reportagem visão - desigualdade à hora de jantar

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Tiragem: 82150 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Interesse Geral Pág: 66 Cores: Cor Área: 18,00 x 23,60 cm² Corte: 1 de 7 ID: 60904870 10-09-2015 SOCIEDADE R ita Quintela não dá ponto sem nó. Todas as sextas-fei- ras gasta parte da hora de almoço a elaborar a emen- ta da semana. Antes, con- sulta os menus escolares dos quatro filhos de modo a variar entre a carne, o peixe, os ovos e os vegetais. O que nunca muda é a sopa no início e a fruta no fim das refeições, tal como recomenda a Organização Mundial de Saúde: ingestão diária de, pelo menos, 400 gramas de frutas e hortícolas. Segue-se a consulta dos sites e blogues especializados em cupões de des- contos. As compras quinzenais feitas onli- ne evitam tentações de campanhas desne- cessárias ou produtos apelativos. «Com um orçamento mensal para seis pessoas resvés aos dois mil euros esta gestão financeira ajuda-me a ter uma alimentação saudável», explica enquanto prepara uma lasanha de carne para o jantar. Tenta que nenhuma re- feição exceda um euro por cabeça. No final, contas feitas, o tabuleiro de lasanha para seis fica pronto por 3,50 euros. É ao domingo, a partir das seis da tarde, que forno e fogão começam a aquecer. Metó- dica, Rita vai para a cozinha alinhavar o que lhe há de facilitar a confeção das refeições durante a semana. Por seis euros compra três quilos de carne de porco da mais bara- ta e junta-lhe 200 gramas de soja hidratada, cenoura, molho de tomate e um refogado feito com azeite, cebola e alho. «Usar a soja como proteína saudável faz reduzir o consu- mo de carne», argumenta. Depois da carne cozinhada divide em seis porções, deixando metade a uso no frigorífico e congelando a outra metade. Nessa noite ainda faz uma das quatro panelas de sopa semanais com legu- mes vindos da horta de um tio (outra forma de poupar), e um bolo, se tiver tempo, pois lá em casa não entram sobremesas prontas. Costuma fazer comidas de tacho e não abdi- ca das refeições vegetarianas – ora ratatouil- le ora cuscuz e tofu com legumes salteados. Apesar da variedade, as quatro crianças da família Quintela nunca devem ter comido linguado. «O peixe continua a ser um ali- mento caro e dentro do meu orçamento só cabem tentáculos de lulas, pescada congela- da, filetes para fazer no forno e pastéis de ba- calhau», enumera. Todos os truques que usa para esticar o orçamento foram partilhados, durante alguns anos, no site Mãe Galinha, a que se seguiu o blogue «O Que É o Comer», por agora em banho-maria. Este poderá ser o típico exemplo da fa- mília de classe média que desde o início da crise, em 2008, tem vindo a apertar o cinto e a fazer cada vez mais ajustes alimentares, procurando não ceder aos alimentos proces- sados e às comidas prontas – quase sempre mais baratas mas cheias de gordura e açúcar. Nunca foi tão clara a associação entre o que se come e o estatuto social. Em Portugal há um milhão de obesos e 31,6% de crianças com peso a mais, que vivem sobretudo no campo e pertencem a famílias desfavorecidas. Paradoxalmente, a pobreza obriga a alargar o cinto POR SÓNIA CALHEIROS TEXTO E JOSÉ CARLOS CARVALHO FOTOS FAMÍLIA FURTADO RENDIMENTO MENSAL: ¤700 Na ementa de Isabel, jardineira e guisados alternam com massas e fritos. Os filhos não dispensam os refrigerantes FAMÍLIA QUINTELA RENDIMENTO MENSAL: ¤2 000 Rita fez um tabuleiro de lasanha por 3,50 euros. Todas as refeições começam com sopa e terminam com fruta FAMÍLIA MARQUES DOS SANTOS RENDIMENTO MENSAL: > 2 000 EUROS Sara cozinhou salmão de aquacultura sustentável no forno com bulgur e salada biológicos

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O estudo publicado por Elisabete Ramos, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, na revista científica Nutrition, revela que "onde se comprova que o sedentarismo tem efeito nas escolhas alimentares dos jovens. Dos 1 436 participantes com 13 anos, 52% gasta, em média, mais de duas horas por dia a ver televisão, ficando mais propensos a consumir alimentos com altos teores de gordura e de açúcar, em detrimento de frutas e de hortícolas", pode ler-se no artigo da Visão.

