relatorio de estagio penitenciaria
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Cincias Humanas
Escola de Servio Social
Fernanda Carneiro Soares
O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina:
contribuies ao debate da dimenso tcnico-operativa a partir de
uma pesquisa avaliativa.
Rio de Janeiro
Agosto
2009
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Fernanda Carneiro Soares
O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: contribuies ao
debate da dimenso tcnico-operativa a partir de uma pesquisa avaliativa.
Trabalho de Concluso de Curso apresentado Escola
de Servio Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessrios
obteno do grau de bacharel em Servio Social.
Orientadora
Miriam Krenzinger Azambuja Guindani
Rio de Janeiro
Agosto
2009
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DEDICATRIA
quele que nestes quatro anos e meio tanto obtive argumentos bem fundamentados
para duvidar de sua existncia. Contraditoriamente, neste mesmo perodo mais pude
sentir sua presena, cuidado e amor pela minha vida. Ao meu Deus.
Porque Dele e por Ele, e para Ele, so todas as coisas... Rm. 11. 36
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AGRADECIMENTOS
minha famlia que sempre me apoiou e compreendeu minhas ausncias em virtude deste
trabalho. Em especial a minha me Maria por ter no apenas me gerado, mas por ter
gestado comigo cada um dos meus sonhos.
minha orientadora Miriam Krenzinger Azambuja Guindani, por ter ido muito alm desta
funo. Por acreditar no meu potencial e me oferecer ricas oportunidades. Pelas fecundas
sugestes, crticas e questionamentos para a vida.
Aos meus amigos, irmos que tive a oportunidade de escolher. Mrcio Bernardino, por
sempre me apoiar e acreditar em mim. Jaqueline Rodrigues, que compartilhou comigo
desde o pr-vestibular ao trmino da faculdade esta rdua trajetria acadmica.
Aos profissionais, estagirios e apenadas da Unidade Penitenciria Talavera Bruce por
terem corroborado de diferentes formas para a elaborao deste trabalho. Raquel Souza,
sempre disposta a ouvir meus questionamentos e propostas. Viviane Aquino pela amizade,
pelas contribuies metodolgicas e pelas conversas que tanto contriburam para as minhas
reflexes.
Aos estagirios, profissionais e usurios do Ncleo Interdisciplinar de Aes para a
Cidadania, por terem enriquecido com suas experincias e debates este trabalho. Suellen
Guariento e Felipe da Matta, sem vocs tudo teria sido mais rduo e difcil, obrigada por
todas as crticas e sugestes, quase sempre acompanhadas de boas risadas.
A todos os meus irmos em Cristo da Igreja Batista Internacional Missionria pelo apoio
espiritual em todos estes anos.
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E o entusiasmo no mais do que a adorao exterior dos fetiches. Reao
necessria, que deve ter como ponto de partida a inteligncia. O nico entusiasmo justificvel aquele que acompanha a vontade inteligente, a
operosidade inteligente, a riqueza inventiva em iniciativas concretas que modificam a realidade existente.
Gramsci, A.
So verdadeiramente poucos aqueles que refletem e ao mesmo tempo so capazes de agir. A reflexo amplia, mas debilita; a ao revigora, mas
limita. Meister, W. Goethe.
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RESUMO
SOARES, Carneiro Fernanda. O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: contribuies ao debate da dimenso tcnico-operativa a partir de uma pesquisa avaliativa. Rio de Janeiro, 2009. Trabalho de Concluso de Curso Escola de Servio Social, Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Este trabalho de concluso do curso de Servio Social da Escola de Servio
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro tem como objetivo analisar os
elementos constitutivos da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em uma
Unidade Penitenciria Feminina. O trabalho desenvolvido est estruturado em dois
captulos. O primeiro intitulado O Servio Social em uma Unidade Penitenciria
Feminina, aborda a prtica instituda na unidade. J o segundo denominado
Avaliao Processual da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em uma
Unidade Penitenciria Feminina, tem por intuito realizar uma pesquisa avaliativa
acerca dos instrumentos e tcnicas utilizados pelo Servio Social nas principais
demandas institudas. No desenho metodolgico utilizou-se: levantamento e anlise
bibliogrfica, bem como documental e entrevistas semi-estruturadas. Considera-se
que a prtica instituda do Servio Social nesta instituio no que se refere aos
instrumentos e tcnicas utilizados, caracteriza-se por privilegiar demandas da
instituio quanto produo de relatrios. Por outro lado, salienta-se a existncia
de prticas instituintes, que poderiam corroborar com a utilizao dos instrumentos e
tcnicas, no sentido da reduo da violao de direitos neste espao, bem como a
contribuio na garantia de direitos.
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LISTA DE SIGLAS
RPERJ Regulamento do Sistema Penitencirio do Rio de Janeiro.
SEAP/RJ Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria do Rio de Janeiro.
LEP Lei de Execues Penais.
NIAC/UFRJ Ncleo Interdisciplinar de Aes para a Cidadania da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
SEAP/TB Penitenciria Feminina Talavera Bruce.
SEAP/UMI Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcut.
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SUMRIO
Introduo 9
Captulo I: O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina. 12
1.1 - Poltica Criminal Contempornea: breves consideraes. 12
1.2 - A Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria (SEAP): breves
consideraes. 19
1.3 O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: os limites e
potencialidades da prtica profissional neste espao institucional. 24
1.3.1 Principais Prticas Institudas. 32
1.3.1.1 O relatrio social para composio do exame criminolgico. 32
1.3.1. 2 As entrevistas sociais para a composio dos processos de visita ntima. 36
1.3.1.3 A entrevistas sociais realizadas nos atendimentos iniciais. 38
1.3.2 Principais Prticas Instituintes. 39
3.3 O pblico alvo e a populao atendida pelas aes do Servio Social. 42
Captulo II: Avaliao Processual da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em
uma Unidade Penitenciria Feminina.
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2.1 Anlise dos dados quanto ao marco legal e terico no campo da justia penal.
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2.2 Anlise a partir do referencial legal e tico (Cdigo de tica e Lei de
Regulamentao) da profisso.
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2.3 Como so apresentadas as trajetrias de vida dos apenados nos relatos apresentados.
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2.4 Breves consideraes acerca da avaliao realizada.
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Consideraes Finais 75
Referncias Bibliogrficas 78
Apndices 83
Apndice A - Instrumento para as entrevistas. 83
Apndice B Transcrio das entrevistas. 86
INTRODUO
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O presente trabalho origina-se de determinadas inquietaes
propiciadas pelas experincias de estgio e extenso, na Secretaria de
Estado e Administrao Penitenciria do Rio de Janeiro SEAP/RJ e no
Ncleo Interdisciplinar de Aes para a Cidadania NIAC/UFRJ.
No perodo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009 tive a rica
oportunidade de estagiar na SEAP/RJ. A partir desta experincia surgiram
vrias indagaes sobre os desafios ticos e polticos acerca da insero do
Servio Social neste espao, bem como as particularidades de determinados
instrumentos e tcnicas utilizados. No entanto, ao aprofundar minhas
aproximaes tericas acerca da insero do Servio Social no Sistema
Penitencirio, identifiquei poucas produes acadmicas que tratassem da
temtica. Mediante minhas indagaes quanto s atividades cotidianas
desenvolvidas pela profisso, tambm optei por direcionar meus estudos a
questo da dimenso tcnico-operativa, porm, tambm ao me aproximar
desta temtica, foram encontradas poucas produes.
A experincia no NIAC no perodo de novembro de 2008 a agosto de
2009 contribuiu para as reflexes acerca da insero do Servio Social em
instituies penitencirias ao propiciar questionamentos que viabilizaram a
construo de um olhar complexo quanto atuao profissional. Atravs da
discusso de temticas como a criminalizao, violncia, formas alternativas
de resoluo de conflitos e a seletividade do sistema penal, bem como a
participao na organizao de eventos como a 1 Conferncia Livre dos
Presos1, pude ampliar minhas reflexes quanto insero do Servio Social
no sistema penitencirio.
1 Conferncia realizada em 25 de julho de 2009 na 52DP de Nova Iguau, organizada pelo Ncleo
Interdisciplinar de Aes para a Cidadania.
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Neste sentido, este trabalho tem como foco de anlise os elementos
constitutivos da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em uma
Unidade Penitenciria Feminina.
Para tanto, a pesquisa relatada neste trabalho utilizou-se de
levantamento bibliogrfico, observaes de campo, anlise documental e
entrevistas semi-estruturadas.
No captulo I intitulado O Servio Social em uma Unidade Penitenciria
Feminina, tem-se o objetivo de analisar as caractersticas das prticas
institudas e instituintes do Servio Social neste espao, salientando os
instrumentos e tcnicas utilizados. Neste sentido, foram utilizados:
levantamento e anlise bibliogrfica, bem como documentais e observaes
de campo.
J no captulo II denominado Avaliao Processual da dimenso
tcnico-operativa do Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina,
tem-se o intuito de realizar uma pesquisa avaliativa acerca dos instrumentos e
tcnicas utilizados pelo Servio Social nas principais demandas institudas.
Neste sentido, utilizou-se: anlise dos relatrios elaborados pelo Servio
Social e entrevistas semi-estruturadas.
Nas consideraes finais so salientados os principais elementos
presentes na prtica instituda do Servio Social, no que se refere aos
instrumentos e tcnicas utilizados. Ressaltam-se tambm as possibilidades da
construo de uma prtica instituinte, que viabilize um direcionamento dos
instrumentos e tcnicas, no sentido da reduo das violaes de direitos
neste espao, bem como a contribuio no acesso a direitos.
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CAPTULO I
O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina
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Neste captulo pretende-se abordar a insero da prtica profissional
do Servio Social neste espao a partir de um levantamento bibliogrfico,
documental e de observaes de campo fim de contextualizar e subsidiar a
avaliao processual da dimenso tcnico-operativa2 que ser desenvolvida
posteriormente.
