reservas legais - ronaldo weigand - instrumentos econômicos

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Lucrando e Conservando a Floresta: uma proposta para a Região da Mata Atlântica da Bahia * Ronaldo Weigand Jr. ** E-mail: [email protected] 1998 * Artigo publicado na Revista TECBAHIA, V. 13, N. 3, Set/Dez, 1998. ** O autor é doutorando na Universidade da Florida com apoio da CAPES – Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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Atenção: Artigo de 1998. O mecanismo foi incorporado ao Código Florestal em 1999, mas falta regulamentação até hoje. Resumo: Este artigo propõe incentivos econômicos para a proteção e recuperação de áreas florestais no Brasil, tomando como exemplo a Mata Atlântica no Estado da Bahia. No Brasil, a Mata Atlântica corresponde a menos de 7% de sua área original, a despeito da lei brasileira, que requer que pelo menos 20% de cada propriedade rural sejam mantidos sob floresta na região. Essas áreas são chamadas de “reservas legais”. A legislação brasileira que trata dessas reservas tem vários fatores que limitam a sua eficácia para atingir os objetivos a que se propõe: 1) ela favorece a fragmentação da floresta, 2) as reservas legais são difíceis de serem protegidas, 3) em muitas propriedades rurais a floresta já não existe mais e 4) áreas florestais que ultrapassam 20% das propriedades estão ameaçadas de redução. Este artigo parte dos conceitos básicos da economia neoclássica para discutir como um Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal (PCNRF) poderia ser implementado. No PCNRF, proprietários com mais de 20% de suas terras sob floresta (“fornecedores de floresta”) receberiam do governo certificados negociáveis de reserva legal para a área de floresta que exceder os requerimentos mínimos, e poderiam vender esses certificados, a um preço determinado pelo mercado, aos proprietários com menos do que o mínimo requerido de 20%. Estes últimos teriam duas maneiras de comprovar seu cumprimento para com a lei: 1) recuperar suas áreas de reserva legal até o mínimo de 20% da propriedade, e 2) comprar dos “fornecedores de floresta” certificados em área correspondente ao seu déficit de florestas. Se bem aplicado, o sistema proposto promoveria a proteção e recuperação da Mata Atlântica, reduziria o custo da sociedade para cumprir com o requerimento das reservas legais, aumentaria os benefícios econômicos e o valor da terra em áreas florestais, e reduziria o incentivo a invasões por sem-terras e a reforma agrária nas poucas áreas remanescentes da Mata Atlântica.

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Lucrando e Conservando a Floresta: uma proposta para a Região da Mata Atlântica da Bahia*

Ronaldo Weigand Jr.**

E-mail: [email protected]

1998

* Artigo publicado na Revista TECBAHIA, V. 13, N. 3, Set/Dez, 1998.** O autor é doutorando na Universidade da Florida com apoio da CAPES – Fundação Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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Resumo

Este artigo propõe incentivos econômicos para a proteção e recuperação de áreas florestais no Brasil, tomando como exemplo a Mata Atlântica no Estado da Bahia. No Brasil, a Mata Atlântica corresponde a menos de 7% de sua área original, a despeito da lei brasileira, que requer que pelo menos 20% de cada propriedade rural sejam mantidos sob floresta na região. Essas áreas são chamadas de “reservas legais”. A legislação brasileira que trata dessas reservas tem vários fatores que limitam a sua eficácia para atingir os objetivos a que se propõe: 1) ela favorece a fragmentação da floresta, 2) as reservas legais são difíceis de serem protegidas, 3) em muitas propriedades rurais a floresta já não existe mais e 4) áreas florestais que ultrapassam 20% das propriedades estão ameaçadas de redução. Este artigo parte dos conceitos básicos da economia neoclássica para discutir como um Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal (PCNRF) poderia ser implementado. No PCNRF, proprietários com mais de 20% de suas terras sob floresta (“fornecedores de floresta”) receberiam do governo certificados negociáveis de reserva legal para a área de floresta que exceder os requerimentos mínimos, e poderiam vender esses certificados, a um preço determinado pelo mercado, aos proprietários com menos do que o mínimo requerido de 20%. Estes últimos teriam duas maneiras de comprovar seu cumprimento para com a lei: 1) recuperar suas áreas de reserva legal até o mínimo de 20% da propriedade, e 2) comprar dos “fornecedores de floresta” certificados em área correspondente ao seu déficit de florestas. Se bem aplicado, o sistema proposto promoveria a proteção e recuperação da Mata Atlântica, reduziria o custo da sociedade para cumprir com o requerimento das reservas legais, aumentaria os benefícios econômicos e o valor da terra em áreas florestais, e reduziria o incentivo a invasões por sem-terras e a reforma agrária nas poucas áreas remanescentes da Mata Atlântica.

