resumo e questões filosofia 11º

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Filosofia 11

Os textos que aqui se apresentam funcionam como complemento ao estudo da Filosofia.

Clássica Flipcard Revista

Mosaico Barra lateral Instantâneo

Timeslide

1.

Nov

28

Alguns excercícios de escolha

múltipla

1. Tens de reconhecer que a tese empirista é verdadeira, porque todo o

conhecimento provém da experiência.

Qual é a falácia informal em que incorre o orador que apresenta este

argumento?

A. Apelo à força, porque é obrigatório aceitar a conclusão.

B. Petição de princípio, pois a premissa é uma explicitação da conclusão.

C. Apelo à ignorância, porque a conclusão é mais informativa do que a

premissa.

D. Causa falsa, porque procura fundar a conclusão na observação de uma

regularidade.

2. O melhor é votar na Mariana para delegada de turma. Ela passou com duas

negativas e, por isso, anda muito abatida, coitada. Acho que ser eleita

delegada de turma pode ajudá-la a aumentar a autoestima.

Qual é a falácia informal em que incorre o orador que apresenta este

argumento?

A. Apelo à ignorância, porque votar em alguém para delegado de turma resulta

de uma simples preferência pessoal.

B. Apelo à misericórdia, pois a premissa «a Mariana anda muito abatida»

exprime um juízo subjetivo.

C. Apelo à ignorância, pois a premissa «ser eleita delegada de turma aumenta

a autoestima» é hipotética.

D. Apelo à misericórdia, porque a conclusão é fundada em factos que suscitam

a simpatia pela Mariana. [não sai no teste]

3. Algumas estratégias de persuasão não são formas de manipulação.

A afirmação anterior é…

A. Verdadeira, porque não há persuasão sem manipulação.

B. Falsa, porque não há manipulação sem persuasão.

C. Verdadeira, porque há estratégias racionais de persuasão.

D. Falsa, porque a persuasão visa o controlo emocional dos interlocutores.

4. Ou aceitas o racionalismo ou negas as verdades da matemática. Ora, se não

negas as verdades da matemática, resta-te aceitar o racionalismo.

Qual é a falácia informal em que incorre o orador que apresenta este

argumento?

A. Falso dilema, porque o orador ignora as alternativas.

B. Falso dilema, porque o orador apresenta alternativas falsas.

C. Apelo à força, porque o orador ameaça o interlocutor.

D. Apelo à força, porque o orador apela ao poder da matemática.

5. Nietzsche enlouqueceu. Portanto, penso que não deveríamos estudar as ideias dele nas aulas de Filosofia.

O orador que apresenta este argumento incorre numa falácia informal, porque…

A. Desvaloriza as ideias de Nietzsche com base em dados da sua vida.

B. A premissa apresentada não pode ser comprovada.

C. A loucura de Nietzsche contribuiu para a projeção da sua filosofia.

D. Não é verdade que Nietzsche tenha enlouquecido.

6. Qual dos seguintes argumentos é um entimema? [não sai no teste]

A. Lamego e Ovar são cidades portuguesas. Portanto, Lamego é uma cidade portuguesa.

B. As cidades europeias são frias. Logo, a cidade da Guarda é fria.

C. As cidades portuguesas são bonitas, pelo que Beja, que é uma cidade portuguesa, é bonita.

D. O Funchal fica na ilha da Madeira, porque fica na ilha da Madeira.

7. Como se distingue a persuasão racional da manipulação?

A. A manipulação nem sempre é eficaz, mas a persuasão racional é.

B. A manipulação tem em consideração as características do auditório, mas a persuasão racional não.

C. A persuasão racional tem em vista a verdade, mas a manipulação não.

D. A persuasão racional tem em consideração as emoções das pessoas, mas a manipulação não.

8. Um orador incorre numa petição de princípio se, ao argumentar…

A. Propuser como premissa um princípio que o auditório pode rejeitar.

B. Numa premissa admitir como provado aquilo que pretende provar.

C. Em nenhuma premissa considerar provado aquilo que pretende provar.

D. Propuser como premissa um princípio que o auditório não pode rejeitar.

9. Ou reconheces que todos temos um destino que explica o que nos sucede, ou defendes que a vida de cada pessoa é apenas fruto dos jogos do acaso. Ora, dado que é inconcebível que a nossa vida seja obra do acaso, resta-te aceitar que existe um destino que nos comanda.

Quem apresenta o argumento anterior incorre na falácia…

A. Ad hominem.

B. Apelo à força.

C. Causa falsa.

D. Falso dilema.

10. Qual das seguintes opções é um argumento por analogia?

A. Conservar a saúde é importante. Ora, o controlo do peso é indispensável para conservar a saúde. Além disso, é falso que «a gordura é formosura».

B. Um edifício, para não cair na ruína, tem de ser conservado pelos seus proprietários. O teu corpo é como um edifício. Por isso, se não o conservares, ele arruinar-se-á.

C. Um edifício tem de ser conservado pelos seus proprietários. Como o teu corpo é um edifício, tu és o proprietário do teu corpo.

D. Conservar a saúde é importante. Como o controlo do peso é indispensável para conservar a saúde, deves controlar o teu peso.

1. B

2. D

3. C

4. A

5. A

6. B

7. C

8. B

9. D

10. B

Publicado 28th November 2015 por Rui Mendes

Etiquetas: Ficha de trabalho

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2.

Nov

28

Alguns exercícios de escolha múltipla

1. «Todos os seres humanos orgulhosos rejeitam a opinião dos outros, pois todas as pessoas orgulhosas que conheço rejeitaram sempre a minha opinião.»

O raciocínio expresso é um

(A) argumento indutivo por generalização.

(B) argumento indutivo por previsão.

(C) argumento por analogia.

(D) argumento de apelo à autoridade.

2. A demonstração distingue-se da argumentação porque

(A) a demonstração expressa-se sempre em linguagem natural e a argumentação em linguagem formal.

(B) a lógica formal define os limites da argumentação informal.

(C) a demonstração expressa-se em linguagem formal inequívoca, enquanto a argumentação usa uma linguagem natural equívoca.

(D) a demonstração depende sempre da capacidade do orador e a argumentação depende do auditório.

3. «O discurso argumentativo está necessariamente ligado ao auditório.»

Esta afirmação é:

(A) verdadeira, porque cabe ao auditório determinar a validade dedutiva da argumentação.

(B) verdadeira, porque argumentar pressupõe sempre a adesão do auditório

às teses apresentadas.

(C) falsa, porque o auditório nunca influencia o curso do discurso argumentativo.

(D) falsa, porque o discurso argumentativo nunca depende do seu auditório.

4. Considere as afirmações que se seguem e selecione a alternativa correta.

1. Para os sofistas, a verdade é relativa, dado que o conhecimento se reduz à

opinião.

2. Para Platão, a retórica é determinante para o ensino dos atenienses.

3. Para Aristóteles, o ethos liga-se à persuasão pelo raciocínio lógico.

(A) 1 é verdadeira; 2 e 3 são falsas.

(B) Todas são verdadeiras.

(C) 1 e 2 são verdadeiras; 2 é falsa.

(D) 1 é verdadeira; 2 e 3 são falsas.

5. Consideram-se falácias informais

(A) os argumentos em que não se respeita a sua forma canónica.

(B) os argumentos em linguagem natural que são aparentemente fortes, mas que contêm um ou mais erros de raciocínio.

(C) os argumentos que não cumprem as regras de inferência válida.

(D) os argumentos em linguagem natural que são aparentemente fortes, mas que infringem regras de validade silogística.

6. Considere as seguintes falácias.

1. É impossível falar sem usar palavras, uma vez que as palavras são necessárias para falar.

2. Ninguém conseguiu provar que a reincarnação existe. Portanto, a reincarnação existe.

3. Quem não aprova todas as nossas decisões é contra nós. Como não aprovas todas as nossas decisões, és contra nós.

4. A filosofia de Sartre é irrelevante porque o autor é ateu.

Deve afirmar-se que:

(A) 1. é petição de princípio; 2. é apelo à ignorância; 3. é falso dilema; 4. é ad hominem.

(B) 1. é petição de princípio; 2. é ad hominem; 3. é falso dilema; 4. é apelo à ignorância.

(C) 1. é falso dilema; 2. é apelo à ignorância. 3. é ad hominem; 4. é petição de princípio.

(D) 1. É petição de princípio; 2. é apelo à ignorância; 3. É ad hominem; 4. É falso dilema.

7. O uso manipulador da retórica caracteriza-se pelo facto de o orador

(A) reconhecer as limitações da racionalidade do auditório.

(B) ignorar as limitações da racionalidade do auditório.

(C) tentar tirar partido das limitações da racionalidade do auditório.

(D) tentar ultrapassar as limitações da racionalidade do auditório.

8. «A crença no livre-arbítrio é universal, porque todas as pessoas acreditam que escolhem realmente o que fazem». Este argumento incorre na falácia

A. do boneco de palha.

B. petição de princípio.

C. falso dilema.

D. apelo à ignorância.

9. Na Grécia Antiga a afirmação da retórica deveu-se

(A) ao reconhecimento público de Platão e de Sócrates como bons oradores.

(B) à afirmação da Filosofia ateniense feita pelos sofistas.

(C) à necessidade de se constituir um conhecimento metódico e fundamentado na oratória.

(D) à construção da democracia e à necessidade de afirmação pública dos cidadãos.

10. Considere as afirmações que se seguem acerca da retórica e selecione os pensadores que as poderiam ter proferido.

1. A retórica é útil. É a habilidade de avaliar, em cada caso particular, os meios adequados para se persuadir pela palavra.

2. A retórica é o bem supremo e dá a quem a possui o domínio sobre os outros na cidade.

3. A retórica não é uma arte, é uma forma de manipulação.

(A) 1 Aristóteles; 2 Platão; 3 Sofistas.

(B) 1 Platão; 2 Sofistas; 3 Platão.

(C) 1 Sócrates; 2 Sofistas; 3 Platão.

(D) 1 Aristóteles; 2 Sofistas; 3 Platão.

1. A

2. C

3. B

4. A

5. B

6. A

7. C

8. B

9. D

10. D

Publicado 28th November 2015 por Rui Mendes

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3.

Nov

23

Temas a estudar para a 2ª prova de

avaliação escrita

1. Testar a validade de um silgismo. 1.1.) Construir silogismos válidos, tendo em conta a figura e o modo.

2. Relacionar ethos, pathos e logos enquanto géneros de prova da retórica. 3. Distinguir demonstração e argumentação.

4. Definir e identificar tipos de argumentos e de falácias informais.

5. Refletir acerca da retórica no contexto da democracia ateniense, confrontando a perspetiva dos sofistas e a de Platão.

5.1. Distinguir os dois usos da retórica.

Publicado 23rd November 2015 por Rui Mendes

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4.

Nov

20

Unidade 2 – O conhecimento e a

racionalidade científica e tecnológica

1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

1.1. Estrutura do ato de conhecer 1.1.1. Análise fenomenológica do conhecimento / Interação sujeito-objeto

A fenomenologia é um método de descrição do ato de conhecer que não pretende explicar

o conhecimento, pois isso é função da gnosiologia. Pelo contrário, ela é anterior a toda a

explicação, servindo como meio de preparação a essa mesma explicação. A fenomenologia descreve-nos o que ocorre quando dizemos que conhecemos algo,

nomeadamente a existência de três elementos indispensáveis ao conhecimento: - o sujeito; - o objeto; - a imagem ou representação. Sujeito e objeto encontram-se frente a frente. O sujeito cognoscente é a parte ativa desta

relação e é a ele que cabe o movimento mental de sair da sua esfera, ir até à esfera do objeto e

captar as suas qualidades, construindo uma imagem do mesmo. Podemos, então, dizer que a relação do conhecimento dá-se em três tempos: o sujeito sai

de si, o sujeito está fora de si e o sujeito regressa a si. É o sujeito que fica a ganhar nesta relação,

é ele que sofre uma alteração, que constrói uma imagem que anteriormente não tinha. O objeto é

o elemento passivo desta relação, uma vez que não sofre qualquer tipo de alteração. Há ainda que referir que sujeito e objeto são transcendentes, pelo que a relação que se

estabelece entre eles é uma correlação irreversível: o sujeito é sempre sujeito e o objeto é sempre

objeto, não sendo, portanto, possível alterarem as suas posições. Dito de outro modo: a função do

sujeito é sempre conhecer o objeto e a função do objeto é sempre ser conhecido pelo sujeito O conhecimento não é um ato efetuado por um sujeito no estado puro que apreende um

objeto no estado puro. Com efeito, o sujeito interage com a realidade e é desse processo que o

conhecimento emerge. Representar o objeto é também, em certa medida, construir o objeto, isto

é, o conhecimento é sempre uma integração de novos elementos no conjunto de sign ificações e de

referências que fazem parte do mundo do sujeito.

1.1.2. Definição de conhecimento a) Tipos de conhecimento

O saber-fazer refere-se ao conhecimento prático, a uma atividade, à capacidade,

aptidão ou competência para fazer alguma coisa. Por exemplo, saber pintar uma casa. O saber que refere-se ao conhecimento proposicional ou conhecimento de verdades.

