retorno a partir da crise, des nunan, carvalhgo

Upload: andressa-faria

Post on 07-Jul-2015

98 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

FICHA TCNICA:. Ttulo

Revista de Estudos Demogrficos n 49

Editor

Instituto Nacional de Estatstica, I.P. Av. Antnio Jos de Almeida 1000-043 LISBOA Portugal Telefone: 21 842 61 00 Fax: 21 844 04 01

Presidente do Conselho DirectivoAlda de Caetano Carvalho

Design, Composio e ImpressoInstituto Nacional de Estatstica, I.P.

Tiragem

350 exemplares ISSN 1645-5657 Depsito legal n: 185856/02 Periodicidade Semestral

Preo

8,00 (IVA includo)

DIRECO EDITORIAL:Editora Chefe: Maria Jos Carrilho - Instituto Nacional de Estatstica, I.P. Editores Adjuntos: Fernando Casimiro - Instituto Nacional de Estatstica, I.P. Maria Filomena Mendes - Universidade de vora Conselho Editorial: Alfredo Bruto da Costa - Universidade Catlica, Lisboa Ana Nunes de Almeida - Instituto de Cincias Sociais (ICS), Lisboa Antnio Barreto - Fundao Francisco Manuel dos Santos (FFMS), Lisboa Fernando Casimiro - Instituto Nacional de Estatstica, I.P. Gilberta Rocha - Universidade dos Aores Joaquim Manuel Nazareth - Centro de Estudos da Populao, Economia e Sociedade (CEPESE), Porto Jorge Arroteia - Universidade de Aveiro Karin Wall - Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Lisboa Leston Bandeira - Instituto Superior de Cincias do Trabalho e Emprego (ISCTE), Lisboa Maria Filomena Mendes - Universidade de vora Maria Jos Carrilho - Instituto Nacional de Estatstica, I.P. Secretria: Liliana Martins - Instituto Nacional de Estatstica, I.P.Apoio ao cliente

Os pontos de vista expressos nesta publicao so da responsabilidade dos autores e no reflectem necessariamente a opinio do Instituto Nacional de Estatstica. Por questes de arredondamento, os totais de alguns quadros podem no corresponder soma das parcelas.

O INE, I.P. na Internet

808 201 808

www.ine.pt

INE, I.P., Lisboa Portugal, 2011 * A reproduo de quaisquer pginas desta obra autorizada, excepto para fins comerciais, desde que mencionando o INE, I.P., como autor, o ttulo da obra, o ano de edio, e a referncia Lisboa-Portugal.

3

ApresentaoO presente nmero temtico da Revista de Estudos Demogrficos dedicado Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), criada em 1996, composta por 8 Estados Membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guin-Bissau, Moambique, Portugal e Timor-leste com realidades demogrficas bem diferentes. Obviamente que os temas tratados, neste nmero, no esgotam os assuntos de interesse. Deseja-se, nesse sentido, que seja o incio de uma colaborao que se estenda a outros estados da CPLP e se afirme no futuro. A RED seria uma oportunidade para divulgar os resultados do impulso demogrfico registado recentemente nos estados membros com a realizao de Recenseamentos Gerais da Populao e Inquritos demogrficos, dando a conhecer as caractersticas demogrficas da CPLP enquanto comunidade e a individualidade de cada pas que integra. O presente nmero da RED inicia-se com uma anlise sobre a transio demogrfica em Moambique comparando-a com a registada a nvel mundial e em alguns pases africanos. Segue-se uma abordagem entre o crescimento populacional e desenvolvimento econmico igualmente referente a Moambique, a qual inserida no contexto do ritmo de crescimento da populao africana, em particular na frica sub Sariana. Apresenta-se uma anlise sobre o crescimento da populao em Angola, particularizando a cidade de Luanda, que ressalta a escassez da informao demogrfica sobre este pas, e as tendncias futuras da evoluo da sua populao, com base nas fontes disponveis. Finalmente, divulga-se um artigo que trata a importncia dos fluxos migratrios internacionais no Brasil entre Portugal e o Brasil e procura traar o perfil do emigrante brasileiro retornado. Todos os artigos mantm a ortografia dos textos originais entregues pelos autores. Os nossos agradecimentos endeream-se aos autores dos artigos que integram este nmero da revista, e estendem-se aos membros do Conselho Editorial que connosco colaboraram, dando sugestes que permitiram melhorar os trabalhos divulgados. Maria Jos Carrilho Editora Chefe Junho 2011

4

ndice

Artigo 1A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique Incipient Nature of the Demographic Transition in Mozambique Autor: Antnio Alberto da Silva Francisco 5

Artigo 2Comportamento Demogrfico e desafios de Desenvolvimento scio-econmico em Moambique Demographic behaviour and socio-economic development challenges in Mozambique Autores: Carlos Arnaldo / Ramos Muanamoha 37

Artigo 3Crescimento da Populao em Angola: Um olhar sobre a situao e dinmica populacional da cidade de Luanda The population growth in Angola: A glance at Luanda situation and population dynamic Autor: Joo Baptista LUKOMBO Nzatuzola 53

Artigo 4O fenmeno da migrao internacional de retorno como consequncia da Crise Mundial The International Return Migration as Phenomenon of the International Crisis Autores: Duval Fernandes / Carolina Nunan / Margareth Carvalho 69

Lista de artigos divulgados nos nmeros 32 a 48 da Revista de Estudos Demogrficos

99

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

Artigo 1_ pgina 5A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

Autor: Antnio Alberto da Silva Francisco Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane, Director de investigao do IESE, doutorado em Demografia pela Universidade Nacional da Austrlia (1997) e Licenciado em Economia pela Universidade Eduardo Mondlane (1987). [email protected] Resumo: No ltimo sculo, a populao de Moambique tem vivido uma transformao silenciosa sem precedentes na histria de sua evoluo. Uma transformao que poderia ser chamada de revoluo demogrfica, se no fosse ainda to incipiente, lenta e atrasada, comparativamente transio demogrfica mundial, inclusive em metade dos pases da frica Austral: frica do Sul, Botswana, Lesoto, Maurcias, Nambia, Suazilndia e Zimbabwe. Palavras Chave: Transio Demogrfica, Regime Demogrfico Antigo, Regime Demogrfico Moderno, Transio Demogrfica Moambicana, Moambique.

The Incipient Nature of the Demographic Transition in Mozambique

.

Abstract Over the last century the population of Mozambique has experienced a silent transformation with no precedent in the history of its evolution. A transformation that could be called demographic revolution if it were not still so incipient, slow and delayed, compared to the global demographic transitions , including half the countries in Southern African: South Africa, Botswana, Lesotho, Mauritius, Namibia, Swaziland and Zimbabwe. Key words: Demographic Transition, Old Demographic Regime, Modern Demographic Regime, Mozambican Demographic Transition, Mozambique.

7

IntroduoNo ltimo sculo, a populao moambicana tem vivido uma transformao silenciosa, sem precedentes na histria da sua evoluo. Transformao que poderia ser chamada revoluo demogrfica1, similar revoluo demogrfica global, iniciada na Europa em meados do sculo XVIII, e que se generalizou por todo o Mundo no Sculo XX, originando a chamada exploso da populao. S que em Moambique, apesar da transio demogrfica ser uma realidade, ela permanece incipiente, lenta e atrasada, comparativamente s transies demogrficas mundiais, incluindo metade dos pases da frica Austral - frica do Sul, Botswana, Lesoto, Maurcias, Nambia, Suazilndia, Zimbabwe (Francisco, 2011a; 2011b: 30-36). De que transio ou revoluo se est falando? Em que fase se encontra a transio demogrfica moambicana (TDM)? possvel saber quando iniciou e quanto tempo durar a TDM? Este artigo responde a estas questes recorrendo aos recentes estudos do autor (Francisco, 2011b, 2011c; Francisco et al., 2011). De forma resumida, o artigo mostra que Moambique encontra-se numa fase inicial (a 2 de cinco fases; ver Quadro 3) de uma transio fundamental do regime demogrfico antigo (RDA) para um regime demogrfico moderno (RDM). Uma ruptura com o regime demogrfico antigo, caracterizado por elevadas taxas de mortalidade e de natalidade, baixo nvel de esperana de vida, estrutura etria muito jovem e crescimento populacional moderado. O artigo est organizado em trs seces principais. A primeira seco introduz o marco conceptual da mudana do regime demogrfico antigo para o regime demogrfico moderno, tendo como referncia principal a teoria moderna da transio demogrfica. A segunda seco apresenta um breve panorama demogrfico de Moambique, focalizado na evoluo do crescimento populacional, passada, presente e perspectivas futuras. A terceira seco caracteriza os componentes da transio demogrfica moambicana (TDM); sempre que oportuno, a dinmica populacional moambicana comparada com os pases da regio da frica Subsariana e do mundo em geral. A quarta e ltima seco contm algumas consideraes finais, respondendo a questes especficas como: em que fase da transio demogrfica est actualmente Moambique? Quando comeou e quanto tempo poder durar a primeira transio demogrfica moambicana? Quais as implicaes da actual fase da transio demogrfica moambicana?

