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RevISE – Revista Interdisciplinar do Instituto de Educação de Ananindeua (Online) ISSN: 2359 – 4861 Vol. 12, N. 12 Maio/2018 0 REVISE Revista Interdisciplinar do Instituto de Educação de Ananindeua (Online) ISSN: 2359 – 4861 Vol. 12, N. 12 Maio/2018

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REVISE

Revista Interdisciplinar do Instituto de Educação de Ananindeua (Online) ISSN: 2359 – 4861 Vol. 12, N. 12 Maio/2018

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Revista Interdisciplinar da Divisão de Pesquisa do Instituto Superior de Educação de

Ananindeua/ESMAC

Conselho Editorial desta Edição

Luis Roberto Lobato Dos Santos1

Roberto Magno Reis Netto2

Wando Dias Miranda3

Itamar Rogério Pereira Gaudêncio4

Clarina de Cássia da Silva Cavalcante5

Susan Natasha Lima Brasil6

Thales Maximiliano Ravena Cañete7

Vitor Augusto da Silva Borges8

1 Graduado em Direito pela UFPA- Universidade Federal do Pará (1997), Graduado em Curso de Formação de

Oficiais pela Academia de Polícia Militar do Ceará (1976) e Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos (2003). Especialista em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela UFPA e Direito Processual Penal pela UniFMU/SP (Universidade Metropolitanas Unidas). Atualmente é Coordenador do Curso de Direito da

ESMAC (Escola Superior Madre Celeste). Advogado. 2 Mestre em Segurança Pública. Especialista em Direito Processual Civil, Docência Superior e Atividade de Inteligência e gestão do conhecimento. Coordenador dos Projetos de Pesquisa em “Direito Civil e Processual Civil e Novos Paradigmas” e “Atividade de Inteligência e Segurança Pública”, da ESMAC. Professor e Pesquisador. Oficial de Justiça Avaliador do TJE/PA. 3 Doutorando em Planejamento do Desenvolvimento. Mestre em Ciência Política. Especialista em Ciência Política. Coordenador dos Projetos de Pesquisa em “Direito Civil e Processual Civil e Novos Paradigmas” e “Atividade de Inteligência e Segurança Pública”, da ESMAC. Professor e Pesquisador. 4 Doutor em História Social da Amazônia/UFPA (2016); Mestre em História Social da Amazônia/UFPA(2007);

Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul (2015). Especialista em Defesa Social e Cidadania IESP(2017). Bacharel e Licenciado Pleno em História pela Universidade Federal do Pará (2003). Bacharel em Ciência da Defesa Social e Cidadania IESP/UEPA (2008). Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo-UNICID (2016). Atualmente é Capitão da PMPA. Docente do Curso de História na Escola Superior Madre Celeste. Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará na cadeira nº 30 cujo patrono É O HISTORIADOR MANOEL BARATA. 5 Graduada e Licenciada em Enfermagem (UFPA). Especialista em Neonatologia (UFPA) e Enfermagem do Trabalho (UNINTER). Pós-Graduanda em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento (ESMAC). Técnica em Gestão Penitenciária da SUSIPE (enfermagem). Enfermeira da Prefeitura Municipal de Ananindeua. Pesquisadora e Participante do Projeto de Pesquisa em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento. 6 Coordenadora Adjunta do Curso de Graduação em Direito da Escola Superior Madre Celeste. Bacharel em Direito pela Escola Superior Madre Celeste. Participante do Grupo de Pesquisa em “Direito Civil e Processual Civil e Novos Paradigmas”. 7 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (2009) e em Direito pela Universidade da

Amazônia (2013), Mestre em Direito, linha de pesquisa Direitos Humanos e Meio Ambiente pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA (2012), doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA. Professor. 8 Especialista em Direito Eleitoral. Bacharel em Direito. Professor e Pesquisador. Oficial de Justiça Avaliador do TJE/PA.

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Conselho Científico

Iranilse Pinheiro (Diretora Geral-ESMAC)9

Sandra Christina F. dos Santos (UEPA)10

Veridiana Valente Pinheiro (UFPA)11

Ilton Ribeiro dos Santos (ESMAC)12

Prof. Roberto Magno Reis Netto13

Mário Pinheiro (ESMAC)

Luís Heleno Montoril del Castilo (UFPA)

9Educadora, Empresária, Diretora Geral da Escola Superior Madre Celeste – ESMAC, Graduada em Enfermagem

e Obstetrícia - UEPA, Pós-Graduada em Administração de Instituições Escolares-CESUPA, Especialista em Avaliação Institucional-CESUOA, Mestranda em Educação-U.A.A, Membro do Fórum dos Executivos Financeiros para as Instituições de Ensino Privadas do Brasil, especialização em CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL pelo Centro Universitário do Estado do Pará (2002) e especialização em ADMINISTRAÇÃO DE INSTITUIÇÕES ESCOLARES pelo Centro Universitário do Estado do Pará (2002). Atualmente é DIRETORA GERAL da Escola Superior Madre Celeste. 10 Possui Doutorado Em Ciências Da Educação pela Universidad Autónoma de Asunción, MESTRADO EM EDUCAÇÃO: ENSINO SUPERIOR E GESTÃO UNIVERSITÁRIA pela Universidade da Amazônia (1999). Atualmente é Professora Assistente III da Universidade do Estado do Pará, coordenadora do curso de Artes Visuais da Escola Superior Madre Celeste, Diretora Acadêmica da ESMAC. 11 Graduado em Letras (UFPA), pós-graduado (lato senso) em Semiótica e Cultura Visual (UFPA) e mestrado em

Artes pela (UFPA). Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (PPGL-UFPA). É editor chefe pela Revista Literária Talares e da Revista Interdisciplinar do Instituto de Ensino Superior de Ananindeua - REVISE e da Revista da Pós-Graduação - ESMAC 12 Possui graduação em Letras - Habilitação Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará, Campus de

Abaetetuba, Mestrado concluído no ano de 2013, em Teoria Literária. Foi bolsista de extensão pela PROEX/UFPA e bolsista de pesquisa UFPA/PIBIC-AF e CNPq-AF durante a graduação e bolsista CAPES durante o mestrado. Atualmente é aluna do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará. 13 Mestrando em Segurança Pública. Especialista em Direito Processual Civil, Docência Superior e Atividade de Inteligência. Coordenador dos Projetos de Pesquisa em “Direito Civil e Processual Civil e Novos Paradigmas” e “Atividade de Inteligência e Segurança Pública”, da ESMAC. Professor e Pesquisador. Oficial de Justiça Avaliador do TJE/PA.

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Coordenador do Instituto Superior de Ensino - ISE

SANDRA CHRISTINA F. DOS SANTOS

DIVISÃO DE PESQUISA E EXTENSÃO– ISE/NUPEX

Coordenador de Pesquisa ISE - NUPEX

ILTON RIBEIRO DOS SANTOS

Coordenadora de Extensão ISE – NUPEX

MARCIA JORGE

Projeto Gráfico da Revista

SANDRA CHRISTINA F. DOS SANTOS

ILTONRIBEIRO DOS SANTOS

Ilustração da Capa

ILTON RIBEIRO SANTOS

Revisão

ILTON RIBEIRO SANTOS

Editoração eletrônica

Assessoria de Comunicação - ASCOM

ILTON RIBEIRO DOS SANTOS

Editores:

SANDRA CHRISTINA F. DOS SANTOS

ILTON RIBEIRO DOS SANTOS

Bibliotecária

MARIANA ARAÚJO

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Biblioteca Central/ESMAC, Ananindeua/PA

REVISE – Revista Interdisciplinar da Divisão de Pesquisa/ESMAC –

V. 12, n.12 (Maio/2018) - Ananindeua/PA.

Semestral.

Organizadores: Sandra Christina F. dos Santos, Roberto Magno Reis Netto; Ilton

Ribeiro dos Santos.

Publicado em edição temática; v. 12, n. 12: Ensino Superior.

ISSN: 2359-4861

Periódicos brasileiros. I. Escola Superior Madre Celeste. 2.

Ananindeua/Pa.

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S U M Á R I O

O PROTESTO AO TÍTULO QUE FIXA ALIMENTOS E FIXA A POSSIBILIDADE

DE INCLUSÃO DO ALIMENTANTE NO CADASTRO DE PROTEÇÃO AO

CRÉDITO.

Fernanda Lina Pena de Miranda Muiva, Roberto Magno Reis Netto..................................08

DECLÍNIO DO WELFARE STATE E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Kamila Ayumi Abe, Roberto Magno Reis Netto...............................................................21

APONTAMENTOS SOCIOLÓGICOS SOBRE A ALINENAÇÃO PARENTAL

Milene Socorro Zagallo Pinto, Roberto Magno Reis Netto................................................ 32

O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR SOB OS ASPECTOS DO

MODELO DE CONSUMO CONTEMPORÂNEO: uma análise sociológica do fenômeno

Ana Paula Fernandes Amorim, Roberto Magno Reis Netto. .............................................. 44

O PAPEL DO PROCESSO CIVIL COM RELAÇÃO ÀS MINORIAS MUÇULMANAS

NO BRASIL

Asmaa Abduallah Hendawy; Analêda Pontes Miranda de Carvalho....................................59

MEDIDAS ATÍPICAS CONSUBSTANCIADAS NO ART. 139, INC. VI:

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO SEM FERIR OS DIREITOS

E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Igor Pedrosa Araujo; Elienson Serra; Daniel Lira; Asmaa Abdullah. (Orientadora)..............71

GESTÃO ESCOLAR E PROCESSO EDUCACIONAL

Isabela Chaves da Silva; Rafaella de Freitas Melgaço; Cândida Assumpção Castro; Sandra

Christina Ferreira dos Santos....................................................................................................83

RESENHAS

TEXTO “TORCATO, Breve História da proibição das Drogas no Brasil. Revista inter-

legere. Natal, n.15, 2014. P.138-162”

Verônica Albuquerque, Wando Dias Miranda, Roberto Magno Reis Netto............................93

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APRESENTAÇÃO

Nessa oportunidade colocamos a disposição o décimo segundo número da revista

REVISE do Núcleo de Pesquisa da Escola Superior Madre Celeste/ESMAC e esse projeto

soma com as atividades da iniciação científica dos cursos de Licenciatura e Bacharelados

dessa academia. Este conjunto de textos são aprofundamentos de leituras e orientações

bibliográficas que tem como foco o aprimoramento, a produção e a difusão do conhecimento.

Escola Superior Madre Celeste assume o comprometimento com o ensino, pesquisa e

a extensão, isso pode traduzir na qualidade de um projeto educacional fundamentado num

trabalho de reflexão constante, em sintonia com o que se produz de mais avançado, nas áreas

de conhecimento relacionadas ao desenvolvimento humano.

Como transformar socialmente para melhor a vida humana? Essa indagação pode ser a

razão da proposta de um trabalho pedagógico de excelência. Isso significa que cabe à

faculdade estimular ao professor-pesquisador e ao estudante-pesquisador a aquisição e a

produção de conhecimento, respeitando a sua individualidade sem perder de vista a vida

social.

Estabelece-se uma relação de confiança tripla entre os acadêmicos com os professores-

pesquisadores, respeitando os valores basilares da instituição, e a sociedade. Fatores

fundamentais para a plena realização da proposta educacional.

Organizadores:

Sandra Christina Ferreira dos Santos

Ilton Ribeiro dos Santos

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ARTIGOS

O PROTESTO AO TÍTULO QUE FIXA ALIMENTOS E FIXA A POSSIBILIDADE DE

INCLUSÃO DO ALIMENTANTE NO CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO

Fernanda Lina Pena de Miranda Muiva14

Roberto Magno Reis Netto15

RESUMO: Este trabalho se ocupou de demonstrar a inclusão do nome do devedor em

cadastros de proteção ao crédito como nova forma de medida de execução de alimentos por

coação e seus cabimentos e tem como objetivo demonstrar se há ou não diferença quando do

protesto de títulos que fixam essas obrigações alimentícias e ainda possibilitam tal medida

coercitiva e como este se procederá, mesmo em casos de devedor empresário.

Palavras-Chave: Obrigação Alimentícia. Execução de Alimentos. Medidas coercitivas.

Protesto.

Introdução

Apesar da execução de alimentos dar-se em modo especial e ter medidas executórias

também especiais, às vezes, essas são ineficientes ou não aplicáveis ao caso concreto. A

inclusão do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito como nova medida de

coação utilizada na execução de alimentos tem se mostrado de grande valia para que se

alcance o adimplemento da obrigação alimentícia.

Posicionamento que antes vinha se consagrando apenas de maneira jurisprudencial, a

inclusão do devedor em cadastro de proteção ao crédito tornou-se efetivamente legal com o

advento do novo Código de Processo Civil, desde que a pedido do requerente.

Assim, juntamente com as medidas do Art. 528, CPC, tem sido utilizada como

medida de coação para o adimplemento de obrigação alimentícia, de forma análoga, pois tal

obrigação é especial pelo seu caráter alimentar, de necessidade à subsistência daquele que a

14 Bacharel em Direito, pela Escola Superior Madre Celeste (ESMAC). Participante do Projeto de Pesquisa em

Direito Civil e Processual Civil e Novos Paradigmas Processuais da Escola Superior Madre Celeste. 15 Professor e Pesquisador. Coordenador do Projeto de Pesquisa em Direito Civil e Processual Civil e Novos

Paradigmas Processuais da Escola Superior Madre Celeste. Mestre em Segurança Pública. Especialista em

Direito Processual Civil, Docência Superior e Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento. Oficial de

Justiça Avaliador do TJE/PA.

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requere, mas não deixa de ser obrigação de pagar quantia certa, estando, suscetível aos usos

de medidas de adimplemento destas obrigações, quando não suficientes àquelas lhes dada em

tratamento especial.

Ademais, os protestos a estas decisões deverão ser feitos também da mesma maneira

ou algo é tratado de modo especial? E como fica a situação do devedor empresário, que

depende de seu nome para o aferimento de renda?

Com isto em mente, fez-se um estudo bibliográfico da doutrina e jurisprudência do

que se tem debatido acerca do tema.

Demonstrar como se dá a execução de alimentos, a inclusão do nome do devedor em

cadastros de proteção ao crédito, como fica a situação de alguns devedores em situações

peculiares de dependência do seu nome submetidos a esse tipo de decisão, a ineficácia ou a

eficácia da mesma, e o protesto dessas decisões, seus procedimentos e seus efeitos são os

objetos de deste artigo.

1 DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

1.1 ALIMENTOS

Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 protege o direito à vida como o bem

jurídico mais importante a ser resguardado pelo nosso ordenamento (Art. 5º, “caput”, CF). Tal

direito é baseado em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, CF), ou seja, não basta à pessoa somente a garantia

de estar vivo, mas também, deve tal bem jurídico ser revestido de dignidade, expandindo,

assim, o conceito de viver.

Nesse contexto, o direito à vida torna-se tarefa multifacetária, na qual deve o Estado

assegurar meios para que as pessoas possam alcançar e ter acessos a outros bens ou utilidades

que facilitem o alcance de uma vida digna. Não obstante, cria-se, por essas razões, o instituto

de Alimentos dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com a gramática, alimento é toda substância utilizada pelos seres vivos

como fonte de matéria e energia para poderem exercer suas funções vitais, incluindo o

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crescimento, movimento e reprodução. Dentro do universo jurídico, e de acordo com o

Princípio de Dignidade da Pessoa Humana, constitucionalmente protegido, tem-se o instituto

de alimentos como uma prestação imposta a determinada pessoa (alimentante), como

responsável pela garantia de fornecer a outra (alimentado) meios para que se viva de forma

saudável digna. Dessa forma, “os alimentos compreendem a todos os recursos essenciais à

vida, com necessidades morais, físicas e jurídicas.” (VALDEZ; FLEITAS, 2015).

Quanto à natureza do instituto de alimentos, prevalece, doutrinariamente, a

classificação dada por Orlando Gomes, de que a obrigação alimentar não é somente de direito

pessoal, inerente à subsistência, mas também é de caráter patrimonial, uma vez que tem-se um

devedor e um credor nos polos opostos da obrigação.

“(…) não se pode negar a qualidade econômica da prestação própria da

obrigação alimentar, pois consiste no pagamento periódico, de soma de dinheiro

ou no fornecimento de víveres, cura e roupas. Apresenta-se, conseqüentemente,

como uma relação patrimonial de crédito-débito; há um credor que pode exigir

de determinado devedor uma prestação econômica (GOMES, 2001, p. 65)”.

Seguindo essa classificação mista da natureza da obrigação de alimentos, percebe-se

que tal obrigação dá ao alimentando condições de gerir e preservar seu patrimônio,

fornecendo meios de conservá-lo; além de possibilitar a cobrança de adimplemento da

obrigação, caso necessário, não só pelos meios extrajudiciais, mas também judicialmente,

conforme ocorre com as demais obrigações.

Vale dizer ainda, que as obrigações alimentares não decorrem somente do direito de

família – os chamados “Alimentos Legítimos” – mas também tem origem em relações civis,

como em casos de prestação de alimentos por responsabilidade civil ou penal (ato ilícito) ou

até mesmo, por vontade das partes, de caráter contratual ou testamentário (DIAS, 2016).

Além da origem do vínculo obrigacional de prestação de alimentos, deverá, de forma

quase que obrigatória, estabelecê-la de modo a respeitar o binômio Necessidade x

Possibilidade, que por sua vez, respeita o princípio da menor onerosidade.

Deve-se verificar, impreterivelmente, a necessidade do requerente em receber os

alimentos, por não ter bens suficientes para garantir sua própria subsistência, como

fundamento primordial para o estabelecimento da obrigação, a qual deverá ser valorada de

acordo com a possibilidade do requerido de sustentá-la, sem que haja prejuízo do seu próprio

sustento, nos termos do §1º, do Art. 1.694 e do Art. 1.695, Código Civil Brasileiro.

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Não se pode perder de vista o caráter especial que possui as obrigações alimentares,

uma vez que o alimentando tem urgência no cumprimento da obrigação, visto o que aqui já

fora exposto, e, por isso, deve a execução dessas obrigações – independentemente de sua

origem – dar-se em procedimento especial.

1.2 – A EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

O processo de execução no ordenamento jurídico brasileiro tem como objetivo a

promoção da efetiva tutela jurisdicional, pois torna efetivo o direito já conhecido, declarado

ou homologado em título executivo judicial ou extrajudicial, e obedece, além, é claro, dos

princípios inerentes ao processo civil geral, os seguintes princípios:

a) Da Patrimonialidade: consagrado no Art. 789, CPC, o devedor responderá, para o

cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, presentes e futuros, salvo as

restrições estabelecidas em lei;

b) Da Utilidade da Execução: o procedimento de execução será sempre desenvolvido

em benefício do credor da obrigação definida, aduzindo que os prejuízos que o devedor venha

a sofrer, sejam revestidos em benefícios ao credor;

c) Da Efetividade da Execução: autoriza que o credor também execute

provisoriamente os títulos executivos judiciais ainda não transitados em julgado, dentre outras

medidas;

d) Da Disponibilidade: considerando que o a execução é instaurada a pedido e em

benefício do credor, este poderá dela dispor quando for de seu interesse;

e) Da menor onerosidade: a execução deverá sempre ser procedida da forma menos

onerosa possível ao devedor, sem que haja, obviamente, prejuízos ao credor.

Estes princípios adotados em sede de execução, são os basilares para que a obrigação

definida em título executivo seja satisfeita de modo a não prejudicar o credor, nem tornar o

Estado ineficiente na sua função jurisdicional de garantir e efetivar direitos aos/dos seus

cidadãos.

Dentro dos institutos das obrigações, a obrigação alimentícia é obrigação de pagar

quantia certa (NEVES, 2016), com tratamento especial devido ao seu caráter de subsistência

para o alimentando. A execução de alimentos se dá, no ordenamento jurídico brasileiro ou por

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12

processo de execução autônomo ou por cumprimento de sentença de obrigação alimentar.

O cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar

alimentos é tratado nos Arts. 528 e seguintes do Código de Processo Civil, e tem como

fundamento a sentença ou decisão interlocutória que reconheça a exigibilidade de tal

obrigação, ou seja, é baseada em título executivo judicial.

Quanto aos títulos executivos extrajudiciais que reconheçam a obrigatoriedade da

prestação de alimentos, o procedimento não se dará como fase processual, como no

cumprimento de sentença, mas em processo autônomo, denominado de execução de

alimentos, regidos pelos Arts. 911 e seguintes da referida lei processual.

Entretanto, apesar da diferença entre os títulos executivos judiciais de alimentos

serem cobrados em fase processual de cumprimento de sentença e os títulos executivos

extrajudiciais o serem em ação autônoma de execução, os procedimentos executórios serão

iguais, de acordo com o parágrafo único do Art. 911, CPC.

Primeiramente, tentar-se-á promover o adimplemento de dívida alimentar da forma

que mais respeite o Princípio da Menor Onerosidade. Desta maneira, o juiz intimará – em

cumprimento de sentença – ou citará – execução de título extrajudicial – o devedor para que,

no prazo de três dias, efetue o pagamento da obrigação, provar que o fez ou justificar a

impossibilidade de fazê-lo, nos termos dos Arts. 528 e 911, CPC.

Caso infrutífera a tentativa do juiz pelos Arts. 528 e 911, CPC ou a justificativa do

devedor seja considerada insuficiente, o magistrado mandará protestar o título executivo e

observará o rito escolhido pelo exequente para seguir na cobrança: se o rito de execução será,

primeiramente, a sub-rogação (execução direta) ou a coação (execução indireta).

As execuções por sub-rogação de obrigações alimentares, exemplificadas nos Arts.

529 e 912, CPC, se dá quando há a substituição do devedor no adimplemento da dívida. Nos

termos destes artigos, poderá o exequente obter adimplemento da obrigação por meio do

desconto em folha de pagamento ou, por analogia, de outras formas de renda – como

recebimento de aluguéis pelo exequente, devidos ao executado – o que, de acordo com Cahali

(2013), trata-se de uma forma especial de arresto, pois ao se “conservar em mãos de terceiro”

certo valor, impede-se que o devedor subtraia a quantia devida.

Como medida de execução por coação, a coação pessoal dentro das execuções de

alimentos é a que mais se destaca no ordenamento jurídico por consistir na prisão do devedor.

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13

De acordo com Marinoni (2011, p. 321):

“Conquanto se trate de meio violento à liberdade individual, a prisão civil

constitui mecanismo extremamente importante à execução dos alimentos. Não

deve haver preconceito em seu uso, uma vez que, além de poder ser

imprescindível para garantir manutenção básica e digna ao alimentando, apenas

pode ser utilizada quando o devedor descumpre a sua obrigação de forma

“voluntária e inescusável”, ou, em termos mais claros, quando possui dinheiro e,

mesmo assim, deixa de pagar os alimentos.”

Ademais, a prisão civil só será decretada quando do inadimplemento voluntário e

inescusável da obrigação alimentar, em respeito ao Princípio da Liberdade Individual, de

acordo com a Constituição Federal de 1988, que em seu Art.5º, inciso LXVII, dispõe que

“não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário

e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”; e ainda, nos termos da

Súmula 309, do Superior Tribunal de Justiça, a qual enunciou que:

“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que

compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se

vencerem no curso do processo.”

Vale dizer ainda, que a decretação da prisão civil não impede a penhora de bens do

devedor ou ainda o prosseguimento de outros atos executórios (THEODORO Jr., 2015), pois

a execução de obrigação alimentícia só se finda com o adimplemento da obrigação ou com

justificativa escusável, aceita pelo magistrado, como exposto em dispositivo constitucional.

Juntamente a essas medidas de tentativa de adimplemento da dívida alimentar e,

principalmente quando essas não estão sendo suficientes, uma nova forma de execução por

coação tem se evidenciado e consolidado no nosso ordenamento, qual seja, a inclusão do

nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito.

