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OrnitorrincO Revista Mídia Cultura e Arte Revista dos professores de tecnologia em Produçcão Multimídia 2ª Edição 1º Semestre de 2012

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Revista feita na disciplina de projeto editar.

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OrnitorrincORevista

Mídia Cultura e Arte

Revista dos professores de tecnologia em Produçcão Multimídia

2ª Edição 1º Semestre de 2012

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Ornitorrinco, trás em seu nome como em sua face o seu lado ave, destituído de asas ainda assim alça vôo, percor-rendo os ares do imaginário como que buscaste no inconsciente a origem do que é.

Se há alguma dúvida quanto à inteligência de um pro-vável criador, a sua visão a dilui, trás ainda certo sarcasmos daquele que maneja os desígnios da natureza, como que afir-masse em sua brincadeira, que o legal é ser assim meio pato, meio castor, meio toupeira.

Bicho formado por bichos, síntese de um vasto mundo animal, este é o ornitorrinco, representante formal desta publicação semestral, que anseia assim como seu nomea-dor, contemplar a pluralidade que fecunda no singular, bem como o diacrônico intento que fomenta o compartilhar.

Parece-te com uma colagem, bicho múltiplo em sua construção, algo de efêmero contrapõe-se a permanência, no olhar ingênuo e acanhado deste excêntrico animal.

Flutua sob o leito rochoso dos rios com graciosidade, aninha-se em tocas, gera sua prole em ovos e a amamenta assim que eclodem.

És de fato uma colagem, um mashup da natureza, causa sim a primeira vista a estranheza, natural de quem ainda não o sabe, logo traduzida em admiração por sua constituição tão hábil.

Apresentação

Editora: Simone Alcântara de Freitas.Conselho Edito-rial: Anderson Luis da Silva, Dagmar Gomes da Silva, Tatiana Pontes de Oliveira.Direção de arte: Camila Doubek e Delfim Cesario.Edição de arte e diagramação: Bruno BignozziColaboradores: Ana Claudia Brandão Sanches, An-derson Luis da Silva, Antonio Jose Saggese, Dagmar Gomes da Silva, Fernanda Carlos Borges, Fernando Car-valheiro, Marcos de Almeida Prado Pecci , Michel Sitnik, Simone Alcântara Freitas, Tatiana Pontes de Oliveira.

Page 3: Revista Ornitorrinco

Sumário

Tatiana Pontes de Oliveira Herbário

Ana Claudia Brandão Sanches

Anderson Luis da Silva

Antonio Jose Saggese Cocô

Dagmar Gomes da Silva

Fernanda Carlos Borges A Marionete Biomecânica

Fernando Carvalheiro CARICA AÍ

Michel Sitnik Multimídia em espaços expositivos: a busca pela interatividade total

Marcos de Almeida Prado Pecci Christian Marclay: Em busca do tempo precioso

Simone Alcântara Freitas Ícones, índícios e símbolos: descrição e reflexão sobre a

experiência multisensorial em uma escavação arqueológica.

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MontariaGrafite 2B e 6B sobre sulfite A4

RosasGrafite 2B e 6B sobre sulfite A4

Ana Cláudia Brandão Sanches

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Anderson Luis da Silva

O BeijoÓleo sobre tela80 x 60 cm

NamoradosÓleo sobre tela160 x 50 cm

Série Namorados

Amores Vendidos ..

Hoje vou a pé ... sabe como é a essa hora esperar ... demora muitoNo caminho penso ... quem sabe alguma conclusãoSinto forte o cheiro .. preso em minha roupa .. é paixão

Já nem sei seu nome ... foi momento atrásQuem me dera agora .. ter um pouco maisO que ouve de fato .. esqueci meu sapatoCinderela mascarado .. será que sou?

Bato em minha nuca ... comprimento a mim . olá tudo bem como esta?Sei que estou sozinho .. mas pensando láOnde anda agora .. no mesmo lugar .. qual .. qual será?

Esqueci seu rosto .. seus traços e feiçãoQuem sou eu agora .. esquecido pelo não foi só um tratoVocê foi embora e eu paguei .. é fatoMoça bela .. não se esqueça de mim já no próximo cliente.

Melhor parar e esperar um tempo...mais um pouco talvezSeguir pra que se isso é só mais momento...Não maltrate o sentimento ..... Não maltrate o sentimento

O caminho é turvo .. escuro e frio .Quem esta no muro .. alguém que me viu ...Uma outra garota ... seu olhar é vazioSe pergunto agora .. se me quer se me der .. ela me responde você sabe quanto é?

Agora em outra cama ... novamente o amor me chamaNem vou perguntar seu nome .. nem se quer falar o meuTudo que já foi é passado .. Baby .. neste momento sou só o seu namorado.

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Série Obliterações

Prospecção anacrônica de um alguém.

No intuito de preservar a alma intacta,me desmaterializo nos preceitos incoerentes de um formato criador.Ser então animal vorazem uma busca incessante por um punhado de paz.Percurso indolor do saber ser amado em doses pesares do intuito formalCadente palavras, castas sagradas do verbo carnalSou bólido corrompido, bandido sagrado,convalido no gesto pequeno audaz.Justaposição de dias corridos na lentidão dos sentidos, libido atroz.Vezes por água salina provei seu saborEm vestes desnudas usurpei seu pesarCriaste a murta frente as desfecho entreaberto da inexatidão corrente.Não deixe que o gélido sopro amargo proveniente de um deslize se apodere da gente.

Aborto cometido durante o sonhoÓleo sobre tela60 x 40 cm

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Série Profecias

Adeus céu, adeus sol, adeus mar

Me esqueci que esquecendo lembraria que um dia na poesia eu tentei te desvendarE nas palavras entoadas com primazia eu dizia ainda é cedo mas eu vou te despertarDe um sonho bom quando visto bem perto nada é certo pouco esperto esse meu jeito de falarQueria eu, outrora saberia tudo o que resta é fantasia ao seu mundo adornar

E assim correndo contra o tempo em meio ao vento Estupefato de saudade de alguém que eu não fuiE sou agora mais um reles cancioneiro Embalado num pandeiro resolvi buscar a luz

Queria ver o molhado em teu corpo, bem suado até rançoso eu não ia me importarQuem sabe um dia, outra hora qualquer hora vem pra mim vamos embora, quero agora descansarDe um tormento que eu lembro ter vivido, onde o corpo convalido essa terra foi beijarDeixando as marcas neste solo da tristeza, parecendo a realeza esse sangue a emoldurar

E assim morrendo me despeço dos amigosDas canções que eu cantava e das que queria inventarRompo agora essa última fronteira e que seja a derradeiraAdeus céu, adeus sol, adeus mar

Cadeira VermelhaÓleo sobre tela60 x 50 cm

Coração, frio e machucadoÓleo sobre tela60 x 40 cm

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Série Cotidiano

Espelho

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Onde estou, onde estará

áratse edno, uotse ednO

A esperar musa confusa

asufnoc asum rarepse A

Da vida profunda minha

Ahnim adnuforp adiv aD

Busca invariante da tua

Aut ad etnairavni acsuB

Fofoqueira na janelaTécnica mista sobre tela60 x 40 cm

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Cocô

T enho o costume de –secretamente – fazer os tra-balhos que passo para meus alunos. Este se refere a um ensaio que pedia aos meus alunos, no tempo que dava aulas na fotografia, e cujo tema é merda.