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SOCIEDADE

Rita Quintela não dá ponto sem nó. Todas as sextas-fei-ras gasta parte da hora de almoço a elaborar a emen-ta da semana. Antes, con-sulta os menus escolares

dos quatro filhos de modo a variar entre a carne, o peixe, os ovos e os vegetais. O que nunca muda é a sopa no início e a fruta no fim das refeições, tal como recomenda a Organização Mundial de Saúde: ingestão diária de, pelo menos, 400 gramas de frutas e hortícolas. Segue-se a consulta dos sites e blogues especializados em cupões de des-contos. As compras quinzenais feitas onli-ne evitam tentações de campanhas desne-cessárias ou produtos apelativos. «Com um orçamento mensal para seis pessoas resvés aos dois mil euros esta gestão financeira ajuda-me a ter uma alimentação saudável», explica enquanto prepara uma lasanha de carne para o jantar. Tenta que nenhuma re-feição exceda um euro por cabeça. No final, contas feitas, o tabuleiro de lasanha para seis fica pronto por 3,50 euros.

É ao domingo, a partir das seis da tarde, que forno e fogão começam a aquecer. Metó-dica, Rita vai para a cozinha alinhavar o que lhe há de facilitar a confeção das refeições durante a semana. Por seis euros compra três quilos de carne de porco da mais bara-ta e junta-lhe 200 gramas de soja hidratada,

cenoura, molho de tomate e um refogado feito com azeite, cebola e alho. «Usar a soja como proteína saudável faz reduzir o consu-mo de carne», argumenta. Depois da carne cozinhada divide em seis porções, deixando metade a uso no frigorífico e congelando a outra metade. Nessa noite ainda faz uma das quatro panelas de sopa semanais com legu-mes vindos da horta de um tio (outra forma de poupar), e um bolo, se tiver tempo, pois lá em casa não entram sobremesas prontas. Costuma fazer comidas de tacho e não abdi-ca das refeições vegetarianas – ora ratatouil-le ora cuscuz e tofu com legumes salteados. Apesar da variedade, as quatro crianças da família Quintela nunca devem ter comido linguado. «O peixe continua a ser um ali-mento caro e dentro do meu orçamento só cabem tentáculos de lulas, pescada congela-da, filetes para fazer no forno e pastéis de ba-calhau», enumera. Todos os truques que usa para esticar o orçamento foram partilhados, durante alguns anos, no site Mãe Galinha, a que se seguiu o blogue «O Que É o Comer», por agora em banho-maria.

Este poderá ser o típico exemplo da fa-mília de classe média que desde o início da crise, em 2008, tem vindo a apertar o cinto e a fazer cada vez mais ajustes alimentares, procurando não ceder aos alimentos proces-sados e às comidas prontas – quase sempre mais baratas mas cheias de gordura e açúcar.

Nunca foi tão clara a associação entre o que se come e o estatuto social. Em Portugal há um milhão de obesos e 31,6% de crianças com peso a mais, que vivem sobretudo no campo e pertencem a famílias desfavorecidas. Paradoxalmente, a pobreza obriga a alargar o cintoPOR SÓNIA CALHEIROS TEXTO E JOSÉ CARLOS CARVALHO FOTOS

FAMÍLIA FURTADO

RENDIMENTO MENSAL: ¤700

Na ementa de Isabel, jardineira e guisados alternam com massas e fritos. Os filhos não dispensam os refrigerantes

FAMÍLIA QUINTELA

RENDIMENTO MENSAL: ¤2 000

Rita fez um tabuleiro de lasanha por 3,50 euros. Todas as refeições começam com sopa e terminam com fruta

