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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N 38.353 - RIO DE JANEIRO (1993/0024566-0) RELATOR RECTE ADVOGADO RECDO ADVOGADO RECDO ADVOGADO : : : : : : MIN. ARI PARGENDLER OSMAR AVELLAR DE MOURA E OUTROS ELCIO PERES MACHADO JOSE CARMO DE AZEVEDO E CONJUGE ANDRE LUIS NOGUEIRA E OUTROS CARLOS THEODORO DE MOURA JUNIOR ESPOLIO : ELCIO PERES MACHADO EMENTA CIVIL. NEGCIO JURDICO. INCAPACIDADE MENTAL DO VENDEDOR. NULIDADE. Nulidade de compra e venda em face da ' insanidade mental' de uma das partes (CC, art. 5, II), ainda que o fato seja desconhecido da outra. Hiptese, todavia, em que o status quo ante s ser restabelecido, quando os herdeiros do incapaz restiturem o montante do preo recebido, corrigido monetariamente, bem assim indenizarem as benfeitorias teis, sob pena de enriquecimento sem causa. Recurso especial conhecido e provido. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministras da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justia, na conformidade dos votos e das notas taquigrficas a seguir, prosseguindo o julgamento, aps o voto-vista do Sr. Ministro Menezes Direito, por maioria, vencido o Sr. Ministro Nilson Naves, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Waldemar Zveiter e Menezes Direito. Braslia, 1 de maro de 2001 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler Presidente e Relator

Documento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001

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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N 38.353 - RIO DE JANEIRO (93/0024566-0) RELATOR RECTE ADVOGADO RECDO ADVOGADO RECDO ADVOGADO : : : : : : MIN. ARI PARGENDLER OSMAR AVELLAR DE MOURA E OUTROS ELCIO PERES MACHADO JOSE CARMO DE AZEVEDO E CONJUGE ANDRE LUIS NOGUEIRA E OUTROS CARLOS THEODORO DE MOURA JUNIOR ESPOLIO : ELCIO PERES MACHADO RELATRIO O Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler Osmar Avelar de Moura props 'ao de anulao de escritura' contra o casal e Jos Carmo de Azevedo (fl. 02/03, 1o vol. ). O MM. Juiz de Direito Dr. Paulo Nader julgou procedente o pedido, destacando-se na sentena o seguinte trecho: "Considerando o teor dos dois pareceres mdicos e da palavra da testemunha Joaquim Fernandes de Farias de se reconhecer que os RR., ao adquirirem o imvel, o fizeram de pessoa absolutamente incapaz, tanto por natureza quanto por aparncia. Percebe-se que, embora personagem importante, pois alienante, o de cujus pouco ou nada influiu na venda, pois tudo deixava aos cuidados de sua esposa. inconcebvel, todavia, que ao se adquirir de algum um imvel no se tenha o cuidado de conhec- lo, seja diretamente ou por informaes. Se o negcio se fizesse com pessoas desconhecidas ou mediante procurao, poder-se-ia cogitar da boa-f dos adquirentes. No , todavia, a hiptese do caso concreto. Da no se poder cogitar no pretendido direito de reteno. A este respeito, sobressai de importncia, tambm, o fato de que os adquirentes no comprovaram benfeitorias" (fl. 151/152). A Egrgia Quinta Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, Relator o eminente Desembargador Humberto de Mendona Manes, reformou a sentena em acrdo assim ementado: "NEGCIO JURDICO. Embora a incapacidade por doena mental no derive da interdio, mas da prpria doena em si, o pedido de nulidade do negcio jurdico por demncia senil do vendedor deve desacolher-se se, ante as circunstncias do caso, se deixou de demonstrar m-f dos compradores, cuja boa-f de presumir- se. Provimento da apelao para julgar-se improcedente a pretenso de nulidade" (fl. 202). L-se no julgado: "A boa-f se presume e, na vertente hiptese, o digno prolator da sentena negou aos apelantes essa proteo porque, a seu ver, no desconheceriam eles a situao de incapacidade em que se encontrava o vendedor.Documento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 2 de 19

Superior Tribunal de JustiaEntendeu Sua Excelncia que, pessoa ilustre, o vendedor teria sua situao conhecida, sendo estranho que, ao invs de tratar com ele, os Apelantes se valessem, at nas negociaes preliminares, da mulher. Ora, as tratativas iniciaram-se por mediao de corretor, a pedido dos filhos e genros do vendedor, e tambm no h provas de que o intermedirio conhecesse a senilidade do futuro alienante. A proposta, por ele encaminhada aos Apelantes, foi por estes ltimos recusada, porque o preo era alto. Diminudo este, iniciaram-se os contatos, dos quais participou a mulher do vendedor. Ora, isso no estranho, porque todos os familiares, exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca oposio, concordaram com a venda. O contrato, por outro lado, veio a ser celebrado em Cartrio, com a presena do Tabelio, o que mais cercava de garantias o ato. Como, ento, destruir-se a presuno de boa-f simplesmente porque o negcio no foi tratado pelo marido, mas pela mulher, filhos e genros ? Mais uma vez, portanto, colocam-se nos dois pratos da mesma balana os seguintes interesses: de um lado, a proteo ao incapaz, ainda que no interditado (Cdigo Civil, artigos 5, II, 84 e 145, I), que conduziria invalidade do ato; de outro, a tutela ao contraente de boa-f, principio que inspira e impregna todos os ordenamentos jurdicos" (fl. 204/205, 2 vol.). Seguiram-se embargos de declarao (fl. 208/216, 2 vol.), rejeitados (fl. 218/219, 2 vol.), renovados (fl. 221/222 e 224/226, 2 vol.) e no decididos (fl. 224, 2 vol.). Osmar Avelar de Moura interps, ento, recurso especial, com base no artigo 105, inciso III, letras "a", "b" e "c", da Constituio Federal, por violao dos artigos 5, II, 84 e 145, I, do Cdigo civil (fl. 244/249), com aditamento (fl. 251/254). Na sesso de 18 de fevereiro de 1999, a Turma "converteu o julgamento em diligncia, independentemente de acrdo, para que na origem sejam apreciados os embargos de declarao s folhas 221 dos autos" fl. 287). A final, a Egrgia Quinta Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, Relator o eminente Desembargador Marcus Faver, rejeitou os embargos de declarao em acrdo de seguinte ementa: "Embargos de declarao em acrdo de primitivos embargos declaratrios. Negcio jurdico. Alegada incapacidade do vendedor. Inexistncia de interdio. Vcio de omisso ou contradio atribudo ao acrdo proferido na apelao e no analisado em anteriores embargos. Suposta anlise equivocada da prova. As eivas que, em tese, ensejam embargos, ho de ser apontadas nas proposies formais do pronunciamento atacado. Eventual error in judicando no propicia a interposio do recurso especfico" (fl. 291).