Foi fotografado na rua Teodoro Sampaio em 2004 e as fotos estão montadas na sequência que foram realizadas.

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Antonio José Saggese

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Sem TítuloCaneta preta sobre papel26cmx19cm

Dagmar Gomes da Silva

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A marionete biomecânica

Uma das grandes descobertas da minha formação acadêmica (e até um dos motivos que me fizeram manter o interesse pela filosofia) foi a da metáfora da marionete biomecânica aplicada á condição hu-

mana. Essa metáfora norteou toda a minha pesquisa desde a graduação em filosofia até o pós-doutoramento em artes.

A metáfora da marionete biomecânica para o corpo hu-mano favorece o estudo das condições e dos processos que fazem do movimento do corpo não uma máquina de loco-moção, mas uma máquina pensante ou uma máquina de pro-dução de sentido e de significado. A estrutura biomecânica do corpo humano pode ser comparada a uma marionete: as unidades motoras que unem músculos e tendões ao cérebro podem ser entendidas como os cordões que movem o es-queleto: o boneco articulado. A marionete biomecânica que é o corpo humano é bastante versátil. Gesell estimou que, pelo menos, 400 mil unidades motoras atuam no corpo hu-

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mano, movendo as articulações do esqueleto, composto por aproximadamente duzent as alavancas ósseas, articuladas de modo semi-livre, envolvido por cerca de quinhentos mús-culos conectados em rede.

Embora pareça simples nos movermos, já que é o que fazemos todos os dias, trata-se na verdade de um processo extremamente sofisticado. A estimativa de Gesell nos faz perceber que o corpo humano não tem forma definida, o que permite dizer que a elaboração das posturas envolve um pro-cesso poiético, melhor ainda: autopoiético, cultural e existen-cialmente. A relação entre postura e poiesis ajuda a entender a condição existencial da marionete biomecânica que somos nós. A origem etimológica da palavra poiesis vem do grego poien, que significa algo como fazer, produzir, criar, que se distingue de práksis enquanto ação. Na perspectiva do sis-tema sensório-motor e da biomecânica do corpo humano, os processos de sustentação da postura produzem formas sig-

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nificativas no mundo, expressadas nas atitu-des do corpo, e que fazem dos movimentos criatividade.

A relação da gravidade com o nosso sistema de equilíbrio complexo e instável faz da postura um processo autopoético, continuamente se fazendo, produzindo, criando e estabilizando sentidos. “Sentido” se refere a orientação espacial: saber onde estou, como estou e para onde vou. Essa a necessidade básica do nosso equilíbrio postural: orientação espacial. Essa necessidade de orientação é o que nos permite lidar com as forças do mundo, que nos afetam continuamente.

Mas se falamos em marionete, imediatamente pensamos que a marionete é manipulada. Então, caberia a pergunta: o que move a marione-te biomecânica que somos nós? Poderíamos elencar várias mãos manipuladoras, mas aqui vamos nos deter apenas em duas: esque-mas disposicionais e o eu.

Os esquemas disposicionais con-sistem de predisposições culturalmente constituídas e reificadas na forma de atitu-des, disponíveis no imaginário encorporado, capazes de se apossarem de qualquer um nas situações com os quais estão relacionados, e nos fazem agir e reagir tomados por com-portamentos os quais já vimos atuar, como personagens sociais típicos, como: o “ciu-mento”, não como um sentimento, mas uma

gestualidade que lhe diz respeito – o jeito de expressar o ciúme; a “autoridade”, que faz com que tantas pessoas, ao assumirem uma posição de comando, imediatamente sejam incorporadas por uma certa gestualidade; o “rebelde”, quando diante de alguma situação de contrariedade; a “vítima”; o “homem” e a mulher” e tantos outros. Quand o citamos esses nomes, imediatamente imaginamos o jeito que lhe corresponde. Estes esquemas disposicionais dirigem as emoções numa di-reção específica.

Mas, felizmente, isso não é tudo. O relaxamento libera o corpo das “ten-

dências esmagadoras” comandadas pelas atitudes reificadas no imaginá-rio encorporado, e a novidade exige

a criatividade. Ambos estimu-lam as habilidades criativas

da postura, permitindo o afrouxamento das atitu-des habituais.

A noção que nossa mente cria de “eu” está

relacionada com a elabo-ração da perspectiva pelo

sistema músculo-esquelético, ou biomecânico. Esse eu pode

ser subdividido em pelo menos cinco cate-gorias, mas trataremos nesse pequeno arti-go de apenas duas: a personalidade e o eu profundo. As disposições habituais formam a personalidade, quer dizer, o modo organi-zado com o qual nos formamos em um de-terminado mundo. Quando a personalidade é abalada, outro “eu profundo” assume o

A relação

entre postura e poiesis ajuda

a entender a condição exis-

tencial da mario-nete biomecânica

que somos nós.

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comando para recolocar o corpo na situação: corresponde àquilo que, no nosso mecanismo postural, permite a elabo-ração de novas soluções e de novas sínteses de orientação e sentido. O eu profundo permite um grau de inventividade.

A personalidade tende a uma ação conservadora ou à re-produção, e o eu profundo tende à liberdade. Ou seja, esta-mos fadados a nos posicionar dentro de uma história, mas também abertos para novas articulações.

Quando entendemos os processos biomecânicos do corpo, entendemos que a atitude corresponde a uma his-toria que a organizou, e que a mudança acontece dentro dessa história: é isso que coloca o “eu” em uma tradição, sem depender da reprodução. Encontrar soluções criativas por meio do reequilíbrio postural depende de aceitar que somos uma identidade relativa a determinadas relações sociais e também podemos ir além dela. E é aqui que en-tramos no território das políticas do cotidiano. Mas esse o assunto para outro artigo.