1. Do Regime Demogrfico Antigo Transio DemogrficaO quadro conceptual mais apropriado para o esboo de um panorama da evoluo demogrfica moambicana gira em torno do conceito transio demogrfica, considerado no seu duplo sentido: terico e emprico. Esta diviso entre terico e emprico de certo modo artificial, conveniente para efeitos de organizao da informao, mas questionvel do ponto de vista epistemolgico. Um dos problemas que o estudo da populao moambicana enfrenta a falta de dados empricos representativos e fidedignos, principalmente em relao ao passado remoto. Mesmo em relao ao ltimo sculo, s tem sido possvel reproduzir empiricamente as dinmicas populacionais, usando dados estatsticos fragmentados e observaes qualitativas antropolgicas e histricas, em ntima articulao com conjecturas e pressupostos, inspirados na cincia demogrfica ou em outras disciplinas sociais. Mas a prpria elaborao dos dados estatsticos tem por trs de si uma elaborao terica dos chamados indicadores demogrficos, como por exemplo, esperana de vida, taxas de mortalidade, de fecundidade e de reproduo, tabelas de vida, entre outros. Como explicam os filsofos e cientistas da teoria do conhecimento moderna, o conhecimento cientfico tem-se sofisticado e estruturado cada vez mais. Isto importante, considerando que s com um conhecimento melhor estruturado se consegue entender o que possvel conhecer sobre a realidade (Deutsch, 2000; Popper, 1999). No entanto, se verdade que nenhuma teoria conduz directamente1 O demgrafo e economista francs Adolphe Landry chamou-lhe mesmo Revoluo Demogrfica, na sua obra de 1934, mas foi o termo transio demogrfica, criado pelo norte-americano, Frank Nortestein (1945), que conquistou notoriedade na literatura demogrfica (Demeny, 2011: 9; ver tambm UN, 2010b: 50).

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

8

aos factos. H sempre um processo repetido de formao e teste de hipteses (Wilson, 2009: 98), no menos verdade que o entendimento no depende de saber muitos factos, mas de ter os conceitos, explicaes e teorias correctos (Deutsch, 2000: 1). Ns entendemos a estrutura da realidade somente pelo entendimento das teorias que a explicam. E como elas explicam mais do que percebemos imediatamente, podemos entender mais do que percebemos imediatamente que entendemos (Deutsch, 2000: 9) Esta perspectiva epistemolgica da cincia til para o reconhecimento da diferena subtil entre entendimento e mero conhecimento da realidade em geral, e da realidade demogrfica, em particular. Enquanto o conhecimento assenta na descrio e previso, o entendimento pressupe explicao. Em outras palavras, enquanto o conhecimento lida com o que, onde e quando, o entendimento lida mais com questes sobre por que e como (Deutsch, 2000: 8). A implicao da distino entre conhecimento e entendimento que ser capaz de descrever e prever fenmenos e processos no necessariamente suficiente para os entender. Atravs de descries e previses consegue-se conhecer coisas, incluindo os processos sociais; por exemplo, custo de vida, mudanas econmicas e pobreza. Mas para se entender as causas das coisas e dos acontecimentos ou factos, sobretudo as causas das mudanas na estrutura, dinmica e mecanismos da reproduo demogrfica ou da produo econmica, preciso recorrer a abordagens e modelos explicativos. Mesmo que fosse possvel criar uma super-base de informao e de dados estatsticos, no existe maneira de se entender a estrutura da realidade, natural ou social, se no for pelo entendimento das teorias que a explicam (Deutsch, 2008; Francisco e Ali, 2008: 1).1.1. Marco Conceptual: Teoria e Observao Emprica

O termo transio demogrfica geralmente usado na literatura demogrfica em dois sentidos, como se refere acima, convenientes mas questionveis: emprico e terico. Como descrio emprica da mudana demogrfica, ao longo tempo, o modelo da transio demogrfica teve seu esboo interpretativo preliminar em 1929, no artigo do demgrafo americano Warren Thompson intitulado Population. Recorrendo a dados de nascimentos, bitos e crescimento natural, Thompson identificou trs tipos de pases no mundo, no que se refere ao crescimento populacional e s tendncias dos componentes de mudana demogrfica: (A) Pases com rpida diminuio das taxas de mortalidade e de natalidade, em que as taxas de crescimento natural conduziam rapidamente para uma populao estacionria ou em diminuio, por causa da prtica generalizada do controlo reprodutivo (pases da Europa Ocidental e pases de outros continentes ocupados por emigrantes europeus); (B) Pases com taxas de natalidade a tender para o controlo, mas bastante lentamente (Itlia, Espanha e populaes da Europa Central); (C) Pases com taxas de natalidade e de mortalidade submetidas ao mnimo controlo voluntrio e controlos positivos (e.g. doena, forme, guerra, etc.) que determinam o crescimento da populao (Rssia, Japo e ndia e maior parte da sia, frica e Amrica do Sul) (Thompson, 1929: 959, 961-962). Thompson previu que a rapidez de diminuio da taxa de natalidade no grupo B iria depender da velocidade da sua industrializao, enquanto no grupo C o crescimento populacional poderia decorrer na razo inversa da gravidade dos controlos positivos, nomeadamente: fome, doena, guerra e eventuais costumes propensos a agravar a mortalidade (Thompson, 1929: 970-972). Todavia, o termo transio demogrfica viria a ser usado pela primeira vez pelo demgrafo Frank Notestein (1945, McNamana, 1982: 146), quando se referiu ao processo histrico de mudanas observadas nas populaes humanas, de um regime demogrfico de elevadas taxas vitais (elevada mortalidade e elevada natalidade) para um regime caracterizado por baixas taxas vitais. este

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

9

processo de transio de um equilbrio sustentvel do regime demogrfico antigo (RDA) para um novo equilbrio do regime demogrfico moderno (RDM) que passou a designar-se por transio demogrfica. A Figura 1 apresenta o modelo do processo histrico da transio demogrfica global, segundo a representao clssica estilizada da transio demogrfica, em quatro fases principais: Fase 1: Taxas de mortalidade e natalidade muito elevadas, resultando num acrscimo populacional muito pequeno; Fase 2 Mortalidade inicia descida, mas a natalidade no acompanha essa tendncia, causando rpido crescimento populacional; Fase 3 - Queda da taxa de natalidade, resultando num crescimento vegetativo inferior ao da fase 2; Fase 4 taxas de natalidade e mortalidade voltam a estabilizar, mas com nveis baixos, gerando um crescimento populacional novamente pequeno (Bongaarts and Watkins, 1996; Davis, 1963; Kirk, 1996; Johnson-Hanks, 2010; Livi-Bacci, 1992; Malmberg, 2008; Malmberg & Sommestad, 2000)2. Na literatura o termo transio demogrfica tambm tem sido usado para referir o conjunto de teorias de transio demogrfica, sobre a causalidade, determinantes e mecanismos de mudanas demogrficas (Caldwell, 1976, 1980, 2001; Davis, 1963; Kirk, 1996; Notestein, 1945; Mulder, 1998; Johnson-Hanks, 2010: 302; Reher, 2004). Na segunda metade do sculo XX, o modelo da transio demogrfica, tal como representado na Figura 1, suscitou inmeras controvrsias, incluindo avaliaes srias e preocupadas em aperfeioar a teoria para que produza e melhor conhecimento e entendimento (Brown et al., 1999; Caldwell, 1976, 2001, 2004; Cleland and Wilson, 1987; Dyson, 2010; ECA, 2001; Francisco, 1996: 214-223; Lesthaeghe, 1989; Greenhalgh, 1995; Kent, 2004; Knodel and van de Walle, 1979; Mason, 1997; Szreter, 1993; Watkins, 1987), mas tambm avaliaes extremamente crticas e por vezes nada simpticas (Abernethy, 1995; Campbell, 2007; Friedlander et al., 1999; Livi-Bacci, citado por Coale, 1994).

art1_fg1

2 Ainda que o modelo estilizado da transio demogrfica global (TDG) da Figura 1 tenha um propsito meramente ilustrativo, a sua elaborao no layout da RED requereu alguns pressupostos, sobre os anos correspondentes a cada uma das fases e cada um dos regimes. Para tal foram usados dados empricos e pressupostos que vale a pena partilhar. Assumiu-se: 1) O Regime Demogrfico Antigo decorreu at 1800, ano assumido como incio da TDG; 2) 1 Fase da Transio Demogrfica (TD) (1800-1950); 2 Fase da TD (19501990); 3) Regime Demogrfico Moderno (1990-2010).