2 DA INCLUSÃO DO NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO

CRÉDITO.

2.1 DA POSSIBILIDADE

Como visto anteriormente, as medidas de execução de alimentos (por sub-rogação ou

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coação) podem não ser suficientes para o pagamento do inadimplemento da dívida – até

mesmo a prisão civil – ou podem não ser aplicáveis ao caso concreto, o que ocorre raramente.

“A prática revela que muitas vezes o provimento jurisdicional se mostra inócuo

na solução dos conflitos, e a prisão civil para os casos de inadimplemento não é a

solução mais benéfica, pois muitos acabam por encarar a prisão como uma

escapatória para o não pagamento da pensão alimentícia, seja porque o pai está

foragido ou porque o prazo da prisão já tenha sido cumprido.” (SILVA, 2011, p.

8).

Nessas ocasiões, uma nova modalidade de coação tem sido utilizada pelos

magistrados, a pedido do exequente, para forçar o devedor ao pagamento da dívida, que é a

inclusão do nome deste em cadastros de proteção ao crédito, sendo os mais conhecidos o

banco de dados de Centralização dos Serviços dos Bancos (SERASA) e o Serviço de Proteção

ao Crédito (SPC).

Esses órgãos são espécies de bancos de dados criados para que instituições

financeiras ou qualquer pessoa que intencione conferir créditos a outra, tenha acesso a

informações pertinentes sobre sua vida financeira e quais os riscos que ela pode lhe oferecer.

É a partir da informação desses bancos de dados – de responsabilidade pela sua instituição e

regulação o Código de Defesa do Consumidor, nos seus Arts. 43 e seguintes – que o

conferidor de créditos decidirá se o concederá ou não a quem lhe pede.

A flexibilização da Lei Processual Civil dá abertura a meios alternativos de cobrança

da dívida, tirando do devedor ideia de que não tendo bens e, às vezes, mesmo que vá preso,

nada mais lhe acontece por ser inadimplente de obrigação alimentar. Pois, é sabido que o

cadastramento nesses bancos de dados negativa o nome do devedor, impedindo-o de

conseguir qualquer forma de crédito por instituições financeiras, mesmo que prove que tenha

patrimônio para sanar essa dívida.

“Em termos práticos, entretanto, a inscrição do consumidor em quaisquer

destes cadastros equivale à sua exclusão do mercado de compra a crédito,

e mesmo, da possibilidade de aquisição de produtos mediante pagamento

de cheque, ou quaisquer outros mecanismos que não o dinheiro (moeda

de custo forçado).” (MIRAGEM, 2010, n.p.).

Tendo em vista a urgência do cumprimento de obrigação alimentar, doutrinadores

brasileiros, além das medidas coercitivas já conhecidas e usadas, têm defendido a inclusão do

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nome do devedor de obrigação alimentar em cadastros de proteção ao crédito como efetiva

medida coercitiva de execução.

“Além da execução pelo rito da penhora, da possibilidade da penhora on line, da

execução pelo rito da prisão do devedor, entendemos como salutar a medida

tomada na Província de Buenos Aires (através da Lei n. 13.074), onde funciona

um Registro de Devedores Morosos, cuja finalidade é inscrever, por ordem

judicial, o nome dos devedores de alimentos (cinco pensões alternadas ou três

sucessivas). As consequências derivadas da referida inscrição são:

impossibilidade de abrir contas correntes e obter cartões de crédito;

impossibilidade de obter licença, permissão, concessão e habilitações que

dependam do Governo (por exemplo, não poderá obter ou renovar a licença para

conduzir veículos o alvará para abrir um comércio); impossibilidade de ser

provedor de algum organismo de Buenos Aires; impossibilidade de exercer

cargos eletivos, judiciais ou hierárquicos no Governo daquela cidade.”

(LOUZADA, 2008, n.p.)

A ideia de usar tal medida como coercitiva para que o devedor cumpra com sua

obrigação, mesmo que inovadora, vem sendo aplicada no judiciário brasileiro em relação às

obrigações alimentares, pelos tribunais e juízes menos conservadores, como possível, dentro

dos parâmetros do Art. 782, §3º do Código de Processo Civil.

Não se tem diferenciado, nesses casos, a obrigação alimentícia das demais

obrigações de pagamento de quantia certa, pois, deve-se ter em mente o caráter alimentar da

obrigação, que a torne urgente, em respeito e proteção direta do direito à vida e aos Princípios

de Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana. Tornou-se, portanto, uma das medidas de

compelir o devedor ao pagamento da dívida.

É possível que se pense no conflito existente entre tal medida e a violação doa

intimidade ou direito à privacidade, invocando-se, para tanto, o Código do Consumidor, que

preceitua que as informações constantes nos dados de proteção ao crédito de caráter público

devem ser relacionadas tão somente ao mercado de consumo. Todavia, esse pensamento já

fora refutado pela doutrina e jurisprudência:

EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA.

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO E

INESCUSÁVEL DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. PROTESTO DE TÍTULO

JUDICIAL. POSSIBILIDADE. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS

CADASTROS DE INADIMPLENTES. SPC E SERASA. CONSEQUÊNCIA.

DADOS CONSTANTES DAS CENTRAIS DE PROTESTO QUE SÃO

COLETADOS PELOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA

DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE SEGREDO DE JUSTIÇA (CF, ART. 93,

IX). IMPOSSIBILIDADE DE SE CONFERIR PRIMAZIA À INTIMIDADE

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DO DEVEDOR DE ALIMENTOS EM DETRIMENTO DA SOBREVIVÊNCIA

DAQUELE QUE ANSEIA PELO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO

ALIMENTAR. (...) Se o sigilo do processo pode ser afastado em prol “do

interesse público à informação” (CF, art. 93, IX), certamente pode ser

relativizado quando, em respeito ao princípio da razoabilidade, estiver em

risco a garantia do pagamento de uma dívida alimentar, pois em nome

desse interesse a Constituição restringe até mesmo a mais cara das

liberdades, que é o direito de ir e vir (CF, art. 5º, LXVII) (…). (TJ-RJ -

AI: 00190600320138190000 RJ 0019060-03.2013.8.19.0000, Relator:

DES. MARIO GUIMARÃES NETO, Data de Julgamento: 18/02/2014,

DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:

03/04/2014 22:13)

Não se pode permitir que o direito à privacidade ou intimidade prevaleça sobre o

direito à vida digna, pois é este último que concretiza a efetividade do princípio da Dignidade

da Pessoa Humana e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito.

2.2 O DEVEDOR EMPRESÁRIO

Quando o devedor for empresário, efetuar-se-á a execução de obrigação alimentícia

nos mesmos termos do Art. 528, CPC, não tendo este qualquer vantagem sobre outros

devedores, nem mesmo no que concerne ao cadastro de seu nome em sistema de proteção ao

crédito.

Caso tenha seu nome incluído nesses bancos de dados, será mais efetiva tal medida

de coação da execução alimentar, pois, por não querer ser visto como mal pagador e para que

tenha possibilidade de contrair crédito perante instituições financeiras, este devedor tentará

sanar sua dívida, visando o não prejuízo de seu bem jurídico ou de seu nome.

De acordo com Casado (2007, n.p.), a inclusão do nome de devedor nesses cadastros,

“Trata-se de uma atividade que rotula os consumidores, mesmo que

potencialmente, como bons ou maus pagadores. Os cadastros

também têm servido como expedito meio de cobrança de débitos. É

que a simples inscrição neles impede a realização das mais básicas

operações cotidianas das pessoas. Assim, para verem-se incluídas

no mercado como pessoas normais a solução é pagar ou renegociar

a dívida, mesmo que ela contenha ilícitos.”

Caso fique claro que o não pagamento da dívida alimentícia se tem dado de forma

inescusável e voluntária, o devedor empresário, que dependa do seu nome fora dos registros

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de proteção ao crédito, terá, mesmo assim, seu nome inserido em tais bancos de dados, pois,

como se sabe, a jurisprudência não irá sobrepor tal necessidade do devedor à necessidade de

sobreviver do alimentante.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. SENTENÇA QUE

ARBITROU A VERBA ALIMENTAR EM 1,5 SALÁRIOS MÍNIMOS.

ALIMENTANDA FREQÜENTANDO CURSO SUPERIOR EM PERÍODO

INTEGRAL. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO COMPROVADA.

ALIMENTANTE EMPRESÁRIO. RENDA SUPERIOR À COMPROVADA.

SINAIS EXTERIORES DE RIQUEZA. POSSIBILIDADE EM CONTRIBUIR

COM O SUSTENTO DA FILHA. MAJORAÇÃO PARA 2,5 (DOIS E MEIO)

SALÁRIOS MÍNIMOS QUE SE IMPÕE. RESPEITO AO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE, E RESGUARDO AO BINÔMIO

POSSIBILIDADE/NECESSIDADE. QUEBRA DE SIGILO QUANTO AOS

RENDIMENTOS DA EMPRESA DO GENITOR. DESNECESSIDADE.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. É cediço que os

alimentos devem ser fixados de acordo com a necessidade de quem pleiteia e

com a possibilidade de quem é obrigado a suportá-los, atendendo ao binômio

necessidade/possibilidade, estabelecido no § 1º do art. 1694 do Código Civil. "À

míngua de provas específicas quanto aos rendimentos reais do alimentante, deve

o magistrado, na tarefa de fixação dos alimentos, valer-se dos sinais exteriores de

riqueza daquele, a denotarem, ante a visão de seu patrimônio e de seu modo de

vida, o seu verdadeiro poder aquisitivo, mormente quando se tratar de

empresário ou de profissional liberal, dada a pouca credibilidade das declarações

unilaterais feitas por eles, em Juízo, a respeito de seus rendimentos mensais."

(Ag. de inst. n., de Itajaí, Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben.) (…) (TJ-SC -

AC: 609764 SC 2009.060976-4, Relator: Carlos Adilson Silva, Data de

Julgamento: 08/10/2010, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação:

Apelação Cível n., de Joaçaba)

Dessa forma, a proteção ao devedor proveniente do princípio da Menor Onerosidade

não será aplicada de forma ampla nesses casos, da mesma forma que se retira o poder dos

princípios da intimidade e privacidade, pois a necessidade de subsistência do alimentando,

tendo em vista à proteção do direito à vida, pesa mais para o nosso ordenamento jurídico, de

forma protecionista à Dignidade da Pessoa Humana.

Entretanto, caso a inclusão do seu nome, mesmo que a pedido do exequente, seja

prejudicial a ponto do devedor ficar impossibilitado de auferir rendimentos para o pagamento

da dívida ou, até mesmo, resultar em prejuízo do seu sustento, esta não será feita, pois, tornar-

se-ia modo de escusável da dívida e de aceitável justificativa, o que não poderia ser feito pelo

judiciário, tornando a medida ineficaz, além de não respeitar a possibilidade do devedor,

violando assim o princípio da possibilidade presente no binômio base quando das fixações de

obrigações alimentares (necessidade x possibilidade).

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2.3 DO PROTESTO DA DECISÃO

O protesto, como definido no Art. 1º, da Lei 9.492/1997, é “o ato formal e solene

pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e

outros documentos de dívida.”.

O protesto de decisão judicial que reconhece a exigibilidade de obrigação alimentícia

tem previsão expressa no Código de Processo Civil. Para lavratura do protesto, o credor

deverá apresentar certidão de teor da decisão. O cartório da vara fornecerá no prazo de 3 dias

a certidão de teor da decisão, que indicará o nome e a qualificação do credor e do devedor, o

número do processo, o valor da dívida e a data de decurso do prazo para pagamento

voluntário.

Se comprovada a satisfação integral da obrigação, o devedor poderá requerer ao juízo

onde tramita a execução o cancelamento do protesto, mediante ofício a ser expedido ao

tabelionato, no prazo de 3 dias, contado da data de protocolo do requerimento.

O protesto de decisão judicial, embora não seja propriamente uma novidade, ganha

mais força ao ser expressamente acolhido na nova legislação processual, com tratativa mais

adequada e detalhada. Não há dúvidas que o protesto, inserido no contexto de um mercado

fortemente pautado no crédito, é uma medida relevante para conseguir o efetivo

adimplemento das obrigações.

Quanto às obrigações tidas em título executivo extrajudicial, este dar-se-á nos moldes

do Art. 517, no que couber, pois, a lei 9.492/97, não excluí o título executivo extrajudicial,

mas permite o protesto de dívida fundada em título, desde que certa, líquida e exigível.

O novo CPC, na verdade, apenas regulou o protesto de decisão judicial, trazendo

segurança jurídica e rapidez ao procedimento, tanto para o devedor quanto para o credor. A

grande utilidade do protesto de decisão judicial é dar amplo e público conhecimento do

decidido, forçando o devedor ao adimplemento da obrigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se uma evolução processual acerca da efetivação do direito a alimentos

dentro do ordenamento jurídico brasileiro. O Código de Processo Civil em 2015 tornou

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expressamente legal um conjunto de medidas antes tomadas apenas no âmbito jurisprudencial.

Isso foi possível graças a uma nova maneira de pensar o direito, que se dá de forma não mais

tão positivista, mas de maneira mais sociológica.

O direito deve sempre acompanhar a sociedade a qual rege, como pressuposto de sua

evolução, e tratando do Estado Brasileiro, o qual é Democrático de Direito, esse

acompanhamento e evolução jurídica deve ser seguida em prol da proteção dos princípios

basilares deste tipo de estado, qual sejam, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da

Cidadania.

Ampliar o instituto de medida executória de coação da inclusão do nome de devedor

em cadastros de proteção ao crédito para que tal alcance e seja aplicada nos casos de

inadimplemento de obrigações alimentícias, nada mais é que a efetiva evolução processual em

busca da concretização do Estado Democrático de Direito, pois, quando isso se realiza no

âmbito dessas obrigações, o direito à vida digna que todos os cidadãos têm, especialmente

aqueles que não tem condições de provê-lo sozinho, dependendo de outrem para tanto, se

concretiza e concretiza a proteção ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Ademais, a sobreposição desse princípio sobre o Princípio da Menor Onerosidade, de

maneira congruente com que se tem nos outros princípios processuais, como o Devido

Processo Legal e a Ampla Defesa, em razão ao tratamento especial dado às obrigações

alimentícias pelo seu caráter alimentar, ou seja, de subsistência, também efetiva o Estado

Democrático de Direito, assegurando a todos a cidadania e a vida digna.

REFERÊNCIAS

CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª ed. – São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais LTDA, 2016.

GOMES, Orlando. Direito de família. Atualizado por Humberto Theodoro Júnior. 14. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2001.

LOUZADA, Ana Maria Gonçalves. Alimentos – doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte:

Del Rey, 2008.

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MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de execução. 3. ed., rev.

atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor,

direito material e processual do consumidor, proteção administrativa do consumidor, direito

penal do consumidor. 2. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2010.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. –

8ª ed. – Salvador: Editora JusPodivm, 2016.

THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito

processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. – Vol. III – 47ª ed.

rev. e atual. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.

VALDEZ, Marko Edgard; FLEITAS, Daniele de Medeiros. A inclusão de alimentante em

cadastro de proteção ao crédito. p. 37-55. Revista InterJuris, 2ª Ed. - Ponta Porã: Faculdade

Fip Magsul, 2012.

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DECLÍNIO DO WELFARE STATE E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Kamila Ayumi Abe16

Roberto Magno Reis Netto17

RESUMO: O presente artigo teve como objetivo analisar o declínio do Welfare State e suas

implicações, como a crise do capitalismo moderno no eixo do bem estar social e a Seguridade

Social, no que tange a Reforma da Previdência. A metodologia adotada foi a pesquisa

qualitativa com análise de dados bibliográficos e documentais e demais materiais que versam

sobre o tema.

Palavras-chave: Welfare state, crise do capitalismo moderno, reforma da previdência.

1 INTRODUÇÃO

A reforma previdenciária foi uma realidade relacionada a privatização do sistema

público de previdência e, diante desta situação surgira diversas críticas a sua proposta. Para

Marques (2014), nesse sentido contrariando o esperado a privatização não tornou o sistema

previdenciário mais eficiente e inclusivo, além de não ter representado diminuição para as

contas públicas.

Dento do cenário do enfraquecimento do welfare state no mundo, com notáveis

consequências na América Latina, seria possível que uma questão semelhante ocorresse no

Brasil.

No Brasil, a possível reforma previdenciária propunha mudanças como: idade mínima,

tempo de contribuição, mudanças na pensão por morte, regras da previdência para servidores

públicos, professores, agentes de segurança pública, entre outros. A proposta de emenda à

Constituição (PEC 287/16), previa que o trabalhador homem ou mulher, contribuísse por pelo

menos 25 anos ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e determinava a idade mínima

de 65 anos para que o cidadão tivesse acesso ao benefício, com a finalidade de reduzido

16 Discente de Direito da Escola Superior Madre Celeste. Participante do Projeto de Pesquisa em Novos

Paradigmas do Direito Civil e Processual Civil. 17 Professor e Pesquisador. Coordenador do Projeto de Pesquisa em Direito Civil e Processual Civil e Novos

Paradigmas Processuais da Escola Superior Madre Celeste. Mestre em Segurança Pública. Especialista em

Direito Processual Civil, Docência Superior e Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento. Oficial de

Justiça Avaliador do TJE/PA.

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gastos. Esses fatores precisavam estar associados para que fosse possível requerer a

aposentadoria. Atingido os 65 anos com menos de 25 anos de contribuição ou completado os

mesmos 25 anos de trabalho formal antes dos 65 anos de idade não permitiria o direito ao

benefício.

Partiu-se da hipótese de que a reforma previdenciária no contexto em que ambos os

Países inseridos na esfera do enfraquecimento do welfare state, possuem características

análogas, no que se refere ao sistema previdenciário.

Deu-se a importância para o estudo das transformações ocorridas no setor da

previdência no que se refere tanto ao welfare state quanto a possível reforma previdenciária,

evidenciando os resultados positivos e negativos com a concretização da reforma e a quem.

Diante deste contexto, este trabalho teve como objetivo geral a analise do declínio do welfare

state e se este implicou no âmbito da reforma previdenciária.

2 PREVIDÊNCIA SOCIAL

No final do século XIX, na Alemanha, marcou com o surgimento de um seguro, cuja

garantia de efetividade dependia da distribuição dos riscos por grupos numerosos de

segurados. Para tanto, era necessário que as entidades seguradoras assumissem a cobertura

dos riscos (LENZA; SILVA, 2013).

O seguro social, então, nasceu na Prússia em 1883, com a Lei do Seguro Doença, que

criou o Seguro de Enfermidade, resultado da proposta do Chanceler Otto Von Bismarck para

o programa social. A partir de Bismarck e, principalmente da Segunda Guerra Mundial,

fortalecendo a ideia de que o seguro social deveria ser obrigatório e não mais restrito aos

trabalhadores da indústria, ao mesmo tempo em que a cobertura foi estendida a riscos como

doença, acidente, invalidez, velhice, desemprego (LENZA; SILVA, 2013).

O seguro social na concepção bismarckiana estendeu-se pela Europa até meados do

século XX. Em 1919, no Tratado de Versalhes, surgiu o primeiro compromisso de

implantação de um regime universal de justiça social, fundado o Bureau International Du

Travail (BIT), Repartição Internacional do Trabalho, que realizou a 1ª Conferência

Internacional do Trabalho, à qual se atribui o desenvolvimento da previdência social e sua

implantação em todas as nações do mundo civilizado (LENZA; SILVA, 2013).

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Na concepção de Silva e Lenza (2013) a concentração da maior parte da renda nas

mãos de poucos levaria à miséria da maioria, que se ressentiria da falta dos bens necessários

para sobreviver com dignidade.

No entanto, o homem sempre se preocupou em garantir seu sustento e o de sua família

em situações de carência econômica, enfermidades, diminuição da capacidade de trabalho,

redução ou perda de renda (LENZA; SILVA, 2013).

Logo, outros países começaram a aprovar seus próprios programas de proteção social.

Chile, Argentina e Uruguai registraram os primeiros planos de proteção social na América

Latina no início de 1920. Nos Estados Unidos, o New Deal, sob a doutrina do Welfare State

inspirou o Social Security Act de 1935 (CUTRIM, 2017).

Nas Constituições do Brasil, em 1934 foi a primeira a prever a forma tripartida de

custeio da proteção social (empregado, o empregador e o Estado), sendo a Constituição de

1946 a primeira a adotar o termo “previdência social” (SILVA; LENZA, 2013).

A Constituição de 1988 em seu artigo 194, caput, com influência do Welfare State,

baseada no bem-estar social, criou o capítulo destinado a Seguridade Social. A proteção social

divide-se em: Previdência social, Assistência Social e Saúde (AMADO, 2015).

Para Amado (2015), a seguridade social no Brasil compreende o conjunto integrado de

ações de saúde (prevenção), previdência (prevenção) e assistência (remediação), usadas pela

sociedade no combate das indigências sociais oriundas de contingencias legalmente previstas.

A seguridade social visa amparar os segurados nas hipóteses em que não possam

prover suas necessidades e de seus familiares, por seus próprios meios (MARTINS, 2014).

A Previdência é garantida pela Constituição Federal, bem como a saúde e assistência

social, diferenciando-se apenas no que tange ao caráter contributivo de seus beneficiários, ou

seus dependentes que em algum momento dela dependam para sua subsistência. Para Vianna

(2007) a Previdência social constitui forma de seguro social contra riscos a que estão

submetidos os trabalhadores, visto que esses são seus segurados. É um esquema de segurado,

onde figuram os trabalhadores, empregadores e o Estado, visto que institui todos estes.

Tem como objetivo a cobertura dos riscos que para Kerzman (2009), são as

contingências que causam perda da capacidade para trabalho e, assim para manutenção do

sustento. São exemplos de riscos sociais, a idade avançada, a doença permanente ou

temporária, a invalidez, o parto, etc.

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Riscos sociais estes que são vistos como necessidades sociais, haja vista que a

Previdência é utilizada tão somente nos casos de não ser possível usar a força de trabalho e

consequentemente isto afeta a situação econômica do cidadão existente anteriormente do

benefício que tem como finalidade manter sua sobrevivência.

Nesse sentido, (RUSSOMANO, 1979 apud PIMENTA 2016, p.04) conceitua que:

A Previdência Social, como todas as formas de previdência, consiste na captação de

meios e na adoção de métodos para enfrentar certos riscos (invalidez, velhice,

acidente, etc.) que ameaçam a segurança da vida humana e que são inevitáveis, por

sua própria natureza, em toda sociedade, por melhor organizada que ela seja.

Em Nossa Carta Magna, a Previdência Social está inserida no art. 201.18

O caráter contributivo evidencia-se, à medida que, somente aqueles que contribuírem

terão acesso ao benefício. Logo, a distinção entre as áreas da Seguridade Social seriam que a

Assistência Social e a Saúde independem de contribuição e a Previdência Social tem caráter

contributivo (SILVA; LENZA, 2013).

No âmbito da Seguridade Social existem dois sistemas: um contributivo referente a

Previdência Social, no qual, tem-se o pagamento de contribuições previdenciárias pelos

segurados para sua cobertura e dos seus dependentes e outro não contributivo, que

compreende a saúde pública e a assistência social, estas são custeadas pela cobrança de

impostos e de contribuições para a Seguridade Social, não se exigindo o pagamento prévio

para que o usuário possa utilizar o benefício (IBRAHIM, 2008).

Assim, temos o posicionamento de Ibrahim:

A Previdência Social é seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os

regimes básicos Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio de

Servidores Públicos (RPSP). Além de coletivo, contributivo e de organização

estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais. Já o regime

complementar tem como características a autonomia frente aos regimes básicos e a

facultividade de ingresso, sendo igualmente contributivo, coletivo ou individual. O

ingresso também poderá ser voluntário no Regime Geral para aqueles que não

exercem atividade remunerada. (IBRAHIM, 2008, p.22).

