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IGREJA LUTERANA Revista Semestral de Teologia

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IGREJA LUTERANARevista Semestral de Teologia

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IGREJA LUTERANA

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DiretorLeonerio Faller

ProfessoresAcir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Leonerio Faller, Gerson Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores EméritosDonaldo Schüler, Paulo F. Flor, Norberto Heine

SEMINÁRIO CONCÓRDIA

IGREJA LUTERANAISSN 0103-779XRevista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho EditorialPaulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann

Assistência AdministrativaIvete Terezinha Schwantes e Saulo P. Bledoffn

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografi a Bíblica Latino-Americana e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com endereço e selado.

Solicita-se permutaWe request exchangeWir erbitten Austausch

CORRESPONDÊNCIARevista Igreja LuteranaSeminário Concórdia

Caixa Postal 20293001-970 – São Leopoldo/RSTelefone: (0xx)51 3037 8000

e-mail: [email protected]

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SUMÁRIO

IGREJA LUTERANA

Volume 73 – Junho 2014 - Número 1

ARTIGO

FÓRMULA DE CONCÓRDIA 5Cezar Squiavo Schuquel

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 12

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ARTIGO

FÓRMULA DE CONCÓRDIA

ARTIGO I – Do Pecado Original

Cezar Squiavo Schuquel

INTRODUÇÃO

Ao fi nalizar o livro Cremos, por isso também falamos, Otto A. Goerl afi rma:

Doze homens levantam pedras e as carregam consigo. Repre-sentam as doze tribos de Israel. O povo, sob a chefi a de Josué, acabara de atravessar o Jordão “a pé enxuto”. E cada repre-sentante leva uma pedra sobre o ombro, tirada do leito seco do rio. Assim Deus o quis. E para quê? As pedras deviam servir de monumento. Elas “serão para sempre por memorial aos fi lhos de Israel”. E, quando mais tarde os fi lhos iriam perguntar aos pais: “Que vos signifi cam estas pedras?”, então eles deveriam contar-lhes os grandes feitos de Deus em favor do seu povo. Nossos pais, os pais da Reforma, carregaram as pedras e delas fi zeram um memorial. Não queriam eles enaltecer a homens e glorifi car seus feitos. Queriam, isso sim, magnifi car a miseri-córdia de Deus e glorifi car o seu santo nome.1

Essas palavras traduzem a importância das Confi ssões Luteranas para a cristandade. Um memorial que aponta para o verdadeiro autor da salvação, Jesus Cristo, e para a verdadeira rocha, na qual nos fi rmamos, as Sagradas Escrituras, o Evangelho. A primeira “pedra” da Fórmula de Concórdia trata de um dos temas centrais da fé cristã, o pecado origi-nal. Onde não há uma visão correta desse tema também não é possível visualizar a grandeza da obra de Jesus Cristo, como diz a Apologia da Confi ssão: “Não podemos conhecer os benefícios de Cristo a menos que entendamos nosso males”.2 Com esse estudo, pretendemos abordar o Artigo I da Fórmula de Concórdia, buscando compreender seu contexto, a posição dos confessores, bem como sua importância na prática pastoral em nossos dias.

1 GOERL, Otto A. Fórmula de Concórdia: Cremos, por isso falamos. Porto Alegre: Con-córdia, 1977, p.119.

2 LIVRO DE CONCÓRDIA: Apologia da Confissão, Artigo II, 50, p.109.

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CONTEXTUALIZANDO

Após a morte de Lutero, em 1546, o papa fez uma aliança com o imperador Carlos V para “erradicar a erva daninha das doutrinas ímpias espalhadas pelos hereges da Alemanha”. Por sua parte, João Frederico, príncipe da Saxônia e o Landgrave Felipe de Hesse lideraram a liga de Esmalcalde com objetivo de enfrentar as forças imperiais. Em abril de 1547, após serem traídos por Maurício da Saxônia, a liga foi derrotada na batalha de Mühlberg.

Com a vitória sobre os luteranos e sendo abandonado pelo papa, Carlos V forçou um acordo entre católicos e luteranos. Em 1548, na Dieta de Augsburgo, o imperador determinou essa união. Grande parte dos pastores luteranos não aceitou a determinação do Ínterim, sendo perse-guida duramente. Com objetivo de apaziguar, Melanchton elaborou um documento que foi estudado e aceito na Dieta de Leipzig, em dezembro de 1548. Esse documento fi cou conhecido como Ínterim de Leipzig. Esse documento foi o estopim das dez controvérsias que se seguiram nos 30 anos seguintes.3

O Artigo I da Fórmula de Concórdia trata, na verdade, da quarta con-trovérsia, conhecida como “Controvérsia Flaciana”.

1. Matthias Flacius IllyricusEra um dos teólogos mais estudados e capazes de sua época. Os

historiadores o descrevem como o “mais expoente e defensor mais fi el, dedicado, zeloso e capaz do luteranismo”.4

Na Controvérsia Adiaforística (1548-1555), foi um dos grandes defen-sores da fé luterana. Repetidas vezes admoestava seus companheiros a “morrer antes que negar e renunciar à verdade” (BENTE, p.135), deter-minação essa que manteve até o fi m da vida. Nessa controvérsia, foi de Flacius a frase mais contundente: “Em caso de confi ssão e escândalo, nada é adiáforo” (GOERL, p.21). Walther observa: “Foi uma grande pena que Flacius, que até então fora um herói tão fi el da doutrina pura, se expôs aos inimigos de tal forma” (BENTE, p.153).

2. A origem da Controvérsia FlacianaFoi na Controvérsia Sinergista que Flacius tropeçou. Novamente, foi um

dos grandes defensores da fé luterana. Juntamente com Amsdorf, Wigand, Hesshusius e outros teólogos proeminentes debateu com os sinergistas na “Disputa de Weimar” (1560). E foi nessa disputa, na segunda sessão, quando discutia com seu colega de universidade Viktorin Strigel, que Fla-

3 GOERL, Otto A., op. cit, pp. 18-234 BENTE, p.135.

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cius caiu nas armadilhas fi losófi cas do adversário. Strigel insistia em usar defi nições fi losófi cas, em especial os termos “substância” e “acidente”, enquanto Flacius fi rmava-se nas Escrituras. Foi nesse contexto que se deu o seguinte diálogo:

Strigel perguntou a Flacius: “Negas que o pecado original é um acidente?” Flacius respondeu: “Lutero nega expressamente que é um acidente”. Strigel: “Julgas negar que pecado é um acidente?” Flacius: “Eu disse que a Escritura e Lutero afi rmam que é uma substância”.5

Depois da sessão, seus companheiros tentaram demovê-lo da posição, mas ele permaneceu irredutivel. Estava iniciada mais uma controvérsia na igreja cristã.

3. O conteúdo da controvérsiaA questão da controvérsia é sobre a natureza do pecado original.a. Strigel e os Sinergistas defendiam a ideia de que o pecado original

não faz parte da substância do ser humano, mas é apenas um acidente. Na opinião deles, Deus não criou o pecado e dizer que o mesmo é substância é dizer que Deus o criou. Já o livre arbítrio, que pertence à substância e essência do ser humano, não pode ser perdido sem aniquilar o próprio homem. Logo, o pecado original, por ser um acidente, não pode eliminar o livre arbítrio, apenas limitá-lo.

b. Flacius e seus seguidores afi rmavam que o pecado original não era um acidente, mas a substância do homem. Mais tarde, em um de seus escritos, faz a seguinte afi rmação:

Assim, por isso, creio e afi rmo que o pecado original é uma substância, porque a alma racional (como unida com Deus) e em especial seus poderes substanciais mais nobres, a saber, o intelecto e a vontade, que antes haviam sido formados de modo tão glorioso que forma a própria imagem de Deus e a fonte de toda justiça, retidão e piedade, e no conjunto essencialmente semelhante a ouro e pedras preciosas, estão agora, pelo engano de Satanás, tão completamente pervertidos que são a verdadeira e viva imagem de Satanás e, por assim dizer, imundos ou antes consistindo duma chama infernal, não diferente do que quando a massa mais doce e pura, infectada pelo fermento mais venenoso, é completa e substancialmente mudado e transformado numa massa deste mesmo fermento.6

5 BENTE, p.1356 BENTE, p. 138

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E mais:

A maldade original não foi, como muitos pensam, infundida de fora em Adão como quando veneno ou alguma outra substância ruim é atirado ou derramado num líquido bom, assim que em virtude da substância má que foi acrescentada também o resto se torna nocivo, mas sim como quando um líquido bom ou o próprio pão é pervertido assim que agora é ruim e, como tal, venenoso ou, antes, veneno.7

Saliger e Fredeland, dois seguidores de Flacius, ensinaram que “o pecado original é a própria substância do corpo e da alma do homem” e que Cristo assumira “a carne duma outra espécie” do que a nossa (BEN-TE, p.141).

ARTIGO I DA FÓRMULA DE CONCÓRDIA

1. Aspectos exegéticos: Como resposta, a Fórmula de Concórdia, em seu primeiro artigo, traz

uma posição bíblica com relação ao tema. É interessante observar que os confessores não se preocuparam com defi nições fi losófi cas de termos, mas apenas apresentam o ensino bíblico sobre pecado original. Alguns termos importantes a serem destacados:

a. Natureza – refere-se à essência, corpo e alma do ser humano, criada por Deus.8

b. Pecado original – refere-se à profunda corrupção da natureza do ser humano. Toda a natureza humana está corrompida até o “fundamento”.9 Não criada por Deus.

c. Natureza corrupta e corrupção – são duas coisas distintas. Não po-dem ser confundidas. A natureza não é o pecado original. Embora estejam tão ligadas que apenas Deus possa separá-las, não podem ser confundidas.

d. Propagação – Deus cria a natureza, não o pecado original. O pecado original é propagado de semente pecaminosa, pela concepção e nascimento carnais de pai e mãe.10 “Todavia, essa criatura e obra de Deus é miseravelmente corrompida pelo pecado, porque a massa da qual Deus agora plasma e faz o homem foi corrompida e pervertida em Adão e assim nos é transmitida hereditariamente.”11

7 BENTE, p. 1388 LIVRO DE CONCÓRDIA, op.cit., p.555, 519 Idem, p.555, 55 e 5610 Ibidem, p.547,711 Ibidem, p.553, 38

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FÓRMULA DE CONCÓRDIA

2. Base bíblica:

1. O pecado original não é simples manchaa. É o pecado que herdamos de Adão: Rm 5.19; Sl 51.5b. É a completa corrupção de toda a natureza humana: Rm 7.14;

Rm 7.18c. É privada da justiça original: Rm 3.23; Sl 143.2d. É inclinada para todo o mal: Gn 8.21e. Não é simples mancha: Jr 2.22f. É sujeita à condenação: Ef 2.3; Jo 3.5

2. O pecado original não faz parte da essência do homema. Deus é o criador do homem: Ml 2.10b. Jesus tornou-se homem para nos salvar, assumindo a nossa

natureza: Rm 1.3; 2Co 5.21c. Pela fé os crentes se tornam um templo de Deus, por ele mesmo

santifi cado e ornado com frutos do Espírito: 1Co 3.16d. Nosso corpo mortal ressuscitará em glória e sem mácula: Fp 3.2112

A DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL E O TRATAMENTO PASTORAL

Em seu artigo “The Distinction of Grades of Sin in the Book of Concord and the Early Lutheran Fathers”, James D. Heiser cita a apologia que diz “não podemos conhecer os benefícios de Cristo a menos que entendamos nosso males”. Da mesma forma, Wengert, no livro “A Formula for Parish Practice”, afi rma:

Se ampliamos o pecado humano, a ponto de obscurecer a obra de Deus, depreciamos a criação de Deus e colocamos a ressur-reição do corpo em xeque. Se diminuímos o pecado e a realidade humana, estamos, ao mesmo tempo, reduzindo a importância da obra salvadora de Jesus, sua morte e ressurreição, e a obra do Espírito Santo em declarar-nos justos e fazer-nos santos à vista de Deus” (WENGERT, p.21).

Observamos, portanto, a centralidade da doutrina do pecado original nas Confi ssões Luteranas. Não é por acaso que, apesar de ser a quarta controvérsia, o pecado é o primeiro artigo da Fórmula de Concórdia. A maioria das controvérsias são resultado da visão equivocada do ser humano e sua realidade de pecador. Poderíamos afi rmar que a doutrina do pecado original é uma das doutrinas distintivas do luteranismo.

12 GOERL, op. cit. pp.48-50

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Heiser afi rma que, em toda a história da cristandade, o conceito de pecado esteve sob ataque. O autor cita algumas evidências de que isso tem acontecido em nosso tempo:

a. “A transformação do pastor, de um pai confessor em um psi-cólogo amador, que muda seu foco de absolver pecados para curar ansiedades”.

b. A abolição da confi ssão geral da igreja ou sua modifi cação, reduzindo-a a uma simples lista de pecados atuais, o que diminui a infl uência do pecado original que corrompe a alma (HEISER, p.21).

O autor defende a importância da distinção entre pecado original e pecado atual:

Se os cristãos conhecerem sua pecaminosidade apenas em termos de atos discretos e individuais ao invés de entender que estão completamente corrompidos pelo pecado, há o perigo de minimi-zarem o pecado a ponto de considerá-lo como meros atos a serem evitados. Onde há uma compreensão bíblica de pecado original, os cristãos começam a entender a situação desesperadora do pecador, longe de Jesus Cristo (HEISER, pp. 23-24).

Por essa razão, defende o uso da Confi ssão Geral tradicional, que refl ete uma compreensão bíblica da natureza da relação entre pecado original e pecado atual. Para as Confi ssões, há um lugar específi co para a confi ssão de pecados individuais: a confi ssão particular.

Ao fi nalizar o seu artigo, Wengert apresenta como precisamos tratar o pecado:

a. Batizando, pois é tudo o que precisamos para começar uma nova vida com Deus;

b. E quando a pessoa cai em pecado, por sua natureza, precisa rapidamente retornar à fonte do perdão pela Confi ssão e Ab-solvição (WENGERT, p.28-29);

c. Ainda acrescentaríamos o convite incansável e amoroso para a participação na Ceia do Senhor.

CONCLUSÃO

Como podemos ver pela palavra de Deus, claramente exposta na Fór-mula de Concórdia, em seu primeiro artigo, o pecado original é um tema fundamental na pregação cristã. Ignorar ou recusar essa realidade é negar e rejeitar a obra salvadora de Jesus Cristo. Pois, se não nos reconhecemos como “pobres e miseráveis pecadores”, jamais reconheceremos a impor-tância da vida, morte e ressurreição de nosso Salvador em nossa vida.

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FÓRMULA DE CONCÓRDIA

Por isso, é fundamental que os pastores tenham clareza sobre o ensino do pecado original, pois “não podemos conhecer os benefícios de Cristo a menos que entendamos nosso males”.

Assim, na pregação, no aconselhamento e em todos os momentos, há a necessidade de se pregar o ensino escriturístico. Porque a grande tentação do nosso tempo é seguirmos as ciências humanas, onde o ser humano é colocado como uma vítima do contexto social e familiar e que tem condições de mudar essa realidade através de terapias e tratamentos. No entanto, sabemos que o único caminho para a humanidade é conhecer a redenção conquistada por Cristo em sua obra vicária. Mas isso só en-contra aquele que deixa de confi ar em sua força e conhecimento e, pela fé, se apega à mensagem do Evangelho.

Como dizem as confi ssões:

Por isso também jamais se ajudará à igreja de Deus a alcançar paz permanente nessa controvérsia, mas antes se fortalecerá e manterá a desunião, se os ministros da igreja fi cam presos em dúvida sobre se o pecado original é substância ou acidente, e sobre se é correta e apropriadamente chamado assim. Por essa razão, se a gente quer libertar as igrejas e escolas radical-mente dessa controvérsia ofensiva e altamente prejudicial, é ne-cessário que todos recebem a devida instrução nessa matéria.”13

REFERÊNCIAS

GOERL, Otto A. Fórmula de Concórdia: Cremos, por isso falamos. Porto Alegre: Concórdia, 1977.

BENTE, Friedrich. Historical introductions to the symbolical books of the Evangelical Lutheran Church / F. Bente. [S.l.] : s.n., [19--?]. 266 p.

HEISER, James D. The distinction of Grades of Sin in the Book of Concord and the Early Fathers. Logia, Volume XI, n. 3, p.21-28.

WENGERT, Thimothy J. A Formula for Parish Practice: Using the Formula of Concord in Congregations, Article Three: “But Babies Are So Cute!” The Original Problem with Human Beings. Michigan (EUA): Eerdmans Publishing Company, 2006.

LIVRO DE CONCÓRDIA. 5ª ed. Tradução Arnaldo Schuler. São Leopoldo: Sinodal e Porto Alegre: Concórdia, 1997.

Cezar Squiavo Schuquel

São Leopoldo/RS [email protected]

13 LIVRO DE CONCÓRDIA, op.cit., p.556, 58 e 59

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DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

15 de junho de 2014Salmo 8; Gênesis 1.1-2.4a; Atos 2.14a, 22-36; Mateus 28.16-20

CONTEXTO LITÚRGICO

O Deus verdadeiro, Pai, Filho e Espírito Santo, é adorado, vivido e anunciado em cada culto. Mas este domingo é especial, pois é uma opor-tunidade ímpar de meditar sobre a dimensão do nosso Deus Trino e Uno. As leituras bíblicas nos direcionam para a grande obra do nosso Deus, que criou tudo, redimiu a humanidade e está presente todos os dias enquanto esta sua obra continua sendo anunciada por cada cristão individual, e através da igreja, de forma coletiva.

O Dia da Santíssima Trindade não é simplesmente um dia de estudo exegético em busca de compreensão do mistério, mas um dia de alegria percebendo a ação deste Deus que mantém a sua criação, tornando a redenção acessível e conhecida por meio da atuação da igreja, e sendo agente ativo de toda a vida e obra de salvação através da presença do Santo Espírito.

Salmo 8: Contemplar a criação. Perceber a grandeza e complexidade de uma simples semente e o seu processo de germinação, a preservação da espécie e a produção de alimentos. A simplicidade de uma criança, sua ingenuidade e amor verdadeiro; mas também sua fé, adoração e louvor. Da mesma forma toda a atmosfera, os animais, as aves e os seres marinhos. Uma criação fantástica, ampla, complexa e funcional. Tudo no seu devido lugar. No meio disto estamos nós, os seres humanos, criados inferiores somente a Deus.

Podemos perceber que, por obra de Deus, somos o ser privilegiado. Na escala dos seres criados, o primeiro e mais importante. Cabe então uma pergunta: como temos dimensionado o nosso amor e cuidado para com a criação de Deus? Qual é o compromisso que temos para com a criação de Deus, com a luta contra a extinção de espécies vegetais e animais, bem como os elementos minerais renováveis e não renováveis? Como temos nos posicionado sobre mutações genéticas (transgênicos) que visam ao lucro e à concentração do capital nas mãos de poucas empresas do mun-do, em total desrespeito ao ciclo natural e à preservação da multiforme gama de espécies?

Deus nos colocou no centro da sua criação. Vamos colocar a criação de Deus no centro das nossas ações para preservação e usufruto. Vamos

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

buscar informações, formar opinião e fazer frente a tudo o que contradiz a preservação da natureza e, em especial, das pessoas criadas por Deus.

Gênesis 1.1-2.4a: “E viu Deus que tudo o que havia feito era muito bom” (Gn 1.31). Assim tudo foi criado, sendo o homem e a mulher criados à imagem e semelhança de Deus.

Hoje vivemos consequências do pecado humano. Consequências indi-viduais e coletivas. Aquecimento global, poluição das águas, escassez de água potável e mudanças climáticas são assuntos relacionados ao meio ambiente. Transgênicos, agrotóxicos e hábitos alimentares dizem respei-to à saúde humana e dos animais. Violência, medo e morte nos tiram a liberdade de usufruir da vida e da criação.

O que temos feito como cristãos e como temos agido como igreja em defesa da criação de Deus, da vida do planeta e da criatura humana? Te-mos lembrado que o trabalho de cuidar e cultivar a criação de Deus (Gn 2.15) foi instituído antes do pecado, portanto um privilégio, e não um ato penoso? Como temos lidado em nossa casa com o destino dos resíduos sólidos, a destinação adequada dos recicláveis, o consumo consciente e a rejeição a alimentos não saudáveis, o agrotóxico e a transgenia? Esta-mos percebendo que nós, cristãos, somos agentes de Deus para cultivar, preservar e promover a vida – e vida em abundância?

Repito: Deus nos colocou no centro da sua criação. Vamos colocar a criação de Deus no centro das nossas ações para preservação e usufruto. Vamos buscar informações, formar opinião e fazer frente a tudo o que contradiz a preservação da natureza e, em especial, das pessoas criadas por Deus.

O pecado impôs múltiplos sofrimentos a toda a criação de Deus, mas a Igreja, o povo chamado e escolhido, é um instrumento importante de Deus para continuar cuidando e cultivando (Gn 2.15) o que Deus criou. Isto se faz dentro de casa, na escolha do que consumimos, nos hábitos de cuidado e cultivo da terra, na destinação do lixo urbano, e como nos envolvemos direta e indiretamente nas causas ambientais e de preservação.

Atos 2.14a, 22-36: A salvação é obra do Deus Triúno. Para o anúncio somos capacitados pelo Espírito Santo. Não podemos recuar diante de teorias que destronam o Criador, muito menos daquelas que desqualifi -cam a redenção.

Somos desafi ados a pregar para o contexto de cada comunidade lo-cal. É preciso ser claro, incisivo, e sempre mostrar com coragem onde está o erro e onde buscar a reconciliação. Foi isto que Pedro fez no dia de Pentecostes. Ele não pregou sobre coisas distantes dos seus ouvintes, mas esclareceu aos seus ouvintes o que estava acontecendo e como isso

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estava no Plano de Deus. Ele usou da sua capacidade de persuasão. Ele chamou seus ouvintes à refl exão sobre os fatos e ensinou como Jesus era o cumprimento de profecias e que seu sacrifício e ressurreição diziam respeito à redenção de cada pecador. Pedro não usou de formas “politica-mente corretas”, nem de “palavras enfeitadas,” mas foi claro em afi rmar no versículo 36: “Todo o povo de Israel deve fi car bem certo de que este Jesus que vocês crucifi caram é aquele que Deus tornou Senhor e Mes-sias”. (grifo nosso).

Nossos tempos nos desafi am a pregações de ensino para a compreen-são; pregações de confronto, para refl exão e posicionamento; pregações que mostram a grandeza do amor de Deus a membros e visitantes, para que todos queiram estar nesta comunhão para usufruir e viver a salvação através de Jesus Cristo.

Mateus 28.16-20: Somos enviados para todas as dimensões da vida, para todos os espaços do universo e para todas as pessoas para promover a salvação, discipulando. Fazer discípulos é mais do que repassar conhe-cimentos ou ensinos. Discipular signifi ca preparar pessoas que possam, assim como nós, discipular outras pessoas que novamente serão capazes de fazer o mesmo na geração seguinte. Discipular é um processo de mul-tiplicação onde o aprendiz se torna capaz de capacitar novos aprendizes. O conteúdo do discipulado são os ensinos daquele que recebeu toda a autoridade no céu e na terra – Jesus Cristo. O Evangelho revela o perdão dos pecados e a salvação do pecador arrependido, mas os ensinos de Jesus abrangem a vida em todas as dimensões (exemplo do Sermão do Monte, em Mateus 5, 6 e 7).

No Evangelho em foco, duas formas de discipular estão evidenciadas: o batismo e o ensino. Assim percebemos que a fé torna alguém discípulo. Esta fé é dom do Espírito através do batismo, bem como através do ensino, como diz 10.17: “a fé vem pelo ouvir a mensagem”.

Na análise do texto original grego, é facilmente compreensível que o batismo torna discípulo, assim como o ensino torna discípulo. Desta forma reforça-se o batismo infantil, logo após o nascimento, e o ensino como processo de discipulado na vida. Da mesma forma, reforça-se também o consolo sobre situações em que a pessoa ouviu o Evangelho e creu, mas por algum motivo não teve oportunidade de batismo (leia também 1 Pe 3.21 e Jo 16.16).

Outra atenção especial neste trecho do Evangelho recai sobre o a forma verbal, tradicionalmente conhecida como “IDE” que poderia ser entendido como um evento pontual e com propósito específi co, do tipo: ide, e ide novamente. Mas a possibilidade da tradução “INDO” torna o discipulado um processo contínuo, cotidiano, e que acontece na vida não como um

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evento específi co, mas como parte integrante da vida do discípulo de Je-sus, e assim o discipulado se dá em casa, no trabalho, no ônibus, na rua, na igreja e na vida como um todo.

Este discipulado então se dá por meio de palavras e atitudes. Da mesma forma possui a dimensão particular e coletiva. Cada um que tem fé em Jesus Cristo é discipulador, mas todos em conjunto, como igreja, depar-tamento ou grupo de ação são discipuladores que programam objetivos, estratégias e ações em comum.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Os textos reafi rmam a obra de Deus em favor da sua criação, com destaque para a salvação das pessoas. Da mesma forma, sinto nesta re-velação uma vontade de responder com amor e fi delidade a tudo o que O meu Deus, Pai, Filho e Espírito Santo fi zeram, continuam fazendo e ainda farão por mim. A sugestão de esboço vai nesta direção.

SUGESTÃO DE TEMA E ESBOÇO

Tema: Nosso Deus (Triúno) trabalha cuidando e salvando!

Introdução: A beleza da vida e de toda a criação

Toda a criação geme por causa do pecadoMudanças climáticasPosturas destruidoras O papel dos cristãos dentro do Reino de Deus em preservar e recons-

truir a vida

Deus cuida e salva diretamente (imediato)As leis da naturezaA obra redentora em CristoA obra do Espírito para conversão e salvação

Deus cuida e salva por meio dos seus fi lhos (mediato)A vida e o serviço dos cristãosO papel e o trabalho da IgrejaComo crerão se não há quem pregue? (a reconciliação)

Conclusão: A imagem e semelhança de Deus está em cada criatura humana. Por isso Deus não desistiu e enviou o Filho para reconciliar. Consumada a obra, Deus se faz Deus-Conosco através do Espírito Santo,

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tornando-nos templos (moradas) do Espírito Santo. Assim percebemos que Deus não desiste da sua obra. Perseveremos nós também em toda a ação no Reino, com fé, esperança e amor ao próximo.

Airton S. SchroederPorto Alegre/RS

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SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

22 de junho de 2014Salmo 91. 1-10 (11-16); Jeremias 20.7-13; Romanos 6.12-23;

Mateus 10. 5a, 21-23

INTRODUÇÃO

Muitas ideias estão relacionadas para este período muito especial na vida da Igreja, em especial os temas propostos no Planejamento da IELB. Por isso, para início da nossa refl exão, lembramos o tema geral do Planejamento: “Vou viver e anunciar o que o Senhor tem feito!”. Esse tema é baseado no versículo que era lema da vida do reformador Martinho Lutero: “Não morrerei; antes viverei e contarei as obras do Senhor!” (Sl 118.17) e também o tema que é o destaque desse ano: “Vou viver e anunciar o que Senhor tem feito! Na vida a partir da graça de Deus!”. Os dois temas estão intimamente relacionados com as leituras desse fi m de semana, com o período dentro do ano eclesiástico e com a proposta temática.

Num primeiro momento, seguimos no embalo do dia de Pentecos-tes, lembrando em especial que já fomos chamados à fé em Cristo. A explicação do 3º artigo do Credo Apostólico no Catecismo Menor é ex-tremamente importante aqui, pois: “Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito me chamou pelo Evangelho, iluminou com os seus dons, santifi cou e conservou na verdadeira e única fé”. Então, ao mesmo tempo em que lembramos que fomos chamados por Deus para uma vida de fé e confi ança, a qual não é mérito nosso, mas ação e iniciativa de Deus em nossa vida porque “[...] estáveis mortos em vossos delitos e pecados” (Ef 2.1) e porque ninguém pode dizer “[...] Senhor Jesus senão pelo Espírito Santo” (1 Co 12.3), também somos convidados a viver uma vida na fé, pois somos nova criatura e fomos chamados por Deus: “Deus nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos” (2 Tm 1.9). Na verdade, as duas coisas não se separam, somos chamados para a fé e vivemos nessa fé pela graça de Deus em Cristo, mas o destaque é importante dentro do contexto de envio e apostolado para os quais estão dispostos e motivados os que foram chamados pelo Senhor.

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OS TEXTOS

Os textos relacionados para esse fi m de semana nos mostram uma situação de vida cristã tensa por causa do testemunho do Evangelho e ao mesmo tempo urgente e compulsória para aquele que conhece a mensa-gem da graça de Deus que nos redime do pecado. É como se você tivesse descoberto a cura de uma doença grave, da qual você mesmo foi curado e está extremamente feliz e agora se sente compelido e constrangido a compartilhar essa boa notícia mesmo que muitos não a aceitem, não acreditem em você e até o tratem mal por isso.

