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REVISTA COPAFEST ED. 05 | 2012 e mais KASSIN E A MAGNÉTICA INTERGALÁCTICA SHINKANSEN HORTA, LIMINHA, MORELENBAUM e SUZANO PEPEU GOMES INSTRUMENTAL SOM QUENTE É O DAS NEVES SÁBADO BAILE EUMIR DEODATO

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REVISTA COPAFEST – ED. 05 | 2012

e mais

KASSIN E A MAGNÉTICAINTERGALÁCTICASHINKANSENHORTA, LIMINHA,MORELENBAUM e SUZANOPEPEU GOMES INSTRUMENTAL SOM QUENTE É O DAS NEVES

SÁBADO BAILE

EUMIR DEODATO

ÍND

ICE

EDITORIALpor Bernardo Vilhena

O COPA É UMA FESTApor Roberto Muggiati

GALERIA COPAFEST

DEODATO – UM DOM DADO POR DEUSpor Hugo Sukman

OS DIÁRIOS DE LEONARD PLUMEpor Reinaldo Figueiredo

SHINKANSEN – HORTA, LIMINHAMORELENBAUM e SUZANO

por Helena Aragão

ALTA FIDELIDADEpor Carol Rosman

AS AVENTURAS ANIMADAS DE KASSIN E SUA MÚSICA

por Frederico Coelho

UM BAILE NAS ONDAS DO COPA

PEPEU GOMES GUITARRA BRASILpor Moraes Moreira

RECEITA PARA FAZER SOM QUENTEpor Bernardo Oliveira

CRÉDITOS

PROGRAMAÇÃO

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O Copacabana Palace, patrimônio

cultural do Rio de Janeiro desde 1985,

conclui este ano, a mais ampla reforma

do prédio histórico. Um novo lobby

e mais charme nos apartamentos.

O Copacabana Palace, patrimônio

cultural do Rio de Janeiro desde 1985,

conclui este ano, a mais ampla reforma

do prédio histórico. Um novo lobby

e mais charme nos apartamentos.

Av. Atlântica 1702 Copacabana Rio de Janeiro RJ Brasil www.copacabanapalace.com.br

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No mês e ano em que comemoramos os 50 anos do famoso concerto do Carnegie Hall, estamos chegando à 5ª edição do CopaFest. Como sempre trazendo uma programação que consagra os 3 pilares da Música Instrumental Brasileira: melodia, harmonia e ritmo.

Grandes bandas ou mini-orquestras exibem a qualidade do músico brasileiro na arte de improvisar. Seja para ouvir, seja para dançar. A música mais do que qualquer arte tem a capacidade de demonstrar a diversidade da nossa cultura. No mesmo palco podemos ouvir/assistir durante 90 minutos muitas das matrizes que compõem o universo musical brasileiro.

EDITORIALPOR BERNARDO VILHENA

Música para ouvir e dançar

Nesta edição do CopaFest teremos a oportunidade de observar um painel de influências que fizeram da música produzida nesse país uma das mais respeitadas em todo o mundo. E isto não é uma afirmação ufanista, porque se observarmos o repertório internacional da música instrumental, mesmo sem recorrer a estatísticas, creio que o Brasil venha em segundo lugar em número de títulos gravados.

Hoje, estamos vivendo um momento espetacular da Música Instrumental Brasileira. A internet abriu aos jovens a perspectiva de pesquisar nosso passado musical de dentro do seu estúdio caseiro. Esse fato criou uma realidade altamente favorável, o florescimento de uma geração aberta, sem posições restritivas. Ou seja: o ambiente perfeito para expandir conhecimento e ousar experimentos.

Bem-vindos ao CopaFest!

Bernardo Vilhena é poeta e curador do CopaFest

O COPA É UMA FESTA

As paredes do grande hotel estão impregnadas de música, sob a bênção do jazzófilo-mor Jorginho Guinle. Em seus quase 90 anos, passaram pelo Copacabana Palace estrelas como Ella Fitzgerald, Lena Horne, Marlene Dietrich, Edith Piaf, Nat King Cole, Ray Charles, Sammy Davis Jr. e Tony Bennett. A partir de 2009, o jazz e a música instrumental brasileira encontraram ali um novo espaço: o CopaFest. A primeira edição fez justamente a ponte entre o famoso hotel e o lendário Beco das Garrafas — a um quarteirão dali —, berço da bossa nova. As principais atrações foram os pianistas João Donato e Osmar Milito, Paulinho Trompete, e o saxofonista e compositor Paulo Moura, num comovente adeus (Paulo morreria menos de um ano depois). Sob a curadoria de Carol Rosman e Bernardo Vilhena, com produção da M’Baraká Experiências Relevantes, o CopaFest logo mostrou sua cara. Sem apelar para nomes importados,

