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RESPEITO À DIVERSIDADE CULTURAL E RELIGIOSA: uma prática a ser desenvolvida na Educação Básica

Carolina do Rocio Nizer1

Dennison Oliveira 2

RESUMO: Este artigo apresenta o resultado das ações que fizeram parte do

processo de observação, problematização, fundamentação, contextualização e

implementação do projeto para o Programa de Desenvolvimento Educacional –

PDE/2016, do Estado do Paraná, no Colégio Estadual Marechal Cândido

Rondon, na Cidade de Curitiba. O desenvolvimento da atividade iniciou com a

problematização denominada imaginação histórica, momentos de reflexão da

temática e palestra com lideranças do Templo Hare Krishna. As atividades

foram aplicadas para uma turma de estudantes do 6º ano do ensino

fundamental. Por meio da aplicação do caderno pedagógico, esperou-se

descobrir se a proposta elaborada a respeito da diversidade cultural e religiosa,

lugar sagrado e Templo Hare Krishna seria capaz de levar os estudantes a

questionarem sobre os fatos sociais que acontecem referentes à temática. Ao

final do projeto, observou-se que o trabalho com a temática é um ponto de

partida rumo às transformações conceituais e de práticas nas instituições de

ensino, a fim de garantir a importância do respeito à diversidade cultural e

religiosa. A pesquisa ampara-se em Cassirer que estuda sobre as formas

simbólicas e Gil Filho, que discute a paisagem, o espaço e os lugares

sagrados.

Palavras-chave: Religião. Respeito. Diversidade. Lugar Sagrado. Hare Krishna.

INTRODUÇÃO

Esse artigo está voltado para o estudo do Lugar Sagrado a partir do

Templo International Society for Krishna Consciousness – ISKCON de Curitiba.

1 Professora do Ensino Fundamental e Ensino Médio da Rede Estadual do Paraná desde 2005,

especialista em Psicopedagogia e Educação à Distância, participante do PDE 2016.

2 Orientador: Professor Doutor do Departamento de História da Universidade Federal do

Paraná – UFPR.

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O enfoque foi a partir das ideias prévias dos estudantes referentes aos Hare

Krishna, para discutir a importância de conhecer e respeitar as religiões e os

lugares sagrados.

A discussão da temática pretende ser um ponto de partida para

discussões do trabalho com a diversidade cultural e religiosa, como também,

servir de instrumento reflexivo acerca dos desafios postos pela sociedade,

referente à postura de intolerância, discriminação e negação do pluralismo

cultural e da diversidade religiosa existentes em sala de aula.

Segundo Carvalho (2002, p.70), pensar em respostas educativas nas

escolas é pensar em sua responsabilidade para garantir o processo de

aprendizagem para todos os estudantes, respeitando-os em suas múltiplas

diferenças.

Neste sentido é necessário promover discussões entre profissionais da

educação referente à diversidade, oferecendo subsídios que contribuam com o

processo de ensino e aprendizagem.

Entendendo que as instituições de ensino recebem em seu contexto

escolar estudantes das diversas etnias, classes, religiões, entre outras, é

necessário valorizar o conhecimento cultural dos diferentes grupos.

Desta maneira, entende-se que os profissionais da educação que

reconhecem as diferenças existentes em sala de aula, criam espaços para

promover uma educação que valoriza à cultural. Segundo Gadotti (1992, p. 21),

a escola que se insere nessa perspectiva procura abrir os horizontes de seus alunos para a compreensão de outras culturas, de outras linguagens e modos de pensar, num mundo cada vez mais próximo, procurando construir uma sociedade pluralista.

Neste sentido, as questões que fizeram parte das discussões

realizadas com os estudantes no Colégio Estadual Marechal Cândido Rondon,

tinham como intenção desenvolver discussões relacionadas ao respeito às

diferenças, não com a intenção de acentuar ações de intolerância,

desigualdades e de preconceito, mas sim, promover reflexões acerca da

temática.

