relaÇÕes entre ciÊncia, tecnologia, sociedade e ambiente …
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RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E AMBIENTE:
CONCEPÇÕES DE PROFESSORES E ESTUDANTES DO CURSO FORMAÇÃO DE
DOCENTES
RELATIONS AMONG SCIENCE, TECHNOLOGY, SOCIETY AND THE ENVIRONMENT:
CONCEPTIONS OF TEACHERS AND STUDENTS OF THE TEACHER TRAINING
COURSE
RELACIONES ENTRE LA CIENCIA, LA TECNOLOGÍA, LA SOCIEDAD Y EL MEDIO
AMBIENTE: LAS CONCEPCIONES DE LOS PROFESORES Y LOS ESTUDIANTES DEL
CURSO DE FORMACIÓN DE PROFESORES
Alessandra Batista de Godoi Branco*, **
Emerson Pereira Branco** [email protected]
Lucila Akiko Nagashima** [email protected]
André Luis de Oliveira* [email protected]
* Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR – Brasil
** Programa de Pós-Graduação em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná, Paranavaí-PR – Brasil
Resumo
O presente artigo se refere a uma pesquisa qualitativa com referencial teórico que propõe investigar
concepções de um grupo de estudantes e professores do Curso de Formação de Docentes sobre
ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA) e suas possíveis relações. A análise das respostas
gerou diversas categorias emergentes. Sobressaiu o entendimento de que CTSA se interligam, se
completam e são interdependentes. Pouco foi citado sobre o conhecimento, a educação e a inserção
desses sujeitos à problemática. Os resultados indicam que a Educação em CTSA é relevante e emergente na formação de professores e cidadãos, de tal modo que contribua para compreensão,
posicionamento, tomada de decisão e busca de transformações.
Palavras Chave: Educação em CTSA. Alfabetização científica e tecnológica. Concepções.
Abstract
This paper refers to a qualitative research with theoretical framework that proposes to investigate the
conceptions of a group of students and teachers of the Teacher Training Course about science,
technology, society and environment (CTSA) and their possible relationships. The analysis of the
answers generated several emerging categories. The understanding that CTSA are interconnected,
complement each other and are interdependent has emerged. Little was mentioned about the
knowledge, education and insertion of these subjects to the problem. The results indicate that
Education in CTSA is relevant and emerging in the training of teachers and citizens, in such a way that
it contributes to understanding, positioning, decision making and search for transformations.
Keywords: Education in CTSA. Scientific literacy. Conceptions.
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Resumen
Este artículo hace referencia a una investigación cualitativa con marco teórico que propone investigar
las concepciones de un grupo de estudiantes y docentes del Curso de Formación Docente sobre
ciencia, tecnología, sociedad y medio ambiente (CTSA) y sus posibles relaciones. El análisis de las
respuestas generó varias categorías emergentes. Ha surgido la comprensión de que los CTSA están
interconectados, se complementan entre sí y son interdependientes. Poco se mencionó sobre el
conocimiento, la educación y la inserción de estos temas en el problema. Los resultados indican que la
Educación en CTSA es relevante y emergente en la formación de docentes y ciudadanos, de tal
manera que contribuye a la comprensión, el posicionamiento, la toma de decisiones y la búsqueda de
transformaciones.
Palabras clave: Educación en CTSA. Alfabetización científica. Concepciones.
INTRODUÇÃO
A educação, o enfoque e as relações em Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA)
constituem um vasto campo de estudos na área de Ciências e apresentam grande diversidade de
percepções e dimensões. Paixão (2018), Pedretti (2003), Pedretti e Nazir (2011), Angotti e Auth
(2001) são alguns dos referenciais teóricos que cooperam na elaboração e difusão de conhecimento em
CTSA.
No que se refere à educação escolar, considera-se que sua inserção e seu exercício no currículo
são relevantes, necessários e proeminentes, cujo enfoque e conhecimento perpassem diferentes áreas
do saber e disciplinas. Dessa maneira, é necessário compor a matriz curricular da formação de
professores.
Sá e Andrade (2015) refletem que cabe à escola formar cidadãs e cidadãos, preparando os
estudantes para a complexidade e diversidade de condição e atividade humana, numa visão holística,
integrada e complexa do conhecimento. Põem-se o enfoque CTSA como uma possível alternativa.
Assim, destacam a relevância da capacitação dos professores para essa prática educativa e
comprometimento (científico, profissional e temporal) de modo que o conhecimento tenha uma
perspectiva global e integradora.