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Superior Tribunal de JustiaVOTO O Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler Os autos do conta de que, poca do negcio jurdico, o de cujus j no tinha capacidade para os atos da vida civil, comprometida por doena prpria a idade avanada. No obstante acordes a esse respeito, as instncias ordinrias divergiram a respeito do pedido, porque ao Juiz pareceu que o adquirente, pessoa conhecida do vendedor, sabia do estado de sade deste, diferentemente do Tribunal a cujo entendimento o fato deveria ter sido provado cumpridamente. Aparentemente no h precedentes, no mbito do Superior Tribunal de Justia, a respeito da nulidade do negcio jurdico em face da 'insanidade mental' de uma das partes (CC, art. 5, II), quando o fato desconhecido da outra. O Supremo Tribunal Federal tem precedentes em que o conhecimento do fato pela outra parte serviu de reforo para a decretao da nulidade do negcio jurdico, conforme se depreende da ementa dos seguintes acrdos. RE 88.916, PR, Relator o Ministro Dcio Miranda "Civil. 1. Incapacidade. Anulabilidade de escritura de transmisso de direitos sobre imvel, por motivo de incapacidade da transmitente. No depende de prvia interdio o reconhecimento da nulidade, se a incapacidade, alm de notria, era conhecida do outro contraente. 2) Prova de pagamento. Documentos que se combinara, inclusive declarao em escritura, comprovam o pagamento. 3. Para simples reexame de provas no cabe recurso extraordinrio" (RTJ n 91, p. 275). RE n 100.093, PR, Relator Ministro Nri da Silveira "Atos jurdicos. Nulidade. Incapacidade absoluta do vendedor. Alienao mental. Embora realizados os negcios jurdicos antes da sentena de interdio do vendedor, os atos jurdicos so nulos, e assim podem ser declarados, se, poca de sua celebrao, era, inequvoca e notria, a incapacidade absoluta de uma das partes, conhecida, inclusive, da outra parte contratante. Cdigo Civil, arts. 5, II, 145, I e 169, I. Precedentes do Supremo Tribunal Federai. Recurso extraordinrio no conhecido" (DJU, 08.11.84, p. 8.770). O Tribunal a quo, declarando no elidida a boa-f do adquirente, sopesou dois interesses: "de ura lado, a proteo ao incapaz, ainda que no interditado (Cdigo Civil, artigos 5, II, 84 e 145, I), que conduziria invalidade do ato; de outro, a tutela ao contraente de boa-f, princpio que inspira e impregna todos os ordenamentos jurdicos" (fl. 205, 2 vol. ). E decidiu: "O interesse prevalente, assim ocorrendo, deve ser o do ltimo,Documento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 4 de 19

Superior Tribunal de Justiaconcluindo-se pela validade o negcio" (fl. 205, 2 vol. ). Diversamente, Pontes de Miranda escreveu que: "A respeito de incapacidade, primacial o princpio da preponderncia da tutela do incapaz; se alguma regra jurdica o limita, excepcional. No h, portanto, pensar-se em princpio da preponderncia da tutela do trfico jurdico, ou, sequer, em princpio de equilbrio de tutelas do incapaz e do trfico jurdico - tais princpios foram apenas sugestes polticas. O direito procura proteger os fracos, at onde lhe parea que no se ho de considerar atos ilcitos absolutos os atos que eles pratiquem" (Tratado de Direito Privado, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1970, Tomo IV, p. 110). Assim, salvo melhor juzo, o acrdo recorrido contrariou o artigo 5, I, 84 e 45, I do Cdigo Civil, merecendo reforma. Diferentemente do que decidiu a sentena, a imisso na posse do imvel fica condicionada restituio do montante do preo da compra e venda, corrigido monetariamente, bem assim indenizao das benfeitorias teis. Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para anular o contrato de compra e venda, condenando os rus ao pagamento das custas e dos honorrios de advogado base de quinze por cento sobre o valor da causa, assegurado o direito de reteno do imvel enquanto no for devolvido o montante do preo, corrigido monetariamente, e indenizadas as benfeitorias teis.