18 Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de

filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos

da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade,

especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-

família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado,

homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

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Ademais, é incorreto afirmar que a previdência social existe apenas para proteger o

segurado que se encontre atingido pelos riscos sociais. Ela é muito mais que isso. Deve ser

vista como instrumento de manutenção das condições mínimas de preservação da dignidade

da pessoa humana, sendo incluída nesta ótica, como direito fundamental do indivíduo.

Para Tavares (2007), a previdência torna-se um forte instrumento de concretização do

fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e dos objetivos de erradicação da

pobreza e de redução de desigualdades sociais, possibilitando o acesso às oportunidades e

garantindo cidadania. E ainda, como previdência básica, pode ser comparada a um patamar

mínimo abaixo do qual ninguém deve recear cair, mas acima do qual podem surgir e florescer

desigualdades sociais apoiadas na autonomia privada e no talento individual.

A previdência social tem caráter protetivo, sendo mais evoluída que os antigos seguros

sociais, devido a maior abrangência de proteção e a flexibilização da correspectividade social,

entre contribuição e benefício. Uma de suas características é a solidariedade presente nos

sistemas atuais.

Em um conceito restrito, os riscos sociais cobertos pelos regimes protetivos podem ser

definidos com as adversidades da vida a que qualquer pessoa esta submetida, como risco de

doença ou acidente, tanto quanto eventos previsíveis, como idade avançada – geradores de

impedimento para o segurado providenciar sua manutenção (IBRAHIM, 2008; KERZMAN,

2009).

A previdência brasileira possui dois regimes básicos, que são o Regime Geral da

Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio do Servidor Público (RPSP), este último para

servidores ocupantes de cargos efetivos e militares. Concomitantemente aos regimes básicos,

há o complementar (IBRAHIM, 2008).

O regime complementar ao RGPS é privado, enquanto o complementar ao RPSP é

público, sendo em ambas as hipóteses o ingresso voluntário, tendo como escopo ampliar

rendimentos quando da aposentadoria (IBRAHIM, 2008).

Os regimes básicos, em especial o RGPS, não visam manter o poder de compra de

beneficiário, mas somente o suficiente para o sustento do segurado e seus dependentes. Por

isso, permite a Constituição que o RPSP poderá também fixar teto idêntico ao RGPS para

seus benefícios, mas primeiro devem criar o regime complementar de natureza pública (art. 40

§ 14 CF ∕88).

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3 CRISE DO CAPITALISMO MODERNO

Dentro da esfera vivida mundialmente pelo Welfare State, no final da década de

sessenta e início da década de setenta retrata o declínio do Welfare State e como isto interferiu

nos Países que implementaram políticas sociais sob a orientação fordista-keynesiana

(GALBRAITH, 1989 apud MADUREIRA, 2011).

Marques (1997 apud Boschetti, 2003) define o Welfare State ou o Estado de

Bem- Estar Social, como um conjunto de políticas sociais desenvolvido pelo Estado no intuito

de prover a cobertura dos riscos advindos da invalidez, da velhice, da doença, do acidente de

trabalho e do desemprego.

A crise do welfare state enfatiza mais a produção de bens sociais públicos e

menos a presença dos fundos públicos na estruturação do capital, revelando um “indisfarçável

acento ideológico na crítica à crise” (OLIVEIRA, 1998, p. 24).

Devido à crise do modelo econômico do pós-guerra, a profunda recessão e as

altas taxas de juros, nos anos setenta, o Estado intervencionista e de bem estar começa a ser

repensado. Nesse sentido, a política neoliberal começa a ser implementada, como reação

teórica e política ao keynesianismo (PEREIRA, 2007).

Para os neoliberais as raízes da crise localizavam-se o lucro das empresas

privadas, que diminuíram sua produção, em função dos serviços que estão sendo oferecidos

pelo Estado. Logo, a proposta é um Estado Mínimo que, nas lições de (NOZICK, 1990 apud

MORAES, 2004) é limitado às estreitas funções de proteção contra a violência, o roubo e a

fraude, ao cumprimento de contratos, etc., se justifica; que qualquer Estado mais abrangente

violaria o direito das pessoas de não serem obrigadas a fazer certas coisas e, portanto, não se

justifica; que o Estado mínimo é inspirador, assim como correto.

Bauman (1998) explica que as despesas com o bem – estar coletivo e individual, e

com as remunerações sociais, os custos da polícia, da prisão, dos serviços de segurança, dos

guardas armados e de proteção da casa, do escritório, do carro crescem ininterruptamente. Os

cortes do bem estar uma vez inicados, logo se tornam autopropulsores, enquanto a pobreza

redefinida como problema médico ou da lei e da ordem desenvolve um inesgotável apetite de

recursos.

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Para Cancian (2007) no Brasil, o welfare state não chegou a ser delineado como nos

Países de primeiro mundo, o grau de intervenção estatal na economia nacional teve início na

Era Vargas (1930-1945) e chegou ao auge durante o período da ditadura militar (1964-1985).

Os mais beneficiados com os gastos públicos em infraestrutura (nas áreas de

telecomunicações, energia elétrica, autoestradas etc) e construção de grandes empresas

públicas foram, justamente, os empresários brasileiros e estrangeiros.

Pereira (2007) esclarece que no Brasil, esse paradigma teve incidências sobre a

Previdência Social que com a promulgação da Constituição de 1988 havia se estabelecido

como política pública compondo o eixo da Seguridade Social, juntamente com a saúde e a

assistência social. O reconhecido avanço do texto constitucional com a inclusão da

Seguridade Social, trazia para o Estado Moderno a obrigação de dar saúde e assistência de

forma universal para todo cidadão, bem como a ampliação da previdência para a população

que ainda não estava atendida pelo sistema.

Essa possibilidade de ampliação, se estabelecia à medida que as receitas

previdenciárias seriam compostas, além das contribuições dos trabalhadores pelo

financiamento estatal. Entretanto, com a adesão à política neoliberal e as novas formas de

produção desencadeia-se em pouco mais de dez anos a necessidade de reformas na

Previdência Social, tendo como justificativa o desequilíbrio do sistema financeiro

previdenciário.

Nessa perspectiva, sobre o funcionamento e aplicação da Constituição Federal têm-se

a chamada Constituição simbólica que traz a ideia de legislação álibi, advém da hipertrofia da

função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei (NEVES, 1994).

Neves (1994) aponta três espécies de conteúdo, a confirmação de valores sociais que

privilegia a posição valorativa de um determinado grupo da sociedade. Como exemplo,

podemos mencionar a conhecida lei seca, fruto dos anseios da sociedade; A legislação-álibi

ou demonstração da capacidade do estado de solucionar problemas sociais, que consiste na

legislação que surge para dar uma resposta aparente, a um determinado problema, gerando a

impressão de que o Poder Público está prontamente capacitado para solucioná-lo; E ainda, o

adiamento da solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios, que

compreende a elaboração de planos e metas que propõem solucionar os conflitos sociais a um

longo prazo, para um futuro indeterminado.

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Logo, essas espécies procuram identificar as esferas da função simbólica da

Constituição Federal, seu funcionamento e se esta realmente corresponde às expectativas de

cumprimento diante à realidade social.

4 PROPOSTA DE REFORMA

A proposta que altera a regras atuais da aposentadoria (PEC 287∕2016), ainda tramita

no Congresso Nacional. As medidas são consideradas duras pelo próprio Planalto, que fez

isso ciente de que o texto deve sofrer modificações no Congresso.

Esta proposta estabelece uma idade mínima para aposentadoria e estende o número

mínimo de anos para a concessão do benefício. Houve uma segunda alteração da PEC,

proposta pelo relator Arthur Maia, onde há a redução do tempo de contribuição na iniciativa

privada e a exclusão de todos os artigos relativos ao trabalhador rural e à concessão do

benefício assistencial aos idosos e às pessoas com deficiência (BPC).

Os pontos contra a reforma em geral são a idade mínima e o tempo de contribuição.

Com o déficit da previdência estimado em R$160 bilhões previsto para esse ano, conforme

dados do Tesouro Nacional. A possível reforma tem como objetivo atenuar esta situação.

Para Braga (2016), essa reforma da Previdência é uma proposta de aprofundamento da

desigualdade. Uma parte é uma submetida a essas regras draconianas e a outra parte fica de

fora, como os militares. Então sem dúvida que é um projeto que aprofunda a desigualdade e

não contribui com os objetivos redistributivos de proteção social da Previdência pública do

País.

Os pontos alegados contra a reforma em geral são a idade mínima e o tempo de

contribuição. Com o déficit da previdência estimado em R$160 bilhões previsto para esse ano,

conforme dados do Tesouro Nacional. A possível reforma tem como objetivo atenuar esta

situação (BRAGA, 2016).

O relatório final da comissão da Reforma da Previdência fixa idade mínima para

requerer aposentadoria, 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, e acaba com a

possibilidade de aposentadoria exclusivamente por tempo de serviço no INSS. Além disso,

eleva o tempo mínimo de contribuição de 15 anos para 25 anos.

Ibrahim em uma de suas obras conceitua o tempo de contribuição como:

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Considera-se tempo de contribuição o tempo, contado de data a data, desde o início

até a data de requerimento ou do desligamento de atividade abrangida pela

previdência social, descontados os períodos legalmente estabelecidos, como de

suspensão de contrato de trabalho, de interrupção de exercício e de desligamento de

atividade. (IBRAHIM, 2014, p.623).

Cabe ressaltar que somente serão afetados os trabalhadores que completam os

requisitos para pedir o benefício até a aprovação da reforma não serão afetados.

As regras de transição idade mínima que têm de atingir e contribuir por ao menos 25

anos, os trabalhadores terão que adicionar ao seu cálculo para aposentadoria um pedágio de

30% sobre o tempo de contribuição que falta para requerer o benefício pelas regras atuais.

Pela proposta inicial do governo, o pedágio seria de 50%.

Para a aposentadoria integral é necessário 40 anos de contribuição. O valor inicial do

benefício, após 25 anos de contribuição, será de 70% de todos os salários desde 1994.

A fórmula 85/95 tem previsão para até 2026, mas com a reforma vai acabar. Assim,

tem fim a aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição no setor privado. Valerá a

idade mínima de 62 anos (mulher) e 65 anos (homem), mais tempo mínimo de contribuição

de 25 anos.

A regra de transição também se aplicara aos funcionários públicos, mas com pontos de

partida diferentes. O governo incluiu na reforma da Previdência servidores estaduais e

municipais, inclusive professores e policiais civis, mas governos terão um prazo de seis meses

para instituir regras próprias para seus funcionários.

Em relação a privatização, destaque do debate da atual questão securitária, tem sido

defendido que a privatização traria benéficos para a sociedade, provenientes da reforma, como

a redução do gigantismo estatal, benefícios melhores para os aposentados, além de ganhos de

escala na economia, em virtude dos valores aplicados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi analisar o declínio do welfare state e a reforma da

previdência, evidenciando-se a crise do capitalismo moderno e a proposta de reforma da

previdência.

A crise do welfare state enfatizou mais a produção de bens sociais públicos e menos a

presença dos fundos públicos na estruturação do capital, devido a crise do modelo econômico

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pós guerra, a profunda recessão e as altas taxas de juros nos anos setenta, o estado

intervencionista começou a ser repensado.

No Brasil, o welfare state não conseguiu ser delineado como nos países de primeiro

mundo, tendo esse paradigma incidido sobre a previdência social com a promulgação da

Constituição de 1988, logo se estabelecido como política pública compondo o eixo da

seguridade social junto com a saúde e a assistência social.

Logo, o que se evidenciou foi que o declínio do welfare state, implicou em parte no

âmbito da reforma previdenciária teve como influencia as transformações ocorridas com a

implementação do instituto, sua aplicação até o cumprimento diante da realidade social.

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APONTAMENTOS SOCIOLÓGICOS SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL

Milene Socorro Zagallo Pinto19

Roberto Magno Reis Netto 20

RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar uma discussão sobre Alienação Parental a

partir da doutrina de Bauman, explicando este fenômeno a partir das relações pós-modernas.

Palavras-chave: Alienação parental. Família.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é apresentar uma discussão sobre Alienação Parental a partir

da doutrina de Bauman, explicando este fenômeno a partir das relações pós-modernas.

O estudo tem como abordagem a fragilidade dos laços afetivos que atualmente

consolidam as uniões, e a falta de preparo psicológico para sua provável ruptura, fazendo com

que o conflito interno da parte mais afetada se externalize em forma de alienação parental, a

qual tem em sua forma mais grave e impiedosa a implantação de falsas memórias de abuso

sexual em seu filho, com intuito de atingir o outro genitor.

O assunto aventado é de grande relevância social, psicológica e jurídica, por abordar

um assunto delicado e que necessita de cautela para identificá-lo e aplicar medidas justas e

cabíveis ao seu combate, e assim, evitar que sua repercussão acarrete maiores consequências a

toda uma sociedade.

Desta forma, torna-se notória a observação de que os prejuízos perpassam os

indivíduos envolvidos, atingindo a sociedade que estes estão inseridos, já que influencia na

formação humana de uma das partes (os filhos) e no psicológico da outra parte (os pais).

A mencionada problemática nos convencionou a contextualizar as novas diretrizes que

a família tendenciou a seguir, sejam elas a formação da família, a aceitação de novos arranjos

19 Bacharel em Direito (ESMAC). Pós-Graduanda em Novos Paradigmas do Direito Civil e Processual Civil

(ESMAC). Conciliadora/Mediadora Certificada pelo CNJ. Auxiliar Judiciário. Especialista em Engenharia de

Produção (UEPA). Tecnóloga em Processamento de Dados (CESUPA). 20Mestre em Segurança Pública, junto ao Instituto de Filosofia e Direitos Humanos da Universidade Federal do

Pará (IFCH/UFPA). Especialização em Atividade em Inteligência pela Escola Superior Madre Celeste (2016).

Oficial de Justiça Avaliador do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Brasil.

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familiares e, ainda, a ruptura dos relacionamentos, que em alguns casos ocorre com certa

brevidade, trazendo resultados não mensuráveis aos indivíduos envolvidos.

Esta situação obriga o judiciário a tomar decisões que vão além dos contextos legais,

adentrando no entendimento dos relacionamentos que envolvem cada caso concreto para que

a decisão alcance o condão de fazer justiça, e não permita que seu erro venha a proteger a

pessoa errada.

2 A SOCIEDADE SOB A ÓTICA CONTEMPORÂNEA

O alicerce teórico deste artigo, primeiramente, busca o entendimento das mudanças

sociais que estão ocorrendo a nível de sociedade, famílias e relacionamentos. Bauman (2001)

denomina o modelo de sociedade contemporânea como modernidade líquida, pela

incapacidade de manter a forma, devido às mudanças rápidas que ocorrem, sem haver um

alicerce firme ou algo que dê forma. A ideia é adaptar-se às situações como a água faz, de

acordo com o recipiente em que é inserida.

As relações, instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções

mudam antes que tenham tempo de se solidificar. Nesse contexto, as vidas humanas são

transformadas em objetos de consumo. O ser humano deixa de ser sujeito e passa a ser objeto

na relação de compra e venda.

A pessoa vive sempre na incerteza, já que sempre há a possibilidade de uma escolha

melhor. O pensamento não é mais tenso e metódico, mas leve e desordenado, para poder

compreender tudo o que a vida pode oferecer.

A busca do prazer singular é a principal finalidade da sociedade líquida. Bauman

(2001) explica que a sociedade contemporânea é desregulamentada, pois o mercado é que dita

as regras e as regras do mercado são marcadas pelo objetivo econômico capitalista: a

aniquilação dos concorrentes e o sucesso com os consumidores.

Conforme entendimento das autoras Zanetti e Gomes (2012), no âmbito dos

relacionamentos humanos, é possível afirmar que as condições socioculturais e econômicas

atuais traduzem-se em sentimentos de falta de confiança e insegurança levando o indivíduo a

acreditar que somente consigo mesmo pode realmente contar, surgindo assim um fenômeno

chamado narcisismo moderno, o indivíduo volta para si mesmo como arma de sobrevivência.

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Inclusive dispõe da opinião que este pode ser um dos principais fatores que os afasta de um

vínculo (ZANETTI; GOMES, 2012).

Em suma, tem-se que a sociedade atual está composta por seres humanos cada vez

mais individualizados, que não se permitem serem conduzidos por sentimentos como amor,

confiança mútua, já que a fragilidade dos sentimentos e a possibilidade de troca estão cada

vez mais acentuadas.

3 FAMÍLIA

O outro conceito base a ser apresentado é o de família, a fim de compreender sua

evolução, suas particularidades e, por que não dizer, sua complexidade, sendo reconhecida a

mutabilidade deste conceito de acordo com os valores e ideais dos momentos históricos

vivenciados, ou seja, o contexto social (FARIAS; ROSENVALD, 2010).

O desenvolvimento de novos modelos familiares deu-se pela dinâmica dos

relacionamentos sociais, rompeu o rigor dos esquemas familiares, que antes estava centrado

no casamento, dando espaço a situações de fato, paralelas ou reconstruídas, sendo estas

últimas a estrutura familiar gerada a partir da união de pessoas que já tiveram outras relações

e têm filhos provenientes destas relações, sendo bem provável a presença de dificuldades na

convivência cotidiana (MADALENO, 2015).

O casamento deixou de ser o pontapé inicial e o elo que traz eternidade a união de

duas pessoas, o até que a morte nos separe, já que a contemporaneidade mostra-se repleta de

novos atores sociais, e, com isso, novas estruturas de convívio. Estas alterações trazem certa

inquietação ao passo que a dificuldade está em manter estas uniões por longos anos, já que

sua formação dá-se, em alguns casos, de conflitos mal resolvidos, da união de pessoas que

guardam sentimentos de decepção de relacionamentos passados.

Para Dias (2010), as transformações da família seguiram as evoluções sociais,

trazendo como resultado a repersonalização das relações familiares, cabendo ao Estado o

dever de alcançar estas mudanças e protegê-las. A instituição família não está em decadência,

mas sim em incessante busca de aspectos valiosos às relações humanas, tais como: afeto,

lealdade, confiança, respeito, solidariedade e amor (DIAS, 2010).

Conforme Gonçalves (2010), as alterações realizadas na Constituição Federal e no

Código Civil Brasileiro enalteceram as profundas modificações no conceito de família e sua

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aplicabilidade no direito de família, como ressaltam os aspectos de igualdade entre os

cônjuges, o dever do zelo pela família, o reconhecimento da união estável e da homoafetiva.

Os novos arranjos familiares nada mais são do que as adaptações sociais necessárias,

a fim de que o Direito possa acompanhar, e proteger a evolução da sociedade, assegurando

aos indivíduos envolvidos princípios, como o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade

e ainda o da prioridade do interesse da criança e do adolescente.

Outro entendimento doutrinário é de que o principal papel da família é de suporte

emocional ao indivíduo, ou seja, união de pessoas que possuem projetos e propósitos

semelhantes, determinada pelo elo da afetividade (DIAS, 2010).

Prosseguindo com a mesma compreensão, Lôbo (2009) traz a percepção de que o texto

constitucional nos remete como um de seus fundamentos o princípio da afetividade, com a

afirmação de o grupo social família funda-se nos laços de afetividade, não permitindo sequer

que fatores de discriminação atinjam a formação dessa relação, abrangendo vários aspectos,

inclusive sociológico e psicológico.

O entendimento ressalta que somente os laços de afeto conseguem manter a

estabilidade de uma família, que se encontra pautada por sentimento de paixão, simpatia,

amizade, afeição, e não mais vinculadas economicamente, ou seja, a afetividade tornou-se

elemento essencial da união dos que comungam o mesmo projeto de vida e que desejam

formar uma família.

Pereira (2011) defende que a formação da família contemporânea não mais mantém

seu alicerce na dependência econômica, mas sim em uma ligação bem mais forte entre seus

membros, baseada na cumplicidade, na solidariedade e nos afetos mútuos. Em suma, o

ambiente familiar passou a ser o porto seguro das realizações pessoais entre seus integrantes.

Com isso as pessoas estão interligadas por sentimentos e não por necessidade patrimonial.

Uma nova classificação enaltece estas alterações, que seria a família eudemonista,

sendo um conceito moderno de família que busca a realização plena de seus membros,

caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, independente do vínculo biológico.

Onde reina a consideração e o respeito mútuos entre seus integrantes (MADALENO, 2015).

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O texto constitucional em seu Art. 226 § 8º 21 visa à proteção de todos os integrantes

da família, a fim de coibir a violência e assim garantir o estado de paz e felicidade tão

almejado.

Toda essa flexibilidade trouxe aos indivíduos laços frágeis, surgindo como

consequência relacionamentos baseados em amor liquido, tal laço demonstrado na grandiosa

obra de Bauman (2004).

Nesta obra o autor nos faz refletir que a sociedade está criando uma nova ética do

relacionamento, visto que estão cada vez mais fragilizados e desumanos. E ainda que a

liquidez mencionada por Bauman (2004) diz respeito ao fruto de uma sociedade imediatista,

que não cria raízes, que não permite a criação de laços, buscando uma satisfação instantânea,

um prazer passageiro.

Bauman (2004), inclusive, traz reflexões quanto à composição da família quando

afirma que se antes os filhos eram uma ponte para confirmar o laço duradouro do casal, hoje

passou a ser uma escolha, um desejo de consumo, um segundo plano.

Então, se chega à conclusão de que o conceito contemporâneo de família está fundado

na segurança constitucional, que busca alcançar seu texto quanto à igualdade, democracia e

pluralidade, visto que não mais se protege somente as pessoas vinculadas por um casamento,

como também qualquer forma de vivência afetiva, estruturada em laços afetivos (de

solidariedade).

Dentro desse paradigma atual encontram-se situações de profunda preocupação social

e jurídica, já que se trata de uma situação que envolve partes que deveriam priorizar a

proteção de seus filhos e devido estarem tomadas por sentimento de vingança e repúdio

acabam por violar tal obrigação e cedem lugar a práticas de alienação parental.

4 ALIENAÇÃO PARENTAL

O próximo conceito a ser ponderado é o da alienação parental, sendo este o

caracterizador de um dos piores males que possam acometer um filho, principalmente por ser

advindo de pessoas que deveriam priorizar sua proteção (DIAS M., 2013).

21 Art 266 § 8º: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando

mecanismo para coibir a violência no âmbito de suas relações.

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A lição de Dias M. (2013) nos remete que a Alienação Parental seria um dos maiores

males que o genitor possa acometer seu filho, por se tratar de uma violação psicológica,

através de uma verdadeira lavagem cerebral, com o intuito de destruir o vínculo entre o

genitor e o filho, sendo essa lavagem permeada de fatos que não ocorreram ou que não

ocorreram da forma contada. Diante dessa inescrupulosa atitude, o genitor violador causa em

seu filho contradições de sentimentos, acarretando em consequências muitas vezes de difícil

reversão, visto que confia no que o genitor alienador o apresenta como um fato real.

O genitor alienador, com as sórdidas atitudes supramencionadas, deixa de exercer um

de seus principais deveres, que é de proteger e privar pelo desenvolvimento de seu filho, que

se encontra bem fundamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL,

2010).

Esse problema surge, normalmente, nas disputas de custódia de crianças durante o

período de luto conjugal, onde o casal não consegue dirimir seus conflitos internos e

transformam seu filho em uma arma para atingir o outro, trazendo como uma das

consequências o sentimento de orfandade psicológica (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2013).

O Art. 2º da Lei da Alienação Parental (nº 12.318/2010) a conceitua como:

[...] a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida ou

induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou

adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que

cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL,

2010).

