P: Aqui na [universidade pblica]?R: Aqui na [na universidade pblica]. Mais alunos e tal, entendeu? Tipo,vamos dizer, numa discusso, assim, numa briga, voc ainda escuta, ah,p, seu crioulo, qualquer coisa assim, entendeu? Ento, isso pra mim j um tipo de preconceito. Mesmo que seja, assim, num mo mento de ra i-va, num momento de futebol, ainda voc escuta esse tipo de coisa.Ento, acho que ainda existe.P: Aqui, voc percebe?R: , sei l, algum esporte, alguns jogos que voc tem, num momento deraiva assim, quando h uma discusso, voc ainda escuta algum falar,ah, p, seu crioulo, seu nego, no sei o que, e tal.... Acho que isso j um tipo de preconceito. [...] entre alunos. Entre professor eu nunca vi.Eu, particularmente nunca vi. Mas entre alunos j vi. A... no , assim,tratamento diferenciado no dia-a-dia. Alguma coisa, assim, que levauma pessoa raiva, alguma discusso, alguma briga entre essas duas pes-soas, voc ainda escuta, aqui dentro, alguma pessoa falar isso. Ento, issoeu j acho algum tipo de preconceito, porque quando voc, sabe, dis cu-te com um branco, alguma coisa assim, ningum fala ah, seu branco,n? Ento, eu acho que j um tipo de preconceito. Mas, j vi nesses ca-sos, entendeu? No caso de briga, durante alguma coisa assim, algumabriga entre duas pessoas, uma de pele clara, outra de pele escura j escu tei

    isso. Mas entre professor e aluno nunca vi no.

    Deve-se ressaltar que ao se pronunciarem sobre eventos dediscriminao e as causas das desigualdades raciais dois es pa-os-territrios so evocados: os Estados Unidos e a favela. A

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    nao o narrador busca referncias fora de seu repertrio da ex-

    perincia vivida

    12

    . Por outro lado, a utilizao, na fala nmerodois, de determinadas expresses qualificadoras, tais como aboli-o disfarada e salrio justo, como reforo da ambigidade noBrasil acionada nas elaboraes discursivas demonstra como acondio socioeconmica encontra-se cristalizada como trao dis-tintivo da discriminao e do racismo.

    1) P: E voc acha que os poucos negros que tm aqui na faculdade so tra-tados da mesma forma que os brancos?R: A nica que eu convivo mesmo essa menina da minha sala, ento eununca vi nada diferente.P: E no cotidiano?R: J, at mesmo da minha me, porque a famlia do meu pai que seacham brancos mas no so porque so todos com o cabelo ruim, s queso claros. Minha me diz que sofreu muito quando casou com meu pai,porque a me dele no aceitou. Chama vam ela de macaca, de neguinha,at pouco tempo essa minha av foi morar l em casa e chamava meu ir-mo do meio de macaco.

    O critrio de atribuio de categorias como filiao tnica,racial encontra-se interditada, pois a sustentao da noo de dife-rena esbarra num ponto focal no universo pesquisado: o prin c-pio da universalidade encontra-se alicerado na noo de mrito,sendo esta tida como condio necessria para o ingresso na uni-versidade pblica. A idia de que o ingresso na universidade se da-ria indiscriminadamente, mediante a aprovao no vestibular

    ne gros e brancos, homens e mulheres uma vez que ao se submetemas provas teriam as mesmas chances dependendo apenas do co nhe-cimento e capacidade individual.

    1) P: Uma coisa que voc falou aqui que eu achei muito interessante...voc colocou que [uma das razes] pelas quais os negros no estariam emgrande nmero na universidade [...] por eles terem mais aptido para osesportes. Me fala mais sobre isso.R: , justamente por esse, por esse caso desse meu amigo. Eu acho que,assim, voc v em Cuba e nos Estados Unidos, dois pases que do gran deimportncia tanto educao, quanto ao esporte. Essa ligao entre edu-cao e esporte... tanto que voc v numa olimpada so os grandes me-dalhistas. Ento, voc v sempre, aquele cara, o maior corredor do mun-do, o maior atleta do mundo de basquete sempre pessoa da cor negra.