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Nas reflexões e discussões relacionadas ao respeito e as diferenças,

encontramos as opções religiosas, que atualmente, são um desafio a ser

enfrentado no contexto escolar.

Segundo Nelson Mandela3, “Ninguém nasce odiando outra pessoa

pela cor de sua pele, por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam

aprender; e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.”

(BRASIL, p. 4, 2004).

AS TRADIÇÕES RELIGIOSAS E AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

As atividades desenvolvidas no PDE tiveram como finalidade

fomentar, problematizar e discutir sobre a temática da diversidade religiosa,

por entender que as religiões compõem o universo cultural da sociedade.

Podemos dizer que respeitar a diversidade religiosa é uma das

atribuições de ser cidadão, valorizando assim, as contribuições que cada

cultura religiosa teve ao longo da história.

Por isso, é fundamental considerar as diferentes tradições religiosas

nos conteúdos escolares. Como nos afirma Silva (2004, p. 140),

Ensino de religiões, estudo de diversidade, exercícios de alteridade: estes sim podem ser conteúdos trabalhados na escola pública. Da mesma forma que o professor de literatura faz referência as diversas escolas literárias; da mesma forma que o professor de História enfatiza diversos povos, assim o ensino de religiões deve enfatizar diversas expressões religiosas, considerando que as religiões fazem parte da aventura humana.

Neste sentido as instituições de ensino devem valorizar e reconhecer

que as tradições religiosas são patrimônio cultural, por isso é importante

contemplar conteúdos que tratem do universo simbólico das religiões que

3 Advogado, líder e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado o mais importante

líder da África Negra, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993.

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trazem elementos da cultura africana, indígena, ocidental e oriental. Segundo

Heerdt, (2003, p. 34)

É fundamental que as escolas incentivem os educandos a conhecer a sua própria religião a ter interesse por outras formas de religiosidade, valorizando cada uma e respeitando a diversidade religiosa, sem nenhum tipo de preconceito.

Assim, as escolas trabalham para ampliar o conhecimento da

diversidade religiosa, contribuindo também, com atitudes de respeito nos

ambientes escolares e na sociedade.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A religião não deve estar desassociada da cultura, devendo ser

entendida a relação entre ambas, pois senão segundo Alves (2009, p. 17) “se

assim fizermos, iremos cair no etnocentrismo europeu do final do século XIX

– que gerou a ideia errônea de religiões superiores e inferiores”.

Assim a compreensão do fenômeno religioso das tradições religiosas

nos ambientes escolares é importante para o tratamento da temática como

conhecimento, afastando-se, das amarras da fé e do proselitismo. Para

Passos (2006),

a religião constituiu um sistema social que vai se organizando de

forma mais rígida e estabelecendo, com o indivíduos e grupos,

relações dialéticas que provocam reproduções de seus sistemas

sobre o conjunto da sociedade e reações por parte de indivíduos e

grupos na busca de novos sistemas alternativos. (p. 43).

Assim, a função da religião deve contribuir no processo de

humanização dos indivíduos. Esta compreensão do papel, da função e da

influência da religião na sociedade permite considera-las no trabalho

pedagógico em sala de aula.

É nesse contexto que a proposta de implementação do projeto tratou

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da reflexão referente ao trabalho pedagógico para estudantes do 6º ano A,

do Colégio Estadual Marechal Cândido.

Mas, o que é de fato Lugar Sagrado? O que torna um Lugar Sagrado?

Que caminhos as organizações religiosas utilizam para preservar sua

memória e crença religiosa?