1.1 Poltica Criminal Contempornea: breves consideraes.
Para entendermos a insero profissional do Servio Social em suas
diferentes reas scio-ocupacionais de acordo com um mtodo de anlise
crtico, faz-se necessrio contextualizar a conjuntura societria e institucional
em que este exerccio se insere.
No Brasil a partir do incio da dcada de 1990 identifica-se a
constituio do modelo econmico neoliberal perifrico3 que propicia uma
srie de modificaes na poltica econmica e social desenvolvida pelo
estado capitalista brasileiro, no sentido do refluxo dos direitos conquistados
na Constituio Federal de 1988 e na ampliao da remunerao do capital
especulativo internacional.
Esse processo, de implantao e evoluo do projeto neoliberal, passou por, pelo menos, trs momentos distintos, desde o incio da dcada de 1990, quais sejam: uma fase inicial, bastante turbulenta, de ruptura com o MSI (Modelo de Substituio de Importados) e implantao das primeiras aes concretas de natureza neoliberal (Governo Collor); uma fase de ampliao e consolidao da nova ordem econmico-social neoliberal (primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC); e, por ltimo, uma
2 Aqui entendida como os instrumentos e tcnicas utilizadas na prtica profissional. 3 Por fim, o modelo econmico neoliberal perifrico resultado da forma como o projeto neoliberal se configurou, a partir da estrutura econmica anterior do pas, e que diferente das dos demais pases da Amrica Latina, embora todos eles tenham em comum o carter perifrico e, portanto, subordinado ao imperialismo. Em suma, o neoliberalismo uma doutrina geral, mas o projeto neoliberal e o modelo econmico a ele associado, so mais ou menos diferenciados, de pas para pas, de acordo com as suas respectivas formaes econmico-sociais anteriores. (Filgueiras, pg. 179, 2006)
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fase de aperfeioamento e ajuste do novo modelo, na qual amplia-se e consolida-se a hegemonia do capital financeiro no interior do bloco dominante (segundo Governo FHC e Governo Lula). (Filgueiras, pg.186, 2006)
Neste sentido, Carvalho (2000) sinaliza que a concepo transnacional
do projeto neoliberal promove uma reconfigurao do Estado de Direito onde
o mximo princpio deste invertido, assim apreende-se a restrio ao
mximo dos direitos sociais e ampliao penal/carcerria.
Wacquant (2001) ao analisar as propostas governamentais norte-
americanas mediante o aumento da pobreza e da violncia ressalta por um
lado a ampliao dos programas de combate a pobreza focalizados nos
segmentos populacionais considerados em situao de pobreza e extrema
pobreza e por outro o crescimento do sistema penitencirio, tendo por
enfoque o endurecimento da punio, como a forma mais adequada de
resposta aos altos ndices de violncia.
No contexto brasileiro possvel identificar a nfase dada pelos
diferentes nveis governamentais aos programas de combate pobreza
leia-se Programa Bolsa Famlia (PBF) - enquanto principal forma de reduo
da pobreza e redistribuio de renda. Vale destacar inclusive a elaborao
de verbas como o ndice de gesto descentralizada (IGD) que est atrelado
ao nmero de cadastros e o ndice de cumprimento de condicionalidades
alcanados pelos municpios no mbito do PBF.
J no que diz respeito ampliao do estado penal possvel
identificar um aumento significativo da populao carcerria. De acordo com o
levantamento realizado pelo Ministrio da Justia (2008) no perodo de
dezembro de 2003 a dezembro de 2007, ocorreu um crescimento de 37% da
populao carcerria nacional, o nmero de apenados saltou de 308.304 mil
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para 422.373 mil internos. Dentre a populao carcerria masculina no
mesmo perodo o crescimento do nmero de internos foi de 24,87% enquanto
da populao carcerria feminina foi de 37,47%.
No atual contexto de acirramento da questo social4, apreende-se a
diminuio do financiamento das polticas pblicas e a reduo dos postos de
emprego formal. Mediante tal conjuntura o aumento dos ndices de violncia
em muitas anlises associado de forma mecanicista a questo da pobreza.
De acordo com Fraga (2002) a agressividade est presente desde os
primrdios das relaes sociais humanas, porm nem toda a agressividade
pressupe violncia. Relata que no comeo da civilizao humana a violncia
era utilizada prioritariamente enquanto forma de sobrevivncia, devido
precria estrutura organizacional da sociedade neste momento.
Todavia, na contemporaneidade apesar dos diferentes avanos da
humanidade: tecnolgicos, culturais, dentre outros, a violncia propaga-se
cada vez mais. Neste sentido, a violncia contempornea encontra-se
atrelada ao modo de produo vigente onde a liberdade entendida enquanto
livre concorrncia atravessa as diferentes relaes sociais. Assim, o outro
indivduo sempre visto como possvel concorrente e a violncia enquanto
conflito eminente.
Compreende-se assim a violncia contempornea tambm como forma
de sobrevivncia em uma forma de organizao social que se organiza na
constante luta, disputa entre os homens, seja no plano econmico
(contradio capital-trabalho), seja no plano poltico (sobretudo atravs do
4 A questo social diz respeito ao conjunto das expresses das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensveis sem a intermediao do Estado. Tem sua gnese no carter coletivo da produo, contraposto apropriao privada da prpria atividade humana o trabalho -, das condies necessrias sua realizao, assim como de seus frutos. (Iamamoto, pg 16,2001)
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projeto neoliberal). A violncia contempornea se expressa enquanto forma
de dilaceramento do ser social (Fraga, 2002), uma vez que, esta sociabilidade
que tem como marca a concorrncia contnua e o conflito sempre eminente,
corri e atravessa todas as relaes, reduz as possibilidades de identificar o
outro como igual e enquanto sujeito tambm de direitos.
Mediante os processos de aumento da violncia e da criminalidade
concomitantes ao crescimento da pobreza, surgem diferentes anlises e
enfoques para responder questes, que ao primeiro olhar parecem ser uma
preocupao coletiva. Em tal contexto essencial ao observamos a realidade
termos uma perspectiva crtica e reconhecer que toda a anlise limitada,
seja pelo lugar de quem analisa, seja pelo prprio movimento constante da
realidade, isto , sempre apreendemos apenas um momento determinado
deste movimento, com um delimitado enfoque. Deste modo, necessrio
todo o cuidado para no incorrer no equvoco poltico e metodolgico do
entendimento do fenmeno do processo de criminalizao da pobreza. Este
se expressa pelo menos em duas formas: ao identificar a criminalidade e a
violncia como oriunda de apenas uma determinada classe ou ao
compreender a violncia e os crimes como a nica forma de sobrevivncia de
alguns indivduos mediante o modo de produo capitalista.
Na primeira forma o indivduo visto como o nico culpado pelo crime,
pois ele no se esforou a fim de superar as condies de pobreza das
formas lcitas e aceitas socialmente. J na segunda responsabiliza-se o modo
de produo e organizao social por restringir ao mximo as condies
materiais de sobrevivncia deste indivduo, sendo o delito a nica alternativa
possvel. Tais compreenses so incapazes de identificar as mediaes
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entre as diferentes dimenses da realidade: particular, singular e universal.
Deste modo, no pode identificar a rede de relaes sociais que constituem
os processos de criminalizao na sociedade, bem como vislumbrar as
alternativas possveis a superao do aumento da violncia e do
encarceramento contemporneos.
S para exemplificar estas concepes que criminalizam a pobreza,
observem o para reduzir o aumento da criminalidade do governador de um
estado da regio sudeste em um jornal de grande circulao:
Sou favorvel ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada: Sou cristo, catlico, mas que viso essa? Esses atrasos so muito graves. No vejo a classe poltica discutir isso. Fico muito aflito. Tem tudo a ver com violncia. Voc pega o nmero de filhos por me na Lagoa, Tijuca, Mier e Copacabana, padro sueco. Agora, pega na Rocinha. padro Zmbia, Gabo. Isso uma fbrica de produzir marginais. (O Globo, 25 de setembro de 2007).
De acordo com Baratta (2002) a criminologia tem em sua gnese a
funo cognoscitiva e prtica de identificar os fatores que determinam o
comportamento criminoso, para combat-los com uma srie de aes e
intervenes que propiciem a modificao do comportamento do indivduo.
Neste sentido, alinhando-se a cincia positivista, uma vez que, tem por intuito
estudar as causas da criminalidade (paradigma etiolgico), sejam elas
biolgicas, psicolgicas e/ou sociais.
J a criminologia crtica tendo um enfoque macrossociolgico,
direciona sua anlise para as condies objetivas, estruturais e funcionais do
fenmeno do crime. A preocupao cognoscitiva consiste nos mecanismos
sociais e institucionais por meio dos quais se constri a dinmica criminal, so
analisadas as relaes e as dinmicas sociais que viabilizam as definies de
crime, de criminoso, bem como a realizao dos processos de criminalizao.
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No atual contexto da poltica criminal do Rio de Janeiro, observa-se
uma tendncia poltico-ideolgica a reduo desta a uma poltica penal,
sobretudo centrada no movimento lei e ordem, bem como no encarceramento
e na execuo sumria. Para Baratta (2002) a poltica criminal difere da
poltica penal, pois a primeira tem um sentido amplo de transformao social
e institucional, j a segunda consiste numa resposta questo criminal
circunscrita ao mbito do exerccio da funo punitiva do Estado.
Segundo Machado (2006) o movimento lei e ordem, surgiu nos Estados
Unidos na dcada de 70 como uma resposta oficial ao aumento da violncia,
defendendo para principal resposta ao fenmeno da criminalidade o direito
penal mximo. Uma das experincias mais significativas e conhecidas deste
movimento a Poltica de Tolerncia Zero adotada em Nova Iorque, a partir
de 1993.
Para Guindani (2002) as polticas punitivas do tipo lei e ordem
constituem-se em demonstraes perversas de poder no uso da violncia
legtima do Estado e na manipulao do medo, utilizando de aes estatais e
para-estatais (como no caso das milcias) cada vez mais repressivas.
