revista arte brasileiro
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ESPECIAL BERLIM
ARTE! ...2
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Aps a iniciativa da edio do EspecialARTE!Brasileiros
BrasilFrana, recebemos inmeras manifestaes de
aprovao, sugestes para ajustes e mudanas, o que
nos leva a pensar que h sim um espao para se acercar
mais, discutir e apreciar a arte no Brasil e no mundo.Queremos fazer da ARTE!Brasileiros um espao para
acompanhar uma expresso do ser humano que sem-
pre foi controvertida. Artistas morreram de fome, cor-
taram suas orelhas e, muitos deles, foram incensados
anos depois, transformando-se em cones de museus e
galerias. Outros, que tiveram sucesso de mercado, fo-
ram ou so execrados pela crtica. Alguns conseguem
sobreviver ao tempo.
Por qu? O que faz com que a arte provoque reaes
to viscerais?
A ARTE! no mensurvel. No h na arte a imediata
possibilidade de medir se isto ou aquilo legal. Lindoou feio. Se vale, e quanto.
ARTE!Brasileiros vai mergulhar no que acontece no
mundo das artes, trazendo bimestralmente a experin-
cia de renomados colaboradores e especialistas, que
refletem sobre esses aspectos, para podermos, conhe-
cer mais. Para termos acesso informao mais rica e
apurada. Para sermos menos pobres.
Foram nossos colaboradores nesta edio, Tereza de
Arrudacuradora e crtica de arte, mestre pela Universi-
dade Livre de Berlim. Participa do cenrio internacional
da arte, colaborou com projetos na Galeria Vermelho
(SP), Galerie DNA (Berlim), TactileBosch (Cardiff), ChinaBlue Gallery (Pequim) e foi curadora das exposies
China: Construo/Desconstruoe O convvio social
aos olhos de Tatsumi Orimoto. Fabio Magalhes, mu-
selogo e crtico de arte, ex-diretor da Pinacoteca do
Estado de So Paulo e do Masp. Integra os conselhos
da Fundao Padre Anchieta e da Fundao Bienal de So
Paulo, entre outros, e membro da Associao Brasileira
de Crticos de Arte (ABCA) e do Icomus/Unesco. Marco
Aurlio Jafet formado em administrao pela FGV de
So Paulo, com ttulo de M.F.A. (Master in Fine Arts)
pela Columbia University, de Nova York. Sonia Guarita
do Amaral, museloga, participa do Comit de Ao
Cultural e Educao do Conselho Internacional de Mu-
seus Icom/Unesco.Tuca Vieira, fotgrafo profissional
desde 1991. Fez parte da equipe de fotografia do jornal
Folha de S. Paulode 2002 a 2009. Formou-se em letras
pela USP. Atualmente mora em Berlim.
Patricia Rousseaux
A Revista Mensal de Reportagens
BRASILEIROS EDITORA LTDA.
Diretor Responsvel Hlio Campos Mello [email protected]
Diretora de Planejamento Patrcia Rousseaux [email protected]
Gerente Administrativa Eliane Massae Yamaguishi [email protected]
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Assinaturas e Parcerias Mario Jos da Silva [email protected]
Estagirio Edson Lopes da SilvaCopeira Irani Estrela Dantas
Diretor Responsvel Hlio Campos MelloDiretora de Planejamento Patrcia Rousseaux
Editora Leonor AmaranteCoordenadora editorial Cndida Del Tedesco
Reprter Helena WolfensonRevisor Srgio Limolli
Produtora Fotogrfica Magali GiglioFotgrafa Luiza Sigulem
Chefe de Arte Marcos Magno
Rua Mourato Coelho, 798 8andar - Pinheiros05417-001 So Paulo SP
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Cdigo ISSN 1981-559XTiragem: 30.000 exemplares
A revista Brasileiros uma publicao da Brasileiros Editora Ltda.
ARTE!
Sonia Guarita do Amaral
Marco Aurlio Jafet
Tereza de Arruda
Fabio Magalhes
Tuca Vieira
Foto:Arquivopessoal
Foto:Arquivopessoal
Foto:M.
Coil
Foto:Arquivopessoal
Foto:Arquivopessoal
A CAPAA arte pode estar mais perto do que imaginamos. Quem anda no metr paulistano, ao
chegar estao Sumar, introduzido no universo de Alex Flemming, o artista convidado
para criar a capa desta edio. Com ele iniciamos o projeto: O ARTISTA FAZ A CAPA, em
que a cada nmero um artista, desde que seja possvel, ser convidado para cri-la. P.R.
Auditado pela BDO
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o incio dos anos 1980, Berlim Ocidental ainda estava dividida pelo Muro e era
o local preferido de quem acreditava que a vida uma festa. Era uma cidade
nica no planeta, uma espcie de Paris dos anos 1950, Califrnia dos anos
1960 e Nova York dos 1970. Tudo isso misturado com o agito permanente de
alemes e estrangeiros que foram para l com a fantasia de concretizar toda
loucura que lhes passasse pela cabea. Hoje a realidade outra. A cidade ainda mantm
um certo charme do passado, mas com a Queda do Muro, em 4 de novembro de 1989, seu
lado alternativo, louco, radical est restrito a alguns bairros, como o Mitte e Kreuzberg. No
entanto, Berlim se agigantou e tornou-se a melhor vitrine das ousadias arquitetnicas dos
ltimos dez anos.
Alex Flemming, brasileiro de descendncia alem de quinta gerao, um dos exemplos bem
acabados de artistas que chegaram l pelo canto da sereia. Mesmo antes de existir um
circuito de arte pulsante e profissional como o atual, ele j apostara suas fichas, construindo
uma trajetria singular. Assim como ele, a brasileira Tereza de Arruda se fixou em Berlim h
mais de 20 anos. Apaixonada pela cidade, ela nos leva a caminhar pelo circuito das artes
hoje superefervescente que, alm de manter dezenas de galerias, ainda possui uma bienal
que a cada ano se firma mais e mais e uma feira de arte que j referncia internacional.
Nas artes plsticas, o Brasil e a Alemanha mantm dilogo constante praticamente desde
a criao da Bienal de So Paulo, em 1951. Sonia Guarita do Amaral comenta a coleo de
obras alems que enriquecem o acervo de alguns museus brasileiros.
Dividindo as atenes com os 20 anos da Queda do Muro de Berlim, o incndio (ainda no
bem explicado) que destruiu trabalhos de Hlio Oiticica tambm ocupa nossas pginas.
Calorosos debates de Norte a Sul do Brasil discutem como o Pas deveria cuidar das obras
de arte de artistas j mortos e fundamentais para sua histria. Ainda em choque, o circuito
de arte internacional comenta o assunto e espera um final respeitoso, convincente e digno
de um dos brilhantes artistas que este pas j teve.
QUEDA DO MURO DE BERLIM20 ANOSpor Leonor Amarante
Foto:ArquivoTherryNoir
N
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AGENDA DESTAQUES
Escritrio Central
da Bienal de Cuenca
De 22 de outubro
a 4 de dezembro
Calle Bolvar 12-60 y Juan Montalvo
Telefone: 593 72 831 778
www.bienaldecuenca.org
So Paulo
De 27 de novembro
a 22 de dezembro
De tera a sex ta, das 10 s 19
horas. Sbado das 11 s 17 horas.
Domingos e segundas, fechado
ao pblico.
Galeria VermelhoRua Minas Gerais, 350 - So Paulo
Telefone: (011) 3138-1527
www. galeriavermelho.com.br
at4dez
at22dez
at6dez
Bienal de Cuenca
A Bienal de Cuenca chega sua
dcima edio levando arte para 15
locais diferentes da pequena cidade
histrica equatoriana, considerada
Patrimnio da Humanidade. Com61 artistas vindos de 15 pases, a
Bienal teve como curador o cubano
Jos Manuel Noceda, um dos
integrantes da Bienal de Havana.
Essa exposio, que uma das raras
a ainda atribuir prmios, teve como
jurado Kevin Power, da Inglater ra;
Julie Herzberg , dos EUA; Leonor
Amarante, do Brasil; Cristobn
Hernandez e Maria Carmen Mendoza,
do Equador. Os artistas vencedores
deste ano, com US$ 20 mil cada
um, foram: Magdalena Fernandez,
da Colmbia; Saidel Brito, de Cuba/
Equador e o coletivo argentino de
fotgrafos Sub.
Sexo, Morangos e Videotape
O Pao das Artes e o Museu da
Imagem e do Som, dois espaos
paulistanos, dividem as atenes
com as obras pouco convencionais
da sua Pipilotti Rist. O primeiro
exibeA Liber ty Statue for London
(Uma Esttua da Liberdade
para Londres), pea criada em
2005, e adaptada pela artista
especialmente para o museu.
Enquanto o Pao mostra dez
trabalhos que do uma panormica
do universo de Pipilotti.
So Paulo
At 6 de dezembro
De tera a sexta, das 11h30 s 19
horas. Sbado, domingo e f eriado das
12h30 s 17h30 horas
Pao das Artes
Avenida da Universidade, 1 - Cidade
UniversitriaTelefone: (011) 3814-4832
MIS - Museu da Imagem e do Som
De tera a sbado, das 12 s 19 horas
Domingo das 11 s 18 horas
Av. Europa, 158 - Jd. Europa
Telefone: (011) 2117-4777
Free Beer
A Galeria Vermelho realiza
a primeira exposio individualno Brasil, do coletivo dinamarqus
Superflex que polemizou
a 27aBienal de So Paulo,
no ano passado. Com a mostra
Free Beer (www.freebeer.org),
os artistas Bjrnstjerne Reuter
Christiansen (1969), Jakob Fenger
(1968) e Rasmus Nielsen (1969)
utilizam a frmula clssica de uma
cerveja que aparece impressa no
rtulo do produto, para que qualquer
pessoa possa produzi-la, agregandoelementos distintos receita
original e criando a sua.
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So Paulo
At 20 de dezembro
De tera a domingo, das 10 s 21 horas
Museu de Arte Moderna
Parque do Ibirapuera - Porto 3
at29nov
at20dez
at28fev Da Estrutura ao Tempo
Depois do incndio na Fundao Hlio Oit icica,
no Rio de Janeiro, as exposies do artistachamam a ateno. Afinal, isso quer dizer
que so trabalhos que esto nas mos de
colecionadores, portanto no disponveis ao
pblico o tempo todo. Organizada muito antes
da catstrofe, a mostr a rene trabalhos de
Oiticica no Instituto de Ar te Contempornea
(ICA), que comemora seu terceiro ano no
Maria Antonia. Entre as 18 obras selecionadas
pelo curador Cau Alves, os des taques so
os 14 metaesquemas produzidos por Oiticica
no incio de sua carreira. Esses trabalhos
so emblemticos da pesquisa de uma novaestrutura espacial desenvolvida por ele.