O conceito de Cassirer sobre as formas simbólicas contribuiu no

entendimento de como se constitui o lugar sagrado. Assim, o autor conceitua

que por

"forma simbólica" há de entender-se aqui toda a energia do

espírito em cuja virtude um conteúdo espiritual de significado é

vinculado a um signo sensível concreto e lhe é atribuído

interiormente. Neste sentido, a linguagem, o mundo mítico-religioso

e a arte se nos apresentam como outras tantas formas simbólicas

particulares. (CASSIRER, 1956, p.163)

Para Cassirer (2001, p. 51), o conhecimento não está nas coisas, está

no sujeito. O que nós conhecemos das coisas, não está nas coisas, está em

nós. Somos nós que damos o sentido ao mundo, e objetivamos nossa

realidade. Ou seja, segundo o autor, o material sensível é o ponto inicial das

distintas formas simbólicas, que vão se transformando a mera expressão

sensível, em um conteúdo significativo dotado de sentido simbólico, como é o

caso do Lugar Sagrado.

Neste sentido, a fenomenologia baseada em Cassirer foi instrumento

importante no entendimento de Lugar Sagrado, já que o fenômeno cultural é

um momento de interação social, sendo assim, um campo de investigação,

pois revelam crenças, vivências e uma identidade coletiva marcada por esta

mesma crença.

Os Lugares Sagrados referem-se aos espaços construídos e não

construídos e de significação simbólica da presença do Sagrado, ou seja,

onde acontecem as manifestações religiosas, expressas na paisagem dos

santuários, igrejas, templos, casas de orações, mesquitas.

Para Gil Filho (2008, p. 72), o espaço sagrado se apresenta como

palco privilegiado das práticas religiosas. Por ser o próprio mundo da

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percepção, ele carrega marcas distintivas da religião, conferindo

singularidades peculiares aos mundos religiosos.

Segundo as Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educação Básica

para a Rede Pública Estadual do Paraná - Ensino Religioso, o que torna um

Lugar Sagrado são a identificação e o valor atribuído a ele, ou seja, onde

acontece a manifestação do Sagrado. Assim os Lugares Sagrados são

simbolicamente onde o Sagrado se manifesta. (PARANÁ, 2008, p. 62).

O templo, segundo Gil Filho (2008, p. 119), representa o marco do

espaço construído e de significação simbólica da presença do sagrado, o

qual representa a separação e o caráter da inviolabilidade. Nestes lugares o

homem religioso exercita sua fé e as lideranças religiosas exercem seu poder

de investidura com o objetivo de garantir o “caráter sacro, fonte do poder

simbólico”.

Para compreender a instituição religiosa dos Hare Krishnas no Brasil e

a vida dos devotos, foi necessário uma breve explicação sobre esta religião

em seu país de origem, a Índia, como também, o processo de implementação

da ISKCON, enquanto instituição religiosa a nível mundial.

A ISKCON NO BRASIL – MOVIMENTO HARE KRISHNA

A ISKCON é uma das várias vertentes religiosas do hinduísmo. A

tradição hindu remonta há mais de cinco mil anos, quando um grupo indo-

europeu, os arianos, invadiram a região nordeste da planície indo-gangética.

Os arianos logo conquistaram a hegemonia frente aos diversos grupos

locais. Deste fato nasceu o hinduísmo, que não deve ser entendido como

uma religião única, tendo em vista que apresenta especificidades conforme a

localidade e pessoas que praticam. (GUERRIERO, 1989, p. 48)

A ISKCON é uma organização religiosa formada por norte americanos,

que mantinham o controle da religião Hare Krishna na América Latina, na

Europa, na África e na própria Índia e foi criado por Srilas Prabhupada.

(GUERRIERO, 1999, p. 3)

A religião Hare Krishna tem seus princípios na “corrente hindu dentro

dos moldes tradicionais da vivência e aprendizagem com o guru, moradia

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num asharam4, sucessão discipular e outras características, a ISKCON é

mais uma religião ocidental com crenças em mitos e símbolos védicos.”

(GUERRIERO, 1999, p. 4).

Mesmo o sistema religioso Hare Krishna ser igual em todo mundo, ele

assume características locais onde é inserido, no caso do “Brasil é possível

notar um paralelismo entre a ISKCON e o cristianismo.” (GUERRIERO, 1999,

p. 4).