Por exemplo, saber que Portugal é um país europeu.

O conhecimento por contacto refere-se ao conhecimento direto de alguma realidade,

seja de pessoas ou lugares. Por exemplo, conhecer pessoalmente determinado indivíduo ou ter

visitado determinado lugar. b) Definição tradicional

No diálogo “Teeteto”, Platão pergunta pela Natureza do conhecimento. Segundo o seu

ponto de vista, os sentidos não conseguem atingir nem o ser, nem a verdade, nem o saber. Platão

vai distinguir aquilo que entende por doxa (opinião ou crença), aletheia (verdade), logos

(justificação) e episteme (conhecimento), considerando esta como uma crença verdadeira

justificada. Assim, quem chega à crença verdadeira sobre algo, mas sem ser capaz de dar uma

justificação sobre isso, não conhece; só quem é capaz de dar uma explicação tem o saber. Dito

de outro modo: todas as três condições referidas – crença, verdade e justificação – são

necessárias para que haja conhecimento. Consideradas isoladamente, nenhuma delas é condição

suficiente. Resumindo, a definição tradicional que tem origem em Platão é: S sabe que p se, e apenas se, (1) S acredita que p, (2) p é verdadeira; (3) S tem uma

justificação para acreditar que p. Por exemplo: se uma pessoa sabe que Marte é um planeta, então

tem a crença verdadeira justificada de que Marte é um planeta, e, se tem essa crença verdadeira

justificada, então sabe tal coisa. c) Críticas à definição tradicional

Edmund Gettier contestou a definição tradicional de conhecimento, apresentando

contraexemplos que nos revelam a possibilidade de termos uma crença verdadeira justificada sem

que tal crença equivalha a um efetivo conhecimento. Segundo Gettier, ainda que se verifiquem as

três condições (crença, verdade e justificação), o sujeito pode não possuir o conhecimento. Os

contraexemplos apresentados por este pensador colocam o chamado problema de Gettier. Consideremos um dos contraexemplos que ilustra esta possibilidade. Imaginemos que

Pedro tem boas razões para acreditar que quem vai conseguir um certo emprego não é ele, mas

Tomás, e que viu há pouco que Tomás tem dez moedas no bolso. Deste modo, Pedro tem uma

crença justificada na seguinte proposição: A. Tomás vai conseguir o emprego e Tomás tem dez moedas no bolso. Tomando A como premissa, Pedro deduz a seguinte conclusão: B. O homem que vai conseguir o emprego tem dez moedas no bolso. Dado que Pedro acredita jus tificadamente em A e infere corretamente B a partir de A,

podemos dizer que tem também uma crença justificada em B. Mas imaginemos agora que Tomás

acabará por não conseguir o emprego e que, na verdade, é o próprio Pedro que ficará com ele –

isto significa que a proposição A é falsa. E suponhamos também que Pedro, ainda que não o saiba,

também tem dez moedas no bolso. Concentremo-nos na proposição B. Pedro acredita justificadamente nesta proposição – e,

afinal, B é uma proposição verdadeira. Portanto, Pedro tem uma crença verdadeira justificada em

B. Mas, apesar de as três condições da análise platónica serem satisfeitas neste caso, a verdade é

que Pedro não sabe que o homem que vai conseguir o emprego tem dez moedas no bolso. Afinal,

aquilo que torna B verdadeira são os factos de ele (e não Tomás) vir a conseguir o emprego e de

ele (e não Tomás) ter dez moedas no bolso, e Pedro ignora completamente estes factos. É por mero

acaso que Pedro acaba por ter uma crença verdadeira justificada em B. Acrescente-se um contraexemplo mais simples do que o referido anteriormente.

Imaginemos que Joana tem fortes razões para acreditar que um certo relógio público é altamente

fiável. Certo dia, ela passa pelo relógio e vê que este indica que são oito horas da manhã. Joana

forma então a crença de que são oito horas da manhã, e esta crença está justificada pelos dados

que revelam a fiabilidade do relógio. Contudo, sem que Joana o saiba, o relógio está parado há

algum tempo, mas, curiosamente, parou quando eram oito horas. Nestas circunstâncias, Joana

acredita justificadamente que são oito horas da manhã e a sua crença é verdadeira, só que ela não

sabe que são oito horas da manhã. Afinal, teve apenas a sorte de passar pelo relógio num momento

em que este indicava a hora correta.

1.1.3. Conhecimento a priori e a posteriori

Os conhecimentos podem ser a priori ou a posteriori.

A distinção entre conhecimento a priori e a posteriori encontra-se implícita em muitos filósofos (Platão, Aristóteles, Descartes, John Locke), mas foi em Kant que se tornou mais clara.

O conhecimento a priori é defendido pelos filósofos racionalistas que

consideram que só a razão é fonte de conhecimento e o garante universal do mesmo. Sendo assim, de acordo com os racionalistas todo o conhecimento terá

de ser anterior e independente à experiência. Do mesmo modo, um argumento

é a priori se, e só se, todas as suas premissas são a priori.

O conhecimento a posteriori é defendido pelos filósofos empiristas que consideram que só a experiência é fonte de conhecimento e o garante da

objetividade do mesmo. Sendo assim, de acordo com os empiristas todo o

conhecimento terá de derivar necessariamente da experiência. Do mesmo

modo, um argumento é a posteriori se, e só se, pelo menos uma das premissas

é a posteriori.

Em síntese:

O conhecimento a priori é o conhecimento que, baseado em juízos a

priori (isto é, que antecedem qualquer tipo de experiência), tem a sua fonte ou origem apenas na razão (por exemplo, 2 + 2 = 4), não sendo necessário recorrer à experiência para o saber.

O conhecimento a posteriori é o conhecimento que, baseado em juízos a posteriori (isto é, que derivam da experiência), tem a sua origem na experiênc ia.

Trata-se do conhecimento empírico (por exemplo, o fogo queima).

1.2. Análise comparativa de duas teorias explicativas do

conhecimento: racionalismo e empirismo 1.2.1. Origem e possibilidade do conhecimento

Estas teorias colocam a questão sobre a proveniência do conhecimento: de onde é que provém? Da razão ou da experiência? O racionalismo e o empirismo dão respostas diferentes a estas questões.

O racionalismo é a teoria que defende que o nosso conhecimento deriva da razão, sendo, portanto, esta capaz de conhecer verdadeiramente todas as

coisas. Além disso, os filósofos racionalistas (como Descartes) defendem a existência de ideias inatas. Segundo estes pensadores, o conhecimento verdadeiro é totalmente independente da experiência sensível, logicamente necessário,

porque tem de ser assim, caso contrário entraríamos em contradição, e universalmente válido, porque vale sempre, em todo o lado e para todos os seres

humanos. O modelo do conhecimento verdadeiro, de acordo com o racionalismo, é-nos dado pela matemática.

O empirismo é a teoria que defende que o nosso conhecimento deriva

da experiência, estando, por isso, limitado à experiência possível. Além disso, os filósofos empiristas (como David Hume) defendem que a mente humana é uma

página em branco onde vão ser inscritas todas as nossas experiências e conhecimentos.

1.2.2. René Descartes: o racionalismo cartesiano O projeto cartesiano

Descartes, fi lósofo francês do século XVII, defendeu que a razão é a principal fonte do

conhecimento. Foi considerado, por muitos, um dos impulsionadores da ciência moderna e

desenvolveu uma das mais conhecidas respostas ao ceticismo radical. Na defesa da possibilidade

do conhecimento humano, propôs -se desenvolver e implementar um método que pudesse

conduzir-nos ao conhecimento seguro. Descartes viveu numa época marcada por grandes

transformações sociais, políticas e ideológicas. Foram descobertos novos continentes, povos e

culturas. Investigações pioneiras no campo da Física (nomeadamente, as de Galileu)

revolucionaram o entendimento do universo e do lugar do Homem no mesmo. Num período

relativamente curto, as velhas certezas tradicionais foram postas em ca usa e assistiu-se a um

profundo abalo das convicções amplamente enraizadas. Instalou-se, assim , um clima de

ceticismo generalizado no que diz respeito à nossa capacidade de alcançar qualquer espécie de

conhecimento sólido e duradouro.

Apesar disso, Descartes não estava disposto a deixar-se vencer por esta ameaça sem tentar,

pelo menos uma vez na vida, escapar à conclusão aparentemente inevitável de que nada se pode

saber. Com este objetivo em mente, Descartes decide levar o ceticismo ao extremo e vencê-lo

no seu próprio jogo, ou seja, decide recorrer à própria dúvida cética como método para provar

a impossibilidade do ceticismo. Se seguisse os caminhos mais extremos da dúvida, talvez

pudesse encontrar algo de absolutamente indubitável, ou seja, uma crença básica que fosse de

tal modo autoevidente que nem a mais extrema dúvida a pusesse em causa. Uma crença com

estas características constituiria uma base sólida sobre a qual poderia edificar com segurança o

conhecimento.

Em suma, o objetivo de Descartes era estabelecer um conhecimento seguro e indubitável,

ou seja, encontrar pelo menos uma crença básica que pudesse servir de fundamento para o

conhecimento. O seu método era a dúvida: duvidar de tudo o que se possa imaginar e averiguar

o que resista a esse processo. Por razões óbvias, este procedimento ficou conhecido por dúvida

metódica.

Dúvida cartesiana vs. dúvida cética

Embora Descartes recorra à dúvida cética, a dúvida cartesiana não se identifica inteiramente

com a dúvida cética original. Descartes subverte-a, instrumentalizando-a, isto é, servindo-se dela

como método para alcançar o conhecimento e provar a insustentabi lidade do próprio ceticismo.

Assim, contrariamente ao que acontecia com a dúvida cética original, a dúvida cartesiana não é

um ponto de chegada – o que seria o desfecho inevitável de um rigoroso processo de reflexão -

, mas sim um ponto de partida – o que constitui um meio para alcançar a verdade.

Para Descartes, trata-se, portanto, de uma decisão de considerar provisoriamente falso tudo

o que seja minimamente duvidoso. Isto significa que, à partida, a dúvida cartesiana não conhece

limites e não há nada de que não seja legítimo duvidar. Neste sentido, ela é absolutamente

universal; por princípio, pode aplicar-se a tudo, pelo menos até que se encontre algo que seja

absolutamente indubitável. Com esse objetivo em mente, Descartes leva a dúvida ao seu

extremo, de tal modo que não se l imita a suspender o juízo, mas rejeita como falso tudo aquilo

que seja meramente duvidoso, razão pela qual também se apelida a dúvida cartesiana de

hiperbólica.

Podemos, por isso, enumerar algumas características da dúvida cartesiana:

Metódica – a dúvida constitui -se num método para encontrar um conhecimento seguro;

Provisória – subsiste apenas até que se encontre algo absolutamente certo e indubitável;

Universal – pode aplicar-se a todas as nossas crenças;

Hiperbólica – não se l imita a pôr tudo em dúvida, mas rejeita como falso o meramente

duvidoso.

Razões para duvidar (ilusões dos sentidos, indistinção vigília-sono, erros de raciocínio, hipótese

dos Deus Enganador e a Hipótese do Génio Maligno)

Como vimos, inicialmente Descartes vai recorrer a uma argumentação cética para pôr

em causa tudo aquilo que julgamos saber, deitar abaixo todas as nossas convicções e verificar se

existe alguma que resista a tamanha devastação. Esses argumentos são geralmente conhecidos

por “razões para duvidar”, pois a sua conclusão é justamente a de que não podemos confiar em

crenças que tenham uma determinada origem.

As ilusões dos sentidos

O primeiro argumento de Descartes baseia-se nas i lusões dos sentidos, que nos enganam em

diversas ocasiões. Por exemplo, quando vemos uma cana mergulhada na água parece que está

partida; muitas vezes, objetos longínquos parecem redondos, quando na realidade são

quadrados; por vezes, parece que nos estão a chamar e afinal é só o vento a passar; pode

parecer-nos que cheira a batatas fritas quando alguém está a fritar rissóis; olhamos para o céu

ao longo do dia e parece-nos que o Sol se move em torno da Terra, etc.

Aplicando o princípio hiperbólico da dúvida, segundo o qual devemos rejeitar como falso tudo

aquilo que seja minimamente duvidoso, Descartes conclui que não temos justificação para

acreditar em nada que tenha origem nos sentidos. O argumento pode ser reformulado do

seguinte modo:

(1) Os nossos sentidos enganam-nos algumas vezes.

(2) Se os nossos sentidos nos enganam, então não podemos saber se nos estão a enganar neste

momento ou não.

(3) Se não podemos saber se os nossos sentidos nos estão a enganar, então não podemos confiar

nas informações adquiridas através deles.

(4) Logo, não podemos confiar nas informações adquiridas através dos sentidos.