FAMÍLIA MARQUES DOS SANTOS

RENDIMENTO MENSAL: > 2 000 EUROS

Sara cozinhou salmão de aquacultura sustentável no forno com bulgur e salada biológicos

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10 DE SETEMBRO DE 2015 v 67

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SOCIEDADE ALIMENTAÇÃO

Nunca se gastou tão pouco com a alimen-tação. Segundo o Inquérito às Despesas Fa-miliares, do INE, em 1995 os portugueses gastavam 21,5% do seu orçamento em ali-mentação, valor que baixou para 13,3%, em 2011. Desde o último Inquérito Alimentar Nacional já passaram 35 anos e nesse tempo muitos hábitos se alteraram. Até ao início dos anos 80, o paradigma era os ricos serem gordos. «Nessa altura o peso a mais e a opu-lência eram fatores sociais diferenciadores, bem vistos pela sociedade», nota Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Havia a ideia de que as populações com mais capaci-dade económica, de um modo geral, tinham acesso a produtos mais calóricos. Até que a indústria alimentar começou a produzir calorias baratas. «Com o aumento do nú-mero de hipermercados, mudou a forma de consumo. Passou a comprar-se com menos regularidade e isso fez com que os produtos tivessem de ser conservados à custa de dois ingredientes: gordura e açúcar», explica o nutricionista. Só em 1995 se fala, pela pri-meira vez, da relação entre o estatuto social e a obesidade. É o pediatra William H. Dietz que afirma que «a fome e a obesidade ocor-rem com uma frequência aumentada nas populações pobres». E isso pode parecer, à primeira vista, estranho, como nota Pedro Graça: «Como é que uma pessoa que não tem dinheiro para comprar comida acaba por engordar?» Os dados hoje são inequívo-cos, como ficou bem expresso no final do Ci-clo de Conferências da Gulbenkian, o Futu-ro da Alimentação, que aconteceu em 2012: a incidência de obesidade é cinco vezes maior no estrato socioprofissional mais baixo, so-bretudo em famílias de maior vulnerabili-dade económica, com horários irregulares, trabalhando até muito tarde ou por turnos, desfasados do resto da família. As crianças, estando sozinhas, acabam por fazer esco-lhas piores, preferindo alimentos muito ca-lóricos, ricos em gorduras e açúcares.

Engordar em frente à tvPortugal tem a taxa mais elevada de mães trabalhadoras da União Europeia e, segun-do um estudo da OCDE, de 2011, é também o país onde os filhos pas-sam menos tempo com os pais (100 minutos/dia, contra os 400 da Irlanda, que lidera a lista). A tele-visão depressa passa a ba-

HÁ MAR E MAR...Comemos menos peixe e o preço é um dos factores. Os produtos transforma-dos, como douradinhos, ganham terreno, mas só 65% é pescada: o resto é pão ralado, farinha e amido de batata.

by-sitter, o que também aumenta o risco de obesidade e de tensão arterial alta. E quanto menor é o grau de ensino, maior é o valor de obesidade, concluiu-se ainda num estudo sociodemográfico para ava-liar a alteração dos valores de obesidade

infantil da população portuguesa, de 2002 a 2009, liderado por Cris-

tina Padez, investigadora da Faculdade de Ciências e Tec-nologia da Universidade de

Coimbra. Foram inquiridas 17 424 crianças, dos 3 aos 11 anos, de

várias regiões do País, e a percentagem que passa mais de duas horas a ver televi-são, ultrapassando os limites considera-dos de referência pela Academia Ameri-cana de Pediatria, dá que pensar: 28% de

¤25kg

¤8kg

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SOCIEDADE ALIMENTAÇÃO

Família Furtado A sobremesa de maçã do Banco Alimentar partilha o espaço com frango, sopa de lombardo, refrigerantes e margarina

Família Quintela É ao domingo que se prepara a maior parte das refeições da semana. Depois é só escolher uma caixa no frigorífico e aquecer. A sopa nunca falta

Família Marques De forma exímia cada prateleira é dedicada a um grupo de alimentos, na sua maioria biológicos, orgânicos, caseiros, livres de gorduras e açúcar

meninos e 26% de meninas, durante a se-mana. Ao sábado e domingo os valores dis-param para 75 e 74 por cento. «Ver televisão tem maior impacto no excesso de peso pois as crianças ingerem comida menos saudá-vel, ao contrário de quando usam o com-putador ou jogos eletrónicos, que exigem mais concentração e interação», explica a investigadora Cristina Padez. Quarenta por cento destas crianças permanecerão obesas na idade adulta. As que conseguirem estabilizar o peso terão, ainda assim, maior risco de doenças cardiovasculares.