As principais obras do Movimento Hare Krishna são o Bhagavad-gita

“parte do Mahabharata – poema épico que conta a história da região do atual

sub continente indiano e o Srimad-Bhagavatam, onde os devotos de Krishna

falam sobre ele, suas atividades e diferentes encarnações.” (COSTA, 2013,

p. 1)

Segundo Campbell (1997, p. 18), a religião está longe de ser uma

simples importação da cultura oriental, tendo um desenvolvimento cultural

próprio do ocidente, com uma vivência espiritual e mística diferente do

racionalismo da visão hebraica-cristã.

É importante ressaltar que a expansão do movimento Hare Krishna

não teve um plano estratégico e uma política pelo mundo ocidental. Assim, a

ISKCON chegou ao Brasil pela “ação de jovens atraídos pelos ideais da

contracultura5, seguindo a pregação do guru hindu Bhaktivedanta

Prabhupada e seu exótico movimento que difundia o canto de mantras

sagrados.” (GUERRIERO, 1999, p. 1).

O Movimento Hare Krishna iniciou tardiamente no Brasil em relação a

outros países da América Latina, pois era restrito a um grupo pequeno de

devotos que se encontravam no final de semana. Com a ditadura militar na

Argentina, que proibiu e reprimiu o movimento muitos vieram para o Brasil

4 Asharam é o local de moradia do mestre espiritual e seus discípulos, que através do contato

pessoal tomam conhecimento dos saberes tradicionais. 5 Pode-se definir contracultura como um fenômeno que resultou na transformação sócio-

cultural, rejeitando o modo de vida burguês dos centros urbanos tendo vários focos de

contestação: no interior da família, nas escolas, campo universitário, na música,

movimentações e protestos de rua ou movimentos sociais. (RESENDE, 2013, p. 32). O

agente histórico deste movimento foi principalmente a juventude da época. Segundo Pereira

a contracultura iniciou nos meados da década de 50 e diluiu-se nos anos 70.

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favorecendo o crescimento da ISKCON com vários devotos de países latino-

americanos.

Foi a partir de “1985 que o Movimento no Brasil experimentou um

forte crescimento, com abertura de templos em várias cidades e o início da

construção à comunidade rural de Nova Gokula.” (GUERRIERO, 1999, p. 2).

OS MOMENTOS HISTÓRICOS DO MOVIMENTO HARE KRISHNA NO BRASIL

A história do movimento Hare Krishna pode ser dividida em 3

momentos, sendo o primeiro, de 1974 à 1977, formado por grupos isolados

que trouxeram dos Estados Unidos e da Europa livros do guru Pradhupada,

não existindo templos sagrados com divindades. A partir de 1977 a ISKCON

do Brasil começou a se institucionalizar, surgindo diversos templos sob

autoridade de Hridayananda.

Tratava-se de mostrar a todos uma saída para a vida vazia e sem

sentido que as pessoas vivenciavam. Foi um momento de

radicalização entre dois modos de vida; aqueles que atingiam a

consciência de Krishna estariam salvos; os demais que não

aceitassem estariam condenados, ainda, a viverem repetidas

encarnações nesse mundo material. (GUERRIERO, 1999, p. 6).

O segundo momento, anos 80, a ISKCON chegou “no Brasil a ter

dezoito templos urbanos além da comunidade rural de Nova Gokula,

totalizando oitocentos devotos de maneira monástica”. (GUERRIERO, 1999,

p. 7). Atualmente os números são significativamente menores, com poucos

templos, e todos sofrem dificuldades financeiras.

A diminuição do número de templos e a difusão do número de

devotos externos demonstram uma mudança profunda no perfil de

atuação da ISKCON no Brasil. Até o final dos anos oitenta era

valorizada e incentivada a conversão do devoto. Dentro dos

moldes de uma seita o devoto se sentia obrigado a abandonar a

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família, estudos, empregos, amigos e todas suas atividades

anteriores, que passavam a ser vistas como maya6. A conversão

se completava com uma nova vida monástica, novo nome e todos

os rituais de iniciação. Atualmente existem programas de reunião

de devotos externos, aqueles que se identificam com a ISKCON

mas não abandonam suas famílias e atividades. Se antes estas

pessoas eram discriminadas, hoje são até incentivadas a esse tipo

de participação. (GUERRIERO, 1999, p. 8).