Pérez e Sierra (2013) discutem a formação de professores na perspectiva CTSA e defendem a
concepção crítica do professor, enquanto intelectual transformador, capaz de interpretar e transformar
o mundo. Isso indica que seus objetivos de formação não se limitam a compreensão do slogan, mas
incluem alfabetizar científica e tecnologicamente, assumir uma postura crítica diante do conhecimento
e da realidade.
Mas como se compreende os sentidos e as relações estabelecidas entre CTSA? Esse enfoque
está presente, é percebido e apreciado no contexto escolar? Partindo desses questionamentos, esse
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trabalho propõe levantar concepções de professores e estudantes sobre a relação CTSA no lócus de
formação de professores: “Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal” (CFD).
A escolha se justifica por entender que se trata de um ambiente de formação humana, que se
dá, principalmente, por meio dos conhecimentos produzidos, compartilhados, debatidos, assimilados,
refutados e transformados. Além disso, inclui diferentes áreas e níveis de formação, oportunizando
variados pontos de vista e crenças frente à CTSA no âmbito da formação docente.
EDUCAÇÃO EM CTSA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES
A educação científica e tecnológica é um aspecto importante na formação humana. Além de
sua relevância, podemos considerá-la uma demanda emergente na sociedade atual. Logo, é oportuno
lembrar-se da origem e apresentar algumas concepções.
O movimento CTS surgiu nas décadas de 1960 e 1970, quando são consideradas as influências
conjugadas da Ciência, Tecnologia e Sociedade e há a defesa da educação científica objetivada pela
formação cidadã. Nas décadas de 1970 e 1980 são incluídos aspectos ambientais relacionados e se
constitui a Educação em CTSA (PAIXÃO, 2018).
Para Pedretti (2003), Educação em CTSA é contextualizar a ciência nos conjuntos social,
cultural e político. Envolve aspectos diversos, como: problemas ambientais e qualidade de vida;
tecnologia e aspectos econômicos; compreender a natureza da ciência; discutir sobre opiniões e
valores; agir em prol da democracia; explorar questões multiculturais e sócio científicas. Não se trata
de uma abordagem única ou padronizada de educação sendo que, o ideal, é que sejam exploradas suas
relações. Essas propostas envolvem a defesa de educação fundamentada em contextos como: ética,
individualidade e responsabilidade. Assim, argumenta que seus projetos e temas sejam elaborados e
vivenciados de tal maneira que contribuam para interpretar a ciência e tecnologia (C&T) inserida na
sociedade, formando cidadãos tecnológica e cientificamente alfabetizados, que possam perceber e
compreender, que tomem decisões e tenham papel ativo diante dessas escolhas (Figura 1):
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Figura 1: Educação em CTSA.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos estudos de Pedretti (2003).
Assim, evoca uma educação multidisciplinar que desperte e fortaleça um valor de
pertencimento e de inclusão em questões que não apenas nos afetam, mas fazem parte de nossa vida,
de nosso meio, da sociedade e de nossa cultura. Aprender, refletir criticamente, ler o mundo, opinar,
agir.
Paixão (2018) considera que para atender os objetivos em CTSA, esses requerem abordagens
interdisciplinares. Dessa maneira, não se restringe a única área e suas finalidades não se
compartimentam em disciplinas. Portanto, é importante analisar, discutir e formar concepções.
Nesse aspecto, Angotti e Auth (2001, p. 20) defendem que indicar e introduzir novas
perspectivas, com subsídios para compreender e formar concepções e discuti-las, são meios para
buscar e conquistar mudanças de atitudes e de valores. Compreensões impróprias e proposições
errôneas e generalistas geram passividade e alienação, reforçando crenças e valores construídos
socialmente que “dão-lhes uma determinada visão de mundo e [...] são determinantes em suas atitudes
e comportamentos”.
Nesse sentido, a compreensão sobre o mundo pode inferir nas atitudes sobre o mesmo, mas
como atingir essa abrangência? Para Chassot (2016), a ciência é uma linguagem que facilita a leitura
do mundo, a compreender o mundo natural e suas relações e a entender as necessidades de transformá-
los para melhor.
Tal entendimento nos remete a Freire (1989, p. 9), ao afirmar que o ato de ler “se antecipa e se
alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se
prendem dinamicamente”, a leitura do “texto e do contexto”, da palavra e da “palavramundo”, de tal
modo que mulheres e homens possam perceber criticamente a cultura e compreender o trabalho - sua
prática transformadora.