    Ento, acho que assim, pelo fsico, h pesquisa que diz que o fsico do ne-gro sempre mais forte, tem mais exploso do que o branco. Ento, achoque se Brasil tivesse uma cultura que nem Cuba, mesmo vivendo a criseem que vive, os Estados Unidos tm, entre, ligao entre esporte e fa cul-dade, acho que talvez teriam muito mais negros dentro da universidade.Eu vejo isso pelos amigos que eu tenho, desse que faz natao, conseguiu

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    uma bolsa, voc v na [universidade particular X] que uma das faculda-des que...S: Ele estuda na [universidade particular X]?E: No, ele faz [universidade particular Y] que o mesmo sistema, umafaculdade que estuda o [nome] que gosta, que tem um reconhecimento,assim, em esporte, natao, jud e tal, e que d bolsas pra at letas. Ento,acho que se tivesse mais disso aqui no Brasil acho que teriam mais negrosna universidade, com certeza, voc v isso em Cuba, nos Estados Unidos.P: Voc atribui isso a qu? (Poucos negros na universidade)

    A fala acima contm uma analogia com duas realidades so ci-ais distintas, que se tornam constitutivas de polticas idnticas:Estados Unidos e Cuba. O narrador tem com ponto de refernciaas polticas especficas para negros praticarem esportes. Em suaopinio um meio eficaz para a promoo e manuteno da po pu la-

    o negra na universidade seria a prtica esportiva como medidade polticas pblicas. A fala acima, como outras, apresenta he sita-es, explicaes e ponto de vista diferenciados. A pergunta ini cialpermanece sem resposta: h racismo na universidade?

    1) R: Ah... esse, eu acho assim, que... isso a, entendeu?P: Por que?R: No sei, no sei porque, no sei dizer, assim, um significado. Acho queat pela cultura. Acho que, um exemplo, voc v ... pessoas assim, a ma i-oria de favelados e tal, so da cor negra, ento, so pessoas que, sei l, tosempre jogando uma bola, to sempre, jogando um basquete, ento, sopessoas que so criadas, assim, entendeu?, mais ligadas a esportes do queaquele garotinho, assim, branquinho que vive em apartamento, que en-

    tra na internet todo dia, que s vai brincar noplay. Ento, acho que porisso nossos grandes jogadores de futebol so negros, nossos grandes atle-tas so negros, acho que por isso, entendeu? acho que a pessoa, assim,negra... lgico, por ser da maioria assim pobre, n, tem mais convviocom rua, tem mais convvio com esporte, joga sempre, sei l, um fute bol,um basquete, um handball, acho que o negro gosta, assim, mais de es por-te do que o branco.P:... gosta?R: No, no que... sabe, que gosta,... ou que... por exemplo, acho que onegro assim, pessoas, assim, negras, acho que tambm tem aquela coisa,assim, acho que vou tentar alguma coisa pelo esporte, entendeu, achoque por isso.... acho que isso maior no negro do que no branco, en ten-deu, tentar conseguir alguma coisa pelo esporte. Ento, acho que porisso maior o ndi ce de atletas negros do que de brancos, ento, acho que

    se uma universidade desse aparato, desse as condies pra que uma pes-soa negra, um desportista entrasse dentro de uma faculdade, estudassegratuitamente, praticando esporte por essa faculdade acho que au men-taria a incidncia de negros dentro de uma universidade.S: Esse seu amigo faz natao, mas qual o curso que ele faz?E: Educao Fsica.

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    S: E eles s do cr dito pra ele fazer Educao Fsica?E: No, qualquer faculdade, se ele quisesse fazer engenharia sendo atletada universidade, ele ganha bolsa. Porque ele compete, qualquer com pe-tio ele representa a universidade [universidade particular Y], assimcomo [universidade particular X], o cara pode fazer Direito mas ele de

    jud da [universidade par ticular X], ento, numa competio ele vai re-presentar a [universidade particular X], ento, por isso eles do bolsas.Dentro da universidade pblica voc no v isso, no tem porque darbolsa porque gratuito, s que eu acho que deveria ter uma integraomaior entre universidade pblica e esporte. Voc no aqui nada disso,no tem nada disso. Tem-se um t ime da [universidade pblica] de fu te-bol, de basquete, no tem nada disso. Os times so feitos pelos alunos,no parte da universidade como em Cuba, como nos Estados Unidos,no parte do governo, das autoridades. Parte dos alunos, que fazem seustimes, cada curso tem seu time, qualquer coisa assim, mas no essa...como em Cuba, como nos Estados Unidos que acho que seria bom se

    tivesse aqui no Brasil.

