revista do it a23_7
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Revista do it a23_7TRANSCRIPT
publicação trimestral
2010 | #7 | Março.Maio
€1.50
Retratosdo país-bordel
Reportagem libertina, entre bordéis à beira da estrada
reportagem cinco cidades que despertam
Madrid Me Matoupor tiago salazar
entrevistade arnaldo saraivaa agustina bessa-luís
reportageMos ‘escravos’de cerro rico
novo supleMento o cãovasco está de volta
Quinta dos Termos6250 - 161 Carvalhal Formoso - BelmonteTelef: 275 471 070 Email. [email protected]
Quinta TermosdosA excelênciA dA nAturezAnA quAlidAde de um vinho
em viagem
O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo.Agustina Bessa-Luís
Seja no fim da rua ou na outra ponta do mundo, há sempre uma boa história pronta a ser contada. Neste número da A23, fomos à procura destas histórias, as de um Portugal profundo, autêntico e desconhecido da maioria, mas tam-bém as de outras partes do mundo, cuja tensão narrativa nos faz rapidamente viajar.Muitos anos passaram depois do aparecimento do primeiro comboio em Portugal. Estas são memórias que o tempo não apaga e os comboios continuam a percorrer as linhas sinu-osas que atravessam o nosso país. Rui Pelejão é o maqui-nista de uma viagem desde as peripécias do aparecimento dos comboios, até ao encanto que ainda hoje uma viagem pode ter. Primeira paragem: a zona do interior do país, mais precisamente a Beira Baixa. Desta vez, ficamos apeados nos subúrbios da Beira, à mercê de uma “reportagem libertina” sobre os bordeis à beira da estrada. Poderá, afinal, o sexo ainda ser tabu? O bordel de beira de estrada não aparece na tv, nem faz manchetes na imprensa regional. Não é notícia. Não teria existência. E no entanto existe.No âmbito da colaboração com o The Portfolio Project, coordenado por Susana Paiva, a A23 publica um interessan-te portfolio de seis fotógrafos que, ao longo de 36 imagens, captam cidades que despertam entre as cinco e as nove da manhã. Que segredos escondem as cidades quando ama-nhecem? Haverá algo em comum captado por estes fotógra-fos em diferentes cidades mas a horas idênticas?No plano internacional, destaque para a reportagem de Paulo Nunes dos Santos sobre Cerro Rico, mais precisa-mente Potosí, classificada pela UNESCO património mun-dial, a partir do olhar dos seus habitantes.Daqui, viajamos novamente para Portugal, para as Covas do Monte, captada pela objectiva de Pedro Martins. Esta aldeia perdida no meio de uma imensa montanha de xisto, num vale da Serra de São Macário, tem 58 habitantes que vivem quase exclusivamente da pastorícia – mais de 2000 cabras constituem aquele que será talvez o maior rebanho do país.O portfolio é dedicado à obra de Ricardo Alevizos, que aqui damos a conhecer, e entrevistámos uma das maiores romancistas contemporâneas, Agustina Bessa-Luís, sobre o olhar atento e rigoroso de Arnaldo Saraiva. A viagem é assi-nada por Tiago Salazar que, qual guia exímio, nos leva pelas praças e ruas de Madrid, “uma cidade de instinto matador”. O escritor Manuel da Silva Ramos revela-se-nos numa sur-preendente crónica em jeito de autobiografia.Pela primeira vez, a A23 integra um suplemento especial, “O Cão”, coordenado por Vasco Castro. Aquele que é talvez o mais célebre caricaturista português, partilha com o leitor o seu exímio sentido de humor e crítica num suplemento onde se destaca ainda a notável entrevista de Tiago Salazar ao padre Mário de Oliveira.Que este seja mais um contributo para olhar para o Portugal profundo ou, quanto muito, uma forma aprofundada de ver Portugal.
destaQues
PÁGS.08-11 reportagema priMeira Hora
Cada amanhecer é o começo de um novo dia. Alípio Padilha, José Crúzio, Manuel Ferreira Chaves, Pedro Amaral, Susana Paiva e Victor Coelho trazem-nos 36 imagens, com as particularidades próprias de cada cidade, de cada lugar. São 36 imagens de cidades que despertam, captadas entre as 5 e as 9 horas da manhã. Lisboa, Fundão, Viseu, Portugal, Quintana Roo, Yucatán Peninsula, México, Essaouira (antigo Mogador), Marrocos.
PÁG.14-15 Foto-reportagemcovas do Monte
À sua volta fica uma imensa montanha de xisto, manchada de verde das giestas e do mato, aqui e ali salpicada por algumas manchas de pinheiro ealguns, poucos, eucaliptos. Olhando no prolongamento do vale são visíveis os campos férteis e verdejantes. Ali perto, o Portal do Inferno espreita...
PÁG.24-25 VIagemMadrid Me Matou
Admitamos. Madrid é um palco de Satyricon, com os seus homens de ex-pressões másculas de lenços vermelhos na lapela e mulheres de “salero” como o fogo abrasivo que sopra da Plaza de las Ventas. Uma cidade de instinto matador onde as ruas são alfândegas de gente e dormir um verbo em desuso. A última tentação dos madrilenos é matar pela boca.
PÁG.02-03 opINIÃo“REGIONALIzAçãO: POR UM PAíS MAIS EQUILIBRADO”
“OS AMIGOS DE POLANSkI”
“MANUEL ALEGRE, O MELHOR CANDIDATO DA ESQUERDA?”
“P.P.P. (PAGOS PARA PREVARICAR)”
PÁG.04-13 reportagem“A TODO O VAPOR”
“RETRATOS DO PAíS-BORDEL”
“OS ‘ESCRAVOS DE CERRO RICO”
PÁG.16-19 portFoLIo“THE PORTFOLIO PROJECT - RICARDO ALEVIzOS”
PÁG.20-21 eNtreVISta“ENTREVISTA A AGUSTINA BESSA-LUíS”
PÁG.22-23 CULtUra“Músicos / Actores ou Actores / Músicos?”
“A cArA dA Gente”
“tindersitcks”
PÁG.25 gaStroNomIa“TIA ALICE”
PÁG.26-27 CrÓNICa“MANUEL DA SILVA RAMOS”
SUpLemeNto o CÃo
Director Ricardo Paulouro/ Director-adjunto Paulo Nunes dos Santos, Pedro Leal Salvado/ Chefe de redacção Margarida Gil dos Reis/ produção executiva João Paulo Alexandre/ Colaboram neste número Arnaldo Saraiva, Hortense Martins, Manuel da Silva Ramos, Pedro Fiúza, Pedro Martins, Pedro Teles Ramos, Rita Barata Silvério, Rui Pelejão, Tiago Salazar/ Fotografia Adriano Batista, Alípio Padilha, José Crúzio, Luísa Ferreira, Manuel Ferreira Chaves, Margarida Dias, Pedro Amaral, Pedro Martins, Rui Dias Monteiro, Ricardo Alevizos, Susana Paiva, Victor Coelho/ Ilustração Vasco Castro/ Design gráfico Filipe Matos/ periodicidade Trimestral/ tiragem 5.000 exemplares/ impressão Mirandela Artes Gráficas/ distribuição Vasp/ propriedade Associação Cultural A.23 ( www.a23online.com / [email protected])
Número do registo na ERC 125073 Morada e sede de redacção Rua dos Três Lagares — Edifício Laranjeiras, Torre 3,6º — Fundão
EDITORIAL
Ricardo Paulouro
os aMigos de polansKi
limpar portugalA ideia surgiu de uma ini-ciativa semelhante que teve lugar na Estónia. Denomi-nado de “Vamos fazê-lo”, conseguiu eliminar 10 mil toneladas de lixo abando-nado por todo o país, em apenas cinco horas, e en-volvendo uma logística que integrou ONG’s, cientistas, figuras públicas e políticos, incluindo o próprio Presi-dente da Estónia. Importan-do esta ideia, a Coordenação do Projecto Limpar Portugal tem agora o objectivo de juntar o maior número de voluntários e parceiros, como instituições e empre-sas públicas e/ou privadas, que através da cedência de meios (humanos e/ou mate-riais à excepção de dinheiro) estejam interessadas em dar apoio ao movimento.
Um adulto que tem relações sexuais com uma criança comete um crime, seja este adulto um bom vizinho, um cabrão que bate na mulher, uma vítima da sociedade, um generoso filantropo ou um cineasta genial. É um crime nos Estados Unidos, em Portugal ou na Islândia. Outra coisa é que estes crimes de pedofilia se persigam e os pedófilos sejam castigados, ou senão que o per-guntem aos putos da Casa Pia. E Roman Polanski não só violou uma miúda de treze anos, como também a drogou, confessou o crime e depois fugiu dos Estados Unidos a sete pés. Agora que foi preso na Suiça 32 anos depois, o mundo das artes reclama, indignado, uma atençãozinha especial, a liberdade incondicio-nal e o perdão absoluto como se a condição de artista eximisse a qualquer escritor, realizador, cantor ou pintor de pacotilha de delinquir. Como se no fundo ser dono de um Oscar desse direito à absolvição, não importando a natureza ou aberração do crime, como se houvesse dois tipos de pessoas (as ungidas pelas musas da criação e o povão a quem a lei se deve aplicar por falta de amor ao cinema) artistas e cineastas, actores e ministros levantam a voz contra a América que dá medo (Mitterand dixit) e a Suiça que, vergonhosamente imaginem, se atreve a prender artistas. Ouvindo esta gentalha que se insurge contra o pos-sível julgamento de um gajo que violou uma criança, palavra de honra, tira-se-me a vontade de ir ao cinema, de lhes pagar as entradas, de alugar DVDs e até, se me apuram, de dar uma parte dos meus impostos para a cul-tura. Como é lógico os crimes, para este lobby de ungidos, só prescrevem para os autores de obras de arte e nunca para pa-dres pedófilos, carrascos da re-pressão de Pinochet ou guardas da campos de concentração nazi. Claro, uma criança nunca estará à altura das grandes causas uni-versais que dão direito a mani-festações às portas de igrejas e embaixadas, manifestos sofridos e concertos a favor das vítimas, e muito menos se a dita criança teve a sorte de ser violada pelo fabuloso e internacionalmente reconhecido Roman Polanski. É que uma gaja já começa a ficar farta de tanto relativismo moral, no me jodan.www.rititi.com
vítor constâncioA nomeação de Vítor Constâncio para Vice-Presi-dente do Banco Central Eu-ropeu, entidade reguladora do sistema económico-fi-nanceiro da União Europeia, levanta várias questões.Por um lado, não deixa de ser estranho que alguém que tenha sido tão criticado internamente na questão de supervisão da Banca, que tenha sido apontado tantas e tantas vezes como um verdadeiro incompetente, seja agora agraciado com a mesma função para todo o espaço europeu. Das duas uma, ou Vítor Constân-cio não é tão mau como a oposição portuguesa o pinta, ou então é mesmo mau e incompetente e os membros da União Euro-peia querem-no naquele lugar para fechar os olhos à actividade bancária euro-peia, deixando-a trabalhar desreguladamente.
texto de rita barata silvério
sinais
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Já muito foi escrito sobre o tema da Regionalização. Há quem a defen-da, justificando o nosso atraso face aos outros países, com a falta de uma divisão administrativa, que dê poderes às regiões, constituindo-se assim um nível de organização intermédio. Mas há também quem acredite que esta alteração, apenas irá trazer mais dispêndio de recur-sos, sem reflexo no desenvolvimento harmonioso do país. Incluo-me no grupo dos que defendem a Regio-nalização. Aliás, penso que ao longo destes anos de Democracia, algu-mas coisas teriam sido diferentes caso já tivéssemos avançado neste processo de organização político/administrativa e de criação das regiões. Na região da Beira Interior, perto de Espanha, há muito que de alguma maneira contactamos com a diferença organizativa dos nossos vi-zinhos espanhóis. Lembro-me bem, e já lá vão talvez 16 anos, quando se tentou desenvolver um Projecto de Promoção Conjunta que incluía a Extremadura espanhola e a raia portuguesa, desde a nossa região da Beira Baixa até ao Norte Alente-jano. Do lado espanhol estavam os vários interlocutores, devidamente representados e legitimados, para falarem, negociarem e decidirem, não só em termos associativos, mas também ao nível político… Do lado português poderão imaginar o difícil que foi. Cada um com as suas ideias, e com as melhores intenções, mas no fim, sem capacidade de repre-sentação/poder de decisão. Apesar de todo o trabalho e boa vontade, de muitos dos que lá estavam, que genuinamente acreditavam que era possível fazer algo, em prol destas duas regiões, não foi possível fazer com que o projecto avançasse. Não devemos ver a Regionalização como um milagre, qual varinha mágica para tornar finalmente Portugal num país mais coeso. Sei que muito do nosso atraso, em termos de desenvolvimento e coesão, advém da nossa deficiente organização e pouco espírito associativo. Temos muitas associações, muitas “quin-tas”, mas pouca massa crítica para fazer realmente a diferença.No caso da Regionalização, todos sabemos que só será possível a sua implementação se houver um refe-rendo, de acordo com o art. 255º da nossa Constituição. E embora exista já quem vem desenvolvendo “novas teorias”, a verdade é que de acordo com a Lei, “as regiões administrati-vas são criadas simultaneamente” em todo o País. Penso que não seria muito útil, e até poderia ser contraproducente, que se criasse a região do Algarve ou do Norte, e se
deixasse para trás outras regiões… As expectativas, que rodeiam a sua criação, são sobretudo ao nível do combate ao centralismo de Lisboa, da redução das assimetrias entre o Norte e o Sul, e sobretudo entre o Litoral e o Interior. Sabemos que é sobretudo nesta extensa faixa mais próxima de Espanha que existem ainda problemas, ao nível de de-senvolvimento, do envelhecimento da população, e nalguns concelhos risco acentuado de desertificação. São necessárias políticas efectivas de promoção de desenvolvimento e a sua aplicação com eficácia nestes territórios. A criação de um nível intermédio de poder parece-me essencial para este efeito. Tal como está referido na moção sectorial, aprovado no Congresso do PS, e que também subscrevi, “as regiões pre-cisam de estabilidade institucional e de um projecto de longo prazo”. Muitos problemas já não encontram resposta à escala municipal. “É pre-ciso mais inovação na organização, mas descentralização de compe-tências e coordenação de acção.” Na verdade, “Portugal precisa de consolidar uma estrutura regional com escala apropriada, competên-cias, autoridade e poder de decisão, capaz de assumir e dar coerência aos projectos, definir prioridades e coordenar acções, num quadro transparente de responsabilização política”. O Partido Socialista e o seu grupo parlamentar escolheu o tema da Regionalização para as suas últi-mas jornadas, que se realizaram no Interior, em Beja. Assumiu assim o debate sobre esta importante ques-tão, com vista a criar um consenso nacional. Sabemos que a própria ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) a defende. Alguns mudaram de opinião e hoje também já a defendem, como Rui Rio. Sabemos que a Regionalização precisa de uma reforma do Estado. O último governo iniciou este traba-lho através do PRACE. No último referendo, em 1998, mais de 50% dos eleitores, quase 4,5 milhões de pessoas, não foram votar. De acordo com a Constituição, terá que haver um novo referendo. Façamos com que o debate seja sério e aprofunda-do. O PS iniciou uma reflexão séria e exigente, afastando antagonismos demagógicos e procurando construir um modelo que seja verdadeiramen-te indutor do desenvolvimento das nossas regiões, especialmente as do Interior. O País ganhará com um Portugal mais coeso e equilibrado. E acredito que o Interior também. Nós merecemos.deputada à ar ps, Membro do gt desenvolvimento regional
regionalização: por uM país Mais eQuilibrado
texto de Hortense Martins
xocoaRua do Crucifixo
112-114,1100-185 Lisboa Baixa ChiadoT/ + 351 213 466 370
p.p.p. (pagos para prevaricar)
O modelo não é novo mas, como todas as obras do “engenho e arte” português, é aplicado discretamente e em lume brando, como se quer, para que ninguém repare. Falo das P.P.P., as Parcerias Público-Privadas.Com as Finanças Públicas no caos que se conhece, com um endivida-mento excessivo e incomportável já a curto prazo, andou bem o Governo em impor limites ao endividamento público, nomeadamente ao endivida-mento das autarquias locais, através da Lei das Finanças Locais. Sucede que, e como é já costume no nosso País, uma boa regra não tarda a gerar todo um leque de excepções. O princípio da citada Lei é bom: responsabilizar as Autarquias em termos financeiros, impondo-lhes limites de endividamento, de modo a não serem criar situações insus-tentáveis e que poderiam em muitos casos pôr em causa a viabilidade económica de muitos Municípios. Não tardaram no entanto as Au-tarquias a encontrar expedientes que permitissem excepcionar esses mesmos limites. O objectivo é claro: desorçamentar, ou seja, como a Lei impõe limites ao endividamento orçamentado, há que engendrar formas de obter empréstimos fora do orçamento. O caso mais flagrante, e sobre o qual já escrevi, é o das Em-presas Municipais. Mas também as Empresas Municipais têm um limite: o da sua própria sustentabilidade, pelo menos em termos formais.
Assim, uma qualquer “mente brilhante” arquitectou um novo esquema, o das Parcerias Público-Privadas. Através deste expediente, e como o próprio nome indica, os Municípios criam uma nova figura, na qual têm apenas uma posição mi-noritária, sendo a maioria do capital privado. Em teoria, é um bom sistema, pois o grosso do investimento é privado. Acontece que na realidade apenas é uma parceria formalmente, na qual a participação privada é compen-sada por dinheiros públicos, quer através de transferências de capi-tal, subsídios ou protocolos. Estas P.P.P.s permitem, no entanto, que as Autarquias contraiam empréstimos indirectamente, através dos privados. No fim, são os dinheiros públicos que acabam por pagar toda a factura: os privados pedem o empréstimo, os Municípios transferem depois men-salmente as rendas para os privados pagarem tal empréstimo.Tudo isto é feito com a complacên-cia do Estado – ele próprio também useiro e vezeiro deste expediente. Temos de concordar com o Professor Doutor do I.S.E.G. João Cantiga Es-teves: “temos um modelo de regras de boas práticas e de boa gestão importado dos melhores sistemas europeus, mas depois criamos Ins-titutos Públicos, Empresas Públicas, Empresas Municipais, Parcerias Público Privadas, para fugirmos a essas mesmas regras”.