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

10

medida que o tempo vai avanando, tanto a teoria como o modelo emprico da transio demogrfica, tm sobrevivido aos questionamentos crticos, inspirando novos alentos e crescente reconhecimento intelectual. Isto deve-se generalizao da queda profunda na fecundidade em todo o mundo, razo pela qual Reher defendeu num artigo de 2004 ser cada vez mais importante entender a transio demogrfica como um processo global. Embora essa universalidade tenha sido a pedra angular das teorias clssicas de transio, durante muitas dcadas ela foi amplamente negligenciada pelos especialistas, porque a fecundidade no mundo subdesenvolvido parecia no seguir o padro anunciado nos pases mais avanados (Reher, 2004: 19). Quando se comparam as experincias de transio demogrfica iniciais com as experincias mais recentes, importantes semelhanas e diferenas so identificadas. Em toda parte o declnio da mortalidade parece ter desempenhado um papel central para a queda da fecundidade (Reher, 2004: 19). No entanto, as diferenas no tempo de resposta da fecundidade ao declnio da mortalidade, com pequenos hiatos historicamente mas intervalos mais prolongados nas transies recentes, associado ao declnio muito mais rpido das taxas vitais nos pases subdesenvolvidos, constituem importantes desafios para qualquer explicao geral dos processos de transio demogrfica. A consequncia disto poder ser uma menor capacidade e possibilidade dos pases recm-chegados transio demogrfica global, quando se trata de tirar proveito dos dividendos dessa transio para a modernizao social e econmica das sociedades (Demeny, 2011; Johnson-Hanks, 2010: 308-310; Malmberg, 2008: 32-34; Malmberg & Sommestad, 2000; Reher, 2004; Shapiro, 2010: 73-125).1.2. Teoria Moderna da Transio Demogrfica e Ciclo da Vida

No passado, os estudiosos da demografia concentraram sua ateno principalmente no crescimento bruto da populao. O modelo clssico da transio demogrfica foi formulado em torno das taxas (brutas) de mortalidade e de natalidade, focalizado no impacto da taxa de crescimento populacional. O impacto da transio demogrfica na estrutura etria das populaes mereceu limitada ateno dos demgrafos e outros especialistas; uma ateno centrada nas suas consequncias para a estrutura da procura da populao economicamente activa, fora de trabalho e envelhecimento populacional. Poucos foram os estudiosos que procuraram ligar, de forma sistemtica e elaborada, as mudanas na estrutura etria com as fases da transio demogrfica (Hugh, 2008; Malmberg and Sommestad, 2000). Uma das excepes, digna de referncia, o contributo do demgrafo sueco Bo Malmberg e seus colegas, propondo uma tipologia da transio demogrfica, articulada com as principais fases do ciclo da vida: infncia, adolescncia, maturidade e velhice. (Hugh, 2008; Malmberg and Sommestad, 2000: 3). A abordagem de Malmberg evidencia o facto da transio demogrfica na estrutura etria ser mais duradoura do que no crescimento populacional, passando por quatro fases distintas, cada uma delas marcada pelo aumento de um certo grupo etrio. Primeiro surge a fase da criana (infncia); segue-se a fase juvenil, depois a fase da maturidade e, por ltimo, a fase de envelhecimento (Malberg and Sommestad, 2000: 3; Malmberg and Lindh, 2004; Malmberg, 2008). A Figura 2 apresenta a representao grfica das quatro fases clssicas, acrescida de uma nova, correspondente quinta fase, segundo certos autores, ou segunda transio demogrfica, de acordo com outros (Coleman, 2006; Lesthaeghe and Neidet, 2006; Lesthaeghe, 2010; Kent, 2004): Fase 1: Pr-transio (infncia), caracterizada por elevadas taxas vitais, resultando num crescimento vegetativo populacional muito baixo; Fase 2: Primeira fase da transio (adolescncia), geralmente iniciada com a queda das taxas de mortalidade; ou seja com o incio da transio da mortalidade, enquanto a natalidade permanece estacionria; Fase 3: Inicio da transio da fecundidade (juventude), resultando numa acelerao do crescimento vegetativo; Fase 4: (maturidade) Perodo de consolidao da queda da TBM e da TBN, a ritmos diferentes, em que as taxas vitais voltam a estabilizar, encontrando um novo equilbrio, gerando um crescimento populacional novamente baixo; abrange pases com taxas de fecundidade abaixo do nvel de substituio (2,1 filhos); Fase 5: Fase do envelhecimento3.3 semelhana da Figura 1 tambm na Figura 2 a tipologia moderna da TD assenta em alguns pressupostos e dados empricos, relativos aos anos correspondentes a cada um dos regimes e cada uma das fases. Assumiu-se para os perodos dos regimes e duas transies: Regime Demogrfico Antigo (1500-1820); 1 Transio Demogrfica (1820-1990); Regime Demogrfico Moderno (1990-2010); 2 Transio Demogrfica (1990-2010). Para as datas das cinco fases: 1 Infncia (1500-1820); 2 Juvenil (1820-1900); 3- Jovem adulto (1900-1975); 4- Maturidade (1975-1990); Envelhecimento (1990-2010).

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

11

art1_fg2

A tipologia ilustrada na Figura 2 usada por Francisco (2011b: 47-50), se bem que ainda de forma breve, quando esboa algumas consideraes sobre a fase em que Moambique se encontra actualmente, no quadro das fases de transio demogrfica, em ligao com as cinco fases do ciclo de vida.

2. Breve Panorama Demogrfico da Populao Moambicana medida que o tempo vai passando, os antecedentes remotos perdem-se no tempo, dando a ideia que as retrospectivas de longo prazo so de pouca utilidade. No entanto, para se perceber a relevncia do actual crescimento populacional em Moambique, principalmente a acelerao da taxa de crescimento demogrfica, no ltimo meio sculo, importante inserir este ltimo perodo no contexto mais amplo da trajectria evolutiva populacional de mais longa durao, tanto mundial como africana.2.1. Crescimento Populacional: Passado, Presente e Futuro

O Quadro 1 sumariza dados da evoluo de longa durao da populao moambicana, em comparao com a populao do Mundo e do Continente Africano (INE, 2010a; Maddison, 2006, 2010; UN, 2010a). Segundo as estimativas de Maddison (2006: 30; 2010), no 1 Milnio da nossa era, a populao global cresceu lentamente. No incio do 1 Milnio, a populao mundial rondava 230 milhes de pessoas, tendo aumentado apenas um sexto (17%), at ao fim do Milnio. No mesmo perodo, a populao de frica (incluindo 57 pases) aumentou de 17 milhes para 32 milhes de pessoas, entre o incio e o fim do 1 Milnio. No espao geogrfico correspondente ao territrio actualmente conhecido como Moambique, no incio do 1 Milnio a populao rondava 50 mil habitantes, tendo multiplicado pelo menos seis vezes mais (300 000 pessoas), at ao final do Milnio.