No texto do Antigo Testamento, percebemos nas palavras do profeta Jeremias essa tensão e dualidade de sentimentos. Por um lado o profeta se sente e foi persuadido, convencido pelo Senhor para uma missão especial “mais forte foste do que eu” (Jr 20.7) e também “Quando pensei que não me lembrarei dele e já não falarei no seu nome, então isso me foi no coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos; já desfaleço de sofrer e não posso mais” (Jr 20.9). Ele literalmente não pode deixar de falar da palavra de Deus, ou como diz o apóstolo Paulo: “Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho!” (1 Co 9.16). Assim como Paulo, o profeta foi tomado e convencido pelo Espírito Santo a fazer isso, mesmo que a men-sagem fosse de violência e destruição, mesmo que por causa dela ele fosse perseguido e os seus amigos quisessem vingança. Por outro lado, o consolo vem do reconhecimento e da constatação do cumprimento das promessas de Deus. O profeta reconhece que não está sozinho (v.11): o Senhor está com ele como um poderoso guerreiro, ele é o Senhor que prova o justo e para o qual confi amos a nossa causa (v. 12), e esse é o Senhor que livra a alma do necessitado das mãos dos malfeitores (v.13). O profeta sofre com o anúncio dessa Palavra, mas ao mesmo tempo sabe que é a única forma de Deus chamar o povo de volta ao arrependimento e oferecer a cura.

Nas palavras do Salmo temos a promessa de proteção, descanso e segurança para aqueles que confi am no Senhor (v.2). Mesmo diante dos muitos perigos ou diante da própria morte, podemos confi ar que esse é o Senhor que dá ordens aos seus anjos para que nos guardem em todos os nossos caminhos, na certeza de que quem se apega com amor ao Senhor será colocado a salvo (v.14) – de que na nossa angústia podemos invocar o seu santo nome que Ele nos responderá (v.15) – e que recebemos dele a promessa de uma vida que não termina mais e a salvação eterna (v. 16). O Salmo não diz que é fácil passar por todas essas afl ições, mas promete que Deus estará conosco em todo o tempo, nos mantendo em sua graça e nos presenteando com o mais importante.

Na leitura da epístola, Paulo nos lembra que fomos libertos da lei, e que nessa liberdade, capacitados, queremos servir a Deus. Esse é um

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exercício que fazemos na fé em Cristo, de quem recebemos o perdão de nossos pecados. Éramos escravos do pecado, mas agora somos servos da justiça e nos oferecemos para uma vida de santifi cação. O versículo 23 “[...] porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” nos lembra desse presente que recebemos na fé.

Jesus, segundo a leitura do evangelho, faz uma constatação dramática e urgente. Diante das enormes necessidades espirituais, emocionais e ma-teriais levantadas por ele em seu ministério “[...] ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda a sorte de enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam afl itas e exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9.35,36). Ele constata que o trabalho é grande, mas que os trabalhadores são poucos! Perguntamo-nos: que trabalho é esse? Pode ser descrito como o de olhar para a necessidade, carência e urgência do próximo e oferecer a mensagem do evangelho, o consolo da graça, o suporte espiritual que nos dá a garantia de que Deus está conosco, de que ele está ao nosso lado e de que Ele é por nós. Diante da constatação de que falta gente para esse trabalho, é necessário orar para que Deus envie mais “ceifeiros”. Na seqüência, o evangelista nomeia os 12 apóstolos e Jesus os envia com instruções bem claras: “à medida que seguirdes, pregai que está próximo o Reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purifi cai leprosos, expeli demônios” (Mt 10. 7,8). Nesse apostolado Jesus não nos garante um caminho fácil, pelo contrário, ele ad-verte que muitos não vão querer ouvir, que está nos enviando como ovelhas para o meio dos lobos, que corremos o risco de sermos presos por conta de nossa fé e testemunho, mas que podemos ser levados à presença de autoridades para falar o que o Espírito nos der para falar naquele momento. Ele nos adverte de que haverá divisões e ódio dentro de famílias por causa do nome de Jesus, mas que devemos perseverar, fi car fi rmes e permanecer sob a graça até o fi m e assim seremos salvos.

PROPOSTA HOMILÉTICA

O discurso de Jesus não é para os que ainda não creem, mas para a Igreja, para os que já foram chamados para a fé e agora vivem e são capacitados para uma vida santifi cada.

Na contramão de “teologias” populares, Jesus não promete riquezas, facilidades, e nem autoriza ninguém a “determinar” a Ele o que deve ser feito; pelo contrário, no envio dos que foram chamados, são claras as suas orientações, bem como os avisos dos percalços do caminho e as difi culda-des embutidas na missão por conta da rejeição da graça e do próprio Cristo. No entanto, a bênção prometida é muito melhor e maior, é ser salvo, não por aquilo que fi zermos, mas por aquilo que Deus fez por nós.

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Somos chamados por Deus a perseverar fi rmes na graça e no amor – não que isso venha de nós. Essa é uma obra de Deus em mim, meu trabalho é não rejeitar a graça e nem a fé e me dispor a ser um instrumento em suas mãos, porque como disse o profeta Jeremias, “essa palavra arde dentro de mim,” e o apóstolo Paulo “ai de mim se não pregar o Evangelho”, ou ainda como testemunharam Pedro e João diante do Sinédrio, após serem presos por causa do anuncio do Evangelho: “Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus; pois não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.19,20). Creio que essa é a linha que perpassa as leituras e que nos desafi a e anima para o trabalho no Reino de Deus. Diante disso, proponho como tema e partes o seguinte:

Tema: O Senhor nos mantém fi rmes na fé e por isso somos salvos!

Introdução

I – O Espírito Santo nos chamou pelo evangelho.1. A minha impossibilidade: não posso passar a crer!

a. Éramos inimigos de Deus.b. Estávamos afastados dEle.

2. Para Deus tudo é possível – Ele me faz crer.3. Ele me chama pelo evangelho. 4. Na fé somos aceitos, salvos e perdoados e recebemos da parte

de Deus as vestes da justiça. II – O Espírito Santo nos iluminou com os seus dons.

Somos enviados!Não posso deixar de falar!Ai de mim se não pregar!Compartilhamos o que temos de mais caro.

III – O Espírito Santo nos santifi cou e conservou na fé verdadeira.Completamente perdoados, salvos, redimidos.Firmados na graça.Nada pode nos afastar do seu amor.Se Deus é por nós, quem será contra nós?O maior presente de todos.

Capacitados por Deus, vivemos nova vida.

Rubens OggSão Leopoldo/RS

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TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

29 de junho de 2014Salmo 119.153-160; Jeremias 28.5-9; Romanos 7.1-13;

Mateus 10.34-42

LEITURAS

Salmo 119.153-160: Uma alusão ao comprometimento com a Palavra acima de qualquer coisa. Percebe-se a disponibilidade de estar com Deus a qualquer preço; a fi delidade está acima das ameaças impostas pelos que não estão com Deus: “Tenho inimigos porque não deixo de seguir teus ensinamentos, porém não deixo de te obedecer” (v.157).

Jeremias 28.5-9: Jeremias se vê diante da falsidade do profeta Hana-nias e manifesta-se no sentido de que verdadeira paz será encontrada como resultado da fi delidade. Hananias fala sobre a paz e bênção incondicionais. Jeremias alerta que guerras, males e confl itos fazem parte da caminhada do povo de Deus. O comportamento do povo traz tais desgraças.

Romanos 7.1-13: As notas de Martinho Lutero (Bíblia Sagrada com Refl exões de Lutero) são importantes para o reconhecimento do texto no contexto do evangelho proposto. “Paulo mostra como o Espírito e a carne lutam um contra o outro na pessoa. Apresenta a si mesmo como exemplo para que aprendamos a reconhecer bem a obra (matar o pecado em nós mesmos). Mas a ambos ele chama de lei, tanto o Espírito como a carne, e isto pela seguinte razão: assim como a lei divina tem a característica de impelir e exigir, assim também a carne impele, exige e se agita com violência contra o Espírito e quer satisfazer seu desejo. Por outro lado, o Espírito investe contra a carne e procura satisfazer a sua vontade. Essa luta perdura dentro de nós enquanto vivemos, nuns mais, noutros menos, dependendo do que é mais forte, o Espírito ou a carne. E, mesmo assim, a pessoa inteira é ela mesma ambas as coisas, Espírito e carne, lutando, portanto, consigo mesma, até que fi que inteiramente espiritual.”

Mateus 10.34-42: Este capítulo, em especial os versículos 32 a 36, projetam uma nota de urgência em relação à mensagem de Cristo. Há um destaque na situação e nos resultados. A mensagem de Cristo é eterna na sua duração e nos seus propósitos e é dogmática quanto aos seus caráteres único e insubstituível da pessoa de Cristo. Estar com Cristo vai

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além de qualquer outro compromisso ou comprometimento. O cristão precisa estar consciente desta urgência e não se dispor a abrir mão desta condição de discípulo sob qualquer outro pretexto.

V. 34: “não vim trazer paz”. Aqui há uma alusão específi ca no sentido do comodismo e ausência de confl itos. Enquanto o mundo não estiver em comunhão plena com Deus, sempre haverá confl ito entre o sagrado e o secular. A verdadeira paz de espírito está na comunhão plena com Deus (Jo 14.27).

V. 35: A vinda de Cristo prefi gura contendas até mesmo em famílias. Ainda que a vinda de Cristo traga paz ao coração (11.29), abraçar o evan-gelho também torna a vida mais difícil em alguns aspectos. Jesus exige fi delidade que tem prioridade sobre os laços naturais de vida familiar.

V. 37: Não é necessário abandonar a família para seguir a Cristo, mas se ela simboliza um empecilho para servir a Cristo livremente, então servi-lo deve ter caráter preeminente.

V. 38: Tomar a cruz não se trata de procurar sofrimento, mas de en-frentar consequências desta decisão, mesmo que seja o sofrimento (Gl 2.20). O cristão tem esta resignação e não abandona a Cristo movido por pressões ou sofrimentos impostos pelos que não o compreendem na fé. Obediência e identifi cação com Cristo vão além de cumprir algumas obrigações.

V. 39: A busca de vantagens da vida terrena coloca em risco a vida concedida por Cristo (2Co 5.17).

Vv. 40-42: Jesus aponta para recompensas a todo e qualquer esforço que o cristão fi zer em favor do Reino de Deus (1Co 15.58; Gl 6.9; Mt 25.35-36).

Mateus 10: Jesus chama seus discípulos e discursa sobre a sua mis-são destacando os seguintes pontos: instrução; admoestação; estímulo; difi culdades e recompensas.

Nosso texto: difi culdades e recompensas.

As difi culdades A vida cristã não é de paz terrena, pois sempre existem perturbações

e confl itos. Temos em nosso coração o pecado que nos leva a promover perturbações e confl itos. Muitas vezes nós somos os próprios agentes do desconforto que nos cerca. Por causa das nossas imperfeições, temos difi -culdades em nossos relacionamentos. Deus nos dá meios para alcançarmos uma paz diferente, a paz de estar em comunhão com ele.

O discípulo de Jesus será incompreendido sempre que ele quiser imitar a Jesus na confi ança, na oração, no perdão, na compreensão e no amor. Sempre que combater o erro, o orgulho discriminatório, a soberba, o

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TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

egoísmo, o indiferentismo ou o desinteresse, terá a incompreensão como resultado. Estas são difi culdades reais que o cristão enfrenta. Neste sentido podemos compreender a frase de Jesus: “não vim trazer paz”.

O verdadeiro discípulo consagrado muitas vezes estará sendo vítima da incompreensão dos outros. As pessoas se dividirão em torno da mensagem de Cristo. Até mesmo em família isto poderá acontecer. Na comunidade de fé poderá haver confl itos por causa de Cristo. O fato de Cristo estar no coração do cristão não garante a ele que este estará sempre em paz com todos. A presença de Cristo na vida do cristão poderá levá-lo a fazer coisas que o desaprovem diante daqueles que estão descomprometidos com o evangelho. Assim, maridos e esposas, pais e fi lhos podem enfrentar confl itos. Na família da fé isto pode ser mais recorrente; é comum per-cebermos confl itos nas comunidades a ponto de levá-las a dissidências, mesmo sendo todos cristãos (bem intencionados). As difi culdades podem se estender a todas as áreas do relacionamento, trabalho, escola, namoro e amizades. Permanecer com Cristo pode signifi car fi car sozinho.

As recompensas“Quem abre mão da sua vida por mim – achará a vida.” Aquele que

opta por comprometer-se com o evangelho como mensageiro dele terá sua recompensa do próprio Cristo. Serão abençoados não por merecimento, mas, por dádiva de Deus, receberão o galardão.

A maior recompensa é ter vida plena e abençoada em Cristo – paz, perdão e salvação são a recompensa dos seguidores fi éis. As recompen-sas não são terrenas para motivar interesses terrenos; o desafi o é servir e comprometer-se com o evangelho movido pela fé. Pela fé servir. Pela fé resistir. Pela fé continuar. Pela fé receber a recompensa: vida eterna e salvação.

Alcione EidamCachoeirinha/RS

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QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

6 de julho de 2014Salmo 145.1-14; Zacarias 9.9-12; Romanos 7.14-25a;

Mateus 11.25-30

COMENTÁRIOS SOBRE MATEUS 11.25-30

No evangelho do Terceiro Domingo após Pentecostes (Mt 11.25-30), temos um gracioso convite para todos os pecadores. Ao falar sobre o v. 28 de Mateus, Lutero assim se expressa: “Vê, assim tu podes encarar o teu pecado com segurança, fora da tua consciência. Vê, aí pecados não são mais pecados. Estão vencidos e devorados em Cristo. Pois assim como ele toma sobre si a tua morte e a afoga, para que ela não mais te faça mal, se crês que ele faz isso por ti e se vês a tua morte nele, não em ti mesmo, da mesma maneira ele também toma sobre si os teus pecados e os vence para ti em sua justiça e pura graça. Se creres nisso, eles não mais te farão mal. Assim Cristo, a imagem da vida e da graça, é nosso consolo contra a imagem da morte e do pecado”. Ao longo dos séculos este é um dos versículos mais queridos do Novo Testamento.

No v. 27 Jesus revela que tem um relacionamento único e incomparável com o Pai. E por ter um relacionamento assim, sem mediações, ele tem toda a autoridade para revelar o amor de Deus. Saber quem é o Filho inclui saber por que ele veio ao mundo. O relacionamento entre o Pai e o Filho é único e não tem igual.

O legalismo judaico colocava um pesado fardo de leis e obrigações sobre as pessoas. Jesus cumpriu perfeitamente os rigores da lei em nos-so lugar. Agora que estamos unidos a Jesus pela fé, ele tem conosco um relacionamento aberto, livre e leal, conforme podemos observar no v. 30. Levar uma carga signifi ca estar unido a outro para um trabalho em conjunto. Quando estamos unidos a Cristo, a nossa vida e a nossa von-tade estão submetidas à vontade de Deus e, então, com a força que ele nos dá, vencemos as tentações da carne e encontramos descanso para a nossa alma.

DESTAQUES NOS OUTROS TEXTOS DA PERÍCOPE

Salmo 145.1-14: Deus abençoa os seus fi lhos. A primeira ação de Deus para com Adão e Eva foi abençoá-los. Quando nascem nossas crian-ças, nós as levamos ao batismo para receber bênçãos de Deus (perdão, vida e salvação). Nos tempos do Antigo Testamento, as pessoas ajoelhavam-se

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para receber palavras de bênção. Assim também hoje há ocasiões em que nos ajoelhamos para sermos abençoados. As pessoas abençoadas louvam a Deus. O v. 4 enfatiza a importância de se passar adiante o louvor a Deus de uma geração para outra. O louvor deve ser ensinado aos nossos fi lhos. Deus quer o louvor das crianças no culto. Quando Jesus diz: “Vinde a mim”, está pensando também nas crianças. Costumo dizer que o choro de uma criança no colo da mãe, no culto, é música que agrada a Deus. Por isso, não deixar os fi lhos em casa, pensando que eles incomodam. Não devemos pensar que as crianças vão crescer e desejar a Deus. Tudo o que possuímos de bênção poderá perder-se em uma geração, cujos fi lhos não são ensinados a fazer o mesmo.

Zacarias 9.9-12: Esta profecia, escrita há cerca de 400-500 anos antes, cumpriu-se com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Vemos nesse texto como os caminhos do Senhor são diferentes dos caminhos humanos. Os seres humanos esperavam um rei conquistador, altivo e exaltado, para livrar Jerusalém da escravidão, com um exército de homens poderosos. Mas viram um homem chamado Jesus, humilde, montado num jumentinho e acompanhado por um grupo de pessoas alegres. Esse homem de aparência humilde é também verdadeiro Deus. Uma semana depois, morrendo numa cruz e derramando o seu próprio sangue, ven-ceu a maior de todas as batalhas, contra o pecado, a morte e o poder do diabo. Ele convida a ir a ele todos nós, que também sofremos ameaças de escravidão, com as frequentes quedas em pecado, com os pavores da morte e com as tentações de Satanás. Quando Jesus voltar novamente, receberá todos os que nele creem na Jerusalém Celestial, estabelecendo o reino que não terá fi m.

Romanos 7.14-25a: Nesse texto o apóstolo Paulo relata sua própria experiência de fariseu cumpridor da lei para dizer que a lei não pode libertar ninguém que está lutando contra o pecado. Paulo também mostra que na vida cristã diária acontece uma luta diária entre a antiga e a nova natureza, mas há um caminho para a vitória: Cristo nos liberta para vivermos no poder do Espírito Santo. Mas, mesmo vivendo em Cristo, somos diaria-mente tentados e frequentemente caímos em pecado. Essa luta cessará somente quando Deus abrir para nós as portas do Paraíso.

SUGESTÃO DE ESBOÇO HOMILÉTICO

IntroduçãoUm dos maiores obstáculos que uma pessoa enfrenta, quando começa

a perceber, através da ação do Espírito Santo, que ela é pecadora, é a

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oposição da sua carne ao ensino da Escritura dizendo que ela nada pode fazer para salvar-se do julgamento e da ira de Deus. O orgulho e a carne pecaminosa nos tentam a perguntar: Tem alguma coisa que eu possa fazer para contribuir na salvação da minha alma? Não existe nada de bom em mim? Sou realmente pior do que outras pessoas que eu conheço? Não deveria conseguir algum crédito pelas coisas boas que faço? Tendo em vista essas tentações, o nosso texto nos convida a meditar nas promessas de perdão e descanso que Jesus faz.

Esboço do Sermão

O PERDÃO E O DESCANSO EM CRISTO

I. O ser humano tem muita difi culdade de aceitar que é um pecador e completamente incapaz para resolver seu problema com Deus.1. Acha difícil aceitar que todos nascem em pecado e são espiritu-

almente cegos, mortos e inimigos de Deus (Ef 2.1-3; João 3.7; Rm 8.7).

2. Acha difícil aceitar que nada pode cooperar com suas ações para merecer o perdão de Deus, mesmo que a velha natureza goste de ser cobrada legalisticamente (1Co 2.14).

II. Também os que creem em Cristo continuam na condição de serem ao mesmo tempo justos e pecadores.1. O orgulho humano continua a corroer a convicção dos crentes de

que somente Jesus Cristo é a base e a fonte de vida espiritual e salvação.

2. A velha natureza dos que creem gostaria de levá-los a pensar que as observâncias de ritos e cerimônias, ou atos de serviço e simpatia para com os semelhantes, de alguma forma deveriam ser adicionados ao que Jesus Cristo fez por nós.

III. Nesse contexto precisamos ouvir as palavras e promessas de Jesus.A. Jesus nos convida diariamente com as palavras: “Vinde a mim”.

O Homem-Deus, Jesus Cristo, lembra-nos que ele fez o paga-mento total e fi nal por todos os nossos pecados.

B. Jesus nos assegura: “Eu lhes darei descanso”. Nosso Senhor nos lembra que ele pagou o preço total pela nossa culpa diante de Deus e triunfou sobre o pecado, a morte e os poderes do mal. Jesus nos oferece descanso e refrigério como fez ao paralítico: “Tem bom ânimo, meu fi lho; estão perdoados os teus pecados”

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(Mt 9.2). Ele continua a oferecer-nos sua garantia pessoal de perdão completo através da Palavra e sacramentos. Suas pa-lavras também apontam para o descanso que já temos aqui na Igreja Militante, mas que será pleno e perfeito quando ele nos buscar para a Igreja Triunfante – o Lar Celestial.

C. Jesus promete: “Meu jugo é suave e meu fardo é leve”. Nosso Redentor levou sobre si a completa ira de Deus em nosso lugar. Pela fé em Cristo somos libertos da maldição da lei. O seguidor do Senhor Jesus é reanimado através do evangelho e acha des-canso na certeza do completo perdão de seus pecados. Somos livres para servir a Deus com alegria e boa vontade.

D. Jesus encoraja seus discípulos dizendo: “Aprendam de Mim”. A liberdade cristã não é uma licença para viver como agrada ao homem, mas viver como agrada a Deus. Num espírito de liberdade cristã e de alegria, o crente em Cristo aceita o pri-vilégio e a responsabilidade de ser um fi lho obediente ao Pai celestial.1. Ele tenta aprender tudo aquilo que o próprio Jesus mesmo en-

sinou, conforme está registrado nas Escrituras Sagradas.2. Ele tenta testemunhar seu Deus e Salvador por palavras e

ações.3. Ele traz a mensagem deste texto e passagens semelhantes

das Escrituras para aqueles que estão fi sicamente e/ou espiritualmente doentes.

Conclusão: No templo da Congregação Jesus Salvador, de Butiá, RS, há uma bonita ilustração para o versículo “Vinde a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu os aliviarei.” Há o versículo escrito na parede do templo à esquerda da cruz e, na sequência, a fi gura de uma pessoa carregando um pesado fardo. Bem próximo à cruz há outra fi gura dessa mesma pessoa que, não aguentado mais o peso do fardo, o coloca no chão, aos pés da cruz de Cristo. Na sequência, à direita da cruz, o ser humano caminha descansado e aliviado com o gracioso perdão. Esse quadro ilustra muito bem o que Jesus signifi ca para mim e para cada pe-cador. E por isso louvo a Deus dizendo: “Grato sou por tanto amor, meu bendito Redentor”. Amém

Obs.: Esboço homilético traduzido e adaptado do CTQ.

Arnildo SchneiderTramandaí/RS

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QUINTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

13 de julho de 2014Salmo 65.(1-8) 9-13; Isaías 55.10-13; Romanos 8.12-17 (22-27);

Mateus 13.1-9, 18-23

CONTEXTO/ILUSTRAÇÃO

Jesus observava a natureza junto ao Mar da Galileia: apontou os cam-pos fl oridos, multicores, e disse: “Vejam como crescem as fl ores do campo: elas não trabalham, nem fazem roupas para si mesmas...” (6.28-30). E, acrescentamos: nem precisam ser semeadas!

Em compaixão pelo povo, viu a seara e disse: “A colheita é grande mesmo, mas os trabalhadores são poucos. Peçam ao dono... que mande mais trabalhadores” (9.37,38).

Aqui vê campos cheios de trigo verdejante, e diz: “Escutem! Certo ho-mem saiu para semear.” – Diferente de fl ores, o trigo carece ser cuidado: semeado, colhido, armazenado.

Fala da mais especial semente: a mensagem do Reino (a Palavra de Deus: Lc 8.11)! É semente espiritual, viva, vivifi cante! Por ela Jesus dá origem ao Reino, cria a igreja cristã.

Pedro diz: “Fostes regenerados de semente incorruptível, mediante a pala-vra de Deus, a qual vive e é permanente. Toda carne é como a erva; a palavra do Senhor, porém, permanece eternamente.” (1 Pe 1.23,24 – ARA; cf Is 40.6-9).

A semente é especial! Jesus é o semeador por excelência (v. 37)! Seus discípulos o são, sob ele e à sua semelhança (10.5ss.)! Com e como o Senhor somos incansáveis semeadores da justiça e da paz (Is 52.7; Os 10.12; Zc 8.12; 9.10; Mt 10.11-13; At 10.36; Ef 2.17). – Por isso essa parábola é tão importante; e a sua igreja precisa refl etir sobre ela.

CONTEXTUALIZAÇÃO (PARALELOS, PONTOS DE CONTATO)

A parábola do semeador não faz análise estatístico-percentual da efi -cácia da semente. Jesus deixa claro que a palavra de Deus aparenta ser indefesa, frágil, daí a possibilidade de não frutifi car. Tal como é o Messias/Servo que ela proclama. E, que o Reino se mantém escondido na vida comum das pessoas.

Jesus usa parábolas para dar aos discípulos visão mais ampla, clara e perspicaz dele e do Reino cuja grandeza e preciosidade ímpares estão presentes em Cristo. É o olhar penetrante que percebe sua presença; uma compreensão profunda do seu agir paradoxal.

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REFLEXÃO – APLICAÇÃO

A Palavra é semente porque Jesus também é semente (Jo 12.23,24)! O Reino de Deus está presente em Cristo; a Palavra é o seu sinal e o meio pela qual Cristo o implanta.

Como o fermento é oculto na farinha para produzir efeito (v. 33), a semente o é na terra, e a palavra de Deus na vida da pessoa! Quando a semente não penetra no solo, como no chão batido da beira do caminho; ou quando o solo é ralo, como entre as pedras, ou cheio de inço, como na terra não lavrada, é certo que não produzirá frutos!

Logo, o problema não é a qualidade e efi cácia da semente, mas a natureza da terra em que é semeada! A palavra de Deus só encontra no coração/natureza humanos lugar totalmente impróprio para frutifi car. Pois até a terra é maldita por causa do homem (Gn 3.17b).

A sentença é contra, condena o solo (o ouvinte); e não há como escapar dela, enquanto há improdutividade/rejeição! A menos que o próprio Deus o transforme em solo fértil pela ação do Espírito Santo através da mesma Palavra! Por isso, a pregação da boa nova é precedida pela mensagem de João Batista, que Jesus repete literalmente: “Arrependam-se dos seus pecados porque o Reino de Deus está perto” (Mt 3.2; 4.17).*

O que os ouvintes pensaram da semeadura e sua relação com o Reino de Deus? Para os judeus, rica colheita seria Israel produzir muitos frutos da obediência à lei. – Vê-se aí por que não entenderam qual é a semente, quem o semeador, e os solos improdutivos!

Os discípulos não permanecem na ignorância, preconceito e endu-recimento de coração (vv. 12-15a); e temos o benefício da explicação! Aceitam seu desafi o: pedi-la a Jesus! E ouviram: por se “voltarem para Deus e serem curados... são felizes seus olhos e ouvidos” (vv.15,16). O entender parábolas (Mc 4.13), em essência, requer crer em Jesus, Se-meador divino, e em sua Palavra, a semente do Reino. E, que o solo seja preparado! (* acima)

Os fatores da não frutifi cação são muitos: dureza de coração, ação do diabo (vv. 4,19,25), angústia, perseguição, escândalo, abandono da fé (vv. 5,20,21), cuidados e fascinação do mundo (vv. 7,22). Todos estão ligados à atitude dos ouvintes de então e de hoje. A reação de muitos deles foi/é a comprovação da verdade exposta na parábola!

Mesmo a terra boa não dá frutos na mesma medida, mas conforme apraz ao Espírito. (Gl 3.2,14b; 6.8,9; Hb 2.4; 1Co 12.7-14; Ef 4.7,11-13). Fica claro que não se trata de algo defi nitivo (predestinação) ou de traço de caráter/temperamento; mas de disposição momentânea do coração.

O evangelho é proclamado para ser apropriado/recebido em ar-rependimento e fé, pelo dom da submissão. Porém, ao ser rejeitado

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com voluntária incredulidade e obstinação, é ouvido como repreensão/condenação.

A rejeição da Palavra a torna uma acusação! A culpa e a consequência se medem na grandeza do que é rejeitado: o Reino de Deus, tudo o que realiza para a salvação da pessoa. Traz um juízo aqui e agora, misterioso e temível, mais terrível que o eterno, por ser imperceptível, silencioso, inexorável (2 Co 2.14-16a; Mt 10.25-30; 12.43-45; 13.10-17).

Mas não é um decreto fi nal! A oportunidade de ouvir o evangelho não é removida; só muda de forma: aparece em parábolas! (13.13). Elas não são obscuras, difíceis, distantes da realidade; mas, concretas, assimiláveis, realistas, relevantes à experiência humana.

Só confundem, endurecem o coração humano que se recusa a en-tendê-las a partir da chave do correto entendimento: Jesus Cristo! Aí a ação dele em suas vidas não é entendida na fi gura do semeador e sua semente. A oposição a Cristo é a maior evidência do quanto ele está ativo, é efi ciente no confrontar os homens com a boa nova. [parábolas (* abaixo)]

Esta (e as outras) parábola faz os discípulos serem sensatos, pruden-tes, moderados, cientes que a graça de Deus e a fé que a ela responde têm de ser tratadas com santo temor e tremor (Fp 2.12b). Não sem razão Jesus lhes diz três vezes: “quem tem ouvidos, ouça” (11.15; 13.9,43). E os consola! (vv. 16,17).

A parábola mostra como o Reino é vulnerável a fatores externos: pássaros devoram a semente (a ação do diabo); e, quando a planta germina, o sol a queima e os espinhos a sufocam (angústia, persegui-ção, escândalo, cuidados e fascinação do mundo). E a fatores pessoais: dureza de coração, abandono da fé, amor ao mundo.

O solo à beira do caminho é a atitude de, sem qualquer refl exão/cuidado, repudiar a palavra. É estar constantemente dominado pelo mal e endurecer o coração. Entre essas está a atitude dos fariseus de todos os tempos em sua justiça própria.