Um circo de variedade e de tontarias, é assim que se vai organizando a vida política portu-guesa, mais dada às actividades recreativas, golpadas e conspirações de restaurante finório do que a socorrer a vida de um país à beira da apoplexia. Ainda mal rescaldados de um ano de eleições em barda, parece que começou agora o corridinho para as eleições presidenciais.Como vivemos numa paróquia, o arranque oficial da campanha foi dado no boletim da paróquia, quando Manuel Alegre se descaiu ao “Expresso”, afirmando que era candidato ao Presidente da República.Parem as rotativas, o “scoop” do ano, Manuel Alegre candidato a Presidente da República, quem diria. Agora só falta Cristo descer à terra e Marcelo ser candidato a líder daquela confraria da Lapa, ou dizer que Santana Lopes continua por aí, como o zombie político mais vivaço da história da democracia portuguesa.A um ano das eleições, Manuel Alegre chegou-se à frente, ou seja, atravessou-se; antes que a esquerda romântica e a outra, pragmática, começasse a burilar figurões presidenciáveis nas páginas dos pasquins solícitos.Logo foi acusado de estar a lançar uma candi-datura prematura e sem apoios, mas se recor-darmos, fez exactamente como Jorge Sampaio, que se candidatou a presidente sem perguntar nada a ninguém, marcando desde logo o seu território com um bom sentido de oportunis-mo político. No caso de Manuel Alegre, este anúncio não passa de uma mera formalidade técnica, porque depois dos resultados obtidos nas eleições onde foi derrotado por Cavaco Silva, Manuel Alegre pressentiu que a sua voz tinha um milhão de legionários, prontos a segui-lo na sua cruzada contra o Partido Social Democrata do PS (o de Sócrates) e contra a direita dos patrões e da globalização, ou contra o sistema partidário em geral, ou seja, Alegre é o campeão dos desencantados, descontentes e idealistas. Isso e um pouco da sua vaida-de (justificada, aliás) são o carimbo da sua candidatura. Mais interessante que a crónica de uma candidatura anunciada, foi ver a onda de reacções que esta gerou, com os caudalo-sos comentários, análises e escalpelizações. Particularmente curioso é ver o embaraço do PS com este reclame prematuro (como se não estivessem à espera) e também algum des-conforto das hostes cavaquistas que trataram de começar a colar Manuel Alegre ao Bloco de Esquerda e à esquerda mais ou menos pipoca e radical.No PS, espante-se, há quem duvide da capa-cidade de Manuel Alegre derrotar Cavaco, ou sequer de ser um bom candidato presidencial para o PS. Quero crer que este raciocínio, pro-duzido por exemplo por Sérgio Sousa Pinto ou Vitalino Canas, (ventríloquos de José Sócrates) não é produto de pura destrambelhice socia-lista.É antes o azedume entranhado, ressabiamento por Manuel Alegre se ter atrevido a pensar pela sua cabeça e ser uma voz dissonante do orfeão afinado da direcção do partido. Para muitos “aparatchicks” socialistas, Alegre é um traidor que não soube comungar das homilias e da vontade do chefe, e se Roma não paga a traido-res, o PS muito menos.
Os políticos socialistas começam a parecer desligados da realidade e a viver no seu próprio mundo de fábula e de política de gabinetes. E isso é perigoso porque são eles que estão sen-tados em frente às gamelas do poder.Em primeiro lugar acreditam que Cavaco está irremediavelmente ferido na sua credibilidade com o caso das escutas, e por isso, qualquer luminária que avance com o beneplácito de Só-crates, será aclamada num triunfal desfile para o Palácio de Belém.Acontece que a memória dos portugueses é curta e a esponja é forte. Se decidir avançar para a sua recandidatura, Cavaco será um candidato praticamente imbatível, não porque tenha exercido um magistério de grandeza ou substância, mas pela simples razão de que os portugueses querem uma trela forte em Sócra-tes e nos seus mastins.Foi aliás esse sentimento anti-Sócrates (agora mais arreigado) que deu a vitória a Cavaco nas últimas presidenciais, ao unir o centro-direita contra uma esquerda dividida pelos seus imen-sos egos.Se o PS quiser repetir a gracinha, só há uma conclusão a tirar. O PS de Sócrates prefere o professor de Boliqueime, apesar de tudo mais previsível e institucional, do que o libertário e impulsivo de Alegre, que será sempre um canhão à solta em Belém.Se o PS acredita que um candidato seu com o rótulo de marioneta de Sócrates pode aspirar a mais do que 15 por cento dos votos, está obviamente a delirar, ou então a produzir um candidato fantasma, para incinerar as hipóteses de Manuel Alegre chegar a Belém.Nomes como Jaime Gama, António Vitorino ou mesmo António Costa ou Jorge Sampaio são autênticas anedotas num confronto com Cavaco.A verdade é esta, nenhum candidato inventado por Sócrates terá a mínima hipótese de bater Cavaco, e na esquerda não há uma única figura presidenciável (já agora, na direita também não).Manuel Alegre, apesar de ser uma figura histórica do PS (e não do Bloco de Esquerda) é o único candidato com estatuto de independência suficiente para agregar os votos da esquerda sociológica, e até poder colher votos no centrão que ainda tenha memória das desastradas patarequices de Cavaco.Por mais que custe ao PS de Sócrates, Alegre pode até não conseguir bater Cavaco, mas se não for ele, mais ninguém é. Sócrates sabe isto, mesmo pensando, venha o diabo e escolha.Curiosamente, Cavaco e Alegre partilham um capital imenso, que é o descontentamento generalizado com a política partidária. Eles encarnam uma espécie de mitologia de perso-nalidades independentes, acima da política, que é obviamente uma construção boa para captar votos, mas que não passa disso mesmo, uma construção.Cavaco e Alegre são políticos como os outros, que souberam explorar esse distanciamento al-tivo, e uma espécie de nojo da política. Fizeram-no de uma forma calculista e pragmática, como qualquer político de concelhia. Assim sendo, o dilema de Sócrates é o mesmo que o nosso, venha o diabo e escolha o novo presidente da paróquia.
Manuel alegre, o MelHor candidato da esQuerda?
os aMigos de polansKi
texto de pedro leal salvadotexto de rui pelejão
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05A todo o vApor
texto de rui pelejãoFotografias de Margarida dias
a cp comemorou recentemente 150 anos sobre o nascimento do caminho-de-ferro em portugal. passámos em alta velocidade pela estação de braço de prata, nos subúrbios industriais de lisboa e dedicamos um minuto de misericórdia ao cardeal-patriarca e altos dignatários da nação que ficaram apeados na viagem inaugural do comboio em portugal no dia 28 de outubro de 1856.
história é aliás bem portuguesa …A cerimoniosa viagem foi organizada com pompa e circunstância como um hino ao progresso alavancado pelo Partido Regene-rador, então no poder, e pelo seu “maquinis-ta” de serviço, Fontes Pereira de Mello.O dinâmico Ministro do Reino foi o grande impulsionador da política de “melhorias ma-teriais” que se consubstanciou no arranque do projecto ferroviário, para o qual Portu-gal partia já com mais de duas décadas de atraso.A empreitada e exploração da primeira linha de comboio em Portugal foi entregue à Com-panhia Central Peninsular dos Caminhos de Ferro de Portugal, (criada em Londres a 14 de Maio de 1852), do inglês Hardy Hislop.Foi também um projecto polémico que divi-diu as elites pensantes e incendiou o clima intelectual do nosso país, com a famosa polémica de Alexandre Herculano e Lopes de Mendonça, o primeiro diabolizando o comboio e as suas consequências nefastas para o “municipalismo” e para uma certa pureza moral do mundo rural; o segundo endeusando essa ferramenta de progresso, da livre circulação de bens e de ideias, que de facto se iria concretizar.O progresso sempre foi em Portugal pomo de discórdia, como se vê pela polémica gerada em torno do TGV, o comboio de alta velocidade que Portugal pretende lançar nos próximos anos.Mas voltemos à manhã de azáfama que levou multidões à beira da linha para ver passar esse cavalo do progresso ou má-quina diabólica, conforme as opiniões: “Tenho a certeza que foram inspirados pelo Demónio! Não o digo a rir. Mas vejam aque-les uivos, aquele fogaracho, aquele fragor! Ai que arrepia!”, dizia a beata D. Josefa ao benevolente Padre Amaro de Eça de Queirós.O Rei D. Pedro e os barões e baronetes da nação enchiam com garbo e curiosidade as carruagens do novo meio de transporte. Infelizmente as duas primeiras locomotivas adquiridas para o serviço dos caminhos-
de-ferro eram sucata da qual os ingleses se desfizeram com alívio. E, no regresso da viagem inaugural, quando se entoavam loas ao comboio e aos seus méritos, perto de Sa-cavém, partiram-se as tubagens de vapor de uma das máquinas, obrigando-a a deixar pelo caminho parte da comitiva, incluindo o Cardeal-Patriarca. A oposição ao Partido Regenerador não tardou em rosnar sarcas-mo em “O Português”: - «A Regeneração escolheu locomotivas à sua imagem: podres como ela!»Um bom livro é uma companhia indispen-sável para uma viagem de comboio. Oscar Wilde costumava dizer que levava sempre o seu diário para ter uma leitura extraordiná-ria no comboio. Nós preferimos as deliciosas memórias da Marquesa de Rio Maior, que recorda com sublime ironia o dia em que se assistiu ao nascimento do caminho-de-ferro em Portugal: “Finalmente, avistámos de longe um fumozito branco, na frente de uma fita escura que lembra uma serpente a avan-çar devagarinho. Era o comboio! (…) Vinha festivamente embandeirado o Wagon em que viajava El-Rei D. Pedro V. O comboio parou um momento na estação, de onde se ergueram girândolas estrondo-sas de foguetes; vimos El-Rei debruçar-se um instante, e fazer-nos uma cortesia; (…) A máquina, escusado será dizer, das mais primitivas, (parecia um enorme garrafão) não tinha força nem idade para puxar todas as carruagens que lhe atrelaram; e fora-os largando pelo caminho. Algumas, de convidados, nos Olivais. O Wagon do Cardeal Patriarca, e do Cabido, ficou em Sacavém; mais um, recheado de dignatários, ficou no desamparo na Póvoa (…) Esses despro-tegidos da sorte, semeados pela linha ao acaso das debilidades da tracção acelerada, só chegaram alta noite a Lisboa, depois de ousadíssimas aventuras, que encheram durante meses os soalheiros oficiais. Até andou gente com archotes, pela linha, em procura dos náufragos do Progresso.”
a banHos eM cascaisApesar das peripécias da primeira viagem, o comboio do progresso arrancou a todo o va-por na segunda metade do séc. XIX, numa primeira fase através de contratos de concessão e exploração a empresas privadas e, mais tarde, (a partir de 1870) com o Estado a assumir as “despesas” de desenvolvimento da infra-estrutura fer-roviária, em virtude dos baixos resultados de exploração que no dealbar do séc. XX desinteressaram a maioria dos investido-res privados. A opção por dotar o país de artérias ferroviárias sobrepôs-se a todos os outros meios de transporte; em detrimento,
por exemplo, do investimento na navegabi-lidade dos rios, nas estruturas portuárias, ou mesmo da construção de estradas, cujos principais eixos vieram decalcar os traçados dos caminhos-de-ferro.A linha para Cascais, inicialmente até à Cruz Quebrada, foi das primeiras a ser criada, tornando aquela localidade uma estância balnear de eleição dos lisboetas que “copia-vam” assim os hábitos da família real e da aristocracia que fazia férias em Cascais.A conclusão da linha do Norte e da liga-ção a Espanha obrigaram à adopção da cha-mada bitola ibérica, diferente por exemplo da francesa, porque ainda pairava a sombra das incursões napoleónicas, e esperava-se que a República de Bonaparte pudesse vir por aí abaixo, tomar a rédea da Monarquia Constitucional.Não vieram fardas nem canhões, mas ideias, já que o comboio aproximou Portugal da Europa e das correntes de pensamento libertário e humanista. «Com o comboio não foram só as ideias a circular mais rapidamente. A melhoria das comunicações aproximou o campo dos centros urbanos e criou condições para o aparecimento de um mercado nacional. Para quem vivia confina-do aos limites das suas aldeias o comboio foi o meio de alargar os horizontes, por vezes de um modo drástico, acabando, por vezes, a viagem do lado de lá do oceano», conforme explica a historiadora Maria Maga-lhães Ramalho.O lançamento das bases da infra-estrutura ferroviária marcou também a entrada na eramoderna da nossa engenharia, forjada nas complexas obras, nomeadamente para a tra-vessia de rios, como a monumental Ponte D. Maria Pia no Porto, que permitiu a ligação ferroviária entre as duas principais cidades do país.O esforço ferroviário foi de tal ordem que em 1910 a generalidade das linhas que ainda hoje constituem a espinha dorsal do nosso sistema ferroviário estava concluída. A partir daí, um novo meio de transporte conquista-va Portugal – o automóvel, e o comboio foi perdendo a sua influência progressista, mas nunca o seu encanto e o seu papel determi-nante na circulação de pessoas e bens em Portugal.A história é aliás bem portuguesa …A cerimoniosa viagem foi organizada com pompa e circunstância como um hino ao progresso alavancado pelo Partido Regene-rador, então no poder, e pelo seu “maqui-nista” de serviço, Fontes Pereira de Mello. O dinâmico Ministro do Reino foi o grande impulsionador da política de “melhorias materiais” que se consubstanciou no ar-ranque do projecto ferroviário, para o qual
Portugal partia já com mais de duas décadas de atraso. A empreitada e exploração da primeira linha de comboio em Portugal foi entregue à Companhia Central Peninsular dos Caminhos de Ferro de Portugal, (criada em Londres a 14 de Maio de 1852), do inglês Hardy Hislop.Foi também um projecto polémico que divi-diu as elites pensantes e incendiou o clima intelectual do nosso país, com a famosa polémica de Alexandre Herculano e Lopes de Mendonça, o primeiro diabolizando o comboio e as suas consequências nefastas para o “municipalismo” e para uma certa pureza moral do mundo rural; o segundo endeusando essa ferramenta de progresso, da livre circulação de bens e de ideias, que de facto se iria concretizar.O progresso sempre foi em Portugal pomo de discórdia, como se vê pela polémica gerada em torno do TGV, o comboio de alta velocidade que Portugal pretende lançar nos próximos anos.
reviver o passado no douroO Intercidades chega ao Entroncamento, artéria principal do sistema ferroviário nacional. Apeamo-nos para visitar um pouco da história da ferrovia em Portugal, já que aqui se ergue o embrionário Museu Nacional Ferroviário, que vai guardar os tesouros e os engenhos que escreveram um século e meio de história dos comboios no nosso país. Com um valioso espólio disperso por vários núcleos museológicos no país, a CP pretende concentrar aqui a sua memória, se quisermos, a sua Torre do Tombo. Desde as pioneiras locomotivas avapor, às carruagens reais, passando por material de fiscalização de linha, fardas do início do século XX, o Museu Nacional Ferroviário é um projecto ambicioso e uma montra de eleição que pretende espelhar mais de um século e meio de história.Mas é também uma história viva que a CP e alguns operadores turísticos pretendem re-criar com os comboios históricos na linha da Beira Baixa, à semelhança do que acontece com a Linha do Douro e do Corgo, em que antigas locomotivas a vapor e carruagens “vintage” restauradas recriam o espírito e o encanto das viagens de comboio do início do Século XX. Com um fiozinho branco dese-nhado no horizonte, o comboio vai irmanado com o rio, por esse país adentro, seja no Douro vinhateiro das estações de azulejaria deslumbrante, como a do Pinhão, ou pelas margens do Tejo, entre túneis, castelos de Almourol, e o casario das vilas ribeirinhas que saúdam o comboio que passa, hoje como há 150 anos.
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aldeia, pertencente à freguesia de Covas do Rio, fica situada num vale da Serra de São Macário, em pleno massiço da Gralheira, a uma altitude de 450 m. À sua volta, fica uma imensa montanha de xisto, colorida pelo verde das giestas e do mato, aqui e ali salpicada por algumas manchas de pinheiro e alguns, poucos, euc-aliptos. Olhando no prolongamento do vale são visíveis campos férteis e verdejantes. Ali perto, o Portal do Inferno espreita... Apenas nos anos oitenta se abriu a estrada à qual o alcatrão chegou mais tarde. Dali não segue para mais lado nenhum, mas por estrada florestal - o popular estradão - pode-se desfrutar de um belo passeio até Covas do Rio. A aldeia de Covas do Monte é constituída na sua maioria por construções de xisto, apresentando as casas um telhado de lousa feito por placas desta mesma rocha. Dispostas em ruas sinuosas, as casas têm, por norma, um piso térreo onde se abrigam os animais e as alfaias agrícolas e um primeiro andar reservado para habitação.Ali vivem 58 pessoas que têm na pastorícia a sua prin-cipal fonte de rendimento. As cerca de 2000 cabras que marcam a dinâmica da localidade sobem, diariamente, num espectáculo inusitado e surpreendente, as várias encostas em torno da povoação. Para as guardar, os ha-bitantes organizaram “parceiradas” em que se revezam na guarda do gado (pobreiro). É esta lógica comunitária em torno da pastorícia que reforça a identidade singular da aldeia em que, visita após visita, se continua a sur-preender o visitante.Ao final do dia o gado desce a encosta rumo à aldeia, oferecendo aos presentes a mais extraordinária ex-periência sensorial – envoltas numa imensa núvem de poeira levantada pelo calcorrear do rebanho e recorta-das pelos últimos raios de luz, as cabras distribuem-se sozinhas e ordeiramente pelas estreitas ruas da aldeia dirigindo-se cada uma para o seu curral.No prolongamento do vale ficam situadas as “Terras do Pão”, lugar de terrenos férteis e com abundância de água que, escorrendo da serra por alguns ribeiros, no estio é utilizada e distribuída pelos campos através de um regadio tradicional. É essa mesma água a força motriz das mós, nos seculares moinhos de água, onde se procede à moagem dos cereais para se fazer a broa. Antigamente existiam na aldeia três lagares de azeite, dos quais um, o comunitário, se encontra neste momen-to em recuperação.O Restaurante da Associação dos Amigos de Covas do Monte, resultante da recuperação de uma antiga escola primária, merece uma visita atenta, podendo aí degus-tar-se algumas das especialidades regionais, como os rojões ou o cabrito e a vitela assada.