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

12

Quadro 1

Evoluo da Populao em Moambique, frica e no MundoMoambique Momento Histrico Ano Sculo I Sculo X Sculo XV Sculo XVI Sculo XVII Sculo XIX 1 1000 1500 1600 1700 1820 frica Populao Mundial Moambique em Percentagem de frica 225 820 267 330 438 428 556 148 603 490 1 041 720 1 323 022 0,29% 0,93% 2,15% 2,26% 2,46% 2,82% 3,66% do Mundo 0,02% 0,11% 0,23% 0,22% 0,25% 0,20% 0,29%

(Milhares Habitantes) 50 300 1 000 1 250 1 500 2 096 3 775 17 000 32 300 46 610 55 320 61 080 74 236 103 060

Nascimento de Moambique (como Estado moderno 1890 colonial) Sculo XX Incio do sec. XX 1900 1950 Independncia - Estado Soberano 2 Repblica ps-independncia Sculo XXI Primeira dcada do sec. XXI Populao Projectada (*) Populao Projectada (*) Populao Projectada (*) Populao Projectada (*) (*) Projeco ajustada com variante mdia da ONU 2008 Fonte: INE, 1999a; Maddison, 2006, 2010; UN, 2010a.art1_qd1

4 106 6 250 10 433 12 656

110 000 227 939 416 226 633 216

1 563 464 2 525 501 4 064 231 5 256 680

3,73% 2,74% 2,51% 2,00%

0,26% 0,25% 0,26% 0,24%

1975 1990

2007 2010 2020 2030 2050

19 952 23 406 28 545 33 894 44 148

952 787 1 033 043 1 276 369 1 524 187 1 998 466

6 570 525 6 908 688 7 674 833 8 308 895 9 149 984

2,09% 2,27% 2,24% 2,22% 2,21%

0,30% 0,34% 0,37% 0,41% 0,48%

semelhana do que tem acontecido com a populao mundial (Caldwell, 2004; Demeny and McNicoll, 2006; ECA, 2001; Maddison, 2006, 2010; UN, 2010a), a populao moambicana tem vivido importantes mudanas demogrficas, ao longo dos sculos passados. Uma das evidncias mais visveis de tais mudanas, observada no ltimo meio sculo, o rpido aumento da populao. No 2 Milnio, registou-se uma visvel acelerao do crescimento populacional, tanto a nvel mundial e africano como tambm moambicano. A populao mundial aumentou 22 vezes mais, enquanto em frica aumentou 25 vezes e em Moambique 59 vezes. No ano 1500 a populao de Moambique teria atingido um milho de habitantes; em 1820, ultrapassou os dois milhes de pessoas. Por volta de 1891, ano do nascimento do Estado moderno em Moambique, o total da populao rondava os 3,8 milhes de habitantes4.

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

13

art1_fg3

4

Reagindo a estas estimativas, apresentadas no Ideias 28 (Francisco, 2010b), o historiador Gerhard Liesegang colocou ao autor dvidas sobre a estimativa do tamanho da populao no incio do sculo XX. Segundo as evidncias histricas reunidas por Liesegang, em 1900 a populao moambicana deveria rondar apenas trs milhes de habitantes; ou seja, menos oitocentos mil do que indicado no Quadro 1, para o ano 1891. O volume 3 do Manual Histria de Moambique faz referncia ao mesmo valor (trs milhes) indicado para 1990, por Liesegang, adiantando que em 1930 a populao atingiu 4,2 milhes (Hedge, 1999: 8). Se esta hiptese corresponder aos factos, a correco das estimativas permite adicionar uma nova hiptese sobre o ritmo da acelerao da taxa de crescimento populacional, entre 1990 e 1950. Em vez de uma taxa de crescimento mdio anual de 0,84%, no perodo 1900-1950, a taxa seria 1,57%, correspondente a 1,13%, entre 1990 e 1930, e 2,01%, entre 1930 e 1950. No foi possvel ter acesso a fontes mais especficas que fundamentem esta hiptese, mas no deixa de ser uma hiptese interessante, visto colocar a possibilidade do incio da transio da mortalidade ter ocorrido algumas dcadas antes de meados do sculo XX.

5 Um Estado de natureza colonial, nos 84 anos decorrentes at Independncia em 1975, e Estado Soberano, nos ltimos 35 anos, convertido desde meados da dcada de 1980, segundo Francisco (2010a: 37-95) num Estado Falido mas no Falhado.

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

A Figura 3 resume a evoluo da populao de Moambique nos ltimos 120 anos e apresenta uma projeco do crescimento nos prximos 40 anos, segundo os dados da variante mdia da diviso de populao da Organizao das Naes Unidas (ONU) (UN, 2010a). O ano 1891 escolhido como referncia inicial, na Figura 3, por ser a data histrica em que a configurao geogrfica e fronteiras, incluindo a longa costa do Oceano ndico, demarcada atravs do Tratado entre Portugal e Inglaterra, passou a ser conhecido por Moambique (Newitt, 1997: 291-342; Plissier, 2000: 144). Tal acontecimento histrico deu origem ao nascimento de Moambique como Estado moderno5. A delimitao fronteiria de Moambique passou a fornecer o enquadramento estruturante em mltiplos sentidos ( demogrfico, social, econmico, poltico e cultural), com implicaes para a delimitao do tamanho, estrutura e dinmica populacional, bem como distribuio geogrfica, movimentos migratrios e urbanizao, entre outros.

14

2.2. Duas duplicaes populacionais em 100 anos e a terceira a caminho

Desde 1891 at 2010, a populao moambicana aumentou, de aproximadamente 3,8 milhes para 22,2 milhes habitantes. Um aumento populacional de quase seis vezes mais, num perodo de 120 anos, resultando num incremento de 18,4 milhes de pessoas (Figura 3). A primeira duplicao populacional poder ter ocorrido no incio da dcada de 1960, ao totalizar 7,6 milhes habitantes em 1961. A segunda duplicao ter acontecido por volta de 1995, ao atingir 15,8 milhes de habitantes. De acordo com as tendncias do crescimento recentes, a terceira duplicao poder acontecer por volta do ano 2028, ano em que se espera atingir 32 milhes de habitantes. Significa assim, que nos 35 anos de Independncia de Moambique, a populao duplicou (INE, 1999a, 1999b, 2010a; Maddison, 2010; UN, 2010a). Desta breve retrospectiva, sobressaem aspectos dignos de realce, relativos variao do crescimento populacional, em termos absolutos e relativos. A populao total aumentou mais 10 vezes, em cerca de dois sculos, mas metade deste aumento ocorreu nos ltimos 35 anos (apenas um quinto do perodo). Neste perodo, observou-se uma acelerao da taxa de crescimento demogrfico. Foram precisos 70 anos para que a populao duplicasse, entre 1891 e 1961, resultando num acrscimo absoluto de 6,6 milhes de pessoas. Porm, a segunda duplicao, entre 1961 e 1995, precisou apenas 34 anos, resultando num acrscimo absoluto maior do que o da duplicao anterior (8,2 milhes de pessoas). Se as projeces da variante mdia da diviso populacional da ONU (UN, 2010a) se confirmarem, at ao fim da corrente dcada, a populao de Moambique registar um aumento absoluto de cinco milhes de pessoas. Este acrscimo populacional equivale ao total das populaes de trs pases da frica Austral, projectadas para 2020: Botswana (2,2 milhes), Maurcias (1,4 milhes) e Suazilndia (1,4 milhes) (UN, 2010a; PNUD, 2009). A diferena, contudo, que estes trs pases vizinhos so mais desenvolvidos do que Moambique, em termos de desenvolvimento humano, econmico, demogrfico, entre outros aspectos (Francisco, 2010b). A evoluo futura do tamanho populacional depender da variao das taxas vitais e da estrutura etria, nomeadamente da taxa de natalidade associada ao nvel de fecundidade das mulheres em idade reprodutiva. As projeces da ONU (2008) assumem uma reduo progressiva da fecundidade, tanto no mundo em geral como em Moambique. A variao relativa do crescimento populacional tambm evidencia uma acelerao, a partir da segunda metade do Sculo XX. At meados do sculo XX, a taxa mdia anual do crescimento da populao foi inferior a 1% (0,87%, no perodo 1891-1950), mas no ltimo meio sculo, registou uma acelerao persistente para nveis superiores a 2% ao ano (Francisco, 2010b, 2011b: 21). Em alguns perodos a acelerao da taxa de crescimento populacional sofreu quebras substanciais, como ilustra a Figura 4. Tais quebras podero ter sido causadas por mudanas mais conjunturais (e.g. polticas e sociais) do que estruturais (e.g. principalmente demogrficas). Entre 1974 e 1975, a taxa mdia anual desceu de 2,8% para 0,6%, respectivamente, mas retomou nveis superiores a 2%, no perodo 1975-1981. A partir de 1981 registou-se outra quebra brusca, atingindo nveis negativos, com o pico mais baixo (-2,9%), em 1988. A partir de 1991, observou-se a reposio dos nveis elevados, com um pico excepcional em 1994, atingindo um crescimento anual de 7,7%.