A indistinção vigília-sono

Descartes reforça o argumento das i lusões dos sentidos com uma razão adicional para

duvidarmos de tudo aquilo que tenha origem na experiência sensível. Segundo o argumento da

indistinção vigíl ia-sono, uma vez que a vivacidade e a intensidade de certos sonhos nos

convencem muitas vezes de que estamos a ter experiências reais, quando na realidade estamos

a sonhar, não temos forma de distinguir as nossas experiências de vigíl ia daquelas que temos

quando sonhamos; consequentemente, as crenças que formamos a partir da experiência sensível

ou são falsas (porque estamos apenas a sonhar) ou, ainda que sejam verdadeiras, são-no apenas

por acaso (porque não podemos saber se estamos apenas a sonhar ou não) e, portanto, não

podem constituir conhecimento.

Erros de raciocínio

O argumento dos erros de raciocínio baseia-se na ideia de que, uma vez que todos podemos

cometer erros nos raciocínios mais simples, não podemos j ustificadamente acreditar em crenças

que tenham origem no nosso raciocínio.

A Hipótese do Génio Maligno

Para abalar a nossa confiança nas proposições mais triviais e elementares da geometria e da

aritmética, a dúvida cartesiana vai extremar-se ainda mais, levando Descartes a territórios onde,

aparentemente, nada se pode saber com certeza.

Descartes começa por fazer notar que desde muito novo lhe foi incutida a crença de que fomos

criados por um ser superior, sumamente inteligente e de poderes ilimitados. Ora, um ser com

estas características poderia introduzir nas nossas mentes as ideias que bem entendesse ,

fazendo-nos tomar por evidências os maiores absurdos que possamos imaginar. Poderia, por

exemplo, fazer-nos acreditar que um quadrado tem quatro lados quando na realidade teria

apenas três. Como podemos saber que isso não está, de facto, a acontecer?

Descartes apercebe-se de imediato que esta suposição, conhecida como Hipótese do Deus

Enganador, enfrenta sérias dificuldades, pois a ideia de um Deus Enganador é uma contradição

nos termos. Sendo Deus um ser perfeito por definição, não pode possuir qualquer espécie de

defeito, como, por exemplo, ser enganador. Por este motivo, Descartes vê-se forçado a

abandonar a Hipótese do deus Enganador e a recorrer a uma espécie de Plano B: a Hipótese do

Génio Maligno. Concebe uma experiência mental que consiste na suposição de que existe um

ser tão poderoso quanto perverso, que designa por Génio Maligno para evitar os problemas

associados à ideia de um Deus Enganador, que se diverte a usar os seus poderes para nos induzir

em erro relativamente a tudo. Uma vez que não se espera que este ser exiba a perfeição moral

característica de um ser perfeito, não corremos o risco de cair em contradição.

O argumento do Génio Maligno diz-nos o seguinte: uma vez que não podemos saber se o Génio

Maligno existe ou não, a maioria das nossas crenças são falsas, ou, ainda que sejam verdadeiras,

são-no apenas por acaso (pois não temos nenhuma justificação para acreditar que não se trata

de mais uma das suas maquinações). Logo, não temos qualquer espécie de conhecimento (pois

só temos conhecimentos se tivermos crenças verdadeiras justificadas). Enquanto a Hipótese do

Génio Maligno não for afastada, não podemos, aparentemente, estar certos de nada. O Génio

Maligno pode fazer-nos acreditar que estamos a ter determinadas experiências, pode

introduzir-nos falsas memórias e pode virar o nosso intelecto do avesso, de forma que até as

mais elementares demonstrações matemáticas não passem de ilusões que este introduz nas

nossas mentes.

Se acreditar que tudo o que penso conhecer não é senão um sonho ou ficção (ou realidade

virtual) produzida por um génio maligno, restará alguma coisa segura que nem o sonho nem esse

ser possam transformar em falso? O que é que resiste a esta dúvida? Será este argumento

inabalável?

O papel do Cogito no racionalismo cartesiano:

- O triunfo sobre o ceticismo

O próprio Descartes mostra que o argumento do Génio Maligno não é tão inabalável quanto

à primeira vista possa parecer. Pelo contrário, em vez de conduzir à conclusão de que nada se

sabe, a Hipótese do Génio Maligno conduz à conclusão de que existe algo que podemos,

garantidamente, saber.

Pode ser que não exista nenhuma das coisas que os meus sentidos me mos tram, pode ser

que o meu corpo não exista; porém, mesmo que toda a minha experiência e conhecimento sejam

resultado da ação de um génio maligno que me engana, o próprio facto de estar a ser enganado

demonstra que existo, pois se não existisse não poderia ser enganado. Se duvido, se sonho, se

estou a ser enganado, devo existir para poder duvidar, sonhar e ser enganado. É esta a célebre

conclusão de Descartes: “Penso, logo existo”. Mesmo que o Génio Maligno exista e se esforce

tanto quanto pode para me enganar, nunca me poderá convencer de que não existo, pois, para

que me possa convencer seja do que for, eu tenho necessariamente de existir . Existe, portanto,

algo que posso saber com toda a certeza: que existo. Esta crença é geralmente abreviada pela

expressão cogito, pois muitos dos leitores da obra de Descartes contactaram com a sua

formulação em latim: Cogito, ergo sum. A sua verdade não pode consistentemente ser posta

em causa, pois para se poder duvidar do que quer que seja é preciso existir. Quem quer que se

questione acerca da veracidade do cogito tem automaticamente justificação para acreditar nele.

Assim, Descartes refuta o ceticismo por redução ao absurdo. Assumindo como premissa a

ideia de que nada se pode saber, somos conduzidos a uma contradição, pois para podermos

duvidar da possibilidade do conhecimento somos forçados a admitir que existe algo que sabemos

com toda a certeza: sabemos que existi mos, caso contrário não poderíamos duvidar fosse do que

fosse.

A importância do cogito no racionalismo cartesiano é inquestionável. O cogito é uma crença

básica, que não precisa de ser justificada com base noutras crenças e, por conseguinte, pode

estabelecer-se como primeira evidência, fornecendo os alicerces seguros que Descartes

procurava para edificar o conhecimento. Deste modo, podemos considerar que o cogito

representa o tão desejado triunfo sobre o ceticismo. Por mais extremas que as nossas dúvidas

possam ser, existirá sempre pelo menos uma coisa que podemos saber com toda a certeza: que

existimos.

Mas será esta crença suficiente para fundar todo o nosso conhecimento do mundo? Será que

saber que existimos é suficiente para saber que temos um corpo e restaurar a nossa confiança

nas nossas experiências sensíveis? Não, na verdade o cogito não é, por si só, capaz de

estabelecer a verdade de nenhuma destas coisas, pois enquanto não afastarmos definitivamente

o fantasma do Génio Maligno não temos a certeza de que não estamos a ser enganados por ele,

acreditando erradamente que temos um corpo, mãos, olhos, nariz, etc.

- Uma coisa pensante (res cogitans)

Só há uma coisa de que podemos estar certos, ainda que o Génio nos engane: temos de existir

de algum modo para que este nos possa enganar. Mas isso não implica que tenhamos

necessariamente um corpo. A única coisa que sabemos, com toda a certeza, é que existimos

enquanto coisa que pensa, ou res cogitans (coisa/substância pensante em latim), mas nada

sabemos acerca do mundo físico, do mundo da matéria, do mundo das coisas extensas (que

ocupam um espaço), ou seja, nada sabemos acerca da res extensa (coisa/substância extensa, em

latim).

Isto significa que o cogito estabelece apenas a existência de uma substância pensante, mas

não oferece qualquer garantia da existência da realidade sensível. Como tal, o cogito não é

suficiente para nos assegurar que temos um corpo, nem que as nossas experiências percetivas

são fiáveis.

Ao tomar consciência de que pode imaginar que não tem um corpo, sem que isso implique

que não existe, mas não pode duvidar da sua existência enquanto pensamento, Descartes

conclui que é essencialmente uma substância pensante , isto é, uma mente ou alma imaterial

que existe independentemente do corpo e que é de natureza inteiramente distinta do mesmo.

Podemos formular as diferentes etapas deste argumento do seguinte modo:

(1) Posso conceber que existo sem ter um corpo.

(2) Não posso conceber que existo sem ter uma mente/alma.

(3) Se posso conceber que existo sem ter um corpo, mas não posso conceber que existo sem ter

uma mente/alma, então a mente/alma não é igual ao corpo.

(4) Logo, a mente/alma não é igual ao corpo.

Uma vez que estabelece a distinção entre duas esferas da realidade de natureza inteiramente

diferente – o corpo e a mente -, esta posição ficou conhecida por Dualismo Cartesiano ou

Dualismo mente-corpo. Depois de estabelecer esta distinção, Descartes apercebe-se que a sua

essência, ou natureza, se identifica com a mente e não com o corpo.

Mas se a única coisa que Descartes conseguiu demonstrar, até ao momento, foi a sua

existência enquanto coisa pensante, poderá ele alguma vez estar certo de que sabe alguma coisa

para além disso? Descartes acreditava que sim. Verás em seguida porquê.

- Um critério de verdade

Descartes considerava que, uma vez que o que torna o cogito uma crença tão evidente não

é mais do que o seu elevado grau de clareza e distinção, estas características deveriam ser

adotadas como critério de verdade, ou seja, como procedimento que nos permite distinguir o

que é absolutamente verdadeiro do que é meramente duvidoso ou falso. Assim, o cogito não só

fornece um fundamento seguro para o conhecimento mas também um modelo daquilo que

devemos perseguir na procura de um saber seguro e indubitável.

Deste modo, para saber se uma determinada proposição é verdadeira (por exemplo: Posso

estar certo do cogito), bastará que Descartes a conceba clara e distintamente. Mas será que, para

além do cogito, existe alguma proposição com estas características?

A ideia de Deus

À primeira vista, Descartes parece ser incapaz de dar um passo além do cogito. É como se

estivesse sozinho no seu sólido rochedo, mas rodeado por um tumultuoso mar de dúvidas, para

além do qual não pode passar. Contudo, munido do seu recém-adquirido critério de verdade,

Descartes decide vasculhar a sua mente em busca de outras ideias que, à semelha nça do cogito,

se possam conceber clara e distintamente.

Ao inventariar as suas ideias apercebe-se de que tem a ideia de Deus. Pensa então: “Se eu

conseguir provar que Deus existe e não é enganador, talvez possa estar certo de muitas outras

coisas para além de saber que existo enquanto coisa pensante, pois um criador supremo e

sumamente bom não me teria feito de modo a que nunca pudesse conhecer a verdade acerca

de coisa alguma.”

O Argumento da Marca

Ao tomar consciência de que possui a ideia de Deus, ou seja, de um Ser Perfeito,

Descartes vê-se forçado a reconhecer que ele próprio não é perfeito, pois, na sua opinião, saber

é claramente melhor do que duvidar e ele está certo de que é um ser que duvida. No entanto,

apesar de não ser perfeito, ele tem a ideia de Ser Perfeito. Ora, Descartes subscreve o Princípio

da Causalidade, segundo o qual: Tudo o que existe tem uma causa. Mas qual poderá ser a causa

dessa ideia? Poderia ser ele próprio o seu autor?

Descartes vai tentar demonstrar que não pode ser ele o autor dessa ideia, pois na sua

opinião uma causa deve ter pelo menos tanta realidade quanto os seus efeitos. Isto significa

que, tal como o nada não pode dar origem seja ao que for, também o menos perfeito não pode

dar origem a algo que seja mais perfeito. Ou seja, assim como algo que não existe não pode dar

origem a coisa nenhuma, também algo que é incompleto não pode dar origem a algo que é mais

completo. Assim, e uma vez que não é perfeito, Descartes conclui que não pode ser ele a origem

da ideia de perfeição. Esta ideia deve ter origem em algo que seja pelo menos tão perfeito quanto

ela, ou seja, em Deus.

Deste modo, Descartes acredita ter conseguido provar que, para além do cogito, pode

estar certo da existência de Deus. Este argumento ficou conhecido como Argumento da Marca

porque é como se, ao criar-nos, Deus tivesse introduzido nas nossas mentes a ideia de perfeição,

para que esta funcionasse como uma espécie de marca, ou assinatura, do autor.

Em suma, a ideia de um Ser Perfeito:

não pode ter vindo dos sentidos, por não ser visível um tal ser;

não pode ter origem em nós mesmos, por sermos imperfeitos;

tem de ser uma ideia inata (ou a priori) que foi posta em nós por esse tal Ser Perfeito,

«tal como o artista imprimiu uma marca na sua obra»;

implica a sua existência por não ser possível ter uma ideia de um ser com tão grande

perfeição e tal ser não existir. Um Ser Perfeito não seria perfeito se não existisse; logo, Deus

existe e é perfeito.

Explicitamente formulado, este argumento diz-nos o seguinte:

(1) Eu tenho a ideia de Ser Perfeito.

(2) Se eu tenho a ideia de Ser Perfeito, então existe um Ser Perfeito que é a origem desta ideia.

(3) Existe um Ser Perfeito que é a origem da minha ideia de perfeição.

(4) Ou eu sou o Ser Perfeito ou existe um algo para além de mim que é perfeito e que é a

verdadeira origem da minha ideia de perfeição.

(5) Se duvido, não sou perfeito.