    No temos a inteno de avaliar a forma de ingresso, apro-veitamento e rendimento dos estudantes e nem tampouco das uni-versidades. O corre que dados e pesquisas de fontes desconhecidasso citados pelos estudantes como justificativa para manutenode uma certa estrutura de pensamento e de atitudes. Talvez o nar-rador procure assim se distanciar da sua prpria fala.

    1) P: Perguntamos tambm se negros e brancos so tratados de forma di-ferente na sociedade brasileira, voc colocou que na sociedade brasileiraquase sempre, gostaramos que voc falasse sobre isso.R: s prestar ateno nas ruas, infelizmente predomina o discurso hi-

    pcrita de igualdade racial, parece que porque eu trabalho do lado de umnegro no h preconceito. As pessoas dizem: Eu trabalho com negro, es-tudo com negro, tenho amigos negros, preconceito racial no existe noBrasil, mas infelizmente as pessoas no se atentam pra alguns detalhes,as coisas mnimas que mostram o preconceito. Quando uma mulher,bem padro de beleza no Brasil, lou ra, olhos verdes, corpo bem mo dela-do, anda com um negro do lado voc j ouve logo, O que aque la louraest fazendo com esse cara? Meu D eus do cu! Ou, ento, quando o ne-gro, ele chega num lugar chique, um restaurante de alto nvel as pessoas

    j olham logo estranho, muitas vezes um garom pergunta se tem re ser-va, alguma coisa...quer dizer, no aceitam a idia de ter um negro fre-qentando um local, entre aspas, de alto nvel. (.. .) essas pequenas ati tu-des, as piadinhas de negro que a gente ouve nas ruas, infelizmente, ouvemuito, as brincadeiras, eu no trabalho eu ouo vrias, s vezes um colega

    nosso negro t almoando a o sujeito ofereceu uma banana pra ele,aqui, , guardei pra voc como quem diz que o negro macaco, um ab-surdo! Ento... apesar daquela aparncia de democracia racial que exis te,o fato de eu conviver com o negro, trabalhar com o negro, apa ren te men-te, , tem, acho que nas pequenas coisas, nos pequenos comporta mentos que a gente v o racismo presente, ele existe sim. E at nas estatsticas

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    ferena, a classificao racial aparece associada a outros princpios,

    tais como: gnero e idade e classe social.1) P: Voc falou que a maioria de suas amigas so negras, elas j relatarampara voc algum caso de discriminao?R: J presenciei cantadas mais bruscas na rua, eu posso estar com a mes-ma saia que ela, mas ela sempre mais assediada bruscamente. Ne nhu maamiga comentou nada at hoje... s uma que falou assim, A gente sofreporque mulher, porque pobre e porque negra.

    Embo ra no tenhamos aprofundado a anlise sobre as re la-es de gnero, esse dado aparece nas elaboraes sig nificati va-mente como um complicador nas relaes e convvio no meio uni-versitrio, com repercusso na expectativa das trajetrias pro fis-

    sionais, pois, articulada caracterizao anatmica e fisiolgicaencontra-se diretamente relacionadas determinaes sociais.13

    Outro aspecto importante diz respeito s escolhas afetivas. Refe-rncias a namorados (as), parceiros (as) e cnjuges so recorrentese encontram-se relacionadas a conflitos pessoais, familiares ou ide-olgicos:14

    1) R: Uma vez a gente estava na praia a eu falei para ele: tua prima vai fi-car com o garoto tal. A ele: Meus primos so todos atuantes, minhafamlia atuante! Uma vez no sei onde que eu estava que eu falei dele, ealgum quis fazer uma pesquisa com ele, um depoimento para uma re vis-ta negra, eu no sei se era Raa... ele assim eu discuto vrias ve zes comeles, so coisas diferentes. Eu realmente no me identifico com pes so as...mas se um dia eu for me apaixonar por um cara que seja branco eu vou fi-car com o cara, mas isso nunca aconteceu e eu nem quero que acontea.At minha idealizao de filhos, uma idealizao de todos neguinho, assim que eu penso, eu acho que eu no posso colocar isso como aquiloe pronto. Acontecem vrias coisas e voc no sabe o dia de amanh.