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

15

art1_fg4

As evidncias disponveis sugerem que as variaes bruscas no crescimento populacional, nos perodos acima referidos (Figura 4), foram causadas mais por mudanas polticas e econmicas conjunturais, do que mudanas estruturais da composio populacional. Foi um perodo marcado por polticas governamentais radicais, implementadas logo aps a Independncia poltica de Moambique, em 1975, pelo partido poltico (Frelimo) que passou a controlar o Estado Soberano e grande parte da sociedade moambicana (Newitt, 1997; Francisco, 2009, 2010a). Eventualmente, as polticas e mudanas socioeconmicas implementadas na primeira dcada de independncia, agravadas pela guerra civil que assolou o pas at 1992, acabariam por produzir efeitos profundos nos componentes de mudana da sociedade em geral. Tais efeitos evidenciaramse de imediato e de forma visvel, na economia nacional, e na capacidade produtiva, em particular. A composio e dinmica demogrfica, bem como o comportamento reprodutivo populacional, certamente foram tambm influenciados pelas mudanas econmicas, polticas e sociais radicais, implementadas pelo Estado Soberano. Porm, como mostra Francisco em trabalhos recentes (Francisco, 2010a, 2011b, 2011c; Francisco et al., 2011), a amplitude e profundidade das mudanas demogrficas no so comparveis s mudanas polticas e econmicas, porque a composio e estrutura etria da populao envolve dinmicas, inter-geracionais e entre os sexos, com ritmos prprios e caractersticas diferentes dos processos polticos e econmicos. Recentemente, o Continente Africano registou a passagem da barreira de mil milhes de pessoas, prevendo-se que volte a duplicar por volta do ano 2050. Em Moambique, se a terceira duplicao populacional, desde 1891, ocorrer por volta de 2028, significa que o ritmo de crescimento demogrfico acelerado manter-se-, tal como na duplicao anterior, com uma durao rondando os 33 anos. At ao fim da corrente dcada, Moambique dever registar um acrscimo, em termos absolutos, de 5 milhes de pessoas. A variao no tamanho da populao futura depender principalmente da forma como as taxas vitais iro evoluir, nomeadamente a taxa de natalidade associada ou nvel de fecundidade das mulheres em idade reprodutiva. As projeces da ONU (2008) assumem uma reduo progressiva da fecundidade, tanto no mundo em geral como em Moambique, com uma diferena importante. A nvel mundial o crescimento populacional dever estabilizar por volta do ano 2040, em torno do nvel de substituio demogrfica, resultando num crescimento populacional nulo (assumindo uma mortalidade baixa e constante e a migrao zero). Por seu turno, em Moambique a populao continuar a crescer, em toda a primeira metade do corrente Sculo XXI, no se sabendo quando poder estabilizar.

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

16

3. Transio Demogrfica Moambicana: Incipiente, Lenta e TardiaA principal questo demogrfica em Moambique, na actualidade, no tanto se a transio demogrfica moambicana ir progredir, mas sim, em que fase especfica se encontra actualmente? A que ritmo poder a transio da mortalidade prosseguir, na dcada 2010-2020? E o que realmente est a acontecer fecundidade, tendo em conta as mais recentes indicaes de que a taxa de fecundidade no diminuiu ao ritmo previsto nas projeces de 1999 do INE (1999a, 1999b)? O INE estimou a taxa de fecundidade total (TFT), nmero mdio de filhos que uma mulher tem na sua vida reprodutiva (15-49 anos), em 5,9 filhos, referente a 1997, prevendo uma diminuio para 5,3 filhos, no perodo 2005-2010. No entanto, de acordo com a mais recente avaliao, baseada no Censo populacional 2007, e as projeces da populao para o perodo 2007-2040, a fecundidade atingiu os 5,7 filhos por mulher em 2007. No ser que esta ligeira diminuio da TFT, de 5,9 para 5,7 filhos6, em dez anos, permite reforar as indicaes anteriores de que a transio da fecundidade moambicana encontra-se estagnada, ou mesmo em risco de regredir?3.1. O que Explica o Elevado Crescimento Populacional Moambicano?

Para o senso comum, o rpido crescimento populacional no ltimo meio sculo, ilustrado na Figura 3, de algum modo contra-intuitivo e intrigante. No quotidiano, as pessoas sentem a adversidade da vida, na luta pela sua sobrevivncia. Muitas pessoas ainda se lembram da massiva deslocao populacional e bitos, causados pela guerra civil e por outras calamidades econmicas (e.g. destruio da economia rural, fome,) e ambientais (e.g. seca, cheias). Perante isto, o senso comum questiona-se sobre as possveis causas de um crescimento populao rpido e vigoroso, no ltimo meio sculo, quando as adversidades registadas fariam pensar que a populao registasse uma forte diminuio da qual dificilmente recuperaria. Sabendo que em perodos anteriores guerra civil tambm se registaram calamidades naturais, conflitos militares e outros factores de vulnerabilidade diversos, em que difere a acelerao do crescimento populacional mais recente, da evoluo demogrfica mais remota? Ser que o fenmeno do rpido crescimento demogrfico resulta de mudanas substantivas e estruturais, em vez de conjunturais e espordicas, nos mecanismos de reproduo humana? A resposta s questes anteriores foi acima adiantada, quando se referiu a ruptura do antigo regime demogrfico em Moambique. Uma resposta mais fundamentada necessita de ser elaborada, recorrendo aos modelos analticos fornecidos pela cincia demogrfica e a evidncias empricas, sempre que for possvel reunir dados demogrficos adequados e fidedignos. Quando se fala de cincia demogrfica, implica duas coisas. Por um lado, implica ter que se recorrer ao manancial de indicadores empricos e tcnicas indirectas de estimativas das taxas vitais e mudana da estrutura etria da populao. Por outro lado, como se referiu acima, implica que a interpretao e explicao das evidncias empricas disponveis no dependem dos dados em si, mas de ter os conceitos, indicadores, modelos tcnicos e explicaes tericas adequadas realidade em estudo, neste caso sobre a populao moambicana (Davis, 1963; Kirk, 1996; Deutsch, 2000: 1; Johnson-Hanks, 2010).

6

De facto, se existiu uma diminuio da fecundidade de 3% na mdia nacional, deveu-se diminuio da fecundidade urbana em cerca de 20%. A nvel rural a fecundidade em vez de diminuir aumentou cerca de 3%, entre o Censo 1997 e o Censo 2007 (Arnaldo e Muanamoha, 2010: 10; INE, 1999a, 1999b, 2010b).

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

17

3.2. Instantneo da Transio Demogrfica em Moambique e no Mundo

O crescimento populacional depende principalmente da mudana dos componentes fundamentais da dinmica demogrfica (bitos e nascimentos), representados por indicadores como: taxa bruta de natalidade (TBN), taxa bruta de mortalidade (TBM) e taxa de crescimento natural ou vegetativo (TCN). A Figura 5 ilustra a tendncia das taxas vitais, entre 1950 e 2005, bem como sua projeco at 2050, segundo a variante mdia da diviso de populao da ONU (UN, 2010a).

art1_fg5

Na Figura 5, a representao grfica dos componentes de mudana (TBM, TBN e TCN) em Moambique representada pelas linhas contnuas, para o perodo 1950-2005, e pelas linhas descontnuas na projeco referente ao perodo 2005-2050. A mancha cinzenta representa as taxas vitais a nvel mundial, permitindo evidenciar graficamente algumas semelhanas e tambm diferenas, nas trajectrias demogrficas em Moambique e no Mundo, respectivamente. A principal semelhana entre a trajectria demogrfica mundial e a moambicana diz respeito ao sentido ou direco das mudanas nas taxas vitais: reduo paulatina e sustentvel das taxas de mortalidade e de natalidade. A principal diferena refere-se ao incio da transio, diversidade de ritmos de crescimento e durao das mudanas conducentes ao RDM. Em meados da dcada de 1950, a taxa de mortalidade mdia mundial era de 17 bitos por 1000 habitantes; cerca de 42% inferior mortalidade em Moambique, estimada em 30 bitos por 1000 habitantes, em 1955. A taxa bruta de natalidade moambicana rondava 50 nascimentos por 1000 habitantes, contra 36 nascimentos por 1000 habitantes a nvel mundial; isto , quase 40% superior ao nvel mundial.