(6) Duvido.

(7) Não sou perfeito.

(8) Logo, existe algo para além de mim que é perfeito e que é a verdadei ra origem da minha ideia

de perfeição.

O papel de Deus no racionalismo cartesiano

Deus desempenha um papel fundamental no racionalismo cartesiano, porque, uma vez

que Deus existe e não é enganador (pois enganar seria uma imperfeição), não iria criar-nos de

modo a que fôssemos incapazes de conhecer seja o que for . Pelo contrário, Deus deu-nos as

ferramentas necessárias para descobrirmos a verdade e para nos orientarmos no mundo. Mas

se Deus nos concebeu tais ferramentas, por que razão estamos sujeitos à dúvida e ao erro?

A resposta de Descartes é muito simples: Deus é perfeito e, como tal, é sumamente

bom, por isso decidiu criar-nos com livre-arbítrio. No entanto, muito embora uma vontade livre

seja, de facto, uma dádiva de valor inigualável, ela traz cons igo um pequeno inconveniente: a

possibilidade de fazer escolhas acarreta a possibilidade de fazer más escolhas. Assim, Descartes

conclui que o erro não vem de Deus, que é perfeito, mas sim de nós, que, não sendo perfeitos,

fazemos por vezes um mau uso da nossa l iberdade, dando assentimento a coisas que não

concebemos muito clara e distintamente.

Portanto, uma vez provado que Deus existe e não é enganador, não temos razões para

acreditar que nos possamos enganar quando concebemos algo com clareza e distinçã o. Aliás, o

próprio Descartes reconhece que é justamente por esse motivo que podemos confiar naquilo

que concebemos com clareza e distinção.

Mas, será que podemos conceber com clareza e distinção a existência do mundo?

Existência do mundo

A resposta de Descartes à pergunta formulada anteriormente é: o mundo existe, pois um

Deus perfeito (ao contrário de um génio maligno) não nos enganaria quando avaliamos a

realidade material a partir de relações matemáticas quantificáveis. Assim, Deus torna-se a

garantia de que aquilo que conhecemos com a razão corresponde a algo realmente existente.

O que é conhecer com a razão? É conhecer as relações matemáticas, aquilo que pode ser

medido, o comprimento, a largura e a profundidade. Estas são as propriedades quantitativas ou

qualidades primárias dos corpos, apreendidas pela razão de forma tão clara e nítida como a

apreensão da ideia de «cogito» ou «eu pensante». Pelo contrário, as propriedades qualitativas

ou propriedades secundárias, como cor, cheiro, sabor estão relacionadas com os nossos sentidos

e, por essa razão, não descrevem objetivamente a realidade exterior, devendo, portanto, ser

rejeitadas do domínio do conhecimento verdadeiro.

De onde vem, então, o conhecimento? Serão os sentidos a fonte do nosso conhecimento do

Mundo? Descartes, como vimos, não aceita a validade do conhecimento sensorial. Ele parte do

princípio de que:

se os sentidos nos enganam algumas vezes, poderão enganar-nos sempre;

os sentidos apenas captam características subjetivas - propriedades qualitativas das coisas,

isto é, características que dependem do efeito produzido por elas nos nossos sentidos.

Por estas razões, Descartes rejeita o conhecimento sensorial como fundamento do

conhecimento verdadeiro. O verdadeiro conhecimento tem de proceder da razão.

A Matemática era a disciplina que Descartes mais admirava e considerava que só o

procedimento matemático poderia conferir certeza ao conhecimento.

Em síntese:

Descartes começou por duvidar da validade de todo o conhecimento, experimentando a sua

veracidade através da dúvida: só aceitaria como verdadeiro aquele conhecimento que resistisse

à dúvida mais radical.

Onde o levou este procedimento de dúvida metódica?

Ao reconhecimento do «eu pensante» como sendo uma verdade indubitável, conhecida

clara e distintamente por intuição.

Foi, portanto, «o cogito» (“penso, logo existo”) que foi tomado:

como primeira ideia indubitável e, por isso, a primeira verdade;

como ponto de partida de toda a sua Filosofia, a partir do qual seriam deduzidas outras

verdades cada vez menos gerais;

como modelo do critério de verdade a seguir, para distinguir o verdadeiro do falso.

Quais são as implicações deste percurso e destas descobertas de Descartes? Colocam-no na

trilha dos fi lósofos racionalistas, porque:

busca um conhecimento absoluto, isto é, válido universalmente e logicamente necessário;

adota como modelo o conhecimento racional/matemático e o respetivo método que

aplica a todo o tipo de conhecimento;

duvida da validade do conhecimento empírico, isto é, do conhecimento elaborado com

base em informações sensoriais;

pressupõe a existência de ideias inatas, que fazem parte do património da nossa razão, e

que, por isso, são comuns a todos os homens.

OBJEÇÕES AO RACIONALISMO CARTESIANO

a) Eu penso, ou há pensamento em curso

Se prestarmos a devida atenção ao cogito, apercebemo-nos de que a sua certeza é

apenas momentânea – “Estou, neste momento, a pensar, logo existo”; se parar de pensar, posso

muito bem deixar de existir. Mas, nesse caso, o cogito dificilmente será verdadeiro, isto é,

dificilmente a consciência de que existe pensamento seria suficiente para provar a existência

de um único eu – ou seja, um ser que se reconhece como sendo o mesmo ao longo do tempo –

que reclame o pensamento atualmente em curso como seu.

Esta objeção foi primeiramente formulada pelo fi lósofo alemão Georg C. Lichtenberg

(tendo sido posteriormente reforçada por fi lósofos como Bertrand Russell e A. J. Ayer).

Lichtenberg considera que Descartes nem sequer deveria dizer “Eu penso”, deveria

dizer simplesmente “há pensamento”, como quem diz “troveja”. Segundo este autor, tudo o que

Descartes conseguiu mostrar foi que existe pensamento, mas não a existência de um qualquer

Eu a quem esse pensamento tenha necessariamente de pertencer.

b) Objeções ao Argumento da Marca

O Argumento da Marca enfrenta vários problemas. Em primeiro lugar, o argumento

pressupõe, na primeira premissa, que temos a ideia de Deus, ou Ser Perfeito, mas esta ideia está

longe de ser consensual. Algumas tradições teológicas, como o fideísmo, afirmam que a

perfeição de Deus desafia a nossa compreensão, pois somos seres finitos e l imitados, pelo que

nem sequer podemos considerar que temos a ideia de Deus, ou Ser Perfeito.

Em segundo lugar, Descartes pressupõe que duvidar é menos perfeito do que saber,

para concluir que, uma vez que duvida, não pode, ele mesmo, ser o Ser Perfeito. Mas por que

razão não podemos considerar que duvidar é mais perfeito do que possuir a totalidade do

conhecimento?

Um saber completo e perfeitamente delimitado pode ser encarado por muitos como

demasiado monótono e estático, incompatível com uma ideia dinâmica de perfeição, envolvendo

necessariamente algum esforço para o progresso.

Em terceiro lugar, o argumento também se apoia no princípio da causalidade e na ideia

de que uma causa deve ter pelo menos tanta realidade e, consequentemente, ser tão perfeita

quanto os seus efeitos. No entanto, no momento em que formula este argumento, Descartes

não tem maneira de saber se estas ideias são verdadeiras.

c) O Círculo Cartesiano

O Círculo Cartesiano é, talvez, a mais poderosa objeção que o racionalismo cartesiano

enfrenta. Esta objeção consiste na acusação de que Descartes incorre numa petição de princípio ,

pois recorre às suas capacidades racionais para estabelecer a existência de Deus e recorre a Deus

para justificar a confiança nas suas capacidades racionais; contudo, este movimento é

claramente circular.

d) Objeções ao dualismo cartesiano (mente-corpo)

Como vimos, Descartes justifica o dualismo mente-corpo com base no facto de ser capaz

de conceber que exista sem um corpo, mas não sem uma mente. No entanto, esta estratégia

argumentativa não permite demonstrar a separação mente-corpo, pois confunde estados

mentais acerca das coisas com propriedades reais e efetivas das mesmas. Assim, do facto de eu

não conceber que existo sem uma mente, não se segue que a mente é, de facto, diferente do

corpo.

1.2.3. David Hume: o empirismo cético Ao contrário do racionalismo cartesiano, que encarava a experiência sensível com enorme

suspeita, a teoria fi losófica proposta por David Hume atribui o estatuto de crenças básicas

justamente às crenças que provêm da nossa experiência sensível imediata, como por exemplo

a crença “Estou, neste momento, a ter uma experiência da cor azul”.

Assim, em vez de recorrer a uma intuição de caráter puramente racional como o cogito,

Hume coloca na experiência sensível o maior grau de evidência a que podemos aspirar quando

procuramos saber como as coisas são. Por esse motivo, a teoria de David Hume ficou conhecida

por empirismo. Hume é um fi lósofo empirista que não aceita a existência de ideias inatas.

Defende antes que o conhecimento possível só pode derivar, direta ou indiretamente, da

experiência, opondo-se à possibil idade de demonstrar a existência de Deus racionalmente.

O Princípio da Cópia

David Hume era um empirista. A maioria dos empiristas tinha a crença de que, quando

nascemos, a nossa mente é como uma tábua rasa, uma folha em branco, que posteriormente

seria preenchida pela experiência. Isto significa que, para estes autores, o conteúdo das nossas

mentes tem a sua origem na experiência. São os cinco sentidos que fornecem informação sobre

o mundo, registando nas nossas mentes as impressões colhidas do exterior.

Hume escolheu o termo “perceções” para designar o conteúdo das nossas mentes – ou seja,

tudo aquilo que fazemos quando observamos, sentimos, recordamos, imaginamos, etc. Segundo

Hume, as nossas perceções podem ser de dois tipos: impressões e ideias.

- As nossas impressões correspondem aos dados da nossa experiência imediata, isto é, às

experiências que temos no momento em que observamos, sentimos, amamos, odiamos,

desejamos, e assim por diante. Por essa razão, as impressões são fortes, vivas e intensas.

- As ideias são uma imagem mental formada a partir das impressões. Por i sso, são cópias

enfraquecidas das impressões que surgem quando recorremos à memória ou à imaginação para

representarmos mentalmente impressões que tivemos anteriormente, e, portanto, são menos

intensas e menos vívidas do que as impressões.

Hume reforça esta diferença através do contraste entre sentir e pensar. Sem dúvida, sentir

uma dor é muito diferente de recordar uma dor sentida anteriormente. A primeira experiência

é forçosamente mais vívida e mais intensa do que a segunda. E se em algum momento a segunda

se assemelhar à primeira no que diz respeito à sua vivacidade e intensidade, então é porque

deixamos de estar meramente a recordar uma dor e passamos a senti -la.

Deste modo, Hume reformula o velho princípio aristotélico segundo o qual “Nada está no

intelecto sem que tenha passado pelos sentidos”. Este é o princípio da cópia: todas as ideias

humanas são cópias de impressões. Hume justifica a sua aceitação deste princípio com base na

ideia de que um cego de nascença seria incapaz de imaginar a cor azul, j ustamente porque não

possui qualquer impressão que corresponda a essa cor. O argumento de Hume pode ser

formulado do seguinte modo:

(1) Um cego de nascença não tem qualquer impressão de cores.

(2) Se um cego de nascença não tem qualquer impressão de cores, então ou um cego de

nascença não pode imaginar a cor azul, ou existem ideias que não correspondem a qualquer

impressão.

(3) Um cego de nascença não pode imaginar a cor azul.

(4) Logo, não existem ideias que não correspondam a qualquer impressão.

Será que Hume tem razão? Não haverá ideias que não correspondem a nenhuma impressão?

Afinas de contas, se esse for o caso, como poderíamos ter as ideias de centauro, sereia, cavalo

alado, etc.?

De acordo com Hume, há ideias simples e há ideias complexas. As primeiras são aquelas que

correspondem a impressões simples, ou seja, impressões de coisas que não podem ser divididas

em partes mais pequenas, como a cor ou a forma dos objetos; as segundas são aquelas que

correspondem a combinações de duas ou mais ideias simples, como, por exemplo, a ideia de

sereia.

Assim, através da imaginação, podemos combinar a forma de um peixe com a forma de uma

mulher para criar a ideia de sereia, pois, apesar de nunca termos visto uma sereia, temos as

impressões correspondentes à forma do peixe e à forma da mulher.

Vejamos outros exemplos:

- Temos a ideia de cavalo alado, um cavalo com asas. Esta ideia resulta da combinação da ideia

de cavalo com a ideia de animal com asas. Há impressões correspondentes às ideias de cavalo e

de animal com asas, mas não há nenhuma impressão correspondente à ideia de cavalo alado.

Que conclusão temos de retirar deste facto? Que esta ideia resultou do traba lho combinatório

da mente e é falsa por não existir nenhuma experiência sensorial desse animal.