CovAS do MoNtEtexto e fotografias de pedro Martins
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ada amanhecer é o começo de um novo dia. Alípio Padilha, José Crúzio, Manuel Ferreira Chaves, Pedro Amaral, Susana Paiva e Vic-tor Coelho trazem-nos 36 imagens, com as particularidades próprias de cada cidade, de cada lugar. São 36 imagens de cidades que despertam, captadas entre as 5 e as 9 horas da manhã. Lisboa, Fundão, Viseu, Portugal, Quintana Roo, Yucatán Peninsula, México, Es-saouira (antigo Mogador), Marrocos. Um exer-cício de convívio com o silêncio do amanhecer, quando todos ainda teimam em ficar de olhos fechados. A arte não ficou indiferente a esta hora particular do dia, fronteira entre o sonho e o despertar. Tal é o caso da fotografia que não é alheia à singularidade deste momento e da vida da cidade que desperta. Momentos fu-gitivos, com mais ou menos nevoeiro, instantes absolutos onde se capta o eclodir do dia com uma luz irrepetível. Ao olhar para cada uma destas fotografias, verdadeiras explorações dos mistérios da luz, como não nos lembrar-mos de Josef Sudek, o checoslovaco encader-nador que andava pela ruas de Praga, curvado pelo peso da máquina fotográfica (kodak 1894) e de um antigo tripé, movendo-se lentamente entre a luz e a escuridão. Se a fotografia tem alguma coisa de quimérico, Sudek represen-tava bem esta busca do fotógrafo, intensa e dramática, por uma luz diferente. De boina e capa preta, ombro esquerdo mais inclinado a compensar a perda do outro braço perdido durante a Primeira Guerra Mundial, Sudek escolhia muitas vezes a névoa cinzenta da madrugada para fotografar. Nestas cidades que despertam, o mais difícil é aprender a olhar para as coisas que ninguém ainda notou e que, contudo, estão à vista de todos. O silên-cio da hora ajuda à concentração: fixar uma posição na magnífica variedade que a cidade nos dá, ajustar a lente, disparar. Tal como Sudek, que para ‘ver’ Praga teve de a aban-donar brevemente, o amanhecer desperta um certo distanciamento em relação à cidade por onde passamos diariamente. Nesse instante, no silêncio que inunda a cidade que se renova, como Aurora, somos conduzidos por uma mão invisível que nos leva ao encontro da cidade que, perante os nossos olhos, se inventa.texto de ricardo paulouro
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www.a23online.comÀ venda em todo o país
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© alípio padilha
© Manuel Ferreira chaves
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otosí, classificada pela UNESCO como património mundial, para além da curiosidade de ser a mais alta cidade do planeta, merece apenas uma outra razão para ser visitada, as minas da enigmáti-ca Cerro Rico, uma montanha que foi um dia a mais importante fonte de rendimento da coroa espanhola e é hoje o único meio de sustento para milhares de Bolivianos.À chegada a Potosí, é impossível não ficar des-lumbrado com a imponente montanha que figura como pano de fundo da cidade. Sente-se de ime-diato que a gente que ali habita tem um respeito incontestável por Cerro Rico, quer seja pelo sig-nificado histórico, pela importância económica ou simplesmente pelo medo que o povo tem daquela há muito conhecida como a montanha que come os homens. Guiado por Willie, um antigo mineiro e único sobrevivente de 4 irmãos que perderam a vida em acidentes de trabalho dentro da monta-nha, faço uma paragem no mercado dos mineiros onde sou aconselhado a adquirir folhas de coca, cinza de banana, cigarros, álcool etílico e barras de dinamite, que servirão de salvo-conduto para entrar nas minas. Após uma caminhada de cerca de uma hora, em muito dificultada pela altitude, e após mascar quantidades significativas de folha de coca misturada com bicarbonato de sódio (que serve de catalisador), chego a uma zona de entrada para as minas. Cá fora encontram-se algumas mulheres e crianças que parecem estar à espera de algo ou alguém. Willie explica-me que as mulheres estão a aguardar os maridos e filhos, e que não são permitidas dentro das galerias por se acreditar que trazem má fortuna a quem ali labora. “Apenas uma das muitas crenças e misticismos de Cerro Rico”, acrescenta. Feitas as negociações com um dos encarregados das minas, e após um breve ritual conduzido na língua nativa dos Ayma-ra, sou autorizado a iniciar aquela que virá a ser uma das experiencias mais brutais e chocantes de toda a minha existência. Entro, e de imediato sente-se uma sinistra quantidade de pó a circular no interior das estreitas galerias, tornando o ar praticamente irrespirável. O calor é praticamente insuportável, e Willie diz-me que as temperatu-ras podem atingir os quarenta graus centígrados. Assim que descemos uns metros, as galerias começam a ficar mais estreitas obrigando-me a caminhar de joelhos por um túnel onde a única direcção possível é em frente. Voltar para trás está fora de questão, mesmo porque não é possí-vel virar o corpo num espaço tão confinado. Com a câmara fotográfica numa mão e uma lanterna na outra, sigo Willie na esperança que rapida-
mente chegue a uma galeria mais espaçosa e com ar mais respirável. Percorridas umas boas dezenas de metros, é chegada a altura de descer umas escadas rudi-mentares feitas de madeira que dão acesso a um nível inferior onde de repente se vislumbram à distância as ténues luzes projectadas pela chama do capacete dos que aí trabalham. Aqui, um conjunto de homens rasteja, martela, cava e iça até a superfície cestos contendo quilos de pedre-gulhos, onde outros num esforço notoriamente diabólico, empurram vagões contendo duas to-neladas de minério (essencialmente prata, zinco e estanho). Há quem grite “dinamite!”, e passa-dos uns segundos sente-se uma explosão que parece estremecer todo o interior da montanha. Levanta-se ainda mais pó e a galeria fica comple-tamente às escuras. Mais um buraco aberto em busca de um novo filão.Prosseguimos por entre túneis e buracos até que a actividade dos mineiros cessa repentinamen-te e Willie informa-me que é hora de almoço e temos de ir prestar respeito pelo El Tio. Intriga-do, sigo Willie e muitos dos mineiros para uma pequena galeria onde um estátua sinistra é parte dominante do espaço. “Este é El Tio”, esclare-ce Willie. Uma estátua com corpo de homem e cabeça e chifres de cabra, que representa o diabo, adorado pelos mineiros quando dentro da montanha. Sou então convidado a participar num ritual de oferenda ao El Tio. Um a um vão-se acendendo cigarros que são postos na boca do diabo, seguidos de folhas de coca colocadas sobre membros e álcool polvilhado em volta da estátua. E então altura de “almoçar”, que si-gnifica não mais do que mudar a coca que trazem na boca por novas folhas, e descansar apenas por meia hora. É durante esta meia hora que tenho a oportunidade de ouvir as histórias que estes homens têm para partilhar. Falam-me da esperança de vida ridiculamente baixa de quem passa os dias respirando o ar quase insuportável das galerias e dos 8 milhões de pessoas que terá perdido a vida naquelas minas desde a chegada dos espanhóis. Um dos mineiros diz-me que “em Cerro Rico quem trabalha no subsolo sabe que, muito provavelmente, morrera nas minas ou por causa delas”. Fala-me também do insignificante lucro que a maioria dos mineiros retira deste árduo ofício, afirmando que “não há salários fixos em Cerro Rico, o rendimento depende apenas da quantidade e qualidade da produção diária”. Terminada a hora de almoço, decido que é tempo de terminar a visita e peço a Willie que me guie de volta a superfície. Após percorrer inúmeros túneis em diferentes níveis da mina, subimos es-cadas por buracos sem resguardos nem qualquer tipo de segurança, e finalmente chego à superfí-cie e à luz do dia. Uma vez cá fora, sinto-me esgotado, anestesiado, chocado e sem reacção, isto provocado pelo que vi e ouvi dentro de Cerro Rico. Homens que trabalham em condições desuma-nas por não terem outra alternativa. Homens que arduamente laboram entre dez a doze horas por dia com a certeza de que possivelmente nunca irão enriquecer e que um dia irão morrer à mercê da montanha. Senti-me também afortunado por não ser um dos ‘escravos’ de Cerro Rico.
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luz vermelha na longa recta de uma estrada próxima do Fundão, chama imediatamente à atenção. Não são os foguetes proibidos da festa do Anjo da Guarda, mas apenas um velho bordel de estrada. Outrora uma churrasqueira que se passou a dedicar a outro tipo de comércio de carne. À porta, uma motocultivadora, duas carrinhas agrícolas a cair da tripeça e uma motorizada, deixam adivinhar o tipo de clientela. Avançamos decididos para o balcão-altar com um poster do Sporting campeão (uma raridade), uma imagem da Nossa Senhora e as garrafas em parada mili-tar à espera de ser dissipadas. Como é época alta, este bordel tem agora seis meninas: três brasileiras, duas romenas e uma ucraniana. “Normalmente só cá temos três ou quatro. Chega e sobra”, resmunga-nos o barman com fronha de poucos amigos, enquanto nos serve um Licor Beirão.As prostitutas estão sentadas nas mesas com três ou quatro clientes. Os restantes ganham coragem e embalo no balcão. Mesmo a pagan-tes é preciso coragem. Todos parecem sonâm-bulos de olhar perdido. As putas de serviço são entradotas, gorduchas e ficam a dever uns cen-tavos a uma beleza, que porventura se dissipou com o uso. Percebe-se que é um bordel pobre, à medida da carteira de clientes pobres.Uma das prostitutas, a mais nova, levanta-se com dificuldade sobre os saltos e aborda-nos com um português tão desengonçado como o andar: “Olá, chamo-me Alessandra e tu?” Convida-nos para nos sentarmos. Aceitamos pagar-lhe um flute xaroposo de whisky cola a vinte euros, porque sabemos que “amor de mulher da vida e convite de taberneiro, só por dinheiro.”A história é um disco tantas vezes riscado neste país-bordel, onde o amor se encontra exposto
para consumo na casa. Um país de públicas virtudes e vícios privados, varrido a campos de golfe, casas de passe e bares de alterne: “Sou da Roménia, tenho vinte e seis anos. Traba-lhava numa fábrica de cablagens”, lá vai ela apalpando o português fanhoso e a perna de Ovídio, “vim para Portugal há três meses com uma amiga. Comecei a trabalhar numa casa em Vila Velha de Ródão, depois estive em Castelo Branco e agora o patrão mandou-me para aqui.” Faz uma careta de repúdio. Não gosta deste fim do mundo: “Vim de Bucareste para fugir à miséria, e aqui há uma miséria ainda maior. Não me importo com o que faço, mas os clientes daqui são muito miseráveis, não cheiram bem como tu!” e aponta para Ovídio “queres vir?”. São 60 euros por uma hora e tal. Declinamos o convite que se estendia para o corredor dos fun-dos, onde recebem os clientes em quartinhos abafados, com uma cama, uma pechiché e uma mesinha de cabeceira. Alessandra mostra um sorriso desdentado, mas franco: “Tá bem. Olha, há uma coisa que gosto em Portugal. Sabes o que é? A comida”. E deixa-nos, para dar atenção ao cliente da mesa ao lado, que cambaleia a cabeça sobre a enésima garrafa de Super Bock. Reconheço-o. É M., meu amigo de infância. Cos-tumávamos brincar juntos no campo a guardar as cabras e as ovelhas do rebanho do pai dele. Agora está gasto pelo álcool e pelo azedo da vida. Os olhos varejados de sangue já não têm o lampejo do rapaz irrequieto que eu conheci. Só saiu daqui para cumprir o serviço militar, onde agarrou o vício do Ventil e das Minis. De regresso à terra, trabalhou no campo, guardou rebanhos e deu ao litro nas obras. Todo o tusto que amealhou foi estoirado nos copos. Por aqui, mulheres em idade casadoira é mentira e a caminho dos 40, M. perdeu a esperança no amor. Agora afoga-se nos whiskys caros e no amor pago a 50 euros à beira da estrada.Trágico foi também o destino de um velhote da aldeia, que animado pelo vigor inesperado do Viagra e pela miragem da luz vermelha, uma noite, já bêbado que nem um cacho depois de uma sessão com uma brasileira, tomou a pé o caminho errado e entrou pela A23, onde morreu atropelado à entrada do túnel da Gardunha. É M. quem me conta esta história, sentenciando: “Um dia sou eu.”Homem pobre, homem rico. Bordel pobre, bordel rico.Prosseguimos para um bar de alterne, a camin-ho da Covilhã. Uma vivenda vistosa e recatada, com Mercedes e outras bólides de matrícula
francesa estacionadas à porta. Dez euros de consumo mínimo. Entramos e, na pista, dan-ça-se ao som de “As meninas da Ribeira do Sado é que é/ lavram a terra com as unhas dos pés”. Não me parece a mais adequada canção para a sensualidade do roça-roça, mas os clien-tes parecem gostar. São também poucos, mais novos e mais bem vestidos do que no bordel de estrada. As meninas também têm um ar mais cuidado e insinuante.Num bar de alterne o negócio é pagar copos em troca de atenção e alguns apalpões. Lu, uma mineirinha rechonchuda e bonita, senta-se à nossa mesa e pede o inevitável xarope de whisky com água suja do capitalismo, agora a 25 euros. Percebe-se que tem outro traquejo. Veio do Brasil há já um ano e define-se como “garota de programa” e não como “quenga”: “Vivo com uma amiga na Covilhã, e recebemos senhores em casa, mas apenas clientela seleccionada. A maior parte deles são de outras cidades, ou empresários em viagem, já que é raro alguém da Covilhã bancar um programa. Sabe como é, para mijar fora do penico, convém ser longe de casa.” Lu explica que “nesta discoteca não se pode subir com o cliente, estamos aqui apenas para conversar, dar algum carinho e recebemos percentagem nas bebidas. Se a menina quiser, pode encontrar com o cliente, mas lá fora.” Uma noite com Lu pode custar até 200 euros, “tudo depende, do que o cliente quer. Tenho um um senhor de posição da Guarda que me visita apenas para me ver tocar e dar palmadinha na minha bundinha. Não pede mais nada.”Nos sofás repolhudos na zona mais escura do bar um cliente ressona copiosamente, esten-dido com as peúgas brancas a assomarem no escuro: Ovídio boceja. A noite já vai longa e o licor beirão pesa-lhe na pestana. Desanimado, encolho os ombros. Fiquei a saber tanto sobre sexo no Interior como sobre a vida sexual das tartarugas do índico. Sei apenas que cada um deve descobrir o seu caminho para a felicidade sexual, iluminado pela lunar luz de Agosto, porque vida só há uma e tem essa estranha mania de se gastar depressa. Ovídio anima-me: “Mas eis que o leito cúmplice recebeu dois amantes. Detém-te, Musa, à porta fechada deste quarto. Sem a tua ajuda, completamente sós, as palavras, acor-rerão em tropel, e na cama, a mão esquerda não ficará inactiva. Os dedos acharão com que ocupar-se nas partes onde, misteriosamente o Amor deixa cair os seus dardos.” Este Ovídio é que a sabe toda.
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rEtrAtoS do pAíS-bordElreportagem libertina, entre bordéis à beira da estrada escondidos nas alcovas do puritanismo beirão. com ovídio como companheiro e os ensinamentos da “arte de amar” no bolso, partimos à procura de sexo sem vista para o mar.
texto de rui pelejãoFotografias de adriano batista
eu e os outros
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ricardo alevizos iniciou-se na fotografia desde cedo e nela encontrou uma forma de se estudar e descobrir a si próprio. “eu e os outros”, uma série constituída por onze fotografias, é exemplo de como a fotografia pode também ser um processo de (auto)análise e permanente descoberta. Há dois aspectos que nos chamam desde logo a atenção: a explosão de cor, que alterna com a sobriedade do preto e do branco, e a representação de corpos que, qual performer, se contorcionam. considerada durante anos o parente pobre da fotografia artística, a cor ganhou uma importância significativa na fotografia. associado às sombras e aos jogos de luz, o matiz colorido evoca em quem o contempla uma certa sensação de mistério. em cada uma destas imagens, a cor ora revela, ora camufla as várias versões de um mesmo corpo. esta inquietante beleza de retratos de corpos que nos obrigam a contorcer o olhar de forma a poder acompanhar os seus vários movimentos e posições expressa também a sua condição e evidencia a sua vulnerabilidade. arriscamos dizer que estamos perante muito mais do que nus artísticos que nos fazem recuar aos nus masculinos com fins científicos de muybridge, ao corpo semi-nu fotografado de nijinsky no início do século XX, ou ao mais recente reconhe-cimento do nu como arte. em cada posição do corpo, encontramos uma explosão de emoções com as quais nos podemos identificar, ou não. este será talvez o prazer da alteridade. o que vejo? sou eu em frente ao outro, frente a outros sob formas várias, a quererem sair de si, a quererem ser outro, a incorporarem gestos e expressões. o que posso reconhecer no corpo do outro? este enigma da relação entre o eu e o outro, desse outro que também sou eu, é aquilo que, talvez, ricardo alevizos procura nestas imagens – a expressão do abismo na intenção de existir no corpo do outro. afinal, a fotografia é eco do que não pode falar, mas também do que não pode deixar de existir. Margarida gil dos reis
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tHe portFolio projectPlataforma educativa na área da fotografia, coordenada por Susana Paiva, que funciona como um espaço de partilha e crescimento individual na área da fotografia. Articulando dois interfaces absolutamente autónomos - um privado e outro público - o Portfolio Project constitui-se com um espaço singular no panorama da fotografia portuguesa, reunindo numa mesma plataforma online três conceitos base – a de uma publicação sobre fotografia, a de um espaço de formação contínua à distância orientado por profissionais e a de um portal associativo onde se divulgam fotografias desenvolvidas no âmbito de projectos individuais ou colectivos.
subMissÕes tppAberto à candidatura espontânea de todos os fotógrafos amadores ou profissionais que queiram participar nos seus projectos ou actividades colectivas, o TPP encon-tra-se também disponível para a apreciação crítica de portfolios de fotógrafos que desejem publicar o seu trabalho na secção “multimédia” da A.23ONLINE. Para mais informações sobre a adesão à plataforma THE PORTFOLIO PROJECT ou sobre as nor-mas de submissão de trabalhos para publicação por favor contactar através do email: [email protected]. Para mais informações consulte:www.theportfolioproject.org
a propósito da publicação de a corte do norte, falaremos sobre a vida e a obra de agustina que, há cerca de dez anos, eu disse que era a grande senho-ra da literatura portuguesa. a agustina nasceu a 15 de outubro. dá alguma importância ao facto de ter nascido sobre o signo da balança?Agustina - Em geral, acabamos sempre por dar algum significado a essas coisas, sobretudo nos tempos de lazer em que temos ocasião para nos debruçarmos sobre esses simbolismos. Passei a dar menos significado quando me disseram que o signo da Balança tinha um sentido muito diferente daquele que eu lhe dava. Eu julguei que era o signo da estabilidade e, afinal, disseram-me que era da instabilidade (risos).
de qualquer maneira, a astrologia não lhe é indife-rente...Não me é de todo indiferente e se ela durou até aos nossos dias é porque ela tem alguma importância.
sente-se, de algum modo, privilegiada por ter nascido no norte de portugal, numa aldeia muito antiga chamada vila Meã e que fica perto do douro e de amarante?Eu começo por me sentir privilegiada por ter nascido num Domingo. Nos países nórdicos, as pessoas dão um sentido especial aos nascimentos nos Domingos por todo o simbolismo que este dia tem.
nasceu num domingo mas não à hora da missa.Pois não, nasci às seis da tarde e chovia muito. Dizem que as pessoas que nascem ao Domingo têm o poder de prever o futuro. De modo que isso foi algo que me acompanhou sempre.
agustina, em portugal, é um nome raro que, creio, se deve à sua avó materna que era espanhola, como é, aliás, a sua mãe, pelo menos na origem.A minha mãe nasceu em zamora, veio muito nova para Portugal. Agustina é um nome que não é usado, que na grafia portuguesa não existe, mas que corresponde ao Agustinha, de forma que é um nome relativamente vulgar. Em Espanha, é muito vulgar até.
a agustina gosta do seu nome?Gosto. Quando era miúda, até aos 12, 13 anos, gostaria de me chamar Maria Teresa. Achava o nome muito mais forte, talvez porque Santa Teresa era a mulher das Letras, sobretudo na região de Castela, e eu sabia muitas histórias pícaras dessa época. Esta foi, aliás, uma figura que me acompanhou sempre.