Bibliografia de apoio:BORGES, Fernanda. A Filosofia do Jeito, um modo brasileiro de pensar com o corpo. São Paulo:

Editora Summus, 2006.BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.CSORDAS, T. Embodiment as a Paradigm for Antropology. Revista Ethos, Vol. 18, no. 1, 1990 (pp 5-47)DAMÁSIO. Antônio. O Mistério da Consciência. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2000.GAIARSA, J. A. A Estátua e a Bailarina. São Paulo: Editora Ícone, 1988.LAKOFF, George. E JOHNSON, Mark. Philosophy in the Flesh. The embodied mind and its challenge

to western thought. New York: Basic Books, 1999.

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Paulistano, formado em artes plásticas pela FAAP. Foi aluno do Ziraldo, é caricaturista e ilustrador da Folha de São Paulo desde 1990. Colabora com as editoras Abril, Globo e Peixes entre outras e com as tvs SE-

NAC e MTV. É professor das Faculdades de Design de Multi-mídia e Design de Interface e Comunicaçao Visual do SENAC foi professor do Instituto Europeo de Design, IED. Curador das mostras “Imagem e Violência” (1994), “Imagens da Anis-tia” (1995), “Belmonte 100 Anos” (1996), “No Espírito de Will Eisner” (1999), “100 Anos de Moda” (2000), entre outras. Or-ganizador do livro “Belmonte 100 Anos” da editora SENAC. É jurado do Salão Internacional de Humor de Piracicaba e do Mapa Cultural da Secretaria de Estado da Cultura. Atualmen-te, dirige o Estúdio Saci onde realiza trabalhos de ilustração, caricatura, design gráfico e de multimídia.

Casadão com a Ligia, pai do André e do Bruno (vulgo bebê da selva)

CARICA AÍ Fernando Carvalheiro

Van Gogh

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Marx

Amy Ney Matogrosso

CDA

Thom YorkDilma

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28Lobão

Machado Nelson Rodrigues

Ronalducho

Sócrates

Gaúcho

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Gerald Thomas

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30Arnaldo Antunes

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Autoretrato

Patativa

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Marclay:

Em busca do tempo preciso

O relógio é a personagem central de The Clock, a video-colagem vencedora do Leão de Ouro da Bienal de Veneza de 2011 (1) . A obra de Christian Marclay, que já tinha sido mostrada antes em ga-

lerias de Londres e Nova York (2), tem duração de um dia, de exatas 24 horas. É um trabalho de seleção e edição impres-sionante, que reúne centenas de atores conhecidos, e tam-bém desconhecidos, de gerações e nacionalidades diver-sas, em locações internacionais. São imagens de clássicos hollywoodianos colados a filmes japoneses, latino-america-nos, europeus ou indianos.

As imagens de The Clock revelam um século de histó-ria do cinema, em que o tempo de exibição e o tempo real coincidem. Ou seja, o tempo da ficção e o da realidade é o mesmo. Na colagem de planos realizada por Marclay, atores interagem com a passagem do tempo através da presença marcante de relógios.

O tempo cinematográfico recriado por Marclay corre em planos diversos, tem uma lógica própria. São 4h20 no reló-gio de pulso do gangster Edward G. Robinson num filme noir dos anos 40. Ele segura uma carta e parece tenso, en-quanto olha para o comparsa antes de pegar o telefone. A música de suspense crescente é interrompida por Mia Far-row, jovem e colorida, atendendo o telefone em O bebê de Rosemary. O relógio de pulso que ela usa marca 4h22 (3). Os espectadores sentados nos confortáveis sofás brancos da sala de exibição no Arsenale, na 54a. edição da Bienal de Veneza, constatam, pasmos, que são exatamente 4h22 em seus relógios e celulares.

Na tela de Marclay, o tempo coincide com o momento em que estamos ali. Existe uma tensão constante entre pas-sado e presente, entre ficção e realidade, entre atores e per-sonagens que já faziam parte do nosso repertório cinemato-

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Marcos de Almeida Prado Pecci

gráfico e que foram deslocados de seus contextos para um outro tempo: o tempo atual.

Uma das mais antigas invenções humanas, o relógio, é presença constante na tela. Ele é o fio condutor de uma nar-rativa oculta. Aparece ora pendurado na parede da cozinha da casa de Meryl Streep, num filme recente ambientado nos anos 50; ora em cima do Big Ben de Londres, num filme dos anos 40, que se passa no século XIX; ora como marcador di-gital no pulso de uma atriz indiana num filme contemporâneo

(1) A 54a Bienla de Arte de Veneza tem como título ILUMINAZIONE, que, segundo a curadora suiça Bice Curige, "traz entre outros conceitos, o momento de iluminação decorrente do encontro da arte com a habilidade de sua percepção"; (2) Paula Cooper Gallery, Nova York em fevereiro de 201 1 e Hayward Gallery, Londres, England em abril de 2011. (3) extraido de The Clock no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=snFPsCfvcJA

Exibição de The Clock, na bienal de Veneza 2011fonte: http://playbackfilm.wordpress.com/2011/06/11/christian-marclay-the-clock/

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de Bollywood. É ele quem nos lembra o tem-po todo que o tempo do filme está colado ao tempo real. Nesse sentido, a obra de Marclay, desconstrói o tempo cinematográfico, no sentido de que ele subverte a ideia de que o tempo narrativo no cinema sempre está liga-do à ação dramática e à montagem. (4).

Em The Clock, essa narrativa é manipu-lada numa montagem sincronizada com o tempo real, onde as ações na tela e o su-jeito na sala de exibição se conectam numa nova dimensão.

A edição de som e imagem de Marclay não está restrita apenas à passagem do tem-po. Pessoas almoçando em mesas de fimes diversos se encontram numa mesma mesa.

Os espaços diversos, cenas externas ou in-ternas, cidades pequenas do interior dos Es-tados Unidos, Tokyo, Londres ou Bombaim são o mesmo lugar agora, num mesmo tem-po, num mesmo espaço.

Os planos e contra-planos de filmes diferentes recriam fragmentos de diálogos coerentes. Músicas, silêncios, monólogos, conversas, pensamentos, ruídos e efeitos sonoros criam momentos alternados de clímax ou anti-clímax, de suspense ou de humor, enquanto verificamos nos nossos relógios se o jogo proposto por Marclay continua sincronizado com o tempo real, ora construindo, ora desconstruindo os nossos sentidos.