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Introdução

Pouco foi deixado do que foi outrora a Floresta Atlântica da América do Sul, um ecossistema com um dos maiores níveis de biodiversidade do planeta. A Mata Atlântica do Brasil é considerada um patrimônio nacional pela Constituição brasileira, é protegida por leis federais e estaduais e muitas organizações estão interessadas em sua conservação. Mesmo assim, os fragmentos restantes estão ainda sob ameaça pelos madeireiros, pelos candidatos a assentamento da Reforma Agrária e fazendeiros da região (Correa, 1997). Hoje, entre 5% e 7% desta floresta é encontrada em fragmentos pequenos, abrigando espécies únicas de animais e plantas, enquanto o desmatamento continua (Por 1992; Câmara, 1991; Correa, 1997). Algumas estimativas de quanto resta da floresta original são tão baixas quanto 2% (Mori, 1989, citado por Alger e Caldas, 1994). Há pouco incentivo econômico para a proteção da floresta e a execução e fiscalização das leis pelos já onerados governos federal e estaduais é precária.

No Estado da Bahia, a situação não é diferente. Aqui uma ameaça adicional é a decadência da economia cacaueira. O cacau (Theobroma cacao) é uma planta tolerante à sombra que pode ser cultivada sob a copa das árvores. No entanto, com os crescentes aumentos no custo de produção e preços em declínio, os cacauicultores estão mudando para criação de gado, e com isto destruindo importantes habitats de muitas espécies florestais (Conservation International, 1997). Ainda mais, a despeito do enorme valor para a conservação da biodiversidade, essas terras são usualmente marginais e têm sido, ao menos até bem pouco tempo, consideradas como áreas não produtivas tanto pelo Incra, Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária, quanto pelos “sem-terra”.1

Em alguns locais, como no Vale do Rio Juliana, os “sem-terra” invadiram fazendas abandonadas, contendo áreas significativas de mata. Como é ilegal para os proprietários tombar árvores para uso econômico, suas terras perdem valor e são um alvo fácil para invasores. Alguns proprietários às vezes chegam a encorajar invasões em suas terras, esperando ter algum lucro na indenização paga pela desapropriação. Mesmo assim, o Incra até bem pouco tempo estava promovendo colonização em áreas preciosas da Mata Atlântica, a exemplo de Ituberá.

Alternativas econômicas para a Mata Atlântica brasileira

Propostas para aumentar as oportunidades de receita para áreas de Mata Atlântica são as de ecoturismo, cultivo agroflorestal, extrativismo, pesquisa e outras (Conservation International, 1997). No entanto, os resultados práticos destas alternativas econômicas são ainda pouco relevantes.

1 Reorientação e definição de critérios ambientais a serem utilizados no processo de desapropriação de terras para efeito de assentamentos: Adoção do princípio da valorização das áreas florestais como áreas produtivas, em conformidade com os novos procedimentos do Imposto Territorial Rural (ITR), que considera as áreas florestais em regime de manejo florestal sustentável como áreas efetivamente produtivas, além de isentar da cobrança do ITR as áreas de reserva legal, as áreas de preservação permanente e as áreas de relevante interesse ambiental. Situação em 27.07.98 (Informação Ministério do Meio Ambiente) : Medida a ser adotada pelo Ministério Extraordinário da Reforma Agrária e Política Fundiária. Entretanto, se a área não for de preservação permanente nem de relevante interesse ambiental, e não estiver sendo explorada de acordo com plano de manejo florestal aprovado pelo Ibama, ela continua vulnerável à desapropriação, a despeito de seu valor ecológico e dos serviços ambientais providos.

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Recentemente, a Conservation International construiu uma “ponte ecológica” no nível da copa das árvores, para propósitos turísticos, em uma área perto da Reserva de Una, no Sul da Bahia (Correa, 1997; Conservation International, 1997). Argumentando em favor do ecoturismo, Mourão (1997) diz que os turistas não seriam atraídos para visitar o Sul da Bahia se a Mata Atlântica fosse erradicada. Ainda assim, o ecoturismo tende a ser restrito a algumas poucas áreas cênicas, com bom acesso, perto de hotéis e aeroportos e, se os proprietários de terra individualmente não podem obter sua participação nesta economia, é pouco provável que terão interesse na conservação da floresta em suas terras.

A agrossilvicultura é viável para áreas degradadas, zonas tampão e plantações de cacau sob a copa das árvores. No entanto, as poucas áreas bem conservadas da Mata Atlântica são valiosas demais para serem utilizadas em agrossilvicultura. Diferentemente da floresta amazônica, onde se encontram ainda áreas relativamente intocadas e para onde os sistemas de gestão propostos incluem vários níveis de intervenção na floresta (ex., manejo florestal sustentável e agrossilvicultura), esses pequenos fragmentos remanescentes da Mata Atlântica não deveriam ser perturbados.