Para a autora o movimento de lei e ordem no Brasil encontrou um
espao extremante propcio, por tratar-se de um pas com um Estado de Bem
Estar Social inconcluso, onde as polticas criminais sempre exerceram uma
funo central de manuteno da ordem no enfrentamento a questo social,
tanto no plano material quanto simblico.
De acordo com Lola Anyar de Castro (2009) 5 h uma tendncia
poltico ideolgica a reduzir poltica criminal poltica penal. Tal tendncia 5 Palestra proferida por Lola Anyar de Castro em 03/04/2009 no Seminrio Impasses da Poltica
Criminal, organizado pelo Instituto de Criminologia Carioca e pelo Ncleo de Estudos de Poltica Criminal e Direitos Humanos.
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pode ser identificada na propagao do movimento lei e ordem e no
crescimento de uma esquerda punitiva (conforme a anlise de Maria Lcia
Karam).
Cabe salientar que a poltica criminal deve ser entendida como um
conjunto de polticas que visam o enfrentamento das dinmicas criminais,
bem como das expresses da questo social. (Guindani 2009) 6
De acordo com a anlise realizada por Baratta (2002) das relaes
entre a priso e a sociedade, a instituio penitenciria reflete as
caractersticas mais negativas das relaes presentes na prpria sociedade.
O crcere expressa de modo mais ntido, menos mistificado, as relaes
sociais de excluso, de poder, as dinmicas violentas onde os indivduos mais
vulnerveis aos processos de criminalizao inserem-se em uma posio
submissa, nas relaes de explorao.
Dahmer (2009) 7 ressalta que a poltica penitenciria configura-se como
uma poltica de incluso s avessas, uma vez que, muitos dos presos
somente ao serem excludos do convvio em sociedade, so includos em
determinadas polticas e aes sociais.
Neste sentido, torna-se fundamental compreender as caractersticas
centrais da organizao da Secretaria Estadual de Administrao
Penitenciria e da unidade penitenciria em que a pesquisa acerca da
atuao do Servio Social ser realizada, para compreender as complexas
relaes em que este exerccio se insere.
6Palestra proferida por Miriam Krenzinger Azambuja Guindani na Mesa Segurana e Direitos
Humanos: uma equao possvel?, organizada pelo Conselho Regional de Servio Social 7 Regio, realizada em 08/05/2009 em comemorao ao dia do assistente social.
7 Palestra proferida pela professora doutora Tnia Dahmer em 09/06/2009, na Escola de Gesto
Penitenciria, organizada pelo Conselho Regional de Servio Social 7 Regio e pela ento Coordenao de Servio Social da SEAP/RJ.
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1.2 A Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria (SEAP):
breves consideraes.
Segundo Moraes (2007) a partir do Decreto n 32.621, de 1 de Janeiro
de 2003 criada a Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria
(SEAP) mediante a extino do Departamento do Sistema Penitencirio do
Rio de Janeiro (DESIPE), vigente desde 1975. Neste sentido, relata que esta
reformulao organizacional do sistema penitencirio tem o objetivo de
oferecer um tratamento individualizado e especfico ao Sistema Penitencirio
do Rio de Janeiro. Cabe salientar que a criao desta nova organizao
realiza-se num contexto de ampliao da populao carcerria, porm, sem
aumento significativo do quadro de tcnicos da secretaria e de unidades
penitencirias.
A SEAP atua tendo por referencial legal a Lei de Execuo Penal (LEP
n 7.210 de 11 de julho de 1984) e o Regulamento do Sistema Penal do
Estado do Rio de Janeiro (RPERJ decreto n 8.897 de 31 de maro de
1986). Organiza-se em trs subsecretarias adjuntas: Unidades Prisionais,
Infra-Estrutura e Tratamento Penitencirio, alm de uma Subsecretaria Geral
de Administrao Penitenciria. Possui tambm trs Coordenaes de
Unidades Prisionais: Gericin; Frei Caneca e isoladas; e Niteri e Interior;
com o objetivo de dar assistncia mais personalizada s direes dos
presdios. A Secretaria dispe ainda dos seguintes rgos: Fundao Santa
Cabrini (FSC), o Conselho Penitencirio (CONPE) e o Fundo Especial
Penitencirio (Fuesp).
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Concomitante a esta reorganizao foi criada a Coordenao de
Servio Social que integra a Subsecretaria Adjunta de Tratamento
Penitencirio. Desde sua criao, a diviso tem desempenhado um
importante papel na articulao e capacitao dos profissionais e estagirios
de Servio Social que atuam no Sistema Penitencirio. No decorrer do estgio
foram realizadas cerca de 10 reunies para os estagirios e profissionais no
intuito de discutir a prtica profissional. Dentre estas, vale destacar a
capacitao de trs dias realizada para todos os estagirios que ingressaram
na SEAP em 2008, a reunio realizada para os profissionais e estagirios
sobre a trajetria histrica da profisso e a instrumentalidade do Servio
Social, a capacitao dos estagirios que ingressaram em 2009, o encontro
promovido juntamente com o Conselho Regional de Servio Social da 7
Regio (CRESS/ 7) fim de elaborar um documento com o posicionamento
do Servio Social da SEAP/RJ acerca da elaborao do exame criminolgico
e a reunio de socializao de informaes acerca da nova gesto da
coordenao do Servio Social.
De acordo com a anlise de Souza (2005) com a reforma penitenciria
liderada por Lemos Brito entre 1923 e 1924 levantada a necessidade de um
reformatrio especial para as mulheres, que tratasse especificamente da
questo da criminalidade feminina. Tal proposta foi fortemente influenciada
pela concepo da sociedade sobre o papel da mulher, tendose a
preocupao de reeducar as presas, ensinando atividades tipicamente
atribudas mulher. Alm da distino moral entre, de um lado os crimes
passionais, ditos comuns e de outro, os crimes associados contraveno,
embriaguez e prostituio.
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Neste momento quando se pensa a criao de um presdio feminino,
refletisse sobre a necessidade de organizao do efetivo de detentos por
sexo e por tipo de delito cometido.
Considerava-se fundamental separar as mulheres dos homens, uma
vez que, o crime cometido por estas necessitava de um tratamento
diferenciado e pela compreenso de que as mesmas ao compartilharem o
mesmo espao que os homens poderiam contribuir para incitar os instintos
masculinos, bem como as praticas sexuais neste espao.
Por outro lado, para o debate hegemnico no perodo era necessrio
distinguir as presas comuns, isto , aquelas que por algum problema psquico
cometeram um crime passional, aborto dentre outros, das criminosas, ditas
vis, ou seja, as prostitutas, as ligadas delitos associados contraveno,
furtos.
Partindo destas premissas e com a implantao do Cdigo Penal de
1941, que inicia a segmentao carcerria por sexos. criada em 1943 a
primeira penitenciria feminina do Rio de Janeiro. De acordo com Abreu
(1997) a Unidade Penitenciria Feminina foi criada sob a administrao da
Congregao de Nossa Senhora do Bom Pastor D`Angers e subordinada a
Penitenciria Central Masculina do Distrito Federal.
A administrao interna da penitenciria era realizada pelas freiras que
compunham a congregao Dangers, estas responsabilizavam pelas reas
de educao, disciplina, trabalho, higiene e economia. Desenvolvendo
diferentes aes, instituindo um regime de priso-convento. Se a funo
expressa no discurso oficial da priso masculina era de recuperar o cidado
para reinseri-lo na sociedade, a respeito da priso feminina o discurso era
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claramente distinto: a atribuio desta constitua-se na recuperao do lado
bom da mulher, leia-se, resgatar o papel de me e esposa inerentes a
natureza feminina, para reintegr-la ao lar.
Neste sentido, as reclusas eram submetidas a diferentes aes,
atividades na rea de atividades domsticas, cuidados com higiene, educao
moral para reassumirem o lugar atribudo a estas nesta conjuntura social, a
saber, de auxiliadora do homem, do cuidado com o mesmo e com os filhos. O
crime dentre as mulheres era identificado como todo e qualquer desvio desta
funo atribuda s mulheres. Da serem presas, as que traam os cnjuges,
as que abortavam e as prostitutas.
Todavia estas aes de disciplinamento no realizavam se sem
embates, conforme aponta Souza (pg. 36, 2005):
Este disciplinamento imposto pelas religiosas, embora tivesse carter inovador e fosse colocado como a anttese da punio, era o exerccio da violncia contra a mulher com outra roupagem. Por no respeitar a subjetividade das presas, traduzindo-se em um tratamento repressor e massificador, gerou mais violncia e indisciplina entre as internas. O agravamento na dificuldade das Servas do Bom Pastor em administrar os conflitos internos da Penitenciria Feminina, em funo da reao das presas ao regime imposto pelas religiosas, levou ao fim a administrao das freiras e, em 1955, a Penitenciria de mulheres passou a ser gerenciada somente pela direo da Penitenciria Central do Distrito Federal. A partir de 1966, a unidade foi transformada em Instituto Penal Talavera Bruce e passou a ter autonomia administrativa. Posteriormente sua denominao mudou para Penitenciria Talavera Bruce, nome que conserva at hoje.
Atualmente esta unidade encontra-se submetida hierarquicamente
SEAP. Compe o quadro funcional: agentes penitencirios, duas psiclogas,
duas assistentes sociais, trs estagirios de Servio Social, uma defensora
pblica, uma mdica, um psiquiatra e um dentista. Organiza-se nas seguintes
sees: setor de classificao e tratamento, Servio Social, Segurana,
Custdia, Zeladoria, Psicologia, Ambulatrio Mdico e Direo. Possui
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31
capacidade para 338 internas, tendo 334 apenadas. No que diz respeito ao
delito, de acordo com um levantamento realizado pela administrao da
unidade no perodo de janeiro a fevereiro de 2008 identifica-se a
predominncia do trfico de entorpecentes e do assalto mo armada, 51 %
das internas so indiciadas pelo artigo 12 e 28% pelo artigo 157.
