responsabilidade de craque

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Por Paula Craveiro e Thaís Iannarelli L eonardo Nascimento de Araújo, ex-jogador de futebol brasileiro, fez história no esporte e, desde 1998, escreve também sua história na realização de ações em prol da área social. A vida de jogador de futebol começou em 1987, no Flamengo. Três anos depois, foi para o São Paulo Futebol Clube, sob o comando de Telê Santana. Em 1991, conquistou o título de campeão brasileiro por este time, ao lado de Raí, Cafu e Müller. Após essa experiência, foi jogar em Valência, na Espanha, mas logo voltou ao time paulistano. Participou também da Copa do Mundo de 1994, o ano do tetra, e, depois, foi atuar no Japão ao lado de seu amigo, Zico. Mais tarde, foi jogar na França e, por fim, no Milan, time italiano onde ficou pelas quatro temporadas seguintes, enquanto continuou jogando na sele- ção brasileira, inclusive na copa de 1998. A carreira de atleta foi encerrada em 2003, no próprio Milan, clube em que atua até hoje como consultor de mercado. Em entrevista à Revista Filantropia, Leonardo conta sobre a Fundação Gol de Letra, que fundou ao lado do amigo Raí, em 1998. No Milan, trabalha também na Fondazione Milan, que patrocina projetos sociais pelo mundo. Revista Filantropia: Como foi o início do seu engajamento na área social? Leonardo: Acho que foi um percurso longo, e não só meu, mas de muitas pessoas. Quando a gente mora no Brasil, convive com situações muito particulares, porque mesmo que a economia seja grande, muitas vezes não consegue atingir nem como a Europa e os Estados Unidos. Somos um país com grandes diferenças sociais, e temos que viver com isso. Como muitos, tinha vontade de um dia fazer uma contribuição real ao que é social. Então, o futebol ofereceu essa oportunidade, para mim e para o Raí, de fazermos isso com a Fundação Gol de Letra. Disponibilizamos um pouco do que tínhamos facilidade, que fazia parte do nosso mundo, e acho que a fundação deu o resultado que esperávamos, vindo desse nosso sentimento de construir um instrumento de participação efetiva. Filantropia: Como é a atuação da Fundação Gol de Letra? Leonardo: Temos dois centros de atendimento. Um em São Paulo, na Vila Albertina, e outro no Rio de Janeiro, no Bairro do Caju. Desde o início, o objetivo era ter uma atuação complementar ao currículo de base. Então, trabalhamos as atividades extracurriculares, como arte, música, informática, fotografia, vídeo, es- porte e outras ações que envolvem esse tipo de formação, que é a formação da auto-estima, da personalidade, do autoconhecimento, do trabalho em grupo. Então, procuramos uma educação integral com todas essas atividades. Filantropia: Qual é sua atuação na entidade, agora que você mora na Itália? Leonardo: Temos duas unidades da Gol de Letra na Europa, sendo uma na França e uma na Itália. Claro que não são centros abertos a crianças, como no Brasil, mas funcionam para captação de recursos. Então, continuo trabalhando diretamente. Mas venho ao Brasil uma vez por mês, durante uma semana, e nesse tempo participo como presidente do Conselho Curador, das decisões e estratégias. Filantropia: Como a organização se mantém? Leonardo: É uma luta contínua, no bom sentido, para manter uma série de iniciativas. Contamos com grandes parcerias. Acho que essa é a grande base do financiamento da fundação: parcerias com empresas e pessoas que acreditam no trabalho, que dão essa sustentabilidade. As duas antenas na Fran- ça e na Itália nos ajudam muito e somam Responsabilidade de craque Ex-jogador de grandes times nacionais e internacionais e da seleção brasileira é responsável por ações sociais que geram oportunidades para os que mais precisam todas as camadas. Não somos como a África Gente que faz o bem

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Outubro/2008 | por Paula Craveiro e Thais Iannarelli | Revista Filantropia nº 36

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Page 1: Responsabilidade de craque

14 Revista Filantropia • Nº 36

Por Paula Craveiro e Thaís Iannarelli

Leonardo Nascimento de Araújo, ex-jogador de futebol brasileiro, fez história no esporte e, desde 1998, escreve também sua história na realização de ações em prol da área social. A vida de jogador de futebol começou em 1987, no Flamengo. Três anos depois, foi para o São

Paulo Futebol Clube, sob o comando de Telê Santana. Em 1991, conquistou o título de campeão brasileiro por este time, ao lado de Raí, Cafu e Müller. Após essa experiência, foi jogar em Valência, na Espanha, mas logo voltou ao time paulistano.