O extrativismo poderia ser uma opção, mas geralmente requer a exploração de grandes áreas florestais por família e a economia extrativa por si mesma é bastante restrita. No Sul da Bahia, Moreau et al. (1997) informam que a extração de piaçava é uma opção econômica viável, mas é afetada por problemas de baixa qualidade do produto e degradação dos recursos. Ainda mais, a piaçava (Attalea funifera) não requer que a floresta seja conservada e até mesmo produz mais fibras se crescer fora da floresta. Com estas considerações em mente, a questão permanece: como aumentar o valor econômico da floresta e como remunerar os proprietários por suas áreas conservadas?

Reservas legais florestais

O Código Florestal (Lei n.º 4771, de 15 de setembro de 1965) estabelece que as florestas brasileiras são bens de interesse público, assim estabelecendo limites ao exercício do direito de propriedade. O Código exige que pelo menos 20% de cada propriedade na região de Mata Atlântica seja conservada como floresta, em caso de desmatamento. Essas áreas são chamadas de reservas legais. A lei também exige que a reserva legal seja registrada na matrícula do imóvel, impossibilitando sua alteração de status, caso a área total seja dividida. Como as estimativas citadas indicam, restam atualmente apenas 7% da Mata Atlântica. No Estado da Bahia, uma lei estadual (Lei 6569, de 17 de janeiro de 1994) também exige que cada proprietário replante a floresta ou favoreça o crescimento de vegetação secundária. Assim, de acordo com essas leis, deveria haver pelo menos três vezes mais florestas na região do que existem atualmente. No entanto, apesar das intenções dos legisladores, a aplicação da lei federal e da Lei 6.569 encontram dificuldades para atender aos seus objetivos, porque:

1. Elas favorecem a fragmentação da florestas em áreas com diferentes tamanhos e formatos, e espalhadas por várias propriedades;

2. As reservas legais são difíceis de proteger pelas autoridades;

3. Em muitas propriedades, as reservas legais não existem na prática;

4. Em outras, as áreas de florestas maiores que o mínimo de 20% estão ameaçadas de redução (essas áreas, entretanto, são provavelmente as mais úteis para conservação, devido às suas maiores dimensões).

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A fragmentação florestal e o isolamento são um dos maiores problemas ecológicos para as áreas remanescentes da Mata Atlântica. Os fragmentos não são sustentáveis e muitas vezes são pequenos demais para a conservação da biodiversidade, pois muitas espécies requerem extensas áreas de florestas para sua sobrevivência e reprodução (Almeida, 1997). Além do mais, pequenos fragmentos tendem a autodegradar-se com a maior incidência de incêndios, quedas de árvores e parasitas. Outro problema é a falta de polinização e de dispersão de sementes devido à falta de animais que cumprem o papel de polinizadores e dispersores de semente.

Incentivos econômicos para a conservação florestal

Uma política alternativa ou complementar ao Código Florestal é o incentivo econômico à conservação. Um grande número de incentivos já implementados têm sido descritos na literatura especializada. Cooper e Klein (1996) exploram a possibilidade da adoção, pelos agricultores, de práticas de conservação nos Estados Unidos como resultado de incentivos econômicos do governo e concluem que estes incentivos podem encorajar a conservação. Wu e Babcock (1996) modelam e analisam projetos de incentivo à conservação. Eles apontam que os preços de mercado sinalizam a demanda pelos produtos agrícolas e o governo, através de pagamentos de subsídios, sinaliza a demanda pública pelos recursos ambientais. O exemplo é o Programa Federal de Qualidade da Água, que é administrado pelo Natural Resource Conservation Service (NRCS), a Consolidated Farm Service Agency (CFSA) e os Soil Conservation Districts locais. Nesses projetos, os fazendeiros são pagos pela adoção de práticas gerenciais de conservação ambiental. Estes exemplos atribuem ao governo o ônus de despender recursos públicos para encorajar a conservação. No Brasil, não é muito provável que isto funcione, já que Poder Público dispõe de poucos recursos para a conservação da Natureza. O Poder Público pode ter também grande dificuldade em determinar um valor suficiente para manter os agricultores incentivados.

Uma alternativa poderia ser um sistema de pagamento de incentivos baseados no mercado. No nível international, Larsen e Sha (1994) analisam diferentes cenários para uma permissão negociável de emissão de carbono e discutem como sistemas diferentes de alocação de permissões poderiam encorajar a participação de outras nações. No nível regional, Johnson e Pekelney (1996) analisam o impacto do Mercado Regional de Incentivos ao Ar Limpo (Regional Clean Air Incentives Market – Reclaim), da Califórnia. De acordo com esses autores, Reclaim reduz o custo global do controle da poluição. Suas características principais são: 1) a demanda por créditos de emissão reduzida é fixada pelo governo, de acordo com o máximo nível de poluição aceitável; 2) as empresas podem negociar os créditos; 3) os créditos são válidos apenas por um ano; 4) há restrições quanto às zonas (créditos de uma zona são restritos em outras). De acordo com Johnson e Pekelney (1996), as firmas podem escolher entre as alternativas de comprar créditos, usá-los ou reduzir as emissões para vendê-los.