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Sasseron e Carvalho (2011) se alicerçam no entendimento de Freire para sustentar a concepção
de Alfabetização Científica (AC) como uma forma de ver o mundo e seus acontecimentos, agir e
modificá-los. Ricardo (2007) adverte sobre a necessidade de alfabetização científica e tecnológica.
Entretanto, quais seriam os possíveis conhecimentos, características e objetivos dessa alfabetização? A
Figura 2 apresenta um mapa conceitual:
Figura 2: Alfabetização Científica.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos estudos de Cachapuz et al (2011).
Do exposto, concordamos com Paixão (2018, p. 17) ao defender a educação CTSA no
currículo escolar e com objetivos de desenvolvimento da alfabetização científica e de formação que
enfatize “o ensino do desenvolvimento científico e tecnológico em um contexto econômico, social,
político e ambiental”, implicando em “novas referências de saberes e práticas”.
É oportuno assumir a ideia de que aprender CTSA é uma forma de entender seu contexto, seu
mundo, de transformar e ser transformado. Isso indica sua relevância no currículo e que se alfabetize
científica e tecnologicamente, de modo que essa prática educativa se efetive de forma contextualizada,
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interdisciplinar, cujos conhecimentos propiciem a compreensão do seu meio, a atuação cidadã,
democrática e inclusiva.
PERCURSOS METODOLÓGICOS
Essa investigação ocorreu no “Curso de Formação de Docentes, em nível médio, na modalidade
Normal” (CFD), previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 enquanto
formação mínima de profissionais da educação, cujos egressos podem atuar na Educação Infantil e na
primeira etapa do Ensino Fundamental.
O grupo participante da pesquisa foi composto por 42 discentes (26 da turma do 1º e 16 do 4º
ano) e 16 docentes do CFD de colégio estadual sito na região noroeste do Paraná. A pesquisa foi
realizada no segundo semestre de 2017 e a faixa etária dos participantes era de 14 a 57 anos.
Para escolha, adotamos os seguintes critérios: (1) os estudantes matriculados nas turmas de 1º e
4º ano, buscando investigar as concepções dos iniciantes e daqueles que estavam findando o curso; (2)
todos professores formadores que lecionavam nas respectivas turmas, independente da área de formação
e disciplina(s) ministrada(s). Para respeitar o anonimato, os estudantes foram identificados por E1, E2 e
assim sucessivamente e, do mesmo modo, os professores por P. O Quadro 1 apresenta os códigos, a
seriação dos alunos e a graduação dos docentes:
Quadro 1: Sujeitos da pesquisa
Códigos Descrição
E1 até E26 TURMAS
1º ano
E27 até E42 4º ano
P1
GR
AD
UA
ÇÃ
O
Sociologia (cursando)
P2 História/Ciências Sociais
P3 Educação Física
P4 Educação Física/Libras
P5 Geografia/Pedagogia
P6 Letras
P7 Pedagogia
P8 Pedagogia/Artes Visuais
P9 Sociologia
P10 Pedagogia
P11 Ciências/Matemática/Física
P12 Educação Artística
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P13 Pedagogia
P14 Ciências Biológicas
P15 História/Filosofia
P16 Pedagogia/Letras
Fonte: Elaborado pelos autores.
A participação foi voluntária e deu-se por meio de pergunta1 guiada por justificativa. As respostas
foram analisadas e categorizadas de acordo com Bardin (2011). As categorias serviram para apresentar
as multiplicidades de concepções por via descritiva.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No grupo de estudantes, percebe-se que a maioria acreditava haver uma relação entre CTSA. A
partir das respostas apresentadas, emergiram dez categorias (Quadro 2):
Quadro 2: Categorias Emergentes dos Estudantes – CFD, 2017.
Categorias Participantes Exemplos
São interligados
E1, E2, E21, E29,
E31, E32, E33, E37,
E38, E41, E42
E2: Acredito que uma coisa leva a outra e tudo está ligado no meio dos
estudos e da educação.
E29: A ciência e a tecnologia estão ligadas, pois utilizamos instrumentos
como apoio, a sociedade e ambiente andam juntos.
Completam-se e são
dependentes
E4, E5, E10, E11,
E17, E33, E15, E19,
E30
E5: Sim pelo fato de tudo tem um pouco de cada, nenhuma é sem a outra.