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Superior Tribunal de JustiaCERTIDO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Nro. Registro: 1993/0024566-0PAUTAI 09/11/1999

RESP 38353/RJJULGADO: 09/11/1999

Relator Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER Presidente da Sesso Exmo. Sr. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO Subprocurador-Geral da Repblica Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES Secretrio (a) SOLANGE ROSA DOS SANTOS AUTUAORECTE ADVOGADO RECDO ADVOGADO RECDO ADVOGADO : : : : : : OSMAR AVELLAR DE MOURA E OUTROS ELCIO PERES MACHADO JOSE CARMO DE AZEVEDO E CONJUGE ANDRE LUIS NOGUEIRA E OUTROS CARLOS THEODORO DE MOURA JUNIOR - ESPOLIO ELCIO PERES MACHADO

SUSTENTAO ORAL Sustentou oralmente, o Dr. Elcio Peres Machado, pelos recorrentes. CERTIDO Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epigrafe, em sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso: "Apos o voto do Sr. Ministro Relator, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, solicitou vista dos autos o Sr. Ministro Nilson Naves. Aguardam os Srs. Ministros Menezes Direito e Waldemar Zveiter. " Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro. O referido verdade. Dou f. Braslia, 9 de novembro de 1999

SOLANGE ROSA DOS SANTOS Secretrio(a)

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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N 38.353/RIO DE JANEIRO REGISTRO 93245660 VOTO (VISTA) O EXM SR. MINISTRO NILSON NAVES: Trata-se de pretenso de anular escritura de venda, porque o vendedor, consoante a petio inicial, era portador de demncia senil, que o incapacitava "absolutamente para o exerccio, pessoal, dos atos da vida civil", acolhida pela sentena mas rejeitada pelo acrdo. Eis o relatrio do Ministro Ari Pargendler (l-se). Segundo o acrdo da relatoria do Desembargador Mendona Manes, "Mais uma vez, portanto, colocam-se nos dois pratos da mesma balana os seguintes interesses: de um lado, a proteo ao incapaz, ainda que no interditado (Cdigo Civil, artigos 5o, II, 84 e 145, I), que conduziria invalidade do ato; de outro, a tutela ao contraente de boa-f, princpio que inspira e impregna todos os ordenamentos jurdicos", e ali se entendeu, acolhendo-se a opinio do Relator, que: "O interesse prevalente, assim ocorrendo, deve ser o do ltimo, concluindo-se pela validade do negcio". A propsito da boa-f, escreveu o professor portugus Menezes Cordeiro, (I) "A boa f surge, com freqncia, no espao civil. Desde as fontes do Direito sucesso testamentria, com incidncia decisiva no negcio jurdico, nas obrigaes, na posse e na constituio de direitos reais, a boa f informa previses normativas e nominal vectores importantes da ordem privada", (II) "O comportamento das pessoas deve respeitar um conjunto de deveres reconduzidos, num prisma juspositivo e numa ptica histrico-cultural, a uma regra de actuao de boa f. As incurses anteriores permitiram detectar esses deveres - e logo o aflorar dessa regra - no perodo pr- negocial, na constncia de contratos vlidos, em situaes de nulidades contratuais e na fase posterior extino de obrigaes" e (III) "A locuo venire contra factum proprium traduz o exerccio de uma posio jurdica em contradio com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente" (in "Da Boa F no Direito Civil", 1997, Livraria Almedina, Coimbra, pgs. 17, 632 e 742). Veja-se o que se disse na origem, reformando-se a sentena:"Ora, as tratativas iniciaram-se por mediao de corretor, a pedido dos filhos e genros do vendedor, e tambm no h provas de que o intermedirio conhecesse a senilidade do futuro alienante. A proposta, por ele encaminhada aos Apelantes, foi por estes ltimos recusada, porque o preo era alto. Diminudo este, iniciaram-se contatos, dos quais participou a mulher do vendedor. Ora, isso no estranho, porque todos os familiares, exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca oposio, concordaram com a venda. O contrato, por outro lado, veio a ser celebrado em Cartrio, com a presena do Tabelio, o que mais cercava de garantias o ato. Como, ento, destruir-se a presuno de boa-f simplesmente porque o negcio no foi tratado pelo marido, mas pela mulher, filhos e genros?"

Pois bem, quanto queles que at concordavam com a venda (note-se que boa parte dos familiares concordou com a venda), trata-se, a meu juzo, aDocumento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 7 de 19

Superior Tribunal de Justiapretenso de anular, de comportamento contraditrio (venire), tpico de exerccio inadmissvel de direito (Menezes Cordeiro, cit., pgs., 742 e segs. ), e, relativamente aos que se omitiram (" exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca, oposio"), quero, data venia do Relator Pargendler, aderir concluso do acrdo estadual, prestigiando, assim, ao que penso, a boa-f dos compradores. Isto , tratando-se de boa-f ("Como, ento, destruir-se a presuno de boa-f"), cuida-se de zelar pela posio dos que confiaram na realizao do negcio. Ora, "A proteo da confiana opera merc de preceitos especficos ou, em termos gerais, atravs da boa f, reunidos certos requisitos; o seu regime tende para a preservao da posio do confiante" (cit., pg. 1.299). Impe-se, assim, a proteo dos confiantes. Respeitosamente, no conheo do recurso especial.