- Temos a ideia de Deus. Haverá alguma impressão/sensação correspondente? Se não há, então

a ideia de Deus é uma criação da razão, a partir de ideias como «inteligência», «sabedoria»,

«bondade», «perfeição», etc. Se nunca tivéssemos tido experiências da in teligência, da

sabedoria e da bondade, não poderíamos moldar estas ideias, nem a ideia de Deus, que é uma

combinação destas. Mas enquanto aquelas são verdadeiras, por terem uma impressão que lhes

corresponde, esta, não a tendo, é uma criação ilusória da razão e deve ser rejeitada.

Assim sendo, o princípio básico do empirismo é que as nossas ideias e opiniões acerca da

realidade provêm dos sentidos.

A Bifurcação de Hume

Considerando a distinção entre ideias e impressões, Hume reduz todo o conhecimento

humano a dois tipos: relações de ideias e questões de facto. Por considerar que na busca de

conhecimento existem apenas dois caminhos a seguir, esta divisão ficou conhecida como A

Bifurcação de Hume. Assim, podemos apresentar a distinção entre relações de ideias e questões

de facto do seguinte modo:

- A relação de ideias é o tipo de conhecimento que pode ser obtido apenas mediante a análise

do significado dos conceitos envolvidos numa proposição. Por exemplo, para saber que a

proposição “Os solteiros não são casados” é verdadeira, basta saber o significado dos conceitos

de “casado” e de “solteiro”. Trata -se de uma verdade necessária, pois a sua negação – há

solteiros casados – implica uma contradição nos termos. Este tipo de conhecimento é

característico de áreas como a matemática (por exemplo, 5 é a metade de dez), a geometria (um

hexágono tem seis lados) e a lógica. É, portanto, um conhecimento dedutivo.

- As questões de facto são o tipo de conhecimento que só pode ser obtido através de

impressões, ou seja, através da experiência, e que nos fornece informação verdadeira acerca

do mundo. Por exemplo, “A nesse é branca” é uma questão de facto, pois, para se saber que a

neve é branca, é preciso ter experiência da neve e da sua cor. Não existe nada nos conceitos de

“neve” e de “brancura” que torne a proposição “A neve não é branca” uma contradição nos

termos. Este tipo de conhecimento expressa verdades contingentes – isto é, proposições que

são verdadeiras, mas que poderiam não o ser – e é característico de ciências da natureza como

a física, por exemplo. É, portanto, um conhecimento indutivo (por exemplo, à lua nova segue-se

o quarto crescente; a água ferve a 100 graus centígrados).

Hume sustenta que apenas o conhecimento sobre questões de facto nos pode fornecer

informações sobre o mundo, pois as relações de ideias, embora expressem verdades

necessárias, referem-se apenas às relações entre o significado das ideias envolvidas, mas nada

dizem acerca do que existe (é verdade que nenhum solteiro pode ser casado, mas isso não nos

diz se existem solteiros, ou não). Além disso, Hume reconhece que todo o conhecimento sobre

questões de facto tem de se basear na experiência.

Munido deste critério, Hume pôde, uma vez mais, reforçar a sua convicção na perspetiva

empirista: considerando que existem apenas dois tipos de conhecimento – relações de ideias e

questões de facto – e uma vez que apenas o conhecimento das questões de facto nos fornece

informações sobre o mundo, todo o nosso conhecimento do mundo se baseia necessariamente

em impressões.

Segundo David Hume, no contexto das ciências da natureza, o conhecimento das questões

de facto depende da causalidade: é porque acreditamos na regularidade da natureza que

podemos esperar que da observação de um conjunto de causas se seguirão os efeitos já

esperados. Partindo da causalidade, a ciência, por exemplo, constrói novo conhecimento através

de raciocínios indutivos. Mas a principal questão de Hume é saber se as questões de facto

permitem efetivamente construir conhecimento verdadeiro. Neste sentido, a teoria empirista

de David Hume coloca três problemas que analisaremos de seguida: causalidade, indução e

mundo exterior.

O Problema da Causalidade

A causalidade consiste na associação de duas ideias que ocorre quando representamos duas

ideias como correspondendo a uma relação causa-efeito. A consideração da causa transporta a

nossa mente para a consideração do efeito. Por exemplo, se pensamos numa ferida, é comum

pensarmos na dor que naturalmente lhe está associada. No entanto, a ideia de causalidade

coloca um enorme desafio ao empirismo de Hume, pois, embora aparentemente seja

inquestionável que somos detentores dessa ideia, a sua origem não parece ser tão clara. Afi nal,

de onde vem a ideia de causalidade?

Não se trata de uma relação de ideias, pois da sua negação não resulta qualquer contradição.

Por exemplo, ao ver uma bola de bilhar mover-se em direção a outra posso perfeitamente

conceber uma série de acontecimentos alternativos: posso imaginar que ambas as bolas ficam

paradas, que a segunda fica parada e a primeira volta para trás, que a primeira para e a segunda

se desloca numa ou noutra direção, etc. Resta -nos a possibilidade de se tratar de uma questão

de facto, pelo que a veracidade do princípio da causalidade não pode ser estabelecida senão

através da experiência. No entanto, a experiência não nos responde a isto, pois tudo o que vemos

são dois acontecimentos surgirem frequentemente associados, mas não temos qualquer

impressão sensível do que é essa suposta conexão necessária entre ambos.

Apesar destas dificuldades, Hume não fica sem resposta para os problemas suscitados pelo

Princípio da Causalidade e recorre a uma experiência mental (conhecida como Um Adão

inexperiente) para nos mostrar que, apesar de não haver uma impressão que lhe corresponda

diretamente, a ideia de causalidade tem origem na experiência. Esta experiência mental

consiste em imaginar alguém que, embora seja “dotado da mais forte capacidade e ra zão

natural”, ainda não tenha tido qualquer experiência das regularidades do mundo. Como

consequência dessa falta de experiência, por mais dotada que essa pessoa fosse de um ponto de

vista racional, seria incapaz de inferir um efeito a partir da sua respetiva causa numa única

ocorrência. Se imaginarmos que essa pessoa adquire mais experiência do mundo e das suas

regularidades, percebemos que isso bastaria para que se tornasse capaz de fazer tal inferência

(isto é, seria capaz de o fazer após verificar que dois acontecimentos aparecem constantemente

um a seguir ao outro). Deste modo, Hume conclui que a ideia de relação causal ou conexão

necessária entre dois acontecimentos mais não é do que a expectativa de que um deles, a que

chamamos efeito, irá ocorrer sempre que o outro, a que chamamos causa, ocorra. Esta

expectativa resulta do hábito, ou costume, isto é, da experiência que temos de uma conjunção

constante desses dois acontecimentos pelo que não se funda na razão, mas sim num impulso

natural irresistível e fundamental para o nosso dia a dia. Esta conexão resulta unicamente da

nossa vontade de que o mundo seja previsível (atitude a que Hume designará por Princípio da

Uniformidade da Natureza).

O Problema da Indução

A solução de Hume para o problema da causalidade mostra -nos que a nossa expectativa de

que causas semelhantes terão efeitos semelhantes se baseia unicamente no hábito – ou seja, na

nossa experiência de certas regularidades ou repetições -, pelo que não temos legitimidade para

postular a existência de uma força ou poder secreto da Natureza que estabelece uma relação

causal (ou conexão necessária) entre diferentes objetos ou acontecimentos. No entanto, essa

constatação não está isenta de dificuldades, pois sem a garantia de que existe, de facto, uma tal

relação causal (ou conexão necessária) não temos legitimidade para acreditar em algo tão trivial

e tão fundamental para o nosso dia a dia como a ideia de que causas semelhantes terão efeitos

semelhantes. Chamamos a esta proposição Princípio da Uniformidade da Natureza (PUN). Este

princípio diz-nos o seguinte: a Natureza irá comportar-se no futuro conforme se tem

comportado até hoje.

O Princípio da Uniformidade da Natureza é algo que, de forma mais ou menos consciente,

todos assumimos como verdadeiro, pois sem essa crença a nossa vida quotidiana tornar -se-ia

bastante bizarra. Que razões posso apresentar para o facto de acreditar que o chão não irá

desaparecer debaixo dos meus pés quando começar a caminhar? Aparentemente, tudo o que

posso fazer é dizer que acredito que assim será porque até hoje assim foi. Mas será que isso me

oferece algum tipo de garantia? Por outras palavras, teremos alguma vez justificação para inferir,

a partir da repetição de um grande número de casos observados, uma conclusão acerca de casos

ainda por observar? Na Unidade 1, designámos este tipo de inferências como inferências

indutivas e, por esse motivo, este problema também ficou conhecido como problema da

indução.

Hume considerou que não há maneira de justificar racionalmente a nossa confiança nas

inferências indutivas. Por maior que seja o número de casos em que experimentamos uma

determinada regularidade, jamais teremos justificação racional para acreditar que essa

regularidade se irá manter no futuro. Analisemos uma inferência indutiva:

(1) Até hoje o Sol nasceu todos os dias.

(2) Logo, o Sol irá nascer amanhã.

Verificamos aqui que a verdade das premissas não é suficiente para garantir a verdade da

conclusão. A única forma de tornar esta inferência mais sólida é acrescentando-lhe o Princípio

da Uniformidade da Natureza como uma das suas premissas. Deste modo, a inferência assumiria

esta forma:

(1) A Natureza irá comportar-se no futuro conforme se tem comportado até hoje (PUN).

(2) Se PUN é verdadeiro, então se até hoje o Sol nasceu todos os dias, irá nascer amanhã.

(3) Até hoje o Sol nasceu todos os dias.

(4) Logo, o Sol irá nascer amanhã.

Esta última inferência é válida, mas a sua solidez depende da veracidade do Princípio da

Uniformidade da Natureza. Contudo, uma vez que não se trata de uma mera relação de ideias,

não temos forma de demonstrar a veracidade deste princípio sem recorrer à experiência, mas

isso implicaria justificar a nossa confiança nesse princípio com base na nossa experiência de

que até hoje a Natureza se tem comportado de modo uniforme . Isso significa que estaríamos a

recorrer à indução para justificar a nossa confiança em PUN. Ora, dado que a nossa conf iança ma

própria indução pressupõe a adoção de PUN, a nossa justificação torna -se viciosamente circular,

pois pressupõe justamente aquilo que pretende justificar, incorrendo numa petição de princípio .

Deste modo, Hume é, mais uma vez, conduzido à conclusão de que a crença de que a

Natureza se irá comportar como se tem comportado e a nossa confiança na indução não têm um

fundamento racional e são apenas fruto de um inegável impulso natural que nos determina a ter

esta crença.

O Problema do Mundo Exterior

A crença no Princípio da Uniformidade da Natureza não é a única crença comum cujo

fundamento é posto em causa por Hume. Sem refletir muito sobre o assunto, todos nós estamos

dispostos a assumir a existência de um mundo exterior às nossas mentes, que não depende da

nossa perceção e que é a verdadeira causa das nossas impressões. Mas, segundo Hume, é um

erro confundir os objetos exteriores e o mundo exterior à nossa mente com as perceções dos

mesmos. Para sustentar esta ideia, Hume avança o seguinte argumento:

(1) Se a mesa que vemos e que está presente na nossa mente fosse a mesa real, o seu tamanho

não se alterava em função da nossa perspetiva.

(2) Mas a mesa que está presente na nossa mente parece diminuir à medida que dela mais nos

afastamos, ou seja, o seu tamanho altera-se em função da nossa perspetiva.

(3) Logo, aquilo que está presente na nossa mente não é mesa real, mas sim uma imagem ou

representação mental da mesma.

Uma vez que se trata de uma questão que diz respeito à existência, uma investigação desta

natureza deve ser resolvida com recurso à experiência, mas a nossa experiência não pode

alguma vez estender-se para além das nossas impressões, e estas, conforme acabámos de

constatar, não devem ser confundidas com os objetos exteriores em si mesmos. Assim, uma vez

que nunca poderemos sair do interior das nossas mentes, nunca seremos capazes de verificar

se, de facto, existe uma correspondência entre as nossas perceções e os objetos exteriores, nem

tampouco poderemos alguma vez ter justificação para a creditar na existência dos mesmos.

O Ceticismo Moderado de Hume

Assim, como consequência dos seus princípios empiristas, Hume é estranhamente

conduzido à conclusão de que existem duas crenças que, embora não possamos viver sem as

assumir como verdadeiras, estão para além de qualquer tentativa de justificação racional:

1. A crença na uniformidade da Natureza, isto é, a crença de que a Natureza se irá comportar

conforme se tem comportado até hoje (ou seja, a crença no Princípio da Indução);

2. A crença na existência do mundo exterior, isto é, a crença de que existem objetos exteriores à

nossa mente que são responsáveis pelas nossas perceções dos mesmos.

Contudo, isto não faz de Hume um cético, pelo menos não no sentido tradicional do termo,

porque considera que, uma vez que estas crenças fazem parte da natureza humana e na vida

quotidiana não conseguimos pensar nem agir sem elas, não devemos rejeitá -las, nem suspender

o juízo relativamente às mesmas. Hume acaba por defender apenas um ceticismo moderado,

que serve para nos proteger contra o dogmatismo, as decisões precipitadas e as investigações

demasiado especulativas, distantes da experiência e sem suporte empírico.