Cena de The Clock.link: http://pinkiguana.wordpress.com/2011/01/30/time-and-tide/

(4) LEONE, Eduardo e MOURÃO, Maria Dora, Cinema e Montagem, editora ática, 1987.(5) http://edu.ge.ch/cfpaa/; (6) http://www.massart.edu/; (7) http://cooper.edu/art; (8) http://www.whitecube.com/;

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Em The Clo-

ck, o tempo cinematográfi-

co se camu-fla no tempo real,como um ca-

maleão. Onde está o tempo? Existe tem-

po fora de nossas cabeças?...

O espectador de The Clock, depois de algum tempo assistindo o tempo passar, se depara com sua própria relação com o tem-po. Num evento como a Bienal, com mais de 90 artistas e quase 90 pavilhões, com as ex-posições paralelas acontecendo em toda a cidade, a certa altura da interminável proje-ção você se questiona: eu não tenho tempo para ficar aqui assistindo isso, ainda tenho tanto para ver! Mas hipnotizados pela tela criada por Marclay, os espectadores deci-dem ficar ainda ficam mais um tempo, enquanto os assentos da sala de exibição tornam-se cada vez mais concorridos.

Christian Marclay nas-ceu em 1955, em San Ra-fael, na Califórnia. Filho de pai suíço e mãe america-na, mudou-se ainda criança com os pais para Genebra, onde se formou na École Su-périeure d’Art Visuel (1975-1977) (5). Voltou para estudar nos Esta-dos Unidos, concluindo os cursos no Massachusetts College of Art em Boston (1977-1980) (6) e no Co-oper Union em Nova York (1978) (7).

Marclay, nesse período de forma-ção, se interessou particularmente pela obra de Joseph Beuys e pelo movimento Fluxus, do qual faziam parte George Maciu-nas e John Cage, entre outros artistas de vanguarda. No início da carreira, fixou-se em Nova York. Atualmente, passa parte de seu tempo em Londres, onde tem seu trabalho representado pela galeria White Cube (8).

A obra de Christian Marclay está focada nas conexões entre som e imagem (fotogra-fia, filme, video, discos em vinil, tapes etc). Ele é também um dos pioneiros nas experi-mentações com o chamado “scratch”, a ma-

nipulação de vinil, o que explica as diversas vezes em que o artista aparece na internet como DJ, embora ele mesmo rejeite essa denominação.

Desde o início dos anos 80, Marclay desenvolve sua pesquisa nas diversas pos-sibilidades de articulação entre som e ima-gem. A colagem é um recurso recorrente em toda sua obra, sempre associada à indústria do entretenimento e à estética da pop art, como no caso das colagens com capas de discos das séries “arms & legs”, “The road

to romance” e “Guitar neck”. (9) (10)Em 2007, Marcaly apresentou a

obra Crossfire (11), na White Cube Gallery, em Londres (10). Ela con-siste em quatro projeções simul-tâneas, com cenas de tiroteio, co-

locando o espectador no meio do fogo cruzado. O jogo

de repertório cinemato-gráfico, assim como a edição precisa e minu-ciosa de The Clock já aparecem nesse tra-balho. E, assim como

a obra premiada na 54a. Bienal de Veneza,

Crossfire retira trechos de filmes de seus contextos nar-

rativos originais e subverte os nos-sos sentidos de tempo e espaço, deixando o espectador paralisado, hipnotizado.

Em The Clock, o tempo cinematográfi-co se camufla no tempo real,como um ca-maleão. Onde está o tempo? Existe tempo fora de nossas cabeças? Existe o tempo fora de nossos sentidos? A natureza do tempo ainda é um grande enigma físico e filosófico. A obra de Marclay provoca nossas concep-ções do tempo: como ele passa, como ele flui, como é percebido.

(9) links: http://radio-active-records.tumblr.com/post/8571920858/selections-from-the-christian-marclay-songbook; http://canetapreta.com/blog/glosa-mundana/mistura-supimpa/attachment/christian-marclay-body-mix-01 (10) entrevista com Christian Marclay: http://johnoseidankwa.gdnm.org/2011/03/28/becoming-christian-marclay/.(11) http://www.whitecube.com/exhibitions/crossfire/

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(12) Débora Morato Pinto, A Filosofia e o consolo do tempo, artigo na revista CULT, 01 de abril de 2010 (http://revistacult.uol.com.br/home/2010/04/a-filosofia-e-o-consolo-do-tempo/); (13) BORGES, Jorge Luis, Borges oral & sete noites, Cia. das letras, 2011.

Foot Stompin'Christian Marclay1991, from the Body Mix seriesRecord covers, thread44 X 90.5 cmfonte: http://canetapreta.com/blog/glosa-mundana/mistu-ra-supimpa/attachment/christian-marclay-body-mix-01

The Clock nos coloca na dimensão e nas questões do tempo através de nossa sensi-bilidade, de nossos sentidos. Percebemos a existência de um tempo objetivo, que está no relógio e outro, mais subjetivo, que está nos nossos sentidos, no nosso estado emo-cional. A obra de Marclay conecta essas duas percepções do tempo. Ela articula essas duas maneiras de se relacionar com o tempo.

A experiência de assistir The Clock nos faz pensar no filósofo Henri Bergson, um dos grandes investigadores da questão do tem-po. Para ele, a essência da temporalidade se manifesta no mais profundo de nós mesmos.

Como afirma a filósofa Débora Morato Pinto, para Bergson, “a verdade do tempo e do ser nos é acessível no contato que podemos ter conosco, ao mergulharmos, num processo de interiorização, na pro-

fundidade de nossa pessoa. Ali, a tem-poralidade manifesta-se como fusão de momentos em progressão, pura heteroge-neidade qualitativa marcada por um tom, transformação contínua de momentos in-teriores uns aos outros.” (12)

No nosso apressado dia a dia, nossa re-lação com o tempo e os relógios é sempre externa. Os relógios nos chamam para fora, para o movimento e a ação, para o encontro de outros. Porém, ver na tela os milhares de

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DoorsianaChristian Marclay1991, from the Body Mix seriesRecord covers, thread76 X 81,5 cmfonte: http://canetapreta.com/blog/glosa-mundana/mistu-ra-supimpa/attachment/christian-marclay-body-mix-01

relógios alinhados por Marclay promove um efeito contrário: eles nos levam ao mais pro-fundo de nós mesmos.

O escritor argentino Jorge Luis Borges também refletiu sobre o tempo em sua obra. Num de seus textos, ele diz: “...o tem-po é sucessão. Se imagino a mim mesmo, se cada um de vocês imagina a si mesmo num quarto escuro, desaparece o mundo visível, desaparece de seu corpo. (..) Por exemplo, eu, agora, somente neste momento em que toco a mesa com a mão, tenho consci-ência da mão e da mesa. Mas alguma coisa acontece. Que coisa é essa que acontece?