investiu em astros nacionais de porte internacional, como o pianista Dom Salvador, radicado nos EUA há 40 anos; o multi-instrumentista Hermeto Pascoal; o percussionista da histórica banda fusion de Miles Davis, Airto Moreira, que festejou no Fest seus 70 anos; e, nesta edição, o pianista e arranjador Eumir Deodato (há quem prefira seus arranjos para o álbum Sinatra-Jobim aos do prestigiado Claus Ogerman). Mais recentemente, o CopaFestganhou a Noite do Baile, animada em2011 por Lincoln Olivetti e, neste ano, por Wilson das Neves. Das dezenas de festivais que acontecem anualmente no Brasil, o CopaFest soube impor desde o início o seu diferencial: inteligência, sensibilidade e vibração.

3 dias de música no

COPACABANA PALACE

Das dezenas de festivais que

acontecem anualmente no Brasil,

o CopaFest soube impor desde o

início o seu diferencial: inteligência,

sensibilidade e vibração

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POR ROBERTO MUGGIATI

Roberto Muggiati é jornalista, autor dos livros Blues: Da Lama à Fama

e Improvisando Soluções.

GALERIA CopaFest

1ª EDIÇÃOAGOSTO 2009

2ª EDIÇÃOABRIL 2010

Paulo Moura

David Feldman Hermeto PaschoalMarcos Valle

Chico PinheiroZé Luis e a banda Magnética

César Camargo Mariano

Osmar Milito

João Donato

Paulinho Trompete

Eduardo Neves

3ª EDIÇÃONOVEMBRO 2010

4ª EDIÇÃOOUTUBRO 2011

Dom Salvador

Hector Del Curto

Lincoln Olivetti

Mauro SeniseEdu Lobo

Clube do Balanço

Gilson PeranzzettaAirto Moreira Arthur VerocaiLeo Gandelman

Banda Mantiqueira

DEODATOUM DOM DADO POR DEUS

“Meu Deus, quanta coisa Deus deu a Deodato!”, escreveu Tom Jobim, num

daqueles seus tão sutis e precisos achados poéticos, na contracapa do primeiro LP de Eumir Deodato, “Inútil Paisagem”, de 1964.

Mas Tom falava mais do que o “dado por Deus”, ou seja, o dom que Deodato carrega

até no nome. Falava da excelência, da invenção, da musicalidade, da precocidade

que chamava a atenção mesmo naquele ninho de cobras que era a música brasileira

no miolo dos anos 60. O disco, lançado pela impecável gravadora Forma (que estava para

o samba jazz como a Elenco para a bossa nova), trazia pela primeira vez o nome de

Deodato na capa, e ao mesmo tempo o seu piano e a sua escrita orquestral, executando exclusivamente peças de Jobim. O maestro,

mesmo sem nunca ter sido dado a elogios fáceis, não se conteve:

POR HUGO SUKMAN

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Ainda no Brasil, tornou-se logo o grande arranjador brasileiro jovem, ao lado apenas de um Luiz Eça, e no mesmo naipe de gênios veteranos como Radamés Gnattali, Moacir Santos e Gaya. Tanto que passou a ser o arranjador oficial de Jobim, mas também o orquestrador da nova música brasileira, e vamos citar só como exemplo o monumental arranjo de “Travessia”, que consagraria Milton Nascimento. Como músico, também não ficava atrás, liderando com seu órgão elétrico o “combo” Os Catedráticos, uma all star big band de samba jazz que lançou quatro LPs cultuados até hoje por fãs de jazz, DJs europeus e colecionadores japoneses. E participava dos principais conjuntos do Rio de Janeiro, do noneto de Roberto Menescal ao Os Gatos, de Durval Ferreira. Isso para não falar de trilhas para cinema, como a de “Garota de Ipanema”, a superprodução de Leon Hirszman que tentou unir o Cinema Novo à Bossa Nova, e de algumas composições que emplacaram como o standard “Razão de Viver” (com letra de Paulo Sérgio Valle e dezenas de gravações no Brasil e no mundo) e sucessinhos como “Baiãozinho”, tão ao gosto da bossa nova.