    Em certa medida, raa e g nero so elementos consti tuti-vos do universo dos estudantes universitrios. Entende-se raa egnero como construes sociais e, portanto, constituem-se emprincpios de classificao social. Sendo que classe, raa ou gnero,isoladamente, no se constituem como nico princpio que ali cer-a a produo de desigualdades na sociedade; estes e outros prin c-pios associados condicionam a participao dos indivduos na vida

    social. Entre brancos(as) e negros(as) h tambm mulheres e ho-mens entre outras combinaes possveis.Ocorre que nas elaboraes esses princpios poucas vezes so

    problematizados como fatores de incluso/excluso. Nesta pers-pectiva, a fala destacada abaixo revela tal percepo.

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    1) P: E quantas mulheres tem no curso de Engenharia?R: O grande problema da Engenharia t a, imagina um curso que s temduas ou trs mulheres... assim, no curso todo... vou falar em termos deproporo, que uma coisa assim bem triste, de dez pessoas tem uma, oumeia, porque no d pra botar meia, vamos botar uma. muito triste.P: Por que voc acha que as mulheres no procuram Engenharia?R: No sei no, sei l... uma coisa que... tinha at que botar um cartazl, proibido homem fazer Engenharia porque estamos lotados... Porque as mulheres no vo fazer? No sei, talvez seja da Engenharia ser umacoisa meio masculinizada. O engenheiro tem que ser aquele cara bar bu-do, alto, vai falar pra caramba, fala grosso. E as mulheres agora que todescobrindo no, Enge nharia le gal, tambm posso fazer. E tem essacoisa de Engenharia Civil, vai assim fazer uma construo, uma mulher,ela diz no, no vou ter respeito dos pees. Tem muito disso, a Enge-nharia aquela coisa muito masculinizada.P: E voc tem con tato com as meninas que fazem?R: Tenho, ainda bem. J pensou passar a Engenharia toda falando comhomem, que tristeza.P: E o que elas dizem, voc j perguntou pra elas, vocs j conversaramsobre isso?R: No, uma per gunta que nunca fiz por que voc fez Engenharia? uma pergunta que eu nunca fiz no. Mas eu acredito que seja mais dogosto, tem uma a que eu conheci que o pai engenheiro. Claro que o paiaju dou bastante nessa escolha dela. E tem outras que, sei l, no fao amnima idia. Mas uma coisa engraada, to poucas mulheres na Enge-nharia, a tu vai l pra Nutrio, aquele monte de mulher, tem um ho-mem escondido, quem voc rapaz, t fazendo o que a?P: E por que voc acha que as mulheres vo mais pra Nutrio e menospra Engenharia?R: Acho que as profisses... at nas profisses tem aquele lado machista.Aquela coisa, tem um lado, assim, machista e feminista. Essa aqui umacoisa mais machista, aquela mais feminista, acho que tem muito dissodentro da profisses.(...)P: E as mulheres so boas alunas?R: Na Engenharia? Deixa eu ver..., quando eu entrei eu acreditava nisso,falei: nossa, elas so boas alunas. Hoje em dia no acredito mais nissono. N o sei, acho que elas viram muitos homens, assim, devem ter fi ca-do deslumbradas, porque agora no vejo... tm umas... d pra contar nosdedos, tem duas garotas que eu conheo que realmente... aqueles que eutava falando de dez pessoas tem uma, so elas.

    Podemos notar, a partir da citao acima, quanto ainda a

    participao feminina nos certos cursos universitrios percebidacomo um meio de encontro como o sexo oposto. Esta percepodemonstra a desvantagem de um segmento, neste caso quanto degnero, diante de outro, frente legitimidade das trajetrias aca-dmicas. A dificuldade do reconhecimento da situao de des van-

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    tagem de segmentos especficos da populao, diante de outros,

    ocorre tambm em relao a estudantes classificados como ne-gros(as). Nessa perspectiva, construes sociais de gnero ecor/raa so acionados como sendo caractersticas naturais (sexo) ede classe (cor/ raa). Sugerimos que esta concepo encontra-se detal forma estruturada, como tambm de difcil questionamento.