(...) E aqui relembro um dos belos versos de Tennyson, um dos primeiros versos que ele escreveu: Time is flowing in the middle of the night (O tempo está fluindo no meio da noite). É uma ideia muito poética, essa de que o mundo inteiro está dormindo, mas en-quanto isso o silencioso rio do tempo – essa metáfora é inevitável – flui nos campos, nos porões, no espaço, flui entre os astros”. (13)

A obra The Clock nos faz mergulhar neste misterioso rio (que nunca é o mesmo, como pregava Heráclito), lembrando-nos, como afirma Borges, “que nós mesmos so-mos um rio, também nós somos flutuantes.”

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BIBLIOGRAFIA:

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design/17christianmarclay.html?_r=1PAULA COOPER GALLERYhttp://www.paulacoopergallery.com/artists/CMONE ART WORLDChristian Marclay/ The Clockh t t p : / / o n e a r t w o r l d . c o m / a r t i s t s / C /

Christian+Marclay.htmlRADIO-ACTIVE-RECORDSh t t p : / / ra d i o - a c t i ve - re c o rd s . t u m b l r. c o m /

post/8571920858/selections-from-the-christian-mar-clay-songbook

REVISTA CULT. ARTIGO: A filosofia e o consolo do tempoProf. dra. Débora Morato Pinto

Publicado em 01 de abril de 2010http://revistacult.uol.com.br/home/2010/04/a-

-filosofia-e-o-consolo-do-tempoWhite Cube Galleryhttp://www.whitecube.com/WHITE CUBEChristian Marclay: Video Quartethttp://www.whitecube.com/exhibitions/video-

quartet/WHITE CUBE/ CROSSFIREhttp://www.whitecube.com/exhibitions/crossfi-

re/Why Are So Many Museums Buying Christian

Marclay’s “The Clock”?http://hyperallergic.com/23974/museums-buy-

-marclay-clock/

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Multimídia em espaços expositivos:

a busca pela interatividade total

A busca pela interatividade tem sido uma constante em todos os tipos de trabalho que lidam direta-mente com o público. Tudo passa a ser rotulado com a palavra mágica “interativo” a fim de atrair a

atenção e o interesse de mais pessoas.Essa situação não é diferente na concepção de exposi-

ções. Cada vez mais ficam para o passado exposições me-ramente baseadas em paineis e textos para se investir em tecnologias novas que tenham uma interface mais lúdica e dinâmica com o visitante.

Existe um tipo de espaço expositivo em que a interati-vidade já é presente há mais tempo e até mesmo uma pré--condição para a própria concepção museológica: trata-se dos centros de ciências, que, ao redor do mundo atraem diariamente a curiosidade de pessoas de todas as idades. O conceito desse tipo de local é justamente o “hands on”, ou seja, parte-se da premissa de que o visitante deve colocar a mão na massa e experimentar ele mesmo ação e reação en-volvendo conceitos da Física, Matemática, Biologia, Geolo-gia e todas as áreas do conhecimento. Se no passado isso era fácil de se atingir com os clássicos experimentos da Física envolvendo eletricidade e mecânica, hoje temos novas pos-sibilidades com as aplicações multimídia.

O grande problema é que nos dias de hoje ainda não se obteve um domínio completo de como se beneficiar de pro-dutos multimídia em espaços expositivos. Na maioria das vezes o entendimento acaba sendo mais raso do que pode-ria e o aproveitamento fica aquém do potencial. Em geral a aplicação multimídia em uma exposição acaba ficando res-trita, por exemplo, a incluir telas com vídeos no meio dos paineis com textos, o que pode ser um avanço para tornar o visual mais interessante, mas ainda sem conseguir romper de fato com a concepção museológica mais ultrapassada.

Algumas pequenas variações avançam um pouco, como o uso de vídeos em 3D ou telas touch screen com jogos, em geral restritos a enquetes ou menus para acessar vídeos. Ou seja, tudo ainda muito tímido.

O centro de ciências mais antigo de São Paulo é a Estação Ciência, mantido e admi-

nistrado pela USP. Em 2010 este local expe-rimentou uma das mais inovadoras exposi-ções em termos de aplicação multimídia. Trata-se da exposição Epidemik. A concep-ção original e montagem técnica aconteceu na Franca, pela equipe do museu Cité des sciences & de líndustrie. No Brasil a exposi-

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ção foi adaptada por equipes multidiscipli-nares envolvendo diversos profissionais da Estação Ciência e ganhando novos conteú-dos pelas mãos da Fundação Oswaldo Cruz e o patrocínio da sanofi-aventis. Em uma das operações mais complexas até então execu-tadas, a mostra foi um sucesso sem prece-dentes no museu.

A proposta original da exposição envol-via a abordagem das epidemias, em todos os seus aspectos: como acontece uma epi-demia, quais são as principais epidemias da história, como as epidemias foram retra-tadas pelo jornalismo e pela arte, quais os concei-tos biológicos que estão por trás de uma epidemia, o que são vírus e bacterias, as formas de tratamento e, em especial, como se proteger de uma epidemia.

Assim, uma boa parte da exposição teve uma concepção um pouco mais tradicional, com painéis e vídeos, porém bastante atraentes e com design especial-mente criado. Ou seja, por si só uma exposição que poderia ser considerada bem feita. Porém, antes de ir embora o visi-tante entrava na área de maior impacto, que acabou sendo a área que se provou a mais marcante, mais comentada e mais buscada. Era dessa área que o visitante ficava com a lembrança ao ir embora e era lá que ele aprendia de fato os conceitos, conforme os monitores que atuavam na exposição per-cebiam. Com o tempo, os visitantes já che-gavam procurando por isso, até mesmo pas-sando direto pelo restante.

Trata-se

de um enorme salão com 165

m2, que nada mais era do que um videoga-

me coletivo onde as próprias pessoas

eram as peças.