OBJEÇÕES À TEORIA EMPIRISTA DE DAVID HUME

a) Objeção à imagem da mente como tábua rasa

No século XX, o fi lósofo americano Jerry Fodor propôs um argumento que põe em causa

a crença partilhada pelos empiristas de que, à nascença, a nossa mente é como uma tábua rasa

(ou folha em branco). Fodor considera que à nascença somos capazes de aprender uma Língua e

qualquer processo de aprendizagem de uma Língua pressupõe algum conhecimento linguístico

inato. Ora, se encararmos este conhecimento inato do funcionamento da língua como genuíno

conhecimento acerca do mundo, teremos de abandonar a ideia de que, à nascença, a mente é

uma tábua rasa (ou folha em branco).

b) Objeção do homúnculo

Através do Argumento da Mesa, Hume demonstrou que aquilo que está presente na

nossa mente não são os objetos reais do muno exterior, mas sim uma imagem ou representação

mental dos mesmos. Esta imagem do funcionamento da mente parece implicar que somos

homúnculos (pessoas minúsculas) fechados numa espécie de cinema privado no interior das

nossas mentes, onde nos são apresentadas imagens ou representações dos objetos do mundo

exterior aos quais não temos qualquer tipo de acesso direto.

Mas os problemas levantados a propósito da nossa relação com o mundo exterior

também se aplicam à relação desse homúnculo com as imagens presentes no ecrã do seu cinema

mental. Se a natureza da explicação se mantiver inalterada, acabaremos por supor a existência

de outro homúnculo dentro da mente do primeiro e assim sucessivamente, caindo numa

regressão infinita de homúnculos, que aparentemente deixa por explicar o processo de

interação entre a mente e o mundo.

c) Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação

Bertrand Russell rejeita as conclusões céticas de Hume, pois considera que a sua ideia

do que deve ser “racionalmente justificável” é demasiado estreita. Hume parece admitir que

nenhuma crença está racionalmente justificada, a menos que exista uma prova definitiva da sua

verdade. Para Russell, pode ser racional acreditar numa crença, mesmo na ausência deste tipo

de prova, pois pode simplesmente acontecer que de entre as alternativas disponíveis para a

explicar a nossa experiência exista uma hipótese mais plausível do que todas as outras, pelo que

é mais racional acreditar na sua verdade do quem qualquer uma das alternati vas. Este tipo de

argumentação designa-se argumentação a favor da melhor explicação e é um bom exemplo de

abdução – um processo de inferência que se apoia num conjunto de dados para extrair com um

certo grau de plausibilidade uma conclusão que vai além dos mesmos. Russell acredita que a

existência de um mundo exterior às nossas mentes regido pelo princípio da causalidade é uma

explicação da nossa experiência muito mais simples e apelativa do que qualquer cenário cético

que possamos imaginar. Por isso, considera que temos uma justificação racional para acreditar

nisso. O mesmo se aplica à ideia de causalidade: é mais razoável aceitarmos que o mundo é, de

facto, regido por leis causais, do que assumir que a existência de conjunções constantes é apenas

acidental.

d) Contraexemplo do tom azul desconhecido

O próprio David Hume prevê a possibilidade de se encontrar um contraexemplo ao

Princípio da Cópia e, embora o desvalorize, a verdade é que esse contraexemplo pode minar a

nossa confiança no Princípio que tem como alvo. Esse contraexemplo consiste em imaginar uma

situação em que alguém é colocado perante uma determinada gradação de tons de azul, sendo

um dos tons dessa gama propositadamente omitido. O problema surge porque alguém que

nunca tenha tido experiência desse particular tom de azul pode, ainda assim, formar uma ideia

a seu respeito, mesmo na ausência de uma impressão que lhe corresponda. Ora, isso não seria

possível se, de facto, todas as nossas ideias fossem cópias de impressões.

RACIONALlSMO (Descartes)

O conhecimento sensível é enganador.

A razão é a única fonte de conhecimento válido (para Descartes, há ideias inatas).

As representações provenientes da razão são as mais certas e, por isso, devem ser

consideradas o ponto de partida de todo o conhecimento que se quer logicamente

necessário e universalmente válido.

Conduz ao dogmatismo.

EMPIRISMO (David Hume)

A experiência é a única fonte de conhecimento.

Não há ideias inatas, a mente está vazia antes de receber qual quer tipo de

informação sensorial.

Todo o conhecimento acerca das coisas, mesmo aquele que formula leis universais,

vem da experiência; por isso, só é válido dentro dos l imites do observá vel.

Conduz a um ceticismo moderado.

Publicado 20th November 2015 por Rui Mendes

Etiquetas: Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

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5.

Oct

22

2. Argumentação e retórica

2.1. A procura de adesão do auditório: ethos, pathos e logos A argumentação é um processo comunicativo, pois nela estão sempre presentes um

emissor (o orador), um recetor (o auditório) e uma mensagem (tese ou argumento). O orador é aquele que, dispondo de uma opinião, a partilha com um auditório. Essa

opinião pertence ao domínio do verosímil, podendo consistir numa tese, numa causa, numa ideia,

num ponto de vista, sendo sustentada, depois, com argumentos. O objetivo da argumentação é

levar o auditório a aderir à opinião que lhe é proposta. Mas para isso é neces sário ter em conta o

contexto de receção, ou seja, o conjunto de opiniões, valores e juízos que o auditório partilha.

Estes elementos, anteriores ao ato de argumentação, são decisivos no que se refere ao grau de

adesão à tese do orador. Dito de outro modo: o orador tem de estar atento às caraterísticas do

auditório e no decorrer da argumentação estar atento aos sinais que lhe permitem perceber se o

seu discurso está a ser entendido e a ser aceite. Neste sentido, argumentação e auditório

influenciam-se mutuamente: se, por um lado, o emissor adequa o seu discurso às características

do seu auditório, por outro lado, o auditório transforma-se por efeito das teses que lhe são

apresentadas. O discurso argumentativo constitui-se assim como um instrumento de formação da

opinião pública, condicionando comportamentos, opiniões e tomadas de posição. Desde a antiguidade que a argumentação representa um instrumento -chave na relação

entre os seres humanos, pelo que desde cedo se constituíram disciplinas que visaram o estu do da

argumentação, tais como a oratória e a retórica. Aristóteles foi um dos pensadores que se dedicou

ao estudo da retórica e que reconheceu esta relação. Este filósofo defendeu que o orador, o auditório e o discurso são três elementos -chave da prova utilizada pela retórica. Assim, o ethos

(representando o caráter do orador), o pathos (representando a envolvência emocional do

auditório) e o logos (simbolizando o discurso propriamente dito) são os três géneros de prova da

retórica.

O ethos relaciona-se com a credibilidade do orador. Antes mesmo da persuasão que o

discurso possa exercer sobre o auditório, o reconhecimento do orador, da sua autoridade na matéria

e do seu caráter/perfil ético e moral são indispensáveis à aceitação do discurso pelo auditório. O pathos está ligado ao auditório. O tom de voz, a convicção ou a emoção do orador

envolvem sentimentalmente o seu público. A emoção é um aspeto determinante para a aceitação

da tese apresentada na argumentação, pois um auditório emocionalmente envolvido se rá melhor

persuadido do que um auditório que apenas dá assentimento lógico ao discurso. O logos constitui a prova propriamente dita, isto é, refere-se diretamente à

argumentação. Esta deve ser clara e a passagem entre os diferentes argumentos deve ser evidente. Assim, na argumentação, Aristóteles põe em relação o orador (ethos), o seu auditório

(pathos) e o discurso argumentativo (logos). Em síntese, o discurso argumentativo está diretamente relacionado com o auditório

porque: - dirige-se a um público específico; - centra-se na sedução do auditório a que se dirige; - constitui-se como formador da opinião e do seu público; - utiliza um discurso lógico-argumentativo que tem por objetivo que o auditório dê o seu

assentimento à tese ou teses apresentadas; - dirige para o auditório as suas técnicas de persuasão (perguntas retóricas, ironia,

elementos visuais, apelo ao envolvimento pessoal, utilização de exemplos e analogias, entre

outras).

2.1.1. Demonstração e argumentação A argumentação nunca ocorre no vazio, isto é, há sempre um orador que

tenta prevalecer a sua tese e assim persuadir o auditório. Na base da argumentação

está a retórica, a qual é definida como a arte de bem falar. A retórica nasceu na Grécia no século V a.C., contemporânea da Filosofia e da democracia; o seu

objetivo era precisamente levar um auditório a aceitar uma determinada tese ou opinião. Mas quais são as diferenças entre a lógica formal (demonstrativa) e a retórica (argumentativa)?

Demonstração Argumentação

Pertence à lógica formal Pertence à lógica informal

Utiliza uma linguagem formal/inequívoca

Utiliza a linguagem natural

Pretende provar Pretende persuadir e convencer

É impessoal É pessoal

É independente do auditório É dependente do auditório

É independente do contexto É dependente do contexto

É objetiva É subjetiva

Demonstração

A lógica formal elimina toda a ambiguidade do discurso. Neste sentido, as suas demonstrações estabelecem uma relação necessária entre a conclusão e as premissas que a sustentam, compelindo à sua aceitação e não dependendo do

sujeito que as profere nem do contexto ou auditório em causa. Dito de outro modo: numa demonstração, as premissas são verdades estabelecidas que não deixam

lugar para qualquer dúvida, e a conclusão segue-se a elas de uma forma necessária. Argumentação

A argumentação retórica não consiste na apresentação de demonstrações.

Por um lado, o orador não tem de partir de premissas inquestionavelmente verdadeiras. As suas premissas podem consistir apenas em opiniões aceites pelo

auditório. Basta-lhe que as premissas sejam prováveis e pareçam verosímeis ao auditório. Por outro lado, o orador não deve estar empenhado em mostrar rigorosamente que a conclusão se segue validamente das premissas, pois o

auditório tem uma capacidade muito limitada de seguir raciocínios. Por isso, às vezes o orador opta por apresentar os argumentos de uma forma abreviada e

sugestiva, apoiando-se em exemplos isolados e suprimindo premissas. Convém ainda referir que o discurso argumentativo expressa-se em linguagem natural e permite a refutação das suas teses. Além disso, depende do

contexto e do auditório em causa.

2.2. O discurso argumentativo – principais tipos de argumentos e

falácias informais 2.2.1. Tipos de argumentos

a) Argumentos indutivos [induções] São argumentos que derivam ou de generalizações (“Todos os cisnes

que vi até hoje são brancos; logo, todos os cisnes são brancos”) ou de previsões (“Todos os cisnes que vi até hoje são brancos; logo, o próximo cisne que vir será branco”). Num argumento indutivo a conclusão apresentada é mais ampla do que

as premissas afirmam, uma vez que criam generalizações a partir de casos particulares. Por esta razão, a força de um argumento indutivo depende do maior

ou menor grau de probabilidade de se verificar a sua conclusão. Alguns cuidados a observar com argumentos que recorrem à indução: - Não se devem extrair generalizações com base num número limitado de exemplos . - Os elementos que fundamentam as generalizações devem ser representativos. - Os elementos que sustentam as generalizações devem ser relevantes para a

conclusão. - Não deve estar oculta informação que influencie a conclusão extraída.

b) Argumentos por analogia Os argumentos que recorrem a uma analogia extraem conclusões com

base em semelhanças conhecidas entre objetos ou acontecimentos. Num argumento deste tipo conclui-se que algo tem uma determinada característica porque num outro facto ou objeto semelhante essa característica está presente. Por

exemplo: O Universo é como uma máquina.

As máquinas são criadas por seres inteligentes. Logo, o Universo foi criado por um ser inteligente. Alguns cuidados a observar em argumentos por analogia: - As semelhanças verificadas devem ser suficientes. - As semelhanças identificadas devem ser relevantes para a comparação pretendida. - Deve ser considerado, sempre que possível, um número amplo de objetos ou

fenómenos.

c) Argumentos de apelo à autoridade Num argumento de apelo à autoridade assume-se que a conclusão é

verdadeira partindo-se de posições de pessoas ou instituições reconhecidas como peritos no assunto em causa. Por exemplo:

Platão e Descartes acreditavam na imortalidade da alma humana.

Logo, a alma humana é imortal. Alguns cuidados a observar em argumentos de apelo à autoridade: - As fontes dos argumentos de autoridade devem ser pormenorizadamente citadas. - Só devem ser utilizadas fontes imparciais. - Devem ser utilizadas fontes com amplo consenso na matéria em questão. - A fonte citada deve ser reconhecida como especialista na matéria.

2.2.2. Falácias informais As falácias informais são raciocínios que aparentam estar fundados em

argumentos fortes quando, na verdade, são enganadores ou ilusórios. Estas falácias são, portanto, erros que se ligam a um uso inapropriado do conteúdo de um argumentam.

a) Falácia da petição de princípio

Esta falácia consiste num raciocínio circular que procura provar uma conclusão, que já se encontra assumida como verdadeira nas premissas, sem ter apresentado qualquer prova a seu favor. Por exemplo: “Todas as pessoas com mau

humor tratam mal os outros, dado que estão sistematicamente com o seu estado emocional alterado.”