Através de simples atitudes (como por exemplo, evitar o contato telefônico entre

genitor e filho, desqualificar presentes recebidos pela criança do genitor, dar desculpas para

evitar a convivência entre genitor e filho, omitir informações relevantes sobre a criança ao

genitor) o genitor alienante pode trazer sequelas irreversíveis ao seu filho. E em seu patamar

mais grave, implantação de falsas memórias de abuso sexual.

Essas manipulações são geralmente realizadas pela mãe, visto que ainda hoje a

maioria das guardas dos filhos é determinada a favor da mãe ou forçosamente ficam com estas

em decorrência do descaso do próprio pai, e com a finalidade de atingir o ex-marido (ou ex-

companheiro) pelo abandono, pela falta de sensibilidade com as rupturas usam esses

inofensivos como instrumento de vingança, permitindo que seu filho se torne um órfão de pai

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vivo, ferindo a dignidade humana da criança e/ou adolescente, violando sua saúde física e

emocional (DIAS M., 2013).

A Alienação Parental agride frontalmente a Constituição Federal, no que condiz o Art.

227 sobre o dever da família em assegurar à criança e ao adolescente a convivência familiar

harmônica e comunitária, protegê-los contra negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão (Art. 3º do ECA).

Os fatos ocorridos na infância são determinantes e relevantes para a formação do

caráter e personalidade da fase adulta. E, caso essa vivência seja presenciada por

acontecimentos e memórias desagradáveis poderão acarretar em sequelas irreversíveis, como

sentimentos de baixa estima, insegurança, depressão, medo, afastamento de outras crianças,

transtornos de personalidade, entre outros (DIAS M., 2013).

Finalmente, tem-se que a prática da alienação parental é um abuso psicológico

cometido a um filho por um de seus genitores ou por terceiros, com intuito de denegrir a

imagem do outro genitor, tendo como consequência o afastamento entre filho e o genitor

alienado, podendo causar sequelas irreversíveis aos envolvidos.

A doutrina nos remete algumas expressões que demonstram a prática e os efeitos da

Alienação Parental. Conforme Oliveira (2015), estas seriam: lavagem cerebral (pela

interferência perversa no psicológico do filho), implantação de falsas memórias (pela

apresentação de informações fantasiosas, que causam prejuízos à relação do filho com o outro

genitor, fazendo essa vítima acreditar na veracidade dos fatos narrados, decorrendo em

afastamento entre os indivíduos alienados), pressão psicológica (decorre da coação moral

realizada pelo genitor alienador).

O documentário A Morte Inventada (Alan Minas, 2009)22 apresenta inúmeras

situações de insucesso do Estado na condução de casos em que a alienação parental está

embutida, ou seja, a proteção judicial não atingiu seu objetivo devido à falta de preparo dos

profissionais envolvidos, sejam o juiz, os psicólogos, os promotores, com isso a falta de

subsídios suficientes para aplicação das punições embutidas na lei específica.

Diante desta verificação, desviamos nosso olhar crítico aos profissionais envolvidos

nos casos concretos vivenciados, visto que a aplicação das punições e de medidas preventivas,

dependerá de uma minuciosa análise e do poder de percepção destes profissionais.

22 O documentário A Morte Inventada pode ser encontrada no site www.amorteinventada.com.br.

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Conforme Pedroso (2017), as consequências mais frequentes são apresentadas em

quarenta tipos, sendo elas: as doenças psicossomáticas, transtorno de somatização, depressão,

ansiedade, nervosismo, agressividade, ambivalência, comportamento hostil, transtorno de

conduta, consumo de álcool e drogas, desespero, angustia, síndrome do pânico, medo,

bloqueio, violência, desprezo, mentira, manipulação, falsas memórias, intolerância,

sentimento de rejeição, inibição, baixo autoestima, isolamento, mal estar, sentimento de

culpa, manifestação em forma de perdas, propensão à insegurança, comportamento acusador,

vida polarizada e sem nuances, dificuldade em estabelecer relações, falta de organização

mental, síndrome de Tourette, transtorno do neurodesenvolvimento na infância, transtorno

dissociativo de identidade, dificuldade de adaptação em ambiente psicossocial, propensão ao

suicídio, transtornos dissociativo não-especificado e disfunção de gênero.

Esse número acentuado de sequelas traz a reflexão sobre a gravidade que o assunto

aborda, sobre a área de atuação que ele alcança, e principalmente o nível de destruição que ele

acarreta nas vítimas.

5 IMPLANTAÇÃO DE FALSAS MEMÓRIAS DE ABUSO SEXUAL

Diante das inúmeras sequelas supracitadas, focou-se em uma delas, porque não dizer

em uma das mais graves encontrada no universo da alienação parental, sendo esta a

implantação de falsas memórias e na sua forma mais hedionda a de implantação de falsa

memória de abuso sexual, para Dias (2010), todas as armas são utilizadas nesse jogo de

manipulações, inclusive a alegação de abuso sexual, sendo esta de frequência elevada e de

difícil controle.

O fenômeno das falsas memórias é a presença de lembrança de eventos que nunca

aconteceram e/ou não aconteceram da forma como está marcado na lembrança, podendo ser

advindas de lembranças verdadeiras somadas a sugestões de outras pessoas, fazendo com que

a vítima acredite que realmente viveu aquele acontecimento (DIAS M., 2013).

A falsa denúncia é também uma forma de abuso, pois as crianças são

compulsoriamente submetidas a uma mentira, sendo emocional e psicologicamente

manipuladas e abusadas. Essa falsa denúncia passa a fazer parte de suas vidas e, por causa

disso, terão de enfrentar vários procedimentos (análise social, psiquiátrica e judicial) com o

intuito de esclarecimento da verdade (CALÇADA, 2008).

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O estudo das falsas memórias coloca em xeque o modelo de memória como sendo um

gravador que apenas reproduzia literalmente a experiência vivenciada. Em campos aplicados,

as falsas memórias têm levantado dúvidas acerca da confiabilidade dos relatos de experiências

passadas, tanto em contextos jurídicos, quanto clínicos. Elas podem ser geradas

espontaneamente, decorrentes do funcionamento endógeno normal e são encontradas tanto em

adultos como em crianças. Todavia, as falsas memórias também podem ser provocadas a

partir da sugestão de informações falsas que são apresentadas em sujeitos – deliberadamente

ou não – como fazendo parte da experiência real vivenciada. A sugestionabilidade consiste na

tendência de um indivíduo em incorporar informações distorcidas, provindas de fontes

externas, de forma intencional ou acidental, às suas recordações pessoais (STEIN, 2010).

Verifica-se que este tipo de violação é de difícil controle, já que sua execução dá-se da

forma mais comum, reiteradas conversas entre genitor e filho, e advinda de um indivíduo que

tem por obrigação proteger seu filho, e que tem todo um campo de conforto, o lar, para

executar seu plano de vingança.

De fato, as consequências oriundas da instalação da síndrome são tão graves que a

alienação parental só pode ser compreendida, no mínimo, como uma forma de abuso.

Atualmente esta conclusão está inserida no texto da lei nº 12.318/10, alertando todos os que

militam em prol dos direitos infanto-juvenis a tratar com seriedade a situação na qual se

suspeita de que esteja ocorrendo o processo alienatório, ou já esteja instalada sua síndrome:

“Art. 3º A prática de ato de alienação parental fere direito

fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar

saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e

com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o

adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade

parental ou decorrentes de tutela ou guarda.”

Cada caso deve ser minuciosamente analisado e o julgamento carreado de subsídios, a

fim de que direitos fundamentais dos envolvidos não sejam violados, tais como o da

dignidade da pessoa humana e da proteção, principalmente no que tange à criança e/ou

adolescente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Diante desta breve discussão, constata-se que as transformações societárias e, por

consequência, nas relações humanas, condicionaram uma série de consequências nas mais

diversas perspectivas sócio-jurídicas.

Em especial, constatou-se que a individualização do ser humano, e, assim, seu

tratamento como uma mercadoria, passou a orientar o tratamento dispensado ao concidadão

no dia a dia das relações jurídicas, gerando efeitos bastante nefastos.

A alienação parental, nesta perspectiva, é claro exemplo dessa prática, sobretudo, na

sua forma aqui compreendida como mais nociva: a implantação de falsas memórias de abuso

sexual.

Neste caso em especial, conclui-se que a transformação do ser humano em um

instrumento para atingimento de interesses individuais (ou de satisfação do próprio ser),

atinge um patamar de desumanização tão grave, que merece especial atenção e repreensão

pelas normas jurídicas já existentes.

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O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR SOB OS ASPECTOS DO

MODELO DE CONSUMO CONTEMPORÂNEO: uma análise sociológica do fenômeno

Ana Paula Fernandes Amorim23

Roberto Magno Reis Netto 24

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir o superendividamento do

consumidor à luz da sociologia, abordando aspectos inerentes ao fenômeno, valendo-se dos

conceitos de Zygmunt Bauman e demais autores. O estudo se desenvolveu por meio da

pesquisa bibliográfica, tendo como objeto de análise: livros, artigos científicos, revistas e

materiais disponíveis no meio eletrônico que tratem sobre o tema.

Palavras-Chave: Superendividamento. Consumidor. Crédito.

1 INTRODUÇÃO

O estímulo ao consumo irresponsável e desenfreado é um dos elementos essenciais ao

capitalismo, isto porque o mesmo se utiliza desses meios para fomentar e fortalecer a

economia livre de mercado e, portanto, atingir o seu principal objetivo, qual seja: a obtenção

de lucro (MOURA; BELO, 2015). Desse modo, os fornecedores de bens e serviços, por

intermédio da publicidade, bem como mediante a oferta facilitada de crédito, a todo momento

influenciam o consumidor a comprar cada vez mais, sendo capazes de criar no indivíduo

falsas necessidades.

Sendo assim, tem-se como consequência uma sociedade totalmente atrelada ao

consumo, na qual está se fazendo presente a sobreposição do ter sobre o ser, tendo em vista

que o poder de consumir, atualmente, está intimamente ligado à ideia de inclusão social.

Portanto, pertencem à sociedade aqueles indivíduos capazes de obter para si bens e serviços,

sendo excluídos os que não possuem acesso a estes.

Neste contexto, o crédito se tornou um mecanismo crucial que viabiliza o acesso aos

bens necessários a uma vida digna e, perante isso, o consumidor, independente de sua classe

social, está constantemente em busca dele. No entanto, embora o crédito seja o instrumento

que possibilita a inclusão do indíviduo no mercado de consumo, este uma vez usado de

23 Acadêmica do Curso de Direito da Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. 24Mestre em Segurança Pública, junto ao Instituto de Filosofia e Direitos Humanos da Universidade Federal do

Pará (IFCH/UFPA). Especialização em Atividade em Inteligência pela Escola Superior Madre Celeste (2016).

Oficial de Justiça Avaliador do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Brasil.

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maneira irresponsável e inconsciente, pode resultar em diversos problemas para o

consumidor, dentre eles o superendividamento.

Segundo Marques, este fenômeno pode ser definido como “a impossibilidade global

do devedor, pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas suas dívidas atuais e

futuras de consumo” (2006, p. 256). Logo, verifica-se que o superendividamento é capaz de

afetar a dignidade do indivíduo, tendo em vista que as suas consequências jurídicas,

basicamente, se consolidam na ausência de crédito, que ocasiona a impossibilidade de

consumir e, portanto, prejudica o consumidor no sentido de inviabilizar a promoção de sua

subsistência e bem estar.

Apesar da gravidade do problema, o superendividamento ainda não possui um

tratamento específico no ordenamento jurídico brasileiro, sendo conhecido apenas pelas

construções doutrinárias e jurisprudência, o que torna evidente a necessidade de conferir

tratamento normativo ao fenômeno, assim como é imprescindível primar pela sua prevenção,

visto que os seus efeitos são extremamente danosos ao consumidor.

2 DO MODELO DE CONSUMO CONTEMPORÂNEO A PARTIR DA VISÃO DE

ZYGMUNT BAUMAN

É possível vislumbrar diversas consequências do modelo de consumo contemporâneo,

pois este não mais se configura como um mero hábito de comprar, sendo capaz de ir muito

além desse aspecto. Hoje, o ato de consumir detém nuances mais aprofundadas, que recai

tanto na possibilidade de determinar padrões de vida a serem seguidos pelos indivíduos,

quanto na vida privada de cada um, podendo refletir até mesmo em sua dignidade.

Torna-se válido, portanto, explanar a respeito dos aspectos inerentes ao consumo e a

forma como este pode ser prejudicial aos indivíduos, transformando-se em um verdadeiro mal

da sociedade contemporânea, capaz de acarretar no superendividamento, ao invés de ser um

ato essencial que objetiva prover subsídios para uma vida normal.

Esse aspecto se revela como uma consequência do modelo econômico adotado pelo

país, qual seja: o capitalismo. Sobre o assunto, Bauman (2001) elucida que a sociedade

passou por dois momentos diferentes ao longo do período capitalista, descrevendo-os como:

capitalismo pesado e leve. Ambos descrevem um modelo de mundo alicerçado na economia,

no entanto, são capazes de refletir de maneiras distintas na vida dos indivíduos e no modo

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como estes se portam perante a sociedade. Assim, vale mencionar os ideais referentes a estes

e suas roupagens, a fim de observar e analisar o modelo de consumo contemporâneo.

Inicialmente, a sociedade vivia em um estágio no qual existiam barreiras

impenetráveis e limites bem definidos daquilo que se podia ter. Bauman (2001) traz relações

concretas entre o capitalismo pesado e o modelo fordista de produção, isto porque, este

modelo de capitalismo era embasado na ordem e esta era a característica crucial do modelo de

produção mencionado.

Fazia-se presente, portanto, uma sociedade feita de administrados e administradores,

na qual não se vislumbrava um futuro longe desse aspecto. Os trabalhadores eram bitolados as

fabricas e ao modelo de produção ali empregado. Tinha-se, então, um capitalismo despido de

incentivos e imobilizado, concentrando suas forças em grupo seleto de detentores de poder

(BAUMAN, 2001).

Bauman (2001) faz uma relação metafórica interessante acerca desse aspecto. O

filósofo compara o capitalismo pesado a um navio onde seus passageiros confiam cegamente

na tripulação, obedecendo às ordens que lhes são impostas para, assim, chegar ao seu destino.

Por sua vez, o capitalismo leve se caracteriza por um avião no qual seus passageiros detectam

que a cabine do piloto está vazia e não há como extrair da caixa preta informações acerca de

seu destino, sua aterrissagem ou se existem regras, ficando estes livres para realizar escolhas.

Assim, conforme explica França (2007, n.p.):

Ao contrário do pesado, o capitalismo leve tende a ser obcecado por valores, e a ver

o mundo como uma coleção infinita de possibilidade. Assim, é a infinidade das

oportunidades que preenche o espaço deixado vazio pelo desaparecimento das

“torres de comando e de controle”: é o mundo pós-fordista, moderno fluido, dos

indivíduos que escolhem em liberdade.

O capitalismo leve, portanto, é o modelo que se observa hoje na sociedade,

caracterizado por uma gama infinita de possibilidades, cada uma mais atraente que a outra e

que, por sua vez, não se esgotam e nunca se petrificam. Ou seja, são líquidas e fluídas e não

se estagnam na realidade por muito tempo, possuem data de validade e dão lugar a outras

oportunidades ainda melhores (BAUMAN, 2001).

Sobre isso, pontua Bauman (2001, p. 75) “O mundo cheio de possibilidades é como

uma mesa de bufê com tantos pratos deliciosos que nem o mais dedicado comensal poderia

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esperar provar de todos”. Assim, inicia-se uma corrida feita por consumidores, na qual não se

vislumbra linha de chegada.

É que o mundo de possibilidades é imenso e se torna impossível determinar um fim.

Dessa forma, é possível perceber que o verdadeiro objetivo da corrida não é chegar ao final,

mas sim se manter constante nesta, consumindo cada vez mais e despojando de várias

possibilidades. Observa-se, então, que é a continuação da corrida que traz a satisfação, pois

não há prêmio algum que anule o poder de atração dos outros prêmios, desse modo, conforme

elucida Bauman (2001, p. 86), “o desejo se torna seu próprio propósito”.

Logo, o consumo é capaz de trazer satisfação e felicidade momentânea ao homem,

sendo este o principal sentimento que é induzido de maneira exacerbada pelos fornecedores.

No entanto, o consumidor não percebe que esta sensação é momentânea e posteriormente se

cria novos desejos e estes, por sua vez, também precisam ser satisfeitos (POLON, 2011).

Nesse sentido, elucida Ribeiro (2014, n.p.):

O prazer não é felicidade, ao contrário do que se ouve todos os dias. O prazer é

breve, instantâneo, intenso; a felicidade é um estado simples e permanente, modesto.

Só é feliz quem reduz sua demanda de prazeres. Mas nossa sociedade construiu um

sistema em que o prazer é requerido o tempo todo, com sua consequência, apontada

pelos filósofos desde a Antiguidade: os prazeres não levam à satisfação.

Ademais, vale dizer que a corrida ora mencionada, que se realiza por consumidores,

não pode ser atrelada apenas à simples atividade de comprar utensílios da vida cotidiana, ou

seja, ir ao supermercado ou ao shopping, por exemplo, mas vale vislumbrar uma visão que vai

além disso, que perpassa pela compra de estilos e padrões que são referenciados como ideais,

portanto, “a busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por receitas de vida é

também uma variedade do comprar” (BAUMAN, 2001, p. 87).

Portanto, o consumo de hoje não diz respeito apenas à satisfação das necessidades da

vida cotidiana, mas também é capaz de abordar necessidades acerca da identificação e

adequação enquanto indivíduo pertencente da sociedade, além de estar relacionado, também,

à satisfação de desejos que, por sua vez, esta intimamente ligada à realização pessoal do

indivíduo. Nesse sentido, Polon (2011, p. 5-6) esclarece que “o consumo envolve o âmbito

cultural pois não se trata apenas de consumir por consumir, mas o consumo criou signos e

valores culturais na sociedade.”

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Percebe-se, então, que uma vez firmado o alicerce do modelo econômico, fez-se

necessário desempenhar mecanismos para que a demanda de produtos industrializados fosse,

de fato, consumida. Passou-se a investir, de maneira excessiva, na construção de desejos e

padrões, os objetos de consumo, portanto, começaram a ser detentores de uma simbologia, na

qual se despedem da roupagem de meras mercadorias e passam a obter um significado maior,

capaz de determinar quem é quem dentro da sociedade (POLON, 2011).

Nas palavras de Bauman (1999, p. 88):

A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada

primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de

consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros

é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel.

Assim, da necessidade de se fazer com que o homem consuma, seja padrões e desejos,

seja utilidades da vida cotidiana, tem-se que, na visão de uma sociedade sobejamente

alicerçada sob ideais consumistas, este deixou de ser indivíduo para se tornar consumidor, e

como consequência disso é possível verificar claramente cada vez presente a sobreposição do

ter sobre o ser.

3 CONSUMO COMO MEIO DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO SOCIAL

Atualmente, percebe-se que o poder de consumo obtém um papel essencial na vida do

homem, em razão deste estar intimamente ligado à ideia de inclusão social. É que, do ponto

de vista contemporâneo, apenas pertencem à sociedade aqueles indivíduos capazes de obter

para si bens e serviços, sendo excluídos os que não possuem acesso a estes.

Nesse sentido, Polon (2011, p. 6) esclarece:

O homem para estar incluído na sociedade atual precisa ser

consumidor, o consumo deixou de ser apenas o resultado da produção,

e passou a ter o poder de inclusão social, o individuo é incluído na

sociedade de acordo com aquilo que consome.

Segundo a Comissão das Comunidades Europeias (2003 apud BORBA; LIMA, 2011,

p. 221), entende-se por exclusão social “o processo através do qual certos indivíduos são

empurrados para a margem da sociedade e impedidos de nela participarem plenamente”.

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Desse modo, tem-se que o consumidor é excluído da sociedade ao passo que para de

consumir.

É que o acumulo excessivo de dívidas gera para o indivíduo a impossibilidade de

assumir novos compromissos e honrar com os já existentes. Vale dizer que, uma vez incluído

no cadastro dos órgãos de proteção ao crédito, o consumidor se encontra em situação na qual

fica totalmente impossibilitado de obter acesso ao crédito e, como consequência, sua

capacidade de consumo fica totalmente comprometida.

Logo, segundo Bauman (2007 apud HENNIGEN, p. 1178):

Vivemos em uma sociedade de consumidores, aquela que interpela

seus membros basicamente como consumidores, que os julga e avalia

principalmente por sua capacidade e conduta relativa ao consumo.

Assim, para ele, por um lado, temos os consumidores experientes,

aqueles que se regozijam com o (cada vez mais rápido) descarte após

o desfrute que objetos e pessoas podem proporcionar, e que estão

sempre prontos a movimentar a economia. Por outro lado,

encontramos os consumidores falhos ou fracassados, aqueles sem

condições de lubrificar as rodas da economia de consumo. Para esses

sujeitos, diz o autor, a exclusão social acontece de fato.

Assim, uma vez excluídos, os consumidores superendividados, tendo em vista que as

necessidades cotidianas não se estagnam, se vêem em uma verdadeira bola de neve de

dívidas, na qual permanecem incapacitados de se reestabelecer financeiramente. Dessa

maneira, “os já excluídos ou à beira da exclusão são como uma consequência arremessada

dentro das invisíveis, mas excessivamente tangíveis, paredes dos seus campos de exclusão, e

firmemente trancados lá” (BAUMAN, 1998, p. 252).

No entanto, não se fala apenas no aspecto financeiro do consumo, mas também da

maneira como este é capaz de identificar padrões de vida, passando a ditar estilos que são

considerados ou não como aceitáveis pela sociedade.

É que, a todo momento, o consumidor é bombardeado por publicidades que são

capazes de criar falsas necessidades ao indivíduos que, basicamente, pronunciam o que se

deve ter para uma vida ideal. Determinados utensílios, como roupas e carros, por exemplo,

nem sempre relfetem a verdadeira necessidade (vestir-se e locomover-se), mas sim um padrão

tido como ideal e vislumbrado como meta de vida. Portanto, o consumo define classe social e

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meios de convivência, define a moda e o estilo de vida, define, portanto, quem pertence ou

não à sociedade.

4 CONCESSÃO DESMEDIDA DE CRÉDITO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

O crédito é o mecanismo crucial por meio do qual, e somente por meio deste, é

possível obter acesso aos bens e serviços essenciais à vida. Assim, tem-se que o consumidor,

independente de sua classe social, está constantemente em busca deste elemento que é capaz

de possibilitar qualidade de vida e que, simultaneamente, dependendo da maneira que é

utilizado, pode promover a exclusão social quando há incapacidade de consumo.

Nesse prisma, Sola (2014, p. 66) esclarece:

Portanto, o acesso ao crédito apresenta-se na atualidade como um fenômeno

indispensável que permite melhoria nas condições de vida e proporciona

adquirir, com mais facilidade e rapidez, produtos desejados e até necessários

às famílias. No entanto, ele pode ter repercussões positivas ou negativas

para os consumidores, pois, da mesma forma que proporciona a inclusão

social, pode se transformar em um mecanismo de exclusão, quando

adquirido de forma excessiva e irrefletida.

Percebe-se, então, que educação, saúde, transporte, segurança, entre outros, são

elementos essenciais que conferem qualidade de vida ao cidadão e, tendo em vista a

incapacidade do Estado de prover tais recursos de maneira exímia, as empresas privadas,

visando primordialmente o lucro, voltam-se para o fornecimento destes. Sendo assim, em

busca de uma vida melhor, o consumidor prima pela escola e plano de saúde particular,

prioriza a obtenção de um carro, assim como uma casa própria em um condomínio para se

sentir seguro.

No entanto, para poder adquirir esses recursos, é crucial que o consumidor seja

detentor, incialmente, de crédito. Daí surge sua importância para a sociedade, tendo em vista

que este é o instrumento que, atualmente, é definidor da capacidade de consumo de cada

pessoa e, sobretudo, dá acesso aos bens e serviços.