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Superior Tribunal de JustiaCERTIDO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Nro. Registro: 1993/0024566-0PAUTA: 09/11/1999

RESP 00038353/RJJULGADO: 06/06/2000

Relator Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER Presidente da Sesso Exmo. Sr. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO Subprocurador-Geral da Repblica Exmo. Sr. Dr. RONALDO BONFIM SANTOS Secretrio (a) SOLANGE ROSA DOS SANTOS AUTUAORECTE ADVOGADO RECDO ADVOGADO RECDO ADVOGADO : : : : : : OSMAR AVELLAR DE MOURA E OUTROS ELCIO PERES MACHADO JOSE CARMO DE AZEVEDO E CONJUGE ANDRE LUIS NOGUEIRA E OUTROS CARLOS THEODORO DE MOURA JUNIOR - ESPOLIO ELCIO PERES MACHADO

CERTIDO Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epigrafe, em sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso: "Prosseguindo no julgamento, apos o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves, nao conhecendo do recurso especial, solicitou vista o Sr. Ministro Waldemar Zveiter. Aguarda o Sr. Menezes Direito. Nao participou do julgamento o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro ( 2,art. 162, RISTJ) O referido verdade. Dou f. Braslia, 6 de junho de 2000

SOLANGE ROSA DOS SANTOS Secretrio(a)

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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N. 38353 - RIO DE JANEIRO VOTO-VISTA O EXMO SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Para relembrar a hiptese leio o relatrio redigido pelo em. Ministro Ari Pargendler, relator:"Osmar Avelar de Moura props "ao de anulao de escritura' contra o casal Jos Carmo de Azevedo (fls. 02/03, 1o vol. ). O MM Juiz de Direito Dr. Paulo Nader julgou procedente o pedido, destacando-se na sentena o seguinte trecho: "Considerando o teor dos dois pareceres mdicos e da palavra da testemunha Joaquim Fernandes de Farias de se reconhecer que os RR., ao adquirirem o imvel, o fizeram de pessoa absolutamente incapaz, tanto por natureza quanto por aparncia. Percebe-se que, embora personagem importante, pois alienante, o de cujus pouco ou nada influiu na venda, pois tudo deixava aos cuidados de sua esposa. inconcebvel, todavia, que ao se adquirir de algum um imvel no se tenha o cuidado de conhec-lo, seja diretamente ou por informaes. Se o negcio de fizesse com pessoas desconhecidas ou mediante procurao, poder-se-ia cogitar da boa-f dos adquirentes. No , todavia, a hiptese do caso concreto. Da no se poder cogitar do pretendido direito de reteno. A este respeito, sobressai de importncia, tambm, o fato de que os adquirentes no comprovaram benfeitorias" (fl. 151/152). A Egrgia Quinta Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, Relator o eminente Desembargador Humberto de Mendona Manes, reformou a sentena em acrdo assim ementado: "NEGCIO JURDICO. Embora a incapacidade por doena mental no derive da interdio, mas da prpria doena em si, o pedido de nulidade do negcio jurdico por demncia senil do vendedor deve desacolher-se se, ante as circunstncias do caso, se deixou de demonstrar m-f dos compradores, cuja boa-f de presumir-se. Provimento da apelao para julgar-se improcedente a pretenso de nulidade. "(fl. 202). L-se do julgado: "A boa-f se presume e, na vertente hiptese, o digno prolator da sentena negou aos apelantes essa proteo porque, a seu ver, no desconheciam eles a situao de incapacidade em que se encontrava o vendedor. Entendeu Sua Excelncia que. pessoa ilustre, o vendedor teria sua situao conhecida, sendo estranho que, ao invs de tratar com ele, os Apelantes se valessem, at nas negociaes preliminares, da mulher. Ora, as tratativas iniciaram-se por mediao de corretor, a pedido dos filhos e genros do vendedor, e tambm no h provas de que o intermedirio conhecesse a senilidade do futuro alienante. A proposta, por ele encaminhada aos Apelantes, foi por estes ltimos recusada, porque o preo era alto. Diminudo este, iniciaram-se os contatos, dos quais participou a mulher do vendedor. Ora, isso no estranho, porque todos os familiares, exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca oposio, concordaram com a venda. O contrato, por outro lado, veio a ser celebrado em Cartrio, com a presena do Tabelio, o que mais cercava de garantias o ato. Como, ento, destruir-se a presuno de boa-f simplesmente porque o negcio no foi tratado pelo marido, mas pela mulher, filhos e genros?Documento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 1 0 de 19

Superior Tribunal de JustiaMais uma vez, portanto, colocam-se nos dois pratos da mesma balana os seguintes interesses: de um lado, a proteo ao incapaz, ainda que no interditado (Cdigo Civil artigos 5o, II, 84 e 145, I), que conduziria invalidade do ato; de outro, a tutela ao contraente de boa-f, princpio que inspira e impregna todos os ordenamentos jurdicos' (fls. 204/205, 2o vol. ). Seguiram-se embargos de declarao (fls. 208/216, 2o vol. ), rejeitados (fl. 218/219, 2o vol. ), renovados (fl. 221/222 e 224/226.2 o vol. ) e no decididos (fl. 224, 2 vol. ). Osmar Avelar de Moura interps, ento, recurso especial, com base no artigo 105, inciso III, letras "a" e "c", da Constituio Federal, por violao dos artigos 5. Il, 84 e 145, I do Cdigo Civil (fl. 244/249), com aditamento (fl. 251/254). Na sesso de 18 de fevereiro de 1999, a Turma, "converteu o julgamento em diligncia, independentemente de acrdo, para que na origem sejam apreciados os embargos de declarao s folhas 221 dos autos" (fls. 287). A final, a Egrgia Quinta Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, Relator o eminente Desembargador Marcus Faver. rejeitou os embargos de declarao em acrdo de seguinte ementa: "Embargos de declarao em acrdo de primitivos embargos declaratrios. Negcio jurdico. Alegada incapacidade do vendedor. Inexistncia de interdio. Vcio de omisso ou contradio atribudo ao acrdo proferido na apelao e no analisado em anteriores embargos. Suposta anlise equivocada da prova. As eivas que, em tese, ensejam embargos, ho de ser apontadas nas proposies formais do pronunciamento atacado. Eventual error in judicando no propicia a interposio do recurso especifico. " (fl. 291).