Ao se mudar para os Estados Unidos, em 1968, para acompanhar o violonista Luiz Bonfá, Deodato parecia que ia cumprir a sina do músico brasileiro na América: trabalhos brazucas, como ele os fez aos montes, como arranjos para Astrud Gilberto (“Beach Samba”), Marcos Valle (“Samba 68”) e Tom Jobim (“Tide”), além de trilhas sonoras de filmes levemente latinos, como “The Adventurers”, que tinha música também de Tom Jobim. Mas o “dado por Deus” de Deodato que Jobim percebera ainda no Brasil foi também logo percebido no ninho de cobras ainda mais venenosas que era a música americana, e ele começou a trabalhar com as maiores estrelas do jazz, da black music e também da música pop, como Paul Desmond, Wes Montgomery, Sarah Vaughan, George Benson, Roberta Flack (o megassucesso “Killing me Softly”, por exemplo) e Aretha Franklin. Como se não bastasse, trabalhou com simplesmente Frank Sinatra em “Sinatra & Co.”, entrando para o seletíssimo grupo de Claus Ogerman, Nelson Riddle, Don Costa e pouquíssimos outros.

“É incrível que um rapaz de 22 anos possa escrever para orquestra como Eumir escreve. Não basta ser musical, talentoso, habilidoso, sabido ou sábio. Escrever para orquestra é coisa que envolve toda uma técnica, experiência, um passado de erros passados a limpo, e eu não creio que Eumir tenha tido, com 22 anos, tempo para isso. Mas o fato aí está: suas partituras são magnificamente bem escritas, com cada instrumento no seu melhor lugar, com equilíbrio na

distribuição, com graça e inovação no ritmo, harmonia e fraseado. Seus arranjos são sérios mas gostosos, clássicos mas inovadores. Eumir Deodato não é só o perfeito engenheiro de pontes que todo arranjador

deve ser, mas também o criador e o poeta que todo arranjador tem de ser. E o piano de Eumir?

Excelente! Impecável! Oportuno!”.

Nada além precisaria ser escrito sobre Deodato, nenhuma exclamação a mais. A não ser que Deodato não tivesse vivido, dos 22 anos em diante, o que o mestre da música brasileira já antevia sem meias palavras naquele primeiro trabalho. Mas Dedoato cumpriria com sobras os desígnios de Jobim.

Reinaldo Figueiredo é integrante do Casseta & Planeta, contrabaixista da Companhia Estadual de Jazz

e está em todas as edições do CopaFest

Parecia, mais uma vez, que a sorte estava definida: tudo bem, Deodato seria, com seu dom dado por Deus, o arranjador brasileiro de maior sucesso internacional. Até que, em 1973, ele realiza o que seria sua obra-prima como arranjador, sua peça mais popular (cinco milhões de discos vendidos na época) e premiada (o Grammy, para começar): uma versão jazz, pop e futurista de “Also Sprach Zarathustra”, de Richard Strauss, uma espécie de Ovo de Colombo que todos buscavam – a fusão da música negra popular (americana, latina e brasileira) com a música clássica europeia, sem perda de autenticidade de ambas – e que Deodato alcançou. Este trabalho o levou ao Madison Square Garden e ao mundo inteiro.

Desde então, Deodato é um disputado produtor e arranjador, tendo assinado sólidas parcerias com dezenas de cantores e grupos como Kool & The Gang (“Celebration”, por exemplo), Earth, Wind & Fire e até a islandesa Björk.

De uns dez anos para cá voltou a se apresentar ao vivo mundo afora, normalmente como um trio – aliás, formação registrada em seu último CD, ao vivo no Rio, gravado em 2007. Agora, reaparece na cidade natal, no CopaFest, com um formato maior, naipe de sopros, percussão, guitarra, baixo, bateria e seu piano “excelente, impecável e oportuno”. Uma chance de ver, afinal, o que mesmo Deus deu a Deodato.

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Hugo Sukman é jornalista e autor do livro “Histórias Paralelas – 50 anos de música brasileira

(Casa da Palavra)”

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SHINKANSEN

“Japan, here we go!”

“Tô formando uma banda para levar o Liminha

para o Japão, quer participar?”

Com esse telefonema bastante inusitado de Toninho Horta, Marcos Suzano

foi convidado a integrar Shinkansen, um conjunto que reúne um dream

team da música brasileira – Jacques Morelenbaum completa o quarteto.

Aparentemente, os critérios de seleção foram informais e muito simples: ser um

poderoso instrumentista e ter alguma relação, profissional e/ou afetiva, com

o Japão. Tudo para levar o produtor, uma das referências do rock nacional, a

realizar o sonho de conhecer o pequeno país do outro lado do mundo.