Certificados Negociáveis de Reserva Florestal - CNRF

Uma licença para poluir é a contrapartida de pagamentos por poluir menos. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para as reservas florestais se pensarmos num sistema de remuneração pela conservação de reservas florestais da Mata Atlântica, baseado no mercado. Os proprietários cujas terras tivessem mais de 20% de florestas (chamados "fornecedores de florestas") poderiam obter do órgão competente do Poder Público

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“certificados negociáveis de reserva florestal (CNRF)”, referentes ao seu “excesso”. Aqueles com menos de 20% seriam forçados pela legislação, ou a restaurar sua floresta, ou a adquirir CNRFs dos fornecedores florestais. Como no programa Reclaim, 1) a demanda pelos certificados florestais seria fixada (ou primariamente determinada) pela lei, 2) os proprietários de terras poderiam negociar certificados; 3) os certificados seriam válidos apenas por um ano, e 4) deverá haver restrições relativas à zona, isto é, certificados de um ecossistema não seriam válidos ou sofreriam descontos se aplicados a outra zona.

Neste artigo, defendo que esta proposta acarretaria o aumento da cobertura florestal nas zonas de Mata Atlântica, favoreceria a preservação de maiores áreas contíguas de floresta e aumentaria os incentivos econômicos para a conservação e restauração do meio ambiente. Usarei o exemplo do Estado da Bahia e os conceitos básicos da economia neoclássica para discutir os requisitos e conseqüências desta proposição.

Aspectos econômicos de um Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal

Qual será o custo dos certificados?

Esta proposta prevê duas situações em que os requisitos para manter 20% das propriedades como reserva legal podem ser atingidos por propriedades que contenham menos que a área obrigatória.

Situação A : Os meios atuais para cumprir o determinado pela Lei Estadual n.º 6569, de 1995, continuariam disponíveis. Os proprietários rurais cujas terras tiverem menos que 20% de cobertura florestal natural recuperariam 1/30 dos 20% da propriedade por ano, plantando árvores nativas ou “ecologicamente adaptadas” (Lei 6569/95). As reservas florestais consistiriam de fragmentos que poderiam ter desde uns poucos metros quadrados a centenas de hectares. Alternativa ou complementariamente, os proprietários de terras também poderiam comprar certificados negociáveis de reserva florestal (CNRFs) de fornecedores florestais, isto é, dos proprietários com mais de 20% de suas terras com cobertura florestal. Estes estariam aptos a vender estes CNRFs referentes à sua área florestal que excedesse o mínimo legal. Os proprietários satisfariam os requisitos por qualquer de duas combinações, como mostra a Figura 1.

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Figure 1: Exemplo de curvas de indiferença para o cumprimento legal de conservação de 20% de floresta como reserva legal (mínimo requerido) para três proprietários rurais.

Na Figura 1, os proprietários (Pi) têm diferentes percentuais de suas terras ocupadas com florestas e o percentual expresso no eixo vertical representa o seu deficit. Para cumprir a lei, eles podem combinar qualquer proporção de terra restaurada para floresta e CNRFs como expressam as três linhas resultantes. Dessa forma, proprietários podem escolher a melhor combinação para suas situações particulares, dados os preços dos certificados, os custos de oportunidade de colocar-se mais terra sob reserva e custos adicionais de recuperação do solo, tais como trabalho e capital. Dada a diferença de deficits para cada proprietário, podemos esperar uma curva com indiferença agregada como a mostrada na Figura 2.

Figure 2: Curva de indiferença agregada para todos os proprietários da Região da Mata Atlântica.

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Na Figura 1, pode ser visto que é provável que proprietários que estão em menores deficits em área florestais adquirirão CNRFs porque o custo total dos certificados por ano aumenta em correspondência com o aumento do deficit e, no caso de recuperação da floresta, o custo será proporcionalmente constante (correspondente à recuperação de 1/30 da reserva, não ao deficit). Os proprietários com menores custos de oportunidade para suas terras estarão menos propensos a adquirir certificados e tenderão a recomeçar a recuperação em suas próprias terras. Os custos de oportunidade nestes casos consistem no valor em dinheiro que poderia ser obtido no melhor uso alternativo da terra. Os custos de oportunidade serão representados pela relação entre oferta e procura da terra na região (preços da terra por ano), como mostrado na Figura 3.

Figura 3: Oferta e procura da terra na região.

Na figura 3, L corresponde à área de terra utilizada na região. Dada a oferta e procura da terra na região, o custo de reservar mais terra como reserva florestal é representado por P, que corresponde ao preço por hectare da terra por ano na região.

Situação B: Outro cenário é modificar a Lei 6569/95, revogando a possibilidade de atender ao mínimo legal pela mera recuperação de 1/30 de reserva florestal por ano. Ao invés disto, os proprietários teriam que restaurar imediatamente toda a área de reserva requerida pela lei ou compensar a impossibilidade de fazê-lo adquirindo CNRFs de terceiros. Neste caso, cada hectare de floresta terá a mesma utilidade para cumprimento da lei quanto um hectare certificado. Podemos presumir que os proprietários preferirão adquirir certificados ao invés de recuperar a floresta sempre que o preço dos certificados for inferior ao custo da terra, mais o preço dos investimentos de recuperação da floresta, na ocasião.