Bienal do Mercosul
Com a curadoria geral da crtica
argentina Victoria Noorthoorn e do
artista chileno Camilo Yez, a stimaedio da Bienal do Mercosul, de Por to
Alegre, traz como tema Grito e Escuta,
com o qual pretende refletir a cr ise do
modelo Bienal, por meio das obras de
100 artistas, sendo que 60% foram feit as
especialmente para esta edio.
Tendo ainda como curadore s adjuntos
os artis tas Roberto Jacoby (Argentina),
Laura Lima (Brasil) e Artur Lescher
(Brasil), Mario Navarro (Chile) e
cocuradora do progr ama Rdio Bienal
a poeta brasileira Lenora de Barros,
a edio deste ano inverte os papis:
em alguns projetos, os artistas ocupam
o lugar dos curadores. Para conferir essa
radicalizao.
Porto Alegre
De 16 de outubro
a 29 de novembro
De tera a domingo, das 9 as 21 horas
Armazns do Cais do Porto
Av. Mau, 1.050
(entrada A3 e A4) - Centro
Santander Cultural
Rua Sete de Setembro, 1.028 - Centro
Museu de Artes do Rio Grande do Sul
(MARGS)
Praa da Alfndega, s/n - Centro
So Paulo
De 8 de novembro
at 28 de fevereiro de 2010
De tera a sbado das 10 s 18 horas
Domingo das 12 s 17 horas
Entrada gratuita
IAC Instituto de Ar te Contempornea
Endereo: R. Maria Antonia, 242Telefone: (11) 3255-2009
www.iacbrasil.org.br
Divulgao
Para Estrangeiro Participar
Ao completar 40 anos, o Panorama
da Arte Brasileiraque uma das mais
importantes exposies nacionais,
sob a curadoria de Adriano Pedrosa,radicalizou. Sob o ttulo Mamyguara
op mam pup,a edio deste
ano exibe obras de 30 artistas
estrangeiros.
Pedrosa optou por exibir artistas
de fora do Pas, cujas obras so
influenciadas pela cultura e art e
brasileiras em lugar de fazer um
novo mapeamento da produo de
artistas nacionais. O recorte gerou
estranhamento, mas funcionou.
Fotos:Divulgao
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DESTAQUES POLMICA
ESTADO DE ALERTAO INCNDIO DO ACERVO DE OITICICA PRODUZ EFEITOS ALTURA DE SUA OBRA:A TOMADA DE CONSCINCIA COLETIVA DE QUE O PATRIMNIO ARTSTICO NO
PODE SER TRATADO COMO MATRIA SUPRFLUA NA AGENDA POLT ICA
A PERDA IRREPARVELde parte significativa do acervo
de Hlio Oiticica que se encontrava sob a tutela da famlia
do artista no Rio de Janeiro, preservada sob condies
inadequadas de armazenamento e com seu acesso pbli-
co limitado, revela uma problemtica mais ampla, comum
a toda a Amrica Latina e ao Caribe: o descaso pelo valor
histrico e patrimonial da arte e da sua potncia crtica.
O alcance de tal problemtica ultrapassa o terreno espe-
cfico da arte e diz respeito fragilidade do exerccio da
vida pensante no Continente. Se esta fragilidade tem sua
origem na prpria histria colonial do Pas, ela se agrava
com a brutal interrupo que a vida pensante sofreu por
parte do terrorismo de Estado que tomou conta da regio
nos anos 1960-70 (o que inclui as ditaduras, mas no se
reduz a elas). Como acontece com todo trauma coletivo
deste porte, seus efeitos txicos perduram mesmo aps a
redemocratizao: a fora disruptiva da arte s comea a
recuperar flego nos anos 1990.
Com esta retomada, surge um interesse crescente por
acervos, arquivos e fundos documentais relativos pro-
duo artstica daqueles anos no Continente. No entanto,
so vrios os tipos de fora que se manifestam e se con-
frontam neste interesse. Por um lado, uma nova gerao
de artistas, investigadores e curadores latino-americanos
que se reconecta com esse passado, ressignificando-o e
ressignificando sua prpria prtica, face aos problemas
que se colocam na atualidade. Por outro lado, o siste-
ma da arte que canoniza tais acervos e arquivos e lhes
atribui prestgio e legitimidade internacional, os destitui
totalmente de sua potncia potico-poltica. Ou seja, no
momento em que a memria sensvel de tal potncia ape-
nas comea a despertar e antes mesmo que o que estava
nela incubado tenha voltado a germinar, ela novamente
esterilizada, mas agora com o requinte perverso e sedutor
do capitalismo cultural, que opera de forma muito mais
sutil do que os procedimentos grosseiros e explcitos da
violncia do Estado que imperou anteriormente em nos-
sos pases. Ao invs de ser interrompido, o exerccio da
TE XTOSUELY ROLNIKem nome da Rede Conceitualismos do Sul
A Rede Conceitualismos do Sul/Conceptualismos del Sur, atualmente
com 46 membros, uma plataforma de trabalho, pensamento e posicio-
namento coletivo, formada no final de 2007 por pesquisadores e artistas
de vrios pases da Amrica Latina. http://conceptual.inexistente.net
Fotos:Reproduo
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potncia criadora passa, ao contrrio, a ser incentivado e
celebrado, mas para ser drenado para o mercado.
Neste contexto, os testemunhos materiais de tais prticas
convertem-se numa espcie de butim de uma guerra cog-
nitiva, amplamente disputado por museus, colecionadores
privados e instituies corporativas que participam do ca-
pitalismo global de bens imateriais e suas formas atuais de
produo de valor. Um novo captulo da histria no to
ps-colonial quanto gostaramos. Participam deste pro-
cesso herdeiros de art istas que custodiam as obras e seus
direitos; alguns deles no tm aproximao alguma com a
arte, a no ser sua relao pessoal com o artista, frequente-
mente marcada por uma ambivalncia que eles transferem
para a obra, o que se agrava pelo uso que fazem da mesma
para fins narcsicos de pertencimento, poder econmico e
ascenso social. Esses dois fatores reunidos os levam a
agir nesta disputa de modo arbitrrio, grosseiro, cruel e ir-
responsvel, dificultando o acesso pblico ao acervo.
O desaparecimento de um componente nevrlgico desse
patrimnio da arte contempornea, que a obra artstica
e terica de Hlio Oiticica constitui incontestavelmente,
requer uma resposta precisa e conjunta dos pases da
Amrica Lat ina e do Caribe, que no pode mais ser adiada
impunemente. preciso reconhecer que os Ministrios da
Cultura de diversos pases do Continente tm se empenha-
do nos ltimos anos em iniciativas relativas ao patrimnio,
inclusive imaterial; no entanto, ainda no se inseriram em
tais dinmicas os arquivos de arte. O incndio do acervo
de Oiticica produz efeitos altura de sua obra: a tomada
de conscincia coletiva de que o patrimnio artstico no
UM DOS MAIS CONHECIDOS TRABALHOS DE OITICICA, TROPICLIA, TORNOU-SE UMA ESPCIE DEBANDEIRA DA VIDA LIBERTRIA. ACIMA GLASS BLIDE, EM HOMENAGEM A MONDRIAN, 1965.
E UM DE SEUS COLORIDOS PENETRVEIS
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DESTAQUES POLMICA
pode ser tratado como matria suprflua na agenda pol-
tica. A conservao e a dinamizao crtica desse tipo de
patrimnio no devem, porm, entender-se exclusivamen-
te como obrigaes estatais; imprime-se a necessidade
de fortalecer instncias dialgicas e cooperativas tanto
em nvel nacional (entre a comunidade artstica, as ins-
tituies estatais vinculadas arte e a sociedade civil),
quanto em nvel internacional (entre iniciativas de mesma
natureza nos diferentes pases do Continente). Uma coo-
perao que se deve estender a instituies internacio-
nais interessadas em articular polticas que contribuam
para descolonizar o trnsito dos patrimnios materiais e
imateriais, por um lado, e para reinventar os regimes glo-
bais de propriedade intelectual, por outro.
Intervenes incisivas neste estado de coisas teriam entre
suas prioridades os seguintes objetivos:
Incentivar e apoiar a investigao, o mapeamento, a di-
vulgao e a preservao dos acervos e fundos docu-
mentais existentes (enfatizando que estas so atividades
polticas e no meramente acadmicas, tcnicas e/ou
profissionais).
Pensar metodologias especficas de preservao e aces-
so para o tipo de prticas artsticas aqui focadas, as
quais, com diferentes meios e poticas, vm se fazen-
do desde os anos 1960. Tais prticas no se reduzem
ao objeto, mas envolvem a experincia como condio
de sua realizao, o que implica que elas no possam
ser alcanadas apenas por meio dos objetos utilizados
em suas aes e/ou dos documentos que restaram das
mesmas: faz-se necessrio inventar dispositivos de re-
ativao e registro da memria das sensaes que tais
prticas propiciaram, bem como do contexto cultural
onde tiveram suas condies de possibilidade. Esta
deveria ser uma preocupao no restauro do acervo de
Hlio Oiticica danificado pelo incndio.
Estudar as condies polticas, jurdicas e culturais
para um projeto de lei baseado na corresponsabilidade
do Estado e da sociedade civil, que permita comparti-
lhar o cuidado e a tomada de decises acerca da aqui-
sio, preservao e disponibilizao pblica e gratuita
AO LADO HLIO OITICICA DURANTE APERFORMANCE MITOS E VADIOSQUE
REUNIU ARTISTAS QUE FICARAM FORA DA
BIENAL DE SO PAULO DE 1978. ABAIXO,
UMA DE SUAS EXPOSIES COM OSBLIDESCRIADOS ENTRE 1963 E 1969
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dos acervos. Isto inclui o estudo de mecanismos de
gesto e financiamento.
Estudar as condies polticas, jurdicas e culturais para
um projeto de lei que regulamente o trnsito e a comer-
cializao de documentos, obras, registros e pesquisas,
sobretudo para fora de seu pas de origem, o que inclui
a delimitao dos direitos dos herdeiros. fato not-
rio que muitos dos acervos e fundos documentais mais
relevantes da arte latino-americana tm sido vendidos
nos ltimos anos para museus e fundaes estrangeiras,
sem que se tenham antes estabelecido critrios para
avaliar a pertinncia de sua sada do pas de origem.
Esta lamentvel situao resulta da ausncia de condi-
es institucionais adequadas para a manuteno dos
acervos nos respectivos pases.
Estudar uma poltica de gesto de museus e seus res-
pectivos acervos que responda aos problemas aqui evo-
cados, integrada ao esforo de enfrentamento do atual es-
tado de coisas no campo mais amplo da arte e da cultura.
Fomentar a digitalizao dos arquivos de arte como
estratgia para impedir a perda dos documentos por
deteriorao ou por acidentes inesperados e facilitar
sua acessibilidade.