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TONINHO HORTALIMINHAJAQUES MORELENBAUMMARCOS SUZANO

POR HELENA ARAGÃO

Horta já esteve 22 vezes no Japão. Suzano tem o recorde do grupo: foi 32 vezes. Jacques Morelenbaum, 12 vezes. Assim sendo, os ensaios no estúdio Nas Nuvens, de Liminha, são recheados de “causos” dos três nas terras nipônicas. A brincadeira começou em maio do ano passado, quando se reuniram algumas vezes para compor e criar os arranjos. Com tantos anos de carreira, os quatro já haviam se cruzado muitas vezes em estúdios e festivais, mas raramente tiveram chance de tocar juntos – e muito menos de compor.

Os contatos com produtores japoneses logo abriram a possibilidade de transformar o projeto em disco e turnê por lá. Uma matéria em um jornal carioca celebrou o encontro e muita gente ficou curiosa com o som que sairia da formação violão/guitarra (Horta), violoncelo (Morelenbaum), percussão (Suzano) e baixo (Liminha).

Mas no meio do caminho apareceram tsunamis e terremotos. Apreensivos com a situação do Japão depois da tragédia do começo do ano, os integrantes do Shinkansen substituíram as negociações para o disco por mensagens de solidariedade aos amigos de lá. E, com as agendas atribuladas por shows, produções e projetos pessoais, acabaram adiando a estreia.

Meses depois, aparece o motivo que precisavam para retomar os ensaios e acabar o disco: o convite para participar do CopaFest. Todos voltam a se reunir no Nas Nuvens e fazer o interessante exercício de ouvir o que já haviam gravado. As expressões são de alegria e aprovação. Ouvem músicas inteiras e também pequenos temas registrados para serem trabalhados. Zona Norte, por exemplo, tem participação involuntária de Toninho: ele não tocou na faixa porque caiu no sono ali mesmo no estúdio. De brincadeira, os amigos gravaram seu ronco e samplearam, dando um jeito de incluir como efeito da música. “É o Soninho Horta”, brinca Suzano.

Há entre as faixas gravadas uma tal Vinheta 1, suingadíssima, que deixa todo mundo dançando nas cadeiras. Liminha pega o laptop e avisa: “Vamos dar um nome para ela agora: ‘Agradável surpresa’”. Há ainda um tema em piano (Liminha) e tabla (Suzano), feito no começo do ano, quando Suzano participou da gravação do disco de Erasmo Carlos naquele mesmo estúdio. Jacques ouve com cara de novidade e aprova, já viajando nas possibilidades ‘cellísticas’ de participar da brincadeira.

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Liminha

Marcos SuzanoJaques Morelenbaum

Toninho Horta

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As canções já prontas dão amostras da variedade criativa de um grupo que reúne gente de formação bem diferente: roqueira, clássica, popular e universal. Japan, here we go, é jazzística e brinca com a batida do samba. Self service, de Liminha, tem ritmo complexo e melodia sofisticada. Maracatuesday, de Morelenbaum, é uma das poucas em que Horta abandona a guitarra para usar o violão. Ragga, de Suzano, usa e abusa de efeitos, dando forma a uma sonzeira cheia de timbres diferentes. Shinkansen, de Horta, homenageia o trem-bala japonês. Walking in the clouds, também do mineiro, emociona Suzano. “Se tocarmos essa neste momento em Tóquio, tenho certeza que todo mundo vai cair no choro.”

É possível que até o dia do show, ou do disco pronto, muitas dessas informações mudem. Trechos novos podem surgir em gravações já feitas, improvisos devem aparecer e entrar na dança, nomes de

músicas podem mudar. Mas a essência está ali, já permitindo conversas sobre selos internacionais que podem se interessar pelo disco. A ideia é que ele tenha 12 faixas, 3 de autoria de cada um. “Aqui tudo é dividido irmamente”, brinca Liminha.

Os quatro acreditam que após o pontapé inicial será mais fácil embalar e fazer diversos shows mundo afora. E estão felizes por estrear no Rio, morada de três deles (apenas Toninho tem porto seguro em Belo Horizonte) e cidade com cada vez menos espaço para a música instrumental. Ao falar nisso, Suzano cita mais uma vez o exemplo japonês: “Em Tóquio você tem 80 opções de espaços dedicados à música numa noite. Falta palco médio para isso no Rio.”