Falamos da sua ascendência espanhola, pelo lado materno, e gostaria de lhe perguntar se reconhece em si traços ou marcas da cultura espanhola.Muitos, não só na literatura. Identifico-me com personagens, com maneiras de dizer e de escrever. Li, há tempos, uma entrevista com Ballester e senti que podia ter dito muita coisa tal como ele disse. É uma espécie de corrente sanguínea que corre com a mesma intensidade e temperatura.
na sua infância ainda visitou várias vezes espanha, ou não?Não. A primeira vez que saí de Portugal já tinha mais de 30 anos, em 1959. a agustina sempre teve uma boa relação com a sua mãe?Relativamente, pois muitas vezes não temos uma boa relação. De resto, o meu relacionamento com as
pessoas não é pacífico e isso gera sempre surpresa, indignação, reconciliação.
as relações com o seu pai eram mais pacíficas.Sim, porque o meu pai era uma pessoa sempre em trânsito. Não era aquele chefe de família com uma vida muito ordenada. Era um homem boémio e encantador.
com as minhas desculpas antecipadas, gostava que comentasse o facto de dizerem que a agustina casou por anúncio.E se isso ficasse para os biógrafos? (risos) Acho que aos biógrafos temos de lhes deixar qualquer coisa!
preocupa-se muito com a sua indumentária?Até uma certa altura, julguei que me preocupava, mas quando li no Diário de Virgina Woolf o que ela diz das rivalidades dela e das amigas a respeito do ves-tuário, achei que eu era uma santa criatura, quase ingénua, porque não me preocupo a esse ponto.
tem vivido em vários lugares: porto, vila Meã, povoa, coimbra. a partir de certo momento, de fins da década de 50, passou a viajar muito. tem neces-sidade da mudança de lugares ou foram apenas as contingências da vida?Não tenho necessidade de mudança. De resto, os portugueses viajam muito e não têm necessidade de mudar. São, ao mesmo tempo, sedentários de cora-ção e de imaginação são mais voláteis. disse uma vez que viajava para adquirir a intimida-de do importuno...Sim... quando ouço frases que tenha dito ouço-as sempre com mais atenção porque, por vezes, tenho dificuldade em acreditar que fui eu que as disse (risos).
Falemos dos seus estudos. Fez estudos no ensino básico, secundário...Secundário só até ao terceiro ano. Estudei ain-da até ao quinto ano mas não cheguei a fazer exame.
esteve num colégio de doroteias na póvoa do var-zim e no porto. aí, teve, certamente, uma educação bastante religiosa.Não tanto como pode parecer. A educação das Do-roteias não tem nada a ver com aquela religiosidade quase fanática. Nesse tempo, havia uma directora que tinha vivido na Suíça durante muitos anos e que trazia já um sentido de educação muito diferente daquele que havia em Portugal. Por exemplo, o preparar as raparigas para serem senhoras do seu destino, não estudarem só um bocadinho de piano e Francês, como era costume.
esteve sempre interna nesse colégio?Não, estive sempre externa, a viver em casa dos pais.
nunca a interessaram os estudos a nível universi-tário?A certa altura sim, quando estive em Coimbra, mas já estava casada. Achei que seria interessante e não difícil. Mas, nessa altura, com família já constituída, isso exigia outra disponibilidade. Mas eu já me tinha começado a lançar nas Letras e não sentia isso como uma necessidade.
a sua universidade foram as leituras que fazia desde os seis anos. sabe-se de alguns livros que a interessaram desde menina, desde a bíblia, às Mil e
uma noites, aos pícaros, até aos clássicos do século Xvi e Xviii.E também muito má literatura. Há uma idade em que a má literatura pode ser maravilhosa.
essa literatura era literatura cor-de-rosa?Eram, sobretudo, aventuras, clássicos france-ses que não se podem propriamente chamar de má literatura. Pelo contrário, para o desabrochar da imaginação pode ser um auxiliar muito poderoso.
e o camilo que tanta gente aponta como uma espé-cie de mestre? em que idade a agustina se encon-trou com a sua obra?Bastante tarde. O Camilo surgiu na minha vida por acaso. Conhecia alguma coisa do Camilo, sobretudo o Camilo pícaro, mas em profundidade só mais tarde tomei contacto com ele, com aqueles livros de capa vermelha encarnada que se encontravam facilmente nas bibliotecas. Mas nem sempre me interessavam. Mais tarde é que pude entender melhor o Camilo.
pertence a uma geração com alguns nomes distin-tos nas letras. saramago, por exemplo, nasceu no mesmo ano da agustina e, por volta de 1922, apa-recem romancistas como ruben a., urbano tavares rodrigues, Fernando namora, vergílio Ferreira ou poetas como sophia de Mello breyner e eugénio de andrade. no entanto, nunca se integrou numa geração que, aliás, nunca se formou também como um grupo autónomo. nunca teve essa espécie de sensibilidade geracional?Pelo facto de ser mulher e não fazer um curso universitário, estive, desde o início, mais isolada. Compreendo que para um homem, até pela facilida-de de contactos que tinha, proporcionava-lhe uma espécie de fidelidade a uma época, de encontros assíduos e constantes dos quais podia até resultar uma escola. Isso não aconteceu comigo porque eu vivia muito isolada. Nem a minha família pertencia ao meio intelectual, nem se relacionava com pessoas do meio. Lembro-me que para mostrar os meus primei-ros livros tinha que pedir a alguém que conhecesse alguém para poder ter um parecer sobre eles.
aos 16 anos tinha um romance escrito. nunca teve vontade de publicar nada em jornais ou revistas do tempo?Ainda publiquei alguma coisa. Depois ficava muito in-dignada porque eu mandava os textos manuscritos e depois saíam com imensas gralhas e eu ficava muito desiludida. Creio que a primeira coisa que publiquei foi no jornal de Gaia, teria eu uns 17 ou 18 anos.
Falo de diversos géneros e noto, na verdade, que os tem percorrido quase todos. conto, novela, roman-ce, teatro, peça para televisão, crónica, memória, biografia, polémica e até livros de viagem. Falta só o diário e a poesia...Mas comecei com a poesia (risos). Teria talvez uns doze anos e o gosto por escrever e desenvolveu-se em mim um ímpeto sonetista que, penso, todos nós teríamos por essa idade, e acho que foi aí que se revelou o gosto da palavra, a atracção que as palavras exercem umas nas outras, aquela espécie de colectivismo que há na gramática e nas palavras. Ballester diz, a certa altura, na entrevista que lhe fazem, que deixou de ser poeta porque não podia ser senão um bom poeta e que a poesia exige realmente o grande poeta.
eu já tenho surpreendido na agustina algumas
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ironias sobre os poetas.Mas isso não quer dizer que eu não os respeite extraordinariamente. Tanto que as minhas grandes admirações estão na poesia.
e as suas leituras de poesia são intensas?Sim, acho que quando encontro um grande livro de poesia ele é o meu livro de cabeceira, enquanto que um romance nunca é.
a agustina situaria a prosa do lado do discursivo e do menos sintéctico. Mas eu distingo na sua prosa, ao nível imagístico e de ritmo, páginas, como nos incuráveis, sobre as quais não teria dificuldade em caracteriza-las de poesia em prosa. entramos as-sim na sua estilística, caracterizada pelo gosto pela frase ampla ou pela frase elíptica, aforística. de onde lhe vem este gosto pelo aforismo que alguns lhe censuram?Quando há tempos me fizeram uma pergunta seme-lhante saiu-me a resposta de que nós, os portugue-ses, somos assim. Acho que isso tem muito que ver com a minha naturalidade de portuguesa porque há realmente uma cultura que é feita de uma escolha de determinados temas que aprendemos a valorizar desde crianças e há uma cultura que nós trazemos nas nossas veias através de centenas de milénios. Acho que essa cultura aforística faz parte da cultura portuguesa.
a sua construção é também sinuosa. acha que isso entra também nas características da expressão portuguesa?Sim, penso que a partir do século XVI / XVII.
sobretudo na literatura dita de frades...
De frades e de judeus (risos).
está tão atenta à rua como ao livro?Às vezes um diálogo com uma pessoa que parece que não diz nada pode ser, para mim, o princípio de um livro ou até o princípio de uma ideia.
Foi isso que a levou ao jornal?Foi, sobretudo, uma série de circunstâncias e um aproveitamento dessas circunstâncias para remediar uma situação, que era a situação do jornal. A verdade é que alguma coisa de importante sucedeu no que se refere a contactos. Por exemplo, nós intelectuais, de um modo geral, através da educação que temos, habituamo-nos a viver fechados sobre nós próprios, personagens que nos são oferecidos através da literatura, e a fazer-mos uma estimativa da vida que não é a vida real. Lemos muito e acabamos por compreender a vida através dos livros, por mais realistas que eles sejam. Mas eles falseiam sempre, de algum modo, a verda-de e a realidade humana.
embora todos os seus livros explorem o mundo das relações humanas, curiosamente pouco da infância, parecem também fascinados pelo mundo das mu-lheres. acha que isso se impôs como mulher?Em grande parte como mulher porque acho que nós só produzimos uma obra com valor, qualidade ou possibilidades de ter esse valor se nos debruçarmos sobre aquilo que nos é mais fácil conhecer. Eu, como mulher, debruçando-me sobre uma natu-reza feminina, é-me mais fácil chegar a ela através de mim mesma. Numa segunda razão, acho que as mulheres não tiveram até hoje assim tantos histo-riadores porque quase sempre foram os homens
que falaram das mulheres e falaram das mulheres, justamente, através deles, vendo sempre a mulher como uma forma de travesti. Eu costumo dizer que a mulher fatal é um travesti do homem porque não corresponde à natureza feminina, em nenhuma circunstância. Acho que é tempo de uma mulher falar realmente daquilo que era, de uma maneira melodramática, uma incógnita, mas que estava na sombra.
a agustina emenda muito pouco.Sim, emendo muito pouco, o que não quer dizer que seja assim tão louvável como algumas pessoas possam supor. Primeiro, quer dizer que não valorizo demasiado aquilo que escrevo, isto é, não o tenho como uma escritura. Para mim, emendar deve ser o sacralizar aquilo que se escreve.
a agustina parece também muito sensível ao tem-po. não há livro nenhum seu que não venha datado no fim. adere totalmente ao seu tempo ou sonha com tempos melhores?Não sonho com tempos melhores. Sou, de certa ma-neira, adepta de uma visão intemporal da existência. Perguntavam-me, insistentemente, há tempos, o que é que eu pensava do além da vida, se seria uma exis-tência que se podia continuar ou completar. Eu dizia “espero que sim porque gostaria de continuar a viver noutra dimensão e para pregar sustos às pessoas que cá ficam” (risos).
incomodar mesmo depois da morte...Fazer-me lembrar. É só isso.
Entrevista realizada em 1987
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entrevista de arnaldo saraiva Fotografia de luisa Ferreira
MúSiCoS/ACtorESoU ACtorES/MúSiCoS?texto de pedro teles ramos
E se afirmássemos assim “à bruta” que dois dos maiores escritores de canções do momento são dois actores de reconhecido talento com carreiras cinematográficas feitas de escolhas que têm tanto de acertado como de complexo?Mas vamos pôr-lhes nomes, apelidos e... banda!O primeiro é canadiense e chama-se Ryan Gosling. Mesmo os mais distraídos lembrar-se-ão dele por “Half Nelson” de 2007 (mais as raparigas que os rapazes), pelo qual chegou a estar nomeado aos Oscares desse ano.A banda deste senhor em companhia do seu amigo zach Shields chama-se Dead Man’s Bones e lançou em 2009 um primeiro disco com um título homónimo. E que disco! A música de uma beleza selvagem e desmesuradamente simples assenta numa fascinação do duo pelo fantasmagó-rico e o sobrenatural apresentado num tom de cabaret pop “Lynchiano”.As influências são mais que muitas e vêm de todas as épocas. De kurt Veill aos Beach Boys, passando obviamente por Badalamenti, mas também por Jonhy Cash e chegando à fronteira de uns Flaming Lips. Mas o que mais sobressai é a autenticidade produto de um conjunto de regras que, mais que limitar, aportam instinto, força e verdade: nunca mais de 3 repetições de cada tema; nada de guitarras eléctricas; obrigação de tocar todos os instrumentos mesmo que seja a primeira vez que o fazem; utilização de um coro de crian-ças em todas as canções.Tudo isto faz de “Dead Man’s Bones” um sortilégio do qual saímos razoavelmente agitados mas igualmente purificados pela sua deliciosa e aterradora beleza.O segundo é americano e chama-se Jason Schwartzman. Sobrinho de Francis Ford Coppola e portanto primo de Sofia e Roman é o actor fetiche de Wes Anderson com quem escreveu o maravilhoso “The Darjeeling Limited”, e mais recentemente é o protagonista principal e compositor de “Bored to Death” a série mais desconcertante da HBO e talvez de toda a TV. Os mais atentos lembrar-se-ão dele de “Rushmore” em 1998 onde dava vida a um fantástico Max Fisher que ajudou a lançar em definitivo a carreira do seu
amigo Wes Anderson. Doze anos depois “Rushmore” conti-nua a ser uma obra de um humor elegante e sóbrio e talvez o filme de Anderson que melhor sobrevive ao tempo. Ora então a “one man band” criada por este senhor dá pelo nome de Coconut Records e em 2009 entregou-nos “Davy”, isto depois de um primeiro disco em 2006 que passou ao lado da crítica e do público em geral.E é muito provável que aconteça o mesmo com “Davy”. Por-quê? Porque é um disco completamente fora de tempo e de lugar. É um disco dos anos sessenta do século XX editado nos anos zero do século XXI pela Baby Records, editora criada pelo próprio Jason para editar os seus discos. Um disco que poderia ter saído de qualquer sessão de gravação dos anos 60 dos Beatles, dos Beach Boys, ou de Donovan, mas que também é uma homenagem maior à sua influ-ência mais contemporânea, Elliott Smith, de quem Jason podia ser o irmão mais novo. Canções como “Microphone”, “Wandering Around”, “Any Fun” ou “Is This Sound Ok” fazem deste disco uma obra prima intemporal para guardar na nossa estante especial entre o “Revolver” dos Beatles e o “Figure 8” do Elliott Smith.” Nem mais nem menos!E a moda promete. Em 2010 voltará zooey Deschanel com o esperado segundo disco de She & Him em companhia de M. Ward, e está já disponível a banda sonora daquele que pro-mete ser um dos acontecimentos do ano - “Gainsbourg (Vie Héroique)” de Joann Sfar - integralmente cantada pelos actores sob direcção do nosso conhecido Gonzales.
