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Po e s i a
Poemas inéditos
Gabriel Nascente
Gabriel José Nascente, de nome literário Gabriel Nascente, nasceu em Goiânia, em 23 de janeiro de 1950. Fez o jardim
da infância e o primário no Instituto Araguaia. E concluiu o giná-sio industrial pela Escola Técnica Federal de Goiás, onde estudou também o curso de Eletrotécnica, equivalente ao científico. Aos 16 anos publicou o seu primeiro livro de poesia, Os gatos.
Jornalista e poeta. Escreveu e editou mais de 50 livros, incursio-nando-se pelos gêneros do ensaio, da ficção, reportagens, narrativas, crônicas e poesia. Morou em São Paulo, foi amigo de Menotti Del Picchia. Esteve em Montevidéu e Buenos Aires, durante a Ditadura, na clandestinidade.
Publicou em Concepción, no Chile, o livro El llanto de la tierra, 1999, em tradução para o castelhano pelo poeta Dilermando Ro-cha, do Centro de Estudos Brasileiros, de Buenos Aires, 1975.
Tem poemas traduzidos e publicados em diversos idiomas, dos Es-tados Unidos a Grécia, com extensa participação em jornais, revistas, antologias brasileiras e estrangeiras. É reconhecido internacionalmen-te pela crítica e detentor de inúmeros prêmios nacionais, dentre eles o Cruz e Sousa de Literatura, de Santa Catarina, 1996; o Centenário de
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Henriqueta Lisboa, de Minas Gerais, 2001, e Finalista do Prêmio Jabuti de São Paulo, 2001. Foi editor de diversas revistas e jornais de Goiânia, destacando-se principalmente como âncora editorial do Suplemento Literário (LEIA), do jornal Diário da Manhã. É membro da Academia Goiana de Letras, ocupante da Cadeira 40. E atualmente escreve crônicas para o jornal O Popular, de Goiânia.
Seu nome já é citado como verbete em diversos dicionários e enciclopédia da literatura brasileira. Unico goiano que figura no Roteiro da Poesia Brasilei-ra, Anos 60, de Pedro Lyra; Global Editora, SP, 2011.
Gaveta de ossos(Onde está, ó morte, a tua vitória?
Paulo, I-Co. 15:15)
É antigo esse morrerdos meus mortos.
Andando sobre os escombrosdo meu lembrar.
Com os seus pífaros de cinzana minha voz.
Os poetas mortos bebendoo sol nas chávenas do meu lodo.
Folheiam livros. Batem portas.E galopam, esfuziantes,com a fuligem das trevasem seus bigodes.
Brancos como o ventoesses fantasmas se ancoramnos andaimes da minha alma.
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O chapéu das estações
O outono regorgitarugas no ar.
As palavras me acordamcomo pérolasqueimando minha mão.
As vassouras dão piruetasno ar, gritando: letícias!, letícias!
Olalá! Olalá!Nós espalhávamos vasospara o verão chegarcom sua pencade gerânios.
Os telhados se cobriamcom as madeixas do luar.
Na primaveraas meninas iluminavamseus cabelos com o lirismodos lilases.
O sol aterrissava sobrea pátria dos junquilhos.
E o hálito das damas-da-noitesobrepujava-se, glorioso,à senda dos perfumes.
Gritamos tanto, amada,que as almas se esconderam.
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BucólicasQuebrar relógiosnão adia fadigas.
Ninguém atalha o tempo.
Meu coração dependuradonuma lâmpada (dá sinalque a noitevai doer nas gengivas do céu).
A luz é bizarra. Eu sei.Tritrinam grilos na relva.E o dia se despede, cúmplice.
O gado é litúrgicona procissãode teus cascos.
O boi no prado.O boi no prato.
Dor querumina.
O solno papelimprimementes.
O sol ea metafísicade teu cristal
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queimando ascabeleirasdo verde.
Quebrar relógiosnão adia a morte.
Pescador de frasesA alma vem das espumas.
Quem fez o paraísoclaudicou.
A vigília tem olhosde estátua.
A lua é um ovo de metal(e uiva) no umbigo do universo.
Corredor de nuvensé casa de passarinhos.
Os olhos de mulher sãopombas pedindo amor.
Escamaé faísca de faca.
Rã adoramuxoxos de orvalho.
E a odisseia dos homensé uma bolha de sabão.
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O espectroÓ príncipe da Dinamarca,por que me levas para o hospício,com esta chávena de sangue na mão?
O cisco de patasSe pisei não te pisei.Psiu, minhas desculpas.
Cisquinho de nada, passa.
Eu varrerei tua fomecom uma estátua de açúcar.
É o lado pão daminha amizade,
ó roedorade polpas de caju!
Se quiseres pode banharna bacia do meu pranto.
Sem cerimônias.
Se pisei não te pisei.Desculpas.
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As profecias do sal
De repente,o vento é inimigodo vento, fazer o quê?
De repente,um sopro de invernoapaga a louçaniade teus sorrisos, fazer o quê?
De repente, uma luz se trancapela última vez, e não há demiurgoque a faça retroagi-la, fazer o quê?
De repente,os lábios de púrpura do crepúsculoespalham o vinho de sua bocapelo caminho de fogo das estrelas, fazer o quê?
De repente,um demônio fuzilaa primavera de um sonho escolar, fazer o quê?
De repente,atiçam gasolinana pureza dos mendigos,fazer o quê?
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De repente,a justiça tem a cara de paude mandar pra cadeia os inventores da esperança, fazer o quê?
De repente, a eternidade não temfuturo, fazer o quê?
De repente, uma lufada de floresenvenenaos travesseirosdo amor, fazer o quê?
De repente,vandalizam o ninhodos peixes, fazer o quê?
De repente,bombardeiam a luaà procura de divícias, fazer o quê?
De repente,é Deus que dá banana pra humanidade. Fazer o quê?