Shinkansen começa assim sua vida criativa, do Rio de Janeiro a Tóquio, com música universal que é passaporte para o resto do mundo.

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Helena Aragão é jornalista

Shinkansen começa assim sua vida criativa, do Rio de

Janeiro a Tóquio, com música universal que é passaporte

para o resto do mundo.

ALTAFIDELIDADEPOR CAROL ROSMAN

Pesquisadores incansáveis da música do Brasil e do mundo, os cinco discotecários do coletivo Vinil é Arte — Pedro, Niggas, Formiga, Tuta e MBgroove — vêm acumulando descobertas, muito conhecimento e muito vinil. MPB, samba, rock, pop, funk, soul, ritmos latinos, africanos e jazz reunidos em sensacional coleção de bolachas das décadas de 50, 60 e 70 com títulos de tirar o folego.

No trigésimo aniversário do compact disc, o CD, que nasceu para desbancar o LP, vemos que a banca durou pouco. Balzaquiano, precocemente envelhecido, o CD nunca chegou ao apogeu. E o vinil, quase centenário, está aí, bem sacudido, num corpinho de 20. Testemunha, desde o seu surgimento nos anos 40, de todos os movimentos musicais, seus marasmos e revoluções, conquistou amantes incondicionais. O afã da procura nas lojas, o prazer da compra, da posse, a magia da arte da capa, a leitura do encarte, o cheiro,

a pegada, são a reciprocidade da paixão investida, são a razão da alta fidelidade.O CopaFest está em sua quinta edição. Em todas tem contado com a presença marcante do coletivo Vinil é Arte tocando exclusivamente Música Instrumental Brasileira. Sua performance no CopaFest é essencialmente jazzística porque traz técnica — sem pirotecnia — e emoção, segue a trilha do inesperado, fugindo da obviedade, surpreende. Sempre com muito balanço e elegância.

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Carol Rosman é produtora de shows e discos de música instrumental e curadora do CopaFest

AS AVENTURASANIMADAS DE KASSIN E SUA MÚSICA POR FREDERICO COELHO

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Apesar de ser um dos produtores musicais mais requisitados de sua geração – talvez o mais requisitado atualmente –, Kassin sempre foi um músico de bandas. Em sua trajetória de multi-instrumentista, ele fez e faz parte de grupos e coletivos musicais que nunca passaram despercebidos pela crítica especializada de sua geração. E se (ainda) não é uma estrela popular, Kassin certamente é uma constelação de ideias para seus pares e seu público.

Seu início de carreira na mítica banda do underground carioca Acabou la Tequila já apresentava um vigoroso trabalho com uma série de músicos que após o fim do grupo seguiram caminhos sonoros independentes pela cena musical da cidade (Autoramas, Canastra e Nervoso e os Calmantes, por exemplo). Com Domenico Lancellotti e Moreno Veloso fez,

entre vários trabalhos, a trilogia de discos “+ 2” e a trilha sonora do espetáculo do Grupo Corpo batizada Ímã. Além desses dois grupos, Kassin é sócio-fundador do coletivo Orquestra Imperial, reunião de músicos que expandem o samba e a música popular brasileira em suas várias e ricas possibilidades sonoras.

Em seu atual projeto apresentado nesta edição do CopaFest, Kassin mostra mais uma vez sua capacidade de arregimentar músicos de alta qualidade ao redor de ideias sonoras certeiras e sagazes. Em trabalhos de produção e em seu disco solo lançado em 2011 – o fundamental Sonhando Devagar –, Kassin vem montando uma grande banda com instrumentistas que o acompanham em vários projetos, inclusive na grandiosa trilha sonora de animação japonesa intitulada Michiko to Hatchin.

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Base de sua apresentação no show do festival, o músico afirma que a trilha sonora da animação foi seu primeiro projeto como compositor e arranjador para formações com até 14 músicos. Em diálogo criativo com a obra de maestros e arranjadores como Moacir Santos ou com bandas da cena Japonesa, como o “death jazz” da Soil & “Pimp” Sessions, Kassin conseguiu levar suas composições para lugares até então pouco explorados pela atual geração da música brasileira.

Kassin sempre traz duas marcas em seus trabalhos – e em Michiko to Hatchin não é diferente. A primeira é o aspecto permanente de surpresa. Seus ouvintes nunca sabem o que encontrar na próxima esquina de seus álbuns, mostrando que o ecletismo sonoro, muito mais do que apresentar fragilidade de repertório, demarca a força criativa de um músico que tem o privilégio de conviver em seu dia-a-dia profissional com as mais diversas matrizes e ideias da música brasileira e mundial. Mudar de estilos, sobrepor escolas, reverenciar mestres do passado e do presente sem cair no saudosismo ou na redundância, tudo isso são traços marcantes de sua produção. Onde ouvimos ecos de Moacir Santos, João Donato, Marcos Valle ou Wilson das Neves, ouvimos também, sempre, Kassin.