E30: Há uma forte relação entre os quatro, pois cada um exerce seu papel
utilizando ou dependendo totalmente do outro.
A ciência antecede e
influencia as demais
E3, E7, E13, E18,
E27, E39, E41
E3: Porque sem a ciência, o saber, não teríamos acesso aos outros.
E18: Porque é através da ciência que esses fatores surgiram.
E39: Pois a ciência é o que pode mudar a tecnologia, a sociedade e o
ambiente.
Relacionam-se E14, E34, E16 E14: Acredito na relação entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente,
pois um contribui para o desenvolvimento do outro. Porém essa relação
deve ocorrer de maneira correta, para que ninguém seja prejudicado.
E34: Estão relacionados um ao outro.
A humanidade se
relaciona e depende de
todas
E12, E25, E8 E25: Porque tudo isso é relacionado à humanidade a gente depende de
tudo isso.
E8: Sim porque todas elas nos trazem conhecimentos e descobertas novas.
A ciência
estuda/explica os
demais
E16, E23 E16: Sim, porque a ciência estuda a tecnologia, sociedade e ambiente
logo elas têm relações.
E23: Porque a ciência está dentro de tudo isso, bom ela que explica tudo.
É um estudo E26, E28 E26: Porque todas elas necessitam de estudos.
Funções específicas E35 E35: Pois cada uma tem sua função.
Não há relação E9 E9: Não acredito que há relação.
Se conectam E24 E24: Sim, pois tudo se conecta hoje em dia apesar de nós seres humanos
estarmos distantes uns dos outros.
Fonte: Elaborado pelos autores.
1 Você acredita que há relação entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente?
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A categoria que mais se destacou foi a compreensão de que são interligados, que interagem
como uma forma de simbiose. A segunda indicou uma visão de que se completam e são dependentes,
como um quebra-cabeças, que só aparenta a figura geral se estiverem unidos e cada peça precisasse da
outra para “tornar-se” inteira.
Nessas duas categorias ficou demonstrado o entendimento de haver um entrelaçamento entre
CTSA e uma reciprocidade em suas relações, tal como explicam Bazzo et al. (2003). É possível perceber
que essa ligação, dependência e completude aparecem em diferentes pontos de vista, tais como: “um
precisa do outro” (E1), um complementa ou completa o outro (E4, E10, E11), “uma precisa da outra”
(E19) “um puxa o outro” (E17), estão [inter]ligados (E21, E32, E33, E37, E38, E41, E42), “todos esses
conhecimentos estão interligados” (E31), “[...] precisamos de uma para completar a outra” (E33), “a
sociedade hoje não vive sem tecnologia, e em tudo dos ambiente tem um pouco de ciência” (E15).
Em outro momento, averiguamos se a seriação dos estudantes poderia indicar alguma influência
na constituição dessas categorias. Das 20 respostas, 11 estavam no 1º ano (42%) e nove do 4º ano (56%).
No total, não pareceu haver uma distinção significativa entre aqueles que iniciavam e os concluintes,
mas, se for considerado o percentual de representatividade da turma, sobressai o último.
A leitura do mundo referida por Chassot (2016) e Freire (1989) não é um ato que se aprende e se
realiza apenas na escola, mas nela se amplia. A percepção de que do contexto do mundo imediato está
ligado a contextos mais amplos foi fundamental para que Freire (1989, p. 13) começasse a leitura da
palavra. Em suas palavras, “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por
certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática
consciente”. Outrossim, para Chassot (2016), o acesso aos conhecimentos científicos colabora para
facilitar o entendimento do mundo, da realidade em que se insere, e sejam capazes de modificá-la.
Assim, afirma que, ao ensinar, é preciso adotar uma linguagem para “[(trans)(form)]ações”.
A terceira categoria preconizada foi: a Ciência antecede e influencia a Tecnologia, a Sociedade
e o Ambiente. Nesse entendimento, parece posta como a que precede: “ciência é um estudo de
determinado tema, tecnologia foi criada através de estudos de diferentes temas, sociedade e ambiente são
os usuários da ciência e tecnologia, atingidos com baixa ou alta intensidade” (E7); “[...] para ter
tecnologia tinha que ter a ciência, o conhecimento científico. Um complementa o outro” (E13); “a
ciência envolve a tecnologia (por conta dos instrumentos utilizados de apoio), envolve também a
sociedade e o ambiente, pois ambos têm total ligação” (E27), “a ciência está ligada a tecnologia que está
ligada à sociedade e ambiente” (E41).