Estes seriam apenas gestos iniciais na formao de uma
outra atitude relativa aos arquivos de arte. Gestos, po-
rm, indispensveis se quisermos reverter os processos
que resultam na neutralizao das prticas artsticas e,at mesmo, no desaparecimento concreto e irreversvel
de seus rastros, tal como o que lamentavelmente acaba-
mos de viver no Brasil.
HLIO OIT ICICA NUM RARO MOMENTO DE DESCONTRAO EM SEU ATELI. ACIMA E AO LADO,
OS FAMOSOS PARANGOLSQUE ERAM NADA MENOS DO QUE ARTE PARA VEST IR E SAIR.NOCENTRO, UM DE SEUS RELEVOSDA DCADA DE 1960, ESCULTURAS QUE FAZEM PARTE DOMOVIMENTO NEOCONCRETISTA, DO QUAL ELE FOI UM DOS FUNDADORES
CONCEPTUALISMOS DEL SUR/SULorganizaco: Cristina Freire e Ana Longoni
O livro resssalta que as dcadasde 1960 e 70 tm sido revisitadaspela histria e pela crtica de artecontempornea
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DESTAQUELEILO
O MERCADO QUE ENSINAA EXPOSIO PAPIS EM DESTAQUEEXPLICA COMO O DESENHO DEIXOUDE SER A BASE PARA O TRABALHO COM LEO E PASSOU A TER VIDA PRPRIA
TE XTOMARCO AURLIO JAFET
EM 24 DE OUTUBRO,a Bolsa de Arte do Rio de Janei-
ro, sob a idealizao e organizao de Thiago Gomide,
levou a leilo 223 lotes entre arte contempornea,
fotografias, mveis e objetos de designers famosos e
tambm street art, dos quais mais de 78% foram ven-
didos. A arte contempornea colaborou com 83,68%
desse total, seguida pelos 14,18% dos itens de de-
sign e 2,14% da street art.
No total, foram movimentados quase R$ 4 milhes naque-la tarde de sbado, por uma plateia acima de 40 anos,
diversificada em estilos e que lotava as 220 cadeiras. Es-
tavam l: Vnia Toledo, Edgar de Souza, Roberto Muylaert,
Luisa Strina, Ricardo Boechat, Joo Pedrosa, Charl Wha-
tely, Arnaldo Jabor, entre tantos outros de igual brilho.
Cabe ressaltar que dentro de cada categoria de arte con-
tempornea foram arrematados 82,27%; design, 81,25%;
street art, 78,48% de seus respectivos totais.
O tom pitoresco ficou por conta de obras retratando o pre-sidente Lula, que causaram constrangimento ao leiloeiro,
mas arrancaram gargalhadas da plateia quando a pergunta
soou no salo: Quanto me d por Lulinha paz e amor?.
Ficou difcil cobrir o preo de base na frente da plateia.
Os destaques foram as obras: Reversal Black Marilyn, da
srie Pictures of Diamond Dust, de Vick Muniz, que foi ar-
rematada por R$ 161 mil; Metros 1, de Cildo Meireles,
vendido por R$ 140 mil; e as duas obras no arrematadas
de Janaina Tschpe, cujo trabalho tem sido bem cotado
Foto:Reproduo
em Nova York. O pblico que superlotou a sala de leilo
tambm ocupou as cadeiras do lado de fora, que at po-
deria ser uma rea para os minguados fumantes presen-
tes. No mais, gua mineral e cafezinho vontade. Sinal
dos tempos.
A COLABORAOentre a Galeria Millan e a Bolsa de Arte
do Rio de Janeiro, nas figuras de seus representantes Andr
Millan e Thiago Gomide, rendeu no s uma excepcional
oportunidade para a compra de trabalhos dos mais reno-mados artistas plsticos contemporneos de vanguarda,
quanto uma soma considervel para o beneficiado.
Com mais de 65% das obras vendidas, somando um total
de quase R$ 300 mil, foram a leilo em 5 de outubro, na
sala de leiles da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, em So
Paulo, obras doadas pelos prprios artistas representa-
dos pelas galerias: Forte Vilaa, Luciana Brito, Luisa Stri-
na, Vermelho e Millan. Participaram tambm os artistas
Bob Wolfenson, Carlito Carvalhosa e Lenora de Barros.
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ARTE CONTEMPORNEA SOB MARTELOEM OUTUBRO, OBRAS FUNDAMENTAIS DE ARTISTAS BRASILEIROS FORAM A LEILOEM DOIS EVENTOS QUE MOVIMENTARAM O CIRCUITO DE ARTE DE SO PAULO
F o t o s : D i v u l g a o
A FUNO EDUCATIVAdo Estado que, no caso das artes
visuais, exercida por museus, centros culturais e afins,
tem sido um instrumento poderoso como ferramenta
de comunicao utilizada por agentes do mercado para
atrair a mdia, visitantes e novos compradores e alavan-
car vendas, ao mesmo tempo que ensina, esclarece eilustra seus clientes.
As galerias de arte, que atuam no mercado secundrio nas
revendas sucessivas de obras de arte, perceberam que no
basta mostrar as obras venda em um cubo branco.
necessrio contextualiz-los, mostrar sua importncia, sin-
gularidades e semelhanas, falar dos aspectos tcnicos e
histricos que envolvem o artista sua obra e seu tempo.
A educao tem sido a palavra de ordem para o sculo
XXI, na esperana de um Brasil melhor e a iniciativa priva-da tem visto na educao de seu prprio pblico uma boa
estratgia de marketing, cujos benefcios vo muito alm
da alavancagem de vendas, trazendo o prestgio ao perfil
corporativo da empresa. Um bom exemplo o da Galeria
Pinakotheke do carioca Max Perlingeiro, que tem produzido
exposies dignas de museu, com visitas monitoradas de
escolas da rede pblica e viagens para vrias capitais.
Com esse mesmo esprito, a Dan Galeria abre, de 5 de
novembro a 12 de dezembro, a exposio Papis em
Destaque, com texto de apresentao de Maria Alice
Milliet que nos explica como o desenho deixou de ser a
base para o trabalho com leo e passou a ter vida pr-
pria como produto final da criao de um artista, e nos
avisa que se pode adquirir uma tela em vez de um bom
desenho. So 19 artistas com produo no sculo XX emuito desenhos, todos venda. como se fssemos ao
museu e levssemos a obra mais apreciada para casa.
Divirta-se!
DESTAQUE MERCADO
Yolanda Mohalyi,
Vila com casas
Lasar Segall, Natureza morta com xcara de caf, 1914
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ARTE BERLIM
Paisagem de uma Berlim ainda dividida,tendo o Muro como vlvula de escape para asdemocrticas manifestaes artsticas
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AVENTURAS E DESVENTURASPS-GUERRA FRIA
TE XTOTEREZA DE ARRUDA
EM 9 DE NOVEMBRO DE 1989 S 20H30, HEINZ SCHFER, OFICIALSUPERIOR DAS TROPAS DE FRONTEIRAS, D A ORDEM: ABRAM!DEIXEM PASSAR!. A DECISO NO FOI SUA E SIM DE SUPERIORES DO
GOVERNO DA AT ENTO REPBLICA DEMOCRTICA ALEM
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A PARTIR DE 1961, O MURO DE BERLIM PASSOUDO MUNDO CONTEMPORNEO COM SEUS
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17Porto de Brandemburgo, obra de Alex Flemming
A SER UMA DAS MAIS BIZARRAS FRONTEIRAS167,8 QUILMETROS DE EXTENSO
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Foto:Arquivo
TherryNoir
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EM 9 DE NOVEMBRO DE 1989, s 20h30, Heinz
Schfer, oficial superior das tropas de fronteiras, d
a ordem: Abram! Deixem passar!. A deciso no foi
sua e sim de superiores do governo da at ento Re-
pblica Democrtica Alem. Estes, impossibilitados
por inmeros fatores de manter o regime poltico em
vigor, declaram a abertura do Muro de Berlim e con-
sequentemente a liberdade de trnsito to cobiada
desde 13 de agosto de 1961, quando houve sua de-
marcao e construo da primeira gerao.
Enquanto o lado oriental era resguardado por um efi-
caz aparelho de segurana, sua superf cie ocidental
passou a ser ut ilizada como uma das maiores gale-
rias de arte a cu aberto. Inmeros artistas re siden-
tes em Berlim, como Therr y Noir, seguidos por outros
de renome internacional, como Keit h Haring, tinham
em 1986 o Muro como um espao pblico para rea-
lizao de pinturas em site specifice de carter ef-
mero, pois qualquer cidado poderia se apropriar da
mesma superfcie.Vinte anos depois nos deparamos com um pas reu-
nificado e reformulado. Berlim testemunho vivo
desse processo e passou a ser principal protagonis-
ta aps sua nomeao como capital da Repblica
Federativa Alem em 1990, status esse j vivencia-
do pela cidade em perodos anteriores. O Muro de
Berlim deixou mais uma cicatriz encravada na cida-
de, como tantas outras conquistadas, no percurso
de sua vivncia poltica e histrica.
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INMEROS ARTISTAS RESIDENTES EM BERLIM, COMO THERRY NOIR, SEGUIDOS POR OUTROS DERENOME INTERNACIONAL, COMO KEITH HARING, EM 1986, TINHAM O MURO COMO UM ESPAO
PBLICO PARA REALIZAO DE PINTURAS EM SITE SPECIFIC E DE CARTER EFMERO, POISQUALQUER CIDADO PODERIA SE APROPRIAR DA MESMA SUPERFCIE
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A mdia celebrou a queda do muro e a consequente
reunificao do pas como uma conquista pacifista,
uma batalha sem armas. Surge a partir da uma gran-
de metamorfose no mbito poltico, econmico, so-cial e cultural. Este ltimo fator passa a ser determi-
nante da formatao do per fil da nova capital alem.
A cultura passa a alinhavar fragmentos de uma ex-
metrpole esfacelada e desgastada aparentando ain-
da vestgios da Segunda Guerra Mundial e da Guerra
Fria em vigor at f inal da dcada de 1980.
O corao revolucionrio de Berlim deixa de pulsar no
legendrio bairro de Kreuzberg para desvendar novos
caminhos no lado oriental da cidade, iniciando pelo
bairro de Mitte. Mitte era tido como o antigo bairro
habitado por judeus. Dos 40 mil judeus residentes
em Mitte antes da Segunda Guerra Mundial, somen-
te uma centena sobreviveu ao genocdio. As bombas
destruram grande parte do bairro e por fim a cria-
o do Muro de Berlim isolou essa parte da cidade
tornando as relaes sociais e econmicas inviveis.
Esse territrio passou a ser dominado pela Unio So-
vitica, incluindo a valorizada parte histrica do bair-
ro, como a Alexanderplatz e demais avenidas largas
destinadas a passeatas propagandistas.