O terceiro momento, a partir dos anos 90, o movimento começou a se

consolidar e deixa de ser um movimento revolucionário e inovador passando

a integrar-se ao campo religioso, assumindo características como as demais

denominações religiosas.

MOVIMENTO HARE KRISHNA EM CURITIBA

O Projeto de Pesquisa tem como foco o Templo Hare Krishna da

ISKCON, localizado na Rua Duque de Caxias, 76 no Largo da Ordem em

Curitiba, sob a direção de Prabhu Hare Krishna, desde 2011. O local pode

ser assim descrito

A cor predominante na parte externa é o amarelo, com detalhes em branco e o portão na cor cinza. Na parte externa há uma pequena placa redonda com dizeres “Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna – Templo Hare Krishna – Fundador Acarya A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada. Há também uma faixa contendo a programação do Templo (atividades de segunda a sexta, às 19hrs, com canto de mantras, estudos Bhagavad-gita e jantar vegetariano; sábado serviço voluntário para organização das atividades do Templo; domingo, festival do Amor às 15hrs, com canto de mantras, palestra filosófica e jantar vegetariano; tudo gratuito, venha participar. Há uma pequena nota dizendo que a exigência para a participação é “higiene normal”). Há também um banner menor com horários de distribuição de alimentos gratuitos (de segunda a sexta, das 11:30 às 13h e das 20 às 21h) (COSTA, 2013, p.15).

6 Ilusão do mundo material, que deixa o individuo longe da devoção a Krishna.

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A descrição do Templo Hare Krishna auxiliou os estudantes na

percepção de que o lugar sagrado é composto por vários significados, pois

em cada elemento foi possível encontrar símbolos que contribuem na

construção da identidade da religião.

O Templo Hare Khrisna está localizado em Curitiba numa região

turística, histórica e mundana, pois em seu entorno existem bares, teatros,

danceterias, restaurantes e no domingo a ferinha tradicional do Largo da

Ordem, frequentada por moradores da cidade e turistas.

O templo se situa em uma construção antiga de dois andares, sendo

no segundo andar onde acontecem as práticas religiosas. Antes de entrar no

lugar sagrado, os devotos tocam o sino e prestam reverência, tocando a

cabeça e as mãos no chão. (COSTA, 2013, p. 15).

O altar é o espaço principal do Templo, onde estão localizadas as

deidades, que são seis, sendo diariamente decorado pelo pujari7. As duas

principais são Goura (Sri Caitanya Mahaprabhu) e Nitai (Sri Nityananda).

Os pilares da religião são a adoração às deidades tratadas como

divindades, por isso os devotos as alimentam, banham, vestem, agradam

com canções, danças, oferendas entre outras. Os rituais diários são

estipulados por Srila Prabhupada, que se baseia nas escrituras sagradas,

sendo que os ritos são realizados em adoração às deidades.

O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO

A implementação foi realizada no primeiro semestre de 2017 com

estudantes do 6º ano A, do Colégio Marechal Cândido Rondon, por meio, de

estudos bibliográficos, análise de fontes e palestra com lideranças do Templo

Hare Krishna - ISKCON, na Cidade de Curitiba.

Entendendo o lugar sagrado dotado de formalidade simbólica e de

significado é onde o ser humano atribui sentido. Então, podemos dizer que o

7 Significa aquele que executa o puja ou adoração. Também refere-se ao local onde são

guardados os aparatos das deidades.