O pedregoso é o fanatismo entusiasta que se move pela mera emoção, sentimentalista e superfi cial; é agir sob o efeito da primeira impressão, comover-se até às lágrimas e tomar boas decisões sem medir o tamanho de sua carência. O coração não foi compungido/quebrantado, por isso recaem na incredulidade; quando o reter a palavra revela o custo do servir/obedecer ou vem o momento da provação, a nova vida falece.

O espinhoso é ter anseio pela salvação, mas, ao mesmo tempo, ter mente materialista/terrena; o coração almeja o celestial/eterno, mas agarra-se ao que é terreno (19.16,20-22). Quando suas expectativas de ter na fé cristã só prazer falham, pois percebe que é preciso renunciar e sofrer, se afastam, caem da graça de Deus.

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A terra boa é ter o coração arado/preparado pela palavra de Deus para a semente do evangelho produzir abundante fruto. O menor resultado (30 x 1) é surpreendente, o maior, extraordinário! É tomar a palavra de Deus a sério, como fator decisivo em sua vida. São dons, fi delidade, condições de vida. É ser semeador incansável desta semente e, apesar das difi culdades, perseverar na realização do Reino; é, como fez Jesus, esperar, confi ar e semear/agir (Gl 6.9,10). ,

PROPOSTA

A semente do evangelho faz de nós a lavoura de Deus (1 Co 3.9b).O arado (a lei) rasga a terra (sua vida); a chuva (o evangelho), que

Deus manda, a rega e fertiliza; a semente (a Palavra) nela plantada, cresce e frutifi ca. Estas são fi guras da palavra de Deus. “E vocês”, diz Paulo, “são o terreno no qual Deus faz o seu trabalho”.

1. Por natureza sua vida só pode ser terra à beira do caminho, solo pedregoso ou eivado de erva daninha (explicar o que cada terreno signifi ca e aplicar à situação das pessoas).

2. Pela graça de Deus e a ação do Espírito Santo através da palavra de Deus ela se torna solo fértil que produz a trinta, sessenta e cento por um (explicar o que isto signifi ca e aplicar à vida cristã).

Breno C. ThoméPorto Alegre/RS

[email protected]

[Apêndice – 1. O uso de parábolas; 2. (A) Por quê? (B) Para que Jesus as usou?

1. É a primeira, na primeira (Mt 13; Mc 4; Lc 8) de três séries de parábolas (2ª: Lc 10.25-16.31; 18.1ss.; 3ª: Mt 18. 20-22, 24,25; Lc 19). Daí Jesus explicar aqui o uso delas! As sete dividem-se em dois grupos: os ouvintes são o povo (4), os discípulos (3); o Reino é semeado e cresce no coração das pessoas (3), se desenvolve no mundo (4).

“A parábola é tanto graça da revelação como juízo diante da obstinação.” “É modelo característico de toda a revelação de Deus” (Rm 11.33). Elas mostram que do reino de Deus se esconde em enganosa simplicidade. “A suprema parábola de Deus... é a cruz onde a divindade é tanto encoberta na encar-nação como totalmente revelada no esplendor do amor que em

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muito supera o mais alto alcance do amor humano, de modo que os homens só podem nomeá-lo como divino, crer nele e adorá-lo” (M. Franzmann, p. 113).

Elas revelam o confl ito e consequente agonia devido à contra-dição a Cristo e à sua palavra. Mas “a igreja não pode evitar o confl ito, se é a igreja de Cristo... os homens devem assumir a agonia do confl ito e o choque da controvérsia, se são de Cristo” (Franzmann, p. 118). Mas observo que a causa é o evangelho, mais que a lei! (* acima)

Relutamos em lidar com confl ito como Jesus, isto é, perseverar no ensino do evangelho mudando seu modo de apresentação para torná-lo mais questionador, provocativo. E, não logo, apelar para a lei! Talvez seja esta a razão de uma visão ape-quenada de Cristo e do Reino de Deus.

2. (A) Marcam nova fase de seu ministério; se deve à diabólica oposição dos adversários e aos errôneos/divergentes interes-ses do povo ao procurá-lo. São sua resposta à reação de seus inimigos e do povo a seu ensino, obras e pessoa. Disto trata esta primeira.

(B) Para falar de verdades fundamentais do Reino de Deus: como é implantado, se desenvolve, de sua realidade, de seu valor e como é reafi rmado, vindicado. Por isso, servem para advertir, instigar, exortar, ensinar e educar (Mc 4.11; 2 Tm 3.14)].

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SEXTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

20 de julho de 2014Mateus 13.24-30,36-43

CENÁRIO HISTÓRICO

O Evangelho conforme Mateus retrata os círculos de pessoas que rodeavam Jesus. Muito próximos a ele estavam os Doze (hói dodeka), seguidos pelos discípulos (matetái) e em um círculo mais amplo, as multidões (oxlói). Entre estes círculos faz-se notar também a presença do opositor, os líderes judeus, cuja relação com Jesus fi ca mais con-turbada à medida que o texto avança. Na interação com estes círculos de pessoas, Jesus usa diversas linguagens. A que atinge as multidões certamente é a linguagem dos milagres. Porém, Jesus não quer ser confundido com um mágico ou milagreiro. A ele interessa “publicar coi-sas ocultas desde a criação do mundo” (13.35). De fato, as parábolas “faziam separação entre os que vinham apenas ver os milagres e os seguidores sérios que realmente queriam entender o ensinamento de Jesus”. (Manual Bíblico SBB, p. 562). Jesus demonstra que sua pre-sença signifi ca muito mais do que um lenitivo diante de problemas do dia a dia (doenças, fome, etc.). Ele traz consigo a realidade do Reino. Deste Reino ele fala por meio de parábolas. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça (13.9).

CENÁRIO LITÚRGICO

O tempo de Pentecostes lembra a caminhada da Igreja sob a cruz, em fé e esperança pelo que há de vir. Os cristãos já vivem a realidade do Reino, mas aguardam ansiosamente pela sua plenitude na vinda de Cristo. Nesta vida, o bem e o mal se misturam. Cristãos e não cristãos convivem e se relacionam. A caminhada da Igreja acontece no mundo e ela não deve fugir disso. No entanto, os fi lhos de Deus mantêm os seus olhos fi xos naquele Dia quando Deus separará o seu povo e os “justos resplandecerão como o sol” (13.43).

ANÁLISE DO TEXTO

V. 24: “O reino dos Céus é semelhante” – Esta expressão introduz seis das sete parábolas registradas em Mateus 13, demonstrando a intenção de Jesus com elas.

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V. 25: “joio, no meio do trigo” – Esta parábola não se refere a des-crentes na igreja visível. O campo é o mundo (v. 38). Assim, pessoas do Reino convivem no mundo lado a lado com pessoas do maligno (Concordia Self-Study Bible, p.1468).

PROPOSTA HOMILÉTICA

Moléstia: A tentação de confundir o Reino de Deus com um reino político neste mundo, perseguindo e afastando os maus e tentando esta-belecer algo como a “Cidade de Deus”. Ou incentivando a vida monacal e o “retirar-se” do mundo.

Meio: A certeza, pela fé, de que chegará o dia em que Deus mesmo irá separar o seu povo dos maus. Enquanto este dia não chega, ele nos dará forças para caminhar sob a cruz, no serviço e testemunho ao próximo.

Objetivo: Demonstrar ao povo de Deus que estamos no mundo e neste mundo somos sal e luz. Não nos compete julgar e condenar, mas testemunhar do amor de Deus em Cristo.

Tema: Estamos no mundo, mas dele não somos!

Esboço: I – Estamos no mundo... vivendo a realidade do Reino

• Crescendo, regados e alimentados pela Palavra • Entre os maus, entregando a eles a mensagem da vida (Fp

2.15,16)

II – Mas dele não somos: esperamos com fé pela vinda de Cristo• Que separará os crentes dos ímpios• Fará os justos resplandecerem como o sol (v. 43)

Fernando E. GarskeNovo Hamburgo/RS

[email protected]

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SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

27 de julho de 2014Salmo 125; Deuteronômios 7.6-9; Romanos 8.28-39;

Mateus 13.44-52

LEITURAS

Salmo 125: Se pudéssemos defi nir este salmo com apenas uma palavra, esta com certeza seria: segurança. Deus dá segurança ao povo que confi a nele (v.1). Sião, rodeada por colinas, é uma imagem da pro-teção que Deus dá ao seu povo.

Este salmo faz parte de uma sequência (120-134) chamada de “Cântico Gradual” ou “Das Subidas”. Esse título se deve ao fato de que esses salmos eram cantados pelos peregrinos que subiam a Jerusalém. Estes peregrinos que subiam até Jerusalém, principalmente nas três festas anuais (festa dos pães sem fermento, festa da colheita, festa das barracas), cantavam o amor e a fi delidade de Deus.

Deuteronômio 7.6-9: Antes de entrarem na terra prometida, Moisés fala para o povo sobre a maneira como Deus quer que ele viva neste novo lugar. Moisés deixa claro que foi o próprio Deus quem os amou e os escolheu. Ele não fez isso pelo povo ser numeroso ou por qualquer outro atributo do povo, mas ele fez isso unicamente por seu amor e por sua fi delidade. Ele cumpriu a promessa feita aos nossos antepassados.

Este texto mostra o amor incondicional de Deus para com seu povo. Deus mostra o seu amor a um povo que foi desobediente, idólatra, e que cometeu muitos outros pecados contra ele. Mesmo assim Deus diz ao povo: Eu os amo, eu os escolhi! Como é maravilhoso saber que temos um Deus que nos ama incondicionalmente e que, apesar do nosso pecado, nos oferece a Terra Prometida para habitarmos eternamente.

Mateus 13.44-52: O texto do evangelho se encontra dentro de uma série de parábolas onde Jesus retrata de várias formas o Reino de Deus: a semente de mostarda, o fermento, o tesouro escondido, a pérola e, por fi m, a parábola da rede. Dentro de nossa perícope encontram-se as parábolas do tesouro escondido, a da pérola e a da rede. Nelas, Jesus fala sobre a preciosidade do reino de Deus e também sobre o juízo fi nal.

O ponto central das duas primeiras parábolas é que o reino de Deus ultrapassa qualquer valor. Fazer parte do reino de Deus é estar seguro

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de que nada pode nos afastar desse amor. Aqueles homens que acharam o tesouro e a pérola estavam tão certos do valor dos achados que não se importaram de se desfazer de tudo o que tinham para fi car com eles. Fazer parte do reino de Deus é realmente precioso!

TEXTO PARA MENSAGEM: ROMANOS 8.28-39

Contexto históricoA carta de Paulo aos Romanos foi escrita entre os anos 56 e 57 d.C.,

quando ele terminava as suas viagens missionárias. O lugar onde provavel-mente ela foi escrita é a cidade de Corinto. Em suas viagens missionárias, Paulo não vai até Roma, portanto ele escreve a carta sem conhecer aquele povo e aquela terra. Somente depois, quando já está preso, é que Paulo enfi m é levado a Roma.

Na carta, Paulo elogia a fé e o empenho daquela igreja e também aproveita a oportunidade para alertá-los sobre os perigos do pecado e da imoralidade visíveis em Roma. Mas o principal motivo que levou Paulo a escrever a epístola é deixar claro que a salvação que recebemos de Deus é um dom gratuito. Por meio da fé em Cristo, tanto judeus como não-judeus recebem a salvação.

A perícopeEm nosso texto, Paulo mostra o evangelho de forma simples e concre-

ta aos romanos. O texto nos deixa claro que é Deus quem nos chama, separa, aceita, e também reparte a sua glória conosco (v.30 NTLH). Ou seja, o ser humano é totalmente passivo na obra divina.

Nisso Deus mostra a sua fi delidade. A mesma fi delidade demonstrada lá no Antigo Testamento (Dt 7.6-9) se mostra presente na vida dos ro-manos. A promessa e a aliança que Deus faz com seu povo não pode ser apagada, nem mesmo pelo pecado. Por esse motivo podemos dizer como Paulo: se Deus é por nós, quem será contra nós? (v.31); quem poderá nos acusar? (v.33); e ainda: quem poderá nos condenar? (v.34).

Tendo em vista todas estas perguntas e olhando para trás, para todo o Pentateuco, passando pelos profetas e chegando ao evangelho, só pode-mos dizer que realmente NADA pode nos separar do amor de Deus. Nem sofrimentos, difi culdades, perseguição, fome, pobreza, perigo, morte, vida, anjos (maus), autoridades ou poderes celestiais, o presente, o futuro ou o mundo lá de baixo. Podemos perceber que Paulo cita de uma forma geral tudo o que existe neste mundo, no céu e no inferno. E mesmo após tudo isso, ele diz: NADA pode nos separar do amor de Deus.

Nós não podemos conquistá-lo com nossos méritos. Deus deu isso a cada um de nós através de Cristo, e é por essa razão que Paulo deixa

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tão enfatizado que não há nada que possa nos separar desta salvação e deste amor que são nossos por meio de Cristo.

A segurança que aqueles peregrinos tiveram ao ver os montes de Sião, subindo até Jerusalém, o cristão hoje pode ter.

ENCAMINHAMENTO HOMILÉTICO

A igreja de hoje é a destinatária dessa carta de Paulo. Assim como a igreja de Roma vivia em pecado, assim também nós vivemos. Estamos dentro do simul iustus et peccator do qual Lutero fala. E é para esta igreja, justa e pecadora, que Paulo encaminha sua carta.

Um grande tema teológico abordado neste texto é a eleição divina. Afi nal de contas, quem Deus escolheu? É importante deixarmos explícito para os nossos ouvintes que a escolha divina se estende a todos! Mas, então, por que nem todos serão salvos? Eis a aí a grande crux theologorum que todos temos que carregar. Diante disso, poderíamos cruzar nossos braços e apenas esperar! Mas vejo que aí há um grande incentivo à evangelização. Todos devem saber sobre a obra redentora de Cristo em nosso favor.

Lei e evangelhoEm um texto onde o evangelho está tão explícito como este, podemos

nos perguntar: onde está a lei? A lei é encontrada em várias perspectivas, mas vejo que podemos encontrá-la dentro da perspectiva de que nós so-mos aquele povo romano que, por sua vez, precisa ser alertado contra os perigos do mundo e da nossa própria carne (7.7-9). Nós vivemos a cada dia uma luta contra o pecado.

O evangelho se encontra de forma escancarada no decorrer de todo o texto, mostrando que não há realmente nada que possa nos separar do amor que Deus nos deu através de Cristo. O apóstolo Paulo mostra de uma forma surpreendente que aquilo que Cristo conquistou é meu. Aquele tesouro inestimável, do qual Jesus fala no evangelho, me per-tence. E não há nada, nem no céu, nem na terra, nem no inferno, em lugar nenhum, não há nada que possa me separar daquilo que Cristo conquistou por mim.

ObjetivoMostrar que apesar do mundo querer nos afastar de Cristo e do seu

amor, não há nada que nos possa afastar dele. Aquilo que Jesus conquistou com seu santo e precioso sangue é meu.

SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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TemaO que pode nos separar do amor de Deus? - Será que existe algo que pode me separar desse amor?- Sofrimentos/difi culdades?- Pobreza/riqueza?- Morte/vida?

Everaldo TeixeiraIpumirim/SC

[email protected]

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OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

3 de agosto de 2014Salmo 136.1-9 (23-26); Isaías 55.1-5; Romanos 9.1-5 (6-13)

Mateus 14.13-21

CONTEXTO LITÚRGICO (DEMAIS LEITURAS)

O Salmo 136 aponta a misericórdia/pena/compaixão/amor como um tema central do domingo, lembrando as ações e intervenções de Deus na história do povo hebreu: Deus, o Senhor, é bom e sua misericórdia (dsh) dura para sempre. A bondade e amor divinos expressos na aliança no Sinal (Êx 20.6; 34.6) perpassam toda a Escritura. Isaías reafi rma que Deus se revela muito superior ao ser humano, sua Palavra poderosa produz vida e revela o perdão e a compaixão do Senhor (v.7) e é ele quem dá poder e honra. A compaixão em ação, a dsh além da aliança com patriarcas, como aspecto da natureza divina: Deus é bom! Ele é amor (1Jo). Ao oferecer gratuitamente a salvação, ao ser rico em perdoar, revela um amor pro-fundo e terno (~xr), que cuida, como um pai a seus fi lhos, e estabelece um forte vínculo (cf. Sl 103.13 e Is 49.15). Na carta aos Romanos, Paulo lamenta que seus compatriotas, apesar de conhecerem esse amor de Deus (expresso na adoção, alianças e promessas, ou seja, na escolha amorosa de Deus) não reconhecem no Cristo o Deus de amor encarnado para uma nova e defi nitiva aliança.

CONTEXTO

No contexto imediatamente anterior, a morte de João Batista é re-latada como a partir da crença de Herodes de que Jesus era o Batista ressuscitado, com poder para realizar milagres. Sabendo da morte de João Batista, Jesus sai (da região de Nazaré, v. 54). Jesus também acabara de sofrer o desrespeito dos nazarenos, na sua própria casa. No contexto imediatamente posterior, Jesus continua revelando que é maior que o Batista, ao andar sobre as águas, salvar Pedro e realizar mais curas em Genesaré.

O TEXTO

Este é o milagre que aparece, com pequenas variações, nos quatro evangelhos. Segundo Gibbs, a multiplicação do alimento é ato contínuo da compaixão com as pessoas. E nos lembra outros eventos cristológicos:

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a Ceia e o próprio dia do Juízo, quando há, na presença do Senhor, um banquete, providenciado por ele, de salvação.

Jesus, v. 13, já afrontado pelos da sua própria cidade (v.57), ouve dos discípulos de João sobre a morte deste e da opinião de Herodes sobre ele. Provavelmente Jesus fi cou sabendo dos detalhes, da maneira humilhante pela qual o Batista havia sido assassinado. Aquele que veio preparar o caminho do Messias fora morto, humilhado. Em Mt 11.11 Jesus declara a importância e apreço por João. Ao saber de sua morte, mas também sabendo da opinião equivocada de Herodes sobre ele, sai sozinho. A NTLH traz “ao saber o que havia acontecido”, e parece indicar que a saída de Jesus deve-se especialmente ao relato sobre a morte de João. Já a ARA “ouvindo isto”, mais literal (tendo ouvido), possibilita a interpretação de que Jesus sai também ou porque Herodes o vê como uma ameaça, João ressuscitado. Seja como for, o relato dos discípulos de João leva Jesus a deixar o local. Apenas o evangelho de João não cita a opinião de Hero-des, no entanto, descreve Jesus dando testemunho de si mesmo, citando também João.

Jesus sai em um barco. É provável que tenha sido acompanhado por alguns mais próximos e o relato de Lucas ajuda dizendo que os apóstolos o acompanharam para Betsaida, atravessando o lago da Galileia (Jo 6.1).

Viu, com pena (v.14), com olhos de misericórdia (Sl 136), a multidão que os seguiu pelas margens – evsplagcni,sqh (“compadeceu-se”). Mesmo verbo em Lc 10.33 na descrição da visão do bom samaritano: vendo-o, teve compaixão. Entre os signifi cados: ter as entranhas movidas, ter grande afeto e compaixão por alguém. E o afeto resulta em ajuda, em providência, na cura dos doentes. Marcos enfatiza que as pessoas pareciam ovelhas sem pastor (Mc 6.34) e que houve, ainda, o ensino como consequência, como ação proveniente da pena/compaixão.

No v. 15, “a hora passou” e o lugar é deserto. O tempo não pode ser comandado pelos discípulos. E há uma demanda de alimento. O pedido/ordem dos discípulos parece bem usual: avpo,luson - “Mande essa gente embora” (NTLH), “Despede” (ARA). Verbo usado também para “divor-ciar”. Qual o motivo do “divórcio”? Que comprem comida para si mesmas (avgora,swsin e`autoi/j). A provisão pensada como obra de nossas próprias mãos, o senso comum, não errado se sob a visão de que, sob a bênção e provisão de Deus, de que cada um deve providenciar seu sustento (2Ts 3.10: Quem não trabalha que não coma). O pedido dos discípulos trará destaque ao milagre, ao Provedor.

Jesus não dispersa a multidão, v.16, e já causa refl exão sobre a fonte da provisão – não há necessidade do “divórcio” com a multidão. E ordena aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos” (imperativo). Os discípulos pensam em que cada um compre, que há necessidade, sim, de que cada pessoa

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“se vire”. Mas Jesus aponta outra solução. Os discípulos, humanos, como fonte da provisão, só podem argumentar com o que é visível e possível para eles: v.17 – Só há cinco pães e peixes: a fonte visível de alimento, a partir dos humanos, é limitada e escassa para tantas pessoas. O ser humano, o discípulo, reconhece: “Não é possível, Senhor. A quantidade de pessoas, de bocas, de corpos, é muito grande diante do que nós, dis-cípulos, humanos, limitados, temos a oferecer”. No relato de Marcos, os discípulos ainda argumentam que seriam necessárias duzentas moedas de prata para comprar tanto pão.

“Mas”, v.18, diante do reconhecimento dos discípulos de sua limitação, da impossibilidade de suprir a necessidade da multidão, o evangelista apresenta o contraste no o` de. ei=pen\ Fe,rete, moi, na ação da Palavra de Deus (Is 55.11), na ordem de Jesus que o alimento escasso fosse trazido para ele. Ele solucionaria. “E ele (Jesus) disse”, o poderoso Homem-Deus abre a boca para solucionar, para dar resposta ao improvável, impossível. E no v.19, o milagre acontece. Naturalmente o gestual de Jesus quase que imediatamente nos remete à instituição da Ceia: o dar graças/abençoar, o partir do pão e o distribuir aos e através dos discípulos (Mt 26), até pela não menção da distribuição dos peixes (Marcos, entretanto, o faz). Mateus, inclusive, usa o mesmo verbo euvloge,w (abençoar/consagrar) em ambos os relatos sobre o que Jesus faz com o simples pão. O milagre acontece, mas não há um relato material detalhado do mesmo, se os pães iam se refazendo, se surgiam novos no fundo do cesto. Há, sim, o olhar para o alto, atitude clara de que o que está prestes a acontecer não faz parte da ordem natural, e há também a bênção, a palavra pronunciada sobre o pão. Por fi m, a informação que prevalece é que Jesus é quem alimenta a todos, que ordena que aconteça o que humanamente é impossível.

Por fi m, vv. 20, 21, todos foram saciados, ou seja, a compaixão de Jesus traz satisfação completa às pessoas. A abundância material do mi-lagre destaca-se nos doze cestos que sobraram e no número de pessoas alimentadas.

CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS/CONTEXTUALIZAÇÃO

Diante de tantas promessas de prosperidade aos que caminharem com Jesus, o texto nos mostra que é ele, o Senhor, quem decide sobre sua bênção. A pretensão e o orgulho humanos de ordenar o milagre é contrastado com as ordens de Jesus: comprem para todos, providenciem, então. E diante da nossa incapacidade, ele, graciosamente, oferece sus-tento. Quanto pão, quanto tempo de vida, quanto dinheiro, não como prova de nossa fé, mas como amostra do amor de Deus! A fé do crente não está baseada no quanto sobra dos cestos, ou quantos são alimenta-

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dos, ou o valor de tanto pão e peixe em dinheiro, mas no próprio Cristo. E, por isso, enfrenta também a escassez, humilhação e mesmo morte, como João Batista; reconhece suas fraquezas, como Pedro. Afi nal, crê no todo-poderoso Filho de Deus.

PROPOSTA DE TEMAS/ABORDAGENS

Tendo em mente que o texto mostra o poder do Messias, fi lho de Deus, pode-se nos temas abaixo propostos evidenciar as diferenças entre Jesus e nós, lembrando como a sua misericórdia dura para sempre.

SOB ORDENS

1. Ordens humanas, dos discípulos, destacam a fragilidade, limi-tação e impossibilidades do ser humano. Diferem da autoridade divina (Is 55)1.1 Despedem/separam (v.15).1.2 Incentivam o individualismo (v. 15 “comprem para si”

avgora,swsin e`autoi/j)1.3 Pretensiosas (v.15 – os discípulos ordenam Jesus agir -

avpo,luson) – possibilidade de pensar sobre Teologia Positiva, etc., apontando para a morte de João Batista, ou para o quase afogamento de Pedro.

2. Ordens divinas, de Jesus, destacam a verdadeira autoridade.2.1 Revertem a lógica humana (v.16a – “não precisam ir embo-

ra”)2.2 Destacam a limitação humana mesmo sob as ordens divinas

(v.16b – “dai-lhes vocês”) - Provocam a reação/constatação dessa limitação (v.17).2.3 Sugerem um novo caminho (v.18) – a partir do Provedor, sob

o Guia, aguardem (“reclinem-se”, v.19).2.4 Produzem transformação (v.19) para o bem do limitado humano.

O Deus que age para trazer vida e providência é o Deus que se entrega na cruz para mudar completamente nossa relação com Deus. E o fruto é repartido para saciar a muitos.

O OLHAR DE JESUS

1. A multidão vista em mima. Que corro desesperado atrás de solução, de alívio (v.13b).b. Que só enxergo poucos metros à frente, o deserto, a falta de

alimento, a escuridão que se aproxima (v.15).

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c. Que não tenho como suprir minhas próprias necessidade e do outro sem a ação de Deus (1º Artigo Credo).

2. Eu visto na multidãoa. Sou objeto do olhar de Deus em Jesus (v.14) a.1 Olhar compassivo, movido por amor. a.2 Porque sou necessitado (Mc 6.34).b. Tenho meu olhar modifi cado pela ação de Jesus

b.1 Sou saciado - Bênçãos materiais (pão) - Bênçãos espirituais (presença de Jesus, sentado com ele

na grama) 3. Eu em uma nova multidão

a. Parte da Igreja, do Rebanho do Pastor. a.1 Reconheço o autor/provedor/criador.

b. Constantemente perdoado (Palavra e sacramentos). Sl 136 – seu amor dura para sempre.

c. Esperando o banquete onde verei diretamente o olhar de Je-sus.

BIBLIOGRAFIA

DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO. Laird Harris, org. Trad. Márcio L. Redondo, Luiz A. T. Sayão, Carlos O. C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998.

GIBBS, Jeffrey. Lectionary at Lunch. Saint Louis: Concordia Seminary, 2011. http://concordiatheology.org/lalp/ http://deimos3.apple.com/WebObjects/Core.woa/FeedEnclosure/csl-public-dz.8965605363.08965605365.22346187229/enclosure.mp3

LOUW, Johannes; NIDA, Eugene. Léxico Grego-Português do Novo Testamento baseado em domínios semânticos. Trad. Vilson Scholz. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013.

Fernando Henrique HufSão Paulo/SP

[email protected]

OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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10 de agosto de 2014Salmo 18.1-6 (7-16); Jó 34.4-18; Romanos 10.5-17;

Mateus 14.22-33

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O pior mora dentro de nós mesmos. Bem que Jesus nos advertiu di-zendo que é do coração que saem as sujeiras. Paulo exclama essa nossa triste realidade: “Eu não entendo o que faço, pois não faço o que gostaria de fazer. Pelo contrário, faço justamente aquilo que odeio. Pois eu sei que aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana. Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Como sou infeliz! Quem me livrará deste corpo que me leva para a morte?” (Romanos 7.15,18,24).

Parece que devíamos ter mais medo de nós mesmos. Teologicamente falando, o pior inimigo não mora ao lado, mas dentro de nós. E somos nós mesmos.

Além de lembrarmos o versículo 25 do revelador capítulo 7 de Romanos, devemos sempre lembrar e relembrar o fato de que nós somos discípulos, e isso signifi ca aprendizes, estudantes da vida cristã.

Aprendizagem normalmente acontece por meio de um processo lento e gradativo, composto de frustrações e vitórias. Pensemos no grupo de Jesus com seus discípulos. Jesus os escolheu um a um, pessoalmente. E pessoalmente Jesus os treinou, ensinou.

Eu nunca vi um milagre acontecer da forma que os discípulos viram poucas horas antes desse episódio nas águas da Galileia. Já soube de milagres e até já “vi”, mas nunca vi cinco pães e dois peixes serem milagrosamente multiplicados a ponto de serem comida sufi ciente para alimentar uma multidão de, sei lá, dez mil pessoas. Mas os discípulos viram isso acontecer. Aliás, que ricas oportunidades tiveram esses doze homens! E tudo fazia parte do plano de Jesus para fazê-los crer que Ele era o Messias enviado por Deus. A religião de Jesus é a fé.

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O TEXTO

Jesus está orando por seus discípulos. Ele vê nossos perigos antes mesmo que nós os experimentemos. Estranhamente o texto começa di-zendo que Jesus “ordenou que os discípulos subissem no barco e fossem na frente para o lado oeste do lago, enquanto Ele mandava o povo embo-

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ra.” Parece que Jesus mandou seus discípulos embora dali para que estes não se unissem ao povo que desejava fazê-lo um mero “rei do pão”. O relato de João nos ajuda neste sentido (Jo 6.15). No Pai Nosso Jesus ora pedindo “afasta-os da tentação”. Aqui Jesus o faz com a estranha ordem aos discípulos. Estranha mas amorosa. Protetora. Hoje Jesus está lá no alto, à direita do Pai, de onde ora por nós, seus discípulos, seus alunos (Rm 8.34, Hb 7.25).