O cinza homogneo do inverno berlinense foi rebatido
por uma avalanche de pessoas a desbravar este terr i-
trio incgnito, e em princpio terra de ningum, at
que os inmeros processos de restituio de posse
fossem esclarecidos. Surge a um dos centros cultu-
rais mais pulsantes da atualidade e consequentemen-
te uma das reas de maior especulao imobiliria.
A Auguststrasse passa a ser palco do novo mecanis-mo cultural local. Em junho de 1992 acontece pelo
perodo de uma semana a mostra 37 Espaos in-
tervenes em 37 locais inusitados ao longo da Au-
guststrasse. Pela primeira vez, a caravana internacio-
nal presente em Kassel por ocasio da Documentase
dirige a uma Berlim libertada e espera do desbra-
vamento. A ocupao de Mitte acontece encabeada
por muitos aventureiros e alguns visionrios. Nesta
segunda categoria se inclui o curador alemo Klaus
Biesenbach, que alugou na poca o prdio de uma
extinta fbrica de margarina transformando-a no cen-
tro cultural Kunst-Werk, do qual ainda conselheiro.
Alm disso, foi recentemente nomeado diretor do P.S.1 de Nova York, aps trabalhar desde 1996 como
curador chefe do departamento de novas mdias no
Museum of Modern Art. Klaus Biesenbach criou uma
importante veia institucional em Berlim fundando ain-
da, a partir de 1998, a Bienal Berlim com sede no
Kunst-Werk.
No mbito comercial surgem as primeiras galerias tam-
bm no ano de 1992 na Auguststrasse. Um dos pionei-
ros Gerd Harry Lybke, fundador da Eigen-Art, com um
vasto programa de artistas provenientes da Alemanha
Oriental e mais especificamente de Leipzig, onde fun-
dou sua primeira galeria clandestina em 1983.
A abertura do Muro desencadeou um novo fenmeno,
que soterrou em partes uma cena artstica reconhe-
cida e atuante internacionalmente para dar lugar a
uma nova tendncia vinda e criada do Leste Europeu.
A queda do muro teve um efeito domin com con-
sequncias marcantes e tentculos que se estendem
at a China contempornea. Na cena das artes pls-
ticas em mbito berlinense vivenciamos plenamente
o fim de tendncias como as estabelecidas por gru-
pos artsticos, a citar os Neue Wilden cedendo lugar
para a Leipziger Schule. A competio est declarada:
Oriente contra Ocidente! A fraternidade que pairava
o ar no final de 1989 d lugar a uma nova batalha
existencial.
Nesse meio tempo tambm foi criada a feira de arte ber-
linense Art Forum, cuja 14aedio encerrou suas portasem 2009 contabilizando a presena de 40 mil colecio-
nadores nacionais e internacionais. Klaus Wowereit, pre-
feito de Berlim desde 2002, declarou: Berlim pobre,
porm sexy. Sua capacidade de seduo atrai pessoas
de todo o mundo. Em seu histrico prussiano no h
uma tradio de colecionismo, porm Berlim atual um
dos maioresthink tankda atualidade. As condies de
trabalho fazem com que renomados artistas internacio-
nais, como Taceta Dean, Olafur Eliasson, Mona Hatoum,
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O BAIRRO DO MITTE SE REVELA, NO FINAL DE 1989, REPLETO DE RUELAS E COMPLEXOS
HABITACIONAIS SEMIABANDONADOS EM CONDIES PRECRIAS
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Monica Bonvicini, se instalem nesta cidade. Reconhe-
cidos artistas brasileiros tambm trocaram os trpicos
pela sobriedade europeia, a citar Alex Flemming, Cris-
tina Canale e Carla Guagliardi. Surge aqui um laborat-rio dinmico explorado por curadores, crticos de arte
internacionais e colecionadores, que se infiltram nesse
patch work singular no contexto nacional comparvel
vivncia cultural local da dcada de 1920. Naquela
poca, movimentos como o Dadasmo, ou escolas como
a Bauhaus, atraram um imenso potencial internacional
para o territrio alemo.
A cidade contabiliza hoje a exis tncia de 450 galerias
de arte pulverizadas em vrios bairros, sempre visua-
lizando que quantidade no necessariamente sm-
bolo de qualidade! Os programas e per fis das galerias
oscilam entre jovens artistas, artistas de carreira m-
dia e artistas renomados. Houve tambm a criaode Produzenten Galerien (galerias produtoras), cria-
das e subvencionadas por jovens artistas em incio de
carreira, coordenadas por um gerente nomeado pelos
prprios artistas. A destacar Liga, Amerika, Rekord e
Diskurs. Algumas delas superaram essa fase inicial e
fazem parte do poolde galerias comerciais atuantes
na cidade como a Galeria Christian Ehrentraut, ex-
fundador da Liga sempre apoiado por Gerd Lybke.
Os museus locais no possuem um oramento ade-
O BAIRRO MITTE TEM UM CORRESPONDENTE NO LADO OCIDENTAL,QUE KREUZBERG. EM AMBOS ESTO OS ATELIS COMUNITRIOS, OSARTISTAS, OS TURCOS, OS ESTUDANTES E A MASSA CRTICA DA CIDADE
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quado para seu gerenciamento trivial, aquisio de
novas obras e manuteno de acervo. Por isso, plei-
teiam o apoio da iniciativa privada, assim como da
vasta rede de galerias locais e colecionadores priva-dos por intermdio dos quais adquirem regularmente
emprstimos para as mostras aqui apresentadas.
A produo local era, at o incio da crise financeira
mundial, h um ano, concorrida por colecionadores
sedentos, que arrematavam nos atelis obras recm-
acabadas. Surgem a representantes de colees
privadas, algumas das quais com endereo fixo em
Berlim e abertas ao pblico em geral em concorridas
datas preestabelecidas. Uma das pioneiras a Cole-
o Hoffmann, que apresenta uma seleo de obras
reunidas nos ltimos 30 anos em sua Penthouse no
bairro de Mitte, cujo prdio foi const rudo e concebido
com subsdios pblicos contendo a clusula de torn-la, em contrapartida, aberta ao pblico em geral aos
sbados. Um dos mais recentes e inovadores projetos
nesse sent ido a coleo de Christian Boros, sediada
em um antigo bunkerde 1942, construdo para abri-
gar at 2 mil pessoas nos bombardeios dos ltimos
anos da Segunda Guerra Mundial. Aps passar por
uma reforma muito bem-elaborada, essa construo
sem dvida um dos locais mais seguros do mundo
para armazenar obras de arte.
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Art:H nove meses como novo diretor da Galeria Na-cional, o senhor dirige seis museus em Berlim: a NovaGaleria Nacional, a Antiga Galeria Nacional, o Museude Arte Contempornea Hamburger Bahnhof, o MuseuBerggruen, a Coleo Scharf-Gerstenberg e a Friedri-chswerdersche Kirche. Onde exatamente teve incio seutrabalho?Udo Kittelmann: No se deve colocar a carroa na
frente dos bois. Mas eu me propus a obter clarezasobre certas estruturas, criando uma base para o
meu trabalho no futuro. Exposies especiais, por
exemplo, no esto dentro dos objetivos prioritrios
do museu. Seria bem mais importante iniciar uma de-
sacelerao. De fato, trata-se de evidenciar mais in-
tensamente as instituies como locais de colees.
Portanto, eu iniciei meu trabalho dando enfoque s
colees, analisando e selecionando o acervo. Como
primeiro resultado, apresentamos de uma forma nova
a coleo da estao ferroviria de Hamburgo sob o
AS IMAGENS NO MENTEMO MUNDO EDITORIAL ALEMO TO RICO QUANTO SUA ARTE. UMA DAS REVISTAS MAIS CONCEITUADASDA ATUALIDADE, AART - MAGAZINABRIU ESPAO PARA O HOMEM DO MOMENTO: UDO KITTELMANN,
CURADOR APAIXONADO, DINMICO E NETWORKERCOM AMPLA REDE DE CONTATOS, AMANTE OBSTINADODAS ARTES, DIRETOR DA ANTIGA GALERIA NACIONAL E DA NOVA GALERIA NACIONAL. NESTA ENTREVISTA REVISTAART, KITTELMANN CONTA QUAIS SO SEUS OBJETIVOS EM BERLIM, COMO LIDA COM A CRISEE O QUE REVELAM AS PESQUISAS FEITAS NOS DEPSITOS DOS MUSEUS
Ute Thon, Kito Nedo, entrevista publicada naArt -Magazin, edio outubro 2009 www.art-magazin.de
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ENDEREO EMBLEMTICO DA ARTE CONTEMPORNEA, A NEUE GALERIE FUNCIONA COM O APOIO DASOCIEDADE AMIGOS DO MUSEU, SEM ELA MUITOS PROJETOS NO SERIAM POSSVEIS
slogan: A arte fabulosa!. Tambm nos outros mu-
seus trata-se, antes de mais nada, de medidas de
carter estrutural.
Art:A arte fabulosa! isso no parece um poucoanncio de supermercado?U.K.:Mesmo que em um primeiro momento possa parecer,
penso que o slogan se adqua bem aos dias de hoje. Cada
um de ns se pergunta o que hoje ainda pode ser chamado
de fabuloso. No h como negar, claro, a arte.
Art:A sua primeira grande exposio individual naNova Galeria Nacional ser dedicada ao artista fot-
grafo Thomas Demand. Isso tambm um sinal dessanova postura?U.K.:A Nova Galeria Nacional um cone arquitetni-
co. Quando so ali organizadas exposies, percebe-
se a multiplicidade dos desafios, sobretudo tambm
pelo seu aspecto histrico. A pergunta fundamental
: quais exposies devem ou podem ser mostradas
ali? Em outras palavras, preciso determinar quais
exposies no devem ser mostradas. Ou seja, no
so apropriadas para a Nova Galeria Nacional as ex-
posies que tambm poderiam ser mostradas em
qualquer outro lugar, sobretudo no que diz respeito
ao pavilho superior envidraado.
Art:O que significa Demand para o museu?U.K.:E xaminando-se suas obras mais a fundo, ve-
rifica-se que muitos dos seus trabalhos de imagens
so dedicados a lugares e acontecimentos ocorri-
dos na recente histria alem. Isso foi uma primei-
ra aproximao. Por isso tambm o ttulo, que para
a primeira exposio individual de um artista mais
jovem, sob minha g ide, deve se r programtico:
Galeria Nacional. A exposio ter como priorida-
de uma coleo de trabalhos que tematizam nos sa
mudana social e poltica.
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Art:Durante a fase de reorganizao, foi tambm umaapresentao programtica o entreato de Imi Knoebelno pavilho superior, no qual os vidros das janelas fo-
ram vedados com pinturas parecendo vitrines de lojas?U.K.:Sim. A exibio tambm tinha um ttulo muito sig-
nificativo: Socorro, socorro....