Em relação à série dos estudantes cuja resposta compôs essa categoria, foram cinco do 1º ano
(19%) e dois do 4º ano (12%). Isso indica que a maioria iniciava o curso e é possível considerar que o
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nível de escolaridade possa inferir nessa compreensão. De modo geral, as respostas aparentavam ser
descritivas e neutras em relação aos conceitos analisados e, em algumas, a tecnologia foi descrita como
resultado e/ou aplicação da ciência.
Fourez (1995) argumenta que é equivocada a visão de que ciência e tecnologia se unam
fidedignamente, e a primeira permitiria que a segunda se desenvolva. Contrapõe lembrando que,
historicamente, desenvolveram-se separadamente. E o que têm em comum? Nesse aspecto, ressalta o
poder político e ético que possuem sobre o domínio da Natureza, a organização e manutenção da
sociedade, ou seja, não se tratam de conhecimentos e produtos neutros.
Segundo Angotti e Auth (2001), aspectos históricos, epistemológicos e políticos podem auxiliar
na compreensão de que ciência e tecnologia não são neutras e lineares. Pedretti (2003) afirma que,
enquanto atividade social e humana, a ciência agrega valores, contextos, cultura, história, crenças e
convenções. Assim, não coaduna e não se limita ao ensino de um corpus de conhecimento que precisa
ser memorizado, dominado e, eventualmente, aplicado. De modo similar, Pérez e Sierra (2013),
compreendem ciência como construção humana, social e cultural, que implica transformações sobre as
pessoas, a sociedade, a cultura e o meio ambiente. Nesse sentido, merece um [re]olhar.
Em resumo, a maior parte dos estudantes concordou haver relação e buscou fundamentos na
sigla, com interpretações e possíveis estudos, observações, experiências e hipóteses. Em continuidade,
apresentamos a análise das respostas apresentadas pelos professores. Em primeiro aspecto, todos
afirmaram acreditar haver relação entre CTSA e, no Quadro 3, foram apresentadas as categorias
decorrentes das respostas2:
Quadro 3: Categorias Emergentes dos Professores – CFD, 2017.
Categorias Participantes Exemplos
São interligados P1, P7, P9, P15 P1: Existe uma relação muito grande entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e
Ambiente, podemos dizer que estão interligados onde a Tecnologia é o ponto
de conexão.
P7: Com toda certeza, as áreas Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
estão interligadas, ou seja, para que haja a compreensão de uma é necessário
que elas dialoguem entre si.
P15: Sim, porque podemos unir isso no meio em que estamos inseridos, não
podendo em nenhum momento ignorar essa união e a necessidade de poder
trabalhar com isso no ambiente escolar.
Completam-se e são
dependentes
P6, P11, P16 P11: Para a evolução de uma sociedade a ciência deverá evoluir, pois a
tecnologia ajuda muito nessa evolução e não deixando desgastar o meio
ambiente.
P16: Acredito na relação entre a ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, pois
um depende do outro para existir e se desenvolver. A sociedade habita em um
ambiente onde a ciência é aplicada e se desenvolve gerando a tecnologia
retornando essa ao ambiente e à sociedade.
2 P14 não comentou sua resposta.
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Relacionam-se P9, P12, P16 P9: Esta relação existe devido a sua importância, pois cada uma das partes
citadas acima necessita uma das outras para o seu próprio desenvolvimento,
não atuam separadamente.
P12: Esses conhecimentos são ou estão relacionados profundamente.
A humanidade se
relaciona e depende de
todas
P3, P5 P3: Esses itens estão interligados para o crescimento das pessoas e da
humanidade.
P5: Quem dá significado e sentido para a ciência, tecnologia, ambiente e até a
sociedade são os próprios indivíduos. A Ciência envolve a técnica, o
conhecimento, já a tecnologia são os meios, instrumentos criados pelo ser
humano para assim investigar, refletir, e assim agir no ambiente em prol dos
interesses da sociedade.
O desenvolvimento da
sociedade antecede e
influencia as demais
P2 P2: [...] o conhecimento científico muda os resultados de acordo com o
desenvolvimento da sociedade, isso envolve Ciência, Tecnologia, Sociedade e
Ambiente.