Jesus é sempre o Salvador. Apesar (como eu gosto dessa palavra!) do medo e do pavor dos seus discípulos, Jesus os amou. Ele os socorreu de seus medos. Ele os socorreu de suas dúvidas da fé. Depois de terem visto o que viram no fi nal da tarde, como podiam agora exclamar: “É um fantasma!?” “Fantasma? Como assim?” diria qualquer um de nós. Mas Jesus amava seus alunos. Eram suas ovelhas e Ele não permitiria que nenhuma delas fosse arrancada de seus braços (Jo 10.28). Apesar de terem vivido aquela tarde fantástica e miraculosa, os discípulos, movidos pelo medo e pela dúvida, experimentaram uma madrugada aterradora. Ainda bem que, assim como o versículo 25 de Romanos 7, Jesus levou a seus ouvidos e corações uma palavra de alívio.

Apesar do grito carregado de medo e de dúvida, Jesus se aproxima para socorrer. Também nós precisamos que Jesus se aproxime. Também nós precisamos daquela exclamação contida em Romanos 7.25 e daquela certeza expressa por João. 1 João 2.1,2: “Temos um Advogado, temos Alguém que nos defende de nós mesmos!”. Jesus está a caminho quando tudo parece perdido para nós. Jesus havia terminado suas orações e o evangelista Mateus nos diz que “na quarta vigília da noite”, na hora mais escura da madrugada, entre as 3 e 6 horas da madrugada, Jesus foi até onde seus discípulos estavam, andando em cima da água. As ondas eram altas e batiam com força contra o barco, mas isso não impediu Jesus de andar calmamente sobre elas.

Jesus sabia da necessidade que os discípulos tinham da sua presença e por isso Ele foi até onde eles estavam, andando em cima da água. A tempestade e as más condições de navegação fecharam os olhos dos discípulos, de modo que eles não reconheceram a Jesus; e, pior que isto, acharam que Jesus fosse um fantasma. O evangelista Mateus, que esta-va junto no barco, nos diz que “os discípulos gritaram de medo!”. Doze homens, na sua maioria pescadores acostumados com a vida no mar da Galileia, gritaram de medo! Imaginaram que aquela aparição ali, na hora mais escura da noite, só poderia piorar ainda mais as coisas.

A aproximação de Jesus torna-se real na Sua Palavra. Somente uma coisa neste mundo inteiro pode nos dar segurança e aquietar nosso cora-ção. E esta única coisa é a Palavra de Jesus. Essa mesma Palavra que os discípulos puderam ouvir, no meio do mar da Galileia, na hora mais escura

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da noite. Apesar de toda a gritaria, do medo, das dúvidas, do vento, do barulho das ondas, fez-se ouvir a voz de Jesus. Nada pode silenciá-la. Ela é mais poderosa do que tudo neste mundo (Hb 4.12). Após ouvir a voz de Jesus, os discípulos sabiam que tudo terminaria bem naquela madrugada escura, pois tinham ouvido a já conhecida voz do Mestre do amor.

Como pastores podemos testemunhar de nossa experiência pessoal de como o poder da Palavra de Jesus tem chegado a nós através da ação do Espírito Santo. Ela é o poder que salva (Rm 1.16). Há muitos corações ansiosos e cheios de medo, de dúvidas e de angústias, e todos eles podem ser silenciados e aquietados com a Palavra de Jesus.

Além da Palavra, Jesus ainda oferece Sua mão para ajudar. A mão foi estendida para Pedro. E assim é estendida para todos. Mesmo que venham a dúvida, o medo e a fraqueza da fé, e comecem a afundar, a mão de Jesus está estendida, pronta para socorrer. A mão de Jesus ajudou Pedro a subir no barco e fi cou junto com Pedro no barco, pois “os dois subiram no barco e o vento se acalmou”.

ALGUNS PONTOS DE CONTATO COM VISTAS AO SERMÃO

Jesus não nos enviou para dentro do mar da Galileia, mas Ele nos enviou para dentro do mundo.

Quando Ele nos envia, já vai o problema junto, pois levamos junto o pecado, levamos a nós mesmos.

No mundo também nos enchemos de medo, de pavor e passamos por diversos sustos.

Há muito sofrimento e muita dor no mundo. O mundo precisa da Pa-lavra e da mão de Jesus.

A Palavra e a mão de Jesus estão disponíveis para todos, assustados ou não.

Nestor DuemesCuiabá/MT

[email protected]

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DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

17 de agosto de 2014Salmo 67; Isaías 56.1, 6-8; Romanos 11.1-2a; 13-15; 28-32;

Mateus 15.21-28

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

É empolgante estudarmos a cronologia bíblica e, mais especifi camente, o ministério de Jesus. Porém, é muito difícil estabelecer uma ordem cro-nológica do ministério de Jesus com base nas informações proporcionadas pelos evangelistas. Nenhum deles estava preocupado com uma cronolo-gia, mas sim, em unir a mensagem proclamada com os fatos históricos a respeito de Jesus Cristo.

Os marcos geográfi cos que os evangelistas utilizaram para nos for-necer um esboço dos movimentos de Jesus durante seu ministério são de grande proveito. Tendo o evangelho segundo Mateus como ponto de referência, podemos ir com Jesus e seus discípulos por toda região da Palestina testemunhando seus maravilhosos feitos.

É um momento crítico do ministério de Jesus, pois seus adversários, vindos a mando das autoridades “eclesiásticas” de Jerusalém, o estavam acusando de transgredir a tradição dos anciãos (não a lei de Moisés), e espalhando que ele e seus discípulos eram imundos e profanos, pois não observavam as leis cerimoniais tais como o lavar as mãos. A partir deste ponto não haveria mais espaço para qualquer espécie de conciliação, e o Senhor sabia disto. Assim Jesus prefere sair da região da Galileia, como fi zera anteriormente ao deixar a Judeia, para refugiar-se em território gentílico.

O texto de Marcos (7.31) também confi rma esta movimentação: “De novo se retirou das fronteiras de Tiro, e foi por Sidom ao mar da Galileia”. Sem qualquer dúvida Jesus penetrou no território gentílico e ali permane-ceu o tempo necessário. O que não traz nenhuma contradição com o fato de que sua missão era exclusivamente para os judeus (Mateus 15.24), pois não fora para aquela região para exercer seu ministério (Marcos 7.24), o que fi ca evidente no diálogo dele com aquela mãe fenícia, e quando teve de manifestar seu poder, atraindo a atenção das multidões.

Tiro e Sidom, situadas na Fenícia (atual Líbano), ao norte da Galileia, aproximadamente entre 65 e 95 quilômetros de Cafarnaum, fazem parte da história antiga, quando os fenícios dominavam o mundo da navegação. Possuíam baías naturais, que lhes proporcionavam excelentes defesas naturais. A Fenícia estava anexada à Síria. Esta proximidade fronteiriça

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tornava natural que um viajante da Galileia (como Jesus e seus discípulos) atravessasse o território de Tiro.

Sidom sempre foi famosa pelo seu intenso comércio e por sua grande riqueza, além de ser um centro das artes e das ciências. Era o mais antigo mercado dos fenícios. A moderna cidade de Saída, no Líbano, assinala o local da antiga cidade, a 32km ao sul da moderna cidade de Beirute.

Tiro é a mesma cidade cujos reis haviam feito uma aliança com Davi e Salomão. Neste acordo eles forneceriam madeira e hábeis artesãos para Is-rael, que por sua vez enviaria ao rei Hirão, e seus sucessores, mantimentos (cereais) que a população de Tiro necessitava (1Reis 5; Atos 12.20). Mas as consequências colaterais deste acordo comercial foram terríveis para a nação israelita, pois foi a partir desta cidade que a adoração de Baal se introduziu em Israel e lhes causou tantos males e por fi m o juízo de Deus que desembocou nos cativeiros Assírio (rei do Norte) e Babilônico (reino do Sul).

O propósito salvador de Deus, por meio de Jesus, nunca foi exclusivo (apenas os judeus), mas sempre, desde as primeiras promessas redento-ras, incluía todos os povos. O salmista (87.4) declara em alto e bom som que chegaria o dia em que o povo de Tiro e circunvizinhança haveriam de usufruir das bênçãos messiânicas.

Esta profecia começa a se cumprir quando as pessoas desta região invadem a Galileia para ouvir os ensinos de Jesus e obter a cura de suas enfermidades (Mateus 4.24,25; Marcos 3.8; Lucas 6.17). Agora é o próprio Senhor Jesus quem se faz presente entre eles.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

O confl ito enfrentado por Jesus ao ser acusado de transgredir as leis dos anciãos era superfi cial. Ele demonstra que a má condição era da alma, do homem interior, do caráter essencial da pessoa, e não dependia da superfi cialidade como a lavagem das mãos ou a falta da mesma, o que só quebrava uma lei cerimonial.

A mulher Cananeia chama Jesus de “Senhor, Filho de Davi...”, título que indicava a missão messiânica de Jesus. Seu pedido foi também uma oração de fé, porque ela clamou por misericórdia, estando profundamente consciente da miséria de sua alma, bem assim do fato que sua ajuda, qualquer que fosse, viria só da compaixão misericordiosa de Jesus.

Temos aqui um exemplo dum rogar persistente e importunador, não só em seu próprio favor desejando que a angústia de sua alma fosse re-movida, mas também por sua fi lha, que sofria de uma perversa possessão demoníaca. Recebeu, porém, um forte impacto de desapontamento. O Senhor, de início, não lhe deu a menor atenção, mas seguiu seu caminho como se nem a tivesse escutado. Enquanto isto, ela, sem se deixar abalar

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no mínimo em seu favor, deve ter continuado em seus brados, pois os discípulos sentem-se constrangidos a interceder por ela. O tom de voz deles não é nada cortês. Ele deixa entrever que gostariam muito em ver-se livre dela, pois o seu clamor persistente os incomodava. Como sempre, não se saíram bem no teste. Jesus, de modo ríspido, mostrando-lhes que teriam feito melhor se se preocupassem com suas próprias coisas, diz-lhes que a preocupação específi ca de sua missão são unicamente os do povo judeu. Esta foi a segunda rejeição. Diz Lutero que, em nenhum lugar dos evangelhos, Jesus é pintado de modo tão duro como aqui.

Os discípulos foram dissuadidos e se conservaram calados. A mulher, porém, redobra seu empenho. Depositou sua fé na palavra e nas obras deste homem, o qual, segundo sua total certeza de fé, é o Messias. Ela se nega desistir desta fé. Tomada de nova coragem, se joga aos pés de Jesus, adorando-o como o Senhor do céu e insistindo por sua ajuda, atendendo sua oração. Ela, caso não adiante orar e interceder, está pronta a tomar de assalto o próprio céu. Cristo desfere o último golpe, dizendo de modo rude, na força total de sua assumida indisposição: não é correto e não deve ser feito tomar o pão dos fi lhos e atirá-lo aos cachorros. A implicação disso foi que a mulher gentia e toda a sua família e povo não estavam no mesmo nível dos israelitas, mas que, aos olhos de Deus, só podiam ser considerados como cachorros, enquanto os judeus eram seus fi lhos. Pronunciado pelo Senhor, este foi um juízo duro, não deixando a menor fagulha de esperança para a mãe tão atribulada. Mas os olhos da fé enxergam luz onde outros só encontram escuridão. Como escreve Lutero, na fala de Cristo há mais “sim” do que “não”, ainda que bem no fundo parecesse só um “não”. Seu pedido não fora negado redondamente, mas ainda havia um espaço para um argumento. Além disso, Cristo não comparara a ela e sua família com os cães de rua, mas com os cachorros de casa ou que convivem com seus donos. Por isso, em vez de retirar-se em desesperado desengano, ela volta ao ataque: Sim, Senhor, pois também os cães de casa participam da refeição dos fi lhos, mesmo que nada mais do que migalhas lhes sobre. A mulher está disposta a contentar-se – e ela exige este direito – com as migalhas das quais os judeus se sentiam enfastiados.

Sem levar em conta seu nascimento e sua nacionalidade, esta mulher já era membro do povo de Deus (Romanos 9.7,8; Gálatas 4.28). Ela, pela fé em seu Salvador, o Filho de Davi, era uma fi lha de Deus. E seu pedido foi concedido como recompensa de sua fé. Naquela mesma hora sua fi lha teve restabelecida a plena saúde. “Assim Deus deseja fazê-lo conosco agora. Quando, por longo tempo, negou nossa oração, e sempre nos respondeu com um “não”, mas nos atemos fi rmemente ao “sim”, então, fi nalmente, precisa acontecer o “sim” e não o “não”. Pois sua palavra não enganará: “Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos dará”.

DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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Esta história é um exemplo especialmente belo de fé, que deve ser praticado. Pois, ela não permitirá que o Senhor lhe arrebate da alma o “sim”, mas “que ele lhe será benigno e certamente a ajudará”.

PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

Jesus ataca justamente o ponto mais delicado da relação entre judeus e cananeus. Esse assunto era de domínio público.

A mulher Cananeia era descendente dos cananeus que Josué expul-sou da terra prometida, cuja civilização foi centralizada e perpetuada na cidade de Tiro. Jesus foi a esse lugar levando consigo os seus discípulos. Foi uma viagem de mais de cinquenta quilômetros até o território de Tiro, e depois de Sidom.

Na época de Davi, Tiro mantinha boas relações comerciais com Israel (2Samuel 5.11). Isso não durou muito tempo, visto que a cidade tornou-se conhecida pelas práticas abomináveis da imoralidade e mergulhada no paganismo. Seu rei chegou a afi rmar que era deus! (Ezequiel 28). A situação complicou-se mais ainda quando do regozijo pelo motivo de Jerusalém haver sido destruída em 586 a.C., porque em detrimento de Jerusalém seu comércio teria ainda mais lucro e prestígio.

Essa é a dica: anunciarmos o Evangelho como resposta às necessidades das pessoas. Precisamos aproveitar todas as oportunidades. Assim, mais pessoas crerão em Jesus como Salvador.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO (ASSUNTO, OBJETIVO, TEMA, DESDOBRAMENTOS)

Poderíamos compor a mensagem baseados nos versículos de Romanos 5.3 e 4: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseve-rança, experiência; e a experiência, esperança”.

A mulher cananeia em nossos diasI. Tribulação – ela não tinha o que fazer: sua fi lha estava endemo-

ninhada.A. Levou os seus problemas a Jesus. Mateus 15.22: “Senhor, Filho

de Davi, tenha pena de mim!” (ele é o único que efetivamente podia e pode socorrer).

B. Ela experimentou. João 14.14: “E tudo o que vocês pedirem em meu nome eu farei, a fi m de que o Filho revele a natu-reza gloriosa do Pai”. (hoje sabemos que isso é a mais pura verdade).

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II. Perseverança (O clamor não mudou e não precisa mudar).A. Mateus 15.25: “Senhor, me ajude”. B. Podemos lembrar de Ana, mulher de Elcana, mãe de Samuel

(1Samuel 1 e 2).III. Experiência A. A vida ensinara muito a essa mulher. Mateus 15.27: “Sim, se-

nhor – respondeu a mulher – mas até mesmo os cachorrinhos comem as migalhas que caem debaixo da mesa dos seus donos” (muitas vezes nos sentimos como essa mulher, e podemos nos alegrar com as migalhas).

B. Três virtudes na vida dessa mulher1. Submissão - Está sob o domínio de alguém mais forte e

reconhece o poder de Jesus. Talvez conhecesse, dada a pro-ximidade dos povos, o Salmo 37.5:“Entrega o teu caminho ao SENHOR, confi a nele, e o mais ele fará”.

• Bem diferente de atitudes hoje encontradas em igrejas e pessoas ditas cristãs (o evangelho está muito mais acessível do que na época de Cristo)

2. Humildade - Aceita a repreensão e não fi ca indignada. O “não” de Jesus é didático: Ele quer tirar a mais profunda expressão de fé.

• Se o Senhor quiser (ao clamarmos, precisamos acrescentar: Seja feita a tua vontade).

3. Mansidão - Recebe a palavra de Jesus com mansidão. “Jesus disse: – Não está certo tirar o pão dos fi lhos e jogá-lo para os cachorros. – Sim, senhor – respondeu a mulher – mas até mesmo os cachorrinhos comem as migalhas que caem debaixo da mesa dos seus donos”.

• Se Deus apenas nos reservasse as migalhas de suas bênçãos, já teríamos o sufi ciente.

IV. Esperança - A esperança se transforma em fé. Mateus 15.28: “Mulher, você tem muita fé! – disse Jesus. – Que seja feito o que você quer! E naquele momento a fi lha dela fi cou curada”.• Ao olharmos a história da igreja e as histórias da vida dos

cristãos nos encheremos de esperança. Já temos e expe-riência de que o Senhor é bom. Mesmo que não tenhamos a resposta às nossas súplicas, seremos consolados como Paulo foi: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Coríntios 12.9).

Günter Martinho Pfl uckCEL São João – Passo Fundo/RS

[email protected]

DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

24 de agosto de 2014Salmos 138; Isaías 51.1-6; Romanos 11.33-12.8; Mateus 16.13-20

SALMOS 138O salmista rende graças ao Senhor e conclama todo o povo de Deus a

cantar louvores a ele por causa da sua “misericórdia” e “verdade”. Quem confi a no Senhor tem certeza de que em dias difíceis Deus o acudirá, dará forças para vencer e o colocará em segurança. As promessas de Deus são fi éis, o seu amor dura para sempre.

ISAÍAS 51.1-6Sião encontra-se no exílio. Deus, que nunca os abandonou, os alegra

com esperança futura. O povo será libertado e retornará para sua terra. Concomitantemente, uma outra certeza futura é anunciada. “Olhai para a Rocha”. Sobre a “Rocha”, o povo do Antigo Testamento estava fi rmado em esperança futura. Sobre a “Rocha”, a Igreja do Novo Testamento está fi rmada. Há esperança, certeza e alegria “já” e no “futuro” eterno.

ROMANOS 11.33-12.8A sabedoria, o conhecimento, os juízos e caminhos de Deus estão acima

da compreensão humana. “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém” (Rm 11.36). Na nova vida em Cristo, cada cristão se apresenta a Deus de corpo e alma rendendo culto ao Senhor. A humildade, o espírito de unidade e dons à disposição do Senhor demonstram a fé ativa dessa nova vida a servir ao Senhor em alegria e amor.

MATEUS 16.13-20Vv. 13,14: O presente texto faz parte dos acontecimentos do terceiro

ano do ministério de Jesus. A região é Traconites, a nordeste do Mar da Galileia, fazendo parte dessa região Cesareia de Filipe, Betsaida e outras. Era governada por Herodes Filipe, 4 a.C. a 34 a.D. Ele havia reconstruído Cesareia. Daí a referência ao seu nome. Havia uma outra Cesareia às margens do Mar Mediterrâneo.

Chama-nos a atenção que Cesareia de Filipe era uma região de beleza exuberante, fértil, mas de um paganismo acentuado. Fica evidente neste texto o “amor” de Jesus, o Messias prometido que vai ao encontro dos gentios. Fora do reduto de Israel, o Salvador Jesus quer ser conhecido por todos em seu

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amor (1 Tm 2.4): “Cristo para todos”. Ali, em terra estrangeira, Jesus faz aos seus discípulos a pergunta: “Quem diz o povo ser o Filho do homem?”

Com base no livro Cristologia do Novo Testamento1, temos a informação da autodesignação preferida pelo próprio Jesus, de “Filho do homem”. Seu signifi cado possivelmente deve-se ao uso da mesma expressão no Antigo Testamento em Daniel 7.13,14.

O livro A formação do Novo Testamento2 diz que o evangelho de Mateus abre o Novo Testamento. É o evangelho que mais se alinha com o Antigo Testamento. Mateus lança uma ponte entre a expectativa do reino messiânico, cuja vinda é proclamada nos livros proféticos do Antigo Tes-tamento, e o advento de Jesus Cristo que o Novo Testamento apresenta como resposta a esta espera.

O livro Cristologia do Novo Testamento continua a nos falar da expressão “Filho do homem” como um título de sua pessoa; Jesus iden-tifi ca-se como o verdadeiro povo de Deus – o homem representativo. É signifi cativo ainda lembrar que é sempre o próprio Jesus, e ninguém mais, que o designa assim. Dois contextos do uso da autodesignação de Jesus são particularmente importantes para a compreensão de sua relevância cristológica. O primeiro deles é o uso da expressão na manifestação de seu ministério terreno, ministério com autoridade, que declara de forma especial o “perdão dos pecados” (Mc 2.10). O ápice do uso do título “Filho do homem” está primeiro nos anúncios de Jesus a respeito dos aconteci-mentos fi nais do seu ministério terreno, com sua paixão, morte e ressur-reição (Mt 20.28; Mc 8.31); depois, no anúncio da sua obra escatológica no fi m dos tempos (Mt 24.37; Mc 8.38;14.62).

A resposta dos discípulos sobre o que o povo dizia: João Batista, Elias, Jeremias ou algum outro profeta, denota até alguma lembrança do Antigo Testamento, mas total desconhecimento do povo sobre a presença do Reino de Deus entre eles na pessoa de Jesus e a missão precursora de João Batista. Os olhos e ouvidos desse povo estavam fechados para os acontecimentos ali bem perto deles, nas imediações do Mar da Galileia, conforme o contexto anterior em Mateus 15.29-32.

Vv. 15,16: Jesus, após receber a resposta em amplitude externa, agora incisivamente foca os seus discípulos e quer saber deles: “Mas vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro, em sua impulsividade que nos é conhecida, testemunha dizendo de si e em nome dos discípulos: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.

Cristologia do Novo Testamento3 diz: “Cristo” é um termo que vem do grego e que, por sua vez, traduz o hebraico “Messias”. Pode ser traduzido

1 Gerson L.Linden, V. S. (2010). Cristologia do Novo Testamento. Canoas: Editora da ULBRA, p. 49,50.

2 Cullman, O. (s.d.). A formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal e EST.3 Gerson L.Linden, V. S. (2010). Cristologia do Novo Testamento. Canoas: Editora da

ULBRA, p. 47

DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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por “aquele que foi ungido”, sobre o qual foi derramado óleo signifi cando a sua escolha para uma missão dada por Deus. Trata-se de um título, e não de um nome próprio. Como inicialmente o título era aplicado aos reis de Israel, entendemos a confusão que o povo fazia em relação a Jesus, e por que alguns o ligavam apenas a uma esperança terrena, um rei.

Pedro reconhece Jesus como o Filho único prometido por Deus desde Gênesis 3.15, anunciado pelos profetas do Antigo Testamento como es-perança futura e realidade presente (Jo 3.16), para a salvação de toda a humanidade pecadora, no tempo apropriado de Deus (Gl 4.4,5). O fato de Pedro acrescentar ao seu testemunho a palavra “vivo” é signifi cativo. Faz-nos lembrar de que Pedro, mais adiante, é testemunha na transfi gu-ração (Mt 17.1-8) e do túmulo vazio (Jo 20.3-7). O Cristo vivo que subiu ao céu, governa sua Igreja, intercede por ela e a sustenta pelo seu poder e amor “voltará” (At 1.11).

V. 17: Jesus afi rmou a Pedro: “Bem-aventurado és [...]” (feliz). O livro A vida cristã diz:

A verdadeira felicidade de um ser humano consiste na vida de es-perança sob a cruz. [...] Fé é uma esperança dinâmica, porque está certa da constante vinda do Espírito Santo através da promessa do Evangelho. [...] produz boas obras em amor. [...] luta com a velha natureza pecaminosa. [...] está certa do contínuo arrependimento e perdão. Está segura do prometido futuro, da ressurreição fi nal, da segunda vinda de Cristo, e da vida eterna.4

Por isso Pedro é feliz e todo cristão também. O Art. IV da Confi ssão de Augsburgo e a explicação de Lutero no 3º Artigo do Catecismo Menor nos dão subsídio para entender que só pela ação do Espírito Santo, através dos meios da graça, pela fé, é que temos e conhecemos a felicidade à qual se referiu Jesus a Pedro.

V. 18: Jesus falando a Pedro não deixa sombra de dúvidas sobre que “pedra” preciosa, eleita, única e poderosa a Igreja está edifi cada. “Sobre Ele próprio, o Cristo, o Filho do Deus vivo”, do qual Pedro acabara de testemunhar convicto. Efésios 2.19-22 deixa isso bem claro, bem como Atos 4.11. Pelo sofrimento, morte e ressurreição de Cristo, pecado, diabo, morte e todo o mal estão vencidos (Jo 19.30; 1 Co 15.54-57). A Igreja está protegida pelo “manto de Cristo” (Is 61.10), e caminha rumo à vida eterna, ainda sob muitas provações (1 Pe 1.6), mas fi rme nas promessas e certeza da vitória mediante Cristo Jesus (Ap 5.5-14).

V. 19: Em Obras Selecionadas, Lutero diz:

Essa autoridade de perdoar pecados e, assim, de pronunciar um veredito em lugar de Deus ninguém possuía no Antigo Testamen-

4 Warth, M. C. (2004). A vida cristã. Canoas: Coedição: Editora Concórdia e Editora da ULBRA.

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to, nem o sumo sacerdote, nem o menor sacerdote, nem o rei, nem os profetas, nem qualquer membro do povo, a não ser que lhe fosse especialmente ordenado por Deus, como aconteceu com Natã em relação a Davi. No Novo Testamento, porém, todo cristão tem essa autoridade, onde não houver um sacerdote disponível. Ele a tem através da promessa de Cristo, feita quando disse a Pedro: “o que desligares na terra será desligado no céu” (Mt 16.19). Se ele tivesse dito isto exclusivamente a Pedro, não teria dito, em Mt 18.18 a todos em geral: “o que vocês desligarem na terra será desligado no céu”. Aqui ele fala a toda a cristandade e a cada cristão em particular5.

V. 20: Entendemos por que, logo após a confi ssão de Pedro, Jesus proibiu de dizer publicamente que ele era o Cristo, evitando que o povo pensasse que ele era apenas um messias – rei que restauraria a dinastia davídica, libertando o povo do domínio romano, em detrimento de sua missão messiânica como Cristo, o Salvador do mundo.

Após a ressurreição de Jesus, agora sim, o evangelho é anunciado a todas as nações (Mt 28.18-20).

Tema: JESUS É O CRISTO, O FILHO DO DEUS VIVO!

BIBLIOGRAFIA

BÍblia de Estudo Almeida. (1999). Barueri - SP: Sociedade Bíblica do Brasil.

Cullman, O. (s.d.). A formação do Novo Testamento. Coedição Sinodal; EST.

Linden, Gerson L. e Scholz, Vilson. (2010). Cristologia do Novo Testamento. Canoas: Editora da ULBRA.

Lutero, M. (1987). Obras Selecionadas - Volume 1. São Leopoldo: Coeditoras Sinodal e Concórdia.

Novo Testamento interlinear grego-português. (2004). Barueri, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil.

Warth, M. C. (2004). A vida cristã. Canoas: Coedição: Editora Concórdia; Editora da ULBRA.

Guilherme Rodolfo Hasse BeckerCachoeirinha/RS

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5 Lutero, M. (1987). Obras Selecionadas - Volume 1. São Leopoldo: Coedição Sinodal e Concórdia, p. 411

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31 de agosto de 2014Salmo 26; Jeremias 15.15-21; Romanos 12.9-21; Mateus 16.21-28

CONTEXTO

O contexto de Mateus 16 é de muita empolgação por parte dos apósto-los em função da crescente fama de Jesus, apesar da oposição ao seu mi-nistério por parte dos líderes da “igreja” de então. Em breve, imaginavam, poderiam ver o reino do Messias prometido evoluindo e se transformando no gigante dominante, acima até dos romanos. Jesus pode ter percebido o seu ministério ser usado para se transformar em um movimento político e sangrento. Estava na hora de ele começar a alertar os apóstolos contra esta visão distorcida e lhes revelar a verdadeira identidade do Messias. Por isso, “Daí em diante, Jesus começou a dizer claramente aos discípulos: [...] Eu serei morto, e, no terceiro dia, serei ressuscitado”.

TEXTO

V. 21: Jesus desde o início “abriu o jogo” aos seus discípulos. Ele não falou por “entre fl ores” como se fala na linguagem popular; nada escon-deu de ninguém. As revelações de Deus, que compõem a Bíblia, não são obscuras. Claro, disso Lutero muitas vezes falou, mesmo Deus falando claramente nas Escrituras Sagradas, a tal ponto que uma criança o pode aceitar e nele crer, ele é, em sua essência, em muitos aspectos, um Deus absconditus (Deus escondido), de tal maneira que nem todas as cabeças pensantes deste mundo o conseguem abarcar, esquadrinhar.

Deste modo, Jesus foi claro a respeito de sua caminhada futura em relação aos apóstolos. Eles sonhavam com um reino terreno que tem como rei as forças do braço carnal, enquanto Jesus lhes “colocava as cartas” sobre a mesa, para que eles não viessem a se decepcionar com os acontecimentos que em breve viriam a se suceder.

V. 22: Quem é que Pedro “representa” aqui? Ao próprio Satanás, como em seguida Jesus o iria chamar. O pai da mentira usa das mais “santas pretensões”, como a querer defender a causa dos injustiçados. Pedro imaginava que o que Jesus lhes anunciava seria a maior injustiça. Como pode que, “fazendo o bem e curando a todos”, o Mestre fosse assim martirizado?

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Pedro se fez de amigo de Jesus, mas joga pelo time adversário. Es-tava sendo usado pelo “pai de todas as mentiras” (Jo 8.44). Pedro ainda não compreendia o plano de Deus. Ele viria e entender esta “tragédia” somente após o Espírito Santo revelar que “era necessário que o Filho do homem sofresse [...] para entrar em sua glória”. No dia de Pentecostes a fi cha caiu.