Neste contexto, Marques (2010, p. 18) elucida:

Assim, podemos afirmar no início deste livro que consumo e crédito são

duas faces de uma mesma moeda: para consumir muitas vezes necessita-se

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de crédito, se há crédito ao consumo, a produção aumenta e a economia

ativa-se, há mais emprego e aumenta o “mercado” de consumo brasileiro.

Dito isso, percebe-se a íntima relação entre o crédito e o impulsionamento da

economia, tendo em vista que, para o modelo capitalista, quanto maior o consumo, maior é o

lucro. É por esse motivo que o estímulo ao consumo é tão presente na sociedade

contemporânea, sendo este um dos elementos essenciais ao capitalismo, posto que fomenta e

fortalece a economia livre de mercado para, então, atingir o seu principal objetivo, qual seja: a

obtenção de lucro (MOURA; BELO, 2015).

Assim, diante dessas premissas fáticas, segue a seguinte análise: da liberação de

crédito aumenta as perspectivas de consumo que, por sua vez, impulsiona a economia e gera

lucro. A partir disso, é possível dizer que este ciclo é compreendido como um dos

fundamentos pertencentes a países emergentes. Logo, conforme Bauman (2008, p. 103),

“viver de crédito e em dívida agora se tornou parte do currículo nacional, planejado,

endossado e subsidiado pelo governo”.

No Brasil, com o advento do Plano Real, em 1994, que promoveu a estabilização da

moeda no país, o crédito passou a ser considerado como um mecanismo de gestão no

orçamento familiar, passando a compô-lo (BOLADE, 2012). Isto porque, em um momento

em que se priorizava a elevação da economia, fazia-se necessário estimular cada vez mais as

operações de crédito. Desse modo, tem-se que “o Plano Real inaugurou a Era da utilização,

em larga escala, do crédito à pessoa física, representando um divisor de águas no consumo do

que era considerado de uso privativo das classes mais elevadas” (PORTO, 2014, p. 31).

É que o Plano Real impulsionou mudanças no tocante as estruturas das instituições

financeiras, tendo em vista que estas obtinham sua captação de receita basicamente alicerçada

nos juros altos em razão da hiperinflacão que estava instalada no país e, com o advento das

medidas trazidas pelo plano, os bancos tiveram de enxergar nas operações de crédito a saída

para se reestruturar (PORTO, 2014).

Com efeito, elucida Cerqueira (1998 apud SOARES, p. 48):

Dentre os desdobramentos que se seguiram à estabilização, um dos mais importantes

foi, sem dúvida, o reaparecimento do crédito, em especial do crédito para consumo.

Esse crescimento, por um lado, atendia a uma demanda reprimida por quase duas

décadas de inflação elevada, ao mesmo tempo em que respondia à necessidade dos

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bancos de encontrarem um substituto para as transferências inflacionárias, que eram

responsáveis até então por parcela expressiva dos seus ganhos.

Nesse contexto e, sobretudo no que se refere ao período do governo Lula, percebeu-se

ainda mais o incentivo ao crédito25. Fala-se no desencadeamento do processo de

democratização do crédito no Brasil, o qual se deu por meio de diversos instrumentos criados

à época, a exemplo da promulgação da Lei nº 10.820/2003 que passou a permitir o desconto

de prestações direto da folha de pagamento, tutelando a modalidade específica de crédito

consignado que, em razão da redução significativa dos juros nessas operações, acarretando no

aumento expressivo da demanda (PORTO, 2014).

Também foi instituído diversos programas sociais que obtinham o crédito como

principal agente, a exemplo do Programa da Conta Simplificada que promovia a inclusão

bancária do cidadão humilde por meio de aberturas de contas bancárias em regimes menos

burocráticos (PORTO, 2014). Assim como o Programa Minha Casa Minha Vida que facilita,

por meio do financiamento, a obtenção da casa própria.

É fato que tais mecanismos obtinham cunho social no sentido de facilitar o acesso a

bens e gerar maior qualidade de vida para os brasileiros. No entanto, a oferta de crédito

desassociada de conscientização e aliada ao uso de maneira impulsiva, é capaz de gerar

grandes probabilidades de inadimplemento, atuando de maneira contrária ao seu objetivo

inicial, e é por essa razão que surge a figura do consumidor superendividado, conforme será

abordado a seguir.

5 SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR: CONCEITO E

CARACTERÍSTICAS

Considerando o modelo de consumo contemporâneo e a maneira como este é capaz de

influenciar na vida dos consumidores, podendo gerar inclusão ou exclusão social, bem como

25 Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de anúncio de medidas na área econômica para

pequenos tomadores de crédito, empresários e sindicatos em 2003: “O Brasil precisa de mais crédito e, de

preferência, mais barato. Estamos hoje tomando medidas que vão democratizar o acesso ao crédito neste país e

contribuir para a redução do custo do dinheiro. Trata-se de um passo decisivo para estender a milhões de

brasileiros o direito de financiar a compra de um bem ou produzir e gerar renda por conta própria. Livre do

sacrifício de ter que cortar gasto com alimentação, por exemplo, para adquirir um bem de maior valor.

Democratizar o crédito é, também, uma questão de cidadania”. In: Íntegra do discurso de Lula sobre

microcrédito. Estadão, 25 jun. 2003.

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os moldes atuais que o crédito adotou na sociedade, discute-se o superendividamento como a

principal consequência fática destes aspectos.

Este fenômeno, apesar de ser intrinsecamente social, também possui reflexos na esfera

jurídica e por essa razão merece tratamento específico no ordenamento jurídico brasileiro. No

entanto, embora seja extremamente expressivo e presente em nossa sociedade, o

superendividamento ainda subsiste apenas de construções doutrinárias, as quais o delimitam a

partir de casos concretos e, principalmente, pelo direito comparado, tendo em vista que o

fenômeno é reconhecido internacionalmente e possui abordagem própria na legislação de

vários países.

É visto como uma crise de solvência e de liquidez do consumidor, a qual é capaz de

refletir em todo o grupo familiar do indivíduo, resultando em sua exclusão do mercado de

consumo, podendo ser comparada, portanto, a uma espécie de morte civile, ou seja, a morte

do homo economicus (MARQUES, 2010).

De acordo com Marques (2010, p. 25), vários países já utilizam instrumentos

específicos a fim de evitar o superendividamento. Vejamos:

Para evitar esta “falência” os países desenvolvidos e industrializados, como os

Estados Unidos da América, o Canadá, a França, a Inglaterra, a Alemanha, a

Bélgica, o Luxembourgo e tantos outros, criaram uma série de inovações

legislativas, muitas advindas da jurisprudência e de analogia à concordata comercial,

em especial um processo extrajudicial específico, de tratamento amigável ou

administrativo de renegociação e parcelamento para pessoas físicas não profissionais

(consumidores), permitindo um tratamento e um approach global da situação de

superendividamento dos consumidores.

O endividamento crônico dos consumidores é bastante comum nas sociedades de

consumo, onde há a facilitação do acesso ao crédito e, por sua vez, é denominado de várias

maneiras: sobreendividamento, em Portugal, que se inspirou na denominação over-

indebtedness adotada pelo EUA, Reino Unido e Canadá; surendettement, na França e

überschuldung, na Alemanha, nomes que destacam o endividamento superior ao normal

(CAVALLAZZI ; MARQUES, 2006).

Sendo assim e, considerando a existência de tratamento específico na legislação de

outros países, é válido a utilização de direito comparado para dar forma ao conceito de

superendividamento. Ademais, é perceptível a necessidade da criação de uma legislação que

trate sobre a matéria no Brasil, tendo em vista que, embora o Código do Consumidor seja

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relativamente novo, criado em 1990, este precisa ser atualizado para estar em sintonia com as

inovações geradas pelo mercado de consumo atual.

O Código de Defesa do Consumidor possui diversas finalidades, a saber:

Promover a proteção dos consumidores para igualar em matéria de qualidade e

lealdade, para incluir na sociedade de consumo e aumentar o acesso aos produtos e

serviços, para proteger, informar e educar, para qualificar nossos produtos e

serviços, trazer mais segurança e transparência ao nosso mercado, combater abusos

e harmonizar os conflitos de consumo na sociedade brasileira (MARQUES, 2010, p.

24).

Não obstante, a Constituição Federal elevou ao nível de direito e garantia fundamental

a defesa do consumidor (Art. 5º, XXXII, CF/88), a qual também é visualizada como o

princípio que limita a livre iniciativa dos fornecerdores, incluindo-se, portanto, na ordem

econômica constitucional (Art. 170, V, CF/88).

Diante disso e, considerando “uma sociedade que não conhece um efetivo combate à

usura do sistema financeiro e nem a falência da pessoa física não empresária” (MARQUES,

2010, p. 24), deu-se a criação do Projeto de Lei nº 3.515/2015, o qual teve sua origem no

Senado Federal e atualmente tramita na Câmara dos Deputados. Sua edição contou com a

contribuição de notáveis doutrinadores que voltam seus estudos para o tema, dentre eles,

destaca-se Cláudia Lima Marques, a qual define o superendividamento como (2006, p. 256):

A impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé,

de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com

o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua

capacidade atual de rendas e patrimônio.

Dessa definição, conclui-se que o superendividamento, por se tratar de um fenômeno

que abrange apenas o devedor pessoa física e leiga, não se aplica às sociedades empresariais,

bem como os empresários individuais, posto que estes são suscetíveis ao regime da falência e

recuperação de empresas. Compreende-se, portanto, pela impossibilidade total e não

passageira, do devedor que contraiu crédito de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas vencidas

e vincendas de consumo, com a sua renda e patrimônio atual, por tempo razoável, a indicar

que seria necessário anos de esforços para o adimplemento (MARQUES, 2010).

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Vale dizer que, a impossibilidade global significa uma situação sem volta irreversível,

onde o devedor se encontra permanentemente incapaz de adimplir suas dívidas,

diferentemente de uma impossibilidade momentânea, a qual se compreende por uma mera

falta de pagamento de uma prestação e, portanto, não bastaria para caracterizar o estado de

superendividamento (SILVA; SARRETA, 2014).

Ressalte-se que é de suma importância que esteja presente a boa-fé do consumidor, ou

seja, que este obtenha como objetivo principal a quitação de seus débitos, mas que, por

motivos alheios a sua vontade devido a ocorrência de imprevistos, ou até mesmo pela

acumulação desenfreada de dívidas, este se encontre impossibilitado de fazê-la.

Logo, o superendividamento pode ser classificado de duas formas: o passivo e o ativo.

O superendividamento passivo refere-se aos imprevistos da vida comum, como por exemplo:

divórcio, desemprego, doenças, etc., ou seja, são fatos alheios à vontade do indivíduo. Por sua

vez, o superendividamento ativo, diz respeito à má gestão de finanças, caracterizando-se por

aquele devedor que acumula demasiadamente dívidas por irresponsabilidade própria

(MARQUES; COSTA; BARTONCELLO, 2010).

Sobre o assunto, Marques (2010, p. 21) destaca que:

A doutrina europeia distingue superendividamento passivo, se o consumidor não

contribuiu ativamente para o aparecimento desta crise de solvência e de liquidez, e

superendividamento ativo, quando o consumidor abusa do crédito e “consome”

demasiadamente acima das possibilidades de seu orçamento.

Ademais, Leitão Marques (2000 apud LEITE, 2015) divide a categoria do

superendividamento ativo em dois tipos, o consciente caracterizado por aquele devedor que

contrai dívidas sabendo que não terá condições de adimpli-las, agindo de má-fé e o

inconsciente, por sua vez, é aquele que age impulsivamente, demonstrando uma situação pura

de consumismo.

Ensina Leitão Marques (2000, apud MARQUES, 2010, p. 21), que:

O sobreendividamento, também designado por falência ou insolvência de

consumidores, refere-se às situações em que o devedor se vê impossibilitado, de

uma forma durável ou estrutural, de pagar o conjunto das suas dívidas, ou mesmo

quando existe uma ameaça séria de que o não possa fazer no momento em que elas

se tornem exigíveis.

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O superendividamento, portanto, pode ser considerado como uma espécie de falência

da pessoa física e, em outras palavras, pode-se dizer que “a falência esta para insolvência

como a recuperação de empresas (antiga concordata) está para o superendividamento”

(NETO, 2009, p. 170).

6 CONCLUSÃO

Como visto neste breve estudo, o superendividamento é um fenômeno social que

também apresenta consequências jurídicas e se mostra cada vez mais presente na sociedade,

uma vez que, conforme demonstrado, esta se consolida sob bases consumistas em decorrência

do modelo de consumo contemporâneo e os aspectos inerentes ao capitalismo.

Percebeu-se, que o consumo adotou uma roupagem diferenciada daquela percebida

anteriormente, haja vista que ele não se demonstra somente como um mero meio de obtenção

de bens necessários à vida, revelando-se, atualmente, superior a isso, posto que se caracteriza

como um instrumento capaz determinar os indivíduos pertencentes à sociedade.

Nesse diapasão, tem-se a existência de um elemento intermediador de toda e qualquer

relação de consumo: o crédito. Sem ele, o consumidor fica impossibilitado de obter bens

necessários à vida, ou seja, uma vez inexistindo o crédito, inexiste também a capacidade de

consumir.

Logo, diante deste cenário e, considerando as consequências que o incentivo ao

consumo, aliado à oferta desmedida de crédito e seu uso irresponsável, tem-se que o

superendividamento do consumidor é um fenômeno que merece tratamento específico no

ordenamento jurídico brasileiro, sobejamente no que diz respeito a criação de instrumentos

que visem a sua prevenção.

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O PAPEL DO PROCESSO CIVIL COM RELAÇÃO ÀS MINORIAS MUÇULMANAS

NO BRASIL

Asmaa Abduallah Hendawy

Analêda Pontes Miranda de Carvalho

RESUMO: O presente trabalho visa discorrer sobre os grupos muçulmanos no Brasil e a

função do Processo Civil em defesa dessas minorias. Observar-se-á como as mesmas recebem

auxilio jurídico diante das barreiras do preconceito, discriminação e demais violações de

direitos e o modo como a Constituição Federal e o Código de Processo Civil amparam esses

grupos dentro de um Estado Democrático de Direito. A Lei Maior determinando os direitos e

a Lei processual executando-a, proporcionando a concretização do Direito.

Palavras Chave: Islamismo, Violações de direitos, Estado Democrático de Direito.

Autor (a): CARVALHO – MIRANDA, A.P.

INTRODUÇÃO

O termo minoria não significa um pequeno número de pessoas, mas um grupo de

pessoas diferenciado, por idade, sexo, cor, etnia, religião dentre outros.

Esses grupos com necessidades e costumes peculiares, levam a aplicabilidade da

expressão usada no direito: tratar iguais com igualdade e desiguais com desigualdade, em

busca de proteção e amparo legal para que possam exercer os mesmos direitos da parte

comum da sociedade.

O surgimento das minorias como categoria jurídica está ligada ao Direito Internacional

Público. Celso D. de Albuquerque Mello registra que a noção de minorias advém da Reforma

“Protestante”, em que se rompe a unidade religiosa européia e, com isso, a questão das

minorias emerge. (MELLO, 2004)

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O documento mais importante, com o objetivo de proteger uma minoria, “no caso,

religiosa, remonta a 1606”, foi o Tratado de Paz de Viena, celebrado entre o Imperador

Rodolfo II e o Príncipe da Transilvânia Stephen Bockay, (MELLO, 2004).

Na Constituição Federal Brasileira de 1988 percebe-se claramente a preocupação em

amparar estas minorias, não apenas aquelas ligadas a uma diferença de cultura ou identidade,

mas também os grupos marginalizados da sociedade.

Tais grupos ganharam relevância por demandas recentes: mulheres, negros, portadores

de necessidades especiais e os homossexuais. Diferentemente de outros grupos como as

crianças, os adolescentes e os idosos que possuem proteção especial e legislação específica,

essas “novas” minorias são assim reconhecidas por serem vítimas de preconceito.

Os muçulmanos enquadram-se neste último grupo, sofrem preconceito, por serem

associados ao terrorismo proporcionado pelo Estado Islâmico em redor do mundo.

Alguns convertidos, seguidores inocentes do islamismo, tem sido agredidos e até

mesmo mortos, em decorrência das arbitrariedades cometidas pelo grupo terrorista, e o que

vem ao caso é justamente a questão de como as leis brasileiras, em especial o Código de

Processo civil pode amparar e fazer valer os direitos dos cidadãos brasileiros adeptos do

islamismo e conhecidos como muçulmanos.

1. CONHECENDO O ISLAMISMO

As religiões dividem países em mundos. Há tanta divergência religiosa que a suposta

fé de cada um pode ocasionar atrocidades impensáveis. A história tem relatado

constantemente fatos cruéis em nome da crença.

Akbar S. Ahmed, catedrático Ibn Khaldun de estudos islâmicos e professor de relações

internacionais da American University em Washington, declara que “o mundo ocidental e o

mundo islâmico não somente enxergam o mundo de maneira diferente, mas estão condenados

a encarar um ao outro com incompreensão”. (MUBARAK, 2014)

É grande o número de brasileiros convertidos ao Islã, e para um país com maioria da

população católica ou protestante (cristã), ver pessoas da própria família, mudando de forma

radical os hábitos e costumes, causa estranheza. É um verdadeiro processo de metamorfose.

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Para Tamara Sonn, autora do livro “Uma breve história do Islã”, “nenhuma

comunidade precisa tanto de compreensão, nos dias atuais, como a comunidade muçulmana”.

A tendência em julgar o que não se conhece, vem sempre em primeiro plano. Dificilmente a

sociedade busca o conhecimento que vai gerar esta compreensão do novo, do diferente

(MUBARAK, 2014).

A palavra chave para aceitar e respeitar as diferenças é compreensão. Costumamos

atacar com críticas o que não conhecemos. Tudo tem uma história, com início, meio e fim.

Para entender melhor o islamismo é necessário se ater a alguns conceitos construtores

desta religião, um pouco de sua história, dos seus significados.

Os muçulmanos são aqueles que professam a fé da religião conhecida como

Islamismo. A idéia é que o muçulmano autêntico se submete aos desejos de Allah (palavra

árabe usada para Deus – algo correspondente ao termo Elohim em hebraico).

Islamismo é o nome da religião. A palavra Islã é de origem árabe e seu significado

básico é “submissão”. O corão é o livro sagrado do Islamismo. Segundo a tradição islâmica, o

conteúdo do livro foi revelado ao profeta Mohammed durante 23 anos de sua vida, por meio

do anjo Gabriel (Gibrail).

E o profeta, ainda que iletrado, de maneira milagrosa reteve os ensinamentos e pôde

transmitir aos fiéis seguidores, transformando as revelações em um livro.

Os acadêmicos islâmicos afirmam que o Corão é uma cópia do livro original que está

no céu, por aí se tem uma idéia da fé e espiritualidade envolvidas na história do Islamismo,

quando esta religião alcança o coração de homens simples ou letrados.

Uma curiosidade é que nem todo árabe é muçulmano e nem todo muçulmano é árabe,

muito embora no Brasil a maioria muçulmana seja árabe, há uma diversidade de religiões

entre esses povos, inclusive católicos e ortodoxos.

O fato do profeta Mohammed ser árabe, e o livro sagrado ser escrito em árabe, leva a

falsa impressão de que a religião islâmica seria única para eles.

Castro (2007) cita em sua obra o Islã como uma religião estrangeira, é marcada por

radicalismos e terrorismos, com o desafio para os convertidos de ser minoria em um país de

maioria católica, e este fato é bem real no Brasil.

Os atentados terroristas, ocorridos em 11 de Setembro nos Estados Unidos, podem ser

considerados um marco importante no cenário atual, que associa o islamismo a violência, mas

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embora guerras aconteçam envolvendo as crenças religiosas, e em nome de Deus homens,

mulheres e crianças se explodam, ainda assim o direito a justiça deve alcançar a todos.

Cada um tem um pouco de razão e um muito de emoção, e embora haja o conflito

entre razão e emoção, os sentimentos também são valorados no Direito, principalmente

quando advindos de princípios fundamentais básicos e humanísticos inseridos na Constituição

Federal Brasileira.

2. DIREITO DAS MINORIAS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O termo minoria relacionado ao Direito serve como argumento para a defesa de

direitos fundamentais como liberdade e igualdade.

Grupos marginalizados ao longo da história buscam o reconhecimento dos seus

valores e a proteção de seus direitos, portanto, a interpretação dos princípios no que se refere

às minorias deve ser concebida como necessidade de consolidação dos valores democráticos

constitucionais.

A minoria muçulmana precisa constantemente da aplicabilidade deste Direito. Muitos

foram e são agredidos verbal e fisicamente após notícias publicadas na imprensa nacional e

internacional. E mesmo com as lideranças se posicionando contra o terrorismo, e afirmando

que o Islã não dá suporte a ações terroristas, existem retaliações contra alguns muçulmanos.

Casas tiveram suas paredes pichadas com frases agressivas “fora terroristas”, houve

ameaças de empregadores às muçulmanas que usavam o véu, algumas muçulmanas foram

impedidas de utilizarem transportes públicos e outras tiraram seus véus com medo de

retaliações e agressões (Castro, 2007).

Na defesa dessa violação de direitos, o juiz exerce um papel fundamental. Ao proferir

suas decisões, ele deve levar em consideração esses valores, para que a materialização desse

direito alcance a sua função social, valendo-se de interpretação decisória para o alcance da

justiça.

Afirma o autor Eros Grau que os juízes são intérpretes autênticos por serem os únicos

intérpretes autorizados pelo direito a proferir uma norma de decisão. (GRAU, 2009)

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A democracia não deve limitar-se apenas as maiorias, o Estado Democrático de

Direito deve abarcar a todos, correspondendo às necessidades das diversidades, daquilo que é

considerado diferente por desconhecimento ou discriminação.

A Constituição Federal de 1988 visa o respeito as diferenças, colocando assim as

minorias religiosas em rol taxativo quando afirma que é inviolável a liberdade de consciência

e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da

lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (Art. 5º, VI Constituição Federal de 1988)

O que o Estado Democrático de Direito possibilita é a igualdade de condições para que

todos possam exercer os seus direitos, amparados na sombra protetora da nossa lei maior e

nas leis infraconstitucionais, dentre elas a lei nº 13.105/2015, a lei do Processo Civil

Brasileiro, que vem através do Processo de Execução, entregar a qualquer cidadão o seu

direito adquirido, independentemente de sexo, raça ou religião.

A Constituição Federal em seu Art. 1º, V, ampara as diferenças quando diz que: “a

República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um de seus

fundamentos o pluralismo político”. Nasce aí o princípio da igualdade, onde todos os grupos

sociais recebem o mesmo tratamento. (Constituição Federal Brasileira, 1988).

O Art. 3º da nossa lei maior reforça a idéia de igualdade, ao enumerar como objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil “a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação”. (Constituição Federal Brasileira, 1988).

O papel do judiciário é de suma importância para que a democracia seja alcançada, a

acessibilidade a justiça e as decisões judiciais bem interpretadas possibilitam que as minorias

obtenham seus direitos, afirma Dworkin.

“Se os tribunais tomam a proteção de direitos individuais como sua

responsabilidade especial, então as minorias ganharão em poder

político, na medida em que o acesso aos tribunais é efetivamente

possível e na medida em que as decisões dos tribunais sobre seus

direitos são efetivamente fundamentadas. (DWORKIN, 2005, p. 31-

32)

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Ainda no que tange à responsabilidade do judiciário como participante ativo do Estado

Democrático de Direito, afirma Luiz Roberto Barroso que o mesmo deve aplicar a justiça,

quebrando as barreiras impostas por grupos influentes, oportunizando a todos o direito de ter

voz e vez.