dead Man’s bones:http://www.myspace.com/deadmansbonescoconut records:http://www.myspace.com/coconutrecordsbored to death:http://www.hbo.com/bored-to-deathshe & Him:www.sheandhim.com/sheandhim.phpgainsbourg (vie Héroique):www.gainsbourg-lefilm.com
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“A CArA dA GENtE “
tiNdErStiCkStexto de pedro Fiuza
Pela acutilância do seu pensamento, pelo festim da no-meação da literatura, pela agudeza do propósito político e também pelo seu lirismo, os romances de Baptista-Bastos não deixam ninguém indiferente. Mas Baptista-Bastos tam-bém é um formidável cronista. Sempre culto, com um estilo admirável, já o sabíamos desde “As Palavras dos Outros”, desde “Capitão de Médio Curso“ ou “Cidade Diária“. Agora com “A Cara da Gente“ Baptista-Bastos é extraordinário. Não há ninguém a escrever crónicas sobre Lisboa melhor que ele, com essa maneira tão particular. Estas crónicas são essenciais documentos humanos para se compreen-der a atmosfera social da nossa capital. Da «desobedi-ência cultural» exprimida em “As Palavras dos Outros“, Baptista-Bastos passou à desobediência dos sentimentos. Emociona-nos. Diz-nos coisas sobre, por exemplo, a velhice que nunca tínhamos visto em nenhum livro português. O autor avisa-nos logo na capa que as crónicas que vamos ler são prazeres, devaneios, invenções e passeatas. Porém, o livro é muito mais que isso: é um formidável livro com perto de setenta histórias todas brilhando com o mesmo quilate. Cada uma delas é pois um diamante e este tesou-ro submerge-nos e somos levados ao divino. São páginas sublimes sobre a velhice, como já disse, e o desejo. Veja-se a crónica “O Rosto do Espelho“ onde o autor se desnuda e afirma que já não tem gosto em sair de casa : «A velhice é uma forma de estar quieto» e um pouco mais atrás : «A ve-lhice permite-nos folhear coisas devagar e ver o mundo de uma varanda triste». São páginas de uma grande emoção sobre o amor perene que nunca desaparece nem abranda, o amor da juventude eterna, aquele que faz dormir os velhos esposos de mão dada, tinham-se conhecido « no tempo em que o mundo era um rapaz e uma rapariga no mundo ». São páginas de uma imensa emoção por um bairro que o viu nascer: a Ajuda. Com as suas figuras típicas, os seus ciganos, os seus futebolistas ( aqui é-se do Belenenses de
pai para filho ) , os seus bêbados, soldados corneteiros, re-formados, etc. São linhas extremamente nostálgicas sobre outras partes da Lisboa Antiga, por exemplo, a Mouraria, com o seu Salão Lisboa, o cinema, mais conhecido pelo Piolho, e o seu campeão de boxe Belarmino Fragoso ou então sobre a Rua das Portas de Santo Antão onde havia o Arcádia, cabaré de luxo ( hoje é a Cervejaria Solmar) onde dançava a Pepita Pellegrin, e a ópera no Coliseu onde o pai do nosso autor o levava. A Pepita com as suas contorções corporais punha os latifundiários da cortiça em transe. São páginas e páginas de profundíssima ternura pelos humanos as que contêm a história “Um pouco de ternura“ onde uma mulher desconhecida vivendo num bairro popular de Lisboa é suspeita de ser uma prostituta quando no fundo ela é só uma boa alma caridosa que faz a leitura a pessoas idosas a domicílio. São páginas de sincera admiração pelos mágicos do futebol ( Eusébio, Matateu, Vicente, Feliciano que nasceu na Covilhã e foi para o Belenenses, Vasques, os Cinco Violi-nos etc ), pelos malabaristas da palavra os escritores Maria Judite de Carvalho, Alexandre O´Neill, Eduardo Guerra Carneiro, Carlos de Oliveira, etc ). São páginas de grande generosidade sobre pintores, ciclistas, actores de teatro, jornalistas, guitarristas, compositores, etc. E no meio deste carrossel humano o autor lembra gravemente que no anti-gamente lisboeta «era proibido beijar em qualquer estação do ano», dá conta de uma patética beldade que por ser de-masiado bela ficou só e louca, recorda os seus avós que se amavam e o diziam : «A gente quando gosta, deve dizer que gosta, não deve ocultar nem dissimular os sentimentos». «Escrevo sobre pessoas: creio que nunca escrevi sobre ou-tra coisa senão pessoas» confessa Baptista-Bastos algures neste livro. Tem razão e fá-lo de uma forma magnífica. Este livro é uma fantástica bíblia de calor humano e de compre-ensão pelo outro.M.s.r
No dia 6 de Fevereiro de 2010, o Teatro Municipal da Guarda assistiu a um momento histórico, numa digressão por Portugal, os Tindersticks deram aquele que foi, para mim, o melhor concerto que já houve na chamada Beira Inte-rior. A banda encabeçada por Stuart Staples ofereceu ao cheio auditório uma viagem pelos seus oito álbuns, com particular destaque para o último Falling Down a Moun-tain. Nesta viagem não faltaram My Sister, A Night In, City Sickness, Bathtime, Marbles. Para os mais apreciadores… talvez tenham faltado outros grandes temas, claro, depois de um concerto triunfal e com uma discografia recheada de canções que tocam de perto na perfeição, a noite poderia não ter terminado. O grande auditório do Teatro Municipal da Guarda aplaudiu de pé estes novos Tindersticks, que so-freram uma mutação da sua formação e que apenas restam três dos elementos da sua formação original. O concerto foi, se assim se pode dizer, bastante orientado para um lado mais rock, sem aquela estética de cabaret decadente que os identificava noutros tempos, mas não faltaram os momentos mais doces em que a música quase aquática e a
voz de Stuart Staples levavam o público para um ponto mais elevado na sensibilidade.Foi uma noite histórica. É sempre um prazer viajar à Guarda e entrar naquela que é, para mim, uma das melhores salas de espectáculos de Portugal. Tudo parecia perfeito, aquele auditório, o som óptimo, o ambiente que o público criou. Uma aposta claramente ganha e mais uns pontos marca-dos na programação de um Teatro que já não serve só a Guarda, um Teatro que serve todo o interior do país.Estes novos Tindersticks provaram que, apesar do peso da sua história, ainda têm muitas cartas para dar e um longo caminho para percorrer. Eu, que sou um dos seus muitos seguidores, achei que faltou Tiny Tears… mas isso sou eu… e também não se pode ter tudo!!! E já agora, vale a pena dizer, ainda bem para todos os habitantes do centro interior deste país que existe um homem chamado Américo Rodrigues, que tem um teatro para as pessoas. Aqui fica a merecida vénia e a promessa de muitos regressos. Obri-gado por uma noite mágica, quem foi não pode ter ficado indiferente.
o últiMo livro de crónicas de baptista-bastos
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MAdrid ME MAtoU
admitamos. Madrid é um palco de satyricon, com os seus homens de expressões másculas de lenços vermelhos na lapela e mulheres de “salero” como o fogo abrasivo que sopra da plaza de las ventas. uma cidade de instinto matador onde as ruas são alfândegas de gente e dormir um verbo em desuso. a última tentação dos madrilenos é matar pela boca.Texto de Tiago Salazar Fotografia de Ricardo Paulouro
Eran las cinco en punto de la mañana quando Javier Valdés, El Manitas de Plata, começou o recital. Tinha o rosto pálido como um mandarim chinês e o corpo abaulado de muitos copos virados nos reais tabernáculos da Chueca, mas nenhum dos seus dedos mostrava a menor hesitação. O ba-rulho ensurdecedor de há minutos estancou por completo e uma assistên-cia imune ao álcool e à fadiga plantou-se em cada pedra da calçada, de cócoras, sentada no chão, empoleirada nos candeeiros, em cima de mesas e cadeiras, para ouvir o tocador. Javier traçou então as pernas esquálidas, encolheu-se todo como um gato e aconchegou ao peito uma guitarra de dezasseis cordas e de verniz estalado que, com um sorriso trocista, dizia herdada de Django Reinhardt. Na meia hora seguinte os dedos do toca-dor não pararam nem sequer para coçar a orelha ou desviar a comprida melena de açor que lhe tombava nos tendões inchados das costas da mão. Para onde olhasse agora, Javier haveria de ver um mar de gente de alma vadia em delírio, como um casal de velhos no balaústre de uma varanda de madeira, embalado um no outro no ritmo plangente de uma mazurca. A história repete-se todas as noites noutros bairros de Madrid, dos castiços La Latina, Lavapiés ou Huertas, aos mais sofisticados Salamanca ou Cham-beri. Madrid é uma cidade sem parança e a música da guitarra o seu elixir da longa vida. Haja “tapas”, copos, bandoleiros, futebol, “paseos”, “calles” e “plazas” e qualquer madrileno será um homem feliz.À primeira vista para quem regressa a Madrid – e quem foi, volta sem-pre – a cidade mantém-se igual a si própria, com tascas apaineladas de azulejos onde senhoras aprumadas de leque e sentadas em canapés se deixam cortejar furtivamente por homens de falas viris, lenços vermelhos na lapela e modos taurinos, os “chuleros”, como lhes chamou Luís Buñuel. Há, porém, uma nova Madrid que desponta entre as tabernas rústicas coa-
lhadas de tinto e bodegões infernais, uma cidade moderna de restaurantes minimalistas, bares de culto e hotéis de design. Guiado por Ernesto e Pepe, dois boémios madrilenos de casta, um alternativo o outro tradicional, fui fazer Madrid, o mesmo será dizer “tapear”, ir “de copas” e bailar, verbos exclusivos dos madrilenos e andaluzes resumidos na palavra “movida”, que deu frutos nos anos 8o depois de quatro décadas de atrofio franquista e que continua a bombear. Ernesto, o alternativo, prefere a navegação ao deus-dará e ao calhas, e como o vagabundo de Cela leva-me de passeio pelos bas-fonds da Chueca, o bairro gay de Madrid onde, como é próprio da comunidade, impera a extravagância. Aqui para quem nos lê, seja gay, sim-patizante ou irredutível, não há como esta rapaziada para pôr uma cidade a fervilhar, e faça ou não parte da tribo o viajante deve vir espreitar como são as noites da Chueca.A Chueca é um parente rico do Bairro Alto de Lisboa com bares porta sim, porta sim, cada um mais esmerado do que o outro, e onde pulsa a melhor animação, a mais bulhenta, alegre e tumultuosa. Há réplicas de festim por toda a cidade, para todas as classes e feitios e a todos os dias da semana, como na zona que vai da Puerta del Sol à Plaza de Santa Ana e à Huerta. Mas a Chueca é onde se varrem de vez todas as melancolias, o bairro onde apesar do domínio gay, convivem todas as espécies de raças, desde os betinhos madrileños de cabelo penteado em bico de pato, a cyber-punks, dreads, diáconos – o voto de castidade não impede a degustação de aguar-dentes caseiras – ou outra raça entretanto patenteada. E para quem teme o pior, o melhor que pode ouvir de um rapazinho com voz de eunuco é um piropo do tipo “que guapo eres, tiendes el culo mas sexy que los pies”.É na Chueca, na Calle Augusto Figueroa, que os Bardem, uma família de actores pontuada por Javier, tem o seu La Bardemcilla, um restaurante
restaurante tia alicerua do adro, 2495 ourém tel. 249 531 737 (é melhor reservar)
a tia alice uM espaço a descobrir e a degustar
gaStroNomIa
Em 1997, para festejar os meus cinquenta anos pagãos resolvi ir à Tia Alice em Fátima. O meu querido amigo e grande cozinheiro algarvio Vila dizia-me sempre que era o melhor restaurante de Portugal. Lá fui, ou antes, lá fomos, eu, o meu antigo editor, o Alface, e respectivas esposas.Antes do almoço, fomos beber um aperitivo para animar o treçolho e depois de termos passado por milhentas lojas de bugigangas, santinhos e outras mercadorias da piedade, encontrámo-nos por fim num bar neutro. Aí, curiosamente, um padre escocês recém-chegado bebia já. Era, claro, whisky e nós sentámo-nos ao lado com martinis. Depois de estabelecermos uma conversa sobre o Stevenson e o monstro do Loch Ness, o padre espantado pela nossa erudição literária em jejum foi-se rapidamente às suas ocupações religiosas e nós resolvemos aproxi-marmo-nos da Tia Alice. O estômago dava heras.Situado nas redondezas de Fátima, a dois quilómetros da Basílica, perto de uma singela igreja antiga e quase em frente de uma unidadezinha de rebobinagem, o restauran-te está inserido dentro de uma casa típica de aldeia e goza de uma excelente situação quase anónima. Nunca mais esquecerei as seis horas que passámos dentro desse restaurante nesse sábado de aniversário e de peregrinação. Aceitaram-nos como íamos : munidos de um bolo comprado na Pastelaria Suíça em Lisboa e duas garrafas de champanhe francês. E depois, comemos e bebemos e recitámos poesia durante seis horas, e quando acabámos já os comensais da noite chegavam. A atmos-fera, a gentileza, a qualidade da cozinha deixaram-nos assombrados. O ano passado voltei lá e tive a mesma impressão que da primeira vez. Desta vez foi o filho da patroa que me aco-lheu mas tudo continuava como dantes. O mesmo requinte tanto na comida como no ambiente, a mesma atmosfera de quietude propícia ao prazer dos sentidos, parecia que estávamos em cima de uma nuvem doiradoira. Comemos, contrariamente, à primeira vez, não uma invulgar açorda de marisco mas uma açorda de bacalhau simplesmente divina. Esta açorda ligeiríssima adquire um atributo quase volátil devido ao facto de ser feita com papo-secos. A vitela estufada com grelos regalou a seguir o nosso espírito sensual. Éramos já monarcas deste reino. Os grelos, particularmente saborosos, tinham sido criados na areia e isso dava ao produto uma característica única. Quanto à carne, ela descia na boca sem uma pessoa ter tempo de invocar os deuses do Yucatán. Já tive amigos meus que vieram aqui e adoraram tanto o bacalhau à Tia Alice grati-nado no forno e com gambas como a chanfana de cabrito. Assim como as sobremesas, onde se distinguem os doces conventuais e o gelado caseiro. Sosseguemo-nos. A Tia Alice perpetua-se, igual ao forno de antigamente para regozijo do nosso clube de detecti-ves gastronómicos. E até as belíssimas empregadas são como as de antanho. E confesso : se lá no outro mundo houvesse um Tia Alice começava já desde hoje a acreditar na ressurreição. « O mais vulgar dos homens é um grande artista desde que mime as suas desgraças » dizia Alain. Ao que eu acrescento : « O comensal é um grande gour-met logo que dramatize o seu apetite e ultrapasse o portal da Tia Alice .» Ámen.
e bar que garante andamento até se cair no “tablado”. Entre uns pimentos de Padrón grelhados, croquetes de arroz e gengibre ou um taco de bacalhau regados de Riojas de várias castas e procedências pode ouvir-se o “nuevo flamenco”, um ritmo que mistura o flamenco com sons brasileiros, caribenhos, argentinos ou africanos, inventado pelos madrilenos para rivalizar com Sevilha. o Cardamomo continua a ser o «Rei da Taconea”, a par do Gabrieles que segue uma linha purista e está entre os patronos do flamen-co de Madrid. Ernesto prefere os tocadores de rua e é com ele que conheço Javier, não o Bardem, o que deu pena, mas o Valdés, que embora artista anónimo, engelhado como um pêro, branco como um lençol e sem ter onde cair morto, não se fica nada atrás no talento para empolgar multidões. Para Valdés, Madrid é como as termas de Trillo: tudo curam me-nos gálico e loucura. Se Valdés não está a dar espectáculos no bairro da Chueca, anda como um Nosferatu em versão sentimental de guitarra à ilharga à procura de varandins floridos para tocar serenatas a “señoras necesitadas”.Todas as sextas-feiras, os 573 cabeleireiros da cidade enchem-se para lá das costuras de senhoras com neces-sidades de alinho. Fala Pepe: “Espanhola que se preze tem que andar impecável, até para ir à missa.” É aquela velha rábula do “salero” e do donaire que continua irresistível. Por menos abonada, de beleza ou baguito, não há espanhola que não ofusque as vistas, deixando os olhos de quem passa revirados para Alcobaça. E os vestidos nunca têm traça. São essas senhoras e senhoritas que polvilham a cidade de uma segunda camada de beleza, a juntar ao património monu-mental que rivaliza com as cidades mais ricas da Europa. Só a visão nocturna da Plaza de Cibeles bastava para deixar qualquer cortesão ou aldeão de boca à banda.Junte-se-lhe o Palácio Real, o Mosteiro de Las Descalzas Reales ou os Paseos do Prado e da Castellana e fica o as-sunto arrumado. A marca arquitectónica dos Habsburgos, Bourbons e até do caudilho Franco perpetua-se e sempre que a cidade ameaça decadência, há sempre um alcaide ou um movimento espontâneo de cidadãos que impede a ca-tástrofe. No perímetro urbano, não há um prédio esventrado ou entregue às ratazanas, e toda a cidade respira saúde. Sei por Javier que o arquitecto Siza Vieira prepara neste momento uma intervenção no eixo mais emblemático – e problemático – de Madrid, a ligação dos “paseos” do Prado e Recoletos, cuja finalidade é devolver a zona aos peões. o espaço central, numa extensão de vários quilómetros a ligar a Praça Colón à de Atocha, terá jardins sucessivos e uma componente lúdica e cultural, propondo um passeio entre os museus Thyssen, Prado, Rainha Sofia e o remodelado centro cultural de La Caixa. Outro dos objectivos de Siza passa por devolver a condição original de fontes às estátuas de Cibeles e Neptuno, retirando-lhes os “anéis” colocados no século XIX, o que deixará à vista os seus maravilhosos espelhos de água.Madrid é isto, uma cidade em renovação contínua e repleta de manhã ao sol-pôr de uma alfândega de gente. Faláva-mos de monumentos, pois não espanta que muitos deles, quando se julgavam condenados à implosão, eis que algum empresário de bom senso se lembra de lhes dar nova vida. Foram os casos do Palácio de Gaviria, dos antigos teatros Eslava e Teatriz ou do Café del Círculo de Bellas Artes, outrora marcos da beleza oitocentista, agora ícones da noite madrilena. No caso do Teatriz, um teatro onde passaram peças de dramaturgos como Garcia Llorca ou Goméz de La Serna, e que hoje é um dos restaurantes de referência da nova Madrid, o restauro leva a chancela de Phillipe Starck. Para além da carta soberba de pratos de fusão de comida andaluz e mediterrânea, com nota de destaque para as trufas e escalopes, não deixe de visitar as casas de banho atrás do palco. Aliás, a nova “movida” de Madrid passa pela abertura de um número impressionante de bares e restau-rantes que rompem com a cultura tradicional das tascas e “bodegas”. Numa semana a fazer Madrid, isto é, sem quase cair na cama, palmilhei mais de uma vintena dos ditos “in-contornáveis” a conselho de Pepe e Ernesto, dois boémios também conhecidos por Pança y Pança. As escolhas são sempre aleatórias e reflexas das papilas e inclinações de quem as faz. Mas estas têm muito boa vontade e devoção canónica ao segundo maior prazer que a vida me deu. Fica a outorga.É uma história verdadeiramente dramática andar de bar em bar, restaurante em restaurante, cozinha em cozinha,
armado em peregrino de Santiago com especialização em degustações e libações. Para mais que não o sou, em-bora conte a comida entre os meus prazeres supremos. ora esta experiência madrilena é de antologia. Não sei se pela companhia se pelo calibre dos chefs, o certo é que saí de todos os lugares com muito pouca vontade de “me marchar”. E comecei logo pelo La Broche, que está entre os pecados capitais da nova cozinha espanhola. o chef Sergi Arola, discípulo do catalão Ferran Adriá, do El Bulli e do La Terraza del Casino, inspirou-se nos pratos estilizados franceses à base de frutos do mar e gelados para fazer uma carta onde pontuam as sardinhas marinadas e recheadas com ovas de arenque e o gaspacho de foie gras com gelado de baunilha. Outra opção é o lombo de bacalhau em geleia de água do mar, caviar e verduras. Para fechar em beleza, talvez uns raviolis de manga. Ou talvez, a contento, um charutinho Farias. Depois do La Broche, a tendência natural dos madrilenos é virar a esquina e ir “de copas” ou dançar no La Moma, um bar e discoteca onde pára a finaflor das capas da “Hóla”. Para os mais alternativos, o caminho é o Bar Cock, na Chueca, um bar de estilo belle époque, que se gaba de oferecer os melhores “mojitos” da cidade – e só lhe fica bem a gabarolice. No estilo minimalista do La Broche, há o La Terraza del Casino, cuja varanda permite uma vista soberba das grandes avenidas e que o crítico do “El País”, José Carlos Capel, considerou “do outro planeta”.Experimentei ainda o El Chaflán, que tem a cozinha a cargo do chef Juan Pablo Pablado e é insuperável nos seus tartares, sobretudo o de atum com sopa de pistácios. Os “boquerones” marinados com queijo fresco e massa tam-bém não estavam nada mal. Trata-se do Balzac, por detrás do Museu do Prado, a cargo do chef Andrés Madrigal, um pupilo de Alain Ducasse, autor de algumas obras-primas da gastronomia, em particular os “huevos rotos con erizos em salsa de chipirones” e o “tartar de gambas marinadas en cebolillo y menta”. Ou seja, coisas de cacaracá.