Entretanto, como a maioria das florestas remanescentes estão localizadas em áreas marginais com difícil acesso ou piores condições de solo, e como é proibido liberar essas áreas para outros usos, o custo de oportunidade para manter florestas nessas regiões será mais baixo porque outras alternativas de renda são restritas para os proprietários. O custo total de um hectare de floresta certificada para o fornecedor florestal nessas regiões será constituído dos custos de oportunidade (às vezes perto de zero) mais os custos de administração (tais como o processo de certificação e proteção

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L

P

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da floresta). Isso poderia significar que o preço deste certificados seria baixo, mas a raridade de florestas maduras pode causar um aumento nesse preço (ver Figura 4).

Figura 4: Preços dos certificados negociáveis de reserva florestal (CNRFs).

Na Figura 4, o preço inicial de cada hectare de floresta certificada por ano é representado por P1. O total é representado por Q1 e corresponde ao remanescente de áreas florestais em algumas propriedades. O custo total inicial para fornecedores florestais será representado pela área 0, C, Q1. O rendimento líquido total por ano será dado por área 0, P1, A, C. Como os custos são baixos, e os preços são altos, os fornecedores terão um incentivo para aumentar a área coberta por vegetação florestal para poder vender mais certificados. Ao mesmo tempo, se P1 for maior que P (o preço annual da terra ou custo de oportunidade, ver Figura 2) os proprietários tentarão recuperar suas reservas e assim, evitar ter de comprar certificados. Assim fazendo, a disponibilidade de certificados e de florestas aumentará para perto dos 20% da área total e o preço cairá para P2. Q2 será obtido pelo seguinte:

Q2 = TF – OFR, onde TF é a área total de floresta e OFR é a área total de reservas legais para todos os proprietários.

Comparando as situações A e B, descritas acima, vemos que a situação B é a mais vantajosa para a conservação das áreas remanescentes da Mata Atlântica. Como observa-se na análise acima, os fornecedores florestais receberão maiores rendimentos se a recuperação de 1/30 das áreas de reserva por ano deixar de ser uma forma de comprovação do cumprimento da legislação estadual. Na situação A, os proprietários com um maior deficit florestal estarão menos inclinados a adquirir certificados florestais e a fiscalização do cumprimento da lei será muito mais difícil. Por outro lado, a situação B aumenta o interesse dos fornecedores florestais em colaborar com o governo na fiscalização do cumprimento da lei, cria um maior inventivo para a conservação dos remanescentes e reduz os efeitos da fragmentação de florestas, como será explicado adiante neste artigo.

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Q2Q1

P2

P1 A

B

0

C

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Como um programa deste tipo aumentaria a área total de Mata Atlântica?

Podemos esperar que a resposta do mercado aos altos preços seria lenta, já que o crescimento das florestas também é lento. O custo do plantio é provavelmente alto se a floresta for remunerada apenas no futuro (se o rendimento ocorrer no futuro, tem que haver um cálculo do desconto de valor futuro ou deságio). Uma idéia para resolver esse problema e para remunerar florestas de qualidade inferior (por exemplo, as plantações de cacau abandonadas, florestas secundárias, florestas degradadas, etc.) é estabelecer alguns níveis de qualidade e seu grau de equivalência com florestas primárias (figura 5).

Figura 5: Classificação das florestas de acordo com o fluxo de serviços ecológicos

Deste modo, as florestas com qualidade inferior ainda seriam certificadas com um desconto em relação às florestas primárias. Por exemplo, cada hectare de fragmentos pequenos de floresta primária e secundária com mais de 20 anos de idade teria o valor de 0,9 do de um CNRF correspondente a floresta primária em perfeitas condições, em áreas grandes; velhas plantações de cacau valeriam 0,8 hectare certificado; florestas secundárias jovens, 0,5, etc. Um hectare de replantio de florestas mistas com espécies nativas poderia ter o valor de 0,1 hectare certicado. Mais estudos são necessários para estabelecer a equivalência entre a floresta primária e outros tipos de floresta. Classes diferentes de floresta deveriam ser estabelecidas dependendo dos dados de pesquisa sobre os diferentes serviços ecológicos fornecidos por esses ecossistemas, mas deveriam ser facilmente identificáveis para permitir ao Governo classificar as florestas para fins de certificação. Há várias razões para o uso de classificação na remuneração de florestas de qualidade inferior:

1. Se certificados florestais forem caros demais, este novo mecanismo dificilmente será aceito. Essa classificação vai proporcionar maior suprimento de certificados florestais e prevenir que os certificados fiquem caros demais;

2. Mais pessoas poderiam beneficiar-se do conservacionismo;

3. O objetivo é salvar toda a floresta, não apenas as áreas maduras e preservadas;

4. Haveriam maiores investimentos para aumentar a cobertura florestal; e

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5. Essa classificação pode estimular a recuperação da floresta oferecendo maiores remunerações para as áreas melhor conservadas.