No mesmo sentido vai o estudo publicado por Elisabete Ramos, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, na revista científica Nutrition, onde se comprova que o sedentarismo tem efeito nas escolhas ali-

mentares dos jovens. Dos 1 436 participan-tes com 13 anos, 52% gasta, em média, mais de duas horas por dia a ver televisão, ficando mais propensos a consumir alimentos com altos teores de gordura e de açúcar, em de-trimento de frutas e de hortícolas.

O cenário não melhora na adolescência, apesar de os jovens ganharem autonomia para praticarem exercício fora de casa e depois das aulas. O problema é mais acen-tuado no meio rural, onde vivem os rapa-zes e as raparigas entre os 13 e os 16 anos que menos se mexem. Apesar dos espaços em liberdade, durante o ano letivo os miú-dos dos meios rurais passam mais tempo a ver televisão do que os das cidades, que têm uma maior oferta de atividades extra curriculares, como o desporto ou a músi-ca, concluiu um estudo da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra que, entre 2007 e 2012, analisou o comportamento de 500 adolescentes da região Centro (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Leiria e Viseu). No campo, a média semanal nos rapazes é de 3 horas e 24 minutos em frente à tele-visão, enquanto os da cidade estão 2 horas e 48 minutos. Nas raparigas, o valor desce para 2 horas e 48 minutos e 2 horas e 24 minutos, respetivamente.

«Os de 15 e 16 anos são menos ativos do que os de 13 e 14. Há um decréscimo da atividade ao longo da adolescência, mais visível nas raparigas, que nestas idades pri-vilegiam o convívio social em detrimento do exercício físico. Os rapazes têm sempre um campo de brita para jogar à bola», diz o autor do estudo, Aristides Machado-Rodri-gues. «Quem mora em zonas seguras, bem iluminadas, perto de jardins com sombras e bebedouros, com bons acessos propícios para se deslocarem a pé, tem um comporta-mento mais ativo. Além da escola, também as famílias, as autarquias e outros agentes sociais devem organizar e promover hábi-tos de exercício físico entre os jovens.»

Sopa, mas só às vezesNo frigorífico de Isabel Furtado, 54 anos, há sopa de lombardo, mas depois de andar desde manhã na rua a jogar à bola, o seu

EM 20 ANOS, REDUZIMOS A METADE OS GASTOS EM ALIMENTAÇÃO

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neto Max prefere, às cinco da tarde, almo-çar restos de frango assado e comer depois um gelado cheio de corantes e açúcar. Falta uma hora e meia para o rapaz de 14 anos ir jantar e encher três vezes o prato com fran-go guisado e esparguete. Enquanto o ano le-tivo não começa é ainda mais difícil impor--lhe regras e horários, queixa-se Isabel, que sai de casa às sete da manhã e até regressar, à uma e meia da tarde, não consegue con-trolar quem já almoçou nem o que comeu.

Só ao fim de semana é que consegue jun-tar à mesa os sete inquilinos da casa alu-gada há 24 anos no bairro Sá Carneiro, em Caxias (o casal com os três filhos de 27, 23 e 18 anos, e dois netos de 14 e 5 anos).