Argumentar contra a falácia: Para se argumentar contra esta falácia basta que se mostre que, no argumento, estar

emocionalmente alterado é equivalente a estar mal-humorado e que, desta forma, tanto a premissa

como a conclusão dizem o mesmo sem que se prove que o mau humor é causa suficiente para se

tratar mal os outros. É possível estar-se de mau humor e não se tratar mal as pessoas.

b) Falácia ad hominem Esta falácia ocorre baseia-se no ataque contra a pessoa que defende um

determinado argumento, em vez de se atacar o argumento. Por exemplo: “Não percebo como podes aceitar a opinião desse indivíduo, afinal ele é taxista.”

Argumentar contra a falácia: Para demonstrar a fragilidade da falácia ad hominem deve mostrar-se que o

argumento não apresenta as razões pelas quais a opinião do taxista não é aceitável. Ter uma

determinada profissão não implica necessariamente que se tenha más opiniões.

c) Falácia do apelo à ignorância Esta falácia ocorre quando se defende que uma proposição é

verdadeira apenas por não se conseguir provar que ela é falsa; ou que uma

proposição é falsa por não se conseguir provar que ela é verdadeira. Por exemplo: “Deus existe porque ninguém provou que Ele não existe” ou “Deus não existe

porque ninguém provou que Ele existe”. Argumentar contra a falácia: Para demonstrar a fragilidade da falácia do apelo à ignorância deve mostrar-se que

não é pelo facto de não ter sido possível provar um juízo que ele passa a ser falso.

d) Falácia do falso dilema Esta falácia é um raciocínio em que o orador apresenta normalmente

apenas duas das alternativas possíveis quando na realidade existem mais. Ataca de seguida a alternativa que não lhe convém e leva o auditório a aceitar a

alternativa que lhe interessa. Por exemplo: “Quem não está connosco está contra

nós Por isso, se não nos apoiam são nossos inimigos.” Argumentar contra a falácia: Para se argumentar contra esta falácia deve apresentar-se pelo menos mais uma

alternativa possível além das que são expostas no argumento. Neste caso, poderia contra-

argumentar-se que o facto de não se apoiar alguém não significa que sejamos seus inimigos.

e) Falácia da derrapagem

Esta falácia comporta normalmente um raciocínio ardiloso em que pelo menos um dos passos de que depende o raciocínio é falso. A partir desse

ponto, a conclusão está comprometida. Por exemplo: “Se se tomar um analgésico o organismo cria dependência desse

fármaco. De cada vez que se voltar a sentir dor, esses medicamentos farão cada vez menos efeito. Pelo que, inevitavelmente, o uso do

analgésico contribui para o sofrimento dos doentes.” Argumentar contra a falácia:

Para demonstrar a fragilidade desta falácia deve argumentar-se que a dependência dos

fármacos não ocorre necessariamente pela sua toma esporádica quando recomendada e

monitorizada por um profissional de saúde. O facto de se tomar um analgésico não se produz

necessariamente dependência, logo, a conclusão de que os analgésicos desencadeiam sofrimento

nos doentes não é sustentada pela cadeia de raciocínio apresentada.

f) “Boneco de palha” A falácia do boneco de palha consiste na ridicularização ou deturpação

da argumentação apresentada por forma a refutá-la mais facilmente. Desta forma, a contra-argumentação não ataca verdadeiramente o argumento apresentado, mas a sua versão distorcida.

Por exemplo: “Deputado de um partido da oposição: A taxa de desemprego real é

superior à que é apresentada na estatística, pois há muitos desempregados que não são contabilizados como tal. Devíamos alterar o método de cálculo da taxa de desemprego para saber com mais rigor as medidas a tomar.

Resposta de um elemento do Governo: Alterar a forma de cálculo não serve para nada. Contabilizar na estatística o número de pessoas que não

trabalham por preguiça, independentemente das políticas adotadas, não melhorará nada.”

Argumentar contra a falácia: Para refutar esta falácia é necessário mostrar que o elemento do Governo deturpa o

argumento do deputado da oposição. Este deputado não diz que a taxa de desemprego está errada

unicamente porque não se contabilizam os desempregados que não querem trabalhar, haverá

outros desempregados (provavelmente, a maioria) que não são contabilizados e para os quais

medidas de emprego ajustadas seriam úteis.

3. Argumentação e filosofia

3.1. Filosofia, retórica e democracia

A retórica surge ao mesmo tempo que a Filosofia e no mesmo sítio, ou

seja, entre os séculos VII e V a.C. na Grécia Antiga. A retórica é um produto direto de um novo regime político – a democracia. De facto, na Grécia, a palavra ganha

uma nova dimensão, servindo não apenas para comunicar mas também para argumentar. Tendo em conta as circunstâncias especiais que se deram na Grécia, os homens livres são chamados a dar as suas opiniões nas assembleias, nos

tribunais e na praça pública. É neste contexto que surgem os sofistas. Estes eram um grupo especial de

pensadores, que se intitulavam sábios, especialistas em ensinar aos outros as suas técnicas argumentativas. Além disso, defendiam a relatividade da verdade, facto que os opôs a Sócrates e Platão. Os sofistas vinham responder à necessidade

presente na sociedade grega no que diz respeito ao ensino, sobretudo ao ensino da retórica, que se tornava necessária para vencer na hierarquia social.

Sócrates e Platão posicionaram-se contra os sofistas, opondo à retórica a Filosofia. Os verdadeiros filósofos preocupavam-se em descobrir a verdade, que era apenas uma, posição contrária à dos sofistas, que defendiam a relatividade da

verdade. Surge, assim, a oposição verdade/aparência e Filosofia/retórica. Posteriormente, Aristóteles vem defender a retórica, que se torna um saber

entre outros. Para este filósofo, a retórica não se opunha à Filosofia, já que ela não é boa nem má, podemos é fazer um bom ou um mau uso dela.

Durante o Império Romano, nomeadamente com Cícero, a retórica retoma

a sua vertente mais estilística, relacionada com a eloquência e o ornamento do discurso.

Na Época Moderna, a retórica é relegada para segundo plano, atrás do espírito e da racionalidade científica.

Já em pleno século XX, dá-se a reabilitação da retórica, com a chamada

Nova Retórica, proposta por Perelman, filósofo que volta a relacioná-la com a Filosofia. Este filósofo contemporâneo enalteceu o papel do logos (isto é, a

dimensão do discurso) ao considerar a retórica uma arte fundamental para estabelecer consensos e suscitar a adesão do auditório universal.

A retórica, enquanto arte de argumentar, é o instrumento fundamental no debate democrático. Sem debate, troca fundamentada de ideias, não há verdadeira

democracia. Os gregos foram os primeiros a reconhecê-lo: a palavra, à primeira vista, substitui a violência, a prepotência, a dominação e permite o bom senso, o consenso e o acordo. É por estas razões que a retórica que os sofistas ensinavam

aos jovens cidadãos assumia uma importância crucial na Grécia antiga. Contudo, também hoje, como na Antiguidade, a democracia pode ver-se ameaçada pelo

mau uso da palavra, pelo discurso demagógico e manipulador. Isto significa que o mau uso da retórica constitui uma ameaça à saúde da democracia.

3.2. Persuasão e manipulação ou os dois usos da retórica

Podemos distinguir dois possíveis usos da retórica: um bom uso, que

designamos por persuasão, e um mau uso, que designamos por manipulação. A persuasão é a prática do discurso que tem como finalidade a livre adesão

de um auditório à tese que dado orador pretende que seja acolhida pelo primeiro e que, com esse objetivo, abre espaço crítica, à reflexão e à liberdade de escolha

do recetor. Dito de outro modo: persuadir é levar alguém a uma mudança de

opinião e de atitude, aderindo às nossas teses. Alguns autores designam a persuasão por retórica branca, isto é, a retórica crítica, lúcida e consciente, que

procura desmontar os discursos manipuladores. Por outro lado, a manipulação consiste na prática abusiva do discurso que

visa impor determinada tese a um dado auditório e que, por isso, faz uso de

técnicas ilegítimas que paralisam o espírito crítico do recetor e o levam a aceitar a mensagem sem a questionar. Neste sentido, manipular tem uma conotação

negativa, uma vez que se trata de uma prática abusiva do discurso, que obriga o outro a aderir às nossas teses. Alguns autores designam a manipulação por retórica negra, isto é, a retórica que visa enganar, iludir e manipular o interlocutor.

Em síntese: a retórica tanto pode servir a verdade como a mentira; tanto pode persuadir e convencer, como manipular e enganar. Não sendo a retórica

condição suficiente para garantir o discurso verdadeiro, impõe-se a necessidade de um uso ético da retórica, isto é, um uso que tem em vista a verdade.

3.3. Argumentação, verdade e ser Pode-se dizer que uma proposição é verdadeira se está de acordo com

aquilo que as coisas são, se corresponde à realidade, e falsa se não está de acordo com aquilo que as coisas são, se não corresponde à realidade.

A filosofia, tal como as ciências, é uma procura de conhecimento, é uma

tentativa de descobrir como as coisas são realmente. A argumentação filosófica, portanto, tem em vista a verdade. Os argumentos são vistos como instrumentos na

procura da verdade, e não como formas de manipular a opinião dos outros. Na filosofia contemporânea reconhece-se assim uma relação estreita entre

a argumentação, a verdade e o “ser” ou realidade. Conhecer a verdade é saber

como as coisas são e na filosofia recorre-se à argumentação para descobrir a verdade.

Publicado 22nd October 2015 por Rui Mendes

Etiquetas: Argumentação e filosofia Argumentação e retórica

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6.

Sep

28

Redes concetuais: compreensão e

distribuição de termos

1. Organize por ordem crescente de compreensão os seguintes conceitos: vegetal,

flor, cravo, ser, ser vivo.

2. Organize por ordem decrescente de distribuição os seguintes conceitos: animal, vivente, avestruz, ser, ave, vertebrado.

3. Organize por ordem crescente de distribuição os seguintes conceitos: lisboeta, europeu, animal, Fernando Pessoa, animal racional, português.

4. Organize por ordem decrescente de compreensão os seguintes conceitos: ser vivo, árvore, pinheiro silvestre, vegetal, pinheiro.

5. Organize por ordem crescente de compreensão os seguintes conceitos: objeto material, calças de ganga, peças de roupa, calças.

Publicado 28th September 2015 por Rui Mendes

Etiquetas: TPC

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7.

Sep

13

Unidade 1 – Racionalidade

argumentativa e filosofia

1. Argumentação e lógica formal 1.1. A definição de lógica

A palavra lógica deriva do grego “logos”, que significa razão, pensamento,

discurso. Por isso, podemos dizer que a lógica é a disciplina que estuda as condições de coerência do pensamento e do discurso, preocupando-se com a

correção dos argumentos. Torna-se, pois, necessário obedecer a determinadas regras para a elaboração dos nossos raciocínios e argumentos. A lógica permite estabelecer essas regras, de modo a distinguir os argumentos válidos daqueles que

não o são. Dito de outro modo: é a disciplina que investiga os princípios gerais do pensamento válido.

Qual a utilidade e importância da lógica?

- A lógica analisa as condições de coerência do pensamento e do discurso; - A lógica analisa a validade/verdade do pensamento e do discurso;

- A lógica proporciona os meios que possibilitam a organização coerente do pensamento e do discurso.

1.1.1. A estrutura do argumento

Um argumento é um conjunto de proposições relacionadas entre si de tal modo que umas (que designamos por premissas) devem oferecer razões para

aceitar uma outra (que designamos por conclusão). Por exemplo:

Premissa: “Todas as coisas são seres vivos”. Premissa: “A pedra é uma coisa”. Conclusão: “A pedra é um ser vivo”.

Quer as premissas, quer a conclusão são proposições, e cada uma das proposições é constituída por termos. Deste modo, o termo e a proposição são as partes que constituem o argumento.

a) O termo

O termo é a expressão verbal do conceito. O conceito é o elemento base do nosso pensamento, deriva de uma operação mental de abstração que reúne as características essenciais dos seres. Há conceitos empíricos, isto é, que provêm da

experiência (por exemplo, “carro”, “rua”, “boneca”) e conceitos ideais (por exemplo, “sereia”, “bondade” “Deus”). Convém referir que o conceito deve

restringir-se ao campo da possibilidade lógica (por exemplo, não existe o conceito de “claridade escura” ou de “círculo quadrado”). Por outro lado, é de notar que o termo pode ser constituído por uma ou mais palavras (por exemplo, “ser vivo”,

“animal selvagem”, “densidade populacional”, “instrumento musical”). Podemos distinguir a compreensão e a extensão dos termos/conceitos:

- compreensão: conjunto de características ou atributos que definem um conceito (por exemplo, podemos atribuir ao conceito de “homem” as seguintes características: ser vivo, mamífero, bípede, racional);

- extensão: conjunto de seres a que o conceito se refere (por exemplo, a Joana, o Alfredo, o Tomás, a Carla).