Porque os cacauicultores apreciariam esta proposta?

De acordo com Alger e Caldas (11940 grandes produtores de cacau não cultivam toda a sua propriedade mas estão vendendo madeira devido à baixa rentabilidade da produção de cacau. A doença da vassoura-de-bruxas (Crinipelis perniciosa) está se espalhando na região e aumentando sensivelmente o custo da produção. Se a classificação proposta acima for adotada, as plantações de cacau sob cobertura florestal (um sistema conhecido localmente como cabruca) poderão ser subsidiadas através de certificados florestais, assim mantendo uma importante cultura para a economia do Sul da Bahia. Além disso, Alger e Caldas (1994) mencionam que os plantadores de cacau têm áreas de Mata Atlântica conservadas que estão procurando manter, que também poderiam proporcionar-lhes um rendimento estável.

Como esta proposta afetaria os preços das terras, os conflitos de terra e os sem terra?

O grau em que esta proposta afetará os preços da terra variará de acordo com a região. Os preços da terra provavelmente aumentarão em áreas com maior cobertura florestal. Isso ajudará a proteger a floresta de invasões e colonização pelos sem-terra. Proprietários estarão mais preocupados com suas áreas e não tão desejosos de dá-las para expropriação pelo Incra. Enquanto isto poderia aumentar os conflitos de terra em certas áreas, nos casos em que os sem-terra realmente adquirirem direito legal à terra, eles também poderiam obter lucro sem desmatamento e sem agricultura. Mais ainda, uma combinação com atividades extrativas poderia gerar lucros extras para estes agricultores pobres e, se feito corretamente, sem reduzir a classificação dada à floresta.

Como este Programa seria combinado com outros incentivos para a conservação?

Outros incentivos poderiam também ser combinados com os certificados. Por exemplo, RPPNs, ou Reservas Privadas de Patrimônio Natural, existentes poderiam ser elegíveis para o Programa de Certificados. O proprietário poderia ser dispensado de pagar imposto territorial rural se titular as terras separadamente, comprometendo-se a não mudar sua utilização (o que já é possível)2. Como foi dito para o caso do cacau, as áreas do programa poderiam ser usadas para atividades extrativas ou para ecoturismo, aumentando ainda mais o valor da floresta. A questão de se áreas de preservação

2 Efeitos do novo ITR: As áreas de preservação permanente (vegetação das encostas de morros, das margens de rios e lagos,

e outras) estão isentas do ITR, i.e., são dedutíveis das áreas tributáveis dos imóveis/propriedades rurais.

As áreas de utilização limitada (tais como Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPNs, áreas de interesse ecológico declaradas pelo Poder Público, e áreas de reserva legal averbadas conforme determina o Código Florestal) também estão isentas do ITR, i.e., são dedutíveis das áreas tributáveis dos imóveis/propriedades rurais.

As áreas florestadas dos imóveis rurais, não inclusas nas reservas legais, se submetidas a planos de manejo florestal sustentável aprovado pelo IBAMA, são consideradas, na sua globalidade, como produtivas e sujeitas à alíquota mínima do imposto.

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permanente (áreas de matas ciliares e nos topos de morros) poderiam ser elegíveis para o programa poderia também ser estudada.

Aspectos legais e institucionais do Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal.

Quais são os requisitos legais?

Como mencionado anteriormente, tanto a lei federal quanto a estadual protegem a Mata Atlântica da Bahia. A proposta não é direcionada para mudar esta restrição para o desmatamento. Ao contrário, o programa daria um incentivo adicional para a conservação.

A obrigação de manter 20% das terras como reservas florestais é estabelecida por lei federal e por uma lei estadual (Lei 6569). No nível federal, o Código Florestal não exige a recuperação, meramente determina o mínimo que deverá ser deixado no caso de desmatamento (Vera Weigand, comunicação pessoal). Entretanto, novas práticas relacionadas com o cumprimento da exigência legal foram discutidas e implementadas regionalmente em vários locais no Brasil. Há casos em que, ao invés de restaurar as reservas legais, os proprietários estão comprando áreas florestais de um determinado tamanho para cumprir os requisitos legais. Em outros casos, pequenos proprietários compraram em conjunto uma reserva florestal para ser gerida como um sistema condominial (permitido pelo Código Florestal). Um exemplo disso é o do Município de Araguari, em Minas Gerais. Assim, a inovação não é impossível; ao contrário, está mesmo começando a acontecer. No entanto, a lei estadual exige a recuperação da reserva legal ao nível de 20%, tornando possível que uma pequena mudança na lei estadual seja suficiente para sustentar esta proposta nesse nível. Se o Programa focalizar apenas a Mata Atlântica, a lei deveria estipular os municípios afetados pelo programa.