Outro ponto fundamental de seus trabalhos é a fidelidade a um grupo de músicos que surgiram na cena carioca e que fazem a ponte entre diferentes frentes musicais. Stephane San Juan, Alberto Continentino, Felipe Pinaud e Bidu Cordeiro são os fiéis parceiros escolhidos dessa vez para tocar nas faixas da trilha. Vozes de Thalma de Freitas, B Negão, Ritchie e Áurea Martins iluminam faixas conduzidas por esse núcleo sonoro que ainda conta com várias participações especiais.

Para os que situam Kassin no espaço supostamente limitado do produtor – mesmo com a sua ampla capacidade de atuação –, o repertório que será apresentado no show do CopaFest marcará definitivamente a presença de um arranjador com uma perspectiva renovadora do nosso cenário musical. A inventividade, o frescor e a qualidade das composições apresentadas por Kassin e sua banda não deixarão dúvidas de que, quanto mais diversos os nossos caminhos sonoros, mais ricos e abertos serão nossas opiniões sobre a música e a vida.

Frederico Coelho é ensaísta, pesquisador e professor de Literatura Brasileira

e Artes Cênicas da PUC-Rio.

UM BAILENAS ONDAS

DO COPAO CopaFest

vai abrir os salões do Copacabana Palace

para você dançar!

03 NOV. / SÁB.PEPEU GOMES INSTRUMENTAL 21h SOM QUENTE É O DAS NEVES 23h

Não foi à toa que, com sua banda Os Leif’s, acompanhou Caetano e Gil no lendário show de despedida “Barra 69” quando eles partiram para Londres, exilados pela ditadura militar. Naquela ocasião Gil lhe apresentou um disco de Jimi Hendrix, e poucos dias depois o danado já tocava com uma alegria contagiante todos aqueles riffs do mestre da guitarra.

O Trio Elétrico da Bahia, principalmente o dos inventores Dodô e Osmar, foi outra importante fonte de inspiração. Estava assim forjado o grande instrumentista, pronto para partir pra vida. E foi exatamente o que ele fez.

POR MORAES MOREIRA

PEPEU GOMES

GUITARRA BRASIL

Esta história começou cedo, de forma precoce. Ainda menino, no bairro Fazenda

Garcia em Salvador onde morava com seus irmãos também músicos, Pepeu já

se destacava. Tirava som de qualquer amplificador, por mais elementar que fosse,

demonstrava uma grande habilidade e exibia uma impressionante saúde musical.

Fã incondicional dos Beatles, destrinchava com incrível facilidade o

repertório daquela banda. Posso afirmar que era uma delícia ouvi-lo, cantando

num inglês “imbromation” maravilhoso, todos aqueles sucessos que encantaram

o mundo nos anos sessenta.

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Antes do preparo, é preciso estar ciente de que o “som quente”, sobretudo para nós, cariocas, não equivale a um som de pista de dança, um som que faz dançar de qualquer maneira, a qualquer custo. Nesta acepção, para ser quente, a música precisa levantar a poeira com arranjos fortes, cozinha de primeira, metais robustos e muita, muita percussão!

E o balanço? Não pode ser quadrado, mas faceiro, insinuante, ensaboado, como se reza na terra do samba, do choro e da gafieira. Relaxa, pode afastar os móveis da sala e misturar samba com salsa, soul, maracatu e até rock’n’roll, mas sem abrir mão do sincopado, do ritmo “moleque, matreiro, bem malandreado, invocado pra gente sambar” — como diz um belo samba de Luiz Grande, membro de outra realeza, Imperatriz da Leopoldina.

Pode-se afirmar, de saída, que um som quente não é matéria para iniciantes, mas para quem conhece o métier, sabe do riscado! Em outras palavras, para Wilson das Neves.

Já nos Novos Baianos, assumiu a posição

de maestro da banda, fazendo isto com

absoluta competência. Com seu ouvido

privilegiado não deixava passar nada que

não estivesse nos conformes. Numa época

em que ainda não existiam os afinadores

eletrônicos, ele conferia e deixava nos

trinques todos os instrumentos. A

prova disto está nos discos da Banda,

onde inúmeros instrumentos de cordas

aparecem rigorosamente afinados.