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Templo Hare Khrisna de Curitiba “é um espaço que passa de uma base

material de sua existência para um espaço carregado de sentido, no caso da

religião, um espaço sagrado.” (GIL FILHO, 2009, p. 78)

Assim, os Lugares Sagrados apresentam elementos simbólicos, como

rito, mito, liturgia, música, festa religiosa, símbolo, dança e uma estrutura que

movimenta o Largo da Ordem da Cidade de Curitiba. Portanto, no

desenvolvimento do estudo foi considerado o Lugar Sagrado Templo Hare

Khrisna, que marca por meio de seus representantes simbólicos, as suas

configurações.

As questões que nortearam o trabalham estavam voltadas para as

seguintes reflexões: devemos tolerar ou respeitar? O que é um lugar

sagrado? Lugar Sagrado: respeito por que é sagrado ou é sagrado por isso

devo respeitar? Como está organizada a estrutura religiosa e a religiosidade

do movimento Hare Khrisna no município de Curitiba?

Também foi elaborado um caderno pedagógico com 3 unidades

fundamentados teoricamente nos autores Cassirer e Gil Filho, além de textos

e atividades de aprofundamentos para os estudantes.

O caderno pedagógico teve como intuito fornecer instrumentos de

discussões referentes à diversidade cultural e religiosa, pois a partir do

referido material foi possível a construção de conceitos do respeito à

diversidade, de lugares sagrados e da compreensão que o Hare Krishna é

uma organização religiosa.

Os estudantes do 6º ano A do Colégio Marechal Cândido Rondon,

que participaram do desenvolvimento da pesquisa, tinham um conhecimento

referente as religiões, tendo em vista, que participam da disciplina de Ensino

Religioso. Porém, os estudantes, não tinham conhecimento da religião Hare

Krishna.

Então, a proposta foi a de promover um formato de aula com as

seguintes características:

1. Permitir que os estudantes participassem, apresentando suas ideias a partir

de uma situação problematizadora;

2. Investigar as mudanças ocorridas a partir dos textos, explicações e

atividades;

3. Registrar todas as opiniões referentes às questões relacionadas a temática,

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inclusive, as que demonstravam situação de intolerância, desrespeito e

preconceito;

4. Convidar aos estudantes a apresentarem suas respostas, justificando os

motivos.

A proposta de implementação foi realizada com uma turma de 6º

ano, porém sabe-se que desenvolver uma análise a partir de uma turma não

reflete a realidade do Colégio, mas oferece alguns indicativos.

ETAPAS DA IMPLEMENTAÇÃO

No primeiro momento foi proposta, uma atividade de imaginação

histórica, com o objetivo de identificar o conhecimento prévio dos estudantes.

Tabela 1: conhecimento prévio

Fonte: NIZER, 2017.

Antes da intervenção, ao analisarmos os dados da questão proposta

com 19 estudantes do 6º ano A, do Colégio Estadual Marechal Cândido

Rondon, percebeu-se que a maioria desconhecia a cultura e a religiosidade

Hare Krishna na cidade de Curitiba.

Na segunda etapa, o trabalho foi proposto para os estudantes a

partir de reflexões referentes à Diversidade Cultural e Religiosa com a seguinte

problematização, TOLERÂNCIA X RESPEITO: tolerar é o mesmo que

respeitar?

16%

10%

74%

HARE KRISHNA É UMA RELIGIÃO?

3 ESTUDANTESRESPONDERAM - SIM

2 ESTUDANTESRESPONDERAM - NÃO

14 ESTUDANTESRESPONDERAM - NÃO SEI

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Para iniciar a discussão foi apresentado aos estudantes o trecho de

um vídeo do programa “Se ela dança eu danço”, exibido pela emissora SBT de

6:41, em que o participante John Lennon da Silva interpreta a Morte do Cisne,

com o estilo da dança popping8.

O objetivo foi trazer a reflexão sobre os julgamentos e atitudes que

os seres humanos são capazes de fazer ao se deparar com o diferente.

Tendo em vista que a TV Multimídia e o data show da instituição de

ensino não funcionou no momento de passar o vídeo, foi necessário alterar a

sequência e a problematização.