Como o programa seria sustentado?

A cada ano, os proprietários receberiam certificados negociáveis de reserva florestal (CNRFs) para todos os hectares que excedessem os 20% exigidos pela legislação. Eles, então, poderiam vender estes certificados a outros proprietários que não tivessem os 20% dentro de sua propriedade. Uma organização seria responsável pela avaliação da terra, emissão de certificados e fiscalização do cumprimento da lei. No Estado da Bahia, duas organizações governamentais poderiam exercer este papel: O Centro de Recursos Ambientais (CRA) e o Departamento de Desenvolvimento Florestal (DDF). Ambos possuem uma equipe de pessoal especializado em florestas, extensão e fiscalização, e escritórios localizados no interior do Estado. O Governo estadual poderia escolher uma dessas organizações que seria responsável pelo seguinte:

1. Conduzir os estudos adicionais necessários para implementação do programa;

2. Registrar os dados e monitorar todas as propriedades e suas reservas florestais;

3. Avaliar e classificar a floresta, e conceder anualmente certificados negociáveis de reserva florestal para os proprietários que tiverem mais que 20% de floresta em suas propriedades;

4. Fiscalizar o cumprimento da legislação.

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Como podemos estar certos de que os proprietários cumpririam a lei?

Uma importante questão é como assegurar o cumprimento da lei pelos proprietários rurais. De um lado, a nova Lei de Crimes Ambientais (Lei federal n.º 9605, de 28 de fevereiro de 1998) é muito severa com os infratores. De outro, este programa cria um interesse econômico nas reservas florestais. Assim, é provável que o governo encontre aliados entre os "fornecedores florestais", alguns dos quais serão plantadores de cacau com influência política decisiva. Esses participantes terão um grande interesse em encontrar e denunciar proprietários que estejam desmatando ilegalmente ou que não estejam recuperando suas reservas florestais de acordo com a lei. Para facilitar a fiscalizacão, será importante que os registros do estado dos proprietários em relação ao cumprimento da lei sejam tornados o mais público possível. Dessa forma, os fornecedores florestais estarão sempre a busca de "clientes", isto é, proprietários que não possam comprovar que possuam reservas ou que compraram CNRFs que as substituam.

Outra questão relacionada ao cumprimento da lei é a multa que deve ser aplicada aos transgressores. A multa por hectare deverá ser sempre superior ao certificado negociável de reserva florestal mais caro, para evitar que os proprietários prefiram pagá-la a comprar certificados ou a restaurar suas florestas. O sucesso do programa depende da competência e do empenho do Governo do Estado e do Poder Judiciário em fiscalizar e penalizar os infratores. Proprietários sem os 20% de reserva florestal comprarão os certificados somente se houver a coerção legal. Entretanto, a legislação federal deveria isentar da cobrança do Imposto Territorial Rural – ITR a parcela do imposto correspondente à área objeto do certificado adquirido, da mesma forma que são isentos do pagamento para áreas registradas como reservas legais.

A lei poderia também determinar um sistema de comitês regionais para facilitar o gerenciamento do programa, a participação da comunidade e a fiscalização do cumprimento da lei. Esses comitês deveriam ter representantes do Governo Estadual, proprietários rurais, fornecedores florestais, organizações ambientais e outros setores interessados. A representação dentro do comitê deveria ser equilibrada de forma a limitar o peso da influência dos proprietários (que têm interesses privados específicos na questão) em relação ao Governo e às organizações ambientais, cuja influência deve ser reforçada.

Aspectos ecológicos do Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal

Quando o Código Florestal foi promulgado em 1965 houve, por parte do legislador, uma preocupação somente com o desmatamento. A lei sugere que a principal função da florestas é conservar o solo e a água, não mencionando biodiversidade de nenhuma forma como um recurso a ser conservado. Em 1965, a biodiversidade não era considerada um recurso como atualmente o é, com a biotecnologia moderna e o valor sempre crescente dos recursos genéticos. Com os avanços da biotecnologia, a Mata Atlântica e sua grande biodiversidade são importantes recursos para a sociedade brasileira, tanto quanto para a global.

Há três níveis de biodiversidade (World Resources Institute, 1994): 1) o nível genético ou intra-específico, 2) o interespecífico (diversidade de espécies), e 3) o ecossistêmico (diversidade de ecossistemas). Para todos os três níveis, o tamanho e o formato dos fragmentos são muito importantes para a conservação da biodiversidade. Fragmentos muito pequenos causam a consangüinidade e não apresentam área suficiente para a

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sobrevivência de populações viáveis das espécies. O tamanho necessário de um fragmento varia de acordo com a espécie mas, dada a grande interdependência presente nos ecossistemas da floresta tropical, as espécies podem ser ameaçadas mesmo se tiverem área suficiente, se outras de que dependem exigirem maior área para sua sobrevivência (Almeida, 1997).