Participou também da Copa do Mundo de 1994, o ano do tetra, e, depois, foi atuar no Japão ao lado de seu amigo, Zico. Mais tarde, foi jogar na França e, por fim, no Milan, time italiano onde ficou pelas quatro temporadas seguintes, enquanto continuou jogando na sele-ção brasileira, inclusive na copa de 1998. A carreira de atleta foi encerrada em 2003, no próprio Milan, clube em que atua até hoje como consultor de mercado.

Em entrevista à Revista Filantropia, Leonardo conta sobre a Fundação Gol de Letra, que fundou ao lado do amigo Raí, em 1998. No Milan, trabalha também na Fondazione Milan, que patrocina projetos sociais pelo mundo.

Revista Filantropia: Como foi o início do seu engajamento na área social?

Leonardo: Acho que foi um percurso longo, e não só meu, mas de muitas pessoas. Quando a gente mora no Brasil, convive com situações muito particulares, porque mesmo que a economia seja grande, muitas vezes

não consegue atingir

nem como a Europa e os Estados Unidos. Somos um país com grandes diferenças sociais, e temos que viver com isso.

Como muitos, tinha vontade de um dia fazer uma contribuição real ao que é social. Então, o futebol ofereceu essa oportunidade, para mim e para o Raí, de fazermos isso com a Fundação Gol de Letra. Disponibilizamos um pouco do que tínhamos facilidade, que fazia parte do nosso mundo, e acho que a fundação deu o resultado que esperávamos, vindo desse nosso sentimento de construir um instrumento de participação efetiva.

Filantropia: Como é a atuação da Fundação Gol de Letra?

Leonardo: Temos dois centros de atendimento. Um em São Paulo, na Vila Albertina, e outro no Rio de Janeiro, no Bairro do Caju. Desde o início, o objetivo era ter uma atuação complementar ao currículo de base. Então, trabalhamos as atividades extracurriculares, como arte, música, informática, fotografia, vídeo, es-porte e outras ações que envolvem esse tipo de formação, que é a

formação da auto-estima, da personalidade, do autoconhecimento, do trabalho em grupo. Então, procuramos uma educação integral com todas essas atividades.

Filantropia: Qual é sua atuação na entidade, agora que você mora na Itália?

Leonardo: Temos duas unidades da Gol de Letra na Europa, sendo uma na França e uma na Itália. Claro que não são centros abertos a crianças, como no Brasil, mas funcionam para captação de recursos. Então, continuo trabalhando diretamente. Mas venho ao Brasil uma vez por mês, durante uma semana, e nesse tempo participo como presidente do Conselho Curador, das decisões e estratégias.

Filantropia: Como a organização se mantém?

Leonardo: É uma luta contínua, no bom sentido, para manter uma série de iniciativas. Contamos com grandes parcerias. Acho que essa é a grande base do financiamento da fundação: parcerias com empresas e pessoas que acreditam no trabalho, que dão essa sustentabilidade. As duas antenas na Fran-ça e na Itália nos ajudam muito e somam

Responsabilidade de craqueEx-jogador de grandes times nacionais e internacionais e da seleção brasileira é responsável por ações sociais que geram oportunidades para os que mais precisam

todas as camadas. Não somos como

a África

Gente que faz o bem

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aproximadamente 40% da nossa receita. Lá, fazemos parcerias com empresas e até com o setor público, além de eventos. O Toquinho, por exemplo, fez um show para arrecadar fundos para a fundação na Itália e foi ótimo. O Raí também realiza um torneio de futebol de salão anual na França, com a participação de 20 empresas.

Filantropia: Quais são as principais dificuldades encontradas na manutenção da fundação?