Trata-se de um enorme salão, com 165 m2, que nada mais era do que um videoga-me coletivo onde as próprias pessoas eram as peças. O mais interessante é que o jogo foi adaptado para ter uma concepção de narrativa contínua, ou seja, pensando na di-nâmica de funcionamento do museu, onde o fluxo é constante, a programação do jogo permitia que pessoas entrassem e saíssem o tempo todo, sem a necessidade de se aguardar o início de uma nova rodada, por exemplo. O tabuleiro gigante suportava

até 40 jogadores simultâneos partici-pando de cinco diferentes cenários,

conhecidos ou fictícios: atentado bioterrorista de peste pulmonar em Nova Iorque, gripe pandêmica em

Cingapura, AIDS em Paris, Mos-cou e Rio de Janeiro e Malá-

ria em Bamako. Um quinto jogo, sobre a epidemia de Dengue no Rio de Janeiro em 2008, foi es-pecialmente desenvol-vido para o Brasil, com

conteúdo e iconografia preparados pesquisadores

da Fundação Oswaldo Cruz. Exposta na Estação Ciência de

2 de julho a 26 de steembro daquele ano, com outras passagens também pelo Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu e Natal em estadias menores, a exposição atingiu um número total de mais de 65 mil pessoas no Brasil. Em um telão à frente do tabuleiro, informa-ções e instruções eram passadas aos joga-dores, acompanhados de contextualizações de época, local e sonorização. Estudantes da área de biologia e saúde foram treinados e atuavam como monitores tanto nas ex-

plicações técnicas de como jogar - o que foi necessário para públicos de faixa etária mais elevada - e também de conteúdos.

Ao longo da exposição foi possível iden-tificar como público reagia a essa novidade e o principal ponto era exatamente a interação e o diferencial de não apenas poder jogar aprendendo, mas entrar literalmente na ex-posição e ser a própria peça no tabuleiro. A imprensa também identificou aí um grande diferencial, o que aumentou em muito a di-vulgação espontânea do evento. Telejornais locais, geralmente os principais a divulgar exposições, acabaram pautando as produ-

ções nacionais que viram em Epidemik um assunto diferenciado não pela divulgação do evento em si, mas pelo fato de uma expo-sição permitir a entrada e participação ativa do visitante, e com o adicional de, com isso, ensinar conteúdos sobre ciência e saúde. E é nesse ponto que conseguimos visualizar ain-da mais uma vantagem dessa concepção de exposição. Ou seja, além de tornar tudo mais atrativo, lúdico e interessante, foi nitidamen-te notado que os visitantes efetivamente adquiriram um nível de conhecimento mais profundo e duradouro sobre os conteúdos. Duas vantagens: mais pessoas quiseram ir

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conhecer a exposição e a quase totalidade entendeu a pro-posta e aprendeu o tema explorado.

É bastante comum se fazer pesquisas ou sondagens com visitantes após exposições. Ainda que nesse espaço não seja o caso de detalhar números e comparações, é fato que o índice de aborção e lembrança desse caso foi bastante superior a mostras em formato tradicional. Há também re-latos muito interessantes de professores que levaram seus grupos de alunos e surpreenderam-se ao perceber que ainda meses depois, os estudantes recordavam-se com bastante clareza não só do jogo mas dos conceitos que aprenderam participando da atividade.

Essa experiência não foi a primeira, embora tenha sido a de maior magnitude, neste museu. No ano anterior, 2009, foi inaugurado um equipamento interativo, patrocinado pelo

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Grupo Boticário e construído pela Base 7, que foi batizado de Olfatorium. Com o ob-jetivo de levar ao público visitante concei-tos ligados aos cheiros e o olfato, incluindo a memória olfativa, o Olfatorium tem uma aparência de “máquina maluca” com quatro telas touch screen. As telas têm altura regu-lável para acessibilidade total e, conforme a interação do usuário, trazem informações diversas sobre a química das fragrâncias. A grande surpesa é no final, quando o usuário visualiza um menu com quatro fragrâncias: floral, chuva, infância e amadeirada. Ao clicar em cada um deles a máquina acende luzes e emite sons enquanto solta o odor correspondente noambiente para que o visitante sinta. Ao mesmo tempo, a tela mostra a composição química do mesmo odor. Também, assim como no exemplo de Epidemik, há grande complexidade

envolvida nessa exposição, pensando es-pecialmente no controle dos cheiros, com a exalação e retirada deles no momento certo e nas técnicas para restringir exatamente ao local de posicionamento do visitante, visto que a máquina comporta até quatro pessoas simultâneas e as fragrâncias não devem se misturar.

Momentos e experiências como esse aumentam o desafio ao profissional mul-timídia pois não apenas confirmam que a demanda realmente é bastante alta por pro-dutos e serviços que explorem a interação

e as linguagens audiovisuais de modo efetivo e criativo, mas também comprovam que os resultados são mesmo compensadores. Claro, nunca é fácil ir além dos padrões. Há um custo muito grande para que nossa criatividade realmente funcione e mais, há um custo de tem-po, dinheiro e trabalho para efetivar as ideias que surgem. É tentador desistir no meio do caminho, ou desviar para os caminhos mais fáceis, rápidos e baratos. Mas trabalhan-do efetivamente em equipe - e não apenas equipes pessoais, mas equipes interinstitu-cionais - consegue-se somar forças, com-petências e recursos para, enfim, conseguir resultados diferentes e surpreendentes.

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Ícones, índícios e símbolos:

Descrição e reflexão sobre

“Ser consciente não é senão sentir” (C.S Peirce)

Entre as várias possibilidades de se descrever uma pri-meira escavação arqueológica optei pela descrição sensorial, as primeiras sensações e análises primí-genas por ela promovidas. Pode-se perceber que até

mesmo uma descrição, por mais isenta que se pretenda, se apresentará repleta de indagações, julgamentos, questões, que a mim parecem naturais e a apropriadas à situação expe-rienciada. Em seguida passarei propriamente à reflexão que ela pode proporcionar, tomando-se como arcabouço teórico a teoria semiótica proposta por Peirce e outros teóricos.

Relatarei a experiência realizada entre os dias 12 e 29 de julho de 2010, verão português, no Concelho de Lousada, dis-tante aproximadamente 30 km da cidade do Porto, no Sitio Arqueológico “A Casa Romana” do Castro de São Domingos, que remonta ao sec. III a.C. mais como metáfora. Buscou-se uma comparação possível entre a prática da escavação ar-queológica e sobre como se dá a passagem para níveis mais aprofundados de reflexão, em busca de significados para a própria experiência, apesar de ser um processo tão dinâmico no qual descrição e uma primeira reflexão acontecem quase instantaneamente.

Primeiramente, a descrição:

a experiência multisensorial em uma escavação arqueológica.