    A Adoo de Medidas de Combate s Desigualdades Raciaisno Ensino Superior

    Nas falas dos estudantes aparecem diferentes referncias squestes sobre a presena de poucos negros nas universidades e so-bre quais medidas e polticas pblicas especficas levariam ao au-

    mento desse segmento especfico nas universidades. As respostasobtidas so indicativas da complexidade do tema sobre promoode polticas pblicas para um segmento historicamente dis crimi-nado.

    1) P: Por que voc acha que tem poucos negros nas universidades?R: Eu acho que por dificuldades econmicas o negro no chega s uni-versidades [...] pra negros e pessoas carentes, porque mais difcil. Olhas, quando voc, eu acho que quando a pessoa comea a se percebercomo negro, isso mais para o final da ado lescncia e tal, quando a pes-soa vai tornando adulta, ela... tem uns que se conformam, tem outrosque no, j que assim, ento, vou ser melhor em tudo, porque o ne gropara conseguir se destacar ele tem que ser melhor do que os melhores.Por isso que eu estou sempre [...] sabe, at quando eu comecei as aulaseu achei o mximo, porque vrios livros que eles tinham mandado ler, eu

    j tinha lido, sabe. Voc tem que ser o melhor, voc tem que ser mais doque o melhor se possvel, o ideal. Porque seno, o mercado engole, como se fosse um trator, ele vai passando por cima de todo mundo, e sevoc conseguir correr na frente, ele no te pega, ento pra um negro con-seguir chegar na universidade, pra conseguir chegar a um lugar mais ele-vado, a patamar mais elevado, a condio social mais elevada tem que in-vestir em conscientizao, conscientizao pessoal, ele se perceber comonegro, se aceitar como tal e conscientizao da situao do negro na so ci-edade. A partir do momento que voc diz sou negra, vamos ver como anossa situa o, a no mais a situao dos negros a nossa [nfase] si tu-ao, a voc olha bem, o negcio meio complicado, ento vamos fa zero melhor. A d pra voc se destacar, chegar a uma universidade, in ves-timento mesmo, porque se voc for esperar do governo voc vai ficar es-

    perando a vida inteira.

    Entre os estudantes universitrios, ao nosso ver, ainda quediferentes, as respostas contm um ponto convergente: no h ex-pectativa, por parte dos estudantes, com relao a iniciativas de

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    polticas pblicas que visam a promoo de direitos para segmen-

    tos especficos da populao. As re ferncias ao poder pblico emtodos as instncias remetem a inoperncia no que se refere ao com-bate discriminao. Um exemplo a ser citado se refere ao termogoverno, que amplamente utilizado para falar da falta de ini ciati-vas pblicas com vistas superao do racismo.

    1) P: Voc repara que o nmero de negros menor na universidade?R: Com certeza.P: A que voc atribui esse fato?R: desigualdade social. No todo mundo que consegue passar parauma faculdade pblica, e particular... por que? Porque a pessoa no temdinheiro pra pagar um pr- vestibular, porque as pessoas... o ensino p-blico est horrvel. Lgico que no estou... tem escolas particulares que

    so horrveis, mas a escola pblica est muito pior, no s escola comosade, tudo. Se voc no d uma valorizao educao do seu pas... ficaesse monte de campanha: educao, educao, educao. Voc faz umconcurso pblico achando que voc vai chegar na sua escola encontrarum apagador, um quadro negro e na real voc no encontra nada. Como que o fulaninho... se na biblioteca falta livro e fulaninho no con segueler? o que meu pai fala, na poca dele se lia muitos livros, na quarta s-rie j estavam lendo livros. Eu acho que eu li meu primeiro livro, edu ca-cionalmente mandado pela professo ra, na sexta srie. Ento como quese pode colocar um cara desse em uma universidade pblica? muito di-fcil. Quando passa, passa para o que eu passei, que pedagogia ou parafilosofia... Eu no estou falando... por exemplo, eu fiz pedagogia porqueeu quis, fulaninho fez filosofia porque quis, mas muito fizeram porqueno tinham condio de passar para medicina, por exemplo. Eu tenhoum amigo que negro e passou para medicina, eu fiquei com um orgulhodele to grande, como se fosse meu filho. Eu achei o maior barato. [...]Um monte de gente que estudou comigo no primrio, ginsio no pri me-iro grau parou na sexta srie. Por isso que muita gente fala: legal voc en-trou para a faculdade. Porque voc olha as pessoas voc tem que se es pe-lhar nas que subiram, lgico que s vezes a pessoa tem que trabalharcedo, tem que ajudar em casa... Eu tenho amigos inteli gentes que mo-ram no morro, na favela...