V. 23: Qual será o tamanho do choque que Pedro levou ao ouvir de Jesus tamanha repreensão? E mesmo assim Jesus não “caçou o mandato” de Pedro como apóstolo! O diabo desde o princípio da vida humana de Jesus procurou lhe tirar a vida através de mãos humanas a serviço do mal (Herodes). Nada temos relatado a respeito do período intermediário na vida de Jesus (dos 12 aos 30 anos), se ele foi alvo dos ataques do dia-bo. Com certeza. Mas no começo do ministério de Jesus (Mt 4; Lc 4) ele investiu com tudo procurando desviar Jesus da “rota” da cruz, todavia “o diabo foi embora por algum tempo” (Lc 4.13), o que nos mostra que ele “se achegou” de Jesus ardilosamente, usando mais uma vez o elemento humano, Pedro, procurando convencê-lo da “tolice” de morrer na cruz.

Em sua raiz original, nascido em pecado, cego e morto espiritualmente e inimigo de Deus, nenhuma pessoa é capaz de pensar os planos de Deus. Segue apenas a linha de pensamento das trevas. E como, mesmo cris-tãos fi éis, somos volúveis às infl uências do maligno! Pedro tinha acabado de confessar Jesus como o Cristo, Filho de Deus – Mateus não relata há quantos dias – e agora tomba tão dramaticamente a serviço do inimigo. Com que rapidez aconteceu a troca do “O senhor é o Messias, o Filho do Deus vivo” por “Que Deus não permita. Isto nunca vai acontecer com o senhor”. Ainda bem que Deus nos conhece, sabe da nossa estrutura e investe sempre de novo em nós. Jesus não “quebra os pratos” por causa de Pedro e da raça humana.

V. 24: Depois de ter retomado a calma, talvez ainda com os cabelos em pé pela necessidade de usar de tamanha rigidez em relação ao apóstolo “coluna”, Jesus pediu silêncio e tomou a palavra num tom bastante solene e “quebrou a nuca” dos sonhos materialistas de todo o grupo com esta declaração solene: “Como eu vou morrer, quem me quiser seguir, morra comigo ou como eu vou morrer”. A cabeça de Pedro, com mais esta segunda revelação do Mestre, deve ter começado a rodar. Quem estava sonhando com glória, fama e poder, precisava modifi car e mudar a direção de seus interesses em direção da cruz, da qual Satanás tinha medo porque nela e por ela ele sabia que seria derrotado.

Deus em nós precisa “expulsar” o diabo, por meio da criação da fé. Do contrário, o diabo “cavalga sobre nós” (Lutero). Jesus usou da mais pura

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lei para chamar a atenção de Pedro e de seus companheiros. Jesus fazer “corpo mole” não teria tido nenhum efeito na vida de Pedro. O câncer do pecado não se combate com aplicação de água açucarada, mas com a er-radicação do tumor por meio da dor da lei. O arado da lei de Deus tem que rasgar as raízes do pecado a fi m de aparelhar o solo para a semeadura da semente do evangelho, com o fi m de neste solo produzir a vida eterna.

V. 25: Deus criou o mundo e os homens para a vida verdadeira (eter-na). O diabo, por meio da revolta de Adão, sabemos, a roubou de nós. O que sobrou foi a incapacidade de percebermos o alvo do Criador para conosco. “Ponham o seu interesse nas coisas lá do céu” (Cl 3.1). Isto foi escrito para pessoas que já tinham as marcas da cruz de Cristo (Gl 6.17). Esta busca pelas coisas da vida eterna se contrapõe aos interesses pura-mente daqui de baixo, que ainda estavam tomando o centro da atenção de Pedro e dos demais.

V. 26: A ilusão da conquista do mundo para fi ns exclusivamente egoístas sempre acompanhou a história humana. O desejo da vaidade – “tudo é vaidade” (Ec 1.2) – em maior ou menor grau de interesse, se encontra em todos os humanos, dependendo do tamanho dos sonhos e das fantasias. O mesmo estava na mente de Pedro, tomado pela fantasia de ver Jesus exaltado ao posto de rei dos judeus. Jesus teve que descê-lo do “poleiro” da vanglória e o colocar em terra fi rme. Mas isto ainda demoraria um bocado de meses até Pedro perceber que o “mundo inteiro” não é moeda para a “compra” de uma só alma imortal. Só pelo sangue de Cristo.

V. 27: Jesus completa a sua profecia a respeito daquilo que com ele aconteceria. Não deixa os seus discípulos num beco sem saída. Jesus re-vela a obra por inteiro. Pedro não precisa perder o fi o da esperança. Jesus não irá morrer e ponto fi nal. Sua morte será apenas a estratégia de Deus para pagamento dos pecados, mas não só isto. Ele vencerá, por meio da ressurreição, os poderes do maligno e será o Senhor dos senhores, e o diabo e seus anjos diante dele se ajoelharão. Era isto que Satanás estava tentando de todas as maneiras evitar que acontecesse. Pedro precisa olhar além da cruz e da sepultura. Os valores reais e duradouros, Pedro não conseguia perceber, porque estava aferrado ao daqui de baixo, ao reino corrompido por Satanás. O que antes tinha sido escândalo, mais tarde Pedro compreendeu que foi o plano misericordioso de Deus para a redenção da humanidade.

A cruz de Cristo não seria derrota, como Pedro imaginava em sua fantasia materialista. Ela produziria frutos, a “recompensa” eterna, não o reino político e passageiro, o grande sonho da maioria dos judeus.

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Como foi difícil Pedro assimilar isso. Como é difícil em todos os tempos as pessoas, mesmo em contato intensivo e contínuo com a Palavra, muitas vezes assimilarem o plano de Deus. Só o Espírito Santo “amolece” a du-reza dos corações. Pedro deve ter fi cado envergonhado com a repreensão do Senhor. O pecado, quando não nos faz sentirmos vergonha diante da santidade de Deus, não será jamais corrigido. Em Pedro, gradativamente, houve este redirecionamento – da cruz para a vitória. Precisamos olhar para a mensagem da cruz como poder de Deus para a derrota do diabo e para a vitória dos que creem.

V. 28: Além da cruz e da sepultura vazia, Jesus tenta erguer os olhos dos discípulos para mais adiante: para o grand fi nale do processo de sua passagem por Jerusalém. Sobre a afi rmação de Jesus “estão aqui algumas pessoas que não morrerão antes de verem o Filho do Homem” não há um consenso na interpretação. Há os que afi rmam que o “verem o Filho do Homem” se trata do Pentecostes, outros da transfi guração, seis dias depois deste incidente, outros ainda da volta de Jesus no dia do juízo.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Através da cruz para a glória.a) A necessidade da morte redentora de Jesus – para Deus um

evento preparado já logo após a queda – seu plano.b) O diabo fez de tudo para que ela não fosse erguida – seria (foi)

sua derrota.c) Enquanto a cruz lhe é loucura, o homem a rejeita – sua opo-

sição. d) Ao que se envergonha de seus pecados e crê na redenção da

cruz, por ela é liberto – fecha-se o plano de Deus – para a sua glória.

Heldo Egon BredowBlumenau/SC

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DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

7 de setembro de 2014Salmo 32.1-7; Ezequiel 33.7-9; Romanos 13.1-10; Mateus 18.1-20

LEITURAS

Salmo 32.1-7: o Salmo 32 é um dos salmos penitenciais mais bonitos e impactantes escritos por Davi. Ele traduz o efeito da graça perdoadora de Deus na vida de um pecador arrependido e confi ante. A misericórdia de Deus que dá o perdão leva o pecador ao arrependimento e à confi ssão. Reconhecer seu estado natural de ser completamente perdido, longe e por si inacessível ao amor de Deus, também é graça. A confi ssão se torna um alívio ao pecador que é descarregado de um peso que o angustia, cansa e machuca. O perdão gracioso e misericordioso alcança e acolhe o pecador para que possa louvar e adorar a Deus e ser digno de receber ensino, orientação e proteção para a vida diária. Arrependimento, confi ssão e perdão são o processo que Deus usa para transformar vidas.

Ezequiel 33.7-9: Ezequiel, um sacerdote de Jerusalém levado prisio-neiro com seus compatriotas para a Babilônia, é chamado por Deus para ser profeta e levar a sua mensagem ao povo de Israel. Mesmo desafi ado e desprezado pelo povo, o profeta se mantém fi rme no propósito que Deus lhe imbuíra. Como atalaia, vigia, ele adverte o justo e o ímpio mostrando para um a misericórdia de Deus e para outro o justo juízo por causa da desobediência.

Romanos 13.1-10: o apóstolo Paulo exorta a obediência à autoridade constituída como um instrumento a serviço de Deus para a boa ordem e justiça. Subordinar-se à autoridade é uma atitude de honradez que resul-ta da fé e corrobora justamente para a boa ordem das coisas. Por FÉ os cristãos fi cam devendo apenas o amor e nele vivem em harmonia.

O TEXTO

O capítulo 18 do Evangelho de Mateus inicia o famoso quarto discur-so de Jesus onde ele começa ensinando a igreja sobre a humildade e o cuidado que a igreja precisa ter com os recém-convertidos, os neófi tos. A misericórdia, e não o rigor orgulhoso e soberbo da lei e dos costumes, deve reger os relacionamentos e a conduta na igreja. O pecado, que é

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natural em todos os seres humanos, deve ser tratado com todos, tanto os recém-convertidos como os chamados “de berço”. A lei não exclui este ou aquele, mas terá um rigor maior sobre aquele que a conhece há mais tempo. Isto não permite que os “de berço” sejam privilegiados em detri-mento dos neófi tos e nem os neófi tos em detrimento dos “de berço”: ambos estão sob a misericórdia de Deus e são incapazes de cumprir o rigor que a lei exige. A misericórdia de Deus vai ao encontro de cem por cento, de todos, é por isso que busca a única perdida para que todas estejam sob seu cuidado e proteção, não apenas noventa e nove, que permanecem fi rmes e convictas. Assim a alegria será plena, completa, quando acontecer o resgate da que se perdera. Deus quer todos os seus, toda a sua igreja vivendo sob seu amor e misericórdia e para proteger a sua igreja orienta-a a cuidar dos seus membros sempre com intuito de ganhar o irmão peca-dor através do processo de arrependimento, confi ssão e perdão. O que a Igreja Cristã tem chamado de processo de disciplina eclesiástica e tem sido visto como um processo difícil, penoso e por vezes constrangedor é, na verdade, uma proteção que Deus deu à sua Igreja, como organização, e para seus membros individualmente. Por um lado a Igreja está agindo com misericórdia ao dar a oportunidade do arrependimento, confi ssão e absolvição ao pecador penitente, e por outro lado proteger o rebanho do pecador impenitente, excluindo-o do seu meio. Mesmo excluído da comunhão da Igreja, ainda resta para o pecador a misericórdia até ali negligenciada e rejeitada. A igreja recebe o “ofício das chaves” do próprio Cristo para sua proteção e instrumento de misericórdia.

Vv. 1-5: “O mais importante no Reino do céu”. A palavra usada para “mais importante”, “maior” é (meizwn – meizon) e demonstra na pergunta dos discípulos que entre eles se pensava que um seria mais importante, maior do que o outro no Reino do céu, na vida eterna. Jesus então coloca uma criança – (paidion – paidion) – no meio deles e quebra um paradigma da época que considerava as crianças, especialmente até mais ou menos os sete anos, como incapazes de raciocínio lógico, de vontade e capacidade, de ações próprias e de dúvida. Elas simplesmente confi avam e acreditavam nos adultos, mas eram consideradas incapazes de ter fé em Deus, que exigia, segundo a tradição e o costume da época, certo conhecimento. Não era dado às criancinhas o conhecimento por não terem condições intelectu-ais para o apreender. A comparação é forte, contundente e de certa forma agressiva para eles. Ser igual a uma criança era não ser ninguém especial, mas alguém insignifi cante e de certa forma desconsiderado como cidadão, era um simples ser que potencialmente poderia ser alguém no futuro, mas ninguém importante no presente. Se não vos converterdes, mudarem de vida [...] – (strefw – strepho) – literalmente tem o sentido de mudar a

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conduta, a mente de alguém. A ideia aqui é agir, e se tornar, fi car igual – (ginomai – ginomai) – pois é preciso começar a ser e se mostrarem como as crianças, pois se não, de modo algum, nunca entrarão – (eisercomai – eiserchomai) – literalmente vir para dentro, entrar no Reino do céu. Os discípulos deveriam se humilhar – (tapeinow – tapeinoo) – rebaixar-se a uma condição de humildade e insignifi cância social como eram consideradas as crianças na época, colocando-se também na condição que as crianças estavam quanto à ausência de vontade própria e presença de confi ança cega nos adultos. Jesus, na verdade, não responde a pergunta dos discí-pulos, mas deixa bem claro que enquanto eles se mantinham em posição e atitude de orgulho, soberba e vaidade própria, eles nunca entrariam no Reino do céu. Num contexto cultural extremamente marcado pela gran-deza, orgulho e soberba, o paradoxo da humildade vem na comparação com a atitude de uma criança, fi gura bem conhecida de todos na época. Receber Jesus seria como receber uma criança, seria receber a humildade encarnada, seu amor, sua misericórdia.

Vv. 6-9: O perigo do pecado – os tropeços. Jesus condena com vee-mência o fato de alguém ser desviado da fé e levado a pecar – (skandalizw – skandalizo) (“escandalizar”) – literalmente colocar uma pedra de tropeço ou obstáculo no caminho, que aqui tem o sentido metafórico de seduzir ao pecado e fazer uma pessoa começar a desconfi ar e abandonar alguém em quem deveria confi ar e a quem deveria obedecer. Os pequeninos – (mikrovj– mikros) – pequeno, são aqui considerados aqueles com pouca fé, ou fé simples, ingênua, pura e sem maldade, os neófi tos que ainda precisam de “leite espiritual” e não estão aptos à comida espiritual, mais sólida. Aquele que se torna o instrumento de tropeço, queda – (skandalon – skandalon) (“escândalo”) – literalmente uma armadilha, será considerado culpado por fazer alguém abandonar a fé em Cristo. Jesus novamente faz uso da “lei do talião”, mão por mão, pé por pé, olho por olho, para mos-trar o rigor com que será julgado o responsável por fazer tropeçar. Jesus afi rma que é melhor perder uma mão, pé ou olho do que ser condenado eternamente.

Vv. 10-14: Ovelha achada. Jesus continua mostrando mediante uma comparação singela, mas comum, o cuidado para com o povo e de uma maneira especial com os recém-convertidos, os espiritualmente crianças, pequeninos que carecem de leite espiritual. O homem deixa noventa e nove ovelhas e vai atrás daquela que se perdeu, se extraviou – (planaw – planao) – um verbo no presente passivo e que literalmente tem o sentido de fazer algo ou alguém se desviar, desviar do caminho reto, perder-se, vagar, perambular ou, metaforicamente falando, desencaminhar da ver-

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dade, conduzir ao erro, enganar, ser induzido ao erro, ser desviado do caminho da virtude. Aquele que se perdeu, que peca, desvia-se ou afasta-se da verdade está sendo arrastado por sua natureza e por algo que lhe aconteceu, porque sofreu uma infl uência para desviar-se. O alerta de Jesus é para buscar porque sozinho não consegue voltar. Se for abandonado, estará abandonado. A alegria, o prazer – (cairw – chairo) – o regozijo, contentamento, fi car extremamente alegre – com a que fora encontrada – (euriskw – heurisko) – achada depois de ser procurada é muito maior do que por aquelas que estavam e permaneceram unidas, juntas, fi rmes e protegidas sem se desviar. Não é desprezo por noventa e nove, mas louvor e gratidão por 100.

Vv. 15-20: Dialogando com o irmão culpado. Aqui Jesus orienta cla-ramente como se deve tratar com o irmão culpado, aquele que pecou – (amartanw – hamartano) – que erra o alvo, que está errado ou desvia-se do caminho da retidão e honra e anda no erro, desviando-se da lei de Deus e violando-a. O objetivo é ganhar – (kerdainw – kerdaino) – ganhar alguém conquistando-o para o Reino de Deus é ganhar alguém para a fé em Cristo. O foco é ganhar o irmão trazendo-o de volta à comunhão com Cristo mediante arrependimento e perdão. O diálogo para a reconquista é progressivo, primeiro particularmente, depois com testemunhas e por fi m diante da igreja – (ekklhsia – ekklesia) – reunião de cidadãos cha-mados para fora de seus lares para algum lugar público uma assembleia de cristãos reunidos para adorar em um encontro religioso. Igreja é um grupo de cristãos, ou daqueles que, na esperança da salvação eterna em Jesus Cristo, observam seus próprios ritos religiosos, mantêm seus próprios encontros espirituais e administram seus próprios assuntos, de acordo com os regulamentos prescritos para o corpo por amor. E então, se ainda assim não ouvir a exortação e advertência, deverá ser considerado como gentio e publicano. Em outras palavras, seja excluído da comunhão da igreja. Nessa tratativa se estabelece o “ofício das chaves”, um poder dado por Deus à sua Igreja para que a Igreja chame o pecador ao arre-pendimento para lhe proclamar, então, o perdão. A Igreja se reúne em nome de Cristo, e é em nome de Cristo que pratica a exortação e é em nome de Cristo que proclama o perdão ao pecador arrependido ou retém o perdão ao pecador impenitente.

CONSIDERAÇÕES

O 13º Domingo após Pentecostes cai justamente no dia 7 de setembro, uma data histórica para o nosso país que celebra sua inde-pendência nesse dia. A famosa frase “Independência ou morte” continua

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sendo um paradigma para a nossa nação frente a tantas dúvidas, incer-tezas e anseios. Será que de fato somos uma nação livre, independente? Por outro lado, olhar para a verdadeira liberdade que temos como nação santa dependente da graça maravilhosa de Deus nos enche de certeza e confi ança para viver e servir em verdadeira independência “levando Cristo para todos”.

Jesus traz aos discípulos ensinamentos relacionados com a conduta cristã e vida da Igreja, que é impossível fora da graça (Ef 2.8-10). Jesus usa as contradições para mostrar onde está a verdadeira humildade, singeleza de fé e confi ança inabalável. Não vamos conseguir obedecer e honrar nos-sas autoridades (Rm 13.1-10) enquanto o centro e o foco não for o amor misericordioso de Cristo. No amor e em amor somos capacitados, como dependentes da graça, a servir, honrar e obedecer como verdadeiros e autênticos vigilantes no meio de um povo que caminha naturalmente para a destruição. A luz da graça continua brilhando e o perdão transforma as vidas ao ponto de vivermos a independência como verdadeiros cidadãos do Reino dos céus.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Independência ou morte!

1. Para entrar no Reino dos céus precisamos ser como crianças; - Naturalmente, queremos viver a independência, que hu-

manamente falando nada mais é do que a dependência total e absoluta de nossa condição natural de pecadores. Somos escravos do pecado (Sl 32.3-4).

- Ser como crianças signifi ca assumir uma condição humilde e de arrependimento, reconhecendo e admitindo nossa depen-dência;

2. Nossos inimigos naturais, o diabo, o mundo e a nossa natureza humana continuam nos seduzindo e nos distanciando do Reino dos céus;

- Somos dependentes da natureza humana sob uma falsa ideia de independência que vai nos distanciando do amor de Cristo;

- Deus pune com rigor aquele que desvirtua um dos seus pe-queninos, que os ilude com falsas promessas;

3. O amor de Deus nos encontra, perdoa e restaura, garantindo a verdadeira independência na graça;

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- A independência, ou a verdadeira liberdade, não é tarefa fácil e nem simples; exige dedicação, persistência e muita confi ança na misericórdia de Deus.

- Podemos viver como cidadãos do céu nesse mundo, pois estamos no mundo mas dele não somos.

Horst Siegfried MusskopfCEL Concórdia de Porto Alegre/RS

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14 de setembro de 2014Mateus 18.21-35

O TEMA

Os textos sugerem e afunilam na direção e na abordagem do perdão. A palavra “perdoar” signifi ca soltar, libertar, deixar ir. A situação que frequen-temente nós criamos, na relação falha com o próximo, é a de prendê-lo a nós mesmos quando este peca ou nos ofende, causando uma ruptura na relação de amor. Nós guardamos remorso, ódio, alimentamos a vingança e a vontade de fazer justiça com as próprias mãos. São inúmeros os casos, inclusive dentro do contexto familiar e da igreja, de pessoas que em todos os domingos vão ao culto, mas não conseguem olhar para a cara do mano, do pai ou da tia porque houve pecados, ofensas e fofocas que não são fáceis de apagar do quadro de memórias. Esta situação cria um estado de escravidão na coleira de quem foi ofendido. José, no texto de hoje, tinha seus irmãos sob sua tutela e poderia ter aproveitado a situação para se vingar. E não o fez porque tinha o conceito correto do perdão. Ele soltou seus irmãos para uma vida livre e leve, apesar da gravidade da ofensa. Os laços foram refeitos e a família restabelecida, mesmo com a morte do pai Jacó. Seria oportuno perguntar ao público: quem está preso na sua coleira por alguma razão e você não consegue soltá-lo? Esta condição toma outro rumo e feição quando nossos olhos se voltam para o evento da cruz, onde vemos nossa conta sendo paga por quem tinha a receber. Pesa a nosso favor uma grande soma, impagável, que Deus em Cristo resolveu.

A PERGUNTA DE PEDRO: “QUANTAS VEZES DEVO PERDOAR?”

Se focamos aquele que fez a pergunta e seu comportamento explosivo, sempre “rápido no gatilho”, poderíamos dizer que o que vem antes motivou seu questionamento. “Se teu irmão pecar, vai conversar com ele a sós”. Pedro ouviu isso. Não podemos dizer que ele tinha seus inimigos ou pes-soas das quais guardava remorsos. Mas, se olhamos para dentro de nós mesmos, vamos ver que faz sentido saber se há ou não um número fi xo de vezes em que um irmão precisa ser perdoado. Jesus não dá margem a números redondos ou fechados, mas nos faz olhar para o sem-limites-fi xos no repetir da frase: Eu te perdoo. Você está livre.

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ACERTAR CONTAS

A ideia que o texto transmite é que este ajuste é uma rotina na vida do patrão e do empregado também. Vê-se também que o acerto é neces-sário, mas não representa uma carga, uma pressão, um peso para ambos. O ajuste ocorria na maior calmaria e diálogo. O empregado também não nega a sua conta; os cálculos estavam certos. O que temos de comum aqui é uma realidade do povo brasileiro em geral: gastar mais do que se ganha. Então vem a rolagem da dívida e no fi m o que se tem não alcança para cobrir o rombo.

A REAÇÃO DO SERVO

Diante da impossibilidade do pagamento e quitação, o servo se lança de joelhos e pede clemência. Aqui estamos vivendo o culto de todos os domingos quando cantamos: tem misericórdia de mim, pobre pecador. A única palavra eliminada é esta: “tudo pagarei”. Ela foi eliminada da liturgia dos pecadores. Ela não é mais necessária. Aqui cabe mencionar Tetzel e outros tantos vendedores ambulantes do evangelho que mercadejam a palavra em benefício próprio. O verdadeiro perdão é gratuito.

A REAÇÃO DO PATRÃO

Apesar de conter apenas um ponto de comparação na parábola, po-demos enriquecer a mensagem com alguns detalhes que não deturpam seu signifi cado. Aqui, diante da impossibilidade de pagamento, o patrão se compadece e anula a dívida com o perdão. “E o deixou ir”. Soltou-o. Notamos o grande e contundente amor de Deus, o Pai. A conta paga na cruz foi uma cifra impagável para nós humanos. Paulo fala isso de forma inversa, mencionando o preço pago por Deus em 1 Co 6.20. No acerto de contas com o irmão, eu tenho que levar junto comigo o saldo da cruz: está consumado. Está tudo pago. Os homens não resolvem seu problema com uma calculadora e propostas de fi nanciamento a longo prazo. Dívidas com Deus não podem ser parceladas. O acerto de contas passa pela atitude do patrão: chamar os seus devedores. Um a um Ele chama. Pelo nome. Paulo expressa isto assim hoje: “Cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus.” Deus, em seu grande amor, debita em nosso favor um crédito.

O CONSERVO

Se lá no acerto anterior o patrão teve uma iniciativa amorosa em todos os sentidos, aqui o perdoado e sortudo vai com tudo para cima do seu

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irmão que lhe deve uma soma irrisória na relação com a dívida dele. Não houve diálogo, senão um forte e nervoso: “Paga-me o que me deves”! Aqui revela-se a fraca natureza humana e corrompida pelo pecado. Nós somos esquecidos e vingativos. Esquecemos do grande amor de Deus e queremos ainda engordar nossa conta com os centavos que o outro nos deve. E o conservo cantou o mesmo verso: tem misericórdia de mim e tudo te pagarei. Vale a pena conferir 1 Jo 4.19-21.

O PAI CELESTIAL

O fechamento mostra que o perdão tem refl exo no céu. Perdoar ao ir-mão é um gesto de fé, coragem e humildade, mas acima de tudo um gesto de natureza divina. É próprio de Deus perdoar e esquecer nossos pecados e maldades (Is 43.25). Se houve alguém que sentiu muito bem isto foi o próprio autor da pergunta sobre o perdão. Pedro, ao negar Jesus, vê o seu pecado e recebe o olhar do Mestre e depois cai no choro em arrependimento. Os irmãos de José certamente dormiram muito bem depois de terem ouvido do próprio: “Não tenham medo. Estaria eu no lugar de Deus?” (Gn 50.19).

APLICAÇÃO

Parece-me que perdoar não é mais uma palavra tão presente no nosso linguajar diário. Isso signifi ca que o pecado perdeu o peso e sua gravidade. Porém, ofender alguém é pecado, sim, e causa enormes feridas no coração do outro. Precisamos sempre de novo ouvir e ter diante dos olhos o resgate da cruz. Há uma conta paga em defi nitivo. Há um saldo a nosso favor. Isso precisa pesar na hora de eu voltar para casa e enxergar o meu irmão, inimigo, devedor e fazer o acerto. Muitas vezes e muitos irmãos dormem mal porque não souberam, não quiseram e não levaram em conta o amor de Deus nesta questão. Se cremos na “comunhão dos santos”, então precisamos de fato e de verdade soltar nosso irmão, não importa a gravidade do erro.

ESBOÇO

Tema: Solta o teu irmão!Partes: Quando? Sempre e agora.

Por quê? Porque Cristo o fez.Como? Lembrando o preço pago na cruz e esquecendo pecados.Onde? Em particular.

Ilmo RieweArapoti/PR

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21 de setembro de 2014Salmo 27.1-9; Isaías 55.6-9; Filipenses 1.12-14,19-30;

Mateus 20.1-16

O mundo está sem graça. Aliás, o mundo é sem graça. Sem a graça.Aqui tudo gira em torno da meritocracia: fez, recebeu; fez mais, rece-

beu mais. Não há espaço para graça, misericórdia... No cálculo humano, a palavra de ordem é “merecimento”. E quando alguém trabalha menos e recebe mais, não é só a injustiça da situação que salta aos olhos – em anexo vem a inveja.

É por isso que a parábola de Mateus 20.1-16 soa impactante. Com os olhos da razão ela realmente soa injusta. Nossos cálculos não batem com o cálculo do dono da plantação. Não é justo alguns trabalharem o dia inteiro, de sol a sol, e no ajuste de contas ganhar exatamente o mesmo que os trabalhadores de uma única hora. Muito menos dá para concordar com a conclusão de Jesus de que “aqueles que são os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros”. Como seria um Campeonato Brasileiro sob esta ótica?

Mas temos que entender que Jesus está falando do “Reino do Céu”, expressão que Mateus emprega 32 vezes e que nada mais é do que o próprio reino de Deus – uma maneira tipicamente judaica de evitar o uso do nome divino. E o reino de Deus é exatamente a forma como esse Deus age, em contraste com os pensamentos humanos.

Vale lembrar ainda em que situação a parábola é contada, ou o confl ito que a originou. O capítulo 19 relata o episódio entre Jesus e o jovem rico, que pensava ter obedecido a tudo o que lei requeria, mas retirou-se da presença de Jesus quando o assunto mexeu com o bolso. Entre camelos passando pelo fundo de agulhas e salvação impossível aos homens e pos-sível para Deus, Pedro sai com essa: “Veja! Nós deixamos tudo e seguimos o senhor. O que é que nós vamos ganhar?” (19.27).

“O que é que eu ganho com isso” é a lógica tipicamente humana. A minha lógica. A tua lógica.

Sim, há um ganho. Mas o que Jesus diz é: ele não deve ser a razão do nosso esforço. E mais: o ganho é sempre uma dádiva. O que acontece antes mesmo do nosso esforço é graça. Graça pura.

Por isso, diz Jesus, “o Reino do Céu é como o dono de uma plantação de uvas que saiu de manhã bem cedo para contratar trabalhadores para a sua plantação” (v. 1). Dá para perceber que a iniciativa do reino é sempre

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divina. Encontrando os trabalhadores logo às 6 da manhã, o proprietário da plantação combina com eles o pagamento de um denário, o salário de praxe pela jornada diária.

Outros trabalhadores são contratados – os das 9 horas –, mas o dono não combina com eles o valor. Diz apenas que pagará “o que for justo” (v. 4). Contrata ainda trabalhadores ao meio-dia, às três e, por fi m, às cinco da tarde. Com os últimos contratados não há combinação de preço. Mas seria de se esperar que o preço pago fosse por hora trabalhada. Havia uma pequena moeda chamada pondion, que valia a duodécima parte de um denário – ou seja, quem trabalhou duas horas poderia ganhar duas moedas destas. Em todo o caso, a turma está lá trabalhando. O enrosco vem com o pagamento.