Após a problematização foi proposto o texto “É justo discriminar

alguém por ser de outra religião?”

Tabela 2: atividade desenvolvida pelos estudantes

Fonte: NIZER, 2017.

Ao analisar as respostas dos 19 estudantes do 6º ano A, do Colégio

Estadual Marechal Cândido Rondon, percebeu-se que a maioria respondeu

que as religiões são diferentes pelo fato de que cada religião ter sua crença e

as vestimentas serem diferentes.

Uma resposta que nos chamou a atenção foi a de um estudante que

considera religiões somente aquelas que acreditam em Deus e nos santos, as

demais para ele são do diabo. Outra resposta de outro estudante que

8 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=klOc0tCsD1Q> Acesso em: 20 set. 2016

SIM NÃO SEM RESPOSTA

13

1 5

As religiões são diferentes

As religiões são diferentes

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considera Deus igual para todos. Outros cinco estudantes preferiram não

responder.

No terceiro momento do desenvolvimento, com o objetivo de analisar

a importância dos Lugares Sagrados, foi trabalhado os conceitos de paisagem

religiosa e identidades religiosas. Nesta atividade, 17 estudantes, participaram.

A proposta para o quarto momento foi a de visita técnica no Templo

Hare Krishna, porém, como não foi possível esta atividade de campo, assim

organizamos uma palestra com as lideranças religiosas da religião Hare

Krishna no Colégio Estadual Marechal Cândido Rondon.

O replanejamento da atividade foi relevante, pois despertou o

interesse de todos os estudantes matriculados na instituição de ensino, no

período da manhã.

Para finalizar o desenvolvimento da implementação com os

estudantes do 6º ano A, foi entregue uma atividade com as mesmas

questões da primeira atividade de imaginação histórica. O objetivo foi o de

verificar se houve mudança na opinião dos estudantes, referente aos Hare

Krishna.

Tabela 3: conhecimento posterior

Fonte: NIZER, 2017.

Embora os estudantes reconheçam e valorizem a diversidade religiosa,

as dificuldades e os desafios ainda são grandes para o respeito e o

reconhecimento das religiões na sociedade.

90%

5% 5%

HARE KRISHNA É UMA RELIGIÃO?

17 ESTUDANTESRESPONDERAM - SIM

1 ESTUDANTERESPONDEU - NÃO

1 ESTUNDANTERESPONDEU - NÃO SEI

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Por meio do desenvolvimento das atividades, percebeu-se que ocorreu

um grande interesse por parte dos estudantes referente ao assunto.

Como ponto a ser melhorado, ressaltamos a dificuldade de colaboração

e resistência de alguns estudantes e professores no desenvolvimento da

temática, além da falta de estrutura tecnológica.

Como ponto relevante ressaltamos a participação e o interesse de

muitos do Colégio do período da manhã ao verem as lideranças religiosas do

Hare Krishna.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de trabalho desenvolvida no Colégio Estadual Marechal

Cândido Rondon, procurou romper com as aulas tradicionais, oferecendo tanto

para o professor, como para o estudante, reflexões e atividades que

possibilitaram ao final do percurso, perceber posturas diferenciadas de

convivência entre os estudantes.

Sendo assim, acredita-se ter conseguido desenvolver, nos estudantes, a

consciência de que é necessário respeitar as diferenças, por meio do

conhecimento da diversidade cultural e religiosa.

No entanto, ainda é possível constatar que o discurso não condiz com a

prática, pois muitas vezes foi possível perceber situações de desrespeito e

negação a algumas tradições religiosas.

Por isso é necessário pesquisas deste cunho para continuar a explorar

temáticas da diversidade, pois somente legislações não asseguram que o

respeito às tradições religiosas seja garantido.

Neste sentido, não bastam somente legislações e políticas públicas que

assegurem o respeito à diversidade, e sim é necessário articular práticas

pedagógicas que abordem conteúdos com a temática no cotidiano escolar.

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REFERÊNCIAS

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