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

18

O saldo lquido das duas taxas vitais anteriores representava, por volta de 1955, um crescimento populacional mdio anual de 1,9%, em Moambique, contra 1,8% a nvel mundial. Uma diferena que, primeira vista, parece pequena, mas numa anlise mais cuidada percebe-se que se traduziu numa divergncia significativa das tendncias demogrficas, nas dcadas seguintes. No perodo 1955-2005, as taxas de mortalidade diminuram drasticamente, tanto em Moambique (-46%) como a nvel mundial (-51%). No entanto, no mesmo perodo, a natalidade moambicana diminuiu muito lentamente (-20%), comparativamente reduo da natalidade mundial (-46%). Desta diferena de comportamentos dos componentes de mudana demogrfica resultou que em Moambique, a taxa de crescimento populacional acelerou de 1,8% para 2,3%, entre 1955 e 2005, enquanto no mesmo perodo, a populao mundial registou uma diminuio do ritmo de crescimento de 1,8% para 1,2%. No seguro afirmar que, ao longo da corrente dcada de 2010, a populao moambicana continuar a registar nveis de crescimento demogrfico bastante elevados (acima de 2% por ano); ou se entrar, nos prximos tempos, numa desacelerao sustentvel do crescimento populacional. Por desacelerao sustentvel entende-se, neste caso, a diminuio da taxa de crescimento populacional, resultante de mudanas estruturais da composio etria e condies de reproduo da populao, em vez de mudanas meramente circunstanciais ou conjunturais.3.3. Taxas de Mortalidade: Brutas e Infanto-Juvenis

Entre as principais medidas de mortalidade, a taxa de mortalidade infantil (nmero de bitos infantis por mil nascimentos) o indicador geralmente mais utilizado na avaliao do estado de sade de uma populao7. Isto acontece no tanto por uma questo de convenincia tcnica ou prtica, mas porque a mortalidade infantil, em fases iniciais da transio demogrfica, afecta decisivamente o nvel de esperana de vida nascena. A sua importncia tem merecido reconhecimento acrescido, medida que tem aumentado a compreenso do efeito que a mortalidade infanto-juvenil parece ter no comportamento da fecundidade (Cleland, 2001; ECA, 2011; Gaisie, 1989; Malmberg, 2008; Reher, 2004). No ltimo meio sculo, a taxa de mortalidade infantil (TMI) tem registado redues significativas, tanto no mundo como em frica, incluindo Moambique. A Figura 6 mostra a evoluo da mortalidade por mil nascimentos (eixo vertical da esquerda) e a taxa bruta da mortalidade por 1000 pessoas (eixo vertical da direita), para alguns pases e regies de frica, no perodo 1950-2010. A TMI moambicana baixou de 220 bitos por 1000 nascimentos, em 1950-55, para pouco menos de 100 bitos por 1000 nascimentos, em 2005-10.

7

Os outros dois indicadores mais comuns so a taxa bruta de mortalidade (nmero de bitos por mil habitantes) e a esperana de vida (um indicador agregado do risco de morte e da probabilidade de sobrevivncia em diferentes idades).

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

19

art1_fg6

Esta tendncia manteve-se acima da mdia da frica Subsariana, onde a TMI reduziu de 174, em 195055, para 88,6 em 2005-10. A diferena ainda mais expressiva quando a tendncia da TMI moambicana comparada com a evoluo da mortalidade infantil nos pases da SADC, mais avanados na transio demogrfica. O grupo de pases ilustrado na Figura 6, com a designao TMI-Lderes da A. Austral, mostra uma diminuio mdia de 72 bitos infantis, em 1950-55, para 24, em 2005-10. Presentemente, a mortalidade infantil em Moambique, s inferior a meia dzia de pases africanos (e.g. Angola, Serra Leoa, Libria, Nger, Somlia), mas em relao aos demais pases africanos continua superior (UN, 2010a). A diminuio da mortalidade infantil parece ser a principal razo da queda da taxa bruta de mortalidade (eixo vertical da direita na Figura 6), tanto em Moambique como nos outros pases e regies da frica Austral e Subsariana. A TBM em Moambique baixou de 33 bitos, em 1950-55, para 16 em 2005-10 (UN, 2010a). Ainda que a direco da tendncia seja similar tendncia observada nos pases vizinhos de Moambique, ela distingue-se da dos pases lderes da transio demogrfica, na frica Austral, pela sua lentido. A ttulo de exemplo, em 1950-55 Maurcias tinha a mesma TBM que Moambique tem actualmente; no mesmo perodo, os lderes da transio demogrfica na frica Austral passaram de uma mortalidade de 18 para 12,7.8 Segundo o Inqurito de Indicadores Mltiplos (MICS) 2008 do INE (2009a), as taxas de mortalidade entre crianas tm diminudo nos ltimos anos, mas a velocidade menor do que em anos anteriores. O MICS 2008 estimou a probabilidade de morrer antes do primeiro aniversrio de vida (TMI) em 93 por mil nascimentos vivos, no perodo 2003-2008. Adianta ainda que a reduo observada nas taxas de mortalidade infantil e infanto-juvenil (taxa de mortalidade de cinco anos) resultou da reduo mais acentuada nas zonas rurais e de um declnio menor nas zonas urbanas. Os dados do MICS 2008 mostram ainda que, na ltima dcada, a taxa de mortalidade dos menores de cinco anos em reas rurais, diminuiu quase sete pontos percentuais (de 237 para 162), enquanto a reduo nas reas urbanas rondou uma mdia de 1,4 pontos percentuais por ano (Figura 7).98 Sobre a TBM, convm chamar ateno para um certo retrocesso ou tendncia negativa da mortalidade, evidenciado nos anos recentes pelos pases da regio da frica Austral. A Figura 6 mostra que a diminuio da mortalidade total interrompeu em meados da dcada de 1980. Registou-se um aumento de quase 20% da TBM, entre 1985 e 2005. A mortalidade infantil tambm aumentou ligeiramente, mas a mdia geral da tendncia ainda foi negativa. Este retrocesso poder estar relacionado com o impacto da epidemia do HIV-SIDA, sobretudo em grupos de idade reprodutiva, em pases como Botswana, frica do Sul, Maurcias, Suazilndia e Zimbabwe. Todavia, ser preciso realizar anlises mais detalhadas para aferir sobre o peso desta causa de mortalidade, comparativamente a outras causas. Em alguns pases, nomeadamente Maurcias, parte do aumento recente da mortalidade pode estar a derivar de mudanas na estrutura demogrfica, relacionadas com o envelhecimento da populao. Este no ainda o caso de Moambique, onde as causas de morte so causas tpicas de pases numa fase retardada da transio demogrfica (UN, 2010a; Malmberg, 2008: 13-16). 9 Segundo o estudo recente do INE (2009b: 6), a malria continua a ser a principal causa de morte (29%) em Moambique, seguida em ordem decrescente pelo HIV/SIDA (27%), causas peri-natais (7%), doenas diarreicas (4%), pneumonia (4%), acidentes e outras causas externas (4%), tuberculose (3%), doenas do sistema circulatrio (3%) e neoplasmas malignos (1%).

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

20

Qual tem sido o efeito retardador da lenta diminuio da mortalidade infantil, no processo e ritmo da transio demogrfica? Sobre isto, no existe ainda uma avaliao quantitativa sistemtica e actualizada, justificando-se uma investigao especfica deste assunto. Uma investigao que ajude a responder dvida acima referida, para melhor se poder antecipar as possveis mudanas dos componentes de mudana demogrfica, na dcada 2010-20.

art1_fg7

De imediato, face aos dados acima apresentados, pelo menos dois pontos importantes relativos transio demogrfica moambicana, merecem ser destacados, neste momento. Primeiro, o incio da transio da mortalidade, em algum momento durante a primeira metade do sculo XX, introduziu uma ruptura no antigo regime demogrfico moambicano. Apesar de no existirem dados histricos sobre as taxas vitais, que permitam determinar com exactido quando que iniciou a transio da mortalidade, a partir de observaes indirectas pode-se inferir que at ao sculo XX os moambicanos tinham uma esperana de vida curta, elevada mortalidade e um crescimento populacional lento, graas a uma elevada natalidade. Ou seja, o conjunto de indicadores caractersticos do RDA. Em segundo lugar, diferentemente de eventuais variveis na mortalidade, no passado remoto ou mais recente, o incio da transio da mortalidade representa uma ruptura do equilbrio estvel e sustentvel, em torno de taxas muito elevadas. Ao longo de meio sculo, salvo algumas excepes acima referenciadas, registou-se uma acelerao do crescimento populacional a nveis superiores a 2% por ano. A possibilidade de uma desacelerao da taxa de crescimento populacional, ao longo da prxima dcada, poder ser retardada, em parte devido lentido da transio da mortalidade; mas outro facto, talvez mais determinante, poder ser a lentido da transio da fecundidade. Sobre este segundo componente, a seco seguinte trata do desenvolvimento da fecundidade e do comportamento reprodutivo da populao moambicana.