O pagamento, de acordo com a lei judaica, deveria ser feito no mesmo dia, ao pôr do sol (Lv 19.13). O dono da vinha chama o administrador e ordena o pagamento dos trabalhadores, começando pelos últimos. Assim, aqueles que foram chamados por primeiro testemunhariam o pagamento feito aos chamados por último. Estes, das 5 da tarde, receberam o paga-mento de um dia inteiro de serviço. Há generosidade no dono da plantação. Eles não ganharam o pondion – ganharam o denárion. Dá para imaginar a cara de felicidade dessa turma – aqueles que, um pouco antes, estavam desocupados na praça porque ninguém os contratara para trabalhar. A graça é assim: pega a gente de surpresa e devolve a alegria, a satisfação, a gratidão. A pergunta para estes trabalhadores poderia ser: o que você pensa de um patrão assim?

A conclusão daqueles que mais trabalharam é mais do que lógica: “Se eles trabalharam tão pouco e receberam um denário, nós certamente rece-beremos mais”. Mas a lógica deles não é a mesma do dono da plantação, e eles também recebem um denário. Aí não dá outra: a inveja fala mais alto e começam as reclamações: “Estes homens que foram contratados por último trabalharam somente uma hora, mas nós aguentamos o dia todo debaixo deste sol quente. No entanto, o pagamento deles foi igual ao nosso!” (v. 12).

Há alguns paralelos aqui. Os trabalhadores contratados ao fi m da jornada nos remetem ao malfeitor arrependido na cruz. No apagar das luzes, a graça para ele foi a mesma que para os discípulos. Já a inveja escancarada nesse tão nobre sentimento de justiça humana, protestada pelos primeiros trabalhadores, soa incrivelmente parecida com a queixa do fi lho mais velho, na parábola do pai amoroso e os fi lhos perdidos (Lc 15.11-32). Lembram da cena? O fi lho mais novo é recebido novamente em casa pelo pai, que manda matar o bezerro gordo e fazer uma grande festa. A reclamação do fi lho mais velho com o pai está na ponta da [nossa] língua – Lc 15.29-30. Percebes o eco do ciúme?

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O arremate do dono da plantação tem uma sequência de três per-guntas retóricas, às quais, se a honestidade falasse alto, a resposta seria “sim”:

- Você não concordou em trabalhar o dia todo por uma moeda de prata? (v. 13)

- Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com o meu próprio dinheiro? (v. 15a)

- Ou você está com inveja somente porque fui bom para ele? (v. 15b)

Não há comentários dos trabalhadores. A lógica da graça não perten-ce à esfera da lógica humana e matemática: “Assim, aqueles que são os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros” (v. 16).

CONTEXTO LITÚRGICO

As demais leituras do 15º Domingo após Pentecostes contrapõem a forma como homens pensam e a forma como Deus age. O introito (Salmo 27.1-9) mostra Davi, seu mundo e a razão da sua esperança e confi ança. A vida do jovem rei não foi o que costumamos chamar de “viagem tran-quila”. Note-se a alusão aos malfeitores, opressores, inimigos (v. 2). Há planos bem humanos na jogada, planos escusos, de armadilhas, ataque e morte. Mas Davi expressa sua confi ança na lógica divina, na proteção que ele desfruta nAquele Senhor que é luz e salvação. Curioso que Davi faz uma alusão ao culto como um momento de sentir a bondade de Deus e pedir [e receber] também a sua orientação. Eis um bom exemplo para pensar quando somos tentados a elaborar planos humanos de defesa, colocando Deus para escanteio.

Já Isaías 55.6-9 continua o tema da graça. Quem sabe poderíamos ini-ciar a leitura já no versículo 1: o Senhor está falando, de forma metafórica, sobre uma fi gura familiar no dia a dia em Jerusalém: o vendedor de água, que carrega um pote nas costas e oferece em alta voz o seu suprimento à venda (“que os sedentos venham à água!”). O quadro é completado com um convite para comprar grão (“venham, comprem e comam!”) e faz-se menção também de vinho, leite e uma fi na refeição. O apelo é feito para vir e “comprar”, mas a intenção é outra: Deus não é mercador que oferece a Sua mercadoria mediante pagamento; pelo contrário, Ele convida as pessoas para um banquete de salvação, que pode ser obtido por nada – “sem dinheiro” e “sem preço” (ARA). Note que o convite é para “os que têm sede” e “os que não têm dinheiro”: os convidados estão sedentos e famintos e faltam-lhes os meios para mudar essa condição. Acontece que faz parte da natureza humana querer pagar por aquilo que recebe. Não é

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à toa que os pensamentos de Deus são tão diferentes, e que Ele age tão diferente dos homens (vv. 8-9). O ser humano continua ignorando que, diante de Deus, é como um mendigo à porta do restaurante. Se não lhe for dada a chance de entrar por misericórdia, morrerá de fome. Assim, enquanto muitos querem pagar, o convite do Senhor é diferente. É de graça. E não é propaganda enganosa. Mesmo o tão conhecido “Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (v. 6) não deveria ser visto apenas do ângulo dos verbos no imperativo, mas da razão pela qual a ordem pode e deve ser levada a sério: Deus pode ser achado (revelou-se) e está perto (não distante). Da mesma forma o perverso e o iníquo podem arrepender-se porque Deus é compassivo, “rico em perdoar” (v. 7). É sempre bom lembrar que o arrependimento tem início no coração de Deus, na sua compaixão e graça perdoadora. Se Deus pensasse e agisse como os homens, o que seria de nós?

Já Paulo, em Filipenses 1.12-14, consegue enxergar, da precariedade da sua situação, que até mesmo suas algemas contribuíram para o progresso do evangelho. O que homens consideram um grande opróbrio, Paulo considerou do ângulo da ótica divina: sua prisão foi uma oportunidade para que toda a guarda do palácio soubesse que ele não é um malfeitor civil, nem um preso político – ele é, antes, um “servo de Cristo”, um servo sofredor que anda nos passos de seu Mestre e Salvador. Assim também, sua prisão é – por mais ilógico que isto possa parecer – um estímulo à confi ança dos cristãos “no Senhor”, para que eles anunciem corajosamente Sua Palavra. A parte fi nal, 1.19-30, também contrasta o sentimento humano da vida, em detrimento da morte. Para Paulo, “se eu continuar vivendo, poderei ainda fazer algum trabalho útil” (v. 22). Embora não deixe de ser verdade, o incoerente do ponto de vista humano é admitir, pela fé, que o “morrer é lucro” (v. 21). Acontece que a fé não é um cálculo matemático de coisas conquistadas, mas a apreensão daquilo que não se merece e que alguém outro conquistou – o próprio Cristo. Assim, “deixar esta vida e estar com Cristo” e tudo que Ele preparou é desumano e, por isso, “bem melhor” (v. 23).

SUGESTÃO HOMILÉTICA

O cálculo divino da graça x cálculos humanosa) Introdução: conta-se que uma jovem faleceu e foi para o céu. Na

porta o anjo lhe disse: “Aqui todos recebem um meio de transporte a fi m de conhecer o Reino. Será de acordo com o seu procedimento na terra: sua vida pessoal, seus relacionamentos com Deus, com sua família, seus irmãos, seu testemunho, etc. Pelo que estamos observando, você tem direito a um Fusquinha 1965”.

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A jovem fi cou espantada: “O quê?! Só um fusquinha?” “Sinto muito, mas sua vida na terra não foi muito legal. Pode pegar o seu Fusquinha”. A jovem outra vez fi cou espantada. Era um “caidinho” com a porta em-perrada, os pneus carecas e com pouco combustível. “O que vou fazer com isto?”, disse ela.

“Bem”, respondeu o anjo, “foi o que conseguimos fazer com o material que você mandou...” A jovem saiu muito chateada e foi embora. No dia seguinte ela apareceu com o “caidinho” toda feliz e o anjo lhe perguntou: “Que felicidade é esta? Ontem você fi cou tão triste... O que aconteceu?”

“É que vi meu pastor andando de patinete...”

Dois sentimentos muito presentes na mente das pessoas: 1) Quando se fala em céu, paraíso, vida eterna, a maioria das pessoas logo pensa que isso é uma recompensa pelo serviço que desenvolveram aqui na terra. “Você quer ir para o céu, ter uma vida melhor no além? Então se esforce, faça o bem e seja caridoso”. Em outras palavras, “aí você será merecedor de uma Mercedes no céu”... O céu passa a ser, então, uma recompensa com base nos cálculos matemáticos humanos. 2) Contentamento pelo fracasso alheio, o que está intimamente ligado à inveja. A jovem da his-torinha não tinha conseguido muita coisa, mas seu pastor tinha menos ainda – “ah, que alívio!” “Se eu não consegui, mas este ou aquele não conseguiu também – então tudo bem!” “Se eu não mereci, então fulano também não merece!”

Ponte para o desenvolvimento: breve explicação da parábola

Desenvolvimento: a) Cálculos de Deus diferentes dos cálculos humanos (Is 55.8-9)

- E se Deus usasse nossos critérios? - Uma rápida olhada nos Dez Mandamentos nos deixaria em pânico.- Ficaríamos devendo.

b) Ainda bem que os cálculos de Deus são diferentes.- Sua justiça é aquilo que chamaríamos de injusto.- Mas sua justiça nos salva em Cristo – Ele pagou o que devíamos.- O “cálculo de Deus” é nada mais nada menos que a sua graça.

c) Vale a pena então fazer corpo mole e adiar a aceitação do convite?- “De que adianta se esmerar se vêm outros atrás de nós que vão

receber o mesmo tanto?” Não é assim que Deus pensa.- Ou você acha que estar desempregado é sinônimo de felicidade?- Fazer parte desta “equipe de operários” é, também, pura graça!

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Conclusão: certo homem chegou aos portões do céu, onde foi rece-bido por um anjo que lhe solicitou um pequeno histórico. O anjo pediu que ele destacasse no seu currículo as coisas que ele achava importantes para poder entrar no reino do céu. “Você precisará de 1000 pontos para ser admitido” – observou o anjo.

“Isso deve ser apenas uma formalidade” – pensou consigo o homem – “eu estive envolvido na igreja desde criança.” Então começou a listar as suas atividades para o anjo. Ele tinha sido líder já na Escola Dominical, passando pelos jovens, e atuara em todos os níveis. Estava na Diretoria da Igreja e integrou praticamente todas as comissões. A lista dele era extensa. “Bem impressionante” – disse, sorrindo, o anjo. Um outro anjo, que observava e anotava tudo, também sorriu acenando com a cabeça e depois sussurrou a soma de pontos nos ouvidos do primeiro anjo, que então disse ao homem: “Bem, você está muito acima da média. Nós raramente recebemos pessoas que conseguem somar tantos pontos por suas obras. Você vai gostar de saber que já somou 327 pontos! Lembra de mais algumas coisas que podemos somar?”

O pobre homem começa a suar frio e se esforça ao máximo para lembrar mais alguma obra de bondade. À medida que ia citando mais algumas, o anjo assistente escrevia-as rapidamente na sua lousa e acenava com a cabeça em admiração. O anjo principal então olhou novamente para a lousa e disse: “Isto é excepcional! Você tem um total de 402 pontos agora. Você consegue lembrar de mais alguma outra coisa?”

O sujeito, afl ito, se esforça para recordar outras boas ações. Lembra anda que ajudou uma senhora idosa a atravessar a rua. Com isso, chega, fi nalmente, a um total de 431 pontos e começa a gritar: “Eu estou perdido! Não há nenhuma esperança para mim! O que mais eu poderia ter feito? Ó Deus, tudo que eu posso fazer é implorar por sua misericórdia e graça!”

“ISTO” – exclama o anjo – “vale mil pontos!”

Os cálculos de Deus são diferentes. Que bom!

Júlio JandtItararé/SP

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28 de setembro de 2014Salmo 25.1-10; Ezequiel 18.1-4, 25-32; Filipenses 2.1-4 (5-13) 14-18;

Mateus 21.23-27 (28-32)

A autoridade oculta de Jesus revelada aos simples!

CONTEXTO

Jesus está ensinando no templo, o que requer uma autoridade diante dos sacerdotes e anciãos, visto que estes se consideravam portadores da Torá ou da Lei como revelação da vontade de Deus para as pessoas. Para ensinar no templo, todos os requisitos da lei deveriam ser observados.

A autoridade de Jesus é questionada por estes líderes, os quais se veem sem resposta diante da pergunta de Jesus: “Donde era o batismo de João, do céu ou dos homens?” Se dissessem “dos céus”, Jesus perguntaria o porquê de não acreditarem nele. Se dissessem que era dos homens, passariam a temer o povo que considerava João um profeta.

A autoridade de Jesus é questionada por aqueles que não viram o “si-nal” de Deus encarnado no próprio Jesus. Se não acreditaram no batismo de João, não dariam nenhum crédito às explicações de Jesus a respeito de sua autoridade.

Esta autoridade está em perdoar pecados de “publicanos e meretri-zes” que creram na palavra de Jesus, a exemplo da comparação dos dois fi lhos, em que um fez a vontade do Pai, mesmo dizendo que não faria, e enquanto que os judeus, que tinham a função de falar do amor de Deus às pessoas, fecharam-se em si mesmos, endeusando a lei, a tradição e a própria cultura em lugar da manifestação do amor de Deus em seu próprio Filho.

DESTAQUES DO TEXTO

Autoridade de Jesus oculta aos que não lhe dão autoridade.Um pressuposto bem defi nido pode mudar o rumo de um argumento.

Podemos partir do pressuposto que a ceia do Senhor é um prêmio para os que “se comportaram” ou se “prepararam”, ou podemos partir do pressu-posto que a ceia é para fortalecer os fracos que necessitam estar ligados a Jesus, sem nada para oferecer-lhe. Qualquer um dos pressupostos resulta

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em uma prática! Essa prática resulta em abrir ou fechar portas para os “doentes”, pois os sãos não precisam de médico!

O pressuposto de que Jesus é enviado de Deus é aceito por aqueles que encontraram no evangelho um relacionamento aberto com Deus Pai unicamente pela graça revelada do Pai em seu Filho. O pressuposto de que a lei e a tradição engessadas e idolatradas são requerimentos para entrarem no Reino exclui entrar no reino pela graça, a exemplo de pros-titutas e publicanos.

Se o pressuposto for a fé na graça revelada por Jesus, então abre-se espaço para os excluídos, sem nome ou sobrenome “de peso”, sem a tradição “histórica” ou cultural.

Se o batismo de João veio dos céus, então este foi o sinal de que a autoridade de Jesus vem dos céus! E a autoridade se confi rma na entrada do Reino dos céus por aqueles que jamais entrariam sem os pressupostos daqueles líderes judeus.

ESBOÇO HOMILÉTICO

1. A autoridade de Jesus confi rmada pela graça de Deus1.1 Autoridade: impor ou propor? “Quando um pai de família ou um chefe de uma equipe necessita

dizer: ‘aqui quem manda sou eu’, é porque sua autoridade há muito já foi perdida.

1.2 Autoridade dos líderes judeus: imposição1.3 Imposição de leis, costumes, tradição, classes social e familiar1.4 Imposição pela autoafi rmação1.5 Imposição pela lei-deus!

2. Autoridade de Jesus2.1 Uma proposta de inclusão2.2 Incluir prostitutas, publicanos, cegos, leprosos e demais do-

entes espirituais2.3 Autoridade confi rmada pelo perdão dos pecados2.4 Perdão dos pecados: proposta de Deus2.5 Proposta do Deus da lei e da graça

3. Autoridade para a missão3.1 Evangelho: uma proposta de reconstrução da identidade

humana3.2 Uma nova realidade de vida pelo convite de Jesus3.3 Proposta de liberdade de todas as amarras da maldição da lei3.4 Proposta de liberdade de todas as leis humanas

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3.5 Proposta de um novo reino que aceita pela “justiça da fé”3.6 Autoridade que se conquista pela proposta do Reino e não pela

proposta da ação humana.

Rafael WilskeToledo/PR

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DÉCIMO SEXTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

5 de outubro de 2014Salmo 80.7-19; Isaías 5.1-7; Filipenses 3.4b-14; Mateus 21.33-46

LEITURAS BÍBLICAS DO DIA

Salmo 80.7-19: O salmista lembra que Deus trouxe o povo de Israel (a parreira) do Egito e o instalou na terra prometida, abençoando-o com prosperidade. Mas os inimigos a atacaram e destruíram, e a pergunta é por quê. O próprio salmista dá a resposta no versículo 18: porque o povo se afastou do SENHOR. O pedido é que Deus os faça prosperar novamente, mostrando sua misericórdia e salvando-os.

Isaías 5.1-7: Neste texto o profeta descreve o que iria acontecer com a parreira de Deus, o povo de Israel e Judá, tão amada e cuidada pelo SENHOR. Por não viver como Ele esperava, fi caria abandonada e seria destruída, como descrito também no Salmo 80.

Filipenses 3.4b-14: Paulo lembra sua vida de fariseu fanático, a ponto de perseguir a Igreja. Mas, por causa de Cristo, considera todo seu passado como lixo, sabendo que é aceito por Deus pela fé em Cristo. Na segunda parte o apóstolo mostra seu desejo de avançar em direção ao alvo, o prêmio da vitória dada por Deus em Cristo.

Mateus 21.33-46: Com a parábola dos lavradores maus, Jesus usa a fi gura da plantação de uvas, muito conhecida pelo povo de Israel, para mostrar como Deus agiu com seu povo e esperou a resposta ao seu amor e cuidado, mas foi rejeitado, tendo o próprio fi lho morto pelos lavradores. Por isso, Deus daria seu Reino a outros.

TEXTO E CONTEXTO

Jesus já havia entrado em Jerusalém e expulsado os que faziam co-mércio no templo. Depois de ir a Betânia, retornou ao templo e, questio-nado por sacerdotes e líderes judeus, contou a parábola dos dois fi lhos e então a parábola de nosso texto, que tinha como principal público alvo os sacerdotes e fariseus.

Na sequência Jesus continua conversando com os fariseus, saduceus e outros líderes judeus, sempre “colocando o dedo na ferida” dos mesmos.

Não há, no original grego, nenhuma difi culdade maior com o texto, ou algo que seja necessário destacar para nosso estudo.

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COMENTÁRIOS HOMILÉTICOS E APLICAÇÃO

Jesus usa a fi gura da videira, muito conhecida pelo povo, e isto certamente captou a atenção de todos. O Salmo 80 e o texto de Isaías 5 são exemplos do uso da fi gura por Deus no Antigo Testamento. Algumas observações:

V. 33: O agricultor é Deus e a parreira é seu povo (cf. Sl 80.8 e Is 5.7). A cerca, colocada para proteção, pode ser uma fi gura da Lei, que protegia Israel dos gentios, guardando as mentes dos israelitas contra a maneira pagã de viver.

Tudo foi muito bem preparado e o ir viajar e deixar a videira nas mãos dos lavradores mostra a confi ança que Deus teve nos líderes de Israel, deixando seu povo aos seus cuidados. Deus tirou o povo do Egito, levou-o a Canaã e deu-lhe a terra prometida, deu-lhe a Lei, os sacerdotes e pro-fetas e deixou seu povo aos cuidados dos líderes espirituais.

V. 34: O ponto central não é, como em Isaías 5, a produtividade da vinha, mas sim a atitude dos lavradores com relação aos que foram en-viados pelo dono para receber sua parte na colheita.

Os frutos esperados por Deus de sua vinha, Israel, eram o arrependimento, a fé e a obediência por parte de seu povo por quem tudo Ele fez. Deus não abençoou seu povo apenas com a Lei, mas com sua graça plena. Por isso o principal fruto esperado era a fé e a confi ança unicamente no Senhor.

Os servos enviados por Deus foram seus profetas, inclusive João Batista.

Vv. 35,36: Jesus usa algo impensável na vida real para ilustrar a pa-ciência e amor de Deus para com seu povo: nenhum dono de vinhas faria o que fez este da parábola – enviar mais servos diante de uma reação tão violenta contra os primeiros. A paciência de Deus com Israel é algo sem paralelo na história humana e por isso Jesus exagera nas “cores” da história para mostrar tal amor tão grande.

V. 37: Aqui a parábola torna-se profética, pois o fi lho do dono é o próprio Jesus. Como os profetas, ele é enviado, não por ser profeta, mas sendo realmente o próprio Filho de Deus. O amor de Deus vai ao extremo de enviar seu próprio Filho, na esperança de que o respeitem.

Vv. 38,39: Diante do povo que o ouvia no templo, Jesus mostra cla-ramente aos líderes judeus que sabia o que eles iriam fazer com ele. Eles temiam que Jesus os fi zesse perder sua posição e privilégios e, mesmo sem crer que ele fosse o Filho de Deus, o matariam, para manter para si a “herança”.

Vv. 40,41: Os próprios ouvintes deram a sentença dos lavradores maus. O próprio dono da vinha, Deus, julgaria os assassinos e daria a vinha a outros – isto começou no Pentecostes, quando o Reino de Deus passou a ser dado a outros, que vão produzir os frutos do Reino.

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IGREJA LUTERANA

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V. 42: Jesus, o fi lho da parábola, usa agora a fi gura da pedra princi-pal, do Salmo 118, para si mesmo: rejeitada pelos construtores (líderes judeus), torna-se a pedra mais importante na nova estrutura que vai surgir, o novo templo do Senhor, espiritual (1Pe 2.4-8), na nova aliança de Deus com seu povo.

Vv. 43,44: Por causa da rejeição a Jesus, a pedra principal, o Reino será dado a outros que produzirão os frutos do Reino – arrependimento, fé e as obras da fé.

Jesus aqui usa a fi gura da pedra sem conexão com a construção: quem se opor a Ele vai se machucar e pode até mesmo ser destruído – o julgamento de Deus é descrito de modo muito severo.

Vv. 45,46: O fato de Jesus dirigir as parábolas especialmente aos sacerdotes e fariseus só aumentou seu ódio contra ele. Mas, temendo o povo, que considerava Jesus um profeta e era numeroso, não o puderam prender naquele momento.

Embora o título da parábola na NTLH seja “os lavradores maus” e na RA “a parábola dos lavradores maus”, e de fato Jesus deixe muito claro a atitude violenta dos mesmos contra os servos e o próprio fi lho do dono da plantação, podemos enfatizar a grande paciência e amor de Deus, demonstrada na atitude do proprietário, de não só preparar tudo da melhor forma para que sua vinha produzisse os frutos esperados, mas de confi ar nos lavradores para cuidar dela e, ante sua atitude de rejeição e ódio, continuar buscando os frutos a ponto de enviar o próprio fi lho numa demonstração extrema de paciência e amor para com os maus e ingratos lavradores.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: Paciência tem limite?

Introdução: “Os brasileiros estão perdendo a paciência”. Esta é a con-clusão a que muita gente tem chegado diante das manifestações pacífi cas e violentas que tem ocorrido em nosso país desde 2013, e, especialmente no início de 2014, da ação de “justiceiros” em várias partes do Brasil.

A inércia e inefi ciência do poder público em várias áreas, especialmente na saúde e na segurança, tem provocado reações de impaciência, intolerância e até violência entre a população e já existe o receio de, se não houver a reação adequada das autoridades competentes, chegarmos a um caos social.

Isso tudo porque “paciência tem limite”. Mas, falando de Deus, paci-ência tem limite?

A. A paciência de Deus no Antigo Testamento.1. Deus preparou tudo para seu povo: a libertação do Egito, o cuidado

durante a viagem no deserto, a posse da terra de Canaã, as bênçãos na terra.

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2. O povo mesmo assim desobedeceu, foi infi el, adorou falsos deuses e desprezou o amor de Deus.

3. Deus, com Lei e Evangelho, continuou amando seu povo, buscando-o de volta, renovando as bênçãos, enviando profetas e líderes para oferecer seu amor e perdão e, sempre, prometendo a libertação através do Messias.

B. A paciência de Deus no Novo Testamento.1. Finalmente, apesar da rebelião e rejeição do seu povo, Deus cumpriu

as promessas e enviou o Messias, seu Filho Jesus, para libertar o povo de seus pecados.

2. Apesar da rejeição fi nal do povo a Jesus, Deus não desistiu de seu objetivo de salvar seu povo, e Jesus teve “paciência” para cumprir toda a Lei, suportar sofrimento, dor e morte pelos pecadores. A paciência amo-rosa de Deus ultrapassou todos os “limites”, culminando na ressurreição do Salvador.

C. A paciência de Deus para conosco.1. Hoje, nós somos os lavradores maus – pecadores rebeldes, que

mereciam o castigo de Deus. Muitas vezes “perdemos a paciência” e murmuramos contra Deus.

2. Como no Antigo e Novo Testamentos, Deus continua tendo paciência conosco. Continua oferecendo diariamente seu amor e perdão em Cristo, mesmo quando não apresentamos os frutos esperados por Deus.

3. Até o juízo fi nal, a paciência de Deus é ilimitada, mas sempre em Cristo e por causa de Cristo. No entanto, sem ele e fora dele, a pedra da salvação torna-se pedra de condenação e morte (vv. 43,44).

Conclusão: Paciência tem limite? A nossa tem, e muitas vezes esse limite é muito pequeno. Graças a Deus que a sua paciência conosco não tem limite, que o seu amor em Cristo é infi nito e é tão grande que não é imposto, mas oferecido e dado livremente no Evangelho. Só não desfruta dessa paciência graciosa quem insiste em achar que pode fi car com a he-rança do Reino rejeitando a Cristo, a pedra principal da salvação, o Filho amoroso que nos dá a herança do Pai.

OBRA CONSULTADA

LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St. Matthew’s Gospel. Columbus: Wartburg Press, 1943. BIBLEWORKS 7.

Leandro D. Hübner, Seminário Concórdia, Buenos Aires/Argentina

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DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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DÉCIMO OITAVO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

12 de outubro de 2014Salmo 23; Isaías 25.6-9; Filipenses 4.4-13; Mateus 22.1-14

RELAÇÃO ENTRE OS TEXTOS

Podemos observar uma relação entre os textos deste domingo. O Salmo 23 fala do pastor que supre todas as necessidades espirituais e terrenas desta vida, oferece a promessa segura da salvação eterna. Isaías 25.6-9 tem a promessa de Deus de um banquete da salvação para todos os povos, e as pessoas que dele participarem adorarão a Deus. Em Filipenses 4.4-13 Paulo mostra que o banquete da salvação conseguido pelo Senhor Jesus Cristo é o verdadeiro motivo da alegria de seus seguidores, e que a partir desta bênção principal outras bênçãos advêm ainda nesta vida. A parábola contada por Jesus em Mateus 22.1-14 ressalta que o banquete da salvação é oferecido a todas as pessoas, porém só podem participar dele as pessoas com as vestes da santidade oferecida por Jesus Cristo.

ANÁLISE DE CADA TEXTO

Salmo 23Salmo escrito por Davi e seu tema ligado ao pastor foi tirado de sua

experiência como pastor de ovelhas quando adolescente e jovem, mas sua mensagem transcende em muito a qualquer coisa que Davi ou outra pessoa pudesse fazer, falando com grande poder e bênção a todas as pes-soas de qualquer época ou lugar. O pastor do Salmo não é outro senão o Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo falou de si como o pastor (Jo 10.14; Mt 25.32; 26.31). Chamou a si mesmo de o bom pastor, que dá a vida por suas ovelhas (Jo 10.11).

V. 1: Todas as necessidades são supridas pelo pastor Jesus.V. 2: O pastor oferece repouso e paz aos que nele confi am.V. 3: O pastor renova a pessoa espiritualmente e lhe oferece direção.V. 4: A companhia do pastor na vida da pessoa oferece coragem nas

tribulações e consolo.V. 5: O pastor oferece proteção diante dos inimigos humanos e espi-

rituais (Sl 34.7; 2 Tm 4.18) bem como provisão além do necessário para a glória de Deus e para a derrota dos inimigos.

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V. 6: O pastor oferece ao crente o seu amor acompanhado de todo o necessário para a vida terrena, mas dá a promessa segura da vida eterna por vir (1 Pe 3-4; Ap 21.2-4).

Isaías 25.6-9V. 6: Esse texto tem a promessa de Deus de um banquete para todos

os povos, ou seja, em Jesus Cristo a salvação seria oferecida a todos os povos. “As melhores comidas e os melhores vinhos”: o texto hebraico fala sobre comidas gordurosas e tutanos, bem como sobre vinhos velhos bem fi ltrados. No tempo de Isaías essas eram consideradas as melhores comidas e os melhores vinhos. No banquete da salvação Deus oferecerá as suas melhores bênçãos como perdão, paz, sua companhia, vida eterna, etc.

V. 8: Fala da vida na eternidade conforme Ap 21.2-4, onde a morte física, um inimigo do cristão, embora vencido por Cristo, será extinta para sempre (1 Co 15.54-57).

V. 9: E no céu pessoas salvas de todos os povos darão honra e louvor ao Filho/Pastor/Cordeiro Jesus Cristo (Ap 5.9-10).

Filipenses 4.4-13Vv. 4-7: O banquete da salvação conseguido pelo Senhor Jesus Cristo

é o verdadeiro motivo da alegria de seus seguidores. A prática do amor cristão para com todos faz mais sentido lembrando da salvação eterna que se tem e de que a volta do Senhor será em breve. Por isso, o cristão não precisa deixar a ansiedade tomar conta de sua vida, mas pode falar com o Senhor em orações buscando a ajuda necessária. A união que Jesus Cristo cria conosco traz a paz do Pai pela certeza de que temos perdão, salvação e todo amparo necessário.