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ra te
nha
conh
ecid
o o
exíli
o co
mo
Cio
ran,
não
est
ou d
e ac
ordo
com
ele
: « N
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men
to e
alg
emas
são
sin
ónim
os. V
er o
dia
, é v
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uito
s an
os p
ara
mim
cad
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mo
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a di
fere
nte.
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o is
so a
cont
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, ( p
rinc
ipal
men
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os a
nos
1970
-197
4 ),
era
o pa
raís
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Ter
ra. O
úni
co.
*N
asci
qua
ndo
regr
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gal e
m 1
997.
Com
50
anos
ia e
nfim
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rim
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do o
que
tinh
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vido
. Nu,
dia
nte
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spel
ho r
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Os
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Nem
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cias
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reve
rsív
eis.
Alé
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isso
, o m
eu c
aso
não
inte
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ava
já n
ingu
ém. T
inha
pas
sado
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mai
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*
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as o
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a é
que
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gues
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ão g
os-
tam
de
rir.
Um
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m a
não
bon
viva
nt, u
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aré,
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des
pedi
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ilhã,
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rito
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gabu
ndo,
um
a no
rueg
uesa
nin
fom
anía
ca q
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ó go
sta
de p
reto
s de
Lis
boa,
três
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arig
as p
rovi
ncia
nas
chei
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e so
nhos
pro
mis
sore
s, n
ão s
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ompa
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s de
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. For
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e qu
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que
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o fa
raón
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ndo
mal
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col
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e a
uto-
proc
lam
ando
a s
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lsa
geni
alid
ade
ou p
ara
aque
les
que
se c
alam
que
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ma
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a si
ngel
a de
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licid
ade.
Cui
dado
, em
Fra
nça,
nos
ano
s se
ssen
ta d
o sé
culo
pas
sado
, Sar
tre
brilh
ava
com
o um
sol
úni
co. H
oje,
é o
sol
neg
ro d
e B
atai
lle q
ue o
fusc
a o
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t-ce
que
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atur
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»
*
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plic
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meu
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anas
quei
ra, o
nde
tinha
ido
tirar
um
as m
edid
as, e
ntro
u na
cam
a on
de ja
zia
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inha
mãe
co
m b
orbu
lhas
ver
mel
has
nos
dedo
s in
chad
os. E
ra d
a lix
ívia
. Ass
im fu
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cebi
do n
um in
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te. C
om c
alça
s de
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lene
.Le
mbr
o-m
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uito
bem
do
meu
pai
me
atar
com
um
a lin
ha b
ranc
a à
mes
a on
de ta
lhav
a os
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s pa
ra e
u nã
o ir
bri
ncar
por
que
deita
va s
angu
e pe
lo u
mbi
go d
evid
o ao
fact
o da
par
teir
a nã
o m
e te
r lig
ado
bem
o c
ordã
o um
bilic
al.
Lem
bro-
me
mui
to b
em q
ue a
os s
eis
anos
que
ria
ser
padr
e e
fazi
a gr
ande
s di
scur
sos
na a
lfaia
tari
a do
meu
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por
que
acha
va q
ue o
s pa
dres
tinh
am s
empr
e m
ulhe
res
à ro
da d
eles
à e
scut
a.Le
mbr
o-m
e qu
e qu
ando
ves
tia u
m fa
to n
ovo
ou u
mas
cal
ças
ou u
ma
sam
arra
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roça
va p
rim
eiro
nas
par
edes
par
a nã
o ap
arec
er c
omo
um r
ico
dian
te d
os m
eus
amig
os p
obre
s.Le
mbr
o-m
e da
nev
e da
Cov
ilhã
que
apar
ecia
sem
pre
com
o um
a da
ma
eleg
ante
e r
ebuç
ada.
Lem
bro-
me
de to
dos
os c
lient
es d
a ofi
cina
do
meu
pai
. E d
as s
uas
hist
ória
s, p
reoc
upaç
ões,
son
hos,
sof
rim
ento
s. N
asci
esc
rito
r po
r ca
usa
de fa
tos
incó
gnito
s e
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s de
mor
tos.
Mas
tam
bém
de
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s de
cas
amen
to, d
e pe
ssoa
s qu
e tin
ham
esp
eran
ças
de s
er fe
lizes
num
paí
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e nã
o co
nhec
ia a
pal
avra
FEL
ICID
AD
E. D
uran
te tr
ês d
ias
com
iam
com
o pa
pogr
es, b
ebia
m c
omo
saco
s ro
tos,
dan
çava
m a
té a
o to
mbo
. Dep
ois
volt
avam
à d
ura
real
idad
e do
fasc
ism
o. O
meu
pai
foi p
adri
nho
de c
asam
ento
de
mui
tos
oper
ário
s tê
xtei
s da
Cov
ilhã
porq
ue e
les
não
tinha
m d
inhe
iro
para
adq
uiri
r um
fato
de
casa
men
to e
ped
indo
ao
meu
pai
mat
avam
doi
s co
elho
s nu
ma
só c
ajad
ada.
Eu
tam
bém
ia e
à n
oite
, miú
do c
ansa
do e
che
io d
e so
no, e
ra e
ntre
gra
ndes
terr
inas
de
arro
z do
ce c
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anel
a qu
e eu
ado
rmec
ia n
essa
s ca
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rep
leta
s em
qua
rtos
som
brio
s se
m ja
nela
s.Le
mbr
o-m
e de
ter
com
eçad
o a
escr
ever
aos
doz
e an
os d
e id
ade
com
o se
tive
sse
saíd
o de
um
cam
ião
de fe
ras
depo
is d
e um
a lo
nga
viag
em. A
cul
pada
foi a
filh
a ba
star
da d
o co
nde
do R
efúg
io
que
me
ofer
eceu
par
a o
meu
ani
vers
ário
A F
amíli
a In
gles
a do
Júl
io D
inis
. Nes
se m
esm
o di
a li
a ob
ra to
da e
res
olvi
ser
esc
rito
r, a
os o
nze
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.O
meu
pai
ent
reta
nto
cont
inua
va a
faze
r bo
ns fa
tos.
A s
ua a
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sem
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foi p
ara
mim
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mod
elo.
Ain
da m
e re
cord
o de
um
as c
alça
s br
ilhan
tes
e fin
as q
ue e
le m
e fe
z co
m a
s qu
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eu il
ustr
ava
o m
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. Um
a ca
valo
na d
e m
ulhe
r, c
riad
a m
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ta d
a ta
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a ba
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da d
o co
nde
do R
efúg
io, u
m d
ia p
isco
u-m
e o
olho
dep
ois
de s
e te
r pe
rfum
ado
com
Tab
u, o
per
fum
e do
s ci
gano
s. E
u vi
nha
de fa
zer
um s
onet
o e
não
tive
dific
ulda
des
em m
e en
cost
ar c
om e
ssas
cal
ças
brilh
ante
s a
ela
que
pass
ava
a fe
rro.
A s
ua e
smer
ada
indi
fere
nça
sem
pre
me
pare
ceu
ser
o sí
mbo
lo d
este
pa
ís. A
nos
terr
ívei
s es
ses,
ond
e qu
em s
e m
astu
rbav
a tin
ha d
e se
r fo
rços
amen
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feliz
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uem
arr
anja
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ma
cach
opa
era
para
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ida.
Nun
ca e
stiv
e ne
ste
lote
e fo
i dep
ois
de te
r pu
blic
ado
Os
Três
Sei
os d
e N
ovél
ia q
ue d
ecid
i par
tir p
ara
Fran
ça c
omo
emig
rant
e po
lític
o e
sexu
al. I
a se
r fe
liz e
fui.
De
todo
s os
ano
s de
exí
lio (
fora
m m
uito
s ) l
embr
o só
dua
s m
ulhe
res
porq
ue n
ão q
uero
par
ecer
pre
sunç
oso.
Fio
ra ti
nha
vint
e an
os e
era
um
a lo
ira
estu
dant
e. V
iera
de
Maa
stri
cht,
e tin
ha e
m
casa
um
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le d
e se
rpen
te. E
la g
osta
va d
e se
enr
olar
nua
nes
sa p
ele
de s
erpe
nte
e de
pois
ped
ia-m
e pa
ra a
pos
suir.
Pos
suía
-a m
uita
s ve
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a al
tas
hora
s da
noi
te e
m c
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rios
de
Tou-
lous
e, c
ontr
a ja
zigo
s si
lenc
ioso
s, e
nqua
nto
ouví
amos
ao
long
e na
noi
te p
rofu
nda
o ba
rulh
o do
s ca
rros
que
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sava
m n
as a
uto-
estr
adas
. Ou
entã
o er
a em
hot
éis
bara
tos
chei
os d
e op
erár
ios
mag
rebi
nos
que
dorm
iam
com
o es
finge
s. T
ambé
m m
e le
mbr
o de
Arm
elle
. Era
um
a ni
nfom
anía
ca b
retã
que
só
gost
ava
de s
er p
ossu
ída
nas
igre
jas.
Fiz
-lhe
tant
as v
ezes
a v
onta
de q
ue u
m d
ia
me
com
eçou
a a
mar
com
um
a de
voçã
o ím
par.
Cor
ria
os c
afés
de
Toul
ouse
à m
inha
pro
cura
, os
bare
s, a
s bo
ates
. Qua
ndo
não
me
enco
ntra
va b
ebia
até
fica
r in
cons
cien
te e
dep
ois
enga
tava
um
est
udan
te q
ualq
uer
e ch
amav
a-o
com
o m
eu n
ome
e ia
par
a a
cam
a co
m e
le. M
as n
unca
ia p
ara
as ig
reja
s. A
s ig
reja
s er
am o
meu
dom
ínio
. O d
o po
eta
mal
dito
por
tugu
ês. O
do
sant
o.
*G
osto
dos
mor
alis
tas
fran
cese
s. J
oube
rt, L
a R
oche
fouc
ault
, Vau
vena
rgue
s, C
ham
fort
, etc
. For
am e
les
que
me
ajud
aram
a p
assa
r o
meu
exí
lio fr
ancê
s, d
e qu
ase
trin
ta a
nos,
sem
soç
obra
r na
louc
ura.
Cito
o te
rcei
ro :
« A
s m
ulhe
res
não
com
pree
ndem
que
há
hom
ens
que
não
estã
o in
tere
ssad
os n
elas
». E
freq
uent
ei ta
mbé
m g
rand
es p
oeta
s de
scon
heci
dos
que
me
ajud
aram
a
esqu
ecer
Por
tuga
l : A
lpho
nse
Rab
be, C
harl
es L
assa
ily, X
avie
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rner
et, e
tc. D
este
últ
imo,
dei
xo e
sta
máx
ima
que
até
faz
empa
lidec
er u
m m
orto
: « O
Pin
heir
o, c
om o
qua
l se
faze
m c
aixõ
es, é
um
a ár
vore
sem
pre
verd
e ».
*
Volt
o ao
meu
pai
e à
sua
gen
eros
a ho
spita
lidad
e. À
sua
bon
dade
e à
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gra
nde
com
pree
nsão
da
vida
. Qua
ndo
eu le
vei à
Cov
ilhã
o Er
nest
o Sa
mpa
io h
ouve
ent
re e
les
imed
iata
men
te u
m e
n-te
ndim
ento
ext
rem
o. O
Ern
esto
aca
bara
de
perd
er a
Fer
nand
a A
lves
, o a
mor
da
sua
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, e a
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a in
cons
oláv
el. A
liás
ele
não
tard
aria
a m
orre
r po
r ca
usa
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o. M
as n
esse
alm
oço
em c
asa
dos
meu
s pa
is, c
omen
do a
sop
a de
feijã
o ve
rde
que
a m
inha
mãe
tinh
a co
nfec
cion
ado
com
mui
to a
mor
, ele
sen
tiu-s
e su
bita
men
te fe
liz. E
stav
a en
tre
pess
oas
sim
ples
, que
com
pree
ndia
m a
su
a tr
agéd
ia, q
ue fa
ziam
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hosp
italid
ade
um a
fect
o in
esgo
táve
l. Es
se c
alor
hum
ano
que
o ro
deou
nes
se d
ia fê
-lo
esqu
ecer
por
mom
ento
s a
agre
ste
solid
ão e
m q
ue v
ivia
.
*
Às
veze
s do
u po
r m
im a
pen
sar
no q
ue te
ria
sido
a m
inha
vid
a se
não
tive
sse
part
ido
para
o e
stra
ngei
ro d
uran
te ta
ntos
ano
s. E
star
ia m
orto
, eu
que
dete
sto
fard
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mili
tare
s. O
u es
tari
a ca
reca
, eu
que
abom
ino
a vi
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mili
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ncio
nal.
Ou
esta
ria
vici
ado
nas
puta
s, e
u qu
e só
am
o o
sexo
gra
tuito
e fe
ito c
om a
mor
no
mom
ento
. Fel
izm
ente
, par
a a
solid
ez d
a m
inha
hig
iene
m
enta
l, vi
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uran
te m
uito
s an
os fo
ra d
a pá
tria
cop
ulan
do e
inst
ruin
do-m
e en
quan
to u
ns s
onâm
bulo
s tr
iste
s an
dava
m a
os ti
rinh
os c
olon
iais
mat
ando
tudo
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pare
cia
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ente
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mbr
o-m
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min
ha c
ampa
nha
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eita
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Par
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olta
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mar
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taur
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cenn
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eiro
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tuda
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rofe
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es, s
obre
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fluên
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vim
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poes
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min
ha fi
lha
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nas
ceu
em 1
984
fui c
omem
orar
num
bar
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Toul
ouse
. Era
o P
ère
Bac
hus.
Aí,
logo
que
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um jo
vem
exe
cutiv
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pas
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reta
na
mão
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fato
com
plet
o. S
abia
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eu
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um p
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ês e
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ria
que
eu lh
e co
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se lo
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do. J
á tin
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tar-
lhe
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stór
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que
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ndo
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proc
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les
que
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que
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licid
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dado
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nça,
nos
ano
s se
ssen
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o sé
culo
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sado
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brilh
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com
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úni
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oje,
é o
sol
neg
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atai
lle q
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fusc
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ra, o
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as, e
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a on
de ja
zia
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mãe
co
m b
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ver
mel
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nos
dedo
s in
chad
os. E
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. Ass
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cebi
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te. C
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alça
s de
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.Le
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o-m
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uito
bem
do
meu
pai
me
atar
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um
a lin
ha b
ranc
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mes
a on
de ta
lhav
a os
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s pa
ra e
u nã
o ir
bri
ncar
por
que
deita
va s
angu
e pe
lo u
mbi
go d
evid
o ao
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o da
par
teir
a nã
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e te
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bem
o c
ordã
o um
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al.
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bro-
me
mui
to b
em q
ue a
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anos
que
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ser
padr
e e
fazi
a gr
ande
s di
scur
sos
na a
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a do
meu
pai
por
que
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va q
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s pa
dres
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am s
empr
e m
ulhe
res
à ro
da d
eles
à e
scut
a.Le
mbr
o-m
e qu
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ando
ves
tia u
m fa
to n
ovo
ou u
mas
cal
ças
ou u
ma
sam
arra
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roça
va p
rim
eiro
nas
par
edes
par
a nã
o ap
arec
er c
omo
um r
ico
dian
te d
os m
eus
amig
os p
obre
s.Le
mbr
o-m
e da
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e da
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que
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ecia
sem
pre
com
o um
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ma
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ante
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ebuç
ada.
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bro-
me
de to
dos
os c
lient
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a ofi
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do
meu
pai
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uas
hist
ória
s, p
reoc
upaç
ões,
son
hos,
sof
rim
ento
s. N
asci
esc
rito
r po
r ca
usa
de fa
tos
incó
gnito
s e
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s de
mor
tos.
Mas
tam
bém
de
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s de
cas
amen
to, d
e pe
ssoa
s qu
e tin
ham
esp
eran
ças
de s
er fe
lizes
num
paí
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e nã
o co
nhec
ia a
pal
avra
FEL
ICID
AD
E. D
uran
te tr
ês d
ias
com
iam
com
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es, b
ebia
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omo
saco
s ro
tos,
dan
çava
m a
té a
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mbo
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ois
volt
avam
à d
ura
real
idad
e do
fasc
ism
o. O
meu
pai
foi p
adri
nho
de c
asam
ento
de
mui
tos
oper
ário
s tê
xtei
s da
Cov
ilhã
porq
ue e
les
não
tinha
m d
inhe
iro
para
adq
uiri
r um
fato
de
casa
men
to e
ped
indo
ao
meu
pai
mat
avam
doi
s co
elho
s nu
ma
só c
ajad
ada.
Eu
tam
bém
ia e
à n
oite
, miú
do c
ansa
do e
che
io d
e so
no, e
ra e
ntre
gra
ndes
terr
inas
de
arro
z do
ce c
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anel
a qu
e eu
ado
rmec
ia n
essa
s ca
mas
rep
leta
s em
qua
rtos
som
brio
s se
m ja
nela
s.Le
mbr
o-m
e de
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com
eçad
o a
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ever
aos
doz
e an
os d
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ade
com
o se
tive
sse
saíd
o de
um
cam
ião
de fe
ras
depo
is d
e um
a lo
nga
viag
em. A
cul
pada
foi a
filh
a ba
star
da d
o co
nde
do R
efúg
io
que
me
ofer
eceu
par
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meu
ani
vers
ário
A F
amíli
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gles
a do
Júl
io D
inis
. Nes
se m
esm
o di
a li
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ra to
da e
res
olvi
ser
esc
rito
r, a
os o
nze
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.O
meu
pai
ent
reta
nto
cont
inua
va a
faze
r bo
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tos.
A s
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da m
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Tab
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fum
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s. E
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suía
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lous
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que
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m m
e le
mbr
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. Era
um
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nfom
anía
ca b
retã
que
só
gost
ava
de s
er p
ossu
ída
nas
igre
jas.
Fiz
-lhe
tant
as v
ezes
a v
onta
de q
ue u
m d
ia
me
com
eçou
a a
mar
com
um
a de
voçã
o ím
par.
Cor
ria
os c
afés
de
Toul
ouse
à m
inha
pro
cura
, os
bare
s, a
s bo
ates
. Qua
ndo
não
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va b
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fica
r in
cons
cien
te e
dep
ois
enga
tava
um
est
udan
te q
ualq
uer
e ch
amav
a-o
com
o m
eu n
ome
e ia
par
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cam
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m e
le. M
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unca
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reja
s. A
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ês. O
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o.