    Grande parte dos estudantes universitrios que se auto clas-sificam como negros optam por promoo de medidas para todasas pessoas carentes. O dado tnico encontra-se esvaziado frente aoque parecem ser questes pertinentes pobreza. Dessa forma, acondio tnico-racial redefinida como sendo um atributo declasse. Eis mais algumas falas a esse respeito.

    1) P: Ento o que se faz com o pessoal que no consegue entrar na uni ver-sidade por que precisa trabalhar... enfim, porque a vida no permite. Oque fazer?

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    R: Pergunta muito difcil... olha eu no sei, me sinto to perdida para res-ponder isso. Porque no adianta dar conselhos dizer que elas tm que es-tudar. Elas j sabem.P: Sim, elas tm essa conscincia. Mas elas no conseguem se inserir aquina universidade justamente porque elas trabalham, porque no po dempagar um curso pr-vestibular ou ento porque elas trabalham o dia todoe quando chegam no curso esto muito cansadas para aprender algumacoisa, e no conseguem chegar at uma universidade pblica e muita dasvezes nem em uma particular. Qual a soluo para isso?R: Gente... no sei, eu sou toda...P: Quando voc respondeu o questionrio voc relacionou com a falta derecursos econmicos, com a decadncia do ensino pblico e tambmcom o racismo e discriminao que os negros sofrem. E depois voc res-pondeu que deveriam ser tomadas medidas que beneficiassem pessoascarentes como um todo, no somente os negros. Que medidas seriam es-sas?

    R: No sei...P: Nunca parou para pensar nisso?R: Nunca parei para pensar nisso. Eu acho que tem que ter uma medida,tem que ter um jeito.P: Voc falou do sistema de cotas. Voc no acha legal?R: Comeando pela inscrio do vestibular, sessenta e cinco reais! QueBrasil esse! Eu no posso dar sessenta e cinco reais assim.P: Mas ai que entra a questo que a gente est tentando tocar. O sistemade cotas para voc no a sada, porque?R: Tem a iseno, s que a iseno mnima. [...]

    Na questo relativa a quais medidas deveriam ser tomadaspara aumentar o nmero de estudantes negros na universidade,

    ocorre uma dissonncia entre a pergunta e a resposta. A pergunta sobre o nmero de negros, a respos ta refere falta de recursos eco-nmicos dos estudantes, no necessariamente negros. A referncia falta de recursos recorrente entre os entrevistados. Ao que tudoindica, no discurso dos estudantes universitrios haveria a pre do-minncia da classe sobre a cor ou a raa. Tudo se passa como se oslimites en tre onde termina a determinao de classe e onde co meaa cor e ou raa pudesse ser indicado.

    1) P: um tema muito polmico e totalmente indefinido a questo depolticas p blicas, do governo ou no, para aumentar a presena de ne-gros na universidade, por exemplo. Em geral, voc acha essas medidasdeveriam ser especficas para os negros ou para pessoas carentes?

    R: Olha, eu acho o seguinte, tem que ser [...] deixa eu explicar porqu.Os carentes, as pessoas carentes, depende do lugar onde voc vai, porexemplo, [eu no vou a hotel] na cidade do Rio de Janeiro, bvio, masquando voc vai, por exemplo, a camareira que te atende, a faxineira quelimpa o teu quarto no hotel, geralmente ou negra, ou mulata ou par-da, difcil voc ver... Agora, por exemplo, quando eu vou pra [lugar], o