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

21

3.4. A Fora da Reproduo Demogrfica Moambicana

A Figura 8 resume a situao recente da fecundidade em frica, apresentando o mapa continental da distribuio da TFT. Estes mesmos dados so representados num grfico de barras (Anexo), por ordem decrescente.

art1_fg8

A recente variao da fecundidade na frica Subsariana pode ser dividida em grupos principais, seguindo a classificao de Malmberg (2008: 17-18), ajustada para incorporar cinco, em vez de quatro grupos (conforme a Figura 2). Os dados so apresentados em ordem decrescente, dos valores mais elevados da TFT para os mais baixos. O Quadro 3 apresenta os valores das TFT dos 56 pases africanos, ilustrados na Figura 8, segundo os cinco grupos acima referidos: Grupo 1 Fecundidade igual ou superior a 6 filhos por mulher; Grupo 2 Fecundidade entre 6 e 5 filhos por mulher; Grupo 3 Fecundidade entre 5 e 3,5 filhos por mulher; Grupo 4 Fecundidade entre 3,5 e 2,1 filhos por mulher; Grupo 5 Fecundidade abaixo de 2,1 filhos por mulher, ou seja inferior ao nvel de substituio reprodutiva10.

10

Menos de meia dzia de pases africanos podero encontra-se actualmente no incio da segunda transio demogrfica, na perspectiva de Lesthaeghe and Neidet (2006), Lesthaeghe (2010) ou Kent (2004), conceito cuja validade certos autores questionam (Reher, 2004: 33)

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

A taxa de fecundidade, geralmente medida atravs da Taxa de Fecundidade Total (TFT), estima o nmero mdio de filhos que uma mulher teria at o fim de seu perodo reprodutivo, assumindo de acordo com as taxas observadas na data considerada. Em outras palavras, a TFT representa o nmero mdio de filhos nascidos por mulher em idade reprodutiva ou de procriao, entre a puberdade e a menopausa (15-49 anos de idade).

22

Obviamente, este agrupamento depende das estimativas da TFT, podendo variar em conformidade com a metodologia e os dados usados11. De qualquer forma, tendo em conta a ressalva anterior, mais importante do que os valores absolutos num determinado tempo, so as tendncias gerais e especficas. O Grupo 1 integra meia dzia de pases (16% dos 56 pases africanos), com nveis de fecundidade superiores a seis filhos por mulher. So pases que j iniciaram a transio da mortalidade, mas quanto transio da fecundidade, esto ainda a inici-la. O Grupo 2 rene o maior nmero de pases (29% dos 56 pases africanos), incluindo Moambique, fazendo parte da fase da transio demogrfica, com uma fecundidade entre seis e cinco filhos por mulher. O Grupo 3, composto por 17 pases (30% dos total de 56 pases) com fecundidade entre cinco e 3,5 filhos por mulher, vivendo a terceira fase da transio demogrfica. O Grupo 4 incluiu 18% dos 56 pases africanos, numa fase avanada da transio da fecundidade, com TFT entre 3,5 e 2,1 filhos (limiar de substituio). Finalmente, o Grupo 5 integra, por enquanto, apenas quatro pases africanos, Seicheles, Maurcias, Arglia e Tunsia, com nveis de fecundidade abaixo do limiar de substituio demogrfica (2,1 filhos por mulher).Quadro 2

Distribuio dos Pases Africanos Segundo a Taxa de Fecundidade Total (TFT), Classificados em Cinco Grupos, 2005-2010GRUPO 1 ( 6 FIHOS) Nger Mali Uganda Somlia Burundi Burkina Faso R. D. do Congo Angola Etiopia GRUPO 2 (] 6 -5] FILHOS) Serra Leoa Congo Libria Moambique Malawi Mayotte Benin Sao Tome e Prncipe Chade Rwanda Guin Zmbia Madagascar Guine Equatorial Jibuti Gmbia GRUPO 3 (] 5 -3.5] FILHOS) Senegal Nigria Comores Togo Eritreia Guinea Bissau Gabo Qunia Sudo Tanzania Mauritnia R. Centro Africana Camares Sara Ocidental (est.2010) Costa do Marfim Zimbbue Gana 9 16% 16 29% 17 30% 10 18% 4 7% GRUPO 4 (] 3,5 -2,1] FILHOS) Suazilndia Lbia Cabo Verde Lesoto Nambia Egipto Botsuana Marrocos Reunio (est 2006) frica do Sul GRUPO 5 ( 2,1 FIHOS) Seicheles Maurcias Algria Tunsia

Fonte: www.indexmundi.com/g/r.aspx?v=31&l=ptart1_qd2

11 Existem ligeiras diferenas, por exemplo, em relao classificao apresentada por Malmberg (2008: 17-18), com base nos dados da ONU de 2007.

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

23

No estudo de Reher (2004: 37), nenhum pas africano aparece no grupo designado como percursores (forerunners), ou seja, pases que tenham iniciado a transio da fecundidade antes de 1935. Apenas dois pases africanos integram o grupo de seguidores (followers), pases que iniciaram a transio da fecundidade entre 1950 e 1964.

Finalmente, ainda de acordo com Reher (2004: 37-38), o grupo de rebocados (trailers), iniciou a transio da fecundidade entre 1965 e 1979. Cerca de uma dzia de pases africanos iniciaram a transio da fecundidade por volta de 1975: Arglia, Botswana, Egipto, Marrocos, Seicheles, frica do Sul, Suazilndia, Tunsia, Sara Ocidental e Zimbabwe. Os restantes pases africanos, designados por Reher como retardados (latecomers), so os que iniciaram a transio da fecundidade depois de 1980. Reher (2004: 38) considera que Angola iniciou a transio da fecundidade em 1995, enquanto Moambique poder ter iniciado no ano 2000.3.5. Reproduo, Fecundidade e os Lderes da TD no Sul de frica

No ltimo meio sculo, grande parte da populao mundial consolidou a transio da sua fecundidade, em torno de nveis cada vez baixos, confirmando assim a expanso do novo regime demogrfico. Nuns casos, a transio da fecundidade aproxima-se do limiar de substituio demogrfica (2,1 filhos por mulher), noutros j ultrapassaram tal limite, permanecendo com nveis inferiores ao mnimo naturalmente necessrio para a substituio geracional. A Figura 9 ilustra graficamente este processo, no perodo 1950-2010, mostrando a trajectria de Moambique em comparao com as diferentes trajectrias da fecundidade das principais regies do mundo. Na segunda metade do sculo XX, as regies da Amrica Latina e da sia registaram mudanas rpidas e profundas nas taxas vitais, atingindo recentemente nveis de fecundidade prximos da Amrica do Norte, Austrlia e outros pases mais desenvolvidos. Assim, como ilustra a Figura 9, a nvel mundial a frica Subsariana a nica grande regio continental numa fase inicial da transio demogrfica. Porm, o agregado da fecundidade na frica Subsariana esconde variaes regionais muito grandes e dinmicas. Um vasto nmero de pases (Nger, Burundi, Repblica Democrtica do Congo, Mali, Uganda, Angola, Malawi, Zmbia, Tanznia, Moambique, entre outros) permanece no incio da transio da fecundidade, mas uma vez que iniciaram a transio da mortalidade, significa que tambm j se encontram no processo de transio demogrfica, tendo tambm iniciado a ruptura com o regime demogrfico antigo (RDA).

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

Segundo Reher, Reunio iniciou a transio da fecundidade em 1955, enquanto Maurcias iniciou em 1960. Contudo, ao longo das dcadas seguintes, Maurcias registou um ritmo mais acelerado da sua transio da fecundidade, comparativamente Reunio. No incio da dcada de 2000, segundo a ECA (2001: 3-4), a diminuio da fecundidade nas Maurcias foi a mais rpida no mundo. Isto deveu-se a factores como o adiamento do casamento, melhoria da educao especialmente da mulher, coexistncia entre religies e lderes religiosos e flexibilidade e empenho na divulgao do planeamento familiar, contando com o activo envolvimento do Governo.