*G
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dos
mor
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fran
cese
s. J
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rt, L
a R
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. For
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les
que
me
ajud
aram
a p
assa
r o
meu
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lio fr
ancê
s, d
e qu
ase
trin
ta a
nos,
sem
soç
obra
r na
louc
ura.
Cito
o te
rcei
ro :
« A
s m
ulhe
res
não
com
pree
ndem
que
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que
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tere
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os n
elas
». E
freq
uent
ei ta
mbé
m g
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es p
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s de
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heci
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que
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ajud
aram
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Por
tuga
l : A
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Rab
be, C
harl
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assa
ily, X
avie
r Fo
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et, e
tc. D
este
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imo,
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máx
ima
que
até
faz
empa
lidec
er u
m m
orto
: « O
Pin
heir
o, c
om o
qua
l se
faze
m c
aixõ
es, é
um
a ár
vore
sem
pre
verd
e ».
*
Volt
o ao
meu
pai
e à
sua
gen
eros
a ho
spita
lidad
e. À
sua
bon
dade
e à
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gra
nde
com
pree
nsão
da
vida
. Qua
ndo
eu le
vei à
Cov
ilhã
o Er
nest
o Sa
mpa
io h
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re e
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imed
iata
men
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ento
ext
rem
o. O
Ern
esto
aca
bara
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perd
er a
Fer
nand
a A
lves
, o a
mor
da
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, e a
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cons
oláv
el. A
liás
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orre
r po
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usa
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o. M
as n
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meu
s pa
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sop
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cion
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mui
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pess
oas
sim
ples
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pree
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agéd
ia, q
ue fa
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um a
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esgo
táve
l. Es
se c
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hum
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s a
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ivia
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Às
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puta
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tuito
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, par
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solid
ez d
a m
inha
hig
iene
m
enta
l, vi
vi d
uran
te m
uito
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Clara Pinto Correia, bióloga de profissão, dá aulas na Univer-sidade, publicou livros cientí-ficos, passou pelo jornalismo como repórter e cronista, pelo teatro como actriz, pela tele-visão em júris de concursos, pela literatura com dois ro-mances interessantes, “Adeus Princessa” e “Os Mensageiros Secundários”, leiam que vão gostar, e sempre com um espírito azougado e presença algo impertinente. A ofere-cer oxigénio fresco, inclusive porque muito fotogénica, sim, sim, às medíocres mornices e tartufices luso-habituais, teve um episódio infeliz com uma crónica assinada e muito pare-cida com uma crónica da “New Yorker” dos States, precalço menor, já esquecido.Cabecitas enviezadas já espreitam que estou aqui com esta “manteiga” só para malhar de seguida. Engano. Não temos gosto para tais merdices... adiante. Vamos ao que interessa.CLARA expôs investigações próprias sobre o orgasmo feminino, em fotos. Não pro-curou cobaias, como foi o caso de FREUD, REICH, kINSEY, MASTER e JONSHON, pionei-ros sobre a sexualidade no século vinte.A bióloga não saiu do leito con-jugal, deu o seu próprio corpo
ao manifesto. Em natural cola-boração com o marido, o nosso também amigo PEDRO PALMA, que participou e fotografou, é desenhador e fotógrafo. A moral cristã está safa.O casal apresentou depois os resultados da investigação, es-tética e científica, na galeria do Centro Cultural de Cascais, e as fotos também se encontram na Internet. E, já agora...Houve um fotógrafo português, anos 1930, que se especializou em fotos, não de orgamos, mas de vaginas. Um pionei-ro, portanto. Talvez inspirado pela obra prima de Courbet, “A Origem do Mundo”, e talvez não, que o quadro esteve em segredo até muito recente-mente e não era referida nas histórias de Arte.Nascido em Vila Real, de nome CORREIA ou CARDOSO... en-controu emprego, em Lisboa, como fotógrafo da Aeronáutica Militar. Fotografou “vistas aéreas” e outras “vistas” mais íntimas, enfim, vaginas. Na década de 1980 vivia e manti-nha estúdio no Chiado, Lisboa, entre o teatro S. Luiz e o São Carlos, guardando aí a sua preciosa colecção, dezenas muitas de fotos. Tinha uma filha, que terá herdado.Um tesouro artístico, ignorado e por descobrir.Fernão K.
os orgasMos de clara graFonolas da políticabióloga oFerece o seu corpo à ciência
Quando vejo Manuela Ferreira Leite, arvorada em padeira de Aljubarrota, contra os ventos de Castela, ou quando olho a sua imagem brandindo os números do défice e do endividamento público, logo os seus ares arcaicos me fazem lembrar o outro professor de Finanças, que veio de Coimbra para sarar as contas públicas, e, ao fim de 47 anos sentado no trono da ditadura, deixa-va um país com os cofres do Banco de Portugal cheios de barras de ouro, mas vegetando na mais atroz pobreza física e mental. Não faltam na política estas figuras que sobem ao púlpito da nação para falarem no interesse da nação e no contrário dele, ao mesmo tem-po tão dr. Jekyl e Mr Hyde, que predicam a magistratura da boa consciência, mas esque-cem o asneirento e despesista passado ministerial (das finan-ças), que trazem na ponta da língua os direitos cívicos, mas logo abençoam a sua crucifi-cação, na primeira curva da estrada. Com ela, resolver os problemas bicudos das contas, emagracer o défice, é fácil: basta pôr uma canga pesada
aos ombros do povo e, se for preciso, suspender a democra-cia por seis meses, sabe-se lá se dar uns safanões a tempo aos que ousarem dizer não. Não admira que a senhora D. Manuela Ferreira Leite tenha sido derrotada, como foi, nas últimas eleições. Grafonola da política, continua a falar, a falar, como se o disco estives-se rachado. Neste labirinto kafkiano, é como se a senhora estivesse convencida de ter ga-nho as eleições ou tivesse sido coroada como rainha absoluta do reino da estupidez. Não está sózinha no exército de “sala-zares empalhados” (como diria Mestre Aquilino) que andam por aí.Outra nota do provincianis-mo português é o excesso de demagogia parlamentar (ou de cariz partidário). Tão em voga que se tornou moda. Entra também para a galeria do reino da estupidez. Todos da oposição falam em soluções para o desemprego. Mas não vão além de medidas assisten-cialistas. Medidas concretas: zero! Prometer, não custa nada... andré leónidas
escárnio&Maldizer
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este “habeas corpus” ao casamento ho-mossexual reabre campo de discussão para outros temas espinhosos na sociedade e na igreja católica, caso dos padres procriado-res ou do fim do celibato entre padres que praticam o ministério?Deveria (re)abrir, mas, hoje, infelizmente, nada nas altas esferas da nossa Igreja cató-lica nos diz que irá ser assim. E de certeza que não será assim. Para nossa vergo-nha católica. E para nosso mais completo descrédito. A Cúria Romana, com os seus cardeais sem entranhas de humanidade, todos eunucos à força (mai-la sua hierarquia episcopal e paroquial à frente de todas as dioceses e paróquias territoriais espalhadas pelo Mundo, toda, infantilmente, obediente e reverente às ordens emanadas de Roma; toda feita só de homens, e homens eunu-cos à força e prisioneiros de privilégios de que não querem abdicar; sem um pingo de espinha dorsal e cheia de medo do Núncio apostólico do Vaticano, a residir na capital de cada país da Cristandade, com a missão de controlar e registar ao pormenor tudo o que os bispos e os párocos possam dizer e fazer de dissonante da linha traçada pelo Papa), em lugar de saudar e acompanhar esta abertura da Sociedade civil, fecha-se demencialmente ainda mais no seu reduto moralista sem Moral.
a esterilidade dos eclesiásticos é a excep-ção ou a regra?É a regra. Salta à vista de toda a gente. Falo, obviamente, de esterilidade no sentido mais lato, não apenas no sentido sexual-genital. De resto, a pior esterilidade dos eclesiásticos nem é a sexual-genital. É, sim, aquele seu esquizofrénico jeito clerical de ser-viver todos os dias. O templo e o altar que eles profissionalmente frequentam e onde são reis e senhores absolutos, nunca foram espaços e ambientes de fecundidade humana. São, até, o que há de mais estéril. Já era assim com os sacerdotes dos velhos cultos do Paganismo religioso. Até podiam ser casados e ter filhas, filhos, mas eram os mais estéreis dos seres humanos. Ocupa-vam-se exclusivamente das imagens das deusas e dos deuses, faziam todos aqueles ritos e rezas sem sentido e, com isso, não só alienavam as populações, como ainda lhes alimentavam os ancestrais medos com que elas andavam possessas e que as tornavam violentas umas para com as outras. Como hoje ainda sucede. E para pior. Não só com os cultos religiosos nos templos e nos alta-res, mas também e sobretudo com os cultos seculares /laicos, em honra do Senhor Deus Dinheiro, sem dúvida, o mais omnipotente, o mais omnipresente e o mais omnisciente dos deuses-ídolos deste nosso Século XXI.
conhece padres que emprenharam já de votos assumidos e que não abdicaram da batina?Não sou detective particular, nem polícia de costumes. Como presbítero da Igreja do Porto, toda a minha vida está centrada na missão de Evangelizar os pobres e os povos. Sou, ao mesmo tempo, jornalista de profissão (hoje, já na reforma, se bem que
ainda mais activo do que nunca), mas nunca enveredei pelo jornalismo de investigação de costumes, muito menos dos meus irmãos padres /presbíteros. Sempre deixei isso aos clérigos juízes dos Tribunais eclesiásticos e aos moralistas laicos que, por vezes, em matéria de costumes, nomeadamente, no campo do exercício da sexualidade humana e clerical, conseguem ser ainda piores do que os juízes eclesiásticos. Eu sei que os meus camaradas jornalistas que enveredam por aí, pretendem saber se os padres são coerentes com o que prega a instituição que eles integram. Só que, em meu entender, os jornalistas deveriam ser os primeiros
a denunciar como imoral o moralismo pregado pela instituição católica, em vez de correrem a acusar (não estou a referir-me aos casos de pedofilia, que sempre devem ser denunciados, seja quem for o abusador dos menores) os possíveis “prevaricadores” desse moralismo imoral. Porque o que é imoral nunca é para ser acatado e praticado, mas para ser denunciado e, até, infringido. Condenemos, sem rebuços, o Moralismo imoral. Não condenemos os “prevaricado-res” que, com as suas práticas “prevaricado-ras” (também não estou a pensar em casos de violações que devem ser denunciados), estão a deitar por terra o Moralismo imoral institucionalizado!
é histórico que os padres católicos sem-pre procriaram, sobretudo no brasil, onde deram nomes ilustres à política, às letras, à diplomacia e por aí fora. além de papas pais, ou do nosso aquilino ribeiro, um acaso feliz de um romance de vigário. esta tradição povoadora do clero e dos seus homens doutos não devia ser enobrecida ao invés de satirizada?Em coerência com o que acabei de dizer, deveria responder sim, a esta sua pergunta. Entendo, inclusive, que a comunicação social e a literatura, assim como o cinema e as conversas de café deveriam enobrecer tais homens, em lugar de os satirizarem, como quase sempre fizeram /fazem. Satirizar esses homens é dar mais força ao Siste-ma eclesiástico moralista intrinsecamente perverso. É ser também perverso. Por mim, prefiro outra postura: nem enobrecer, nem satirizar, muito menos, humilhar. Prefiro a postura evangélica e jesuânica daqueles poucos presbíteros e bispos que, dentro
da Igreja, denunciam, abertamente, uma e outra vez, como eu próprio faço, o Moralismo imoral da instituição eclesiástica, em todas as suas áreas, que não apenas na área da Lei do celibato obrigatório dos padres, mes-mo que, por via disso, venham a ser canoni-camente penalizados e, porventura, arbi-trariamente afastados de funções. Porque, no tocante ao Moralismo imoral da Igreja católica, o mais grave nem chega a ser a Lei do celibato dos padres. Basta ver as aber-rações que esse Moralismo imoral ensina e impõe, ainda hoje, aos casais católicos, aos adolescentes, aos homossexuais /lésbicas. É de bradar aos céus, melhor, à Terra.
assumir esta deriva oficial de filhos de pa-dres, vigários, presbíteros, párocos, priores ou afins seria uma forma de, por exemplo, arregimentar mais seminaristas e rejuve-nescer a igreja?Não creio. Ninguém é padre /presbítero da Igreja por sucessão genealógica, como numa monarquia, em que o filho do rei, rei será. E, se rei não for, pelo menos, príncipe /princesa será. Se entrássemos por aí, a Igreja seria uma empresa mais, no universo das empresas. Uma espécie de transnacio-nal da Religião. Por sinal, é isso que a Igreja católica, hoje, parece ser, uma transnacional do Religioso, da Idolatria religiosa. Porque os presbíteros, quase todos, desistiram de o ser e, em seu lugar, passaram a assumir-se como “sacerdotes”. Foi o Concílio de Trento (século XVI), de triste e má memória, que operou esta transubstanciação. Perversa, diga-se, com toda a força de que formos ca-pazes. Foi também neste Concílio que a Lei do Celibato obrigatório deixou de ter mais escapatórias. Até então, muitos padres que as populações tinham por “amancebados”, na realidade, eram casados. Só que ninguém sabia, para lá dos próprios. Casavam-se clandestinamente. E foi para acabar com esta derradeira possibilidade, que o Concílio de Trento definiu como doutrina de Fé (uma aberração de todo o tamanho!), que o sacra-mento do matrimónio só seria válido, quan-do fosse realizado na presença do pároco da noiva ou do noivo. Até então, o sacramento acontecia, sempre que um homem, padre que fosse, e uma mulher se declarassem marido e mulher, nem que fosse apenas perante as estrelas numa noite de luar. Em meu entender, só haverá mais padres /presbíteros na Igreja, quando este modelo
institucional de Igreja que hoje conhecemos desaparecer. Presbítero da Igreja, só mesmo por vocação. Nunca por procriação! Nem sequer como profissão.
já agora, como é que os padres resolvem os naturais ardores do desejo, a paixão, a tesão? lêem platão no lugar da playboy ou da gina?Teria de perguntar a cada um deles, porque cada ser humano, também o ser humano que se tornou padre, é único e irrepetível. Não há dois casos iguais. Os padres /presbí-teros que o são por vocação, como é o meu caso pessoal, e não por profissão ou como modo de vida, não precisam de frequentar Platão, muito menos a Playboy ou a Gina. Não porque essas sejam áreas interditas a um padre /presbítero da Igreja. Não são. Nada é interdito a um ser humano constituí-do na Liberdade e na Maioridade. Mas basta-nos frequentar-escutar-ser-viver, todos os dias, o belíssimo Poema erótico bíblico, Cântico dos Cânticos. Porque, lá, onde abun-dam os afectos partilhados, na sua máxima expressão, que é a Gratuidade e não a lei, a sexualidade humana é sempre vivida com a mesma naturalidade com que se respira.
na pedagogia do seminário continua a induzir-se a masturbação para expiar a libertação do tirano?Do que hoje sucede, nos seminários, não posso falar. Mas não creio plausível tal coisa. Os tempos são outros e até os últimos quatro anos de Teologia, antes da ordena-ção, são passados na Universidade Católica, numa grande mistura de cursos, de mulhe-res e de homens, da mesma idade. Quanto ao passado, posso testemunhar que eu pró-prio frequentei o seminário durante 12 anos, entre 1950-1962, em regime de internato, e nunca percebi que nos fosse induzida, por parte do chamado “director espiritual”, se-melhante orientação. O que sempre percebi é que praticamente tudo o que dissesse respeito a sexo era pecado, inclusive, a masturbação, um termo que, entretanto, nunca chegava a ser sequer pronunciado! A pedagogia era outra: manter-nos ininter-ruptamente ocupados, sem intervalos para a ociosidade, então, referida como “a mãe de todos os vícios”. Todos os minutos estavam programados, até o tempo de brincar e de dormir. Era como se todos fôssemos seres assexuados, sem sexo! A ideologia que, en-tão, se respirava no seminário era manifes-tamente moralista, fazia ver pecado em tudo o que tivesse a ver com sexo, mas, entratan-to, não deixava de cultivar sólidos valores, só que dentro dessa visão moralista.
o enredo d’ o crime do padre amaro ainda se mantém contemporâneo?Pode haver ainda um caso ou outro, mas não é hoje o comum entre os padres da Igreja católica. Pelo menos, entre nós. Não digo que esta mudança resulte da maturidade do padre. Acho, até, que é o contrário. É ainda o Moralismo, entranhado como um mítico demónio na consciência dos padres, a fazer das dele. Cumpre-se – ou, dito pela negati-va, não se faz isto ou aquilo – porque a Lei
Mário dE olivEirA, UM pAdrE liXAdo“o pApA é ACtUAlMENtE o úNiCo MoNArCA AbSolUto”
AS GRANDES ENTREVISTAS DO cão
“ prossigo, como presbítero da igreja do porto, felizmente sem ofício pastoral oficial. “
“ toda a fé religiosa tem na sua génese o ídolo e a idolatria “
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manda ou proíbe. E o desrespeito da Lei, para estes homens que não saíram do Moralismo, é sempre pecado, mais ou menos grave. E o pecado é um risco de condenação. O pior do Moralismo eclesiástico é manter as pessoas, padres e bispos incluídos, em estado de me-noridade, por toda a vida. Fossem adultos, e seriam eles próprios os primeiros a derrubar o Sistema que os oprime e amedronta. Porque, afinal, o Sistema Eclesiástico é cria-ção humana, é criação do Poder ou da fome /sede de Poder Eclesiástico. Não vem de Deus. Só do ídolo. Cresçam os padres /presbíteros no Humano, e o Moralismo que os infantiliza, cai como um baralho de cartas. Erguer-se-ão, em seu lugar, padres /presbíteros em estado de Liberdade e de Maioridade Huma-na. Criadores de Liberdade e de autonomias. A Cúria Romana não gostará de semelhante revolução, mas não terá outro remédio senão aguentar. Ou terá de fechar as portas, por falta de quadros qualificados. Assim, pobres homens clericais, não passam de eunucos
à força, que nunca chegam a libertar-se definitivamente do medo do “pai”, da “Lei”, do “Pecado”. Até que a Morte, quando chegar, faça o que os próprios, há muito, haveriam de ter feito!