A ciência antecede e
influencia as demais
P13 P13: A tecnologia foi desenvolvida através da Ciência e as duas juntas
modificam/transformam o ambiente e a sociedade proporcionando melhorias
como também malefícios.
A ciência depende dos
demais
P4 P4: A ciência precisa de algum lugar, meio ou ação para “existir”.
Conectam-se P8 P8: Não podemos viver limitados apenas em um campo específico, a ciência,
sociedade e tecnologia devem caminhar juntas.
Transformam-se P10 P10: Através da ciência e da tecnologia a sociedade se transforma e
consequentemente o ambiente.
Fonte: Elaborado pelos autores.
A concepção de que CTSA são interligados foi a mais frequente entre as respostas. Das quatro
professoras que ofereceram esse entendimento, P1 era graduada em Sociologia e P9 cursava o referido
curso; P7 graduada em Pedagogia; P15 em História e Filosofia. Em análise as respostas, destacamos que
se percebeu: a tecnologia como um ponto de conexão entre a ciência, a sociedade e o ambiente; a
necessidade de dialogarem para que sejam compreendidas; e a precisão de estudar e inserir esse tema na
educação escolar.
Na segunda colocação, duas categorias tiveram o mesmo número de respostas: aqueles que
entendem que se completam e são dependentes e os que percebem que se relacionam. Sobre a
primeira, três professoras apresentaram respostas que compuseram essa categoria, sendo P6 graduada em
Letras; P11 em Ciências, Matemática e Física; e P16 em Pedagogia e Letras. Em termos gerais, sugerem
que cada instituição/palavra designada dependa da outra para existir, dividindo espaços, desenvolvendo-
se e afetando-se. Para a evolução de um desses aspectos, seria preciso que os outros evoluam e que o
meio ambiente seja preservado. Também foi possível notar que indicaram mais proximidade entre
sociedade e ambiente (a sociedade dividindo espaço ou habitando em um ambiente) e entre a ciência e
tecnologia (que seriam desenvolvidas e aplicadas, retornando para a sociedade e o ambiente, afetando-
os).
Com respeito à segunda, indicou-se haver relação no que se refere ao desenvolvimento e aos
conhecimentos em CTSA. As respostas selecionadas foram de três professoras: P9 graduada em
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Sociologia; P12 em Educação Artística; P16 em Pedagogia e Letras. Notou-se um enaltecimento da
relevância e da dependência de cada “parte” para existir e se desenvolver, além de apreciar como
conhecimentos.
Ao analisar os termos da sigla CTSA, Ricardo (2007) adverte que não basta obter a metáfora de
cada palavra e de seu objeto, mas é indispensável refletir sobre suas origens e características que se
operacionalizam, em diferentes contextos. Nessa perspectiva, defende que uma educação de qualidade,
que se atenta em problematizar e contextualizar, deve ter enfoque CTSA. Sá e Andrade (2015) afirmam
ser essencial uma educação em que haja a relação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente e entre
Língua, Cultura, Ambiente e Economia. Consideram necessário articular diferentes áreas e afirmam que
os professores e educadores têm papel fundamental para a aprendizagem dos alunos, no acesso e
construção do conhecimento e de leitura do mundo.
No restante das categorias foram pontuados outros aspectos: criticou-se limitar um campo
específico; descreveu-se que a sociedade e o ambiente são transformados pela ciência e tecnologia, ou
seja, haveria uma conexão entre quatro pontas, duas de cada lado, sendo que sociedade e o ambiente
sofrem e são alvos da ação da ciência e tecnologia; justificou-se que, por meio da ciência a tecnologia foi
desenvolvida e ambas transformam o ambiente e a sociedade - para o bem e para o mal; afirmou-se que a
ciência que depende dos demais para existir; considerou-se que os resultados do conhecimento científico
mudariam conforme a sociedade se desenvolve e, portanto, envolveria a CTSA.
Em análise das categorias emergentes dos Quadros 2 e 3, as respostas dos estudantes geraram dez
e dos professores nove. Entre essas, seis foram comuns nos grupos (Gráfico 1):
Gráfico 1: Categorias comuns entre professores e estudantes – CFD, 2017.
Fonte: Elaborado pelos autores.