24

art1_fg9

Alm disso, pelo menos em duas sub-regies africanas, e de forma isolada em vrias outras do continente africano, vrios pases tambm romperam com o padro inicial da transio fecundidade, em que se encontram grande parte dos 50 pases da frica Subsariana, includos na classificao da ONU (UN, 2010a). Na regio do Norte de frica (Arglia, Egipto, Lbia, Mauritnia, Marrocos e Tunsia), desde meados da dcada de 1970 observa-se um rpido declnio da fecundidade. Esta regio registou o pico da sua fecundidade (7 filhos por mulher), no perodo 1955-60; aps uma reduo muito ligeira, at meados da dcada de 1970, a diminuio da fecundidade acelerou, dos 6,5 filhos em 1970-75, para nveis mdios prximos dos da sia e da Amrica Latina: 2,9 filhos por mulher em 2000-05; uma diminuio de 3.6 filhos, ou cerca de 55%. Enquanto isso, at ao fim da dcada de 1990, a restante parte do agregado da frica Subsariana manteve nveis de fecundidade acima de 6.4 filhos por mulher, se bem que nas duas ltimas dcadas tenha registado uma queda para 5.1 filhos (-20%). Uma reduo ligeira agregada que, se for desagrega por sub-regies menores ou pases individualizados, permite observar que um conjunto de pases do sul de frica avanou muito alm da mdia da fecundidade africana. Como ilustra a Figura 10, vrios pases vizinhos de Moambique, registaram significativas redues da fecundidade: frica do Sul, Botswana, Lesoto, Maurcias, Nambia, Suazilndia e Zimbabwe. A este grupo de sete pases, com significativas redues das taxas de natalidade e de mortalidade, designa-se neste trabalho por lderes da transio demogrfica (LEDS), na regio do sul de frica. Curiosamente, do ponto de vista da transio da fecundidade, o conjunto de 14 pases integrantes da chamada SADC (Southern African Development Community) encontra-se actualmente dividido em dois grandes grupos: 1) Um grupo de sete pases com nveis de fecundidade elevada, nalguns casos quase estacionria, estagnada, ou com tendncia para aumentar, em vez de diminuir; e 2) Um segundo grupo de sete pases bastante avanados na diminuio da fecundidade (Figura 10).

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

25

art1_fg10

As anlises que tomam como referncia o nvel agregado da fecundidade africana, incorrem no risco de passar uma imagem enganadora de muitos dos pases africanos, nomeadamente do grupo de pases LTDs, pelo facto do elevado nvel das TFT dos pases do primeiro grupo, ofuscar as baixas fecundidades do segundo grupo. Isto ilustrado pelos grficos das Figuras 9, 10 e 11, comparando a tendncia da fecundidade regionais, no mundo, na frica Subsariana e SADC, com a evoluo da transio da fecundidade em Moambique. Como visvel nas Figuras 10 e 11, a nvel dos pases integrantes da SADC, Maurcias destaca-se como o lder dos LTDs; em meados da dcada de 90 Maurcias ultrapassou o limiar de substituio demogrfica (2,1 filhos por mulher), atingindo actualmente um TFT de 1,8 filhos por mulher12.

art1_fg11

12

A Figura 11 apresenta uma verso corrigida da Figura 13, num trabalho anterior (Cadernos IESE no. 6, Francisco, 2011b: 37). O autor agradece ao Conselho Editorial da RED pela chamada de ateno para a inconsistncia entre os dados e a imagem da referida Figura 13.

A Natureza Incipiente da Transio Demogrfica em Moambique

26

4. Consideraes Finais e ConclusoDependendo das fontes, os dados usados neste trabalho podem divergir de outros, conduzindo a resultados e concluses ligeiramente diferentes; principalmente quando se entra em detalhes, como por exemplo o incio exacto da ruptura com o regime demogrfico antigo e a durao de cada fase de transio; ou a intensidade do crescimento da populao, dependendo da diferena entre os valores da natalidade e da mortalidade e extenso ou impacto de cada fase, em termos do volume total da populao, envolvida no processo de transio. Tambm ser preciso aprofundar a anlise das taxas vitais, tomando em considerao os dados do ltimo censo populacional (Censo 2007) ainda por explorar, de forma sistemtica. Arnaldo (2007) reuniu suficientes evidncias conducentes concluso que a transio da fecundidade moambicana poder ter iniciado por volta do ano 2000, mas provavelmente apenas no Sul de Moambique. No objectivo deste artigo along-lo com anlises detalhadas sobre a recente dinmica dos componentes de mudana demogrfica em Moambique. No entanto, tendo em conta a discusso anterior, parece pertinente terminar o presente artigo com uma resposta tentativa questo: Em que fase da transio demogrfica se encontra actualmente Moambique.4.1. Em que Fase da Transio Demogrfica est Moambique?

O Quadro 3 permite responder a esta questo, recorrendo aos dados mais actualizados do INE, comparados com os dados de trs dezenas de pases, distribudos pelas cinco fases da transio demogrfica, identificadas neste artigo. As quatro primeiras fases da transio correspondem s quatro fases da teoria clssica da transio demogrfica; a quinta fase corresponde nova fase, observada em pases mais avanados na transio demogrfica,demogrfica (Lesthaegue, 2010). Moambique surge na 2 Fase, da primeira transio demogrfica, devido aos elevados valores da natalidade (TBN 41,1), da taxa de crescimento (2,5%) natural, da taxa de fecundidade total (TFT = 5,4 filhos por mulher) e da taxa de mortalidade infantil (TMI - 133). Estes indicadores revelam que Moambique mantm fortes vestgios da primeira fase da transio demogrfica, ou at mesmo do RDA, pr-transicional. No entanto, a mortalidade j diminuiu para menos de 20, significando que a ruptura com o RDA est e, curso, manifestando-se visivelmente, numa elevada taxa de crescimento populacional (superior a 2% por ano). Estes dados referem-se a uma das verses das estimativas do INE, disponvel no seu Portal de Internet, diferentes de outras fontes suas, como por exemplo as recentes Projeces Anuais da Populao Total, Urbana e Rural, 2007-2040 (INE, 2010a), devido a diferenas metodolgicas, cujos detalhes se desconhece. No entanto, de uma maneira geral, as diferenas nos dados no afectam o posicionamento de Moambique no Quadro 3, o qual pretende ser mais indicativo do que exacto. Indicativo, porque no cmputo geral os indicadores demogrficos moambicanos reflectem ainda o RDA e a primeira fase da transio demogrfica, apresentando uma TBN na escala, ou muito prximo da escala dos 40-50, dependendo das estimativas, enquanto a TBM diminuiu para nveis inferiores a 20.

Revista de Estudos Demogrficos, n 49

27

Quadro 3

Moambique no Contexto da Distribuio dos Pases por Fases da Transio Demogrfica, 2005-2010

Fases

Pases

Taxa Taxa Bruta de Taxa de Bruta de Mortalidade Crescimento Natalidade () Natural (%) ()

Intervalo da Taxa de Crescimento Natural (%)

Taxa de Fecundidade Total (n. Crianas por mulher)

Taxa de Mortalidade Infantil ()

Caractersticas

Fase 1

-

40-50

40-50

0

Na actualidade no h nenhum pas no mundo que apresente taxas de mortalidade to altas. Para encontrar algum pas do Terceiro Mundo nesta fase seria preciso recuar primeira metade do sculo XX e, at ao sculo XVIII, para encontrar algum dos pases ricos. A Taxa Bruta de Natalidade (TBN) mantm-se alta. Pelo contrrio, a Taxa Bruta de Mortalidade (TBM) regista uma diminuio, originando um forte aumento do crescimento populacional.

Fase 2 Guin Bissau

49,6

18,4

3,1

> 2.0

7,2

112,7

Nger Angola Mali Uganda Tanznia Somlia Moambique(*) Honduras Zimbabwe Fase 3 Botwana ndia Marrocos Africa do Sul Maurcias Tunisia Reino Unido Noruega Fase 4 Espanha Australia Sucia ustria Estados Unidos Alemanha Itlia Fase 5 Eslovnia Litunia Japo

49,6 47,3 48,1 46,6 39,0 42,9 41,1 27,9 27,9 24,9 23,0 20,5 22,3 14,8 16,7 12,0 12,0 10,8 12,4 11,3 9,2 14,0 8,2 9,2 9,0 9,1 8,3

13,8 20,5 14,7 13,4 12,9 16,6 16,5 5,6 17,9 14,1 8,2 5,8 17,0 7,0 5,6 9,9 9,1 8,8 7,1 10,1 9,4 8,2 10,7 10,5 9,9 12,3 9,0

3,6 2,7 3,3 3,3 2,6 2,6 2,5 2,2 1,0 1,1 1,5 1,5 0,5 0,8 1,1 0,2 0,3 0,2 0,5 0,1 -0,0 0,6 -0,3 -0,1 -0,1 -0,3 -0,1