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    hotel onde eu fico a faxineira que limpava o meu quarto era loira..., a po-breza, a misria no se restringe cor, uma condio social tudo bem.Agora, a questo de educao, mais uma questo cultural. Eu achavaque seria bom fazer, por exemplo, leis que garantissem uma quantidadede vagas pra negros, tipo, para correr atrs do prejuzo, porque se vocfor ver, difcil chegar um negro na universidade, difcil voc chegar..., ver um negro num cargo de poder, sabe, as pessoas no aceitam muitoisso [...] nas escolas sempre mais... populao de ba ixa renda, sim, masmais brancos do que negros. Mas isso tambm tem que ter cons ci entiza-o, porque a maioria das pessoas, s vezes, ah, ento, assim? Ento,t, tudo bem, sabe, s que no assim, a gente tem que correr pra mu-dar, a gen te tem que correr atrs do prejuzo, isso depende de ns [...] Ti-nha que ter medidas para garantir o nmero de vagas para populao debaixa renda? Sim, claro, mas tambm tem que ter pro negro. Posso estarsendo radical? Sim, eu estou sendo radicalssima, mas eu acha va que ti-nha que ter.

    Ainda sobre a questo mencionada no pargrafo anterior,gostaramos de indicar a diferena do discurso sobre medidas es pe-cficas para aumentar o nmero de negros na universidade e nomercado de trabalho. A sugesto contida no trecho acima men ci o-nado articula dois nveis diferenciados, indicando que para o mer-cado de trabalho deveria ter medidas eqitativas especficas para apopulao negra, em contrapartida para universidade no caberiatal medida. possvel inferir que h dois diferentes princpios: auniversidade seria o espao para universalidade por excelncia, en-quanto no mercado de trabalho no haveria tal princpio, ne ces si-

    tando de interveno. Ainda assim, ocorre a rejeio quanto ao be-nefcio de tais medidas.

    1) P: Voc falou que... hipoteticamente, se essas medidas chegassem aomercado de trabalho, voc acha que iria se beneficiar dessas medidas,voc pessoalmente?R: Eu acho que me beneficiaria no por causa da medida... no sei, sabe,sim e no [...] da mesma forma que eu falei que tem uns que se con for-mam e acabam... esses que se conformam acabam virando maus pro fis-sionais, entendeu. Ento, se voc for pegar... se fizerem uma medida, ga-rantir um certo nmero, vai ser saudvel? Vai. Mas, ao mesmo tempo,pode no ser, porque po dem chegar maus profissionais ao mercado, emcima de uma lei que garanta que eles estejam l. Agora, por isso que eu

    acho que a gente tem que investir pra se tornar o melhor, porque a vocvai estar l... a lei vai ser boa, se tivesse seria boa? Seria, porque garantiriavoc estar l, mas voc no estaria l simplesmente por causa de uma lei,entende?P: O que voc est falando que as medidas deveriam ser mais voltadaspara a educao e no chegar a atingir o mercado de trabalho?

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    R: Sim, mas no exatamente isso. porque eu acho assim, essas me di-das seriam, para o mercado de trabalho seriam boas? Seriam timas, sque tem sempre um lado negativo, tem um lado que meio perigoso. que... a pessoa pode, de repente, se conformar, por ter essa lei e achar queno precisa investir por que a lei garante que ela esteja l, entendeu? Enis so voc acaba tendo maus profissionais, maus servios, sabe, e isso...se houvesse essa lei, sim, mas deveria ter uma seleo pra pegar os me lho-res, pra no ficar s ali... no estarem simplesmente porque so negros.At para evitar, de certa forma, humilhaes, sabe. Porque, a sociedade preconceituosa? . Ento, para evitar que, de repente, chega e fala assim,ah, voc s t aqui por causa da lei, entende? No, chegar e falar assimolha, ele t aqui porque um timo profissional. No , ah, ele ne-gro e trabalha bem. No, no ele negro e trabalha bem, o fato dele sernegro vai influir? No vai, se um bom profissional, um bom profissio-nal, ponto. Se no , no . Vai ter que melhorar, se quiser continuar tra-balhando.

    As elaboraes discursivas citadas acima so indicativas dealguns mecanismos que possibilitam a produo e reproduo dehierarquias, especificamente a filiao tnico-racial, na sociedadebrasileira contempornea. Ao buscamos recuperar a percepo daexperincia vivida acerca da raa (e tambm de gnero) podemosperceber que apesar do relativo enfraquecimento de uma viso id-lica de relaes raciais no Brasil, a noo de classe se mantm comoanteparo das desigualdades raciais.