Para Sousa administrao laica atual e a religiosa vigente
anteriormente, possuem alguns traos em comum:
A administrao das Servas do Bom Pastor, marcada por seu carter religioso, moralista e repressor, e a administrao laica, que permanece at os dias atuais, tm em comum a violncia legitimada e intrnseca da priso. Tal violncia est implcita no regime a que so submetidas as mulheres encarceradas, condenadas a um isolamento forado, onde, por anos de suas vidas, devero obedecer a regras rgidas de convivncia e padronizadoras de rotinas comuns do dia-a-dia. Se antes da priso estabeleciam suas rotinas livremente, agora se subordinam a horrios fixos e vigilncia cerrada. (pag. 36, 2005)
Essa nova forma de sociabilidade imposta s mulheres na priso, por
uma instituio fechada e normatizadora, alm de controlar as interaes
estabelecidas no seu interior e mediar s relaes de seus internos com o
mundo externo, tambm difunde e transmite socialmente concepes e
representaes de contedos excludentes. Isso se d mediante prticas que
alteram os referenciais de vida e a identidade das presas e contribuem para
construir e/ou reforar esteretipos, estigmas e discriminaes.
Aps analisar, ainda que de modo suscinto as caractersticas centrais
desta unidade, cabe indagar quais os elementos e relaes presentes na
prtica que o Servio Social tem construdo neste espao.
1.3 O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: os
limites e potencialidades da prtica profissional neste espao
institucional.
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32
O Servio Social em distintos espaos scio-ocupacionais lida em seu
cotidiano profissional com as expresses da questo social, possui por
particularidade prtica interventiva a operacionalizao dos direitos de
cidadania atravs do estabelecimento de nexos, mediaes entre as
instituies, os servios prestados e os usurios que por diferentes
necessidades os requisitam (Resende, 2006).
Faleiros (2008) a partir do paradigma da correlao de foras
compreende a interveno profissional como confrontao de interesses,
recursos, estratgias inserida em um processo de hegemonia e contra-
hegemonia. Em sua interveno o Servio Social atua nas diferentes redes de
relaes sociais em que o sujeito a ser atendido est inserido, mediando o
acesso a direitos.
Para Zaffaroni (1990) atuao dos diferentes atores envolvidos no
processo de execuo da pena, a partir de uma perspectiva crtica da
criminologia pode orientar-se por uma prtica sobre estas relaes que
configuram o processo de criminalizao, denominando a de clnica da
vulnerabilidade.
Para o autor a clnica da vulnerabilidade difere de uma clnica
etiolgica, pois esta ltima compreende as caractersticas do perfil dos
apenados como as causas para a ocorrncia do delito, coaduna assim com
uma perspectiva positivista do fenmeno do crime, bem como com a proposta
da ressocializao que visa tratar estes indivduos, corrigindo as deficincias
de sua socializao para reinseri-lo na sociedade.
J a clnica da vulnerabilidade, prope-se a atuar nas relaes de
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33
vulnerabilidade destes indivduos aos processos de criminalizao.
Entendem-se as caractersticas do perfil da populao apenada, sejam elas
sociais e/ou biolgicas, no como fatores que determinaram a ocorrncia do
delito, mas que expressam a debilidade de um determinado grupo da
populao aos processos de criminalizao, bem como a seletividade do
sistema penal.
Neste sentido, Guindani (2001) prope que a atuao do Servio Social
no sistema penitencirio tenha como foco a vulnerabilidade social no
processo de criminalizao dos sujeitos apenados, sendo as distintas
competncias profissionais capazes de intervirem no processo de
fortalecimento da identidade social do apenado e na mediao das
correlaes de foras que influenciam sua vulnerabilidade ao sistema penal.
Deste modo, a prtica do Servio Social em unidades penitencirias
poderia privilegiar no o delito pelo qual o apenado foi sentenciado, mas as
redes de relaes sociais em que este est inserido fim de contribuir na
reduo dos danos causados por este espao e na promoo do acesso a
direitos, corroborando na reduo da vulnerabilidade aos processos de
criminalizao no retorno liberdade.
De acordo com Iamamoto (2005) os diferentes espaos scio-
ocupacionais do Servio Social estabelecem condies e relaes sociais
especficas por meio das quais se realiza a prtica profissional no mercado de
trabalho, sendo necessrio explicit-las. Nas instituies penitencirias a
atuao do Servio Social tem um carter peculiar: neste espao o
profissional tem por pblico alvo no indivduos que foram quela instituio
requisitar um servio ou benefcio, mas que so sentenciados por um delito e
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34
esto cumprindo pena privativa de liberdade.
O objetivo central presente na legislao que regula esta instituio
no se constitui em efetivar um determinado direito, mas assegurar a punio
deste sujeito pelo delito cometido, por meio da privao de um direito
concreto, o de ir e vir. Assim, neste espao, h uma cultura fortemente
presente de interpretao institucional dos direitos destes sujeitos no como
garantia de cidadania, mas, como parte integrante do tratamento penal
previsto nas legislaes penais. Os apenados so identificados na cultura
institucional, de maneira simblica como violadores de direitos, e no como
sujeitos de direitos.
Tal peculiaridade deste espao tem uma interferncia central, na leitura
simblica em como se d o acesso aos direitos no mesmo. Para os sujeitos
de direitos, o acesso aos direitos interpretado culturalmente como uma
garantia constitucional que causa revolta quando no respeitada. Para os
violadores de direitos, o acesso a direitos interpretado como uma forma
para que este se reabilite para retornar a conviver em sociedade.
Apesar dos diferentes entraves presentes atuao do Servio Social
neste espao, na produo acadmica sobre prtica profissional, poucas so
as publicaes a respeito da prtica em instituies prisionais. As revistas
Servio Social e Sociedade8 reconhecidas na categoria profissional como
importante veculo de debates da profisso, tendo trinta anos de histria,
somente no ano de 2001 publicou uma edio com temas scio-jurdicos e
em 2002 um exemplar acerca da violncia.
Ao realizar um levantamento das produes bibliogrficas acerca do 8 A primeira Revista Servio Social e Sociedade foi publicada em 1979, desde ento vem sendo
publicadas de forma ininterrupta expressando e acompanhando os diferentes debates e amadurecimento terico do Servio Social.
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35
Servio Social no sistema penitencirio na Biblioteca Virtual Minerva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro9 em julho de 2008 obteve-se as
seguintes informaes: ao consultar por Servio Social no Sistema
Penitencirio foram encontradas apenas quatro obras10, sendo que apenas
uma destas abordava a atuao do Servio Social no sistema, as demais
eram produes da rea do Servio Social sobre o sistema, sem, contudo,
abordar a atuao profissional nesta rea.
No decorrer do estgio tive a oportunidade de atuar com estudantes de
diferentes escolas de Servio Social do Rio de Janeiro, fora sinalizado por
estes a reduzida discusso sobre a interveno nesta rea e temas inerentes
a mesma. Os estudantes da Escola de Servio Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro relataram ter algum tipo de contato bibliogrfico ou
por relatos de professores e outros estudantes sobre a atuao do Servio
Social no Sistema Penitencirio apenas nas disciplinas de Orientao e
Treinamento Profissional (nos perodos de 2008.1, 2008.2 e 2009.1), Direitos
Humanos e Prtica Profissional.
Segundo Barroco (2004) a aproximao do Servio Social com o
debate sobre os direitos humanos comea a ganhar maior visibilidade a partir
dos anos 1990, apesar da histrica aproximao do Servio Social com o
debate acerca dos direitos sociais. Neste sentido, cabe observar os
rebatimentos desta recente aproximao do Servio Social com a temtica
9 A Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro constitui-se em uma
instituio de referncia em Servio Social, tendo um programa de ps-graduao considerado referncia para as demais escolas da Amrica Latina.
10 Foram encontradas as seguintes obras: SILVA, Ana Paula Gomes da. A trajetria das polticas penitencirias do estado do Rio de Janeiro e o papel do Servio Social. 2004. CFCH.; PRACIAS, Daniele Mendes. A insero precoce dos jovens no sistema penitencirio. 1999. CFCH.; ALVES, Aline Coelho Rosas. Reprimir e socializar: anlise do discurso dos ex-diretores gerais do Desipe/RJ perodo de 1965 a 1984. 1997. CFCH; GOLDMAN, Sara Nigri. O crime organizado nas prises: sua trajetria e seu rebatimento no Servio Social do Desipe. 1989.CFCH.
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36
dos direitos humanos em sua interveno profissional, ser que tal debate
tem propiciado uma releitura dos instrumentais tcnicos historicamente
utilizados pelos assistentes sociais no sistema penitencirio? O compromisso
expresso no Cdigo de tica de 1993 com a defesa intransigente dos direitos
humanos tm sido traduzidos em iniciativas concretas?
Neste espao scio-ocupacional do Servio Social, em que estive
como estagiria no perodo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009, pude
identificar como principais prticas institudas11 do Servio Social: a
elaborao de relatrios sociais para a composio de exames
criminolgicos, a realizao de entrevistas iniciais, para processos de visita
ntima e para classificaes laborativas. Tais procedimentos esto previstos
na Lei de Execuo Penal (LEP n 7.210 de 11 de julho de 1984), no
Regulamento do Sistema Penal do Estado do Rio de Janeiro (RPERJ
decreto n 8.897 de 31 de maro de 1986) e na portaria n767 do
Departamento do Sistema Penitencirio do Rio de Janeiro (DESIPE RJ).
De acordo com Santos (2006) as diferentes dimenses da prtica
profissional: terico-metodolgica, tica-poltica e tcnica-operativa, compe
uma unidade diversa. A dimenso tcnico-operativa diz respeito aos
instrumentos e tcnicas utilizados pela profisso, que explicitam um
determinado compromisso tico, um posicionamento poltico e uma
capacitao terico-metodolgica (Diretrizes Curriculares, ABEPSS 1996).