O em. Ministro Relator, citando a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal e a doutrina de Pontes de Miranda, conheceu e deu provimento ao Recurso Especial para anular o contrato de compra e venda, nos seguintes termos:"Os autos do conta de que. poca do negcio jurdico, o de cujus j no tinha capacidade para os atos da vida civil, comprometida por doena prpria da idade avanada. No obstante acordes a esse respeito, as instncias ordinrias divergiram a respeito do pedido, porque ao Juiz pareceu que o adquirente, pessoa conhecida do vendedor, sabia do estado de sade deste, diferentemente do Tribunal a cujo entendimento o fato deveria ter sido provado cumpridamente. Aparentemente no h precedente, no mbito do Superior Tribunal de Justia, a respeito da nulidade do negcio jurdico em face da 'insanidade mental' de uma das partes (CC, art. 5, II), quando o fato desconhecido da outra. O Supremo Tribunal Federal tem precedentes em que o conhecimento do fato pela outra parte serviu de reforo para a decretao da nulidade do negcio jurdico, conforme se depreende da ementa dos seguintes acrdos. RE 88.916, PR, Relator o Ministro Dcio Miranda "Civil. 1. Incapacidade. Anulabilidade de escritura de transmisso de direitos sobre imvel, por motivo de incapacidade de transmitente. No depende de prvia interdio o reconhecimento da nulidade, se a incapacidade, alm de notria, era conhecida do outro contraente. 2. Prova de pagamento. Documentos que se combinam, inclusive declarao em escritura, comprovam o pagamento. 3. Para simples reexame de provas no cabe recurso extraordinrio" (RTJ n. 91, p. 275). RE n 100.093, PR, Relator Ministro Nri da Silveira "Atos jurdicos. Nulidade. Incapacidade absoluta do vendedor. Alienao mental. Embora realizados os negcios jurdicos antes da sentena de interdio doDocumento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 1 1 de 19

Superior Tribunal de Justiavendedor, os atos jurdicos so nulos, e assim podem ser declarados, se, poca de sua celebrao, era, inequvoca e notria a incapacidade absoluta de uma das partes, conhecida, inclusive, da outra parte contraente. Cdigo Civil, arts. 5, II, 145, I e 169, I. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinrio no conhecido. "(DJU, 08.11.84, P. 8.770). O Tribunal a quo, declarando no elidida a boa-f do adquirente, sopesou dois interesses: "de um lado, a proteo ao incapaz, ainda que no interditado (Cdigo Civil, artigos 5, II, 84 e 145, I), que conduziria invalidade do ato; de outro, a tutela ao contraente de boa-f, princpio que inspira e impregna todos os ordenamentos jurdicos" (fl. 205, 2o vol. ). E decidiu: "O interesse prevalente, assim ocorrendo, concluindo-se pela validade do negcio" (fl. 205, 2 vol. ). Diversamente, Pontes de Miranda escreveu que: "A respeito da incapacidade, primacial o principio da preponderncia da tutela do incapaz; se alguma regra jurdica o limita, excepcional. No h, portanto, pensar-se em princpio da preponderncia da tutela do trfico jurdico, ou, sequer, em principio de equilbrio de tutelas do incapaz e do trfico jurdico - tais princpios foram apenas sugestes polticas. O direito procura proteger os fracos, at onde lhe parea que no se ho de considerar atos ilcitos absolutos os atos que eles pratiquem" (Tratado de Direito Privado, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1970, Tomo IV, p. 110). Assim, salvo melhor juzo, o acrdo recorrido contrariou o artigo 5,. /, 84 e 145, I do Cdigo Civil, merecendo reforma. Diferentemente do que decidiu a sentena, a imisso na posse do imvel fica condicionada restituio do montante do preo da compra e venda, corrigido monetariamente, bem assim indenizao das benfeitorias teis. Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para anular o contrato de compra e venda, condenando os rus ao pagamento das custas e dos honorrios de advogado base de quinze por cento sobre o valor da causa, assegurado o direito de reteno do imvel enquanto no for devolvido o montante do preo, corrigido monetariamente, e indenizadas as benfeitorias teis. " deve ser o do ltimo,

O em. Ministro Nilson Naves solicitou vista dos autos e divergiu do relator. Aduziu que deveria prevalecer o princpio da boa-f e a proteo daqueles que confiaram na concretizao do negcio jurdico, salientando em seu d. voto:"Pois bem, quanto queles que at concordavam com a venda (veja-se que boa parte dos familiares concordou com a venda), trata-se, a meu juzo, a pretenso de anular, de comportamento contraditrio (venire) , tpico de exerccio inadmissvel de direito (Menezes Cordeiro, cit., pgs. 742 e segs. ), e, relativamente aos que se omitiram (" exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca, oposio), quero, data venia do Relator Pargendler, aderir concluso do acrdo estadual, prestigiando, assim, ao que penso, a boa-f dos compradores. Isto , tratando-se de boa-f ("Como, ento, destruir- se a presuno de boa-f"), cuida-se de zelar pela posio dos que confiaram na realizao do negcio. Ora, "A proteo da confiana opera merc de preceitos especficos ou, em termos gerais, atravs da boa-f, reunidos certos requisitos; o seu regime tende para a preservao da posio do confiante" (cit. pg. 1.299). Impe-se, assim, a proteo dos confiantes. Respeitosamente, no conheo do recurso especial. "