Art: verdade. A construo de Mies van der Rohe pre-cisa de uma profunda reforma.U.K.: Quando se percorre o edifcio, realmente de
chorar. As janelas quebradas so apenas as partes
mais visveis. A construo requer urgentemente que
se inicie um processo de restauro. No entanto, tenho
esperanas de que os recursos necessrios para isso
sejam disponibilizados o mais rpido possvel. Pois,trata-se aqui de uma das mais importantes arquitetu-
ras de museus, comparvel, por exemplo, ao Museu
Guggenheim, de Frank Lloyd Wright em Nova York.
Art: por isso que o senhor v com inveja a Ilha de Mu-seus em Berlim, onde tudo se esmera pela excelncia?U.K.: De forma alguma. Afinal, eu sou responsvel pela
Antiga Galeria Nacional, tambm um edifcio que gra-
as restaurao da Ilha de Museus encontra-se em
excelente situao. Era compreensvel que a Ilha de
Museus por razes histricas tivesse prioridade at o
presente momento.
Art: A arte do sculo XIX, como exibida na Antiga
Galeria Nacional, no tem muito a ver com sua expe-
rincia at ento exercida no Museu de Arte Moderna
(Museum fr Moderne Kunst) em Frankfurt ou na As-
sociao de Arte de Colnia. Como aproximar essas
experincias profissionais? No futuro o senhor gostaria
de interligar mais estreitamente as Galerias Nacionais?
U.K.:Em primeiro lugar estou feliz que nesse outono vaihaver uma exposio, planejada h mais tempo na An-
tiga Galeria Nacional sobre Carl Gustav Carus, um dos
grandes intelectuais universais do sculo XIX. Essas per-
sonalidades da arte sempre me interessaram muito, e
Carus est entre eles. Certamente haver um intercm-
bio mais intenso entre as Galerias Nacionais, entretanto
sou inteiramente contra o mtodo que parece ser hoje
uma tendncia, de contextualizao, que coloca a arte
contempornea em locais com acervos mais antigos.
Sou a favor do procedimento em forma cronolgica. O
Obra do artista austraco Otto Zitko
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UDO KITTELMANN DIRIGE SEIS MUSEUS EM BERLIM: O HAMBURGER BAHNHOF (FOTO ACIMA),A NOVA GALERIA NACIONAL, A ANTIGA GALERIA NACIONAL, O MUSEU BERGGRUEN, A COLEOSCHARF-GERSTENBERG E A FRIEDRICHSWERDERSCHE KIRCHE
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pensamento conjunto de todas as instituies tambm
pode se expressar de outra maneira: ns planejamos
para o prximo ano uma exposio com obras de Hans
Bellmer e Louise Bourgeois. Para essa exposio, o local
mais apropriado certamente seria a Nova Galeria Nacio-nal, porm iremos mostr-la de forma bem deliberada
na coleo Scharf-Gerstenberg em Charlottenburg, que
abriga o grande acervo de obras de Bellmer.
Art:Como curador, qual sua reao diante da crisefinanceira atual?U.K:Eu tento continuar sendo fiel a mim mesmo e per-
sistir nos meus princpios fundamentais. No decorrer
da minha atividade nos ltimos 25 anos houve fre-
quentemente mudanas na situao econmica. No
mudo minhas convices fundamentais sobre a atu-
ao em uma instituio de arte, nem mesmo minha
linha programtica, s porque as condies externas
sofreram mudanas. Com certeza torna-se hoje mais
difcil angariar fundos para a pesquisa. Mas nunca foi
tarefa fcil realizar um programa voltado para a rea,
da forma como eu o imaginava.
Art: Quanto seu oramento para exposies, porexemplo, na Nova Galeria Nacional?
U.K.: Bem limitado. Isso, alis, sempre foi assim. Asinstituies em boa situao financeira so excees.
Em Frankfurt tambm no tive um oramento significa-
tivo para exposies ou aquisies. So cada vez mais
necessrias ideias criativas que possam ser implemen-
tadas. preciso, evidentemente, uma proviso bsica.
Art:Quando se trata de exposies individuais e aqui-sies, a Galeria Nacional e o senhor dependem de um
parceiro forte, como a Associao dos Amigos da Ga-leria Nacional. Uma relao de dependncia tambmno envolve riscos?U.K.:Sem ela muitos projetos no seriam possveis. Na
verdade, so justamente os crculos de amigos do museu
que, com sua parceria, apoiam a autonomia ou indepen-
dncia de museus. Neste sentido, o Crculo de Berlim,
graas ao seu profissionalismo, tem carter exemplar.
Art:H pouco tempo a exposio de Berlim 60 anos 60 obrasprovocou um acalorado debate sobre o tra-tamento dado arte da ex-RDA. Acontece que tambm
a histria da Galeria Nacional uma histria de div iso
e de reunificao. Os seus museus se preocupam sufi-cientemente quanto ao patrimnio do Leste?U.K.:Certamente ainda h muito tempo a ser recupe-
rado. Entretanto, no futuro no se deve prioritariamen-
te dar continuidade politizao da arte, mas avali-la segundo sua riqueza de imagens e sua qualidade
artstica. Assim como ns tambm avaliamos outras
obras de arte de diferentes pocas. Certamente ha-
via artistas extraordinrios na RDA. Isso incontes-
tvel. E os melhores quadros desses artistas tam-
bm deveriam ser incorporados no cnone de outras
obras de arte que se destacam, sem logo estamp-los
como arte da RDA. Afinal, as imagens no mentem.
Art:H na Galeria Nacional acervos relevantes da artedo Leste?U.K.:Claro que sim, por exemplo, de Werner Tbke e
Bernhard Heisig.
Art:Ao fazer a seleo das vrias colees da Galeria
Nacional, o senhor deparou-se com outras surpresas?O senhor tem especial admirao por alguma obra em
particular?U.K.:Uma verdadeira descoberta foi um relevo de pa-
rede de Lee Bontecou. No acreditei quando o vi aqui
no depsito. uma enorme obra pastiche de telas tri-dimensional, concavidades que lembram um casulo
duplo um trabalho fantstico! Aqui provavelmente
poucas pessoas conhecem a artista americana. Em
Nova York nos anos de 1960 ela era considerada uma
estrela pelos crculos artsticos. Ns vamos mostrar
pela primeira vez esse trabalho no Museu de Arte Con-
tempornea por ocasio da nova mostra da coleo.
Isso tambm significa a importncia que tem o traba-
lho em museus junto prpria coleo, no sentido de
que esta pode ser revista e reordenada constantemen-
te sob diferentes perspectivas. Isso uma das maiores
vantagens das colees e museus pblicos. A ateno
deve estar sempre voltada a mudanas internas.
Art:O senhor sofre presses para produzir exposiesde grande sucesso comercial?U.K.:Considero evidente a possibilidade de se mostrar
exposies que so notadas pelo pblico. E natu-
ralmente muito gratificante quando se consegue atrair
centenas de milhares de pessoas com uma exposi-
o. A mostra do MoMA obteve um grande sucesso,
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Udo Kittelmann
Nasceu em Dsse ldorf em 1958, frequentou o curso de tico e exerceua profisso at mudar para a rea artstica, em 1987. Como curador
independente organizou inicialmente exposies no Mnchner Lenba-
chhaus e no Kunstverein Salzburg. No incio dos anos de 1990 dirigiu
o Frum Kunst Rottweil e o Ludwigsburger Kunstverein. A partir de
1994, tornou-se conhecido como diretor do Klnischer Kunstverein.
Na Bienal de Veneza de 2002 foi responsvel pelo pavilho da Ale-
manha, que apresentou uma instalao de Gregor Schneider, ga-
nhador do Leo de Ouro. Em 2002 assumiu a direo do Museu de
Arte Moderna (Museum fr Moderne Kunst) em Frankfurt e provocou
controvrsias com exposies independentes, como Spinnwebzeit.
Die eBay-Vernetzunge Murakami. Em novembro de 2008 sucedeu
Peter-Klaus Schuster na direo da Galeria Nacional de Berlim um
dos mais importantes cargos em museus da Alemanha.
tambm porque era uma excelente exposio. Porm,
uma exposio apenas para ser um blockbuster? Isso
significaria colocar levianamente em risco o potencial
criativo de um museu.
Art:Como o senhor avalia em geral a situao de Ber-lim como cidade da ar te?U.K.:O que chama a ateno so as foras que se
revelam aqui na sua dinmica prpria. No se pode
falar realmente de uma atmosfera de crise. Tambm
no se fala muito sobre dinheiro, mesmo porque a
maioria no tem, portanto no um assunto em dis-cusso. Nos dias de hoje possvel viver relat ivamen-
te bem aqui. H uma grande riqueza visual, em cada
esquina da cidade se v algo diferente, muitas vezes
depara-se com novas situaes e com diferentes pes-
soas. Tambm a mescla de cenrios, como a cena
teatral, a cena cinematogrfica, a cena artstica e a
cena de moda, tudo isso percebo como algo que faz
bem e que estimulante.
Art:O senhor conhecido como grande networker. En-
contra frequentemente velhos conhecidos?
U.K.: Certamente. No faz muito tempo que, noite, em
um bar prximo ao teatro Volksbhne, quase no pude
acreditar no que vi: ali estavam sentadas pessoas que
eu j havia conhecido em Colnia nos meados dos anos
1990, muitos artistas, galeristas e colecionadores. Isso
foi muito prazeroso. Mas, por outro lado, me perguntei de
novo, o que leva as cenas artst icas a se deslocarem tan-
to: em 1995, era o bar Grnes Eck em Colnia, em 2009,
o Bar 3, em Berlim.
A CULTURA PRECISA DE RECURSOS DE PESSOAL E DE RECURSOS FINANCEIROS PARA CORRESPONDER SUA IMPORTNCIA SOCIAL. ELA NECESSITA DE SUBVENES ASSEGURADAS PARA PODER DE FATOCUMPRIR SUA MISSO CULTURAL AFIRMA UDO KITTELMANN, DIRETOR DA ANTIGA GALERIA NACIONAL,FOTO ACIMA
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ARTE BERLIM
CONSCIENTIZAO POR MEIO DA OCUPAO DE ESPAOS PBLICOS DAS DUAS CIDADES
HAMBURGO X BERLIM
PORTIM SOMMER REDATOR-CHEFE DAART-MAGAZIN
Fotos:Reproduo
EM HAMBURGOacontece novamente uma ocupao ile-
gal de espaos desta vez, porm de forma bem simpti-
ca e de carter apoltico. O Gngeviertel, bairro histrico
de Hamburgo, onde durante a noite se instalaram jovens
artistas, est to colorido e tranquilo como a Hafens-trasse h cerca de vinte anos, logo aps uma srie de
conflitos ali ocorridos. E, atualmente, a imprensa est
bem afinada, bem-sucedida, graas ao apoio do folhe-
tim! Tambm a senadora da cultura de Hamburgo logo
tomou partido dos intrusos, que antigamente seriam es-
pantados como moscas sobre o fil. Em todo caso, eles
trabalham em causa prpria: nesse momento em Ham-
burgo est sendo fundada uma agncia de criatividade
que deseja reunir reas temporariamente desocupadas
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O GNGEVIERTEL, BAIRRO HISTRICO DE HAMBURGO TEM SIDO OCUPADO DE FORMA
CRIATIVA POR JOVENS ARTISTAS E MSICOS. TUDO MUITO SIMPLES, COLORIDO E TRANQUILO
e artistas com falta de espao. A noo de que a cul-
tura certamente um fator dependente de localizao,
que artistas precisam de atelis, que a alta cultura
se desenvolve de baixo para cima, chega com bastante
atraso. Hamburgo, Colnia, Dsseldorf, Munique ondequer que seja, tudo se repete: as escolas superiores de
arte formam talentos, que depois migram em bando para
Berlim. As metrpoles de arte de antigamente simples-
mente esqueceram de tomar medidas em tempo. Em
Berlim, assim como em todos os outros lugares do leste
depois da Queda do Muro, so oferecidos automatica-
mente espaos desocupados pela decadncia industrial.