A passagem de João Gilberto pela casa

dos Novos Baianos era talvez o que

faltava para que o nosso genial guitarrista

aprimorasse seu estilo, tornando-o cada

vez mais brasileiríssimo e universal.

Pepeu é multi-instrumentista, passeia

com desenvoltura pelos violões de aço e

de nylon, além do bandolim e da guitarra

baiana. Se jogarem um contrabaixo na

sua mão, certamente vai fazer bonito.

Transferindo linguagens, ele é uma mistura

de Jacob do Bandolim com Jimi Hendrix,

além de outros ingredientes que formam o

seu imenso universo musical. Quem for ao

CopaFest poderá desfrutar ao vivo de tudo

isto que acabo de dizer.

Moraes Moreira é cantor, compositor e parceiro de Pepeu Gomes

desde os Novos Baianos

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RECEITA PARA FAZER

SOM QUENTEPOR BERNARDO OLIVEIRA

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Das Neves é mais do que um baterista, ele é o baterista do Brasil. É ainda cantor de timbre peculiar, compositor elegante e arranjador visionário, mestre das baquetas que se sai de forma magistral com o tamborim, a caixa, o agogô, o surdo, o tarol e a caixa de fósforos eternizada por Cyro Monteiro, referência para seu canto repleto de divisões malandreadas.

Igualmente infinita é a lista dos artistas que acompanhou em discos e shows: foi integrante das orquestras de Astor Silva e Maestro Cipó, do conjunto de Ed Lincoln, guardião do ritmo de cantoras como Elza Soares, Clara Nunes e Elizeth Cardoso, e de boa parte dos artistas da chamada MPB, de Chico Buarque a Maíra Freitas.

Reconhecido no exterior ao reeditar, com Ivan “Mamão” Conti (Azymuth), o grupo Os Ipanemas, integrante da Orquestra Imperial, além de colaborar ativamente com grupos e artistas da atualidade como o rapper americano Madlib (no projeto Brasilintime), Kassin e Roberta Sá, entre outros, das Neves gravou discos inaugurais da Bossa Nova, do Tropicalismo, da retomada nos anos sessenta do samba tradicional, além de verdadeiras pérolas como Coisas, de Moacir Santos, Na Fonte, de Beth Carvalho, Lugar Comum, de João Donato, o primeiro disco de Monarco…

A lista é interminável e se completa com quatro trabalhos lançados a partir de meados de 68, entre eles O Som Quente é o das Neves (1976), seu quarto álbum como band leader.

O CopaFest acerta em cheio ao reunir um grupo de músicos de alto nível em torno da reconstituição deste álbum — entre eles, André Tandeta, Armando Marçal, João Rebouças e Zé Bigorna. Não somente pelo título sugestivo e por sua evidente atualidade, tanto na concepção musical como nos arranjos, mas porque traz à memória algumas características que a ausência de uma reedição à altura de sua importância se encarregou de esconder.

Dando prosseguimento à fórmula elaborada nos discos anteriores — a saber, Juventude 2000 (1968), O Som Quente é o das Neves (1969) e Samba Tropi - Até aí morreu Neves (1970) —, Wilson das Neves e seu Conjunto criaram uma sonoridade determinante na reelaboração do cenário da música instrumental brasileira dos anos 70, ainda impactada pelo sucesso estrondoso da Bossa Nova e de seu primo mais agitado, o Samba Jazz — ou, ainda, pelo “Samba no prato” de Edison Machado, sua ramificação hard bop.

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O CopaFest acerta em cheio ao reunir um grupo de músicosde alto nível em torno da reconstituição deste álbum.

No entanto, o valor de O Som Quente é o das Neves não se esgota no fato de que, como afirma o baterista André Tandeta, antecipou de forma visionária “o que viria a ser feito, brilhantemente, pela Banda Black Rio” — diga-se de passagem, capitaneada por outro célebre imperiano, Oberdan Magalhães, egresso da banda de Dom Salvador. Reunindo um repertório eclético, que mistura Villa-Lobos com Baden Powell, Jovem Guarda com funk, soul, salsa e outros ritmos, acabou por liberar a música instrumental no Brasil dos vícios e cacoetes da bossa dos anos 60, abrindo seu horizonte para outras possibilidades.