A singularidade da questo posta em discusso levou-me a pedir vista dos autos.Documento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 1 2 de 19

Superior Tribunal de Justia fora de dvida que poca da celebrao da compra e venda e at mesmo antes, o alienante varo era portador de doena senil e estava incapacitado para os atos da vida civil. Existem laudos mdicos que comprovam tal afirmao e os testemunhos, embora alguns com menos nfase do que outros, so unnimes em afirmar que aquele tinha problemas de sade. Segundo, ainda, os testemunhos, o negcio jurdico foi efetivado para proporcionar viva meios sua subsistncia, bem como a de seu marido doente, uma vez que no recebia ajuda dos filhos, inclusive do prprio autor. O intermediador, bem como os compradores eram amigos da famlia, estes ltimos, vizinhos de longa data, por isso os procurou quando a viva mostrou interesse em vender o imvel. No crvel, portanto, que no conhecessem o estado de sade do de cujus. Fao tais consideraes no para mostrar que no houve m-f. Ao contrrio, da leitura que fiz dos autos pareceu-me que a verdadeira inteno era ajudar a esposa, que passava por dificuldades financeiras. Ocorre que a legislao que rege a matria enftica ao dizer nulo o negcio realizado por pessoa absolutamente incapaz. A proteo que se visa no a de herdeiros, nem mesmo do cnjuge, e sim, do prprio incapaz, no sentido de evitar que pessoas inescrupulosas, aproveitando-se de sua situao, tirem proveito, despojando-o de seus bens, deixando-o sem condies de prover a prpria subsistncia. Comentando o instituto da capacidade em nosso direito, CAIO MRIO DA SILVA PEREIRA leciona:"O instituto da incapacidade foi imaginado e construdo sobre uma razo moralmente elevada, que proteo do que so portadores de uma deficincia juridicamente aprecivel. Esta a idia fundamental que o inspira, e acentu-lo de suma importncia para a sua projeo na vida civil, seja no tocante aplicao dos princpios legais definidores, seja na apreciao dos efeitos respectivos ou no aproveitamento e na ineficcia dos atos jurdicos praticados pelos incapazes. A lei no institui o regime das incapacidades com o propsito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem, mas ao revs, com o intuito de lhes oferecer proteo, atendendo a que uma falta de discernimento, de que sejam pacientes, aconselha tratamento especial, por cujo intermdio o ordenamento jurdico procura restabelecer um equilbrio psquico, rompido em conseqncia das condies peculiares dos mentalmente deficitrios . "(lnstituies de Direito Civil, vol. I, pg. 180).

Sobre os absolutamente incapazes diz:"Apurada a insanidade, em processo regular, o juiz pronunciar a interdio do enfermo com a nomeao de curador que o represente em atos da vida civil, e observncia dos dispositivos especiais da lei de fundo (Cdigo Civil) e da lei formal (Cdigo de Processo Civil). Pronunciado o decreto judicial de interdio, ao interdito recusada a capacidade de exerccio, e, por conseguinte, nulo qualquer ato por ele praticado. Mas, como no direito brasileiro a sentena proferida no processo de interdio tem efeito declaratrio, e no constitutivo, no o decreto de interdio que cria a incapacidade, porm, a alienao mental. Da positivar-se que, enquanto no apurada a demncia pela via legal, a loucura uma circunstncia de fato a ser apreciada em cada caso, e verificada a participao do alienado em um negcio jurdico, poder ser este declarado ineficaz. " (op. cit. pg. 185).Documento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 1 3 de 19

Superior Tribunal de JustiaE assim porque para a validade de qualquer ato jurdico primordial e de sua prpria essncia que as partes manifestem livremente a sua vontade. Para que receba chancela do ordenamento jurdico e possa produzir todos os seus efeitos, preciso que observe certos requisitos, dentre os quais a capacidade do agente, sem a qual o negcio no se perfectibiliza. MARIA HELENA DINIZ, comentando os artigos 82 e 145 do Cdigo Civil leciona:"Art. 82: II - Capacidade do agente. Como todo ato negocial pressupe uma declarao de vontade, a capacidade do agente indispensvel sua participao vlida na seara jurdica. Tal capacidade poder ser: a) geral, ou seja, a de exercer direitos (Geschftsfhigkeit) por si, logo o ato praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representao ser nulo (CC, art. 145, I) e o realizado pelo relativamente incapaz sem assistncia ser anulvel (CC, art. 157, I); b) especial, ou legitimao, requerida para a validade de certos negcios em dadas circunstncias (p. ex. pessoa casada plenamente capaz, embora no tenha capacidade para vender imvel sem autorizao do outro consorte ou suprimento judicial desta - CC, arts. 235 e 242). " ...................................................................................................................... "Art. 145: II - Efeitos da nulidade absoluta. Com a declarao da nulidade absoluta do negcio jurdico, este no produzir qualquer efeito por ofender princpios de ordem pblica, por estar inquinado por vcios essenciais. Por exemplo, se for praticado por pessoa absolutamente incapaz (CC, art. 5); (... )"

Diz, ainda, a respeito do art. 146: "II - Proibio de suprimento judicial. A nulidade absoluta no poder ser suprida pelo juiz, ainda que a requerimento dos interessados, sendo tambm insuscetvel de ratificao ou de confirmao. " (Cdigo Civil Anotado, 1995, pgs. 93 e 144/145) No h, portanto, segundo a sistemtica adotada pelo Cdigo Civil, que se perquirir da boa ou m-f dos adquirentes. O que importa que o ato foi realizado por pessoa absolutamente incapaz, o que o torna nulo pleno iure, segundo a dico do art. 145, I do Cdigo Civil. Os absolutamente incapazes no podem praticar nenhum negcio jurdico vlido sem que estejam representados. A introduo do elemento boa-f dos adquirentes para validar o negcio jurdico feito por pessoa absolutamente incapaz, a meu sentir, introduz princpio no cogitado pelo legislador. Por isso, entendo melhor a soluo dada pelo em. Ministro Relator, que recompe as partes ao estado anterior, reconhecendo aos compradores o direito de reteno at que sejam ressarcidos pelo que pagaram. como voto.