Aos cerca de 1 500 candida-tos ao Peso Pesado Teen

nunca lhes foi pergunta-do porque é que comem tanto. «Interessava mais perceber como é o dia a dia destes adolescentes e que relações mantêm com os pais», explica Rui Ávila, produtor executivo do novo programa da SIC, com estreia mar-cada para o próximo domingo, 13, às 21 e 30. Muitos foram inscritos pelos pais, já num ato de desespero, como a derradeira oportunidade dos jovens emagrecerem. São 18 finalistas, entre os 14 e os 19 anos, cujos pesos oscilam entre os 90 e os 170 quilos. Ao longo das entrevistas, Rui Ávila percebeu um erro comum entre os 18 escolhidos: nenhum to-mava o pequeno-almoço. Chegavam a estar até às seis da tarde sem comer e depois ingeriam quatro quilos de comida ou faziam combinações de pão com fiambre, queijo, torresmos, marmelada, ketchup… verdadeiros

PESO PESADO TEEN COMBATE À OBESIDADE NO HORÁRIO NOBRE DA SIC

NENHUM DOS CONCORRENTES TINHA O HÁBITO DE TOMAR O PEQUENO-ALMOÇO

problemas de adição de calorias. Uma segunda triagem, com exames e análises na Clínica da Saúde, serviu para despistar doenças. Têm «apenas» fígados gordos e corações cansados, nada que os limite a parti-cipar no programa. As motivações destes jovens são tão simples como conseguir comprar roupa numa loja da moda.Na herdade da Com-panhia das Lezírias, no Porto Alto, para onde este grupo de adolescentes se mudou em meados de agosto, há uma equipa de especialistas focada em fazê-los emagrecer e melhorar a sua autoesti-ma. A nutricionista Ma-riana Ramos Chaves irá ensinar-lhes os princípios básicos de uma alimenta-ção saudável; as ementas são elaboradas pelo chefe David Pedroso; e no terre-no, para os levar ao limite, estão os treinadores Joa-

na Mota, Mauro Policarpo e Pedro Correia. Durante um ano estes jovens e as suas famílias serão acompanhados no âmbito do Mun-Si, um protocolo entre o Ministério da Saúde, cinco municípios e a Universidade Atlânti-ca para a prevenção da obesidade infantil.Por agora, sentem-se num campo de férias, pois têm quem lhes trate das sete refeições diárias e quem os obrigue a me-xerem-se. Sem televisão nem videojogos, convi-vem na piscina, jogam pingue-pongue e, à noite, estão tão cansados que só querem descansar. «Estão num ponto crítico. A viragem ou se dá agora ou é mais difícil. Aqui está a oportunidade ideal de tomar um novo rumo», garante Pedro Correia. Os dois meses que trabalhou ao lado de José Mourinho no Chelsea, em 2004, foram suficientes para aprender que «acredi-tarmos em nós é o único fator determinante para bons resultados». No Peso Pesado Teen «desis-tir» é palavra proibida.

Balança estável

FONTE Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI)/Direção-Geral da Saúde e Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge

INFOGRAFIA VISÃO

Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior prevalência de excesso de peso e obesidade infantil. Mas, os dados avançados hoje, 10, revelam que já estamos numa fase descendente

15,8

22,1

37,9

14,7

21

35,7

2008 2010 2013

13,9

17,7

31,6

OBESIDADE INFANTIL(6-8 anos) em %

TOTAL

Pré-obeso

Obeso

40%das criançasportuguesasgordas serão

adultosobesos

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Corte: 6 de 7ID: 60904870 10-09-2015vemos numa sociedade obesogénica, um «palavrão» que a OMS usa para falar de um conjunto de alterações que interfere com as escolhas. «Costumo dizer aos meus alunos do 4.º ano de Nutrição, talvez as pessoas que mais sabem do tema em Portugal, que basta marcar-lhes aulas ou um exame entre as 11 e as duas da tarde para desregularem a sua alimentação», exemplifica o professor.

Como Sara Marques dos Santos não tra-balha fora de casa, pode dedicar-se à pes-quisa e leitura sobre alimentos orgânicos, gastar tempo na ida às compras a diversos supermercados, dar um salto à praça e ao mercado de biológicos, onde por mês gasta perto de 600 euros só em comida para o ca-sal, duas empregadas (uma delas interna) e três filhos com 7, 4 e 1 ano e meio.