é um mito rural que os padres de vilas e aldeias se amigam com as suas devotas?Acho que é um mito. Pode haver excepções a esta regra. Mas serão só isso: excepções. Como já disse, a “lei”, o “medo”, o “pecado”, o “castigo” ainda continuam a ter muito peso nos clérigos, formatados para obedecer à lei moralista e ao bispo-senhor. Pelo menos, os párocos mais velhos. Os das novas gerações, forma(ta)dos na Universidade Católica, em ambientes outros, poderão comportar-se de outro modo. Mesmo assim, o recente caso do Pe. Rui, obscenamente, mediatizado até à náusea, veio mostrar que, quando ele não foi mais capaz de resistir aos encantos da sua paroquiana, bem mais nova do que ele, pôs, de imediato, um ponto final no ofício de pároco e partiu para outra. O que só confirma o que comecei por responder: Hoje, é mais um mito rural, do que um facto.
a igreja só teria a ganhar na sua moderniza-ção se acabasse com estes dogmas arcaicos?Sim, só teria a ganhar. Mas não confunda as coisas. Não são dogmas. São meras leis eclesiásticas que, assim como foram criadas pelos próprios homens da Igreja, à revelia do Evangelho de Jesus e das práticas paradig-máticas das primeiras comunidades do Novo Testamento, também podem e devem ser banidas, a qualquer momento, por eles. Cabe às gerações deste nosso Século XXI abolir de vez o que nunca deveria ter sido institucio-
nalizado na Igreja. Manter por mais tempo essas leis, é pecado. Acatá-las e respeitá-las, sem convicção pessoal, só porque são leis da Igreja, é pecado. E nem é preciso ser muito corajoso para se avançar nesta direcção. O Povo de Deus, na sua esmagadora maioria, não quer outra coisa. E como reza um velho ditado teológico-popular: Vox populi, vox Dei (= voz do povo, voz de Deus). Avance-se, então. Já. Saibam que há 16 séculos, já era tarde para avançarmos!
acha que o prémio pessoa, o bispo do porto d. Manuel clemente, um homem com uma voz de largo espectro, devia desviar uns decibéis para estes temas espinhosos?Devia, mas não é o que está a acontecer, nem acontecerá. Como eu próprio escrevo no meu mais recente livro, NOVO LIVRO DO APO-CALIPSE OU DA REVELAçãO, edição AREIAS VIVAS (um livro que revela o que o romance Caim, de Saramago, esconde!), os caminhos que o Bispo Manuel Clemente tem trilhado,
desde que aceitou ser Bispo do Porto, podem ser muito eclesiásticos-católicos, mas não são nada jesuânicos. E, se não são nada jesuânicos, são inevitavelmente caminhos desviados do Caminho, da Verdade e da Vida que é Jesus, o filho de Maria. E, por isso, des-viados dos seres humanos de carne e osso, também dos padres e dos bispos, inclusive, dele próprio, e das suas (nossas) legítimas aspirações. Fossem caminhos jesuânicos, e o Prémio Pessoa nunca lhe teria sido atribuído. O Poder Político e Financeiro que lhe deu o Prémio Pessoa nunca dá ponto sem nó. Os cem anos da implantação da República estão aí. O Prémio Pessoa veio na hora H. Pensam que temos Bispo do Porto ao jeito de Jesus? Desenganem-se. Só ao jeito do Poder Ecle-siástico que se mantém “homossexualmente casado” com o Poder Político e, obviamen-te, com o Poder Financeiro. Não ver isto, é ser-se cego. Admitir o contrário, é ser-se ingénuo. Não me peçam que eu seja cego. Muito menos, ingénuo.
Que lhe diz a personalidade do actual papa?É o mais medonho rosto do Poder Eclesiás-tico. Tudo em Bento XVI sai errado. Como errado foi o seu percurso, desde que trocou a Teologia, em que era um dos maiores espe-cialistas na Europa, pela Idolatria do Vaticano. Passou-se de armas e bagagens para a Cúria Romana, já com o fito de vir ser eleito papa-chefe-de-estado-do-Vaticano. Conseguiu. Acho que é hoje o mais infeliz dos seres hu-manos. Prisioneiro do ídolo, que ele confunde com Deus. Quem o vê em acção vê o ídolo-em-acção. O Ocidente, na sua hipocrisia, faz de conta que o estima e acolhe. Mas eu acho que ninguém o ama. Como ele, tão pouco
ama alguém. Nem sequer a si mesmo o papa Bento XVI ama. Se se amasse a si mesmo, fugiria da Cúria Romana, do Estado do Vatica-no, verdadeiro ninho de víboras. Infelizmente, estes homens, meus irmãos, tornam-se absolutamente cegos, quando mais pen-sam que passaram a ver como nunca antes. Tornam-se absolutamente cegos e conduzem as pessoas que confiam neles, para o Abismo. É o que Bento XVI está a fazer: a levar a Igreja católica para o Abismo. Nem tudo, porém, está perdido. Porque, do Abismo, erguer-se-á a Igreja-fermento-na-massa e a Primavera com que o papa João XXIII, de feliz memória, sonhou, segue dentro de momentos. Por mim, alegro-me, desde agora. Na esperança.
a vinda a Fátima é uma mera etapa de calen-dário ou pode ter importância na discussão do cânone?Uma coisa eu lhe(s) garanto: Quando um papa viaja até Fátima, o local mais idolátrico de Portugal e da Europa, pelo menos, no âmbito da chamada Idolatria religiosa, é porque o Estado do Vaticano está mal de finanças. Ou ainda somos tão ingénuos que pensamos que o papa vem a Fátima e vai de mãos abanar para o Vaticano? Uma mera etapa de calen-dário, ou alguma coisa mais? Nunca, digo-lhe eu, uma visita papal é uma mera etapa de calendário. A Cúria Romana, da qual o papa Bento XVI é o actual chefe de turno, nunca dá ponto sem nó. Neste caso concreto, a Cúria Romana precisa de controlar mais e mais os dinheiros de Fátima. Assim como precisa de rentabilizar mais os lucros do santuário. As viagens papais são altamente rentáveis para os cofres da Cúria Romana.
em que se baseia para este ditakt?Como teólogo, o papa Bento XVI sabe, quanto eu, que Fátima, com as suas pretensas aparições no remoto ano de 1917, sete anos depois da implantação da República, é tudo mentira e crime, orquestrado pelo clero de Ourém e não só. Com uma diferença. Eu digo-o, sem que a voz e a mão me tremam. E ele, pelo contrário, simula, quando não diz, até, o contrário. Nega a verdade conhe-cida por tal, o que, na catequese por onde ele foi catequizado em criança-adolescente, perfaz um pecado contra o Espírito Santo! As populações, sedentas de folclore, de maravi-lhoso, de espectáculo e de ópio para as suas dores, hoje mais do que muitas, correrão ao encontro dele. Infelizmente, as populações sempre ovacionam os seus opressores /tiranos, quando estes se vestem de “pasto-res” e de “representantes de Deus na terra”, e desprezam /matam os profetas. Desconhe-cem que só mesmo o Deus-ídolo é que tem representantes na terra, precisamente, nos homens do Poder, e quanto mais absoluto melhor. E o papa – quem o não sabe? – é actualmente o último monarca absoluto da Europa. E do Mundo Espantam-se que eu diga estas coisas, como presbítero da Igreja do Porto? Não se espantem. Pensem só que o chamado “Ministério ou Serviço de Pedro”, na Igreja de Jesus, não é Poder, muito menos Poder monárquico absoluto. Este é Tirania! E aos tiranos, há que os apear do trono quanto antes. Tomem estas minhas palavras como uma ajuda nesse sentido e, portanto, como uma manifestação de amor fraterno da minha parte. Porque a minha alegria, neste particu-lar, é que este Tirano de turno seja derrubado e, em seu lugar, se erga o Ser Humano de carne e osso, Ratzinger, de seu nome, meu /nosso irmão.tiago salazar
Nasceu a 8 de Março de 1937, em Lourosa, Feira. Foi ordenado padre/presbítero da Igreja do Porto, a 5 de Agosto de 1962. Desde então, até ficar, desde Março de 1973, por decisão pessoal unilateral do Bispo António Ferreira Gomes, na anómala situação canónica de padre sem ofício pastoral oficial, que é aquela em que ainda hoje se encontra, foi sucessivamente coad-jutor da Paróquia das Antas, no Porto; professor de Religião e Moral nos Li-ceus Alexandre Herculano e D. Manuel II, também no Porto; capelão militar na Guiné-Bissau, de onde foi expulso, ao fim de quatro meses, por pregar o Evangelho da Paz aos que lá faziam a Guerra Colonial; pároco de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, onde, desassombradamente, levou a sério a sua missão de Evangelizar os pobres, o que lhe valeu a exoneração, ao fim de 14 meses, decidida pelo então Admin-istrador Apostólico da Diocese, o Bispo Florentino de Andrade e Silva, esse mesmo que, ao ver-se, ele próprio, 15 dias depois, afastado do cargo, devido ao inesperado regresso do exílio de dez anos do Bispo do Porto, levou com ele, da Cúria diocesana, a prova do crime, concretamente, o decreto comprovativo da exoneração; pároco de Macieira da Lixa, concelho de Felgueiras, em cujo exercício foi duas vezes preso pela Pide em Caxias e outras tantas julgado no Tribunal Plenário do Porto. Em Maio de 1974, já sem qualquer título pastoral oficial, ainda integrou, a pedido dos próprios, a Equipa de Padres da zona Ribeirinha do Porto. E, sem deixar esse serviço presbiteral, tornou-se, em Janeiro de 1975, jornalista-delegado no Porto do vespertino República (carteira pro-fissional n.º 492). Quando, um mês depois do 25 de Novembro de 1975, este vespertino acabou, por decisão do novo Poder Político emergente, foi sucessivamente redactor principal dos jornais Página Um, Aqui e Correio do Minho. Ao completar 50 anos de idade e 25 anos de presbítero, decidiu passar a integrar a pequenina Comunidade Jesuânica de Base “Grão de Trigo” e, com ela, viver organicamente ligado ao povo marginalizado de S. Pedro da Cova. Fundou, aí, juntamente com outros cristãos e cristãs de base, a As-sociação Padre Maximino, da qual con-tinua a ser presidente da Assembleia-Geral, e lançou o Jornal Fraternizar, de que é director e redactor principal, há 23 anos consecutivos. Desde Fevereiro de 2004, como quem faz jus ao nome – Padre Mário da Lixa – pelo qual con-tinua a ser ainda hoje mais conhecido, passou a viver sozinho numa casinha arrendada, em Macieira da Lixa. Como autor, tem mais de 30 livros publica-dos, todos fecundamente polémicos (ver a lista completa dos títulos, nas páginas finais deste volume).
padre Mário de oliveira
QueM é QueM?
“ o poder político e financeiro, que deu o prémio pessoa ao bispo do porto, não dá ponto sem nó “
“ o sistema eclesiástico moralista é intrinsecamente perverso “
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Isto está complicado. O discurso público e também oprivado, as fórmulas verbais, hoje a cada momento, em uso nas relações e comportamentos esbarram, esborram-se! e autojustificam-se deste modo tão vulgarizado, que isto está complicado. Mal escondendo uma realidade que assusta a todos. Este fingimento que é um impulso com antigas e persistentes raízes, onde tudo aparece nebulosamente já como corrente e normal, conforme à natureza das coisas e das gentes, obriga a pensar. Que o abismo está aí, no passo, em frente. Não só no imaginário em desvario, mas à vista de de um simples olhar. O celebrado doutor de Viena veio dizer-nos, há já quase um século, que o inconsciente, todavia é vivíssimo da costa, revela a verdade intensa de cada um e de toda a sociedade, que fórmulas e gestos aparentemente anónimos são uma realidade viva. Questão académica. Es-tamos pois fartos de ouvir que é complicado. A propósito de tudo e mais alguma coisa. Aquele jogo de futebol… aquelas coisas dos bancos, de ministros, de fulano e cicrano.E… e … Na boca de tantos é sinal de maleita profunda, entranhada. De antigas e persistentes raízes, agora uma vez mais renovadas. As instituições, os indivíduos, a vida pública e privada, enfim, todo e todos encontramo-nos neste limite soletrado, suicidário, pré-comatoso. Onde alguns auguram que o país e a sua história, de mais de oito séculos, está por um fio. Estes país-pátria onde nascemos, vivemos e havemos de deixar para os que crescem entretanto, este torrão de natal de tamanhas gerações já passou por mo-mentos trágicos, guerras civis, ocupações, crises de identi-dade, dilemas, desesperos, opressões… E resistiu. Em nome e pela força da liberdade de pensar e viver. Pensar critica-mente e viver na paixão de viver. Com imensa força e muita mágoa, por certo valores de sempre diz-nos a história. O nosso programa encontra-se neste fundamento essencial e se definiu na liberdade de imprensa, tão só. Programa a jornalístico e satírico, nada mais.
crónica das vidas irrisórias
as Fp eM FilMe
polansKi, pedóFilo
Para MEDINA CARREIRA, um sentido e sincero abraço, que o sangue marrano no seu melhor, em fervor e lucidez e coragem mental, sangue afinal tão nosso, de todos nós, eia!, estilhaça manhãs e fingimentos lorpas e nos supõe que nem tudo está perdido, pois que tanto aparece deliciosamente em imagens da televisão a mandar umas bocas certas e ferozes, bocas sobre as elites que hoje nos governam, sobre coisas da hora, de ontem e de hoje, enfim, do estado da nação que vamos sendo! Sobre o Estado, o governo, os empresários e a tropa fandanga privada e partidária que mama e enche a mula... hélas! Saudemos o tom de Medina, a voz alerta de carreira, as meninges de Medina Car-reira, algo capitalista-anarquista de boa cepa, de quem não deve nem teme e se peida para tudo e todos! Em nome da consciência própria e da liberdade de expressão, é um eco precioso, rindo de quem conhece os dossiês e sabe do que fala, economista reputado e que até já foi ministro competente e digno, não aconteceu a todos, é respiração rija. Precisamos disto. Cheira Bem. Que o espectáculo obsceno vindo das bancadas do poder, de Cavacos, Sócrates e mais uns tantos outros figu-rões que se pavoneiam nos medias... já estamos fartos, bolas e pôrra! Basta de mercearia e de agiotagem! Irmãos, rosnemos.
Quando os portugueses chega-ram a Portugal, descobriram uma terra cheia de pomares, cabras e recos que passavam o melhor do tempo a pastar, comer bolotas e fornicar uns com os outros, alegremente. Por esta altura, também chegou o nosso primeiro rei, D. Afonso, meio francês e meio galego, ou por aí, um tipo de muito mau pêlo, e tudo isso ficou no nosso destino, genético, como se diz. E depois, todos os outros. Até ao meio-judeu Salazar e o
muito germano e nazi, Spínola, e mais alguns e tal e coisa. Um fartote. Já esquecia o Cavaco e o Sócrates, mas, pronto, não esqueço, o Cavaco e o Sócrates.Então acordei, enjoado, e fui mijar. Bati uma punheta, a ver se passava. Vejo televisão a mais. Ou será dos jornais de referência?... Vou perguntar à bruxa Maya, que a sabe toda e tem crónica na TV, nos jornais de referência e nos outros.Fernão K
As FP-25 em FilmeUm dos dinâmicos produtores de filmes da nossa praça prepara um filme sobre as famosas FP-25 e já encomendou o guião. Recorde-se que o grupo da extrema-es-querda guerrilheirista assustou a socie-dade portuguesa nos idos de 1970 pós-rev-olução. Houve assaltos a bancos, bombas, mortos e feridos. E presos, e julgamentos – o célebre processo de Monsanto – com muitas absolvições.Ficou a sensação que nem tudo se soube, que muito ficou por contar, ou mal contado. Os nomes de Otelo, herói do “25 de Abril”, de Carlos Antunes e Isabel do Carmo, lí-deres da esquerda mais extremada, foram referidos. A justiça ilibou-os.Será, obrigatoriamente, um filme político de tema actual, género cultivado entre nós. Estamos a ver um Rui Simões e pouco mais, sendo umas narrativas romanceadas e subjectivas, como filmes de Pedro Vas-concelos, Fonseca e Costa, Seixa Santos...Otelo, que sonhou ser actor como seu avô, não se supõe figurar no elenco. Veremos.
Os factos são conhecidos. Roman Polanski, o célebre cineasta, cometeu um crime de pedofilia, em Los Angeles. Embebedou e violou uma criança de 13 anos, a quem depois entregou uma forte soma de dinheiro, para a calar. E fu-giu da América. Está agora preso na Suíça, em risco de extradição. A intelligentzia europeia faz intenso alarido na defesa do artista, pelo seu grande talento e que o crime até já teria prescrito. Esquece-se o fundo da questão. Que a pedofilia é crime contra a humanidade, não prescreve. As Nações Unidas assinaram, já em 1959, a “Declaração dos Direitos da Criança”, onde se proclama a necessidade contra toda a forma de negligência, de crueldade e de exploração” (art. 8º). Nem mais, e tão só.
á laia de editorial
vate alegre
irMãos, rosneMos
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Vasco Castro, Tiago Salazar, João Vasco, Tinho, Fernão k., Repórteres e críticos de serviço / Editor Ricardo Paulouro / A23 / Design Gráfico Filipe MatosSuplemento satírico A23, Rua dos Três Lagares, Edifício Laranjeiras, Torre 3, 6º, 6230-Fundão
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a corrupção é a vidaA hora é grave, o tema é sério.Pois fiquem sabendo, amáveis leitores, que a corrupção não se define como roubo. Questão nucle-ar: não é roubo. Há três tipos de corrupção: na sociedade, no indivíduo e no corpo. E corresponde a três graus de consciência. Assim... Certo que o corpo se corrompe e acaba em lixo, lama, adubo. Ninguém duvida. Um filosofo, de nome Gaspard koenig, avança na tese inovadora que a corrup-ção é a vida, que todos os sabem e compreendem, “que devemos em grande parte à corrupção, o equilíbrio que introduz entre os desejos de todos, a prosperidade de ontem e o crescimento de hoje”. Assim mesmo. Corrupção significa prosperidade e crescimento, palavras mágicas das nos-sas sociedades actuais! Num volume de 280 páginas, “As discretas virtudes da corrupção” – Gras-set, Paris, koenig, o nosso autor explica, cinicamente?..., que uma sociedade purificada, virtuosa, sem corrupção, estiola irremediavelmente, aborrece-se e morre. Morre... Mais pobre e maldita. Nem mais, nem menos. Cruel destino! Tudo isto recolhido no “Le Monde” de 31 de Outubro. Quem somos nós para duvidar?!
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não morde para não morrer envenenado, mas rosna...
E CriSto diSSEfodAM-SE todoSSiM, oS pAdrES prAtiCAM oS EvANGElHoS
notícias da Manjedoira
os orgasMos de clara
vate Que vate alegre
polansKi pedóFilo
a corrupção é a vida
o triunFo dos recos
Mário de oliveira, uM padre liXadoo papa veM a FátiMa porQue está Mal de Finanças