Neste sentido, cabe destacar que a atuao profissional em seus
diferentes espaos tem por orientao legal essencial a Lei de
Regulamentao da Profisso 8.662/93 e o Cdigo de tica Profissional de 11 Institudo o conjunto de normas e regras de uma organizao institucional que regem a sua
prtica, sob o ponto de vista de uma construo histrica e de sua contribuio para a manuteno de prticas opressoras e mantenedoras do status quo. (Bisneto, pg. 146, 1999)
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1993. Iamamoto (2005) ressalta estes referenciais da profisso como
caractersticas que marcam uma profisso liberal, apesar das limitaes da
mesma por configurar-se como um trabalho assalariado.
Na lei de regulamentao identificam-se os seguintes trechos que
remetem as prticas predominantes nas unidades penitencirias:
Art. 4 - Constituem competncia do Assistente Social: III - encaminhar providncias, e prestar orientao social a indivduos, grupos e populao; V - orientar indivduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; XI - realizar estudos scio-econmicos com os usurios para fins de benefcios e servios sociais junto a rgos da administrao pblica direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. Art. 5 - Constituem atribuies privativas do Assistente Social: IV - realizar vistorias, percias tcnicas, laudos periciais, informaes e pareceres sobre a matria de Servio Social; VI - treinamento, avaliao e superviso direta de estagirios de Servio Social.
No que diz respeito LEP, no se explicita especificamente as
atribuies e competncias do Servio Social, porm quando se refere ao
direito assistncia social do apenado, menciona atividades institucionais que
so historicamente exercidas pelo Servio Social nas unidades penitencirias.
Art. 22 - A assistncia social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepar-los para o retorno liberdade. Art. 23 - Incumbe ao servio de assistncia social: I - conhecer os resultados dos diagnsticos e exames; II - relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; III - acompanhar o resultado das permisses de sadas e das sadas temporrias; IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponveis, a recreao; V - promover a orientao do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno liberdade; VI - providenciar a obteno de documentos, dos benefcios da previdncia social e do seguro por acidente no trabalho;VII - orientar e amparar, quando necessrio, a famlia do preso, do internado e da vtima.
No que se refere ao RPERJ encontra-se detalhadamente quais seriam
as competncias do Servio Social no sistema penitencirio do Rio de
Janeiro. Vale pontuar que mencionado que o Servio Social ao realizar tais
atividades, deve ter por pressuposto sua metodologia especfica de atuao.
Art. 41 - Cabe ao Servio Social, atravs do emprego da metodologia especfica de sua rea profissional;I - conhecer, diagnosticar e traar alternativas, junto com a populao presa e os egressos, quanto aos
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problemas sociais evidenciados; II - ampliar os canais de comunicao dos presos, internados e seus familiares com a administrao penitenciria;III- elaborar relatrios e emitir pareceres, se for o caso, em requerimentos e processos de interesse da populao carcerria; IV- interagir junto aos quadros funcionais do sistema penal com vistas a possibilitar melhor compreenso dos problemas sociais da populao presa, buscando conjugar esforos para solucion-los. V- interagir com instituies externas no sentido de empreender aes que aproximem recursos diversos para atendimento da populao presa, seus familiares, egressos e liberandos, na perspectiva da ao comunitria; VI- coordenar e supervisionar as atividades dos agentes religiosos voluntrios e dos estagirios do servio social; VII- integrar os conselhos de comunidade; VIII- programar com a populao presa, eventos que propiciem lazer e cultura, interagindo com o servio educacional; IX- orientar a populao presa e seus dependentes quanto a direitos e deveres legais, especialmente da rea previdenciria; X- acompanhar o desenvolvimento das sadas para visitas a familiares e para o trabalho externo; XI- auxiliar os internos na obteno de documentos.
De acordo com a anlise de Galdncio (2007) sobre a LEP e o RPERJ,
estas so legislaes pautadas na perspectiva ideolgica da defesa social,
com o intuito de tratar e ressocializar os internos. Neste sentido, as prticas
previstas nas mesmas tm por referencial uma perspectiva criminolgica
etiolgica, ou seja, em sua maioria as aes previstas nestas legislaes
visam identificar as causas que propiciaram o delito e atuar sobre as mesmas,
tratando e ressocializando o apenado para retornar ao convvio em
sociedade.
Para Zaffaroni (1990) a ressocializao uma proposta que jamais
poder ser concretizada, pois est contra toda lgica por partir do
pressuposto de retirar o homem da sociedade para ensin-lo a viver neste
espao, do qual ele isolado. Tentar a ressocializao na cadeia como
tentar o ensino da natao sem gua... o ensino do futebol num elevador.
Neste sentido, Dahmer et al (2008) relatam que grande parte da
populao brasileira ao tratar das penas privativas de liberdade identificam
neste instrumento por um lado um instrumento de isolamento dos indivduos
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que ameaam a ordem social e por outro reforam o discurso oficial que estas
penas propiciariam a ressocializao dos apenados. Ambos os discursos so
idealizados, uma vez que, as prises brasileiras esto muito distante de
assegurar o total isolamento dos presos, tampouco existe alguma poltica que
assegure a ressocializao conforme previsto na LEP.
Apesar do RPERJ e da Lei de Regulamentao profissional
expressarem diversas atividades que poderiam ser exercidas pelo Servio
Social no sentido da contribuio no acesso e garantia de direitos, ao
observar as prticas mais recorrentes do Servio Social na Unidade
Penitenciria possvel apreender a predominncia da elaborao de
relatrios sociais e pareceres para exames criminolgicos e entrevistas para
processos de visita ntima, prticas extremamente imbricadas da perspectiva
ressocializadora prevista nestas legislaes. As demais demandas das
internas e seus familiares em muitos momentos so postas em segundo
plano.
Um outro procedimento tambm realizado pelo Servio Social so as
entrevistas para as classificaes laborativas. As classificaes e
desclassificaes laborativas so regulamentadas pela portaria n 772 do
DESIPE/DG de 17 de maio de 2000. Estas entrevistas so realizadas de
forma conjunta com a psicologia quando as internas ingressam, so
desvinculadas ou transferidas de uma atividade laborativa.
Cabe salientar tambm dentre estas demandas, a elaborao de vrias
estatsticas, solicitadas por diversos rgos dentre eles: Ministrio da Justia,
Coordenao de Servio Social, Direo da Unidade etc. Tais levantamentos
muitas vezes so referentes informaes que no so pertinentes ao
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40
Servio Social e/ou tampouco subsidiaro uma interveno futura. Vale
pontuar que geralmente so direcionados vrios dias de trabalho destes
profissionais quase que exclusivamente para a realizao destes
levantamentos.
1.3.1 Principais Prticas Institudas.
As principais prticas institudas ao Servio Social na unidade
penitenciria feminina pesquisada so as seguintes: relatrios sociais para
composio do exame ciminolgico, entrevistas sociais para compor o
processo de visita ntima e entrevistas sociais durante o atendimento inicial.
Cada uma destas atividades ser explicada de modo detalhado nos itens
abaixo.
1.3.1.1 O relatrio social para composio do exame criminolgico.
De acordo com a LEP os exames criminolgicos deveriam ser
realizados pelo Centro de Observao Criminolgica e apenas no caso da
ausncia deste deveria ser realizada pelas Comisses de Classificao e
Tratamento (CTC`s). No estado do Rio de Janeiro no foi constitudo o Centro
de Observao Criminolgica e os exames so realizados pelas CTC`s. Os
exames deveriam ser provenientes de todo um acompanhamento do apenado
atravs de um programa de individualizao da pena.
No cotidiano profissional identifica-se que os exames so compostos
por relatrios do Servio Social, da Psicologia e da Psiquiatria. No que
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concerne ao Servio Social estes relatrios so elaborados com uma e/ou
duas entrevistas, no raro o documento elaborado no primeiro contato com
a apenada.
Segundo a LEP a partir do cumprimento de um sexto da pena o interno
j tem direito a progresso de regime, sem ser explicitada a obrigatoriedade
do exame. Todavia, para progresso de regimes e livramentos condicionais
so sempre realizados os relatrios sociais para os exames criminolgicos.
Neste semestre foi realizada uma reunio, em 09/06 na Escola de
Gesto Penitenciria, organizada pela Coordenao de Servio Social da
SEAP e com o Conselho Regional de Servio Social fim de discutir o
posicionamento das assistentes sociais que atuam na SEAP/RJ, quanto
elaborao do exame criminolgico, bem como construir um documento
assinado pelas mesmas ratificando o posicionamento do Servio Social
quanto ao mesmo. Tal documento seria enviado ao Conselho Federal de
Servio Social e seria discutido no Encontro Nacional Scio-Jurdico que ser
realizado em outubro.
No perodo da manh ocorreu uma exposio a favor da continuidade
da elaborao do relatrio para composio do exame criminolgico e uma
contra a continuidade da utilizao do mesmo. No perodo da tarde as cerca
de trinta assistentes sociais presentes votaram o posicionamento e
formularam as questes que deveriam nortear a construo do documento.
Compareceram tambm aproximadamente 10 estagirios que no tiveram
direito voto.
Na exposio a favor da continuidade deste tipo de relatrio, realizada
por uma assistente social que compe a atual Coordenao de Servio Social
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42
mesa da manh e pelas demais profissionais no momento do debate, foram
salientados os seguintes aspectos:
Estatsticas sobre as unidades penitencirias do sistema que mostravam
que na maior parte delas a produo de exames no encontra-se
atrasada, no gerando portanto assim uma demanda excessiva ao
Servio Social;
O relatrio social para composio do exame constiui-se em uma tcnica
fundamental para o Servio Social conhecer o perfil da populao
apenada;
Esta atribuio de elaborao de relatrios para compor o exame
criminolgico est prevista para o Servio Social no RPERJ e na LEP;
O Juiz tem autoridade para requisitar do Servio Social o relatrio para
compor o exame criminolgico e caso este profissional no acate, pode
vir a ser preso.