Isto no foi e no mrito da poltica cultural de Berlim.
Ali h tempos a gentrificao expulsa os artistas do
centro e arredores apesar dos recursos em espaos
desocupados serem quase infindveis. Em ltima instn-
cia, o que conta o resultado: a nenhuma outra cidade
a Art dedicou tantos cadernos especiais como a Berlim
nunca tivemos dificuldade de encontrar temas a respei-to. A capital pulsa, a despeito da crise: do novo palcio
para abrigar a Nefertiti ao bar panorama, Berghain Club,
a capital repleta de histrias de arte. E todas as outras
ficam de boca aberta...
Incluso de artistas j!
O Gngeviertel em Hamburgo foi recm-ocupado de for-
ma criativa (acima), a Baumwollspinnerei ( esquerda) e
a rea da fbrica Rotaprint em Berlim-Wedding so espa-
os para artistas que j foram legalizados.
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ARTISTA ALEX FLEMMING
Alex Flemming na sua instalao Sistema Uniplanetrio - In Memorian Galileu Galilei
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O ARTISTA VIAJANTE
ALEX FLEMMING HOJE UM DOS ARTISTAS COM MAIOR TRNSITOINTERNACIONAL NO PANORAMA DAS ARTES BRASILEIRAS.H MUITOS ANOS, DIVIDE O SEU TEMPO ENTRE BERLIM E
SO PAULO, CIDADES ONDE MANTM ATELIS. SUA AGENDAINCLUI AINDA EXPOSIES EM MUSEUS E GALERIAS DE
ARTE DA EUROPA, DOS ESTADOS UNIDOS E MUNDO AFORA
TE XTOFABIO MAGALHES
Fo
to:BerndBorchardt
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AS ANDANAS,tpicas do artista de sucesso na contem-
poraneidade, quase sempre, levam o andarilho a dedicar
um olhar descuidado, superficial ou, at mesmo, aneste-
siado, perante as diferentes realidades por onde transita.
No o caso de Alex Flemming, que tem o hbito de levarsempre consigo um dirio de viagem, no qual anota suas
reflexes sobre os mais diferenciados aspectos dos luga-
res visitados e de seus habitantes. Nos dirios de viagem,
o artista demonstra no apenas sua curiosidade, mas
tambm sua adeso ou seu repdio frente as situaes
vividas. Tudo lhe interessa e tudo anotado sem hierar-
quia, desde aspectos relevantes, como fatos histricos,
at as ocorrncias mais prosaicas, como um anncio im-
presso em um jornal local de algum que solicita compa-nhia para enfrentar a solido do cotidiano. Muitas dessas
anotaes so incorporadas a seus projetos artsticos.
Ao homenagear o telescpio, Flemming joga com me-
tforas e com poticas que tratam do tema da viso,
do olhar, ou seja, de um dos elementos essenciais dalinguagem artstica o saber ver. O telescpio (do grego
teleque quer dizer longe e scopioque quer dizer obser-
var) um instrumento que permite estender a capacida-
de dos olhos humanos, permite observar objetos longn-
quos. Ou seja, olhar longe um dos objetivos do artista,
ir at os limites da conscincia possvel de seu tempo.
A histria registra que, em 1608, Hans Lippershey, fabri-
cante de lentes holands, construiu em Middelburg, pe-
quena cidade dos Pases Baixos, o primeiro telescpio. A
notcia rapidamente chegou ao conhecimento de Galileu
Galilei, que em 1609 apresentou um aparelho feito por
ele mesmo a partir de experimentaes e polimento de
vidro. Nesse mesmo ano, Galileu apontou seu telescpio
para o cu noturno para observar a Lua e foi o primeiro a
usar esse tipo de aparelho para investigao astronmi-
ca. Certamente, por isso, o instrumento ficou conhecido
popularmente como luneta.
Para realizar a instalao na Pinacoteca, Alex reuniu 50
globos escolares que giram sobre toca-discos. Segundo
afirma o prprio artista, o globo simboliza o mundo que
cada um de ns, todos iguais, mas ao mesmo tempo
todos diferentes. Cada um em sua rotao, uns muito
rpidos, outros j quase parando, outros inclusive j pa-rados para sempre. E os toca-discos so uma espcie
de arqueologia do cotidiano, que recupera parte da pa-
rafernlia eltrico-eletrnica com a qual cada um de ns
se cerca na tentativa de ser feliz.
A proposta do artista foi apresentar um conjunto que
contraria as observaes de Galileu, provocando um jogo
instigante de contradies com a histria. Os globos, ou
os planetas de Alex, no giram em torno do Sol, nem
obedecem a nenhuma lgica sistmica, astronmica. Gi-ram em torno de si mesmos, como individualidades, com
rotaes variadas, lentas ou aceleradas. Alguns globos
simplesmente no giram e so meros figurantes entre bai-
larinos. Com essas variantes de rotao e com desempe-
nhos diferenciados para cada globo, Flemming criou umconjunto estimulante e provocador, pelas ilaes e pelas
interferncias de outras lgicas e de outras realidades.
Envereda por novas poticas. Sugere diversas alegorias,
a de individualidade (cada globo girando em torno de si
mesmo) e de sociabilidade (a dinmica dos 50 globos).
Os movimentos silenciosos dos toca-discos e as rela-
es formais entre a esfera e o disco criam situaes de
coreografias visuais que nos seduzem e podem, at mes-
mo, provocar efeitos hipnticos pela constncia e pela
articulao cronomtrica dos conjuntos em movimento.
A utilizao de cones da histria e no apenas da histria
da arte uma atitude recorrente na sua obra. Na instala-
o da Pinacoteca o prprio ttulo chama nossa ateno
para os fatos histricos ocorridos na Itlia no sculo XVI
e reavivam na nossa memria o conflito entre a cincia
e a religio, entre a verdade e o poder. Galileu, para no
contrariar dogmas da Igreja, foi obrigado pelo Tribunal
da Inquisio a retroceder nas suas concluses sobre o
AGORA, ALEX FLEMMING EST DE VOLTA. A PINACOTECA DO ESTADO DE SO PAULO REALIZA
NO ESPAO OCTGONO, A PARTIR DE 14 DE NOVEMBRO, UMA INSTALAO SUA: SISTEMAUNIPLANETRIO IN MEMORIAN GALILEU GALILEI
ARTISTA ALEX FLEMMING
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FLEMMING NO SEU ATELIEM BERLIM, SITUADO NA
SCHOENHAUSER ALLEE, 73.FOTO DE TUCA VIEIRA
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heliocentrismo, sob a ameaa de priso e morte. No h
dvida de que o significado extraordinrio desse conflito
motivou Alex Flemming. Os temas da injustia e da violn-
cia sempre instigaram o artista e esto presentes nas di-
versas fases da sua produo. Talvez, ao dar ttulo a essa
instalao, Flemming tenha pensado na frase de Galileu:
A verdade filha do tempo e no da autoridade.
Antes de iniciar sua carreira, Alex esteve ligado ao cinema,
hoje pouca gente se lembra disso. Realizou sete curtas-
metragens em super-8. Contudo, a experincia cinemato-
grfica incorporou-se ao seu olhar, ao seu modo de abor-
dar os mais variados temas. Na sua primeira exposio,
realizada em 1978, Alex mostrou obras de forte carter
documental eram nove fotogravuras que compunham a
srie Natureza Morta. Esse pequeno conjunto impressiona
pela sua contundncia, pela crueza e pela violncia de
suas imagens, que denunciam o absurdo da tor tura. Cenas
de corpos fragmentados, dentes sendo arrancados por
alicates, o pnis sendo eletrocutado. Na poca, em plena
ditadura militar, a dor escancarada nas gravuras adquiria
grande fora dramtica e provocava nossa conscincia
por retratar situaes que faziam parte da realidade.
Nos projetos seguintes e ao longo de sua vasta e diversifi-
cada carreira, Alex Flemming no perdeu o olhar cinemato-
grfico e documental. Mesmo nas obras em que esse olhar
no prevalente, percebemos seu apreo ao documento,
como quem, por meio dele, procura dar mais veracidade sua potica. Na srieAlturas, os sofs usados e os animais
empalhados so documentos que tentam deter a caminha-
da do tempo ou se preferir so testemunhos que atestam
nossa solido, nossos desejos e frustraes.
A partir da srie Alturas, Flemming passou a acrescen-
tar letras, que inicialmente tinham a funo de escrever o
nome dos retratados e depois passaram a ter novo pro-
tagonismo revelavam e ocultavam conceitos e poticas.
Textos de Haroldo de Campos, de Heinrich Heine eram
gravados na superfcie da tela, mas a disposio das
letras dificultava sua leitura. Os textos seguem uma l-
gica particular a cada srie. Por exemplo, nos mveis
pintados, Alex reuniu textos de anncios de jornais. Nos
retratos realizados para a estao Sumar do metr
paulistano, o artista selecionou um poema para cada
personagem, sempre de autores diferentes, abrangendo
um vasto perodo da poesia brasileira de Jos de An-
chieta a Haroldo de Campos e Torquato Neto.
Tudo que se refere ao corpo fascina o art ista. A juven-
tude e sua beleza, a carnalidade no xtase e na dor,
mesmo as frias ilustraes de anatomia ou os trabalhos
de taxidermia. Eros acompanha toda a obra de Alex
Flemming, revela desejo febril perante um corpo jovem
e decepo perante a escatologia do tempo. A beleza
fsica efmera e a juventude fugaz.