A compreensão e a extensão variam segundo uma ordem inversa: quando aumenta a extensão diminui a compreensão e quando aumenta a compreensão diminui a extensão. Sendo assim, quanto maior é o número de elementos a que o

conceito se aplica (extensão), menor é a quantidade de características comuns (compreensão). Por exemplo:

Ser, ser vivo, animal, animal racional, Tomás.

O conceito de “ser” é aquele que, neste caso, possui maior extensão e menor compreensão, enquanto que o conceito de “Tomás”, designando apenas um

indivíduo, é aquele que possui menor extensão (pois designa apenas um elemento) e maior compreensão (pois é mais fácil enunciar características de uma só pessoa do que características comuns a uma centena de pessoas).

Os conceitos que nos servem de exemplo estão dispostos por ordem crescente de compreensão e por ordem decrescente de extensão.

b) A proposição Antes de mais, refira-se que a proposição é a expressão verbal (oral ou

escrita) do juízo e só as frases declarativas é que são proposições (por exemplo: “empresta-me o teu caderno” não é uma proposição, mas “alguns ratos são maléficos” já é uma proposição).

A proposição corresponde a um modo específico de relacionar termos. Ela é um enunciado que estabelece uma relação de afirmação ou de negação entre

termos, podendo tal relação ser verdadeira ou falsa. A proposição distingue-se de outros tipos de raciocínio porque nele apenas se relacionam dois conceitos: o primeiro conceito é o sujeito (S); o segundo conceito é o predicado (P); a relação

entre ambos faz-se através da cópula (é/não é), que é o elemento que relaciona o sujeito com o predicado. A proposição reduz-se à fórmula “S é P”, sendo

suscetível de ser considerada verdadeira ou falsa. A relação entre S e P é uma relação de inerência, pois o predicado é inerente ao sujeito. Por exemplo: “Todos os filósofos [sujeito] são [cópula] sábios [predicado]”.

As proposições podem ser classificadas em relação à sua quantidade (universais ou particulares) e em relação à sua qualidade (afirmativas ou negativas), sendo simbolizadas pelas vogais A, E, I, O.

A – proposição universal afirmativa: “Todos os cientistas são portugueses”. E – proposição universal negativa: “Nenhum cientista é português”. I – proposição particular afirmativa: “Alguns cientistas são portugueses”. O – proposição particular negativa: “Alguns cientistas não são portugueses”. Importa salientar que há proposições que, apesar de formadas apenas

por dois elementos, podem ser transformadas na forma padrão ou forma canónica. Por exemplo: “Ser político é ser mentiroso” equivale a ”Todos os políticos são mentirosos”; ou “Nem todos os padres são sinceros” equivale a “Alguns padres

não são sinceros”.

c) O argumento

Tal como as proposições resultam do encadeamento de termos, também os argumentos são encadeamentos de duas ou mais proposições, levando-nos a uma conclusão. Assim, podemos definir o argumento como a expressão

verbal de uma inferência ou raciocínio, isto é, como a operação através da qual, de duas ou mais proposições (chamadas de premissas), se extrai uma outra

proposição (que designamos por conclusão). Vejamos um exemplo: Todos os homens são mortais – Premissa maior

Santiago é homem – Premissa menor Logo, Santiago é mortal – conclusão.

O que resulta da relação que estabelecemos entre as duas premissas é

uma nova proposição – a conclusão – que extraímos necessariamente da relação entre as duas premissas. Designamos as duas premissas por antecedente (são as

duas proposições já conhecidas) e a conclusão por consequente (é a nova proposição).

1.1.2. Indicadores de premissa e de conclusão

Nem sempre os argumentos se encontram na forma padrão, que é uma tipologia preestabelecida para apresentar o argumento, onde se enunciam

primeiro as premissas e a seguir a conclusão. Em alguns casos é necessário estar bastante atento de modo a identificar as premissas e a conclusão dos argumentos.

Os indicadores de premissa e de conclusão ajudam a identificar as várias partes dos argumentos.

Exemplos de indicadores de

conclusão

Exemplos de indicadores de

premissa

logo… pois…

portanto… porque…

por isso… admitindo que…

segue-se que… dado que…

infere-se que… visto que…

consequentemente… tendo em conta que…

1.2. A distinção verdade-validade

Validade e verdade são dois termos que aparecem frequentemente quando falamos em lógica. Se eu disser “Hoje está a chover”, esta frase é válida,

do ponto de vista formal está bem construída, no entanto, ela pode ser falsa, no caso de hoje estar Sol.

Assim, a validade diz respeito à forma/estrutura da inferência ou raciocínio. Por outro lado, a verdade diz respeito ao que é afirmado ou negado pela proposição, ou seja, ao seu aspeto material, que pode ser verificado

empiricamente (isto é, corresponde à realidade factual). A única relação entre validade e verdade existe apenas nos raciocínios que, sendo corretamente

construídos do ponto de vista formal, têm na sua constituição premissas verdadeiras, das quais extraímos necessariamente uma conclusão verdadeira. Por exemplo:

Todos os diamantes são duros. Alguns diamantes sãos joias.

Logo, Algumas joias são duras. Deste modo, pode acontecer que o argumento seja válido (tendo a

estrutura correta), sendo no entanto falsas todas as proposições que o constituem. Por exemplo:

Todos os políticos são músicos. Cristiano Ronaldo é um político. Logo, Cristiano Ronaldo é um músico.

- Validade dos argumentos dedutivos

Um argumento dedutivo é um argumento no qual se conclui, a partir de certas proposições (as premissas), uma outra proposição (a conclusão), que, no

caso de o argumento ser válido, é a sua consequência lógica e necessária. Neste tipo de argumentos, a conclusão é uma consequência lógica das premissas. Dito de outro modo: um argumento dedutivo é válido quando tem uma forma lógica

em que a verdade das premissas garante necessariamente a verdade da conclusão.

- Validade dos argumentos não dedutivos Um argumento não dedutivo é aquele em que a verdade das premissas

apenas sugere a probabilidade da conclusão também ser verdadeira. Por outras

palavras: neste tipo de argumentos, as premissas apenas dão um suporte parcial à conclusão, não a garantindo necessariamente.

A indução é um argumento não dedutivo, isto é, que extrai conclusões universais a partir de premissas particulares. Por exemplo: “A Joana, a Rita e a Marta são alunas do 11º A e têm 16 anos; logo, todas as raparigas do 11º A têm

16 anos”. Neste tipo de raciocínio, a conclusão não deriva necessariamente das premissas, uma vez que a conclusão apresenta um conteúdo que vai para além do

conteúdo das premissas, induzindo, por isso, em erro. Num argumento indutivo , a conclusão pode ser falsa, ainda que as premissas sejam verdadeiras. Por isso, para obter um argumento indutivo forte, por generalização, é necessário partir de

uma amostra representativa. Um argumento por analogia é outro exemplo de um argumento não

dedutivo, o qual parte de semelhanças entre realidades diferentes para se concluir que a propriedade de uma é a mesma que podemos encontrar na outra. Por exemplo: “Marte é um planeta como a Terra. A Terra é habitada. Logo, Marte é

também habitado.”

1.3. Formas de inferência válida

- A argumentação silogística (lógica aristotélica)

a) Características gerais do silogismo categórico A forma mais conhecida do raciocínio dedutivo é o silogismo. Aristóteles

definiu o silogismo como o raciocínio segundo o qual de duas premissas se retira uma conclusão. Esta forma de dedução, em que a conclusão se infere de duas proposições categóricas, ligadas por um termo médio, designa-se por silogismo

categórico. Um silogismo é constituído por 3 termos e 3 proposições.

Os 3 termos são: P – Termo maior: aparece na premissa maior e é predicado na conclusão S – Termo menor: aparece na premissa menor e é sujeito na conclusão

M – Termo médio: estabelece uma relação entre o termo maior e o termo menor e aparece nas duas premissas, mas nunca se encontra na conclusão.

As 3 proposições são: Premissa maior: contém o termo maior

Premissa menor: contém o termo menor Conclusão: estabelece a ligação entre o termo maior e o menor.

Exemplo de um silogismo:

Todos os portugueses (M) são sábios (P). Alguns minhotos (S) são portugueses (M).

Logo, alguns minhotos (S) são sábios (P). b) A distribuição dos termos nas proposições

Um termo diz-se distribuído quando é tomado universalmente (isto é, em toda a sua extensão). Nas diferentes proposições, e consoante a sua classificação quanto à quantidade e à qualidade, os termos podem estar distribuídos ou não

distribuídos. A partir do quadro que se segue, faça exercícios de memorização quanto à distribuição ou não distribuição dos termos nas proposições A, E, I, O.

Proposições Sujeito Predicado

A Distribuído (universal) Não distribuído (particular) E Distribuído (universal) Distribuído (universal) I Não distribuído (particular) Não distribuído (particular) O Não distribuído (particular) Distribuído (universal)

c) Validade do silogismo: as regras

Para que o silogismo seja válido, os termos e as proposições têm que

obedecer a determinadas regras. Tradicionalmente, considera-se que um silogismo, para ser válido, deve reger-se por oito regras:

1ª regra: o silogismo tem três termos e só três termos (maior, menor e médio). Quando se viola esta regra estamos perante uma falácia dos quatro termos. Exemplo:

Todos os ministros são políticos. Todos os padres são ministros.

Logo, todos os padres são políticos.

2ª regra: o termo médio nunca pode aparecer na conclusão. Exemplo :

Todas as plantas são seres vivos. Todos os seres vivos são animais.

Logo, todos os seres vivos são plantas ou animais.

3ª regra: o termo médio deve ser tomado pelo menos uma vez em toda

a sua extensão (isto é, deve estar distribuído pelo menos numa das premissas). Quando se infringe esta regra estamos perante uma falácia do termo médio não

distribuído. Exemplo: Todos os russos são revolucionários. Todos os anarquistas são revolucionários.

Logo, todos os anarquistas são russos.

4ª regra: nenhum termo pode ter maior extensão na conclusão do que nas premissas. Quando se viola esta regra estamos perante uma falácia da ilíc ita maior (ocorre quando o termo maior está distribuído na conclusão mas não na

premissa) ou uma falácia da ilícita menor (ocorre quando o termo menor está distribuído na conclusão mas não na premissa). Exemplo:

Todos os silogismos são aborrecidos. Todos os silogismos são argumentos.

Logo, todos os argumentos são aborrecidos.

5ª regra: a conclusão deve seguir sempre a parte mais fraca (se uma

das premissas for negativa a conclusão deve ser negativa; se uma das premissas for particular a conclusão deve ser particular). Exemplo:

Todos os portistas são portugueses.

Alguns portistas são intelectuais. Logo, todos os intelectuais são portugueses.

6ª regra: de duas premissas negativas nada se pode concluir. Exemplo : Nenhum poderoso é misericordioso.

Alguns pobres não são poderosos. Logo… [nada se pode concluir]

7ª regra: de duas premissas particulares nada se pode concluir.

Exemplo:

Alguns filósofos são professores. Alguns filósofos são escritores.

Logo… [nada se pode concluir]

8ª regra: de duas premissas afirmativas não se pode tirar uma

conclusão negativa. Exemplo: Todos os cristãos são religiosos.

Alguns europeus são cristãos. Logo, alguns europeus não são religiosos. Exercício: 1) Analise o seguinte silogismo:

Algumas casas são brancas. Todas as escolas são brancas. Logo, todas as escolas são casas.

O silogismo é válido? Justifique.

d) A forma do silogismo: o modo e a figura

O modo é-nos dado pela quantidade e qualidade das proposições (A, E, I, O) que integram o silogismo. Por exemplo:

Todos os homens são mortais – A Sócrates é homem – A Logo, Sócrates é mortal – A

A figura é-nos dada pela posição do termo médio nas duas premissas (onde pode ocupar o lugar de sujeito ou de predicado). Temos então quatro

figuras:

1ª figura:

O termo médio é sujeito na premissa maior e predicado na premissa menor. Por exemplo:

A – Todas as mulheres são inteligentes. M – P A – Catarina é mulher. S – M A – Logo, Catarina é inteligente. S – P

2ª figura: O termo médio é predicado nas duas premissas. Por exemplo:

E – Nenhum americano é europeu. P – M A – Todo o francês é europeu. S – M E – Nenhum francês é americano. S – P

3ª figura: O termo médio é sujeito nas duas premissas. Por exemplo: A – Todos os futebolistas são craques. M – P

A – Todos os futebolistas são homens. M – S I – Alguns homens são craques. S – P

4ª figura: O termo médio é predicado na premissa maior e sujeito na premissa

menor. Por exemplo: E – Nenhum marinheiro é soldado. P – M

I – Algum soldado é assassino. M – S O – Algum assassino não é marinheiro. S – P

Podemos então ter 19 modos válidos do silogismo, são eles:

1ª Figura 2ª Figura 3ª Figura 4ª Figura

AAA EAE AAI AAI

EAE AEE IAI AEE

AII EIO AII IAI

EIO AOO EAO EAO

OAO EIO

EIO

Publicado 13th September 2015 por Rui Mendes

Etiquetas: Lógica

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