O canto macio e anasalado de Wilson das Neves também já despontava como um de seus maiores trunfos, bem como o talento de compositor, assinando quatro das doze faixas do álbum: “Estou Chegando Agora”, “Que é isso menina”, “Tema para Elizeth” e “Sá Nega”, parceria com Geraldo Barbosa e Ineres. Afora isso, o álbum ainda revela uma mistura de autores que supera qualquer expectativa pós-tropicalista, reunindo na mesma seara Orlandivo e João Donato (que assinam “Os caras querem”), Baden e Vinícius (“Berimbau”), Average White Band (“Pick Up The Pieces”), e botando o Tio Sam para pegar no

tamborim com uma versão malemolente do clássico rock’n’roll de Bill Haley, “Rock Around the Clock”. Uma das peças mais curiosas do disco é a interpretação de “O canto do Pajé”, escrito por Villa-Lobos no início da década de 30, quando fora nomeado Superintendente de Educação Musical e Artística para o Estado do Rio, com o objetivo de ensinar música a partir de canções inspiradas no folclore.

O bordão “Ô, sorte!”, imortalizado por Das Neves, foi inventado em parceria com o imperiano Roberto Ribeiro (1940-96). Ao se encontrarem nos ensaios da alviverde de Madureira, celebravam com esta expressão de júbilo: “Ô, sorte… de te encontrar aqui”. Hoje não há um só concerto de samba em que os membros do grupo não utilizem esta expressão como forma de agradecer pela própria sorte.

Receita para se fazer “som quente”, enfim, não há. Mas hoje não parece haver dúvidas de que Wilson das Neves é um dos indivíduos mais capacitados no mundo para fazê-lo.

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Bernardo Oliveira é professor de filosofia no IFCS/UFRJ, critico de música e cinema,

baterista e compositor. Edita o blog Matéria, sobre música e adjacências

CRÉDITOS

PROGRAMAÇÃO

01 NOV. / QUI.

21h EUMIR DEODATO E BIG BAND

02 NOV. / SEX.

21h KASSIN E A MAGNÉTICA

INTERGALÁCTICA

23h SHINKANSEN

HORTA, LIMINHA,MORELENBAUM e SUZANO

03 NOV. / SÁB.

O BAILE com

21h PEPEU GOMES INSTRUMENTAL

23h SOM QUENTE É O DAS NEVES

nos intervalos VINIL É ARTE

TRUPE REVISTA

editorBernardo VilhenaassistenteCarol Rosman

realizaçãoIsabel SeixasDiogo RezendeM’Baraká Experiências Relevantes

projeto gráficoAna Paula MonizBady Cartier

colaboradoresFrederico CoelhoHugo SukmanReinaldo FigueiredoBernardo OliveiraHelena AragãoCarol RosmanRobertro MuggiatiMoraes Moreira

Revisão William Oliveira

TRUPE FESTIVAL

idealizaçãoBernardo VilhenaIsabel SeixasM’Baraká Experiências Relevantes

curadoriaCarol RosmanBernardo Vilhena

direção de arteM’Baraká Experiências Relevantes Diogo RezendeAna Paula MonizBady Cartier

projeto gráficoAna Paula MonizBady CartierM’Baraká Experiências Relevantes

Coordenação de ComunicaçãoJoão Morais

coordenação do projetoIsabel Seixas

coordenação do produçãoRita Vilhena

produção executivaThayane Alves

assistente de produçãoAloisio Moraes

gerente financeiroLarissa Victório

realizaçãoM’Baraká Experiências Relevantes

+ Equipe M’barakaNathalia Rezende – produção administrativaAna Luisa Fonseca – produtoraMariana Solis – designerTatiana Almeida – assistente financeiroRafael Santos – assistente geral

assessoria de imprensaApproach

Ana Carolina [email protected]

João [email protected]

Cláudia [email protected]

Tel.: (21) 3461-4616 – ramal 181www.approach.com.br

*Fotos gentilmente cedidas pelos artistas. Exceto Lincoln Olivetti, Edu Lobo, Gilson Peranzzeta, Mauro Senise e Clube do Balanço que foram feitas por Carlos Miller.

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Para a Companhia, transmitir energia significa também respeitar o meio ambiente, incentivando o esporte e a cultura do nosso povo.

É com grande orgulho que, pela quarta vez, a TAESA se faz presente no COPA FEST. TAESA, brasileira por excelência.

TRANSMITIR ENERGIA ÉLEVAR DESENVOLVIMENTOAO PAÍS.

Por meio de uma busca incessante pela qualidade, a TAESA desenvolve ações econômicas, sociais e ambientais.

fotografia:José Wellington Empregado da TAESA