A questo que deve ser problematizada no o Servio Social das
unidades penitencirias ter que elaborar o relatrio para composio do
exame criminolgico, mas sim se este profissional tem tido condies de
trabalho adequadas para realizar tal atividade tais como: uma sala que
assegure o sigilo profissional, computadores, contratao de mais
profissionais, dentre outros.
J na argumentao desfavorvel continuidade da elaborao deste tipo
de relatrio, foi lida a moo contra o exame criminolgico elaborada por
diversos psiclogos e defendida pelo Conselho Regional de Psicologia, nesta
so enfatizados diferentes fundamentos polticos para a contraposio ao
exame criminolgico. Na exposio realizada por uma assistente social com
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dcadas de experincia no sistema e tambm no debate foram salientados os
seguintes aspectos:
A produo deste relatrio est atrelada uma perspectiva positivista
de crime
Os relatrios sociais para a composio dos exames criminolgicos
so apenas uma reproduo de dados empricos
O Servio Social das unidades penitencirias tem seu tempo de
trabalho engolido devido a constante produo destes relatrios e pareceres
para compor os exames
A produo destes relatrios no regime de mutires jurdicos que tem
sido realizados nas unidades penitencirias, consituem no auge da
banalizao deste tipo de prtica
Existem vrias dvidas se estes relatrios que consomem tanto tempo
de trabalho dos profissionais so realmente lidos pelos juzes;
A Lei Federal n 10.792, de 1 de dezembro de 200312 extinguiu a
produo do exame criminolgico, sendo assim, a categoria profissional
precisa se contrapor a esta ilegalidade em curso no Estado do Rio de Janeiro.
Voltando ao evento, no perodo da tarde durante o debate surgiram duas
propostas quanto ao posicionamento da categoria mediante a elaborao do
exame criminolgico: a defesa da elaborao do relatrio social para a
composio do exame criminolgico, desde que com condies de trabalho
adequadas e de outro contra a elaborao de qualquer tipo de relatrio tendo
em vista compor o exame. Com 18 votos a primeira proposta foi a escolhida,
a segunda posio teve 12 votos e houveram cerca de 5 abstenes. Nesta
12 Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execuo Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de
3 de outubro de 1941 - Cdigo de Processo Penal e d outras providncias.
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mesma reunio formou-se uma comisso com cinco assistentes sociais que
elaboraram o documento que foi apresentado no dia 30/06/2009 no Frum de
Servio Social na Escola de Gesto Penitenciria, organizado pela
Coordenao de Servio Social. Neste evento o documento foi lido e as
assistentes sociais presentes assinaram o mesmo.
Considero que as condies de trabalho dos assistentes sociais interferem
de modo significativo e em muitos momentos incisivo sobre as possibilidades
de interveno. No entanto, entendo que para alm destas condies que
influenciam no s na realizao do exame, mas na prtica do Servio Social
como um todo, existem outros entraves realizao desta interveno que
no foram situados no documento elaborado.
No perodo em que realizei estgio em uma Unidade Penitenciria
Feminina, pude identificar que a elaborao destes relatrios demanda um
tempo significativo das profissionais. Por outro lado ningum tem muito claro
neste espao a finalidade do mesmo para o sujeito que est sendo atendido
ou qual a competncia do Servio Social da Unidade Penitenciria para
avaliar se o indivduo est apto a sair em liberdade ou no. Mediante isto
cabe indagar: como no seu cotidiano o Servio Social tem lidado com este
instrumental tcnico, que consiste nos relatrios sociais para a composio
criminolgico? Pretendo encontrar alguns nortes para responder esta questo
na pesquisa relatada no captulo seguinte.
1.3.1. 2 - As entrevistas sociais para a composio dos processos de
visita ntima.
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No que diz respeito as entrevistas para processos de visita ntima estas
so regulamentadas pelas portaria do DESIPE N 767 de 05 julho de 1999.
Segundo esta portaria a entrada no processo e toda a tramitao burocrtica
deve ser realizada no Servio Social. De acordo com o Manual de
Procedimentos elaborado pela ento Coordenao de Servio Social no ano
de 2005 alm da tramitao burocrtica os profissionais de Servio Social
devem orientar os indivduos envolvidos quanto aos procedimentos
necessrios e emitir parecer quanto a requisio de visita.
No Servio Social da Unidade Penitenciria pesquisada, os
profissionais e estagirios no que se refere ao processo de visita ntima
realizam entrevista, emitem parecer quanto ao requerimento, orientam quanto
os procedimentos e efetivam toda a tramitao burocrtica.
Na realizao destas entrevistas pude observar um constante cuidado
dos profissionais em verificar se as informaes prestadas pelos internos para
iniciar o processo so verdicas. Por exemplo, um dos documentos
requisitados para comprovar a relao entre os internos, quando so
companheiros, a declarao de convivncia marital, nesta duas
testemunhas atestam a veracidade desta relao e este documento
reconhecido em cartrio. Apesar deste documento j comprovar, ao menos
legalmente, a existncia da relao anterior ao crcere, recorrente nas
entrevistas as profissionais e os estagirios terem a preocupao de
perguntar o tempo da relao, salientando que se for de menos de dois anos,
os mesmos no podero ter acesso ao benefcio. Tal cuidado elevou-se aps
os rumores que uma assistente social da SEAP/RJ teria sido denunciada para
o Conselho de Servio Social da 7 Regio por facilitar o parlatrio, isto , o
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46
acesso a visita a determinados internos.
Neste sentido, vale indagar cabe ao Servio Social verificar a
veracidade das informaes prestadas, inclusive estas j sendo
comprovadas? Qual a relevncia do levantamento destes dados para atuao
do Servio Social e para os apenados que esto sendo atendidos?
1.3.1.3 A entrevistas sociais realizadas nos atendimentos iniciais.
J no que concerne as entrevistas iniciais no h nenhum registro legal
que pontue a necessidade ou obrigatoriedade da realizao desta. Na
unidade penitenciria observada neste estudo as assistentes sociais e
estagirios utilizam a entrevista social para conhecer a realidade social dos
apenados e fornecer as primeiras orientaes. As informaes apreendidas
so registradas no pronturio e so fornecidos folderes sobre o
credenciamento de visitantes, auxlio recluso, processo de visita etc.
Considero que existe uma potencialidade neste procedimento de
primeiro atendimento pois nele existe a possibilidade de a partir de uma
perspectiva crtica do fenmeno da criminalidade, realizarmos uma escuta
atenta quanto a trama de relaes, diferentes e complexas, que propiciaram o
processo de criminalizao em que est inserido o sujeito que estamos
atendendo. Somente a partir do conhecimento das diferentes redes primrias,
secundrias dentre outras, que o sujeito apenado est inserido poderemos
identificar as os pontos vulnerveis nesta rede, que propiciaram sua seleo
pelo sistema penal.
Ao reconhecer as vulnerabilidades nesta trama de relaes em que
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47
este sujeito est inserido, o Servio Social pode a partir da rede social
disponvel, corroborar no acesso a direitos e na reduo dos danos causados
pelo encarceramento, na diminuio das violaes de direitos inerentes e
intrnsecas a este espao.
De acordo com esta anlise, cabe indagar como tem sido conduzidos,
construdos estes primeiros atendimentos, qual a finalidade destes: construir
um mapa destas redes de relaes em que o apenado est inserido ou
identificar em sua histria de vida as possveis causas para o cometimento do
delito?
1.3.2 Principais Prticas Instituintes.
As principais prticas insituintes neste espao constituem-se nas
seguintes: o atendimento a famlia em diferentes mbitos, elaborao de
projetos sociais e de interveno para a unidade, a interveno em conflitos
entre os internas, entre internas e agentes penitencirios, entre agentes
penitencirios e familiares; e a elaborao de relatrios sociais para a questo
de guarda.
No que se refere questo da elaborao de relatrios sociais para
processos de guarda, cabe destacar que a unidade pesquisada localiza-se
prxima a Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcut (UMI). Na UMI
so abrigadas todas as internas do estado do Rio de Janeiro durante o peri-
natal. Neste sentido, quando as internas do SEAP esto nos ltimos meses
de gravidez so geralmente transferidas para a unidade e aps os seis meses
na UMI depender do tempo de pena, so transferidas para as
penitencirias, presdios de origem ou para insituio pesquisada.
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Deste modo, so requisitados relatrios ao Servio Social tendo em
vista compor o processo de guarda provisria. Geralmente quando as internas
retormam da UMI para a insituio penitenciria so solicitados pela 2 Vara
de Infncia, Juventude e do Idoso os relatrios para compor o processo de
guarda. Tais relatrios tambm so requisitados quando h a suspenso do
ptrio poder familiar. Para a formulao de tais documentos fundamental o
domnio do Estatuto da Criana e do Adolescente tendo por intuito assegurar
os direitos no s da apenada, mas tambm das crianas e adolescentes.
Vale salientar que em questo de guarda o direito destes ltimos prioritrio
e central.
No que diz respeito a interveno do Servio Social em conflitos
existentes entre os internos, familiares e agentes penitencirios no crcere.
Cabe salientar que a vida social anmala criada neste espao, com a inerente
violao de direitos, contribui para o desenvolvimento relaes tensas entre
os sujeitos que ocupam este espao. O Servio Social em muitos momentos
requisitado seja pelas internas, ou pelos agentes e profissionais a intervir
nesses conflitos tais como: disputa de guarda dos filhos das internas, conflitos
dos familiares com os agentes da portaria no momento do ingresso para a
visita, dentre outros.
Durante a experincia de extenso no Ncleo Interdisciplinar de Aes
para a Cidadania no perodo de novembro de 2008 a julho de 2009, pude
participar de uma pesquisa sobre formas alternativas de resoluo de
conflitos, nesta tive contato com algumas perspectivas e tcnicas quanto a
gesto de conflitos.