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Superior Tribunal de JustiaCERTIDO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Nro. Registro: 1993/0024566-0PAUTA: 09/11/1999

RESP 00038353/RJJULGADO: 15/12/2000

Relator Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER Presidente da Sesso Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER Subprocurador-Geral da Repblica Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES Secretrio (a) SOLANGE ROSA DOS SANTOS AUTUAORECTE ADVOGADO RECDO ADVOGADO RECDO ADVOGADO : : : : : : OSMAR AVELLAR DE MOURA E OUTROS ELCIO PERES MACHADO JOSE CARMO DE AZEVEDO E CONJUGE ANDRE LUIS NOGUEIRA E OUTROS CARLOS THEODORO DE MOURA JUNIOR - ESPOLIO ELCIO PERES MACHADO

CERTIDO Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epigrafe, em sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso: "Prosseguindo o julgamento, aps o voto-vista do Sr. Ministro Waldemar Zveiter, conhecendo do recurso especial e dando provimento, solicitou vista o Sr. Ministro Menezes Direito. " O referido verdade. Dou f. Braslia, 15 de dezembro de 2000

SOLANGE ROSA DOS SANTOS Secretrio(a)

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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N 38.353 - RIO DE JANEIRO VOTO VISTA O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO O recorrente Osmar Avelar de Moura ajuizou ao de anulao de escritura alegando que seu pai, Carlos Teodoro, ento com 83 anos, em 19/07/88, assinou a venda do imvel denominado "Stio Cachoeirinha", localizado em Valena, Rio de Janeiro; sendo o imvel vendido por valor muito inferior ao real, para preservar o patrimnio familiar, no se conformou com a venda, intentando duas medidas cautelares, conseguindo xito; a primeira para suspender o registro e a segunda de vistoria, com a nomeao de perito mdico para verificar se seu pai tinha condies mentais para o ato que praticou, sendo que foi constatada a presena de demncia senil, incapacitante para o exerccio dos atos da vida civil; que em razo desses fatos pede a anulao da referida escritura. A sentena, proferida em 1992, considerou robusta a prova dos autos que indica a insanidade mental do vendedor, j poca falecido, e julgou procedente o pedido declarando nulo o contrato de compra e venda. O Tribunal de Justia do Rio de Janeiro, contudo, proveu o apelo. Reconheceu o Acrdo recorrido que o vendedor, efetivamente, nos termos da prova produzida, era incapaz por fora da demncia, nos termos do art. 5o, II, do Cdigo Civil. Mas, considerou o Acrdo recorrido que o vendedor no estava interditado, o que causaria a invalidade absoluta do ato, advertindo que "no a interdio, por si, que cria a incapacidade, mas sim a impossibilidade, decorrente de demncia caracterizada, de o falecido praticar, por si, os atos da vida civil. Um raciocnio puramente matemtico, assim, conduziria, por essa nica razo, nulidade do contrato de compra e venda". Todavia, argumentou o Acrdo recorrido, o direito no matemtica, "e a nulidade do ato decorrente de incapacidade desconhecida por terceiro poderia acarretar intranqilidade na ordem Jurdica, tornando inseguras as relaes intersubjetivas. Procurou-se ento - e essa a orientao doutrinria e jurisprudencial - atenuar a lgica matemtica para adequar-se a questo realidade da vida, fazendo com que o parecer sem ser, em certas circunstncias, provoque conseqncias no ordenamento". Com tal fundamento, o Acrdo recorrido presumiu a boa-f dos adquirentes destacando que "as tratativas iniciaram-se por mediao de corretor, a pedido dos filhos e genros do vendedor, e tambm no h provas de que o intermedirio conhecesse a senilidade do futuro alienante. A proposta por ele encaminhada aos Apelantes, foi por estes ltimos recusada, porque o preo era alto. Diminudo este, iniciaram-se contatos, dos quais participou a mulher do vendedor. Ora, isso no estranho, porque todos os familiares, exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca oposio, concordaram com a venda". Entre a invalidade do ato, com a proteo do incapaz, e a tutela do contratante de boa-f, o Acrdo recorrido optou pela validade do ato, prestigiando a boa-f. O eminente Relator, Ministro Ari Pargendler, conheceu e proveu oDocumento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 1 6 de 19