Leonardo: A maior dificuldade é viver o pesadelo da continuação, quando você não consegue ter segurança. Por isso, todo ano começamos a correr atrás de recursos para uma situação que é contínua. Depois, é claro, há dificuldades práticas, como crianças com problemas de aprendizagem e, por este mo-tivo, precisamos criar alternativas, contratar pessoas capacitadas. Acredito sinceramente que são muitas as dificuldades, mas existem muitas soluções para todas elas.

Talvez, uma dificuldade seja o fato de termos um peso social muito forte, muito a resolver neste universo infinito, mas acre-ditamos que, como dizia Madre Teresa de Calcutá, “cada gotinha é fundamental para o oceano existir”.

Filantropia: Quais são as maiores con-quistas do seu trabalho na área social?

Leonardo: Acho que a Gol de Letra é uma conquista, claro, não tem como sair do pessoal porque envolve nossos sentimentos, e nasceu de uma grande amizade, minha e do Raí. Por meio disso, conseguimos motivação para acreditar no que está fazendo. É algo muito legal de vivenciar. Também é bom dividir os resultados com as crianças, dar oportunidade a elas, levando-as a se conhecer, saber quais são seus talentos. Muitas vezes, ela acaba direcionando sua vida baseada naquilo, e isso é uma satisfação para mim.

Filantropia: Que benefícios o esporte pode trazer a uma criança?

Leonardo: O esporte é a linguagem universal. Por meio dele conseguimos trabalhar tudo o que envolve a vida, não só em relação ao corpo, mas em relação à formação. Mesmo que a pessoa não saiba jogar, não estou falando de talento, mas do esporte praticado, vivido na escola como educação, dinâmica de grupo, saúde. Como diz Nelson Mandela, “o esporte pode mudar o mundo”. E realmente tem mudado.

Filantropia: Além da Gol de Letra, há alguma outra ação social que você realiza?

Leonardo: Sou diretor da Fondazione Milan, na Itália, do time de futebol em que trabalho. Posso chamá-la de filho também. A fundação tem participação em todas as atividades comerciais do clube e o principal objetivo é financiar projetos do mundo intei-ro, como na Colômbia, Brasil, Congo, Índia, Calcutá, entre outros.

Filantropia: Qual é a sua visão sobre o Terceiro Setor no Brasil? E na Europa?

Leonardo: No Brasil, cresceu muito, mas falta sintonia com os outros setores. Existe um reconhecimento do quanto é importante atuar em situações que o governo não consegue, e muitas vezes o reconhecimento também do público consumidor, do Segundo Setor da sociedade. Mas acho que ainda não existe uma sintonia entre esses setores. O Estado não sabe como como patrocinar, o Terceiro Setor não sabe como receber, a empresa não sabe como patrocinar; então temos que melhorar nesse ponto.

Na Europa não é muito diferente. A situação entre os setores também tem suas dificuldades, mas existe a base histórica. Os mecanismos são melhores, há mais facilidade de sobreviver como uma organização sem fins lucrativos na Europa. Outra base importante é a Igreja Católica, que foi quem estabeleceu esse mecanismo de ajuda e beneficência.

Filantropia: Qual é a importância do engajamento social de atletas e artistas no trabalho social?

Leonardo: Acho que são duas coisas. A pessoa famosa pode dar uma contribuição de comunicação, de chamar a atenção das pessoas. Acho que ajudar uma causa convém, mas ela precisa de base. Então, deve haver a união de duas coisas, uma é a base de orga-nização, e a outra é você chamar a atenção para uma causa.

Filantropia: Se você pudesse realizar um desejo para melhorar o mundo, qual seria?

Leonardo: Não quero ser utópico demais, temos que saber da realidade, ir devagar. A frase que carrego dentro de mim e que gosto muito é de Jorge Amado, que diz: “A pobreza é a falta de oportunidade para o ser humano desenvolver o seu próprio talento”. Então, temos que tentar dar isso, oportunidades. Depois, é cada um fazer a sua história.

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Leonardo e crianças da Fundação Gol de Letra

“Como muitos, tinha vontade de um dia

fazer uma contribuição real ao que é social, e o futebol me deu essa

oportunidade”