Vv. 8-13: Toda esta demonstração da misericórdia de Deus para conosco nos dá condições para ocuparmos nossas mentes apenas com pensamentos bons. Paulo agradece aos fi lipenses por terem enviado uma doação para ajudá-lo em suas necessidades terrenas e confessa que tem aprendido a conviver com qualquer situação e estar contente mesmo em meio à precariedade. Porém, confessa que poderia enfrentar qualquer situação com o misericordioso Deus que lhe dava forças.

Mateus 22.1-14Em Lucas 14.1, é dito que num sábado Jesus estava “na casa de um

dos principais fariseus para comer pão” quando proferiu esta parábola.Quando um israelita ia oferecer um banquete, era costume dias antes

enviar empregados para convidar as pessoas e no dia da festa enviá-los novamente para dizer que poderiam chegar, pois a festa estava prepara-da. Jesus aproveita este costume para fazer uma parábola, procurando transmitir ensinamento sobre a salvação.

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Vv. 2,3: “Um rei” é Deus; “as bodas” são a salvação eterna; “seu fi lho” é Jesus; “os seus servos” eram os profetas no Antigo Testamento que chamaram “os convidados” israelitas para receberam a salvação oferecida pelo Messias prometido.

V. 4: Quando Jesus veio para as “bodas” da salvação eterna, Deus “enviou ainda outros servos” como João Batista (“eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo”) e os próprios discípulos de Jesus para dizerem que tudo estava preparado.

Tudo o que era preciso ser feito para a salvação das pessoas, Deus preparou. Deus Pai enviou o Messias salvador; este sofreu, morreu e ressuscitou conquistando o perdão dos pecados, libertação do diabo e da condenação eterna para todos; e providenciou os meios da graça (Palavra e Batismo) para o Espírito operar a fé que se agarra à graça de Deus.

Vv. 5,6: Todos os convidados tiveram uma coisa em comum: a re-cusa ao convite. No capítulo seguinte de Mateus (23.37), Jesus lamenta pelos moradores/convidados de Jerusalém “que mata(ram) os profetas e apedreja(ram) os que te forem enviados!”

V. 7: Aqui se entende como o castigo de Deus aplicado aos israelitas que rejeitaram o convite da salvação sendo a destruição da cidade de Jerusalém ocorrida no ano 70 pelos romanos. A destruição desta cidade marcou historicamente o fi m de Israel como povo de Deus.

Vv. 9,10: O objetivo salvador de Deus seria realizado entre os povos gentios. Era costume entre os judeus, quando algum ricaço oferecia uma festa, que se saísse a convidar todos os viajantes destituídos. Embora Jesus “veio para o que era seu, e os seus (povo de Israel) não o recebe-ram” (Jo 1.11), ele tem sido aceito por pessoas de muitos outros povos “e a sala do banquete fi cou repleta de convidados”.

Estes versículos mostram o caráter universal da proclamação do evangelho que deverá espalhar-se pelo mundo inteiro e que infl uenciará todos os tipos de povos, de sociedades e de classes sociais. O evangelho deve ser pregado a todos, pois a salvação é universal – para todos!

Vv. 11-14: As pessoas ricas do oriente, ao oferecerem uma festa, colocavam à disposição dos convidados vestes apropriadas, aliviando assim os convidados de despesas indevidas da sua parte bem como demonstrava a imensa bondade do anfi trião. Deus oferece o banquete da salvação e, para participar do mesmo, igualmente oferece a vesti-menta da santidade conseguida pelo Filho Jesus Cristo (Ap 3.4,5; 7.9). Porém, um homem insistiu em querer participar da festa com roupas inapropriadas, ou seja, com suas obras, e o rei mandou castigá-lo. So-mente é possível participar do banquete da salvação com a vestimenta da santidade de Jesus Cristo. Por isso, Jesus termina a parábola dizendo que “muitos são chamados” para participarem da salvação eterna, “mas

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poucos (são) escolhidos”, porque a maioria das pessoas quer se salvar por méritos próprios.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: O banquete da salvação.Completamente preparado por Deus e oferecido de graça.A vestimenta para dele participar é a santidade de Jesus recebida

pela fé nEle.O convite é para todas as pessoas de todos os povos.Os cristãos que já participam em parte deste banquete aqui, devem

levar o convite de Deus a quem tiverem oportunidade.Receber a graça de participar do banquete da salvação é a motivação

de uma vida alegre.

Leonerio FallerSão Leopoldo/RS

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19 de outubro de 2014Salmos 96.1-9 (10-13); Isaías 45.1-7; 1 Tessalonicenses 1.1-10;

Mateus 22.15-22

MATEUS 22.15-22

Dois grupos diferentes unidos com um mesmo propósito. Discípulos dos fariseus e herodianos vão até Jesus com a ‘questão do tributo’ (ken-son), como resume Almeida. Os primeiros, quando falavam em verdade e obediência à lei, pensavam no Pentateuco. E, obviamente, no seu próprio ensino, farisaico, como superior. Os herodianos pensavam na cooperação entre Herodes e o Império Romano.

Uma das tentações com o texto é tentar determinar qual é o pedaço de César e qual o pedaço de Deus no bolo de nossa vida. E são coisas absolutamente diferentes. A César é lei, obrigação. A Deus, é resposta voluntária à sua graça e ao seu amor.

Olhando para o texto e seu contexto, vemos que os fariseus estavam pouco ou quase nada interessados na questão do pagamento de taxas, impostos, ao governador. Apesar de seu orgulho ferido odiar a subservi-ência a Roma, o foco aqui é outro. Jesus é alguém que está no caminho da religião deles, do seu jeito de ensinar e viver o que é ser piedoso e justo. Jesus já contara diversas parábolas bem ácidas, revelando o jeito dissimulado daquele grupo. Estava chegando num ponto em que já pla-nejavam como se livrar do Mestre.

Então, o plano aqui parece ser o seguinte: jogar a moeda para o alto num jogo em que dizem: “Cara, eu ganho. Coroa, você perde”. A questão formulada parece ser perde/perde para Jesus. Negar o pagamento de taxas ao governo implicaria uma acusação de revolução contra o império. Por outro lado, concordar simplesmente com elas poderia representar fi car mal na foto diante dos orgulhosos judeus, que jamais deveriam se dobrar ao imperador. Ainda mais quando aquela moeda lembrava a idolatria ao imperador.

Mas Jesus conhecia a hipocrisia, a maldade (ponerian) deles. A malícia. A intenção. Popularmente, se diria que enquanto os fariseus vinham com a farinha, Jesus já tinha o pão asmo pronto. E não seria ali que daria ocasião aos falsos líderes religiosos de o enredarem em seus sofi smas.

E, assim, os deixa admirados com sua sabedoria ao dizer: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Os primeiros cris-

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tãos, e todos os demais, ao longo dos séculos, aprenderam e viveram a realidade de que as duas situações não são mutuamente excludentes. É possível cumprir a obrigação civil de dar a moeda a César. E, mais do que isso, é possível e é um privilégio servir a Deus e ofertar a ele tudo o que somos e temos, inclusive nossos bens, para o serviço da Igreja. Os cristãos distinguem com clareza quem deve receber a taxação e quem deve receber a adoração.

IGREJA E ESTADO

Alguns cristãos têm utilizado este texto para falar sobre separação entre Igreja e Estado. Na moeda de um denário, que era o salário de um dia, havia a efígie do imperador. Muitos estudiosos acreditam que estas moedas não podiam ser utilizadas no templo, por conter uma imagem. Assim, na entrada, havia mesas de troca. No entanto, durante a semana, a moeda era utilizada normalmente. Parece indicar que, de alguma forma, por mais que se faça alguma separação, nossa vida é uma e única. E é por isto que precisamos do amor de Deus em Sua palavra, como fonte de fortalecimento e orientação para uma vida sábia nos dois reinos

O ensino dos dois reinos em Lutero não deixa dúvidas a respeito da distinção que precisa ser feita entre o Reino de Deus e o Reino civil. No entanto, isto não pode servir de pretexto para que a Igreja se ausente do espaço civil como presença infl uente e ativa na vida da pólis. Pois como embaixada de Cristo na terra, a Igreja não apenas anuncia o amor de Deus por todas as pessoas, mas também o vivencia na prática, ali onde está inserida. Ela se coloca ao lado das pessoas como referência de amor, cuidado e também orientação frente às difi culdades, decisões e compro-missos do cotidiano.

ALGUMAS REFLEXÕES

- O cristão tem o compromisso de respeitar as autoridades e pagar os impostos devidos. No entanto, como instituições humanas, estas autori-dades nunca são nem serão perfeitas, necessitando sempre de ajustes. Já houve diversos tipos de governo sob os quais os cristãos estiveram e estes, continuamente, são mudados, aperfeiçoados ou abandonados. Por isso, enquanto respeita o governo vigente, o cristão não tem a obrigação de obediência cega, uma vez que o sistema pode representar acinte, des-respeito, agressão aos cidadãos. Por isso, quando existe a possibilidade de cobrança, mudança e até mesmo punição aos governantes incorretos, esta ação está também ao alcance do cristão, que é habitante da pólis e, por isso, um cidadão político e ativo. Querer o bem do próximo começa

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pelo anunciar-lhe o evangelho salvador. Mas continua no auxiliá-lo quando seus concidadãos sofrem sob um governo corrupto, inefi caz ou violento.

- Distinguir as coisas de Deus das de César. Uma tarefa que, de certa forma, é fácil, quando se fala em relação vertical (salvação) e relação horizontal (vida civil), mas torna-se bem mais complicada quando lem-brarmos que o mesmo cristão que entra no templo aos domingos para se relacionar com Deus pela Palavra e Sacramentos, é aquele que vive de segunda a sábado sua fé no mundo civil. A Palavra permeia a vida, os dois reinos e, por isso, a vida com Deus está entrelaçada com as decisões diárias no mundo de César.

- O texto deixa clara a distinção das coisas de Deus das de César. Mas como acontece a convergência das duas coisas? De que maneira a fé recebida e alimentada em Palavra e sacramentos atua na vida diária, nas decisões éticas e políticas como cidadão?

- O evangelho do dia pode ser anunciado com a expressão tou Teou, de Deus. Só temos condições de dar a Deus o que é de Deus porque já somos dEle. Somos de Deus. Cristo é o único digno de louvor, honra e adoração. Ele é o Rei dos reis, que nos tirou do pesado imposto do peca-do, cuja penalidade é a morte, para nos colocar no Reino onde servimos ao Rei com alegria. Onde não pagamos taxas, mas respondemos ao seu amor, por meio da fé, com gratidão e alegria. Fomos chamados a Jesus para pertencermos a Ele e vivermos submissos ao seu amor e cuidado em Seu reino.

- Quanto mais estivermos fortalecidos nessa certeza de que somos de Deus, por meio da fé em Jesus, tanto mais segurança teremos para vivermos essa fé na vida prática. Pagando impostos, servindo ao próximo, agindo na sociedade, indo ao encontro das necessidades de nosso bairro e cidade. Sendo cidadãos de Deus vivendo a fé no mundo de César, sem jamais confundir as coisas, mas convergindo para a cruz de Cristo, que é para onde queremos conduzir nossos concidadãos.

SUGESTÃO DE TEMA

A vida nos dois reinos.

Lucas André AlbrechtCanoas/RS

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VIGÉSIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

26 de outubro de 2014Salmo 1; Levítico 19.1-2, 15-18; 1 Tessalonicenses 2.1-13;

Mateus 22.34-46

Toda a Escritura Sagrada, cada um dos livros da Bíblia contém Lei e Evangelho. Ambas doutrinas precisam estar juntas. Quando uma falta, a outra também faltará. Se uma desaparecer, a outra também desaparecerá. Se uma não for ensinada com clareza, a outra também não terá clareza. Sem a Lei, o Evangelho não alcança seu propósito, como também, sem o Evangelho, a Lei não alcança seu propósito. Por isso, o verdadeiro pre-gador cristão precisa distinguir entre Lei e Evangelho e fazer predominar o Evangelho em sua pregação.

O texto de Mateus 22.34-46 poderá ser exposto na pregação com o seguinte tema: Tolo é quem procura salvação na Lei e não no Evan-gelho, porque: 1) quem procura salvação na Lei a procura em vão; 2) pois a nossa salvação encontramos somente no Evangelho de Cristo.

O contexto nos mostra que os saduceus – que não criam na ressurreição dos mortos – perguntaram a Jesus sobre uma mulher que se casou com sete irmãos, pois julgavam que poderiam colocar Jesus em difi culdade. Mas foram envergonhados por Cristo diante do povo. Os fariseus se alegraram com o acontecido e, querendo mostrar como eram mais sábios, planejaram uma cilada para pegar Jesus. Eles reuniram-se em conselho e chegaram a um acordo em perguntar a Jesus sobre qual seria o maior mandamento da Lei. Eles discutiam há anos sem chegarem a uma conclusão. Seria o sábado? A circuncisão? Ou os sacrifícios? Era uma pergunta insolúvel. Pois qualquer que fosse a resposta, poderiam questioná-la.

Escolheram um escriba para apresentá-la a Jesus: “Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?” (v. 36). Ou seja, estavam querendo dizer: “Jesus, tu permites que te chamem de Mestre, então mostra-nos teu saber a respeito da pergunta que te fi zemos, que até hoje ninguém conseguiu responder”. Todos estavam curiosos pela resposta de Jesus.

Sem balançar, Jesus respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (vv. 37-39). Os fariseus surpresos e o povo admirado ouviram a resposta e ninguém ousou questionar. O escri-ba estava batido, sem reação. O amor a Deus e ao próximo é o resumo de toda a Lei. A lei do amor é o maior e o mais importante de todos os mandamentos, é o cumprimento da Lei.

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Mas a resposta de Jesus não visava somente dar uma resposta aos fariseus, porém mostrar a eles e ao povo que era loucura buscarem a salvação na Lei. Se o cumprimento da Lei – como os fariseus pensavam e muitos ainda hoje pensam – consistisse em cumprir este ou aquele man-damento, praticar esta ou aquela virtude, fazer esta ou aquela boa obra, evitar este ou aquele pecado, renunciar a este ou àquele prazer, então, na verdade, seria possível alguém se salvar ao obedecer a Lei.

No entanto, não é assim que funciona. Amar a Deus com todo o coração, alma e entendimento, e o próximo como a si mesmo é o resumo da Lei. Onde faltar este amor, a pessoa pode fazer ou deixar de fazer o que quiser, e mesmo assim não cumpre a Lei. Pelo contrário, em tudo o que ela faz, mesmo as maiores virtudes e boas obras, estará transgredindo a Lei.

Sem falar sobre o amar a Deus de todo coração, toda alma e todo entendimento. O coração signifi ca a vontade, a alma signifi ca os desejos, e o entendimento signifi ca o raciocínio. Somente quem ama a Deus de todo o coração, que em tudo faz a vontade de Deus; de toda a alma, com todos os desejos voltados para Deus; e de todo o entendimento, em que todos os pensamentos estão de acordo com Deus, estará cumprindo a Lei. Amar a Deus é toda e qualquer vontade, desejos e pensamentos estarem de acordo com Deus, diz Jesus. Se não estiverem, a pessoa é hipócrita.

O que dizer, então, sobre o amar ao próximo como a si mesmo? Por natureza, cada pessoa ama a si mesmo, basta examinar-se. A pessoa não busca o seu prejuízo, mas sempre a sua vantagem. Somente aquele que ama cada pessoa de maneira sincera, intensa e constante – como a si mesmo – seja amigo ou inimigo, sofrer e até dar a vida pelo próximo estará guardando a Lei.

Mas onde encontramos pessoas assim, que amam a Deus e ao seu pró-ximo dessa forma? Vivemos em dias que paz e amor são muito lembrados diante do preconceito e da discriminação. Mas, se compararmos este amor com o amor que a Lei de Deus requer, veremos que aquilo que chamam de “amor” é, acima de tudo, amor próprio, segundo seus interesses.

Afi rmar que o verdadeiro amor a Deus e ao próximo é atingido pelos cristãos é hipocrisia e engano! Por isso é loucura e tolice alguém tentar salvar-se pela Lei. Graças a Deus que a salvação – que o ser humano procura em vão na Lei – lhe é oferecida por Deus no Evangelho. Jesus perguntou aos fariseus: “Que pensais vós do Cristo? De quem é fi lho? Responderam-lhe eles: de Davi” (v. 42). Com esta pergunta, Jesus queria mostrar aos fariseus que eles estão procurando a salvação em vão na Lei, pois somente no Evangelho de Cristo há salvação.

Os fariseus tinham uma compreensão errada de Cristo. Eles pensa-vam que o Messias seria uma pessoa que levantaria um reino terreno e conduziria os judeus a um domínio mundial. Por isso Jesus perguntou

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sobre quem é o Cristo, porque os fariseus deveriam concluir que o Reino de Cristo não seria um reino deste mundo, mas o Reino divino, celestial e eterno, e que nele encontramos a salvação e a vida eterna.

Se o amor a Deus e ao próximo é o resumo da Lei, assim o amor de Cristo por nós é o conteúdo central do Evangelho. Por isso, quando a pergunta – cumpriste a Lei? – nos envergonhar e entristecer, importa que nós nos voltemos para a outra pergunta – o que você pensa sobre Cristo? Feliz quem responder com alegria e fi rmeza: “Cristo é meu Senhor. Pois me remiu a mim, homem perdido e condenado, me resgatou e salvou de todos os pecados, da morte e do poder do diabo; não com ouro ou prata, mas com seu santo e precioso sangue e a sua inocente paixão e morte, para que eu lhe pertença e viva submisso a ele, em seu reino, e o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele ressus-citou dos mortos, vive e reina eternamente. Isto é certamente verdade” (Explicação de Lutero do 2º Artigo do Credo).

Feliz quem pode confessar Cristo assim e chamá-lo de Senhor, mes-mo não tendo e nem conseguindo cumprir a Lei. Assim como um pobre homem endividado não precisa ter medo e andar preocupado se ele tiver um amigo rico, generoso, gracioso, amável que pode pagar sua dívida e protegê-lo. Assim também nenhuma pessoa que confi a na graça de Jesus precisa temer, pois em Cristo encontramos o perdão de nossos pecados e a paz com Deus.

Precisamos reconhecer que a Lei nos condena indistintamente, pois não amamos a Deus e ao próximo com todo nosso coração, alma e en-tendimento. Por isso, vamos arrependidos e humildes buscar a graça de Cristo onde encontramos perdão, vida e salvação. Com este amor Jesus chamou os endurecidos e cegos fariseus a si, e também ainda hoje chama todas as pessoas para si. Ali, junto a Jesus, encontramos o que sozinhos não alcançamos: perdão, justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Ali re-cebemos o que a Lei não pode dar.

Quem busca a salvação na graça do Evangelho, recebe um coração novo que começa a amar a Deus e ao próximo. Pois a quem muito se perdoa, muito ama (Lc 7.47).

Marcos Jair FesterCandelária/RS

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DIA DA REFORMA

31 de outubro de 2014Salmo 46; Apocalipse 14.6-7; Romanos 3.19-28; João 8.31-36

SALMO 46 – O CONFORTO E A SEGURANÇA DA IGREJA

Este salmo é uma canção de fé e confi ança, que dá força à igreja de Deus a fi car fi rme e segura em meio a toda inimizade, apesar de todos os ataques dos exércitos satânicos. O salmista descreve o poder e a majestade de Deus. Nenhum poder deste mundo pode ser comparado à grandeza de nosso Deus. As tempestades deste mundo são contrapostas a um rio que alegra a cidade de Deus. Esta água, que corre neste rio, se divide em vários riachos onde corre a plenitude da misericórdia de Deus atingindo a todos, dividindo-se em tantos canais quantos necessários, que alegram as muitas congregações da igreja, onde quer que elas se encontrem, man-tendo a comunhão com o Deus Triúno revelado na Sua Palavra. A presença e anúncio da Palavra, que é Cristo, mantém a igreja fi rme!

APOCALIPSE 14.6-7

A segunda leitura, de Apocalipse cap. 14, versos 6 e 7, reproduz a visão que João teve de uma boa notícia de valor eterno a todas as nações da terra: “Então vi outro anjo voando muito alto, com uma mensagem eterna do evangelho para anunciar aos povos da terra, a todas as raças, tribos, línguas e nações. Ele disse com voz forte: – Temam a Deus e louvem a sua glória, pois já chegou a hora de Deus julgar a humanidade. Adorem aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas!”

Esta visão, a maioria dos comentaristas luteranos, como também o comentarista que estamos utilizando, afi rmam, com convicção, a aplica-ção deste texto ao Dr. Martinho Lutero. Pois ele, como o anjo do Senhor, semelhantemente à mensagem eterna dos anjos citados, trouxe de volta, ou restaurou o evangelho eterno da justifi cação do pecador, através dos méritos de Jesus Cristo, pela fé.

Lutero viveu no momento em que a igreja da época não estava pregan-do este eterno evangelho e muitas consciências estavam atormentadas, sendo libertadas pelo poder de Deus através do anúncio do evangelho. Lutero voltou sua pregação para a centralidade de Deus, revelado em Cristo Jesus. Cristo era o conteúdo da proclamação de Lutero.

Na visão há uma palavra dura da lei. O julgamento está pronto para ser executado. Havia chegado a hora de separar os cristãos verdadeiros dos

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descrentes. O que distingue ambos é a verdadeira adoração: os que adoram o Deus que tudo criou e aqueles que se mantêm afastados dele.

A ênfase da Reforma está presente no texto: Toda a glória seja dada a Ele!

A pregação de Lutero era o evangelho que converte o pecador, sem nenhum mérito ou dignidade por parte deste, mas todo o poder da con-versão estava somente na obra de Cristo. Com veemência ele testemunha, numa época em que a salvação se baseava nos méritos das pessoas, que o ser humano é justifi cado perante Deus pela fé em Jesus Cristo. E este evangelho puro, anunciado por Lutero, se espalhou, como se fora por anjos celestiais, a começar pela pequena cidade de Wittenberg, para todas as línguas e povos; e a igreja da Reforma ainda continua seu curso vitorioso por todo o mundo.

ROMANOS 3.19-28

Este é o famoso texto da Reforma que enfatiza o fato da inclusão, ou seja, ninguém é excluído do amor de Deus.

A nossa realidade (vv. 19,20). A lei inclui a todos, tanto gentios quanto judeus: todos são culpados igualmente diante da lei de Deus. Ninguém pode dizer que é inocente e sem culpa. Todos, sem exceção de raça ou nacionalidade, diante da lei são culpados. A depravação dos gentios é algo notório e, no caso dos judeus, havia, muitas vezes, uma máscara de boas ações encobrindo o pecado do coração. Todos são culpados e merecem a condenação. Pela lei vem o conhecimento do pecado, e este é o propósito da lei: mostrar como nós somos, por nós mesmos. E quando olhamos para nós mesmos, no espelho da lei, vemos a dura realidade: estamos perdidos e condenados. Esta é a nossa triste realidade e que só a lei de Deus nos pode mostrar. A lei de Deus não tem a intenção de justifi car; este não é o seu objetivo e nem a sua fi nalidade. Portanto, também nós jamais deveríamos utilizá-la para aquilo que não é a sua fi nalidade.

A justiça de Deus revelada (v. 21). Mas agora... No entanto, apesar de todos estarem com o veredicto da condenação, pela lei, há ainda uma esperança, há uma maneira de ser absolvido, de ser salvo da condenação, possibilidade que existe para todos sem exceção! Sem a lei, a justiça de Deus é mostrada, é manifesta. E esta justiça que é revelada não tem nada a ver com a lei. Esta justiça tem a sua fonte em Deus e da qual ele próprio é o autor! Esta justiça vem somente dele, só ele a pode dar, que é perfeita e que, por isso, é a única que é aceita diante dele.

Esta justiça é um ato forense, algo que vem de fora de nós, que nos é atribuído. Não pode ser requisitado ou exigido por uma mudança ou uma atitude moral, mas é um ato declaratório da soberania de Deus.

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Ele nos dá algo que não podemos conquistar por nossos esforços. Por isso, também não há nenhum merecimento nosso envolvido neste ato de justifi cação. Quando Deus declara um pecador justifi cado, ele, de fato, é justifi cado! Mesmo que todos o condenem, mesmo se a própria consci-ência o acusar, isto não muda o ato de Deus. Esta justiça de Deus, que é revelada e conhecida pelos pecadores através do anúncio do evangelho, existe desde antes da criação do mundo, do qual a lei e os profetas são testemunhas, pois a mensagem deste evangelho da vinda deste Cristo está contida em ambos.

Esta mensagem do evangelho cria a fé no coração das pessoas, esta fé não possui mérito pessoal, é obra de Deus, ela aceita, recebe a justiça de Deus. Crendo no evangelho, o cristão aceita e se apropria de Jesus, seu Salvador, e com isso também da justiça conquistada por Cristo.

Somente Deus é a fonte da misericórdia, pois a justifi cação é uma dádiva divina devido à graça de Deus. O pecado condena o ser humano total e completamente; ele não encontra em si mesmo força ou capaci-dade de libertação. Há somente um resgate possível para a libertação do pecador: o sangue de Jesus (v.25), que serve como propiciação, ou seja, que é aceito por Deus.

V. 27: Há a possibilidade de algum orgulho por parte das pessoas na sua salvação? O orgulho que todos nós temos, por natureza, em nossos corações, aqui cai por terra, pois aqui não há obra ou poder nosso en-volvido: tudo é dádiva e dom de Deus. Esta dádiva ele a oferece, sem exceção, a todos os pecadores: grandes, pequenos, sábios, ignorantes, ricos, pobres, intelectuais, defi cientes intelectuais... Esta justifi cação é oferecida a todos: pela Palavra e os santos sacramentos!

V. 28: Por isso, a conclusão do apóstolo: “Concluímos, pois, que o ho-mem é justifi cado pela fé, independentemente das obras da lei”. O pecador é salvo porque Deus o declara inocente, por causa da obra de Cristo, que o pecador recebe pela fé. Obras feitas pela pessoa, merecimento por boa conduta – tudo isso fi ca excluído na salvação. A salvação é obra de Deus para que ninguém possa ser excluído.

EVANGELHO DE JOÃO 8.31-36

O Evangelho de João continua no mesmo tema, ou seja, a libertação promovida por Deus através do anúncio do evangelho. E Jesus mostra aqui a grande diferença que há entre o ser escravo e ser livre. Havia muitos ju-deus que tinham uma compreensão errônea a respeito da vida cristã...

Vv. 31,32: Escravidão e liberdade: “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verda-deiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos

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libertará”. Havia entre os judeus que acompanhavam Jesus uma compre-ensão errada a respeito da prática da fé. Muitos ainda estavam atrelados a uma visão que os mantinha subjugados às suas concepções carnais de vida cristã: eles estavam externamente ligados a Jesus, tinham-no como seu chefe! Assim ainda hoje há muitas pessoas que têm a mesma visão: Jesus é o líder da nossa igreja, e assim estão somente externamente unidos a Cristo, pertencem à igreja e dizem reconhecer em Jesus o seu Salvador, mas encontram-se submetidos às coisas temporais deste mun-do. A libertação desta submissão ocorre pelo uso continuado da Palavra, que serve para nosso ensino e fortalecimento na fé. Pois é somente nesta Palavra que encontramos a revelação de Jesus, que é a verdade e a vida. Esta revelação, este conhecimento traz libertação. Sem Cristo, as pessoas são escravas do pecado (Rm 6.17-20). Cristo, por sua obra, nos livra da culpa do pecado e nos dá a verdadeira liberdade. Somente as pessoas libertadas por Cristo se tornam capazes agora de produzir boas obras. Sobre esta liberdade que Lutero falou tão explicitamente em suas obras. Só que os judeus não entenderam assim. Acharam que Jesus estava falando de uma submissão terrena (a um rei ou governo). Eles fi caram magoados (v. 33) e responderam-lhe: Somos descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres? Estavam totalmente esquecidos do governo que os dominava, o governo romano. Também estavam esquecidos que seus antepassados eram submetidos a outras nações: os egípcios, os babilônios, os assírios... Porque Abraão havia recebido a promessa de que ele teria um descendente que deveria reinar sobre todas as nações da terra, eles todos, os seus descendentes, se sentiam como fi lhos de um rei, por isso se chatearam que alguém lhes dissesse que precisavam ser libertados.

A atitude dos judeus demonstra o que havia em seu coração. O orgulho os impedia de aceitar uma oferta como a de Jesus. Este mesmo orgulho, que ainda hoje reside em tantos corações humanos, também os impede de ouvir e aceitar a oferta de Jesus.

O que é liberdade? Vv. 34-36: “Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado. O escravo não fi ca sempre em casa; o fi lho, sim, para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.

Jesus explica o que é ser escravo e o que é ser livre. Ele diz que todo aquele que comete pecado se coloca sob o poder e é escravo do pecado, pois este pecado o mantém preso. É nesse sentido espiritual que os judeus eram escravos. E Jesus lembra que o escravo não tem direitos na casa onde serve, mas apenas obrigações a cumprir; ele não é o dono e, por isso, não pode falar em liberdade. Uma pessoa que é escrava do pecado até pode parecer, exteriormente, membro do reino de Deus, da igreja, mas

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esta pessoa, no fi nal, terá que deixar esta casa, pois está indevidamente ocupando o lugar daqueles que são fi lhos.