O conhecimento existe mas o tempo é fundamental para esta ex-advogada, 39 anos, pôr em prática tudo o que aprendeu no curso online de «health coach», uma es-pécie de treinadora de bem-estar, do ame-ricano Institute for Integrative Nutrition.

Foi há sete anos, com o nascimento do primeiro filho, que se intensificou a preo-cupação com o que a família come. «Abria-

A COMIDA MAIS BARATA É, REGRA GERAL, MUITO CALÓRICA, CHEIA DE GORDURA E AÇÚCAR

Com o marido desempregado há mais de dois anos e sem receber subsídio de desem-prego desde maio, Isabel tem cerca de 700 euros mensais para gerir, arrecadados entre os 460 euros que traz para casa das limpezas, mais uns pozinhos de dois filhos. O baixo rendimento familiar faz com que precisem de apoio social. Uma vez por mês, recolhem os cabazes do Banco Alimentar, um de secos, outro de frescos. Nunca fez contas ao que gasta todos os meses em alimentação, o que sabe é que consegue «dar conta do recado» e pôr comida na mesa para todos. Como anda sempre atenta às promoções dos supermer-cados nunca lhe falta proteína no congela-dor. Nem feijão demolhado, nem rissóis de carne ou panadinhos de salmão, opções mais baratas para as refeições familiares. E o di-nheiro ainda estica para refrigerantes e ge-

lados. A matriarca costuma fazer sopa mas reconhece que às vezes tem de deitá-la fora. Os filhos e netos nem sempre querem... e ela não consegue obrigá-los.

Comemos mais do que precisamosDiz-me o teu peso, dir-te-ei o que comes. O padrão de alimentação saudável reco-menda a ingestão diária de 2 000 a 2 500 calorias, consoante se é mulher ou homem, e as proteínas devem ser repartidas entre 40% animal e 60% vegetal. Estes valores são largamente desrespeitados na maioria da população – e nem sempre por questões económicas. Dados da Balança Alimentar Portuguesa (BAP) 2008-2012 revelam que atingimos, em média, 3 963 calorias per capi-ta, um aumento de 2,1% face aos números da BAP 2003-2008. O suficiente para saciar não um mas dois adultos. Desde os anos 1990 que os portugueses têm vindo a afastar-se da combinação saudável, consumindo 62,8% de proteína animal e 37,2% de vegetais.

Mesmo quem está informado cede aos apelos do marketing. «Mais do que identi-ficar o inimigo é preciso criar opções sau-dáveis e baratas», refere Pedro Graça. Vi-

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mente diferente do tradicional, uso mui-tos produtos biológicos, cereais integrais, presto mais atenção aos rótulos e à tabela de ingredientes.»

Na casa de Sara e Miguel Marques dos Santos o frigorífico organizado é digno de uma revista de decoração. Nas gavetas inferiores arrumam-se os frescos da esta-ção do Prove, um cabaz semanal com seis quilos que Sara compra por dez euros. Nas prateleiras superiores há pasta de amên-doa (para barrar o pão ou usar em batidos), manteiga clarificada indiana (ghee), hum-mus (pasta de grão), doces de abóbora e de marmelo feitos com açúcar de coco (o úni-co que entra lá em casa), potes com quei-jo quark (0% de gordura e fermentos lác-teos), puré de fruta e granula caseira feita com cereais, sementes, frutos secos e mel. Um caso sério de sucesso entre os amigos que leva Sara a ponderar a sua venda. Já anda, aliás, a testar embalagens e logóti-pos – quem sabe não aproveita a imagem do seu blogue «S de Salada». Para aqueles momentos de fome antes das refeições existem umas «bolinhas energéticas» de amendoim, coco, manteiga de coco, man-teiga de amêndoa, levedura de cerveja e tâmaras. Na porta há chocolate preto (70% cacau), iogurtes artesanais, picle caseiro de cenoura, leite de coco, pasta de sésamo, leite caseiro de aveia e espelta. No congela-dor, os gelados feitos com fruta fresca são «um mimo» para os filhos.