    Consideraes Finais

    Neste trabalho abordamos alguns aspectos da experincia epercepo das relaes raciais no Brasil dos estudantes uni versi t-rios negros e brancos de duas instituies de ensino superior doRio de Janeiro, uma particular e uma pblica, em cursos se leci ona-dos. A contribuio desse artigo est em trazer elementos para a re-flexo de como negros e brancos vivenciam o cotidiano uni versi t-rio e como eles percebem a ocorrncia de discriminao e racismona sociedade, em geral, e na universidade, em particular. Con tri-bumos tambm para refletir sobre o apoio que medidas voltadaspara o combate s desigualdades raciais na educao e aumento donmero de negros na universidade teriam entre esse segmento da

    populao.Cabe notar como o mito da democracia racial vem perden doespao frente percepo do racismo. Contudo, quando ques tio-nados sobre racismo na universidade os entrevistados procuravamafastar a percepo do racismo do ambiente imediato do qual so

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    O pr-teste do questionrio foi realizado em duas universidades, distin tas das uni-versidades onde foi realizado o survey, nos meses de outubro e novembro de 1997.Foram aplicados, ento, 116 questionrios.

    Comprometemo-nos com os dirigentes das universidades que os dados coletados se-riam divulgados sem a identificao da universidade, ainda que nossa pesquisa notenha como objetivo avaliar condies de ensino.

    Cabe citar que a instituio particular no oferece o curso de Comunicao.

    O curso de Engenharia aparece tanto entre os cursos mais procurados, quanto entreos cursos mais oferecidos.

    Os outros termos escolhidos pelos entrevistados foram: morena clara (1,0%),amarela (0,9%), preta (0,9%), caucasiana (0,1%), clara (0,1%), indgena(0,1%) mameluca (0,1%), marfim (0,1%), marrom (0,1%), mestio (0,1%)morena escura (0,1%), morena mdio (0,1%) e mulata (0,1%).

    Ut ilizamos, deste ponto em diante, a classificao racial atribuda pelos estudantes

    na pergunta fechada que apresentou as categorias utilizadas pelo IBGE. Utilizamos,tambm, a categoria negra (agrupamento das respostas preta e parda) para de-signar os estudantes. Exclumos das anlises os indivduos que marcaram amarela eindgena.

    Nesta perspectiva, indicamos apenas as perguntas (P) e respostas (R) nos extratos dasentrevistas.

    Neste sentido ver Halbwachs (1994) e Kofes 1994), entre outros.

    Estes temas foram abordados a partir das seguintes questes:

    1. Qual a sua cor?;

    2. Durante o segundo grau, quantas vezes voc foi reprovado?;

    3. Qual a principal razo por voc ter sido reprovado?;

    4. Quais as trs razes principais, em ordem de importncia, por voc ter decidido

    fazer esse curso?;5. Como voc avalia sua relao com seus colegas de curso?;

    6. Como voc avalia sua relao com seus professores?;

    7. Voc acha que negros e brancos so tratados de forma diferente na sociedade bra-sileira?;

    8. E em relao universidade mais especificamente, voc acha que negros e bran cosso tratados de forma diferente?;

    9. Quais as trs razes principais, em ordem de importncia, que voc apontariacomo causas para a presena de poucos negros na universidade?.

    Sobre as noes de proximidade e distncia, ver DaMatta (1978) e Velho (1978).

    Neste sentido, adotamos, neste artigo, a categoria gnero como perspectiva de anli-se. Nas Cincias Sociais, como afirma Maria Luiza Heilborn (1995): Gnero umconceito [... ] que se refere construo social do sexo. Significa dizer que a pa lavra

    sexo designa agora, no jargo da anlise sociolgica, somente a caracterizao an to-mo-fisiolgica dos seres humanos e a atividade sexual propriamente dita. O conceitode gnero existe, portanto, para distin guir a dimenso biolgica da social. O ra cio c-nio que apia essa distino baseia-se na idia de que h machos e fmeas na espciehumana, mas a qualidade de ser homem e mulher realizada pela cultura. Mas, por

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    que possvel afirmar-se que homens e mulheres s existem na cultura, ou melhor,que so realidades sociais e no naturais?.A este respeito ver, tambm, Moutinho (1999).

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