Superior Tribunal de Justiaespecial para anular o contrato de compra e venda, assegurando o direito de reteno do imvel enquanto no for devolvido o montante do preo, corrigido monetariamente, e indenizadas as benfeitorias teis. O ilustre Relator apoiou-se em Pontes de Miranda para afirmar o "princpio da preponderncia da tutela do incapaz". Em voto vista, o eminente Ministro Waldemar Zveiter considerou que a "introduo do elemento boa-f dos adquirentes para validar o negcio jurdico feito por pessoa absolutamente incapaz, a meu sentir, introduz princpio no cogitado pelo legislador'', acompanhando a soluo oferecida pelo Relator. Divergiu o Senhor Ministro Nilson Naves, anotando que "quanto queles que at concordavam com a venda (veja-se que boa parte dos familiares concordou com a venda), trata-se, a meu juzo, a pretenso de anular, de comportamento contraditrio (venire), tpico de exerccio inadmissvel de direito (Menezes Cordeiro, cit. pgs. 742 e segs. ), e, relativamente aos que se omitiram (' exceo dos primeiros Apelados, que no apresentaram, na poca, oposio'), que data venta do Relator Pargendler, aderir concluso do acrdo estadual, prestigiando, assim, ao que penso, a boa-f dos compradores. Isto , tratando-se de boa-f ('Como, ento, destruir-se a presuno de boa-f'), cuida-se de zelar pela posio dos que confiaram na realizao do negcio. Ora, 'A proteo da confiana opera merc de preceitos especficos ou, em termos gerais, atravs da boa-f, reunidos certos requisitos; o seu regime tende para a preservao da posio do confiante' (cit., pg. 1.299). Impe-se, assim, a proteo dos confiantes ". A questo , realmente, provocante. Evidente que o passo inaugural, a meu juzo, definir a natureza da incapacidade, tratando-se de doena mental. J decidi, em outra ocasio, que a expresso do Cdigo Civil "loucos de todo o gnero", dos idos de 1916, deve ser compatibilizada com o avano da medicina. Hoje em dia, somente a falncia do juzo de realidade explica a incapacidade por essa via, assim mesmo devendo ser considerado o tipo de patologia. Nos ensinamentos de Robert Wettstein, com relao aos temas de competncia testamentria, por exemplo, os elementos relevantes so a conscincia, por parte da pessoa, de que est assinando o seu prprio testamento, a capacidade para avaliar a quantidade e qualidade de seus bens, para compreender quem so seus herdeiros, e para no ser submetido a uma influncia indevida por qualquer pessoa envolvida no processo (cf. Talbott, Hales e Yudofsky, Tratado de Psiquiatria, Ed. Artes Mdicas, Porto Alegre, 1992, pgs. 796). Em certos casos, deve ser levado em conta a pertinncia do ato praticado, a revelar estado que no se enquadra naquela falncia do juzo de realidade, como pode ocorrer em diagnstico de esquizofrenia, um dos transtornos mais interessantes e desafiadores para a psiquiatria (sobre o tema ver AC n 1.363/92, do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro, de que fui Relator). No presente feito, porm, dvida no h sobre o diagnstico apresentado no laudo pericial que indica demncia senil, "que o incapacita absolutamente para o exerccio, pessoal, dos atos da vida civil" (fls. 15). certo que em psiquiatria, como ensinam Perry e Markowitz, "as manifestaesDocumento: IT58126 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJ: 23/04/2001 Pgina 1 7 de 19

Superior Tribunal de Justiaclnicas de demncia variam amplamente de um indivduo para o outro, e em um indivduo em momentos distintos. Portanto, exceto nos estgios finais de uma demncia global severa, no existe paciente demenciado tpico. Os sintomas e sinais de demncia tambm dependem de qual regio anatmica est predominantemente afetada" (cf. Talbott, Hales e Yudofsky, Tratado de Psiquiatria, Ed. Artes Mdicas, Porto Alegre, 1992, pgs. 213). Ao que tudo indica, como assentado no laudo pericial, o vendedor portava uma demncia severa irreversvel, com o que, efetivamente, fica evidenciada a sua incapacidade para o ato praticado. A expresso do velho Cdigo Civil alemo, configurando o estado de perturbao mental mrbida que exclui o livre arbtrio, no sendo momentneo segundo a sua natureza, explica com maior clareza a nulidade pelo fato do alheamento do vendedor, que, segundo o prprio laudo, no tinha a menor noo do negcio que havia feito. Na disciplina do Cdigo Civil (art. 145, I), existe nulidade no ato praticado pelo incapaz. Segundo a antiga lio de Martinho Garcez, o "contrato nulo de pleno direito, ou inexistente, no opera a transferncia da propriedade" (Das Nulidades dos Atos Jurdicos, RENOVAR, Rio, 3a ed., 1997, Revista e anotada por Martinho Garcez Neto, pgs. 216). Embora criativa a interpretao oferecida pelo Acrdo recorrido, no creio seja possvel tomar existente aquele ato que est manchado de nulidade pelo comando legal expresso, sendo, portanto, inexistente. A boa-f, por mais forte que seja a inteno de proteg-la, no pode sobrepor-se ao ato nulo, no existente. A proteo vai operar-se, sempre, sem violentar a disciplina positiva, tal e qual est nos votos dos Senhores Ministros Ari Pargendler e Waldemar Zveiter, que acompanho, pedindo vnia ao Senhor Ministro Nilson Naves.

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Relator Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER Presidente da Sesso Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER Subprocurador-Geral da Repblica Exmo. Sr. Dr. ANTONIO AUGUSTO CESAR Secretrio (a) SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO AUTUAORECTE ADVOGADO RECDO ADVOGADO RECDO ADVOGADO : : : : : : OSMAR AVELLAR DE MOURA E OUTROS ELCIO PERES MACHADO JOSE CARMO DE AZEVEDO E CONJUGE ANDRE LUIS NOGUEIRA E OUTROS CARLOS THEODORO DE MOURA JUNIOR - ESPOLIO ELCIO PERES MACHADO

CERTIDO Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epigrafe, em sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso: "Prosseguindo o julgamento, apos o voto-vista do Sr. Ministro Menezes Direito, a Turma, por maioria, vencido o Sr. Ministro Nilson Naves, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento." Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Waldemar Zveiter e Menezes Direito. O referido verdade. Dou f. Braslia, 1 de maro de 2001

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO Secretrio (a)

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