Na atualidade existe um amplo e complexo debate sobre as formas
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alternativas de resoluo de conflitos. Na aproximao com o tema, defendo
que por um lado estas formas possam ser utilizadas para escamotear o papel
de diferentes instncias estatais na questo dos conflitos, sobretudo no
espao prisional; por outro considero que estas alternativas a judicializao
dos conflitos, podem contribuir para a reduo do encarceramento e para que
estes sujeitos desenvolvam a prtica de auto-gerenciamento no violento de
seus conflitos.
Neste sentido, considero que dentre as formas alternativas de
resoluo de conflitos a mediao, a negociao e a concicliao podem
fornecer relevantes contribuies a atuao do Servio Social neste espao.
Para Selem (2006) a mediao de conflitos representa um meio
consensual de resoluo de impasses no qual a deciso cabe as partes
envolvidas, sendo o papel do mediador apenas o de facilitar o dilogo e a
comunicao pacfica entre os envolvidos e possibilitar, assim, a construo
de um acordo. Na mediao existe uma preocupao com o
reestabelecimento da relao atravs do fortalecimento do dilogo.
De acordo com Torres (2001), a conciliao um meio de resoluo de
conflitos que pode ser processual ou pr processual. Quando processual
instala-se durante um processo em curso; e, quando pr-processual est fora
do parmetro jurisdicional, com o auxlio de pessoas ou instituies
habilitadas para a realizao da conciliao como meio alternativo para a
resoluo de conflitos. A conciliao se prope a cuidar do acordo de
interesses contraditrios das partes conflitantes, assim como os demais meios
alternativos de resoluo de conflitos, porm com suas caractersticas
prprias; estabelecendo, dessa maneira, harmonia entre pessoas com
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pensamentos e/ou interesses distintos.
J a negociao para a estudiosa um dos meios de resoluo de
conflitos, podendo ser definida como o processo em que as partes tentam
entrar em acordo a respeito do que cada envolvido precisa dar e receber em
uma troca realizada entre eles. Pode ser decorrente de um acordo de
vontades, no qual no h interveno de terceiros e decorrente de uma
atividade executada por um terceiro, o negociador. Em suma, pode-se afirmar
que h negociao, independentemente de seus sentidos, sempre que existe
comunicao para atingir determinados resultados ou fins especficos. Dessa
forma, negociao um hbito de comportamento, bem como um mtodo de
alcanar a felicidade das partes envolvidas.
1.3.3 O pblico alvo e a populao atendida pelas aes do Servio
Social.
O pblico alvo das aes desenvolvidas pelo Servio Social, como foi
possvel observar nas demandas insitudas acima apresentadas: so as
apenadas e seus familiares e/ou visitantes. Todavia conforme expresso nas
prticas instituintes em determinadas intervenes, os profissionais e agentes
penitencirios deste espao tambm compe a populao atendida pelos
assistentes sociais e estagirios em Servio Social.
De acordo com um levantamento realizado pela equipe administrativa
da unidade pesquisada no primeiro bimestre de 2008, possvel identificar
alguns elementos quanto ao perfil da populao apenada. No que refere-se
ao delito observa-se a predominncia da questo do trfico de drogas (artigo
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12) e do assalto mo armada (artigo 157). J o delito nomeado de
receptao (artigo 180) aparece dentre os menos presentes dentre a
populao apenada.
Fonte: Estatstica Elaborada pela equipe de Administrao da instituio no primeiro bimestre de 2008.
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Fonte: Estatstica Elaborada pela equipe de Administrao da instituio no primeiro bimestre de 2008.
Fonte: Estatstica Elaborada pela equipe de Administrao da instituio no primeiro bimestre de 2008.
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CAPTULO II
Avaliao Processual da dimenso tcnico-operativa do Servio Social
em uma Unidade Penitenciria Feminina
Neste captulo pretende-se apresentar os resultados de uma pesquisa
avaliativa sobre a dimenso tcnico-operativa13 do Servio Social na Unidade
Penitenciria Feminina (unidade da pesquisa). Na pesquisa de carter
avaliativo, se optou pela avaliao processual que tem por intuito estudar as
maneiras pelas quais os servios ou intervenes so realizados; avaliar
como planejada para descrever o desenvolvimento da ao (Sessions,
2001).
Importante relembrar Santos (2003) quando nos mostra como
aproximao com a teoria social marxista, a partir da corrente da inteno de
ruptura, permitiu a reflexo sobre os instrumentos tcnico-operativos no
sentido da apreenso crtica de seu carter poltico opondo-se ao tecnicismo.
Entretanto, entende-se que esta perspectiva pode ter propiciado, por outro
lado, alguns equvocos metodolgicos como, por exemplo, o
negligenciamento de uma reflexo sobre a dimenso tcnico-operativa do
Servio Social a partir de uma perspectiva crtica.
Neste sentido, pretendeuse atravs desta pesquisa identificar como o
Servio Social vinha lidando com a sua dimenso tcnico-operativa na
instituio acima referida. Dito de outra forma, como tm sido construdas as
13 A dimenso tcnico-operativa diz respeito ao conjunto de instrumentos e tcnicas construdos e/ou utilizados historicamente pela profisso, que compe uma unidade diversa com a dimenso terico-metodolgica e tico-poltica. (Diretrizes Curriculares ABEPSS, 1996 e Santos, 2006).
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aes e intervenes do Servio Social em sua prtica cotidiana no que se
refere aos instrumentos e tcnicas utilizados. A partir da pesquisa avaliativa,
teve-se, portanto, a inteno de contribuir na reflexo e na construo de
estratgias para o exerccio do Servio Social nesta rea, sem a pretenso de
esgotar a temtica to vasta e complexa. Para tanto, foram analisados
quarenta relatrios sociais selecionados por incluso progressiva (Minayo,
2008)14, sendo treze para fins de exames criminolgicos, doze relatrios de
entrevistas para visitas ntimas e quinze relatrios dos atendimentos iniciais
produzidos no perodo de novembro de 2008 a maro de 2009, representando
aproximadamente 11% dos relatrios produzidos neste perodo15. Tais relatos
foram escolhidos para anlise por serem as prticas mais requisitadas pela
instituio ao Servio Social, conforme observado no cotidiano de estgio.
Tambm foram utilizadas de forma complementar anlise documental
entrevistas semi-estruturadas.16
Para anlise dos dados, optou-se por utilizar a abordagem combinada
hermenutico17-dialtica18, pois se entende que esta permite construir uma
anlise compreensiva e crtica da realidade avaliada, bem como a
identificao das relaes e interpretaes construdas acerca da interveno
observada.
Segundo Minayo (2005) a articulao hermenutico-dialtica
14 Aqui compreendida como o recorte dos relatrios que sero trabalhados no ponto em que o tipo de
construo comeam a repetir-se, isto , quando encontrou-se uma regularidade no modo de construo dos relatrios que constitui-se enquanto fonte de anlise.
15 Percentual levantando a partir das estatsticas mensais elaboradas pela equipe de Servio Social da Unidade Penitenciria Feminina.
16 Foi realizada entrevista com uma assistente social, pois a outra profissional da unidade preferiu no participar da pesquisa, alm de dois estagirios em Servio Social da Unidade Penitenciria. As entrevistas foram realizadas na primeira semana de agosto de 2009, na Unidade Penitenciria.
17 Hermenutica, segundo Gadamer (1999), a busca de compreenso de sentido que se d na comunicao entre seres humanos, tendo na linguagem seu ncleo central. (Minayo, pg. 88, 2005) 18 Dialtica a cincia e a arte do dilogo, da pergunta e da controvrsia. (Minayo, pg. 89, 2005)
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bastante fecunda para as pesquisas qualitativas, pois, constitui a projeo de
um caminho de pensamento, que critica, porm valoriza os elementos de
outras abordagens metodolgicas. Neste sentido, a autora aponta que ambas
as concepes trazem a idia produtiva dos condicionamentos histricos da
linguagem, das relaes e das prticas. Contudo, a primeira orienta-se para o
significado do que consensual, da mediao. J a dialtica se direciona
para a contradio, o dissenso.
De acordo com Gomes (2002) o pesquisador antes da pesquisa de
campo precisa definir as categorias gerais a serem investigadas, aps a
coleta de dados devem ser elaboradas as categorias especficas tendo em
vista a classificao das informaes identificadas. Deste modo, defende que
no processo de anlise necessrio realizar uma comparao entre as
categorias gerais, elaboradas na fase exploratria e as categorias especficas,
formuladas aps a pesquisa de campo.
Neste intuito, a anlise dos relatos documentais e das entrevistas do
Servio Social foi realizada tendo por base os indicadores elaborados na fase
exploratria da pesquisa e categorias especficas formuladas no processo de
anlise dos mesmos. No que concerne s entrevistas semi-estruturadas
entende-se que estas propiciaram elementos para identificar qual a
observao, anlise e avaliao que estes profissionais e estagirios fazem
do seu exerccio profissional.
Na fase exploratria foram formuladas inicialmente quatro categorias
(questes norteadoras) a partir da aproximao com o campo e das leituras
realizadas, so elas:
1. Qual referencial da legislao penal (LEP, RPERJ e Portarias de Visita)
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utilizado como parmetro na construo destes relatrios?
2. Qual referencial da legislao profissional utilizado na produo destes
relatrios (Cdigo de tica, Lei de Regulamentao)?
3. Como so apresentadas e/ou trabalhadas as trajetrias de vida dos
apenados, nos relatos estudados?
O seguinte quadro expressa as categorias, indicadores e fontes de
verificao utilizadas na anlise:
Questes norteadoras
Indicadores Fontes de Verificao
O referencial da criminologia e direito pena (legislao penal (LEP, RPERJ e Portarias de Visita) utilizado enquanto parmetro na construo dos relatos?
Expresses que denotam uma perspectiva etiolgica quanto questo da criminalidade. Expresses que denotam uma prtica de verificao da veracidade das informaes prestadas pelo apenado. Expresses que denotam uma valorizao da submisso do apenado as normas institucionais.