A cada refeição, preocupa-se em servir depois da sopa um prato com proteína, hi-dratos e vegetais. A fruta vem em sumo ou como sobremesa. Para o jantar, entre fran-go biológico ou lombo de salmão de aqua-cultura sustentável optou por fazer no for-no o peixe com citrinos e molho de arando, acompanhado de bulgur (um substituto do arroz) e salada. De tudo o que Sara faz a única coisa que Miguel rejeita são os sumos com legumes. Apesar de ter sido atleta de alta competição de ski aquático e de sem-pre ter tido cuidado com o que comia, o advogado não consegue beber o «sumo do Hulk», como lhe chama Duarte, de 4 anos. E, de vez em quando, também jantam fora, sem fundamentalismos, e até comem piz-za e batatas fritas. Em casa, Miguel gosta de cozinhar massas (o único senão é que a mãe só come as versões integrais). Di-vergências ultrapassadas com muito sabor – mas também sem a preocupação de olhar para o preço dos melhores produtos, na hora de decidir o que será o jantar.

FRUGALIDADE Servir-se da

quantidade certa, questionando-se se tem mesmo necessidade de

repetir ou encher o prato. Deve--se comer sem

distrações, pois o cérebro tem mais

dificuldade em receber informa-ções do sistema

digestivo enquan-to se vê televisão,

por exemplo.

FRUTOS E HORTÍCOLAS

A Organização Mundial de Saúde

recomenda a ingestão diária de, pelo menos,

400 gramas (equivalente a

duas sopas e três peças de fruta) para reduzir as

principais doenças crónicas, como o cancro e doença cardiovascular.

Escolher frutas e legumes da época e de proximidade

é mais nutritivo, mais amigo do

ambiente e mais económico.

GORDURA SAUDÁVELEvitar as comidas pré-cozinhadas, que têm grande quantidade de gorduras satu-radas, e usar o

azeite, em pouca quantidade, para cozinhar e tem-

perar.

SOPAÉ central numa alimentação de qualidade. Uma

opção equilibrada para a saúde e para a carteira.

ÁGUADeve ser a bebida

principal das refeições (e

fora delas), em detrimento dos

refrigerantes. Me-nos de dois copos

por dia podem colocar em risco

a saúde no futuro. Quem está bem

hidratado tem, de um modo geral,

maior capacidade de resistência

à doença, rins a funcionar bem e

pele e cabelo com melhor aparência.

CEREAISDevem estar

presentes no dia a dia, sobretudo nas variedades integrais. Os hi-

dratos de carbono de qualidade são essenciais para o

bom funcionamen-to do cérebro e pe-sam muito pouco na soma total do supermercado.

LEGUMINOSASFeijão, grão,

lentilhas, favas, er-vilhas, tremoços... todos são produ-tos excecionais

do ponto de vista da proteção do

sistema digestivo

e do evitar de can-cros. São baratos, pouco calóricos e ficamos com me-nos fome durante

mais tempo.

SAL E AÇÚCAR Usar muito pouco,

ou nenhum.

LACTICÍNIOSDevem consumir--se com modera-

ção mas dois copos de leite por dia são uma pílula de vita-minas e minerais

barata. Um país po-bre como Portugal não pode dar-se ao luxo de prescindir do leite, do queijo

ou do iogurte.

PROTEÍNAEscolher opções

de qualidade (mesmo que em menor quantida-

de). Não esquecer as leguminosas e os ovos como

alternativa à carne e ao peixe.

COMO COMER MELHOR (E SEM GASTAR MUITO)A Dieta Mediterrânica é o paradigma da alimentação saudável, uma tradição de que não deveríamos renegar, como defende Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável

AS CRIANÇAS QUE PASSAM MENOS TEMPO COM OS PAIS E PASSAM LONGAS HORAS A VER TELEVISÃO SÃO MAIS GORDAS

-se um caminho para ingerirmos cada vez menos químicos», explica. Quico nasceu com paralisia cerebral e Sara viu na alimen-tação saudável a maneira mais fácil de po-tenciar a aptidão cognitiva do filho. Anda sempre a pesquisar quais os alimentos que tratam problemas, aumentam capacidades e mudam o estado de espírito. «Sou real-