“Há situações em que o processo político majoritário fica emperrado

pela obstrução de forças políticas minoritárias, mas influentes, ou por

vicissitudes históricas da tramitação legislativa. De outras vezes,

direitos fundamentais de um grupo politicamente menos expressivo

podem ser sufocados. Nesses cenários, somente o Judiciário e, mais

especificamente, o tribunal constitucional pode fazer avançar o

processo político e social, ao menos com a urgência esperável.

(BARROSO, 2009)”.

Mediante essas situações, deve o julgador executar sua função sociopolítica, a fim de

cumprir o compromisso constitucional com a democracia, valendo-se em suas interpretações

das normas que abarcam os direitos das minorias.

3. CASOS DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL

Insultos, cusparadas, pedradas e ameaças de morte são algumas das denúncias de

agressões contra muçulmanos no Rio de Janeiro nos últimos meses.

Depois dos adeptos das religiões de matriz africana, os seguidores do islã são os que

mais sofrem com a intolerância religiosa no estado, segundo o Centro de Promoção da

Liberdade Religiosa e Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos e Assistência

Social. Desde janeiro, pelo menos uma denúncia é recebida mensalmente. A estimativa é que

haja 2 mil muçulmanos vivendo no Rio.

Os números destoam dos demais estados do Brasil. Apenas cinco denúncias de

Islamofobia foram feitas ao Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República. As mulheres, mais facilmente identificadas nas ruas pelo uso do véu, são as

principais vítimas de violência.

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A aeromoça Ana Cláudia Mascarenhas, 43 anos, levou um soco de um homem após

ser xingada de terrorista em pleno centro da cidade.

Muçulmanos estão entre as principais vítimas de intolerância religiosa no Rio. A

aeromoça Ana Cláudia Mascarenhas relata casos de agressão em entrevista na Mesquita da

Luz.

“Fui fazer exame médico e notei que uma pessoa me seguia. Ele parou atrás de mim,

começou a me xingar e a dizer que odiava terroristas. Fiquei quieta, pois não sou terrorista.

Quando o sinal abriu, ele me puxou pelo braço, repetiu que odiava terrorista e me deu um

soco no rosto. Saí correndo como louca, sem olhar para trás. Se às 7h, com toda aquela gente

na rua, ele fez isso, não gosto de imaginar o que faria se eu reagisse ou respondesse”, afirmou

Ana Cláudia.

Um dos casos denunciados ao Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos

Humanos foi um trote universitário com uma estudante muçulmana. Colocaram fogo

no hijab [véu] da menina, que acabou tendo o couro cabeludo queimado.

A coordenadora do centro, Lorrama Machado, lamentou que, durante um curso de

formação para peritos criminais da Polícia Civil sobre o tema, um agente tivesse comentado

que pessoas como a menina mereciam morrer.

“A equipe ficou em choque. Por sorte, outros colegas do perito o contestaram e vimos

que era uma posição isolada. Mas esse policial, agora formado, pode um dia ser responsável

por analisar um crime contra um muçulmano”, disse Lorrama. “Que tipo de laudo ele dará

com essa opinião sobre muçulmanos? Por isso é importante informar e conscientizar”,

acrescentou.

A Lei 7.716, de 1989, protege fiéis de todas as crenças, prevendo cadeia para quem

cometer crimes de intolerância religiosa. De acordo com o assessor de Comunicação da

Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), Fernando Celino, muitos

policiais não são treinados para identificar crimes de intolerância religiosa.

Segundo Celino, uma muçulmana que freqüentava a mesquita já fez dois boletins de

ocorrência contra o vizinho que a ameaçou de morte mais de uma vez, mas os policiais tratam

o caso como briga de vizinho. "Por isso, o assédio continua. Há muitas delegacias que

tipificam um caso desses de forma errada, como calúnia, injúria ou qualquer outra coisa, sem

dar a real importância, tratando como um crime menor.”

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Fernando Celino informou que outro caso de intolerância ocorreu no início do ano,

quando um motorista de ônibus expulsou a passageira, dizendo que não transportava mulher-

bomba. Também neste ano, uma professora de inglês teve o emprego ameaçado por pais de

alunos que pediram ao dono do curso para que a demitisse, pois não queriam "mulher de Bin

Laden" dando aulas para os filhos.

“Outra muçulmana foi tema de reunião de condomínio. Os moradores queriam a saída

dela e de sua família do prédio por medo de que escondessem bombas. Somos um estado

muito acolhedor quando o assunto é samba e turismo, mas não aceitamos o novo”, criticou

Lorrama. O fato mais recente foi de apedrejamento, seguido de cusparadas a uma moça em

Nova Iguaçu, Baixada Fluminense.

Muçulmanos estão entre as principais vítimas de intolerância religiosa no Rio. A

atendente de telemarketing Ana Carolina Jimenez relata casos de agressão em entrevista na

Mesquita da Luz.

A atendente de telemarketing, Ana Carolina Jimenez, 22 anos, também passou pela

humilhação de ser atingida por uma cusparada. “Estava no ponto de ônibus. Alguns jovens no

ônibus começaram a falar bobagem e a me xingar. Quando o ônibus partiu, eles cuspiram.

Senti uns respingos, limpei e continuei olhando para frente.”

Se as agressões físicas não são rotina, o desrespeito é diário. “Ouço risadas pelo menos

uma vez por dia. As pessoas apontam, se cutucam. A maioria acha que nem somos brasileiras.

A primeira coisa que falam é: 'volta para seu país'”, disse Ana Cláudia.

De acordo com a coordenadora do centro, mais de 90% das vítimas são brasileiras

natas, que se converteram ao islamismo na idade adulta.

O preconceito também é um obstáculo para as mulheres no mercado de trabalho. Ana

Carolina passou por cinco entrevistas e em todas elas a retirada do véu durante o trabalho era

pré-condição para a contratação. “Fiz vários cursos de especialização em secretariado

executivo e sou fluente em inglês. As pessoas gostam do meu currículo, mas querem que eu

tire o véu, mesmo eu afirmando que ele não atrapalha meu desempenho. Para mim, é como se

eu tivesse de trabalhar de sutiã. O véu não é um acessório para a cabeça.”

Após mais de 100 currículos distribuídos e um ano depois, ela conseguiu emprego

como assistente de telemarketing. “Para mim, é frustrante, mas sou grata a essa oportunidade,

pois estava precisando.”

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Ana Cláudia trabalha sem o véu a contragosto. Como está na empresa há muitos anos

e essa é a principal renda da família, não tem como abdicar do emprego. “A vestimenta faz

parte da religião. Até tentei levar isso adiante, mas sou a única muçulmana na empresa. Saio

do avião e coloco o véu. Para mim é muito difícil.”

As denúncias se intensificaram em 2015, de tal modo que, em julho, o centro

encaminou aos ministérios Públicos federal e estadual um dossiê elaborado pela SBMRJ

sobre casos de islamofobia pela internet. O documento também foi entregue à Polícia Civil e

Delegacia de Crimes de Internet e à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos

Deputados. A Polícia Civil e o Ministério Público já começaram a investigar o caso.

No documento, são denunciados páginas e vídeos na internet que atacam a religião

islâmica com inverdades sobre Maomé, principal profeta do Islã. Há fotos de muçulmanos

brasileiros, acusados de terroristas. Ainda segundo o dossiê, a maioria das páginas afirma que

o terrorismo é algo intrínseco ao islã.

Conforme o dossiê, em uma das páginas, a circuncisão é descrita como mutilação

imposta pelo iIslã às mulheres, "quando, na verdade, é recomendada pela religião aos

homens". Em outra página, há uma referência inexistente no Alcorão de que o islã permite o

estupro. Segundo a SBMRJ, esse tipo de iniciativa contribui para que mulheres muçulmanas

sejam agredidas.

Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/muculmanos-estao-entre-as-principais-vitimas-de-

intolerancia-religiosa-no-rio

4. REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO CIVIL

O Direito processual civil é o conjunto de princípios e normas jurídicas que regem a

solução de conflitos de interesses por meio do exercício da jurisdição, função de soberania de

um Estado, por isso se diz que é um ramo do Direito Público. O processo civil tem um caráter

instrumental, e busca a efetividade das leis materiais.

As três principais funções do processo são: a de verificar a efetiva situação jurídica das

partes (processo de cognição ou conhecimento); a de realizar efetivamente a situação jurídica

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apurada (processo de execução); a de estabelecer as condições necessárias para que se possa,

num ou noutro caso, pretender a prestação jurisdicional (condições da ação).

O princípio da função social do processo encontra-se inserido no art. 6º do Código de

Processo Civil, onde reza que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para

que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. (Código de Processo

Civil, 2015)

Nesse sentido a função social, pode ser entendida como o resultado que se pretende

obter com determinada atividade do homem ou de suas organizações.

O processo de conhecimento colabora com este resultado, pois, reforça a eficiência do

processo de execução no sentido de cumprir o maior desígnio do processo moderno, que é o

da efetividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, fica claro que as minorias muçulmanas vêm tendo seus direitos

violados em diversas esferas de sua vida. Este trabalho expôs somente uma parcela da

realidade enfrentada por esse grupo minoritário. Muito ainda precisa ser feito, com relação

aos direitos positivados nas leis brasileiras.

Princípios e processo caminham juntos. O processo abarca uma grande quantidade de

princípios que garantem a paz social e as relações jurídicas, e estes princípios fundamentais,

se violados impedem a aplicabilidade do processo justo.

O Estado Democrático de Direito tem como alguns dos seus objetivos fundamentais a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, onde os preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação devem ser apagados.

Portanto, para que uma sociedade seja considerada democrática e pluralista, deve

aceitar e aprender a conviver com as diferenças, buscando promover a igualdade social de

todos, eliminando qualquer tipo de preconceito e discriminação.

Villares, 2009, destaca que a aceitação de sistemas jurídicos particulares de cada povo

no Estado nacional não enfraquece o Estado.

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O próprio Estado democrático, ao aceitar a cultura e os sistemas

jurídicos particulares de cada povo que vive sob sua proteção, ganha

legitimidade, não pela força, mas pela consciência dos cidadãos de se

organizarem por regras que promovam o desenvolvimento e o

progresso de todos, num processo de coesão e unificação do povo.

(Villares, 2009)

Embora as minorias muçulmanas no Brasil encontrem amparo na Constituição

Federal, na lei 7.716 de 1989, no Processo Civil e na jurisdição, que é a atuação estatal de

dizer o direito, fazendo valer no caso concreto o respeito às leis de forma definitiva e coativa,

ainda se fazem necessários o conhecimento e a conscientização da sociedade.

Conclui-se a reflexão em pauta, com a esperança de que a sociedade procure

compreender mais o islamismo, e que o legislador brasileiro atente para os princípios

espirituais que regem esta religião, hoje ganhando território em um Estado Laico, mas ainda

com tantas restrições quando se trata de liberdade.

Referências Bibliográficas

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fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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MEDIDAS ATÍPICAS CONSUBSTANCIADAS NO ART. 139, INC. VI:

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO SEM FERIR OS DIREITOS

E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Igor Pedrosa Araújo

Elienson Serra

Daniel Lira

Asmaa Abdullah. (Orientadora)

RESUMO: O presente trabalho, visa descortinar as diversas possibilidades de aplicação do

Art. 139, Inc. IV da Lei 13.105 de 16 de março de 2015 (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL),

em sentido amplo, no intuito de garantir a efetiva execução do devedor, trazendo para o cerne

da questão as medidas atípicas a serem utilizadas pelo Magistrado, na devida aplicação ao

caso concreto, sendo estas mandamentais, indutivas, coercitivas, ou sub-rogatórias, desde que

necessárias para assegurar o devido cumprimento da sentença, observando os seguintes

princípios: Proporcionalidade, razoabilidade, proibição de excesso, menor onerosidade e

eficiência. Desta forma, será demostrado, que apesar da polêmica que gravita por sobre o

instituto, é possível sua aplicação, respeitando os limites de um processo civil pautado nos

moldes da constituição.

Nesse contexto, será utilizado para elucidar as proposições, as teses doutrinarias acerca do

tema, as possibilidades de aplicação de forma subsidiária aos processos, e o caso concreto em

que se aplicou o presente instituto ao processo de execução.

PALAVRAS-CHAVE: RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. INDUTIVAS.

COERCITIVAS. MANDAMENTAIS. MEDIDAS ATÍPICAS. GARANTIAS

FUNDAMENTAIS.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo da presente pesquisa é discutir as possibilidades de aplicação do Art. 139,

inciso IV, do CPC em sentindo amplo, sem ferir os princípios constitucionais inerentes a

todas as pessoas que estão sob égide da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, deve-se levar em consideração o conceito atribuído ao instituto na visão

da doutrina, demonstrando o que mudou em relação ao CPC de 1973, e quais os benefícios

trazidos pelo inciso, no que tange a efetiva aplicação da execução no Processo Civil.

Deste modo, já é possível perceber que se trata de um assunto extremamente

polêmico, visto que tal dispositivo, concede ao Magistrado poderes para aplicar as mais

variadas medidas, sejam diretas ou indiretas, isto é, mandamentais, indutivas, coercitivas, ou

sub-rogatórias, desde que necessárias para assegurar o cumprimento de uma ordem judicial

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em qualquer tipo de processo, inclusive nas decisões que tenham por objetivo prestação

pecuniária, que no CPC antigo não era comtemplado.

Ainda nesse sentido, notadamente na possibilidade de aplicação de sanções executivas

atípicas, tornam calorosos os debates acerca do assunto, justamente por tratar-se de cláusula

aberta, que autoriza o magistrado ao uso de sua imaginação a fim de efetivar suas decisões,

justamente por já ter esgotado os outros meios previstos em lei. Em que pese o curto lapso

temporal de vigência do novo CPC, a comunidade jurídica já experimentou a aplicação de

apreensão de passaporte, proibição de se ausentar da comarca onde reside, apreensão da CNH

(Carteira Nacional de Habilitação), proibição de participar em concursos públicos e etc.

Deixando claro, as possibilidades que ficam a critério do Juízo responsável pela

demanda, contudo, deve este, observar os limites norteadores previsto na legislação

constitucional, uma vez que, conforme expresso no art. 1º do CPC, este deve ser ordenado,

disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na

Constituição da República Federativa do Brasil, deixando clara a primazia da constituição

federal, e desta forma, impedindo, portanto, lesão a direitos constitucionalmente garantidos.

2. DAS MEDIDAS ATÍPICAS NA NOVA SITEMÁTICA DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL

2.1 PREVISÕES LEGAIS ÁS MEDIDAS ATÍPICAS

Até o evento do NCPC, nosso ordenamento jurídico autorizava apenas que o órgão

julgador poderia se valer das medidas típicas para consecução, ou seja, para execução da

prestação jurisdicional que se consubstanciava em títulos executivos judiciais e extrajudiciais.

O novo sistema processual, inova com previsões, conforme, analisaremos, dispositivos que

dão embasamento legal às medidas atípicas, que podem ser tomadas pelo órgão julgador,

medidas estas, que surgem diretamente do princípio da concentração dos poderes, conhecido

também como princípio da atipicidade, a saber: CPC. Arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º.

Em primeiro lugar, comentaremos o art. 139, IV, que serve como norma abstrata de

atuação do juiz no cumprimento e execução das decisões judiciais e extrajudiciais. Tal

dispositivo, na visão de Didier (2017), constitui-se em uma cláusula geral, ou seja, com

termos indeterminados, logo emergindo a possibilidade de diversos meios para consecução de

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obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa certa, como também de pagar quantia, nesse

caso, de forma subsidiária. Porquanto, na consecução das obrigações de pagar quantia, a

interpretação deverá ocorrer de forma integrada com os art. 921, III, §§ 1º e 4º do Inc. V do

CPC, onde deixa claro que deverá ser realizado primeiros os meios típicos de expropriação

dos bens, todavia, caso não exista tais bens, o juiz deverá suspender o processo de execução

por um ano, isso como regra geral, e talvez, evidenciando que os meio atípicos só serão

utilizados subsidiariamente.

Em mesmo sentido, Fredie Didier, comenta:

“A tipicidade prima facie das medidas na execução por quantia certa é confirmada

pelo disposto nos arts. 921, III, e 924, V, ambos do CPC. A ausência de bens

penhoráveis acarreta a suspensão da execução durante um ano, findo o qual começa a

correr o prazo de prescrição intercorrente, que constitui causa de extinção do processo

executivo. Ora, se a atipicidade fosse a regra, a ausência de bens penhoráveis não

deveria suspender a execução, bastando ao juiz determinar outras medidas necessárias

e suficientes à satisfação do crédito. Como, porém, a penhora, a adjudicação e a

alienação são as medidas típicas que se destinam à satisfação do crédito, a ausência de

bens penhoráveis impede o prosseguimento da execução, não sendo possível, nesse

caso, a adoção de medidas atípicas que lhes sirvam de sucedâneo para que se obtenha

a satisfação do crédito do exequente (DIDIER, 2017, pg. 107).”

Tal entendimento extrai-se também do Enunciado 12 do Fórum Permanente de

Processualistas Civis:

“A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer

obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo

extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às

medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio

de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.”.

Em outras palavras, o dispositivo em comento, versa sobre os poderes, deveres e

responsabilidades do Juiz, dando poderes aos juízes de forma abrangente, tornando possível o

uso de medidas atípicas no caso concreto, consagrando o princípio da atipicidade das formas

executivas, pois tornou possível a aplicação de sanções não expressas em lei.

Na mesma esteira, o art. 536, § 1º, que versa sobre o cumprimento de sentença, prevê a

possibilidade da adoção de medidas atípicas que poderão ser tomadas nas obrigações de fazer,

não fazer, dar coisa certa e de pagar quantia, nesse caso, não esquecendo das considerações

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feitas alhures, ainda assim, também nos processos de execução de títulos executivos

extrajudiciais, em consonância com o art. 771, parágrafo único do CPC.

Por fim, o art. 297 serve de sucedâneo legal na realização destas medidas atípicas nas

tutelas provisórias, aplicando- se, aqui, as mesmas considerações feitas anteriormente aos

títulos definitivos.

2.2 DOS SUJEITOS ALCANÇADOS PELAS MEDIDAS ATÍPICAS

Vale frisar que, segundo Didier (2017), estas meditas podem ser aplicadas a quaisquer

pessoas, desde que elas estejam interligadas ao processo. Tal entendimento extrai-se da

análise do dispositivo: art. 77, IV, CPC. Onde, preceitua que todos aqueles que estão

relacionados ao processo devem cumprir as ordens judiciais.

2.3 DAS MEDIDAS QUE PODERÃO SER DECRETADAS EX-OFÍCIO OU A

REQUERIMENTO DAS PARTES

Para Neves (2016), o juiz poderá determinar de oficio ou a requerimento das partes,

todas as medidas coercitivas, a saber, diretas: sub-rogatórias, e indiretas: indutivas ou

mandamentais, necessárias para assegurar a efetivação da decisão judicial e a obtenção da

tutela do direito ao jurisdicionado.

Nesse contexto, para melhor entendimento, medida sub-rogatória é aquela que convola

a vontade do devedor pela vontade da lei, o que acarreta a efetiva prestação jurisdicional

independente de colaboração do réu, nesse sentido temos: busca e apreensão, a expropriação,

que são exemplos já consagrados efetivamente em nosso ordenamento jurídico.

Por sua vez, as medidas coercitivas indiretas, indutivas e mandamentais, terão sua

utilidade materializada por pressionarem psicologicamente o devedor no intuito de obrigá-lo a

cumprir a obrigação outrora acordada ou resultado da decisão judicial, amoldando sua

vontade a vontade do direito. Sendo assim, essas modalidades poderão ter efeitos positivos,

por exemplo, efetuado o pagamento da dívida em três dias, os honorários advocatícios serão

reduzidos pela metade (Art. 827, §1 CPC), situação que, se cumprida pela parte, reduz o seu

ônus decorrente do processo, da mesma forma que poderá ser negativas, quando piora a

situação do devedor, como é o caso da multa astreinte (medidas coercitivas patrimoniais),

convindo lembrar, que a intenção normativa, é de que a previsão da multa na decisão, deve

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servir como forma de impulsioná-la ao cumprimento, a fim de livrar-se da majoração do seu

débito em face do não cumprimento.

2.4 CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS

Destarte é assunto de suma importância, os critérios que o órgão julgador irá usar para

definir quais medidas necessárias frente ao caso concreto. Porquanto, para aplicação das

medidas típicas, a própria lei prevê os critérios.

Segundo Didier (2017), a atuação do julgador deverá ser pautada nos princípios da

proporcionalidade, razoabilidade, proibição de excesso, menor onerosidade e eficiência.

Desse modo, afim de uma melhor compreensão, analisaremos tais princípios de forma

concisa.

O princípio da proporcionalidade consiste em uma ponderação entre o meio e o fim,

onde essa análise será feita através de três critérios: adequação, consistente na pergunta: o

meio promove o fim? o da necessidade, está consubstanciado na premissa: o meio utilizado

deve ser o que menos impactar os diretos fundamentais; por fim, o da proporcionalidade em

sentido estrito, caracterizado no postulado que as vantagens têm que ser maiores que os

prejuízos.

O princípio da razoabilidade, segundo Didier (2017), concretiza-se a partir de três

critérios, a saber: dever de equidade, consistente na harmonia da norma geral com o caso

individual; dever de congruência, harmonia da norma geral com a realidade social; por fim,

dever de equivalência, consistente na harmonia entre a medida adotada e a norma geral.

O princípio da proibição de excesso fixa-se na premissa que a medida não pode

extrapolar os limites impostos pelos direitos fundamentais.

O princípio da menor onerosidade: trata-se do princípio que veda medidas

desnecessária, ou seja, medidas que irão só agravar o executado e não beneficiarão o

exequente.

Por fim, temos o princípio da eficiência consubstanciado no pressuposto: que o fim do

processo deve ser alcançado com menos gastos possíveis.

Para Didier (2017), na somatória dos seguintes princípios, pode-se visualizar três

imprescindíveis critérios, que deverão nortear a análise do órgão julgador no estabelecimento

da mediada frente ao caso concreto, a saber:

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A adequação, aqui deverá haver uma relação entre meio (medida executiva atípica) e

fim (prestação jurisdicional), logo o juiz deverá escolher medida que traga alguma

probabilidade na consecução da prestação jurisdicional, ou seja, cumprimento da obrigação.

Vale ressaltar que nesse critério prima-se mais pela satisfação do crédito do credor.

O segundo critério é o da necessidade. Esse critério é um controlador do critério

anterior, porquanto aqui o juiz tem que levar em consideração o executado, logo primando por

uma medida que não traga prejuízo desnecessário a este.

Com efeito, o último critério; a medida deve conciliar os interesses contrapostos. Tal

critério consiste na aplicação do último pressuposto do princípio da proporcionalidade:

proporcionalidade em sentido estrito. Já comentados anteriormente por nós.

No mesmo sentido, o Enunciado 396 assevera que as medidas do Inc. IV do Art. 319,

podem ser determinadas de oficio, observado o Art. 8º do Novo CPC, ou seja, ao aplicar as

medidas atípicas, o Magistrado deve observar os fins sociais, o bem comum, resguardar e

prover a dignidade da pessoa humana, e principalmente, observar a proporcionalidade, a

razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência de seus atos no caso concreto

Cumpre frisar que tais medidas deverão ser exaradas como todo e qualquer decisão,

logo deverá haver fundamentação, em consonância com o art. 489, §1º, bem como deverá

haver contraditório, ainda, que diferido. Vale ressaltar que tal fundamentação deverá ser

realizadas em consonância com os critérios supracitados.

2.5 DAS MEDIDAS TÍPICAS QUE SÓ PODEM SER DETERMINADAS A

REQUREMENTO DA PARTE.