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No exposto, são apresentadas algumas similaridades e especificidades desses sujeitos sobre a
abordagem questionada. As categorias que mais coadunam, denotam o entendimento de que CTSA se
interligam, se completam e são interdependes. Ficou demonstrada uma preocupação em apresentar o que
é cada palavra, seu contexto e em que aspectos são comuns, afetam e transformam outra(s) instância(s) e
poucos notaram que poderia se tratar de um conhecimento, um estudo, uma educação oportuna de ser
discutida, ensinada e aprendida no contexto escolar. Por fim, não foi notada nenhuma menção sobre a
possibilidade e necessidade de participação de todos nesse processo, incluindo-se.
Isso nos remete a refletir sobre essas construções sociais, que dão certa visão de mundo, podendo
interferir em determinadas atitudes e comportamentos. Desse modo, se entendemos, por exemplo, que a
ciência e tecnologia são forças externas inalcançáveis, que submetem seu poder sobre nós e nada
podemos intervir, possivelmente abstemo-nos de qualquer interferência ou opinião. Se não nos vemos
como integrantes de uma sociedade e de um ambiente, nem percebemos que somos beneficiados ou
prejudicados pela produção científica e tecnológica, se somos indiferentes à desigualdade de acesso aos
conhecimentos e seus aparatos, estamos alienados e resignados. Como desconstruir essa visão e o que
fazemos diante dessa realidade? Angotti e Auth (2001, p. 21) respondem que
As pessoas, ao se conceberem como integrantes de uma sociedade e se tornarem cientes de que
progridem conjuntamente com o desenvolvimento desta, entenderão melhor que, mesmo em
parte submetidas e condicionadas pela crescente utilização da tecnologia em seu meio, suas vidas
não estão irrevogavelmente predeterminadas pela lógica inevitável, às vezes perversa, do
desenvolvimento tecnológico.
É possível concordar que o primeiro passo seja conceber-se como integrante dessa sociedade, ser
consciente de quem é e onde está. Não somos neutros. A ciência não é neutra, tampouco a tecnologia. O
ambiente não é uma fonte inesgotável de recursos. O desenvolvimento e o conhecimento não são
predeterminados, acumulativos ou lineares.
Somado a isso, para ensinar e discutir as interrelações CTSA, são requeridas mudanças e
renovação em políticas de educação e na formação de professores, sendo que sua abordagem é coesa
com a participação ativa dos estudantes e professores, e a aprendizagem se manifesta por: relacionar os
conceitos, aplicar o conhecimento e explicá-lo (ROSA; LANDIM, 2018). Esses são alguns desafios para
um processo formativo demandado em novas necessidades educacionais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O referencial teórico trouxe alguns conceitos sobre movimento CTS, Educação em CTSA,
enfoque e suas [inter]relações. Assumindo a relevância e emergência de uma formação de qualidade,
democrática, participativa e inclusiva, refletiu-se que a escola, enquanto lócus de formação humana,
alfabetiza científica e tecnologicamente.
Faz-se necessário superar a compartimentação e divisão de conhecimento (na organização e na
prática) e assumir um currículo integrado, com dimensão holística, compartilhada, crítica,
contextualizada e interdisciplinar. Nesse sentido, CTSA não é um estudo ou uma problemática restrita
aos professores da área de Ciências Naturais, mas transpassa e agrega diferentes áreas e componentes.
Tampouco é inerente apenas ao contexto escolar ou acadêmico, mas os transpõe. Isso indica que
convém a todos, independentemente do seu meio, da profissão, do nível de instrução, da idade, do
gênero, entre outras especificidades que cada pessoa tem.
No contexto da formação de professores em curso de nível médio, levantaram-se concepções de
estudantes e professores sobre a relação CTSA. Foi possível analisar variados entendimentos e as
respectivas categorias. Entre essas, sobressaiu o entendimento de que CTSA se interligam, se
completam e são dependentes, se relacionam e que a ciência antecede e influencia os demais.
Notou-se que a maioria buscou relacionar cada palavra e seu contexto, contudo, pouco foi
mencionado sobre o conhecimento e a educação, suas origens e contextos. Sequer foi considerada a
necessidade de inserção e participação na problemática, em sua realidade e no ambiente escolar.
Em última análise, destacamos a diversidade de relações, implicações e entendimentos acerca da
problemática estudada. Defendemos a relevância da CTSA para a formação de professores e de
cidadãos para compreender, se posicionar, decidir e buscar transformações em seu contexto.
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Recebido em: 08/03/2020
Aceito em: 01/11/2020
Endereço para correspondência:
Nome: Alessandra Batista de Godoi Branco
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