Em 1987 inicia as telasAtletase muitas dessas imagens
foram retomadas em 1989 nos Body-builders. Nas duas
sries h a clara inteno de seduzir, entretanto, nos
Body-builders h seduo e violncia poltica. O corpo
masculino retratado frontalmente, coberto por uma
sunga que revela o volume de seu contedo, o trax
musculoso sobre o qual Alex fundiu pele mapas e geo-
grafias que se referem a conflitos armados, como Bsnia
e Oriente Mdio. As telas respiram erotismo, mas trazem
tambm a presena da morte e suscitam ainda questes
sobre o tempo e a transitoriedade da vida. Na entrevistaa Henrique Luz, o artista afirma: Na srie poltica de
Body-buildersutilizei textos do Antigo Testamento que
pregam a guerra e o extermnio do outro.
Em 1990, eu era diretor do Museu da Arte de So Paulo
e Alex Flemming props realizar uma instalao na es-
cadaria do museu situado na avenida Paulista. O art ista
chamou-a de Tauromaquia Ex-Tourose era composta
de diversas cabeas de touro empalhadas (daquelas
que so exibidas em churrascarias), pintadas de um azul
ALEX FUNDIU PELE MAPAS E GEOGRAFIAS QUE SE REFEREM A CONFLITOS ARMADOS, COMO
BSNIA E ORIENTE MDIO. AS TELAS RESPIRAM EROTISMO, MAS TRAZEM TAMBM A PRESENADA MORTE E SUSCITAM AINDA QUESTES SOBRE O TEMPO E A TRANSITORIEDADE DA VIDA
ARTISTA ALEX FLEMMING
Foto:ArquivopessoalAlexFlemming
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que lembra Yves Klein e dispostas sobre latas de lixo,
e colocadas de ponta-cabea sugerem colunas gregas.
As cabeas foram colocadas ao ar livre ladeando os de-
graus que davam acesso ao museu. Os Ex-Tourosabri-
ram caminho para a instalao O Sacrifcioque foi rea-
lizada, no ano seguinte, na XXI Bienal Internacional de
So Paulo e serviu de rito de iniciao para os inmeros
trabalhos de animais empalhados que se seguiram na
sua obra. Nesta poca, Alex Flemming frequentou o Mu-seu de Histria Natural de So Paulo, que no era aberto
ao pblico, e convenceu os professores e os cientistas a
lhe doarem animais empalhados que seriam incinerados
por j estarem deteriorados ou porque no tinham mais
interesse cientfico. Com esse lixo da cincia montei
minha participao na Bienal, diria mais tarde o artista.
Flemming nunca deu suas costas para a histria, para a
conjuntura social e poltica. Muitas obras tratam explicita-
mente dos conflitos polticos, das ideias e das polmicas
de seu tempo. Pouco depois da ao terrorista s torres
gmeas de Nova York e em pleno perodo de retaliao mi-
litar ao Iraque e Afeganisto, desenvolveu o projeto Flying
Carpet com obras feitas a partir de tapetes persas que
eram recortados para assumirem as formas de silhuetas de
avies de caa ou de bombardeio norte-americanos.
Suas obras esto presentes nos principais museus bra-
sileiros. Nos ltimos anos realizou uma grande exposi-
o com curadoria de Ana Mae Barbosa no CCBB (RJ eSP) e recentemente apresentou no Masp uma belssima
instalao fotogrfica com temas da devoo popular e
do nosso imaginrio religioso.
A instalao de Alex Flemming Sistema Uniplanetrio
In Memorian Galileu Galilei um de seus ltimos traba-
lhos e foi exposto pela primeira vez em 2008, nas runas
da Igreja St. Johannes Evangelist, em Berlim, espao uti-
lizado por art istas e que se situa em lugar privilegiado da
agitada vida artstica e cultural da capital alem.
O ARTISTA AO LADO
DE UMA DAS OBRAS DASRIE BODY-BUILDERS
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O CHAMADO DE BERLIMTE XTOALEX FLEMMING FOTOSTUCA V IEIRA
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A primeira vez que morei em Berlim foi na dcada de 1980,
muito antes da queda do Muro. Alis, para qualquer pessoa
que conhecesse as duas cidades, Berlim Ocidental e BerlimOriental, a queda do Muro em 9 de novembro de 1989 foi
uma total surpresa, de to slido ele parecia. E, diga-se de
passagem, demorou ainda alguns anos para ele realmente de-
saparecer, pois na mente de muitas pessoas ele ainda divide.
Vim para c sem saber muito o porqu, atendendo a um
chamado Berlin ruft (Berlim chama) dentro de alguma
parte de mim: talvez algo carmtico, sei l. Uma parte
ancestral de minha formao alem ou talvez, mais es-
pecificamente, de minha formao luterana. E aqui, nos
anos 1980, era possvel experimentar um laboratrio exis-
tencial como em nenhum outro lugar do planeta: do lado
ocidental uma vida louca, dinmica, frentica, onde tudo
era permitido, desde homossexualismo a ocupaes decasas. Onde noite eu podia ir pera e de repente ver
mulheres bastante idosas, cobertas de joias e at com
tiaras de diamante, e que simplesmente eram princesas
de verdade, o que restava de uma realeza imperial. Do
lado oriental um regime esprio, uma ditadura eficientssi-
ma que de comunista s tinha o nome, pois as benesses
da sociedade no eram para todos, mas somente para
os que pertenciam ao par tido ou para os informantes da
temida Stasi (polcia secreta). Aqui, nestes dois pedaos,
havia o germe das grandes revolues e aqui que se
ARTISTA ALEX FLEMMING
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pode dizer que ruiu o comunismo de Estado la Stalinis-
mus. Tudo era esquizofrnico. No lado oriental no havia
nada o que comprar, tudo era proibido, jornais s os do
partido porm, voc ligava a TV e pegava os programas
do lado ocidental, com todas as informaes possveis.
S no podia falar que estava vendo aqueles programas
(era proibido, imagine s...).
Em vez de falar sobre as galerias e o marketing de arte
em Berlim, prefiro trilhar os caminhos mais seguros das
instituies e dos museus, onde a etapa especulao
ou dvida j tenha sido ultrapassada. Berlim a ci-
dade por excelncia da preservao do que memria
cultural, tanto esttica como puramente histrica. Uma
das grandes questes da histria da arte alem que
aqui muitas vezes se considera o histrico documental
tambm como arte, abrindo o conceito de Zei tgeis t de
uma maneira inusitada. As instituies de arte contem-
pornea mais espetaculares so duas colees privadasabertas ao pblico com hora marcada: a Coleo Boros,
que fica dentro de um bunker no centro de Berlim, e
a Coleo Hoffmann, onde se entra na casa do casal
Hoffmann at em seu quarto de dormir e onde ele toma
caf da manh com os netos, rodeado de Sugimotos,
Rochters ou Pipilotti Rist s.
O grande Museu de Art e Contempornea, sem dvida ne-
nhuma, a imbatvel Hamburger Bahnhof, localizada em
uma antiga estao de tr ens, e que abriga vrias colees
particulares doadas cidade de Berlim, sendo as mais
importantes a Coleo Marx (com o maior Mao Ts Tung
que Andy Warhol pintou) e a Coleo Flick (com muitos
artistas que praticamente nunca vemos no Brasil, como
Jason Rhodes , Franz West e Mar tin Kippernberger).
H tambm o Museu Berlinische Galerie, sempre com expo-
sies pontuais, como agora uma que fala da arte que foi
feita a partir da queda do Muro. O Georg Kolbe Museum,
situado no prprio ateli do artista Georg Kolbe, mais voltado
escultura e aos objetos, que realizou h alguns anos uma
magnfica retrospectiva de um alemo que se refugiou no
Brasil nos anos 1930: Ernesto de Fiori. Na rea do demoli-
do Palcio da Repblica (comunista) foi erigido um grande
galpo que o Temporre Kunsthalle, onde se mostra, por
exemplo, o trabalho de Bettina Pouttschi.
Na Casa das Culturas do Mundo, as exposies so sem-
pre abrangentes e coletivas, como, por exemplo,Arte Bra-
sileira da Coleo Chateaubriandou Ar te Contempornea
da ndia. A Fundao Helmut Newton foi criada para pre-servar o acervo deste grande fotgrafo e expe tambm
obras de pessoas que trabalharam com ele. A Neue Na-
tional Galerie, o belssimo prdio de Mies Van der Rohe,
alm do melhor acervo de sculo XX, traz exposies in-
dividuais que so a consagrao definitiva no Olimpo ger-
mnico: atualmente esto em car taz as fotos feitas sobre
obras descartveis em papel de Thomas Demand. E, last
but not least, h todos os outros 20 museus de arte his-
trica, cuja nova prola o Bode Museum somente com
escultura gtica. Haja sola de sapato...
NA PGINA AO LADO, OS PS DE FLEMMING ETERNIZADOS NA OBRA SIEBENUNDSIEBZIG,SETENTAE SETEEM ALEMO. ACIMA, A PAREDE DA ALEXANDERPLATZ, UMA DAS ESTAES DE METR DAEX-BERLIM ORIENTAL, RETRATADA E TRABALHADA POR FLEMMING
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So Petersburgo, Rssia (julho 2004)Numa cidade repleta de cpulas cobertas de ouro, a
mesquita de dois minaretes e um gigantesco domo de
azulejos azuis, a Bukahra, um smbolo no s de uma
almejada ou pretensa tolerncia religiosa como um mar-
co da vastido do imprio czarista. Cheguei ao cruzador
Aurora pelo outro lado do rio e me preparei psicolgico-
emocionalmente para visitar uma parte do sculo XX e
reverenciar criticamente uma de suas realidades com-
plexas mais determinantes. Para meu espanto, as pes-
soas entram sem cerimnia tombadilho adentro, no h
bilhetes de entrada ou controle de pessoas: simbolica-
mente a Revoluo ainda pertence a todos. O cruzador
obviamente no se move mais, flutua seguro por gigan-
tescas pinas de ao presas margem, todo o resto
original, todos os bronzes muito bem polidos, tudo extre-
mamente limpo. A maioria absoluta dos visitantes desta
relquia naval composta por russos homenageando a
sua prpria histria.
DIRIO DE UM ARTISTA DO MUNDO
Siclia, Itlia (setembro 2007)Sobrevoando a ilha nota-se um solo agreste, seco, marrom
cinza, onde a grande quantidade de reservatrios de gua,
como os audes do Nordeste, deixa evidente a estiagem a
que a geografia local est castigada. J em terra, na regio
de Catnia, surpreende que a quase totalidade do campo
possvel esteja cultivada, o que torna ainda mais contras-
tante a existncia de inmeras casas abandonadas e com
janelas muradas no meio das plantaes. Enigmas. Algumas
horas depois a gua mediterrnea se afirma como seduo
irresistvel, apresentando um tal quilate de pureza que at
as almas mais perversas, como qui a minha, suplicam
para a serem lavadas. Clamores. Taormina vive de uma fama
que no condiz com sua realidade. Cidade turstica no pior
sentido que o sculo XX produziu, suas parcas runas no
justificam o preo dos sorvetes que a se tomam. O teatro
grego sim, num stio estupendo, deve ter sido a tragdia dos
atores da Antiguidade Clssica, tal o potencial de distrao
que o panorama implica, tornando qualquer encenao su-
prflua e desnecessria. Quanto ao renome de capital gay,
nem mesmo o mais perseverante dos desejos suficiente
para encontrar inexistentes bares ou endereos de putaria.