Existem medidas típicas que a lei impõe, como condição de serem expedidas pelo

órgão julgador, o requerimento da parte. Desse modo, o juiz não poderá decretar tais medidas

sobre a rubrica de medidas atípicas, pois estará burlando a lei, logo a decisão estará eivada de

ilegalidade. São exemplos de medidas típicas que necessitarão de requerimentos da parte

interessada: prisão civil do devedor de alimentos (art. 528, caput, CPC); penhora on-line26

(art. 854, caput, CPC); a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art.

782, § 3º, CPC).

26 A título de informação, convém dizer que há uma inadequação no termo “penhora on line”, uma vez que

sabemos não existir tal modalidade de penhora, mas sim, e apenas, o que ocorre é a indisponibilidade dos valores

eventualmente encontrados na conta bancária, e que posteriormente à manifestação do executado, poderá ou não

ser convertida em penhora mediante termo nos autos.

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Vale ressaltar que os procedimentos das medidas típicas a fim de evitar a possibilidade

de vício processual, não convém ser alterados, na sua forma de praticar, por exemplo,

valendo-se do princípio da instrumentalidade das formas. Por exemplo a busca e apreensão

que necessitará de arrombamento, que deverá ser realizada por dois oficias de justiça,

entretanto, não poderá ser feita por um oficial nem por um carteiro, ficando vedado ao juiz,

valer-se desse poder geral mencionado no artigo 139, IV, determinar, ou aceitar a prática do

ato, de outra forma realizada.

2.6 DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA COMO MEDIDA ATIPICA

NA EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE QUANTIA.

A multa constitui-se um uma medida de caráter coercitivo quando aplicada com o fim

de efetivação das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa certa. Vale ressaltar que a

incidência de tal medida só pode ser decretada nesses casos, porque o legislador previu a

possibilidade, logo, consiste em medida típica.

Se tal medida fosse decretada para efetivar obrigações de pagar quantia, ela se

consubstanciaria em medida coercitiva e punitiva, aumentando o valor da dívida, assim feriria

o princípio da proibição do excesso, já examinados por esta pesquisa.

Não obstante, a multa, como medida atípica, poderá ser decretada na execução de

obrigações pagar quantia, desde que seja para forçar o cumprimento de deveres processuais,

como, por exemplo, que o executado indique bens à penhora, ou informe onde eles estão

localizados, sob pena de multa. Cumpre observar que esta medida, não será expedida para

efetivar a execução, mas sim para que a parte cumpra deveres processuais, podendo ser

decretada imediatamente e não subsidiariamente.

3. POLÊMICAS QUE GRAVITAM SOBRE O ART. 139 INC. IV

É pacífico que é condição sine qua non para o exercício de qualquer direito, que se

observe os limites impostos, para tanto, justamente para que se evite os abusos e a

arbitrariedades, entretanto, para alguns operadores do direito, o instituto em comento, deixa

uma enorme lacuna no que diz respeito à aplicação nas demandas judiciais pertinentes, por se

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tratar de ato discricionário do juiz, a aplicação das diversas medidas atípicas para assegurar o

devido provimento legal a quem possui um determinado direito.

Tais debates insurgiram, frente a decisão da Magistrada Andrea Ferraz Musa da 2ª

Vara Cível do Tribunal de Justiça São Paulo, Foro Regional XI – Pinheiros, onde determinou

em um processo de execução de Titulo Extrajudicial, a suspensão da CNH (Carteira Nacional

de Habilitação), a apreensão do passaporte, e o cancelamento dos cartões de crédito do

executado, visando o efetivo cumprimento da execução.

Conquanto, fundamentou sua decisão, na má-fé do devedor, visto que o processo de

execução tramitava desde 2009, e até a presente decisão, não tinha sido pago nenhum valor ao

exequente. Ademais, o executado não paga, não indica bens à penhora, não fez nenhuma

proposta para a solvência e sequer cumpriu as ordens exaradas pelo juízo.

Nesse contexto, surgiram posicionamentos contrários, que afirmam que tais decisões

ferem a dignidade da pessoa humana, visto que, a possibilidade de solvência da dívida deve

residir no patrimônio do devedor, e não a pessoa do devedor.

Exemplo disso, foi o posicionamento de Tartuce (2016), membro do Instituto

Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que afirmou em entrevista que tais medidas

seriam problemáticas, tendo em vista que não afetarem o patrimônio do devedor, e sim a

própria pessoa. Todavia, na mesma entrevista Tartuce (2016), asseverou que adotar medidas

diferenciadas contribuem para efetividade da prestação jurisdicional, ou seja, em um só

pensamento, foi sopesado prismas positivos e negativos do mesmo instituto.

Desta feita, mesmo que o Art. 139 Inc. IV do CPC, atribua poderes ao Magistrado, que

deverá agir de forma abrangente, dentro de suas atribuições, não significa dizer que tais

poderes sejam ilimitados, visto que, o próprio diploma legal em seu Art. 1º alude limitações,

nestes termos vide:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os

valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República

Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Nesse contexto, em que pese a autonomia do Juiz, e os poderes a ele concedidos, estão

limitados aos valores e as normas fundamentais da Constituição federal de 1988, da mesma

forma o Art. 8º do CPC:

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às

exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa

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humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a

publicidade e a eficiência.

Portanto, o instituto previsto no Art. 139, Inc. IV, está diretamente ligado ao contexto

aqui exposto, ou seja, jamais, os ditames do Processo Civil poderá se construir em desacordo

com os preceitos e garantias fundamentais inerentes a dignidade das pessoas.

Contudo, é preciso que se entenda o que de fato fere a dignidade da pessoa humana,

pois veja, a Constituição Federal de 1988, visa garantir o mínimo existencial para cada

cidadão brasileiro, para que se preserve a dignidade da pessoa humana. Neste sentido, será

que a Constituição determina que cada um cidadão possua um carro para se locomover?

Obvio que não, o transporte público existe para atender a população. Possuir cartões de

créditos internacionais preserva a dignidade de alguém? ou lhe retira o exercício da

dignidade? é obrigatório que se possua passaporte e que seja viabilizado a possibilidade de

viagens internacionais para todos? Com certeza não.

Tal princípio serviu de tese para reformar a sentença proferida pela juíza em sede de

recurso, entretanto, não se preservou a dignidade do credor, pois este não recebeu as verbas a

que tinha direito, sendo assim, não se pode considerar que o seu direito foi preservado,

tampouco lhe fora conferido que esta positivado no CPC em vários dispositivos, que é “a

satisfação do direito do exequente.”

Com efeito, é cristalino que aos executados, o direito à liberdade e a dignidade, estão

mantidos, contudo, sem poder viajar para o exterior, sem usar um carro, e muito menos cartão

de credito, fatos que nem de perto ferem a dignidade da pessoa humana, visto que a maioria

das pessoas não possuem tais regalias.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, podemos aduzir que havendo o devido

processo legal, garantindo-se a ampla defesa e o contraditório, é possível restringir direitos

fundamentais, tanto na esfera cível, quanto na penal e na tributária, deste modo, não se

configura violação de direitos.

Por óbvio que a preservação da dignidade da pessoa humana, como regra geral, deve

ser respeitada, porém jamais usada de tal modo a provocar uma inversão de valores, que torna

inefetivo o processo, além de competir para o descrédito do Poder Judiciário, no que se refere

à sua finalidade, qual seja, a garantia da justiça e da pacificação social, dessa forma, se faz

necessário que os operadores do direito saiam dessa bolha que os envolvem, e que se faça

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uma avaliação antropológica e sociológica, para que se vislumbre o que de fato preserva tal

dignidade.

A ideia que devemos ter, é de que quando celebramos um negócio jurídico perfeito, e

não adimplimos a obrigação pactuada, este ato acarretará consequências a parte que

inadimpliu, pois aquele que deve, obrigatoriamente tem o dever de pagar. Não podemos

olvidar que o direito brasileiro tem previsão do instituto da fraude contra credores, que se

configura, diante da transferência de bens do devedor para o nome de terceiros, ou ainda, do

fato de que o devedor use o nome de terceiras pessoas, em seus negócios e patrimônio,

visando desta forma burlar a lei, e continuar usufruindo de seu patrimônio, permanecendo

inadimplente, mesmo diante da possibilidade de aplicação de outras medidas pelo Magistrado,

medidas estas que tem o condão de desarticular a visível má fé, daqueles que se recusam a

adimplir os seus débitos.

Portanto, tomando como base a existência de um número exorbitante de demandas

judiciais nesse sentido, e que existe uma ferramenta judicial, capaz de produzir seus efeitos de

forma mais célere, avaliando o caso concreto e aplicando sanções especificas e inerentes as

qualidades e possibilidades dos devedores, é óbvio que deve ser aplicada para garantir a

prestação jurisdicional efetiva.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, o art. 139, IV do NCPC, adentra-se no campo jurídico,

descortinado discussões entre os operadores do direito, que expuseram seus entendimentos

diversos sobre as consequências dos resultados de tais medidas. Vale ressaltar, que por conta

da morosidade do judiciário, atrelado a decisões estapafúrdias, que levam em consideração

princípios fundamentais que contemplam uma minoria privilegiada, incentiva o não

cumprimento das obrigações pactuadas, exemplo claro disso é a quantidade demandas nesse

sentido, e altos índices de inadimplência no Brasil.

Nesse contexto, percebe-se que o legislador quando cria as leis, em tese, está voltado

para as necessidades da sociedade, desta forma, aquele que produz a lei sob a égide da

constituição, pensa e analisa suas diversas possibilidades, justamente para evitar conflitos

entre normas positivadas e os direitos elencados na Carta Magna de 1988.

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Observando art. 5º da Constituição Federal, verifica-se em sua redação, que todos são

iguais perante a lei, obviamente que se trata de uma igualdade formal, pois vivemos em um

país repleto de desigualdades matérias, e, se a lei não for isonômica, e ferir princípios

constitucionais basilares, sofrerá controle de constitucionalidade.

O texto legislativo previu que o Magistrado possui autonomia para aplicação de

medidas atípicas, quando esgotado todas as possibilidades expressas no diploma legal para

viabilizar o devido adimplemento da dívida, e não obtendo êxito, as medidas atípicas devem

ser aplicadas ao caso concreto, pois foram criadas justamente para tornar efetiva a execução.

Com efeito, o bom senso e o respeito aos direitos e garantias fundamentais do devedor

e do credor devem ser respeitados, para que se garanta a aplicação dos institutos elencados no

Código de Processo Civil nos moldes da Constituição, assegurando nesses termos a garantia

do provimento devido ao jurisdicionado e a manutenção da credibilidade do Poder Judiciário,

bem como a harmonia de entendimentos dentre os seus membros, repetimos, para que desta

forma, seja possível a garantia da pacificação social, posto que os mecanismo processuais

disponibilizados no Código de Processo Civil, estão em plena consonância com a

Constituição Federal que garante a isonomia e a igualdade dentre os jurisdicionados.

Uma vez que caberá aos tribunais superiores, uma melhor interpretação sobre o

alcance do art. 139, IV, justamente porque o NCPC traz a previsão basilar de que deverão os

tribunais uniformizar a jurisprudência de forma a garantir estabilidade, integridade e

coerência. Consoante a isso, se vislumbra no art. 926, e a nós, demais operadores do direitos e

expectadores das frustrações das execuções, torcer para que talvez a intervenção de um

amicus curiae, como por exemplo uma entidade do porte da câmara dos dirigentes lojistas,

cujos membros sofrem com a inadimplência e a frustração das execuções, para então levar

subsídios, para sustentar a aplicação das medidas atípicas necessárias ao cumprimento da

ordem judicial, mormente no caso em tela, onde as medidas tomadas pela magistrada,

pensamos não ferir a dignidade da pessoa humana, tampouco restringir-lhe a liberdade de ir e

vir, mas sim, tira-lhe meios de ostentação patrimonial que em nada se confundem com lesão

pessoal, mas sim como intervenção patrimonial.

Por fim, para que fique cristalino, devemos entender que as medidas utilizadas,

servirão para obrigar o insolvente, através de medidas atípicas que de forma indireta atingirão

diretamente seu patrimônio, pois iram inviabilizar a utilização de seus bens, mesmo que

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estejam em nome de terceiros. Esse é o objetivo do instituto, conseguir atingir o patrimônio

desse devedor que se furta a pagar, através de medidas não convencionais.

5. REFERÊNCIAS

CUNICO, Leandro Negri. Limites ao Art. 139, IV do NCPC. Paraná. 2016. Disponível em:

<https://juridicocerto.com/p/advocacia-lmnc/artigos/limites-ao-art-139-iv-do-ncpc-3174>

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Juspodivm, 2017.

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Juspodivm, 2016.

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http://www.ibdfam.org.br/noticias/6096/O+pol%C3%AAmico+inciso+IV+do+artigo+139+do

+CPC+e+suas+difusas+interpreta%C3%A7%C3%B5es>. Acesso em: 19 out. 2017.

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GESTÃO ESCOLAR E PROCESSO EDUCACIONAL

Isabela Chaves da Silva27

Rafaella de Freitas Melgaço28

Cândida Assumpção Castro*

Sandra Christina Ferreira dos Santos**

RESUMO: Este artigo é dedicado a discutir o conceito de gestão escolar e a relação da gestão

com o processo educacional. Foi construído em torno do objetivo de refletir sobre os

desdobramentos no ambiente escolar da gestão para contribuir com as reflexões na mesma

direção. Pretende-se estabelecer um diálogo entre os tópicos sobre conceito de gestão escolar,

sua conexão com o processo educacional e seus desafios dentro do mesmo, visando a gestão

democrática como melhor metodologia para desenvolver este processo. Sendo assim, o

presente artigo, por meio da fenomenologia, fez uso da comparação para observar como se dá

uma gestão democrática e uma gestão autoritária. Para isso, foi feito o estudo de campo em

duas escolas particulares do ensino regular para expor o processo de uma gestão democrática

em construção e seus desafios

PALAVRAS-CHAVE: Gestão escolar; Gestão democrática; Ensino-aprendizagem.

I NT RO D U ÇÃ O

A gestão escolar com eficiência é essencial no desenvolvimento do ensino-

aprendizagem, no entanto, os seus desdobramentos no ambiente escolar precisa ser melhor

integrado entre todos os agentes participantes.

O sistema educacional necessita discutir a gestão em seu ambiente devido a falta de

trabalho para resolver essa dificuldade de integração entre os agentes do processo de ensino-

aprendizagem para que haja reflexão da prática do processo de gestão para o ensino, o que é

certamente essencial para alcançar sua eficiência.

27 Acadêmica de Pós-Graduação/Especialização em Gestão e Docência no Ensino Superior da Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. Graduada em Letras Português/Inglês pela Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. E-mail: [email protected] 28 Acadêmica de Pós-Graduação/Especialização em Gestão e Docência no Ensino Superior da Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. Graduada em Letras Português/Inglês pela Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. E-mail: [email protected] * Mestranda em Linguística Española na Universidad Autónoma de Assución – U.A.A.. Especialista em Metodologia de Ensino de Língua e Literatura Espanhola pela Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. Licenciada em Letras Português/Espanhol pela Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. E-mail: [email protected] ** Doutora em Ciências da Educação pela Universidad Autónoma de Assución – U.A.A.. Mestre em Educação no Ensino Superior e Gestão Universitária pela Universidade da Amazônia. E-mail: [email protected]

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Por esse motivo, a questão problema apresentada neste artigo é sobre a percepção de

dois profissionais acerca do funcionamento da gestão na instituição de ensino que exercem

suas funções, nesse caso ambos são professores, e traçam um paralelo com a gestão

democrática pretendida.

Diante disso, por meio de uma fenomenológica da gestão das escolas, cujo objetivo

geral é relacionar a gestão no processo educacional para a construção do ensino em torno dos

desdobramentos no ambiente escolar da gestão para contribuição com as reflexões na mesma

direção, assim como a reflexão da relação de dois casos antagônicos de modelos de gestões

educacionais e do modelo de gestão democrática pretendida para o ambiente escolar foram os

objetivos específicos pretendidos para auxiliar no processo educacional.

O artigo apresenta um conceito para gestão escolar bem como sua conexão com o

processo educacional e o novo perfil deste gestor. Para finalizá-lo, foram espostos dois

estudos de campo e os desafios da gestão democrática.

1. CONCEITO DE GESTÃO ESCOLAR

Em linhas gerais, gestão escolar é a organização que se dá dentro do ambiente deste

ambiente não só sendo gerada a partir de um gestor, mas sim com a mobilização e atuação de

todas as áreas inseridas na escola para que haja avanço dos processos educacionais.

O conceito de gestão está associado à mobilização de talentos e esforços

coletivamente organizados, à ação construtiva conjunta de seus

componentes, pelo trabalho associado, mediante reciprocidade que cria um

“todo” orientado por uma vontade coletiva. (LÜCK, 2005, p.17)

O termo gestão escolar foi criado para substituir o termo administração escolar, o qual

se limitava a apenas a área administrativa da escola e excluía professores, alunos e a

comunidade do processo de gestão da instituição. Com os movimentos políticos, novas idéias

começaram a ser pensadas para agregarem valores e cultura para toda a comunidade, com isso

foram criadas escolas comunitárias, cooperativas, associativas e também a associação de pais

fazendo com que a escola avançasse e se adaptasse com os contextos de cada comunidade

tento maior autonomia para mudanças.

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A gestão escolar busca orientar para obter resultados, uma liderança que mantenha o

equilíbrio e entendimento entre os funcionários na instituição, manter os valores da escola e

dar ênfase da qualidade curricular. E para Campos e Silva (2009, p. 1866 - 1867):

A dimensão política está associada à participação na gestão e a responsabilidade

individual de cada membro da equipe escolar. O gestor coordena, mobiliza, motiva,

lidera, 1867 delega responsabilidades decorrentes das decisões dos membros da

equipe escolar, presta contas e submete à avaliação do grupo o desenvolvimento das

decisões tomadas coletivamente.

Assim, o trabalho da gestão se estende pra fora da escola e alcança um maior público

desenvolvendo uma visão em comum para o futuro da educação e o papel da escola no corpo

social.

E levando em consideração os dias atuais, a gestão tem um novo desafio, se adaptar as

novas tecnologias e como trabalhar com elas dentro e fora de sala de aula, pois é um mundo

novo e um mundo em que os jovens são atraídos por isso deve adaptar-se a eles para maior

alcance de público para a educação.

2. CONEXÃO DA GESTÃO COM O PROCESSO EDUCACIONAL

Como foi dito no tópico anterior, a gestão não é apenas responsabilidade do diretor ou

da área administrativa da escola porque para gerir um ambiente escolar é preciso que o gestor

saiba como liderar um grande grupo de pessoas e associar a vida e o conhecimento comum de

todos para melhor funcionamento e desempenho dos funcionários para associar à técnicas

pedagógicas para melhorar a educação do local em que a escola estiver inserida.

Para que o processo educacional aconteça de forma democrática e que ajude todos que

estão inseridos nesse universo, é preciso, além de um bom gestor, que a comunidade esteja

envolvida também nesse processo participativo. A ajuda dos pais é de extrema importância

nesse processo e vai muito além de reuniões com os pais ou responsáveis pelos alunos, a

participação deve ser efetiva dentro das escolas e isso deve ocorrer com a ajuda de toda a

instituição, desde o porteiro até os professores e coordenadores.

Com isso, entram em questão os projetos político-pedagógicos – PPP, que é o que

sustenta a escola, suas necessidades e a da comunidade. O projeto deve ser preparado em

conjunto para que haja conhecimento de ambas as partes do que se está planejando para

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melhoria da educação dos alunos, pais e outras escolas da proximidade que também podem

ajudar com a troca de experiências.

Os projetos podem ser trabalhos de forma interdisciplinar e multidisciplinar para que

possa envolver disciplinas ou áreas da escola que são diferentes, mas que podem se

complementar e gerar bons projetos de participação dos alunos, pais e professores. Como por

exemplo, uma ação que envolva a assistente social, professores de biologia, pais e alunos para

que falem sobre gravidez na adolescência, com isso a comunidade se beneficia e há um

aprendizado em conjunto de todos.

No entanto, como sabemos isso não acontece cem por cento na prática, mas é algo a se

mudar e melhorar no Brasil, para que as pessoas estejam mais engajadas com a educação e

que participem da vida escolar de seus filhos para que no futuro isso possa gerar frutos e

acabar com a concepção de falta de democracia.

3. CONCEITO DE GESTÃO

Alguns autores como Libâneo (1999), Gadotti (1993) e José Padilha (1999), afirmam

que o centro da organização e do processo administrativo são as tomadas de decisões. Todas

as demais funções da organização como o planejamento, a estrutura organizacional, a direção,

a avaliação, estão referidas ao processo eficaz de tomada de decisões. Os processos

instrucionais e sistemáticos de se chegar a uma decisão e de fazer a decisão funcionar

caracterizam a ação que denominamos gestão. Em outras palavras, a gestão é a atividade pela

qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os objetivos de organização,

envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnicos administrativos.

Referindo-se ao pensamento sobre o sentido de gestão, logo percebemos que gerenciar

é dirigir algo, então direção é um principio e atributo da gestão, mediante a qual é canalizado

o trabalho conjunto das pessoas, orientando-as e integrando-as no rumo dos objetivos.

Basicamente, a direção põe em ação o processo de tomada de decisões na organização, e

coordena os trabalhos de modo que sejam executados da melhor maneira possível.

Quanto a organização e os processos de gestão, incluindo a direção assumem

diferentes significados conforme a concepção que se tenha dos objetivos da educação em

relação a sociedade e a formação dos alunos.

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Numa concepção democrático-participativa, o processo de tomada de decisões se dá

coletivamente, ela não é centralizada numa pessoa, as decisões não vêm de cima para baixo.

A participação é o principal meio de se assegurar a gestão democrática da escola,

possibilitando o envolvimento de profissionais e da comunidade na organização escolar.

Mediante as decisões numa gestão democrática temos como objetivo de

aprendizagem: o conhecimento da organização escolar, da sua cultura, das suas relações de

poder, seu modo de funcionamento, seus problemas, bem como as formas de gestão e as

competências e procedimentos necessários para participação nas várias instâncias de decisões

da instituição escolar; desenvolvimento de saberes e competências para fazer análises de

contextos de trabalho, identificando e solucionando problemas e reinventar práticas frente a

situações novas ou inesperadas, na sala de aula e na organização escolar; capacitação para

participação no planejamento, organização e gestão da escola especialmente no

desenvolvimento do P.P.P., que requer competência, sensibilidade, ética e compromisso com

a democratização das relações sociais na instituição escolar e fora dela.

Ressalta Carlos Libâneo (2001, p. 78) diz que:

Para que a organizações funcionem e, assim, realizem seus objetivos, requer a

tomada de decisões e a direção o controle dessas decisões. É este o processo que

denominamos de gestão. Utilizamos, pois, a expressão organização e gestão da

escola considerando que esses termos, colocados juntos são mais abrangentes que

administração.

O que percebemos nesta colocação é que uma gestão da escola não pode ser solta tem

que haver uma direção, apesar dos trabalhos e decisões serem decididos coletivamente.

4. O NOVO PERFIL DO GESTOR E PROCESSO EDUCACIONAL

A figura do gestor dentro do ambiente escolar é de suma importância para o

funcionamento harmônico entre os processos existentes nos meios externos e internos que

envolvem a instituição. Sob o mesmo ponto de vista, para traçar o novo perfil do gestor

escolar é necessário enfatizar as atividades de formação que fazem a diferença em seu

currículo, a busca por informações de modo global, além de quebrar paradigmas entre as

funções de administrador e gestor escolar.

“Um processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da

prática educativa mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua

relativa autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de

aprendizado do “jogo” democrático e, conseqüentemente, do repensar das estruturas

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de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas

educativas” (DOURADO apud FERREIRA, 2006, p. 79).