Outro fator importante é o chamado “efeito de borda” (World Resources Institute, 1994). Os ambientes adjacentes afetam os ecossistemas florestais em suas bordas. A luz do sol e o ar mais seco penetram na floresta mudando o ambiente nas suas margens. A proporção de áreas de borda relacionadas com o tamanho total do fragmento é uma função do tamanho (fragmentos menores proporcionalmente apresentam maior área de borda) e do formato (formatos mais compridos e estreitos apresentam proporcionalmente áreas de borda maiores que os de forma quadrada ou circular) dos fragmentos.

Ao invés de favorecer a fragmentação da floresta como o Código Florestal o faz, o Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal pode de fato melhorar a forma e o tamanho das áreas remanescentes. A classificação proposta neste artigo pode incluir tamanho e forma como fatores determinantes. Um hectare de florestas com largura e formato melhor poderia contar com um valor acrescido. Os proprietários beneficiar-se-iam em conservar suas melhores áreas e tentar restaurar e melhorar os piores fragmentos. Por exemplo, estabelecer corredores ecológicos entre os fragmentos daria ao proprietário uma melhor classificação da sua área florestal. À medida que as plantações de cacau forem sendo abandonadas para a constituição de reservas, elas permitiriam uma recuperação florestal e uma melhor classificação, possibilitando aos cacauicultores obter rendimento da terra antes indisponível para uma atividade econômica viável. Se alguns cacauicultores preferirem continuar sua atividade, eles ainda assim estariam aptos a vender CNRFs para suas áreas se mantiverem as plantações sob cobertura florestal nativa, embora neste caso tenham menor classificação que se simplesmente passassem à conservação. O lucro adicional poderia, contudo, ajudá-los a melhorar o rendimento com o cacau e mesmo permitir melhor controle das doenças dessa cultura, tais como a vassoura-de-bruxas (Crinipelis perniciosa), uma doença que causou a maior crise vista na região (Alger e Caldas, 1994)

Conclusão

Um Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal (CNRF) pode ser uma alternativa promissora para a conservação da Mata Atlântica na Bahia. Um programa deste tipo poderia fornecer aos proprietários de grandes áreas de terra um lucro adicional que iria estimular a conservação da floresta. Esse lucro extra seria combinado com outras atividades ambientalmente saudáveis, tais como ecoturismo, extrativismo, agrossilvicultura, Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e outras.

A participação do Governo no programa é essencial. De um lado, o Governo teria que promover a mudança das leis e regulamentos para permitir o sucesso do Programa. De outro, teria que controlar e fiscalizar o processo, e gerar e disseminar as informações requeridas para a execução do programa. É importante melhorar os recursos materiais e humanos das agências ambientais para dotá-las de instrumentos legais efetivos, evitar a burocracia e garantir a adequada participação do público.

Um aspecto importante é a mudança do papel dos proprietários de grandes áreas de floresta. Como incentivos econômicos promovem o cumprimento da lei, é provável que esses proprietários ajudem o governo a implantar o Programa. Seu maior interesse em

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suas áreas florestadas também reduzirá a probabilidade de invasões, já que os proprietários não terão interesse nas possíveis indenizações pagas pelo Incra. O Incra também reduziria seu interesse em áreas florestais para reforma agrária já que seria impossível declará-las como não produtivas.

Finalmente, o Programa iria reduzir o custo social do cumprimento da lei e reduzir o desmatamento. A legislação atual, se aplicada, reduziria o cultivo em áreas já abertas, com solos férteis, bom acesso a infra-estrutura e aos mercados. Ao se investir na recuperação florestal, aumentam-se os custos da produção de produtos agrícolas. O Programa de Certificados Negociáveis de Reserva Florestal, ao contrário, protegeria os remanescentes florestais e promoveria a recuperação das florestas, normalmente em áreas menos favoráveis à agricultura. Custos mais baixos de oportunidade nestas áreas e menores custos de fiscalização tornariam esta proteção menos custosa. Este Programa poderia ser aplicável não somente no Estado da Bahia, mas também em outros estados do Brasil onde a maioria das florestas estão necessitando de restauração e proteção.

Um argumento comum contra esta proposta é geralmente as presumidas falta de capacidade do Governo ou falta de interesse em salvar a Mata Atlântica. Minha resposta a esse argumento é que este fator afetaria mais parques estaduais e outras unidades de conservação, em que o interesse econômico é muito menos evidente. Contudo, os grupos de conservação continuam a propor a criação de unidades de conservação a despeito da presumida falta de capacidade do Governo em geri-las adequadamente. Considero essa visão sobre o Governo pouco útil para a solução dos problemas de conservação. É melhor encontrar modos de combinar os interesses públicos e privados de forma que o Governo seja capacitado a promover a conservação, fazer cumprir a lei, e contribuir para os interesses da sociedade agora e no futuro. Muito ainda pode ser discutido sobre esta proposta. Agradeço contribuições, especialmente nos campos da economia, legislação, instituições e ecologia, onde penso que maiores pesquisas seriam necessárias.

Referências

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