ARTISTA ALEX FLEMMING
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Riga, Letnia (junho 2009)No grande mercado, que existe no antigo campo de pouso
do Zeppelin, vende-se de tudo e mais alguma coisa, a exem-
plo de roupas, tapetes, legumes, xampu, objetos de jardi-
nagem, papel higinico, melancias, alpiste ou peixe. Apesar
da abundncia e variedade da oferta, tem-se, no entanto, a
impresso de algo pobre, mofado e chego a ficar na dvida
se os sapatos oferecidos nas toscas prateleiras j no foram
usados por algum. A misria ps-comunista visvel e pal-
pvel no triste espetculo de mulheres velhas enfileiradas
uma ao lado da outra, cada uma vendendo o que tem ou
o que sobrou de dias melhores: anguas, estolas de pele
j rotas, casacos, relgios. Como essas pessoas no tm
quiosques, nem provavelmente eira nem beira, ficam de p
com a mercadoria e a oferecem com as mos erguidas, num
gesto evidente de mendicncia. Ao lado desta feira livre, o
edifcio da Academia de Cincias tambm comea a cair aos
pedaos, mas eu deixo claro que no tenho nenhuma sim-
patia por esses marcos exportados da arquitetura stalinista,
propositadamente repetindo nos Estados satlites, formas
retrgradas construdas na Moscou dos anos 1950.
Trieste, Itlia (setembro 2009)Trieste: non-place or cross-roads? A cidade encravada na
montanha, banhada pelo Adritico, vista da Eslovnia e
da Crocia, no nenhum nem outro, muito pelo contrrio:
um mosaico torto de povos e culturas que por aqui passa-
ram e calcaram em sua atmosfera a aura do impalpvel e
uma nostalgia de exlio perdido. A sua histria-estria j
comea com nvoas lendrias e fabulosas, uma delas di-
zendo que Trieste foi fundada por um filho de No, e outra,
por um companheiro argonauta de Jaso. Tenho dvidas
da prpria existncia da arca bem como do velocino de
ouro, e fico com o fato de que os romanos tinham aqui o
entreposto comercial de Tergeste j em 178 a.C. Invases
de godos, bizantinos e lombardos foram mudando a feio
humana do lugar at 1202, quando os odiados venezianos
se apossaram da possvel rival. Para escapar a seu jugo,
os triestinos se ofereceram voluntariamente como vassa-
los tutela austraca, de longe sua mais marcante herana
histrica: os Habsburgos a reinaram de 1382 a 1918.
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ARTISTA ALEX FLEMMING
Foto:ArquivopessoalAlexFlemming
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EU ACHO SUPERIMPORTANTEPARA O ARTISTA VIVER EMCIDADES CHAVES: SOU UM SERURBANO, QUE PREZA HISTRIAE GOSTO DE PRESENCI-LA
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ARQUITETURA ESCRITRIOBRASIL ARQUITETURA
REQUALIFICAO
DO BAIRRO AMARELO
O CONCURSOA queda do Muro de Berlim, alm de todas as conse-
quncias j conhecidas e vividas pelos alemes, abriu
no campo da arquitetura uma frente de trabalho de
grandes propores e sui generis: a recuperao dos
conjuntos residenciais construdos em concreto pr-fabricado dos anos 60 aos anos 80, marca registrada
do comunismo sovitico.
Essa arquitetura, ainda que de boa qualidade de cons-
truo e de materiais se comparada com as habitaes
sociais do Brasil, extremamente pobre, visualmente
feia e repetitiva ao infinito. um mar cinzento de edi-
fcios que comea em Berlim e se alastra pela plancie
central at Moscou, alcanando nesse caminho a Pol-
O LIVRO MOSTRAprojetos de urbanismo, edificao e
obras pblicas, reunidas desde 1979 no escritrio Brasil
Arquitetura, sediado em So Paulo.
No captulo Requalificao do Bairro Amarelo sinte-
tizada uma experincia indita com a participao dire-
ta do escritrio Brasil Arquitetura, em Berlim. Como diz
Cecilia Rodrigues dos Santos, responsvel pelos ensaios
e anlise de projetos do livro: A dificuldade para en-contrar uma palavra que defina este projeto que j
foi batizado de revitalizao, recuperao, recaracteriza-
o, remodelao, repaginao e at de reforma est
diretamente relacionada ao fato de no se tratar de um
projeto de arquitetura ou urbanismo na forma tradicio-
nal (pg. 52, Cosac Naify, 2005).
O LIVRO DO ESCRITRIO BRASIL ARQUITETURADE FRANCISCO FANUCCI E MARCELO FERRAZ,
PUBLICADO PELA COSAC NAIFY, TRAZ UMAPRECIOSIDADE PARA A EDIO BERLIM
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UMA ESCULTURA DE AMILCAR DE CASTRO
SINALIZA A PRESENA BRASILEIRA NA
ENTRADA LESTE. AS CORES DAS TRIBOS
KADIVEU, DO COR AO BAIRRO COM SEUS
GRAFISMOS ESPONTNEOS
nia, a antiga Tchecoslovquia, a Hungria etc.
Todos esses pases adotaram o mesmo sistema construti-
vo que espelha a burocracia arquitetnica.
Comeando por Berlim, vrios arquitetos so chama-
dos, atravs de convites ou concursos internacionais
(como foi o nosso caso), para se debruar sobre esse
novo tema/problema, qual seja: humanizar, recaracte-rizar, criar unidades de vizinhana distintas umas das
outras, dar personalidade a cada grupamento de habi-
tantes, no sentido de fixar a populao e evitar o xodo.
A escolha do nosso projeto seguiu-se ao debate de trs
projetos finalistas (com representantes da populao,
tcnicos e engenheiros responsveis pela construo do
bairro, alm de representantes do Senado berlinense) e
foi definida por um corpo de jurados internacional.
Procuramos dar carter e identidade prpria quele
pedao de Berlim atravs de um conceito unificador,
aglutinando elementos da arquitetura latino-america-
na e, mais especificamente, brasileira.
O grande desafio para os arquitetos, a nosso ver, in-
troduzir novos elementos, criar novos contextos, tra-
zer a riqueza cultural e espacial sem violentar aquiloque representou o esforo de muitos para resolver
um dos mais graves problemas da humanidade: a
falta de moradia. Encarar a questo com deciso e
delicadeza foi a nossa arma.
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz
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A PRESENA DE ARTISTAS ALEMES NO BRASIL
ASMMMNMM NONMON NOM NOMON NMN NMN NOMN
TE XTOSONIA GUARITA DO AMARAL
O MERCADO DE ARTE NESTE COMEO DE ANO
POR MARCO AURLIO JAFET
Estamos em ano eleitoral. Como de praxe, muito dinheiro
ser gasto em propaganda e divulgao dos nomes dos
polticos que concorrero na eleio. O governo provavel-
mente no trar nenhuma surpresa, pelo menos desa-
gradvel, e, portanto, as previses dos experts em econo-
mia e mercado indicam um cu de brigadeiro e um mar
de almirante para o primeiro semestre de 2010 em nosso
Pas. O mercado de arte tambm pensa do mesmo modo
e est preparado para aproveitar esta nova era de esta-
bilidade que tantos preveem aps a marolinha do ano
passado. Seno vejamos:
A Bolsa de Arte do Rio de Janeiro est em plena captao
de peas importantes nas reas de arte moderna, contem-
pornea, fotografia e mveis de designers brasileiros para o
leilo programado para o fim de abril em So Paulo. Thiago
Gomide, o responsvel pelo escritrio em SP, espera mon-
tar um leilo com peas especialmente selecionadas. A
economia est bem e o mercado comprador de peas de
qualidade , diz Thiago.
Seguindo o mesmo pensamento Aloisio Cravo tambm est
captando obras para o leilo que dever ser realizado na
segunda quinzena de abril, no Hotel Unique, em So Paulo.
A nfase, porm, ser em contemporneos j consagrados
e fotografia dos mestres e desta vez no haver mveis. Os
muito novos tm seu lugar nas galerias, diz Aloisio.
J James Lisboa tem o catlogo pronto para o leilo mar-
cado para 15 de maro e que nesta edio volta para o
Leopoldo Plaza. Vamos ter de a a z, diz Acacio Lisboa que
ajuda o pai em toda a operao da casa de leilo.
Ao contrrio das casas acima citadas, a James Lisboa Es-
critrio de Arte traz para esse leilo uma oferta abrangente
em estilos, tamanhos e qualidade. Conseguimos trazer
para o leilo obras inditas no mercado, vindas de colees
particulares. Eu diria que conseguimos o melhor de cada
um dos acervos que selecionamos, diz James.
O catlogo do leilo traz fotos e preo-base de obras
acadmicas, modernas, contemporneas e at leo sobre
tela de pintores viajantes que raramente so ofertados nomercado. Destaques dessa seleo vo para um Pedro
Alexandrino de altssima qualidade; trabalhos de Wesley
Duke Lee e Burle Marx; uma aquarela de 1928 de Ccero
Dias; Santa Ceia, de Clvis Graciano; trabalhos de Willy de
Castro; um leo de Portinari; Beatriz Milhazes; e um painel
dos celebrados Os Gmeos.
Na rea internacional, cabe ressaltar o trabalho de George
Mathieu que na Europa j chegou a atingir preos que
variam de 200 a 300 mil euros. Fica aqui a expectativa
PATRIMNIO
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HOMENAGEM AO QUADRADO, JOSEPH ALBERS
S r g i o G u e r i n i / a c e r v o d o M A C / U S P
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Museu de Arte Contempornea da USPRua da Reitoria, 160 - Cidade Uni-versitria So Paulo; Pinacoteca do Estado Praa da Luz, 2 So Paulo;Museu de Bellas Artes Av. Rio Branco, 199 Rio de Janeiro; BibliotecaNacional Av. Rio Branco, 219 Rio de JaneiroBIBLIOGRAFIA: Perfil de um Acervo. Museu de Arte Contempornea da Uni-versidade de So Paulo. Organizao e Ensaio de Ar acy Amaral. So Paulo,Ex Libris, 1988.
de ver o que ir acontecer. Espera-se muito da economia e
do mercado de arte no Brasil que no sofrer por falta de
empenho e entusiasmo dos profissionais brasileiros. Viva
2010!
MAX ERNST (1891-1976) UM DOS ARTISTAS PONTUAIS DO ACERVO DO MUSEU DE ARTE
CONTEMPORNEA DA USP. QUADRO PARA JOVENS LEO SOBRE TELA, 1943
PATRIMNIO
SrgioGuerini/acervodoM
AC/USP
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