Anlise documental e de forma complementar entrevistas.
O referencial legal e tico (Cdigo de tica e Lei de Regulamentao) da profisso utilizado enquanto parmetro para construo dos relatos?
Expresses que denotam a metodologia utilizada na construo do relato. Expresses que denotam o cuidado em contribuir no acesso a direitos. Expresses que apresentam as violaes de direitos. Expresses que denotam os dilemas ticos destas intervenes. Expresses que sinalizam o cuidado em identificar e trabalhar a rede de que o apenado e seus familiares dispem, durante seu aprisionamento.
Como so apresentadas as trajetrias de vida dos apenados nos relatos apresentados?
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2.1 - Anlise dos dados quanto ao marco legal e terico no campo da
justia penal.
Na anlise dos relatos foi possvel identificar nos 40 instrumentos
observados a interlocuo com as legislaes penais (vigentes), sendo
notria a preocupao na construo do relato em dar conta dos objetivos
presentes nas mesmas.
No que diz respeito aos relatrios sociais para a composio dos
exames criminolgicos a utilizao deste referencial se expressa nas
seguintes temticas trabalhadas em todos os relatos analisados: o crime,
suas possveis causas e as circunstncias em que ocorreu, a participao da
apenada nas atividades promovidas pela instituio, sua submisso as ordens
estabelecidas e sua perspectiva de no reincidir ao sair do crcere.
Cabe salientar que tais informaes so pautadas sempre como
declaraes do interno utilizando-se termos como: sic, segundo a interna, x
declara que. No existe nos relatos anlise do profissional quanto s
observaes e impresses do interno mediante a ocorrncia do delito.
Apreende-se apenas a construo do relato a partir das declaraes do
interno com o intuito de encontrar os elementos que devem ser trabalhados
de acordo com a perspectiva ressocializadora presente na legislao penal.
No que diz respeito questo do crime apreende-se que em todos os
relatos existe uma preocupao em relat-lo, sendo que em alguns se
enfatiza as possveis causas do delito e nos demais se aborda as
circunstncias em que ele ocorreu.
As causas ou motivos do delito so apresentados de forma explcita em
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quatro dos treze relatos analisados. Os possveis motivos do delito so
apreendidos a partir dos relatos das apenadas sobre os fatores que
consideram ter contribudo para sua priso. Neste sentido, so identificadas
as seguintes afirmaes sobre os delitos: ... Quanto ao delito que lhe trouxe
ao crcere afirma que amizade e estilo de vida foram decisivos...; .... Quanto
ao envolvimento ao com a conduta ilcita, afirma que foi uma forma de ajudar
uma pessoa amiga...; ... Quanto a sua vinda para o crcere alega que
mantinha amizades com pessoas do trfico e terminou por se envolver
tambm.. e .... A recluso deu-se em funo de coao que sofreu de
pessoa amiga para que levasse entorpecentes....
Conforme, aponta Baratta (2002) apesar dos avanos no debate da
criminologia crtica, o discurso da criminologia oficial, ainda fortemente
marcado pela criminologia positivista, com seu direcionamento etiolgico.
Todavia na contemporaneidade estes olhares simplistas tenham se
redirecionado consideravelmente dos fatores biolgicos e psicolgicos, para
os sociais.
Nos nove relatrios sociais, em que so abordadas as circunstncias
aonde o crime ocorreu foi possvel identificar em trs destes, ainda que de
modo implcito, uma preocupao em explicitar as causas do delito. Tal intuito
implcito pde ser observado em expresses como: Seu delito diz respeito...;
... relata que sua priso foi influenciada por... e .... Declara que envolveu-se
com um rapaz que usava drogas e fazia atos ilcitos...
Para Silva (2004) em seu cotidiano o assistente social lida
independentemente de seu acmulo terico-metodolgico e/ou
posicionamento tico-poltico com diversas situaes de violncia, ou seja,
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com variadas formas de violaes de direitos. Ao se ater apenas ao cuidado
de identificar na histria de vida apresentada pelo apenado as possveis
causas do crime, estes profissionais incorrem no risco de no apreender uma
srie dinmicas de violao de direitos, que tem no crcere o espao mais
propicio para o seu desenvolvimento.
Tal levantamento e descrio de dados de acordo com a perspectiva
etiolgica tornam-se ainda mais complicados se considerarmos a questo do
crime como uma das expresses de toda uma dinmica social violenta, pois
esta se constitui em um problema multifacetado e complexo (Pinheiro e
Almeida, 2006), isto , nenhum fator isolado pode explicar suas diversas
manifestaes.
J no que se refere participao nas atividades promovidas pela
instituio e sua submisso as ordens estabelecidas foi possvel identificar
nos treze relatrios sociais para a elaborao de exames criminolgicos a
preocupao em analisar enquanto ponto positivo para a sada do interno a
participao nestas, bem como a submisso as normas institucionais. Tal
cuidado na elaborao dos relatos pode ser identificado na utilizao de
expresses como: ... C. possui comportamentos condizentes com as normas
institucionais... e ... No cotidiano prisional no apresenta problemas na
esfera disciplinar...; onde se salientam a submisso do interno as normas
institucionais. Pode apreender-se tal preocupao nas seguintes expresses
onde se ressalta a participao dos internos nas atividades promovidas pela
instituio: ... Participa de eventos evanglicos realizados na unidade..; ...
est remindo pena na fbrica de fraldas do SEAP/TB h sete meses. No
SEAP/NH remiu pena estudando por trs meses... ... Atualmente trabalha na
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MMW, firma de refeies.... J nos trechos expostos a seguir destaca-se a
convivncia cordial com as demais apenas e funcionrios da unidade:
...Relata que possui um bom relacionamento com as internas desta unidade
assim como com os agentes, tratando-os com respeito... Expressou tambm
ter tido boa relao com as demais internas e os profissionais da unidade....
No que concernem as perspectivas ao sair do crcere foi possvel
identificar forte tendncia em todos os relatos, de afirmar que a apenada aps
a vivncia prisional elaborou novas perspectivas de vida e no pretende
reincidir criminalmente. Em apenas um dos relatos no so abordadas estas
perspectivas que indicam que a interna provavelmente no ir reincidir. Tal
cuidado na construo do relato pode ser identificado em afirmaes
como:...Com a solicitao de livramento condicional , pretende se organizar
atravs de atividade produtiva e concluso do ensino mdio ....; ...Todos
residiro juntos e A. retomar a vida laborativa contando com sua fora de
vontade possivelmente em alguma loja... e ... Suas perspectivas futuras de
voltar a morar com a me e empregar-se e retomando curso de vida contando
com apoio familiar em seus projetos de retorno ao mundo livre...
Segundo Rauter (1989) estas especulaes quanto s atividades que o
indivduo ir desenvolver ao retornar a liberdade, configuram-se no como
uma construo de uma pesquisa, de um estudo cientfico, mas como um
exerccio de futurologia, isto , uma previso sobre as possibilidades de o
indivduo vir a ser novamente selecionado pelo sistema penal.
Neste sentido, pode se verificar na construo dos relatrios sociais
para a composio dos exames criminolgicos, especialmente uma
reproduo emprica das narrativas apresentadas pelas apenadas. Portanto
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pode-se questionar at mesmo se este se configura como um relatrio social,
j que no expressa anlises do profissional e/ou os instrumentos e tcnicas
utilizados para a construo do mesmo.
Para Fvero et al (2008) o relatrio social configura-se como um
documento especfico elaborado por um assistente social que expressa de
forma descritiva e interpretativa uma situao social, que seja objeto de sua
interveno no cotidiano profissional.
Alm disso, cabe salientar a partir da experincia de campo, que tais
relatrios so elaborados geralmente com apenas uma entrevista, de
aproximadamente quinze minutos. Nesta os profissionais relatam ser
necessrio tentar identificar se a apenada possui as condies necessrias
para sair.
Para a assistente social A necessrio levantar as seguintes
informaes nas entrevistas para compor este relatrio: Se ele configura ali
naquele momento, ainda que seja um contato muitas vezes nico, breve, em
que voc no teve muitas opes durante a permanncia ali naquela unidade
de ter outros atendimentos, de voc conhecer um pouco mais do histrico de
vida dele. Se ele apresenta condies comportamentais tambm assim que
eu digo, se ele trabalhou na unidade, se ele teve um bom comportamento na
unidade, um conjunto de fatores que.. ... superficialmente, primariamente,
diagnosticam de repente uma boa, uma situao favorvel de sada, que
apontam para que ele saia bem, que ele alcance condies para sair.
Quanto aos relatos das entrevistas sociais para as visitas ntimas foi
possvel apreender uma forte preocupao em identificar na fala das
apenadas se a relao estabelecida com o companheiro tem o tempo mnimo
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de dois anos previsto na portaria e se anterior ao crcere. Tais perspectivas
podem ser observadas em expresses como: ... conheceu F. num baile
quando tinha 15 anos, vindo a residir com o mesmo tambm com essa idade.
Separaram-se quando a mesma tinha por volta dos 19 anos...; iniciou
relacionamento afetivo com o mesmo em novembro de 2005 (...) e em janeiro
de 2007 foi presa com o mesmo... e S. ressalta que conviveu afetivamente
com R. por 3 anos tendo o conhecido em festa.
Outro aspecto ressaltado a questo do crime: pontua-se se os
apenados so parceiros de processo, se os apenados so reincidentes e
como este benefcio poderia contribuir para estreitar os laos dos mesmos
durante a pena. Tais perspectivas podem ser apreendidas nos seguintes
trechos: ... alega estarem se correspondendo e que ambos esto ansiosos
para estarem prximos novamente...; A regalia estreitar os laos afetivos
entre o casal... e ... pretende casar com o companheiro assim que ambos
alcanarem a liberdade...
Pode-se apreender que a tcnica de entrevista19 utilizada para construir
o relatrio que integra o processo de visita ntima, utilizada prioritariamente
para identif