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Primeiro sentido: VISÃO – Olhar um sí-tio arqueológico ainda não muito escavado, ou seja, sem grandes evidências ou vestígios aparentes, me propôs uma pergunta:. O que vejo tem algum significado? Pequenas pe-dras ajuntadas, outras mais dispersas, muita terra, demarcações milimetricamente pre-paradas, criando um cenário estranho. Qua-drículas e quadrículas que devem “guardar segredos” jamais totalmente desvendados. No máximo, desvelados em parte, com o que houver de evidência e o restante serão teorias que não podem ser abso-lutamente comprovadas. A bem da verdade, ainda que houvesse mais evi-dências ou registros de qualquer espécie, eu de-penderia de mais conheci-mento sobre o assunto.

Num segundo olhar, num segundo tem-po, num segundo dia, já foi possível perce-ber algum esboço de imagem com algum significado. Pedras enfileiradas; pedras pe-quenas sobre pedras maiores; e novas per-guntas: Parece um muro? Parece um derrube ou parece uma laje? É o “olhar escavando”. Descemos mais um nível: ao terceiro olhar já percebemos sutis diferenças nas marcas de terra e marcas nas pedras. Já podemos perceber indícios efetivos de um tipo de ocupação humana. A presença romana na região foi tremenda e já havia referencias fortes na mesma área. Só discussão sobre possibilidades.

Segundo sentido: AUDIÇÃO – O traba-lho da prática arqueológica demanda silên-cio. No segundo dia que escavávamos, o ar-queólogo chefe deu uma dica preciosa: para determinadas situações é melhor mudar o instrumento de trabalho e usar um colhe-rim (colher de pedreiro que se usa para as-sentar massa nas construções) menor, pois, mais sensível na raspagem da terra. Lá pe-las tantas, escuto e ouço o som de diversos colherins trabalhando e a exclamação do ar-queólogo: “Como é bonito o som dos colhe-rins!” Desço outra “camada sonora”, e ouço o som de meu colherim. Consigo distinguir sons diferentes por contato com solos de ní-veis geológicos diferentes. Grande dica! Se

havia uma possibilidade perceptiva visual para ve-rificar a mudança de nível geológico, agora, para re-forçar, tenho a percepção auditiva que confirma ou não tal mudança. E conti-nuamos na quadricula.

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Terceiro sentido: OLFATO – Descemos outro nível geológico. A terra fica cada vez mais exposta. E muda sua cor, seu “som” e seu cheiro. Encontramos terra úmida, mais escura. Parece ficar mais fácil a escavação pois agora a terra é mais macia. Noto que um ponto tem sinais cinzentos, restos de algo queimado. Seria apenas uma foguei-ra ou área de se cozinhar? Perguntas sem resposta, por enquanto. Em seguida, onde

acabei de varrer, juntam-se moscas. Moscas pousando na terra, buscando alguma coisa, como se estivessem atraídas pelo cheiro exala-do daquela terra... Não per-cebo a sutil diferença, mas a terra mais escura, úmida, tem lá seu cheiro próprio e era nela que escavávamos.

Quarto sentido: TATO – Na tentativa de alguma prote-ção e assepsia, usávamos luvas, para fugirmos do trabalho posterior de limpeza mais profunda das mãos e na crença de que não teríamos bolhas e calos. Tolice: bolhas e calos surgem mesmo assim: marcas e sinais que evidenciam o tra-balho árduo, tão distante da mente que se pretende apenas reflexiva e observadora, que nos chamam à reali-dade. Tiro as luvas e o quadro se “aprofunda” em percepções paulatinamente à descida dos níveis estratigráficos escavados. Vejo, ouço, sinto e toco.

A terra, suas entranhas e seus objetos, podem ser melhor percebidos. A terra e suas diversas texturas. As diferenças entre cacos de cerâmica e pedras, telhas e escórias, são mais facilmente re-conhecidas pela percepção tátil. Divago um tanto e (a)noto que perdemos a sensibilidade de vários órgãos perceptivos, pois em algum momento ele-gemos e supomos que algum deles tenha supre-macia sobre os demais. O próprio distanciamento possível ao usarmos a visão ou a audição pode ter separado estas percepções de uma forma irreme-diável: acreditamos que o distanciamento nos per-mita melhor compreensão. Mas nem tudo é o que parece. Ilusão de ótica na qual vivemos.

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Quinto sentido: PALADAR – Como “provar” finalmente esta escavação? Depois de perceber diferenças visuais, audi-tivas, olfativas e táteis, só faltava provar o “sabor” e procurar “saber” o que era isto ou parte disto no qual nos debruça-mos e acocoramos trabalhando por três semanas. No penúl-timo dia, instintivamente, ao encontrar um caco de cerâmica, úmido pela ter-ra, e curiosa por desco-brir se continha alguma inscrição ou marca que o diferenciasse (o que po-deria ser feito em âmbito laboratorial), não resis-ti! Provei o caco de cerâmica para limpá-lo ali mesmo! Não mordi (nem poderia), mas sinto um gosto férreo, bem apro-priado para um naco de cerâmica de xisto. Está tudo certo! Lembrou-me o sabor do sangue, energia vital. Está certo: era a energia vital que nos movimentou em busca de “sentidos” e “significados” naquele período.

Este relato tenta reproduzir, em sua se-qüência, minhas percepções que ocorreram exatamente na ordem descrita acima. So-mente me dei conta que este foi o “primei-ro nível” da “primeira experiência” quando retornei ao Brasil. Enquanto estávamos tra-balhando por ali, uma das outras iniciantes me contou que uma professora de seu curso de Arqueologia em Portugal era adepta fer-renha deste envolvimento sensorial e, sem-pre que possível, escavava descalça. Percebi que havia um caminho possível de relacionar os conhecimentos, além do modo mais téc-nico científico, enquanto descrição. E mais: não era a única a me sentir envolvida senso-rialmente pela experiência da escavação.

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E descer mais uma “camada”, a da re-flexão, é praticamente obrigatório. Da pri-meiridade, limitada à percepção da mente interpretante de um “alguém equipado para perceber” de acordo com este “equipamen-to”, podemos migrar das imagens não muito claras, meras percepções. Para tanto, procu-raremos apoio na teoria semiótica propos-ta por Charles S. Peirce, para caminharmos até uma possível “síntese”, passando pela esforço intelectual, já que no local descrito, passou-se também pelo esforço fí-sico, um dos atributos da “segundidade”.

Ao tomarmos a relação triádica de signo, dada pela se-qüência: objeto de sig-no, que apresenta sinais que podem ser percebi-dos pela mente interpretan-te - percepção esta possível pelos órgãos perceptivos à distância (visão, audição e ol-fato) e perceptivos imediatos (tato e paladar) - como podem se “processar”, “caminhar” estes signos?