A priori, desconstruiremos a personificação errônea criada entre administradores e

gestores escolar, que por muitas vezes são vistos como uma única figura dentro dos

departamentos de ensino. O administrador tem foco em acompanhar e desenvolver processos

com objetivos pré-estabelecidos por um contratante, esse personagem assume cargos com

desempenho individualista, analisando papeladas, cuidando de casos isolados e sempre com

supervisão superior e desenvolvendo atividades jurídicas e de problemática institucional.

Por sua vez, o gestor escolar assume um papel que se compromete no contexto escolar

como um todo, voltado para todas as ações objetivadas para a organização de projetos,

incentivos e integrando a sociedade e a escola em termos democráticos. Tendo assim uma

visão ampla, alcançando alunos, professores, pais e todo entorno escolar. Esse personagem é

indubitavelmente uma engrenagem indispensável no processo educacional e na busca por

melhores ferramentas que facilitem esse desenvolvimento.

Dentro da escola, o gestor assume papel de liderança mantendo uma comunicação

aberta entre a sociedade e a academia de ensino, esse precisa ter em vista a integração grupal

buscando atrair os pais para próximo da escola, ser flexível com o corpo docente, respeitando

seus limites como seres sensitivos e que são facilmente afetados por mudanças hostis no

ambiente de trabalho.

O diretor da escola, antes de ser um educador comprometido com a formação do

educando, depara-se com situações em que se reduza mero repassador de ordens;

burocrata atado atrás das mesas assinando papéis de pouco significado para a

educação, ”capataz de limpeza e organização” do prédio escolar, sendo obrigados a

cumprir programas educacionais que continuadas vezes não levam em conta o

conhecimento da realidade e as necessidades daquela comunidade escolar. (Hora,

1990, p. 19)

Visto isso, é notável a conveniência de se adaptar a exigência da nova escolar ter um

novo perfil de gestor. Para isso é necessário premência em estimular características visionaria

e utopista a fim de enxergar e respeitar o futuro como ciência, afinal, os modos de ensinar se

tornaram globais e tecnológicos e é preciso moldar as perspectivas de ensino e gestão. Essas

mudanças permitem a aproximação da escola com a sociedade atual, além de facilitar o ensino

aprendizagem.

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O gestor também precisar ser um idealizador. Isso significa trazer transformações

democráticas na sociedade. Sendo a pessoa que comunica a escola com os meios externos, é

de sua responsabilidade torna esse caminho justo e compreendido. Isto é, tornar o aprendizado

escolar uma ligação com a vida além dos muros da escola, demonstrando os meios legais,

morais e éticos de uma vida em sociedade.

Decerto, a busca por conhecimentos específicos torna a jornada de um gestor mais

preparada para desafios, além de propor discursos previas sobre os requisitos exigidos no seu

caráter. As pós-graduações são um bom exemplo disso, nelas o profissional terá suporte para

obter conhecimentos saudáveis e um pré visão de seus futuros obstáculos, todavia, são elas

que lhe permitirá alcançar o suporte necessário para possíveis transtornos.

5. A PRÁTICA NA REALIDADE.

A integração entre gestão escolar e comunidade é a que se estende além das portas da

coordenação, percorre os corredores da escola e alcança alunos, professores e colaboradores

de diferentes áreas que integram o corpo escolar. É a partir desta colocação que entendemos,

ainda que de modo superficial, como se dá a gestão democrática dentro do processo

educacional.

Para maior compreensão, subdividiremos este tópico em subtópicos que irão expor a

visão de cada docente sobre a gestão de cada instituição que tem contato mais direto e

delinear uma comparação com a gestão democrática.

5.1. Caso 01: Instituição X.

A instituição X é uma escola privada que atende aos alunos que cursam o Ensino

Fundamental 2 e o Ensino Médio. Tendo três anos de existência, começou o processo de

implantação da gestão democrática, que está sendo avaliado pelo corpo administrativo, corpo

docente, pais e alunos.

A gestão é dividida entre direção, coordenação geral e coordenadores por áreas de

conhecimentos, onde há dialogo entre todos os participantes, inclusive professores, alunos e

responsáveis para que haja um feedback acerca do funcionamento efetivo do processo.

Um exemplo observado deste período ocorreu durante a criação do novo modelo

avaliativo da escola para os alunos. Este envolveu diversas reuniões da direção,

coordenadores e professores a fim de que todos pudessem opinar sobre o método de aplicação

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e desenvolvimento das provas que seriam aplicadas por áreas de conhecimentos. Logo após a

decisão, foi feita uma reunião com pais e alunos para explicar esse novo processo e assim tirar

dúvidas antes do ano letivo se iniciar.

Depois do primeiro período avaliativo, realizou-se uma reunião e percebeu-se a

necessidade de modificações na forma como se dá as avaliações escolares. Com isso, conclui-

se que a instituição busca um modo de gerir em que todos fazem parte para a construção do

ensino e da aprendizagem dos discentes.

5.2. Caso 02: instituição Y

Foi denominada de instituição Y, uma escola privada, de dez anos de existência, que

atende aos alunos que cursam a Educação Infantil, tanto na modalidade creche como pré-

escola e Ensino Fundamental 1. Neste ano vigente, começou a atender também o Ensino

Fundamental 2.

O esquema da gestão da escola divide-se em direção, coordenação, professores e a

família. Sob o cargo de docente no Ensino Fundamental 2 na escola observada, pôde-se

observar a falta de integração dos participantes do processo de ensino para as tomadas de

decisões, sendo o corpo docente informado junto com os responsáveis, visto que a direção

toma decisões e não as expõe de modo claro ao corpo da escola.

Em razão à demora ou a comunicação com obstáculos durante este processo, o que

corrobora para uma ausência de integração entre as áreas de ensino (Fundamental I e

Fundamental II), o que dificulta a comunicação e, muitas vezes, o próprio processo de ensino

e de aprendizagem porque o entendimento das ações fica lapidado.

Por isso, pode-se ver que a gestão arbitrária, a gestão pouco ou nada participativa dos

agentes, faz com os objetivos que a escola preconiza se percam no meio do caminho porque

espera-se que haja uma comunicação, relação, inter-relação entre todos para que o ensino e a

aprendizagem possam ocorrer em um ambiente fluído e alcance seus objetivos.

6. DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA.

Ao longo da vida vivenciamos diversas situações sem marcação de valores

democráticos, a maioria desses fatos será sustentada pelo discurso da jovem e frágil legislação

brasileira. Porém, esses são marcadores esgotados, na atualidade é visada a valorização das

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equidades, e é esse o grande desafio que a gestão democrática enfrenta nos âmbitos escolares

e em sua transcendência.

O principal instrumento da administração participativa é o planejamento

participativo, que pressupõe uma deliberada construção do futuro, do qual os

diferentes segmentos de uma instituição, cada um com sua ótica, seus valores e seus

anseios, que, com poder de decisão, estabelecerão uma política, que deve estar em

permanente debate, reflexão, problematização, estudo, aplicação, avaliação e

reformulação, em função das próprias mudanças sociais e institucionais. (Hora,

1994, p. 51)

A divisão de setores sociais proporciona pensar em diferentes ocasiões que

exemplificam a falta de democracia e a dificuldade para desenvolvê-la. O primeiro e grande

setor que conhecemos é a família, nele teremos nosso primeiro contato e discursos sociais, e é

exatamente neste setor que encontramos as prévias que dificultam o desenvolvimento

democrático honrado.

Em determinadas famílias, as restrições religiosas ou condutas passadas por ancestrais

denota preconceitos e patriarcalismo. Esse meio familiar acaba se tornando o exemplo mais

forte dentro do desenvolvimento de caráter da criança, assim, mais tarde crescerá moldando

uma sociedade que diminui a mulher e cria preconceitos diante do novo, podendo também

não respeitar o espaço social do outro.

Ilustrando esse exemplo, podemos supor uma família com pensamentos racistas que

cria e repassa para suas crianças a mesma conduta, no passar dos anos, ao alcançar a maior

idade e se tornar membro efetivo da sociedade, esse indivíduo realizará atitudes que ferem os

direitos de pessoas, se tornando um transgressor social podendo sofrer punições perante a

legislação.

Já na vida adulta, esbarramos com o mercado de trabalho onde transmitimos nossos

valores já estabelecidos. Ao imaginar uma grande multinacional não é difícil selecionar

imagens de homens em cargos altos trajando terno e mulheres de boa aparência como suas

secretárias. Esse é uma experiência cruel de que nossas mentes estão programadas para a

injustiça que separa gênero, cor, idade e nacionalidade.

E é justamente ai que encontramos o desafio da gestão democrática. Como incorporar

democracia no ambiente escolar sendo contrário a sociedade injusta. É pensando nas futuras

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gerações que seguimos insistindo em assuntos interdisciplinares que abordem as mazelas e

tabus sociais, e dando oportunidades para que eles se expressem e se tornem ativos, seres

capares de se impor diante de injustiças e saibam agir de forma a respeitar os direitos do

próximo e cumprir seus direitos como cidadãos.

Pensar na escola como o micro, onde o aluno terá contado com diferentes realidades

trazidas por seus colegas, e assim pode-se extrair experiências e trabalhar a empatia. Desta

forma, a sociedade seria o macro, onde todas essas questões se ampliariam em meios com

maior ativação política e moral. O aluno, assim, mostraria melhor desempenho em lidar com

situações não democráticas, podendo buscar resoluções justa no contexto social.

Reorganizar o sujeito do ponto de vista da gestão democrática é sim um grande

desafio, no entanto o senso de transformação que rege o perfil de novo gestor mostra a

capacidade de contrapor esse estímulo com propostas pedagógicas que supram a necessidade

de transformação social e encaixe esse aluno na sociedade com plena consciência de seus

deverem e respeitando o espaço dos outros em sua volta.

REFERÊNCIAS

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<http://www.administradores.com.br/artigos/academico/educacao-e-gestao-escolar/52865/>.

Acessado em 16 de agosto de 2017.

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COMPETÊNCIAS: UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONCEITO DE

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http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2736_1234.pdf>. Acessado em

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GARBIN, Tereza Garbin; ALMEIDA, Janaina. GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA

PÚBLICA: LIMITES E POSSIBILIDADES. Disponível em:

<http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_tereza_garbi

n.pdf >. Acessado em 16 de agosto de 2017.

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RESENHAS

TEXTO “TORCATO, Breve História da proibição das Drogas no Brasil. Revistainter-

legere. Natal, n.15, 2014. P.138-162”

Verônica Albuquerque29

Wando Dias Miranda30

Roberto Magno Reis Netto 31

Resumo: Resenha do artigo TORCATO, Breve História da proibição das Drogas no Brasil.

Revistainter-legere. Natal, n.15, 2014. P.138-162. O artigo, tem como tema central o

movimento proibicionista instaurado no Brasil ainda no período absolutista. O movimento

teve fases fundamentais para entendermos a proibição das substâncias psicoativas, a primeira

fase chamada de proibicionismo moderno caracterizado pelos fatores terapêutica e culturais, a

fase de transição foi marcada pelo uso dos sintéticos que antes eram farmacopéia clássica, e a

fase do proibicionismo contemporâneo que se destacou pela dor como influenciador do uso

das substâncias, surgimento do tráfico e de organizações criminosas no desenvolvimento do

mesmo. Suas consequências trouxeram transformações na sociedade que refletem nos dias

atuais, políticas públicas influenciadas pelo modelo norte-americano trouxe para o Brasil

politicas positivas como a lei dos genéricos, mas deixou consequências desastrosas o que nos

faz reavaliar o movimento proibicionista, como o caso do tráfico de drogas.

Palavras chaves: Proibição, Drogas, Políticas públicas.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta resenha tem como objetivo analisar as questões abordadas por TORCATO, 2014. Em

seu artigo sobre a história da proibição das drogas no Brasil. Destacando os fatores que

levaram a necessidade de movimentos proibicionista no controle do uso de substâncias

psicoativas como o ópio, a Cannabis e a coca e seus derivados e as consequências que o

movimento trouxe para a sociedade bem como as políticas públicas e suas ações.

2 IDEIAS CENTRAIS DA OBRA

O proibicionismo foi a implementação de políticas cujo o objetivo era controlar o uso

do ópio, Cannabis, coca e seus derivados, com finalidades terapêuticas, já que as outras

29 Graduada em Engenharia Sanitária e Meio Ambiente pela UFPA. Consultora. Graduanda em Direito pela

ESMAC. Pós-Graduanda em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento. 30 Doutorando pelo NAEA/UFPA. Mestre em Ciência Política. Especialista em Segurança Pública. Graduado em

Ciência Política. Professor e Pesquisador. 31 Mestre em Segurança Pública, junto ao Instituto de Filosofia e Direitos Humanos da Universidade Federal do

Pará (IFCH/UFPA). Especialização em Atividade em Inteligência pela Escola Superior Madre Celeste (2016).

Oficial de Justiça Avaliador do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Brasil.

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drogas como cafeína, álcool destilado, açúcar e tabaco não sofreram intervenção. As políticas

aconteceram internacionalmente, no Brasil o proibicionismo segundo TORCATO, teve como

referência o modelo norte-americano, embora as características locais fossem muito diferentes

da realidade americana.

Em um primeiro momento a política adotada para o controle das substâncias deu um

resultado esperado. Nessa época o Brasil estava sobe o totalitarismo de Vargas o que

antecipou a inclusão da maconha como substancias proibida, devido as leis e sua rigidez

quanto ao movimento, criando assim a Comissão nacional de Fiscalização de Entorpecentes

(CNFE).

Para TORCATO, a proibição das drogas está diretamente ligada ao movimento

proibicionista brasileiro, o que mostra a necessidade de reavaliar o movimento no Brasil. Ao

analisarmos a cidade do Rio de Janeiro como referencial, entende-se que era a elite que

controlava a política de proibição, uns defendiam o uso terapêutico medicinal e outros a

psiquiatria. A classe criticava o governo por não tomar medidas para sanar o alcoolismo e as

toxicomanias, acreditavam que era por motivos políticos e interesses privados dos grandes

produtores de agua ardente.

As políticas públicas de abstinência tiveram um grande contraste a nível nacional e

internacional, comparado aos Estados Unidos o Brasil não teve suas expectativas alcançadas,

a cultura do brasileiro de consumir a cachaça fez esse grande diferencial, mas é bom ressaltar

que esse fator cultural não torna a política do movimento no Brasil inerte ou ineficiente, trata-

se de realidade e culturas diferentes.

Foi em 14 de julho do ano de 1914 que estabeleceu a primeira lei de toxico no Brasil,

a lei n. 4.294, que se preocupou em seus primeiros artigos regular o uso de substancias

psicoativas com finalidade medica, sendo este uso o único legitimo. Enquanto que nos demais

artigos a finalidade foi regularizar o consumo alcoólico nos espaços públicos.

O movimento teve grande apoio com o cinema, as produções eram focadas em temas

que retrata o assunto do vício e do consumo das substancias como algo grave, afim de

impactar a sociedade. O filme que mais caracterizou a política proibicionista foi o Sonho do

ópio em 1914, foi produzido fora do Brasil e trazido para a sociedade brasileira como

referência. Contudo, classificou-se a primeira fase do movimento, o proibicionismo moderno,

que teve como base principal o limite da terapêutica e a autonomia das pessoas sobre a dor os

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quais tiveram como protagonista o éter, utilizado como anestésico. Seu uso teve influência

nos intercâmbios e testes médicos que existiam entre Brasil e Europa no sec. XIX, sem deixar

de esclarecer que nos tradados entre os países as plantas brasileiras eram as substancias em

destaque. As pesquisas estavam crescendo, queriam entender o comportamento de cada

indivíduo acometido pelas doenças, o que não trazia resultados favoráveis, pois os sintomas

não eram tratados causando dor e sofrimento.

Os conflitos e questionamentos a partir da microbiologia fez com que a medicação

(remédios) fosse cada vez mais necessária, porém o ceticismo terapêutico cresceu, as pessoas

precisavam de mais segurança nos combates a doença, pois mesmo sem acreditar na classe

medica e os tratamentos com a farmacopeia clássica, os indivíduos continuavam a sentir dor.

Somente na metade do sec. XIX surge a aspirina, uma opiáceo que não cura, mas que tem

ação analgésica trazendo mais dignidade por meio do controle da dor.

A cocaína, utilizada como anestésico nas práticas simples de odontologia e

oftalmologia, foi a substancia mais atraída pela elite social com finalidade recreativa. Os

derivados dessa substancias foram usados como anestésico local, o caso da xilocaína é um dos

mais conhecido. Portanto, mesmo com as transformações conceituais e suas aplicações o uso

médico continua sendo o único legitimo para substancias entorpecentes.

Houve na história da proibição das drogas no Brasil um período de transição que foi

marcado pela mudança no regime do movimento proibicionista, com o fim da segunda guerra

surge novos interesses políticos. A farmacopéia que vigora até o momento denominada por

TORCATO de farmacopéia clássica, se manteve por muitas décadas, mesmo com a falta de

confiança na relação entre a sociedade e a classe médica.

A automedicação era de grande interesse das empresas, o principal fornecedor do

Cannabis era a Alemanha, produto essencial nas farmácias, porém o comércio se estendia

para o ópio e a cocaína, essas relações comerciais sofreram fortes crises com o pós-guerra

onde a Alemanha fica sem condições de prover as necessidades brasileiras, fortalecendo assim

o Projeto Kabay que teve como objetivo tornar o Brasil um grande produtor de dormideira,

extraindo os princípios ativos do ópio.

Logo os Estados Unidos interviram na situação comercial da substância e da

farmacopéia clássica, substituindo-os pelos sintéticos americanos, disseminando a ideia de

que eram melhores que os naturais. Vale ressaltar que essas substâncias favoreceram as

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empresas e seus focos financeiros, mas a sociedade foi a que mais sofreu com as

consequências.

A segunda fase, denominada de proibicionismo contemporâneo, nasce com as

transformações na farmacopéia clássica e pratica terapêutica. Os hospitais passaram a ser os

centros de atendimentos especializados dando vez a novas técnicas que aprimoravam cada vez

mais o uso de substâncias com finalidade médica, a especialidade de anestesiologista é um

marco na segunda fase do movimento proibicionista, como ponto positivo trouxe também

mais confiança nas relações médico-leigo, a qual já havia sido muito deturpada pela falta de

credibilidade.

Os sintéticos juntamente com os antibióticos foram os avanços inquestionáveis

ocorridos na história da proibição das drogas no Brasil. Técnicas avançadas e especialidades

se consolidaram nessa fase, os opiáceos foram cada vez mais regulados devido ao uso no

exercício da medicina. Com o crescimento da produção dos sintéticos e antibióticos, obteve-

se a decadência dos fármacos na farmacopeia clássica, muitos foram sendo substituídos, a

cocaína por exemplo deu lugar às anfetaminas, o ópio e seus derivados só poderiam ser

usados como analgésicos. Outros aspectos comparativos entre o proibicionismo moderno e

contemporâneo foi o comércio ilegal e os grupos criminosos que tinham seu desenvolvimento

e ações de forma muito lenta no proibicionismo moderno, enquanto que no proibicionismo

contemporâneo o comércio ilegal e os grupos criminosos se desenvolvem de forma acentuada,

impacto negativo que acarretou consequências drásticas até os dias atuais.

O uso continuo da maconha nos grandes centros urbanos na segunda metade do século

XX mostrou a necessidade de se repensar a política proibicionista. A maconha foi trazida para

o Brasil pelos escravos juntos as suas tradições, apreciados pelos indígenas tornando-se

popular em todo o país. Não era somente a maconha que preocupava, uma vez que as

substâncias da farmacopéia sintética causavam dependências, e mais fortes que a clássica.

Fatores de ordem social, econômica e ética, devem ser levadas em consideração como

uma questão política e de interesse privado, pois muitas empresas com interesses visando o

lucro estavam à frente da fabricação desses produtos sem mensurar os impactos negativos

para com a sociedade. Tudo isso favoreceu o crescimento do mercado ilícitos de drogas. Nas

décadas de 60 e 70, criaram várias leis com o objetivo de adequar a situação do país quanto ao

movimento proibicionista, dentre elas, a Lei 6.360 obrigando as tarjas (vermelha e preta); Lei

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6.368 que igualava penalmente traficantes e usuários quanto ao crime de tráfico de

entorpecentes, ambos promulgada em 21 de outubro de 1976. Extinguiu-se a CNFE e

implantou o conselho federal de entorpecentes (CFE).

Em 1980 ocorre uma mudança no comportamento da fiscalização da segurança

pública, agora o inimigo já não era o jovem branco da classe média e sim o pobre negro e

favelado, isso devido ao jogo político de redemocratização que tinha como foco preservar a

estrutura da segurança Pública do Estado. Isto é, dados da década de 80 mostra o genocídio da

população jovem e negra em escala elevada, essa mesma tática é usada no combate até hoje

ao narcotráfico.

A comissão interamericana para controle do abuso de drogas, foi elaborada no Brasil,

na cidade do Rio de Janeiro em 1986, quando sediou a conferência especializada em tráfico

de entorpecentes, servindo de referencial para a ONU. Os compromissos internacionais

tornaram possíveis levantamentos sobre o consumo e assistência pública na sociedade

brasileira. Já em 1990 a promulgação da Lei n. 8.072 Lei de Crimes Hediondos, enquadrando

o tráfico de drogas na nova tipologia penal, trazendo consequências graves para o sistema

penal brasileiro, ou seja, colocou o Brasil no 3º lugar como maior população carcerária do

mundo. Contudo, mais encarcerados, maiores o custo no setor prisional, que devido aos

baixos investimentos e a superlotação desencadeou uma violência nunca vista em torno do

condenado, famílias afetadas e o fortalecimento do crime organizado foi considerado por

TORCATO quase um colapso do sistema.

A política proibicionista contemporânea tem como foco principal o uso e controle dos

entorpecentes, no entanto é fator preponderante à reavaliação da política, uma vez que

continua a crescer o poder do tráfico de drogas, a corrupção policial e o genocídio da

população pobre e negra.

O proibicionismo, como é o caso da Lei de drogas é o responsável pela superlotação

dos presídios, abarrotamento do sistema penal do país. A proibição que têm mais cunho

político e econômico do que social, não explica por que não há nenhum registro fármaco que

justifique ou a proibição de uma droga e outras não. A cachaça em um determinado ponto de

vista é mais perigosa que a maconha, inclusive referente à saúde, mas é a maconha que está

proibida.

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A proibição faz que o valor das substâncias no mercado ilícito seja cada vez maior, e

os traficantes que visam ao lucro e outros visionários em diversos momentos da história no

Brasil, adulterem os produtos com componentes químicos que deixam mais prejudiciais à

saúde, ou seja, já que o processo de alteração não passa por vigilância o envenenamento é

quase o resultado final no organismo humano. Portanto, a política pública que têm por função

proteger e assegurar o indivíduo é responsável por seu envenenamento.

Contudo, fica o questionamento, por que a política do movimento proibicionista ainda

está vigente? Várias foram as tentativas de liberar algumas substâncias, porém alguns

movimentos e grupos religiosos foram de contra essa possibilidade, sabendo que é o

congresso nacional quem decide sobre a aceitação ou não das propostas deliberativas, é

socialmente trágico, o fato de que uma sociedade que já sofreu e ainda sofre com as

consequências do movimento proibicionista brasileiro, não consiga mudar a realidade na qual

a população pobre é a mais afetada, sendo utilizada como mão de obra pelo tráfico. Esta

política vem valorizando interesse de meia dúzia de empresários da indústria de entorpecentes

que têm seus lucros cada vez maiores, o crime organizado cada vez mais solidificado e as

famílias cada vez mais destruídas e o ser humano já não sabe a quem recorrer pelos seus

direitos amparados pelos princípios constitucionais.

REFERÊNCIAS

TORCATO, Breve História da proibição das Drogas no Brasil. Revistainter-legere. Natal,

n.15, 2014. P.138-162.