A prática arqueológica, seus mé-todos, destroem os vestígios, indícios, ele-mentos importantes ao próprio “encami-nhamento semiótico”: vestígios poderiam nos levar a definições, regras e entendi-mentos, com vistas a indicadores e induto-res das relações sociais. No entanto, neste “processamento”, nesta semiose, com es-forço intelectual podemos chegar a uma síntese, que na arqueologia, limita-se a uma certa hipótese. E desta hipótese, para outra,

construindo então uma teoria sobre o que deve ter ocorrido naquele lugar, quem vi-veu, como viveu, ou seja, uma construção calcada em hipóteses.

É certo, também, que esta ciência sem-pre prescinde das demais e busca na His-toria, na Geologia, na Sociologia, na Antro-pologia, e em tantas outras, elementos que possam dar sentido àqueles vestígios já destruídos e outros que desta prática pos-sam emergir. Quanto a isto, sobre esta rela-

ção tão estreita entre a arqueologia e as demais ciências, posso relacionar nas

palavras do próprio Peirce: “minha filosofia pode ser descrita como tentativa que um físico de-senvolve no sentido de fazer con-

jeturas acerca da constituição do universo, utilizando mé-

todos científicos e recor-rendo à ajuda de tudo quanto foi feito por fi-lósofos anteriores.”

e ainda: “Em verdade, o pri-meiro passo no senti-

do de perquirir é o de reconhecer que ainda

não se tem conhecimento satisfatório”.

Diferentemente de outras ciên-cias que buscam respostas, nesta, na arque-ologia, como na própria semiótica, brotam incessantemente perguntas, como mencio-na Neves (2010) uma verdadeira “cabeça de medusa”, a qual, por mais que se corte, outra nova brota. Haverá sempre perguntas sem resposta, relacionada a cada objeto ou par-te de objeto encontrado numa escavação: quem, de fato, fabricou, usou aquele objeto?

...na arqueologia,

como na própria semiótica, brotam incessantemente

perguntas, como menciona Neves (2010) uma verdadei-

ra “cabeça de medusa”, a qual, por mais que

se corte, outra nova brota...

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Quem se utilizou dele? Para quê? Como foi possível sua fabricação?

Se usarmos uma definição aceitável de sitio arqueológico, como “um registro está-tico, no presente, de histórias complexas e dinâmicas”, por si só se apresentaria como uma semiose. Mas, analisando a escavação descrita inicialmente, é certo que “níveis” e “passos” deste processo ainda estão por vir. Outros “significados”, mais arqueológicos que possam levar a hipóteses e melhor com-preensão dependerão de maior “aprofunda-mento paciente”, relacionado à atividade la-boratorial, leitura dos desenhos, dos mapas, das fotos e dos debates, sempre necessários a esta atividade.

Mesmo reconhecendo o dinamismo deste processo, e na tentativa de aplicar de e classificar a descrição de acordo com a com-plexa relação triádica apresentamos seus elementos:

Para Peirce, um signo é um ícone, um indicador ou um símbolo. Podemos verifi-car, no caso da descrição da experiência no sítio arqueológico, uma certa “sobreposição sígnica”. Não há uma separação clara entre ícones, indicadores e símbolos. Só há signifi-cados a buscar, pois há uma mente interpre-tante, que sustenta a força do símbolo e, no caso: a intensidade da presença romana na-quele sítio arqueológico. Também podemos situá-lo como indicial, indicador, pois, por mais que haja a destruição do vestígio, como mencionado anteriormente, outros vestígios surgem para análise da mente interpretante. Ao descermos mais uma camada, destruí-mos a anterior,- o vestígio que se apresen-tava - e logo se apresentam novos vestígios.

Finalmente, mantém características icô-nicas: terminado o período da campanha da escavação, serão observados e analisados

desenhos, fotografias, mapas, enfim, ainda que aquele sítio não venha a ser mais esca-vado, poderá ser estudado a partir de ícones.

Esta é uma mera proposição, para futu-ras investigações, e poderá ser alinhada con-forme, Pignatari (2004):

“é por essa razão que um ícone, repe-tido e organizado, se transforma em signagem, em sistema de signos; é por essa razão que uma signagem ou um elemento dela, isolada do sistema, reverte ao ícone, a uma possibilidade. Assim se deu, hipoteticamente, com os sinais do código alfabético, oriundo de hieróglifos e ideogramas; assim se dá quando isolamos uma letra, e a reela-boramos formalmente: ela reverte ao ideograma (vejam-se as poesias gráfi-cas, os grafismos pictóricos, os graffiti, as marcas, os logotipos, etc.)”. Mais adiante, propõe: “A possibilidade de criação e, portanto, de mudança e movimento reside na es-pontaneidade do ícone, como anota o próprio Peirce, ao tratar das questões estéticas e ao considerar o artista e o cientista como criadores de ícones (1.383). O que implica em certo ques-tionamento do continuum pelo acaso. Em nível de primeiredade, o signo é uma forma aberta a possibilidades sig-nificantes, pois que a indeterminação é uma de suas características; essa for-ma é negada pelo objeto, que tende a restringir as possibilidades de significa-ção, tendendo para a univocidade, ou denotação (é o nível da secundidade); a negação do objeto do signo e da re-lação diádica se dá em nível de tercei-ridade, onde o interpretante generaliza o processo que conhecemos como sig-

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nificação (denotação mais conotação, em termos mais correntes, subentendida a idéia de repertório e a de contexto), ou significado, que é um outro signo, ou uma nova cadeia ou constelação relacional de signos – pelo que se recaptura, transformada, a idéia de primeireda-de.” Esta reflexão poderá ainda ser alavancada por Zielinski

(2006), “se deliberadamente alterarmos a ênfase, virarmos de ponta-cabeça, e experimentarmos, o resultado vale a pena: não procuremos o velho no novo, mas encontre-mos algo novo no velho. Se tivermos sorte de encon-trar, teremos de dizer adeus a muita coisa familiar em diversos aspectos”. Neste sentido, realmente seria uma “resignificação”, vez

que estamos habituados e reconhecemos (interpretamos signos) com o fim de manter uma certa ordem mental e este autor propõe uma busca (an)arqueológica, ou seja, uma ex-pedição sem hierarquia definida. Elementos “novos” foram encontrados naquele sítio tão “velho” e então esta atividade arqueológica deveria estar sempre imbuída de espírito “anar-queológico”?

Finalmente, nos níveis mais profundos de pensamento, poderíamos comparar estas conexões possíveis, segundo Boccara (2010), a Suas comunicações com outros lençóis freáticos e posterior percurso a rios e mares da consciência.

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