Somente o Filho de Deus pode libertar uma pessoa da escravidão do pecado e de seu poder. Ele conquistou esta liberdade para todas as pesso-as pagando um preço: o seu próprio sangue. Esta é a única e verdadeira liberdade que o Filho paga e que é oferecida para toda a humanidade, também àqueles judeus com os quais ele estava falando.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Martinho Lutero nasceu, viveu e atuou no século XVI. Foi o mensa-geiro usado por Deus para abençoar a igreja cristã, trazendo-a de volta à pureza da palavra de Deus. Deus deu muitos dons e talentos para Lutero, que teve muita coragem para usá-los. Lutero entendia que o evangelho se destinava a todos, por isso traduziu a Bíblia para uma linguagem que o povo entendesse e promovia cultos e estudos de que as pessoas simples também pudessem participar.

Um historiador disse que reconhecia em Lutero uma das mais infl uentes personalidades que o mundo conheceu. E este mesmo historiador teria acrescentado: “Calculou-se que seriam precisos a um homem dez anos de vida para a simples cópia de cartas, orações e inumeráveis escritos do Reformador. Lutero não só redigiu suas obras, mas pensou-as, deu-lhes estudo e refl exão, conversas, suas prédicas, sua atividade social e política, os cuidados e o tempo que consagrou aos amigos e à família”.

Lutero foi realmente uma pessoa peculiar. Poucas pessoas na história da igreja cristã, nestes vinte e um séculos de cristianismo, foram tão infl uentes como este monge, professor, pastor, orador, teólogo, músico, poeta, tradutor, escritor e mensageiro da igreja do século XVI.

Sem dúvida alguma, era uma pessoa especial levantada e capacitada por Deus para dinamizar a igreja com o anúncio do evangelho puro. Pois no seu tempo muitos obscureceram o evangelho. O evangelho era anunciado somente para uma elite, para o clero, para os príncipes, para os capazes. O evangelho não chegava aos pobres, aos camponeses, às crianças, que eram excluídas do anúncio do evangelho. Lutero redescobriu o evangelho como a mensagem de Deus para TODOS! Como herdeiros da Reforma, temos em Lutero um instrumento divino para atingir com o evangelho as pessoas pelas quais Cristo morreu e ressuscitou. Também hoje vemos muitas pessoas excluídas da mensagem do evangelho. Em muitas das nossas igrejas vemos crianças, idosos e, especialmente, pessoas com de-fi ciências intelectuais ou de desenvolvimento sendo excluídas. Em muitas das nossas igrejas a mensagem é ininteligível para esses grupos e que, por isso, são excluídos. Queremos celebrar a Reforma com o anúncio de evangelho para todos, sem exclusões.

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DIA DA REFORMA

SUGESTÃO DE ESBOÇO

Tema: A verdadeira liberdade do evangelho é para todos.a) Mas não pode haver verdadeira liberdade, no sentido do evan-

gelho, quando o anúncio de sua mensagem é feito de modo ininteligível e por isso pessoas fi cam excluídas. (Por exemplo: crianças, idosos, pessoas com difi culdades auditivas, pessoas com defi ciência...).

b) A verdadeira liberdade está presente onde o evangelho é anun-ciado de modo inteligível e onde todos são incluídos.

c) Há liberdade onde mensageiros anunciam o evangelho da liber-tação para todos: grandes, pequenos, pobres, ricos, pessoas com capacidades limitadas...

d) Quem são e onde estão estes anjos que anunciam este evan-gelho hoje?

BIBLIOGRAFIA

KRETZMANN, Paul E. Popular Commentary of the Bible. New Testament vol. I e II. Saint Louis (MO): Concordia Publishing House, 1921.

Mario LehenbauerVitória/ES

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VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

2 de novembro de 2014Salmo 43; Miqueias 3.5-12; 1 Tessalonicenses 4.1-12; Mateus 23.1-12

Sem essa de nova halakhah!

CONTEXTO LITÚRGICO

Provavelmente, muitas congregações celebrarão o Culto de Ação de Graças pela Reforma em 26/10 ou 02/11, o que implicará a substituição das leituras do 20º ou 21º Domingos após Pentecostes pela perícope do Dia da Reforma. Que pena, mas esta é uma das consequências da cor-reria da vida contemporânea. Propomos uma alternativa: podemos unir os textos dos evangelhos do 20º e do 21º domingos após Pentecostes. Dessa forma, no culto precedente ou subsequente à Reforma, teríamos a leitura de Mateus 22.44-23.12. Por que usar de tal expediente? Teimosia litúrgica? Bom, não é só isso. As leituras desses domingos formam um ciclo temático interessante com as leituras do Dia da Reforma – esse é o ponto. A perícope da Reforma mostra que o Reino dos Céus é dado a nós pelo Filho do Homem que, no evangelho do 20º Domingo, cala os fariseus com o paradoxo do Messias: citando o Salmo 110, ele mostra que o Messias é maior do que o próprio Davi. No evangelho do 21º Domingo, Aquele a quem Davi chama de Senhor confronta o sistema de justifi cação dos fariseus baseado no mérito pessoal.

DEMAIS LEITURAS (SL 43, MQ 3.5-12, 1 TS 4.1-12)

O salmista no Salmo 43 pede que Deus o livre do “homem fraudulen-to e injusto”, que pode ser identifi cado com aquele que ensina a justiça das obras. Miqueias descreve esses homens como líderes que julgam por suborno, “sacerdotes que ensinam por interesse” e “profetas que fazem o povo errar” pela falsa pregação. O profeta lembra que “sobre eles se enegrecerá o dia”, pois pregam falso consolo a Israel. Para o salmista, o verdadeiro consolo está no Senhor: “Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte”.

Deus age em favor do povo, por isso o salmista canta: “Então, irei ao altar de Deus, de Deus, que é a minha grande alegria; ao som da harpa eu te louvarei, ó Deus, Deus meu”. Para o apóstolo Paulo, agradecer a Deus implica “continuar progredindo mais”. Essa progressão não está re-

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lacionada à justifi cação meritória por obras, como ensinavam os fariseus e os escribas, mas à vida santifi cada do cristão como consequência do evangelho. Essa progressão é fruto da ação de Deus “que dá o Espírito Santo”. Assim sendo, abster-se da imoralidade, trabalhar com as próprias mãos e amar o próximo são frutos do Espírito Santo na vida daqueles que são justifi cados pela obra de Cristo e “instruídos por Deus”.

O TEXTO E SEU CONTEXTO

O discurso em Mateus 23 é o último pronunciamento público de Jesus registrado por esse evangelista (TASKER, p. 171)1. O texto tem intrigado teólogos por dois séculos. Jesus exorta os ouvintes a ‘fazer e guardar’ tudo o que os fariseus disserem, ao mesmo tempo em que os chama de hipócritas. Estaria Jesus endossando a Halakhah?

Do ponto de vista narrativo, o evangelho de Mateus descortina a tensão entre Jesus e os líderes religiosos, especialmente os fariseus e escribas. Jesus os condena por invalidar a palavra de Deus em favor de sua tradi-ção (15.1-7) e os chama de “tolos” (23.17), “hipócritas” (15.6, 23.29) e “guias cegos” que desviam o povo (15.14, 23.16). Como compreender Mateus 23 à luz dessa tensão?

Primeiramente, Jesus reconhece que fariseus e escribas estão “as-sentados na cadeira de Moisés” (23.2), isto é, eles estão investidos de autoridade para “explicar a Lei de Moisés” (NTLH)2. Conforme Rabbinowitz (p. 429), havia realmente uma cadeira especial para os escribas e fariseus nas sinagogas. Isso signifi ca que a afi rmação de Jesus deve ser tomada como uma constatação, ao mesmo tempo, fi gurada e literal.

O TEXTO

Os fariseus não possuíam autoridade ofi cial. Eles surgiram com o vácuo espiritual causado pelos cativeiros assírio e babilônico, que quase desin-tegraram o sacerdócio. Nesse vácuo, os judeus organizaram-se religiosa-mente em torno das nascentes sinagogas como centros de culto e ensino. Conforme alguns estudiosos, o surgimento das sinagogas e o advento dos

1 Conforme Levertoff: “No ‘Cântico de Moisés’ [...] o primeiro redentor cantou no fim da sua vida a ingratidão de Israel, sua queda na idolatria e a bondade de Deus. O poema começa com censura, mas a ternura e a piedade prevalecem sobre a severidade, e, ao aproximar-se do final, o tom sobe ao nível de positivo incentivo e promessa. Semelhantemente, Jesus, o último Redentor, nos últimos dias do seu ministério, denuncia os líderes espirituais do povo com visível dureza, como todos os profetas e, contudo, com terna piedade lamenta sobre Jerusalém” (LEVERTOFF apud TASKER, p. 171).

2 ekaqisan (aoristo) funciona como o estativo perfeito do hebraico e deve ser traduzido como um presente estativo.

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fariseus estão intrinsicamente atrelados.3 Ambos ressignifi caram a Torah para o povo da época. Os fariseus particularmente procuraram aplicar a Torah à vida cotidiana do povo. É dessa interpretação não-ofi cial que surge a tradição oral cristalizada posteriormente na Halakhah.

Ao exortar o povo a guardar tudo o que os fariseus dizem, Jesus não está subscrevendo toda a Halakhah, mas reconhecendo que os fariseus deveriam ser obedecidos quando ensinavam a Torah e o AT. Jesus tam-bém não condena os princípios que regem a Halakhah, mas o apego dos fariseus aos pormenores da tradição.

Esse apego demasiado aos detalhes fez os fariseus desprezarem os fundamentos da Torah. Em Mateus 23, Jesus denuncia três tipos de ati-tudes típicas de quem ‘descarta o feijão para tomar o caldo’:

1. Moralismo intransigente: A idolatria à Halakhah levou os fariseus a “atar fardos pesados e os colocar sobre os ombros dos homens”. Idolatravam a guarda do sábado e o dízimo da hortelã em detrimento dos princípios fundamentais da Torah como “amar a Deus” e “amar ao próximo”.4

2. Orgulho religioso: os fariseus “praticavam todas as suas obras com o fi m de serem vistos dos homens” (23.5). A motivação da observância da Halakhah era o reconhecimento público. O povo judeu realmente estimava a suposta retidão dos fariseus, por isso estes procuravam tornar sua vida religiosa o mais pública possível. É na busca pela fama que os fariseus “alargavam os seus fi lactérios e alongavam as suas franjas”.5

3. Busca pelo sucesso social: fariseus amavam “o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as sau-dações nas praças e o serem chamados mestres (rabbi) pelos homens” (23.6-7).

A exaltação pessoal e o vício pelo prestígio social são resultados dire-tos do moralismo intransigente dos fariseus. A tradição oral era o ‘deus’ deles. Oprimiam o povo com a Halakhah a fi m de manterem-se sentados na cadeira de Moisés com plateia para os aplaudir. Nesse sentido, Jesus era claramente uma ameaça para eles, pois Ele, em favor do povo, não

3 Ver, por exemplo, a obra de George F. Moore, Judaism in the First Centuries of the Chris-tian Era: The Age of the Tannaim (Cambridge: Harvard University Press, 1950).

4 Tasker lembra que “o quadro aqui é do condutor de camelos que faz pesados fardos contendo mal arrumados artigos e, depois de colocá-los nos lombos do animal, fica por perto e não faz nada para arrumá-los”. (p. 174)

5 Filactérios eram faixas de pergaminho que traziam inscritas porções da lei e que, encerradas em caixas de couro, eram amarradas com tiras no braço esquerdo e na fronte (Dt 6.4-9). As franjas eram ligadas à veste, e dispostas de modo tal que simbolizavam os principais preceitos da lei. Jesus mesmo usava uma franja dessas (Mt 9.20). O que Jesus condena é o alargamento delas só por exibição. Megalunousin é entendido como “tornar grande, ampliar, magnificar, aumentar, tornar conspícuo, exaltar, ter em alta estima”.

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guardava os preceitos da Halakhah. Além disso, o espírito de igualdade entre os seguidores de Jesus incomodava os fariseus, que seguiam uma estrita estratifi cação religiosa. Gostavam de ser chamados “mestre” pelos demais. Jesus explica seu ´radicalismo´ igualitário lembrando de que: “vós6 não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre7, e vós todos sois irmãos”. Sutilmente Jesus propõe que os fariseus não são ver-dadeiros “mestres” ou “guias”, mesmo tendo o direito de ocupar a cátedra de Moisés. Ao contrário, o único “Mestre” e “Guia”8 é aquele que ocupa o lugar de todos os seres humanos ao morrer na cruz para remissão dos pecados. Ele mostrou o zênite de seu amor no sacrifício vicário. Na cruz, o próprio Deus se tornou servo dos seres humanos.

Por essa razão, Jesus descreve o relacionamento entre irmãos como uma relação voluntária de servidão. A verdadeira essência da Torah é o Amor – de Deus por nós e de nós para com Deus e com o próximo. O “maior dentre vós será vosso servo” e quem se exalta “será humilhado”, e quem se humilha “será exaltado”9 – descreve Jesus.

COMENTÁRIOS HOMILÉTICOS

A tripla tentação farisaica assombra a Igreja desde sempre. Mas, em nosso tempo, o sentimento fariseu encontra-se em duas atitudes espe-cialmente.

De uma parte, vemos problemas com o tipo de relacionamento que estabelecemos com nossa tradição (teológica, litúrgica, missiológica, etc.). Alguns idolatram cegamente nossa riquíssima herança. Repetem discursos e costumes sem nenhuma refl exão – “por que sempre foi assim” – dizem. Transformam nossa herança de séculos em nova Halakhah, esquecendo-se que a tradição da Igreja está fundamentada no amor ao próximo. Só há Igreja (e tradição) por amor aos seres humanos.

De outra parte vemos muitos ‘tradiciofóbicos’, que desprezam 2000 anos de herança em nome de supostos avanços. São novos Carlstadts. Idolatram o “novo” e buscam secularizar a igreja a fi m de adequar o evangelho ao mundo pós-moderno.

De qualquer forma, tanto um como outro lado depositam “pesadas cargas” sobre os ombros das pessoas. Orgulham-se de seus procedimentos

6 Posição enfática de “vós” no grego.7 Didaskaloj é o mestre que ensina com exemplo e sabedoria.8 kaqegetej (guia) é o instrutor que ocupa posição de autoridade, como o professor de uma escola

ou catedrático de uma universidade. No grego moderno a palavra significa “professor”.9 uyw,sei está relacionada ao substantivo uyw/j, “altura”, o verbo significa erguer ou levantar. É

usado literalmente, figuradamente, a respeito de privilégios espirituais concedidos a uma cidade (Mt 11.23, Lc 10.15), e metaforicamente, no sentido de exaltar ou enaltecer (At 2.33, 5.31). A Bíblia nos adverte que exaltar a nós mesmos resultará em uma quase desonra, mas humilhar a nós mesmos leva à exaltação neste e no mundo seguinte.

VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES

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e ideias. Gostam dos elogios de outros membros e dos aplausos do povo. Infelizmente se esquecem de que não há “mestres” entre nós. Tanto a “tra-dição” como a “inovação” não devem ser vistas como Halakhhot modernas. O amor a Deus e ao próximo devem pautar nossa relação com tudo.

Diante do quadro exposto, o evangelho de Cristo é poderosamente con-vidativo e consolador. A Igreja é chamada de comunidade de “irmãos”, onde o “irmão maior”, Cristo, tornou-se servo de todos. Aquele que se humilhou na cruz é exaltado! Somos justifi cados pela fé. Somos salvos pela graça de Deus, não pela observância de qualquer sistema de regras religiosas.

Na perspectiva do evangelho, vemos o cuidado de Deus em ter preser-vado a pregação de Sua Palavra e o puro Evangelho por amor a todos nós. Sempre haverá “falsos profetas que fazem o povo errar e sacerdotes que ensinam por interesse” (Mq 3), mas “a luz de Deus e Sua verdade” jamais deixarão de “guiar o povo ao Seu santo monte” (Sl 43). Nosso Mestre e Guia não permitirá que nossa tradição se transforme em nova Halakhah, da mesma forma não deixará que as portas da inovação prevaleçam sobre a igreja. Como cristãos individuais e como corpo de Cristo, continuaremos, conforme nos exorta Paulo (1 Ts 5), a “progredir mais” no amor a Deus e ao próximo. É por essa razão que a Igreja semper reformanda manterá intactos a pregação do evangelho e a administração dos sacramentos. Assim, sem nenhum fardo sobre os ombros e movidos pela gratidão a Cristo, cantaremos com o salmista (Sl 43):

“Então, irei ao altar de Deus, que é a minha grande alegria;ao som da harpa eu te louvarei, ó Deus, Deus meu”.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Tradução Almeida Revista e Atualizada. SBB: Barueri, 2010.

DICIONÁRIO INTERNACIONAL DO NOVO TESTAMENTO. São Paulo: Vida Nova, 1998.

GIBBS, J. Lectionary at Lunch. Saint Louis: Concordia Seminary. http://concordiatheology.org/lalp/

RABBINOWITZ, Noel S. “Matthew: Does Jesus recognize the authority of the Pharisees and does he endorse their Halachah?” In: JETS. n.46 v.3. Setembro de 2003. p. 423-27.

TASKER. R. V. G. Mateus: introdução e comentário. Vida Nova: São Paulo, 1999.

Mário Rafael Yudi FukueSão Paulo/SP

[email protected]

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ANTEPENÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

9 de novembro de 2014 Salmo 70; Amós 5.18-24; 1Tessalonicenses 4.13-18; Mateus 25.1-13

CONTEXTO

Estamos lendo Mateus 25.1-13 no fi nal do ano da Igreja. Também poderia ser lido no Dia de Pentecostes.

Jesus proferiu essas palavras em meio a seu discurso escatológico e é a única referência textual que encontramos nas Escrituras. Canonica-mente, Mateus precisa ser o contexto teológico para interpretarmos a passagem. Sugere-se para isso a leitura do contexto anterior e posterior imediato, observando como os discípulos são orientados em relação aos acontecimentos escatológicos.

NOTAS TEXTUAIS

V. 1: “Reino dos céus” é uma expressão extensiva em Mateus. São 29 vezes que Mateus utiliza essa expressão que também pode ser somada à outra: “reino de Deus”. Ambas nos ajudam a compreender que o reino de Deus ou dos céus é uma intervenção que vem de Deus, dos céus. Descarta-se qualquer possibilidade humana de construir este reino. A imagem da presença do reino se dá através da parábola das bodas. Noivo, noiva, convidados, festa aparecem no enredo do texto.

V. 2: “Néscias... e prudentes” é um termo que nos leva para Mateus 7.24-27, quando são descritos, em outra parábola, o construtor prudente e o construtor irresponsável. Parece que o julgamento utilizado por Mateus tem um princípio de causa e efeito. A atitude de hoje tem infl uências no futuro.

V. 5: A condição das néscias é um ato contínuo. Elas “foram tomadas de sono e adormeceram”. Tanto o aoristo como o imperfeito nessa frase nos levam a entender algo que aconteceu e que está em um processo contínuo.

V. 10: A imagem de que Jesus é o noivo vem de Isaías 22.22 a qual João em Apocalipse 3.7 aplica diretamente para Cristo. Mas Mateus não identifi ca diretamente Jesus como o Noivo! A presença do Noivo ainda se manifestará no último dia!

V. 11: O clamor pelo “Senhor” expressa extrema urgência.

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ELEMENTOS EXEGÉTICOS E HERMENÊUTICOS

A leitura hermenêutica através do princípio de lei e evangelho nos ajuda a condenar a prática comum em relação à passagem de alegorizar os elementos presentes na parábola. Na Igreja Antiga, especialmente Je-rônimo e Agostinho, era comum identifi car as lâmpadas com a fé e o óleo nelas como as boas obras. Os luteranos no século XVI também fi zeram algo semelhante descrevendo as lâmpadas como as obras externas dos cristãos e o óleo a verdadeira fé. Através do princípio de lei e evangelho não podemos alegorizar os detalhes da parábola e precisamos lê-la de forma a encontrarmos o ponto de comparação para que o conteúdo evan-gélico sobressaia.

A parábola é construída em cima de uma situação comum na época do Novo Testamento. A cena de um casamento era normal e ainda o é entre nós. Os elementos essenciais de qualquer boda eram conhecidos de todos. Jesus não se preocupa com todos os detalhes da festa e leva seus ouvintes direto ao momento crucial da chegada do noivo que vem ao encontro da noiva. A chegada de convidados fora do tempo não era comum. Podiam chegar na última hora!

Estar preparado para receber o noivo requeria pequenas lâmpadas feitas de terracota com um pequeno buraco para nelas depositar o com-bustível, que era o óleo. Como não se sabia a hora da chegada do noivo, uma reserva de óleo era comum para que a cerimônia não terminasse antes da chegada tão esperada do personagem principal.

Conectar o “noivo” a Cristo parece ser o caminho mais fácil, espe-cialmente se lermos esta passagem à luz de Oseias que nos apresenta a relação de Deus com sua noiva, Israel, e a presença futura do Messias que iria servir para restaurar o povo de Israel com seu Deus. A presença de salvação à meia-noite também pode ser uma referência a Êxodo 12.29, o tempo da visitação do Anjo do Senhor. Também Paulo conecta Cristo com o noivo em 2 Coríntios 11.2 e Efésios 5.25,32.

Mas o que dizer do noivo nesta passagem de Mateus? Nos evange-lhos sinóticos, o reino dos céus ou o reino de Deus é sempre anunciado em perspectiva futura. Jesus Cristo não se identifi ca com o reino nesses três evangelhos. Em João sim! Aí temos a presença do reino na pessoa e obra de Jesus Cristo, revelado pelo Espírito Santo. Portanto, é melhor não assumirmos a conexão em Mateus que Jesus é o noivo. Lembremos do contexto. Em Mateus 24.36,44, Jesus afi rma que só o Pai sabe da hora fi nal. Muitos dos ouvintes certamente conectaram a vinda do noivo com a vinda do próprio Deus Pai, que era esperado pelo povo. Portanto, a parábola de Mateus nos conecta a um evento futuro onde o Noivo se fará presente convidando a noiva para a boda!

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Claro que Jesus é o mediador entre Deus e o homem! Só que sua re-velação só ocorrerá na parousia fi nal e será Ele que irá reunir o povo de Deus para as bodas. A partir do ministério de Jesus Cristo, é impossível hoje distinguirmos os “néscios” dos “prudentes”, se quiserem, os verdadeiros crentes dos hipócritas. Somente quando o noivo chegar para as bodas e convidar os “preparados” é que será feita a distinção.

A igreja hoje só pode ouvir desse evento escatológico e esperar por ele. E isto é a nossa fé: a certeza de coisas que irão acontecer, a convicção de fatos que não se veem, mas apenas ouve-se a respeito deles. A separa-ção entre os crentes e descrentes tem na fé o seu ponto determinante na parábola. Este é o ponto de comparação que lei e evangelho nos trazem à tona ao lermos essa passagem neste domingo que nos conduz ao fi nal do ano eclesiástico. É a fé que separará aqueles que irão entrar para a eternidade com Cristo daqueles que até encontram óleo na última hora, mas que foram deixados de fora das bodas eternas. A esses será dado o veredito fi nal: “eu não os conheço”. Veja a posição de Pedro sobre isso em Mateus 7.23 e Mateus 26.72,74. A porta dos céus está fechada para os desconhecidos do reino.

Uma observação fi nal precisa ser dita. Jesus está falando com seus discípulos. Eles são sua audiência. À luz do Terceiro Artigo do Credo, o pressuposto sadio para entender essa parábola brota da ação do Espírito Santo que “... nos santifi ca e nos conserva nessa fé verdadeira” como confessa Lutero. Portanto, estamos tratando de um verdadeiro milagre que está totalmente nas mãos de Deus o sermos chamados para participar das bodas eternas.

ORIENTAÇÕES HOMILÉTICAS

O Noivo está chegando. Estamos preparamos para nos encontrar com ele? A resposta é não e sim! Não estamos pelo nosso esforço, mas sim pela nossa fé que nos faz

aguardar o Noivo!A porta se abrirá para os convidados das bodas eternas pela ação de

Deus em Cristo, obra do Espírito Santo em nós, e o Noivo, Cristo, nos convidará!

Por isso, quando o Senhor retornar, a porta do reino dos céus se abrirá e aquele que fala em nome desse reino convidará os seus!

Clóvis Jair PrunzelSão Leopoldo/RS

[email protected]

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16 de novembro de 2014Salmo 90.1-12; Sofonias 1.7-16; 1 Tessalonicenses 5.1-11;

Mateus 25.14-30

CONTEXTO

Estamos nos aproximando do fi nal de mais um ano e, antes que este acabe, já está praticamente encerrado o ano litúrgico. Sempre de novo é necessário refl etirmos e nos prepararmos para o retorno de Cristo em poder e glória. Nos capítulos 24 e 25 do Evangelho de Mateus, Jesus utiliza diversas ilustrações para falar sobre a vinda do Reino de Deus na sua plenitude. As ilustrações a respeito surgem a partir da indagação dos discípulos a Jesus: “- Dize-nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século” (Mt 24.3b).

É a partir daí que Jesus passa a discorrer sobre os sinais que antece-derão a sua vinda: falsos messias, perseguições, sofrimentos, fenômenos na natureza dentre outros. Este tempo de espera por Jesus é o tempo da graça. O tempo entre a subida de Jesus aos céus e o seu retorno.

É como um homem que foi fazer uma viagem e antes de viajar colo-cou os seus empregados para tomarem conta da sua propriedade (v.14), distribuindo os seus bens entre os seus empregados, de acordo com a capacidade de cada um, e então partindo em viagem. Quando o homem retorna, depois de muito tempo, ele volta para ajustar as contas com os seus empregados.

O que este homem fez foi entregar altas quantias de dinheiro para que fossem investidas, para que, assim, pudesse ter uma rentabilidade enquanto em viagem. O retorno de Cristo será inesperado, assim como é inesperado o ladrão que chega na calada da noite (1 Ts 5.1). Mas aquele que vive a sua fé e anda na luz, não precisará temer, como não temeram os dois primeiros empregados descritos no texto do Evangelho, que, ime-diatamente após a viagem do patrão, começaram a investir os talentos que haviam recebido.

O Salmo 90.1-12 nos fala do presente maior que recebemos: o dom da vida. Vida que é longa para alguns e curta para outros. Mas indepen-dente de quanto tempo Deus nos concede neste mundo, esse tempo é breve se comparado com a vida eterna. Praticamente não há diferença entre vinte, setenta ou oitenta anos; e estes últimos, por vezes, são de canseira e enfado. Seja qual for o tempo de vida que alcançarmos, a vida é dom, é presente!

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Independente da quantidade de tempo, o salmista nos ensina a apro-veitar de maneira sábia o tempo que Deus, em sua sábia providência, nos concedeu, seguindo o exemplo dos dois primeiros empregados, que investiram de maneira sábia os talentos entregues pelo patrão.

TEXTO DA MENSAGEM: MATEUS 25.14-20

V. 14: Antes de Jesus subir aos céus, Ele prometeu que enviaria o Espírito Santo sobre os discípulos e eles seriam suas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confi ns da terra (At 1.8). Jesus é como o homem da parábola: ao subir aos céus, deixou dons para os seus discípulos, a fi m de serem investidos em prol do Reino de Deus, testemunhando que Deus quer salvar a todos.

V. 15: Para nós, a palavra “talento” lembra alguém que tenha uma aptidão natural ou capacidade diferenciada para uma determinada função. Aqui, porém, a palavra “talento” de maneira nenhuma se refere aos “ta-lentosos”, no sentido de excepcional. O talento está relacionado com os dons que Deus distribui a cada um individualmente, conforme lhe apraz (1Co 12.11). Quais talentos são esses? Será que existem dons mais ex-traordinários a serem buscados e exercidos no dia a dia do que os frutos do Espírito descritos em Gl 5.22-23? O talento de que fala a parábola também não é uma moeda. É uma medida ou peso de dinheiro. Podia ser pago em moedas ou em barras de ouro ou prata. Um talento equivalia a cem moedas de ouro. É por isso que a NTLH faz esta conversão, usando moedas de ouro ao invés de talento. O foco não está nos valores, mas na proporção que é dada, conforme a capacidade de cada empregado: “a um deu cinco talentos, a outro, dois, e a outro, um”. Cada um, do seu modo, é chamado a testemunhar a sua fé e colocar os seus dons a serviço do Reino.

Vv. 16,17: Nos negócios e investimentos terrenos que realizamos, nem sempre temos garantia de sucesso. No Reino de Deus, o sucesso não só é apenas possível, mas é garantido. Deus faz essa promessa em Is 55.11, dizendo que a Sua Palavra não voltará vazia. Embora Deus não nos impeça de usarmos os bens e os dons para fi ns pessoais, somos lembrados de que não devemos deixar de investi-los no Reino dos Céus, pois a promessa feita por Cristo é: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

V. 18: É importante frisar que, apesar do terceiro servo ter recebido apenas um talento, isso não representava uma quantia desprezível. Um trabalhador que ganhava um denário por dia teria de trabalhar mais de quinze anos para juntar um talento, pois um talento equivale a seis mil denários (seis mil dias de trabalho). A questão é que o terceiro servo não

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quer trabalhar para o seu senhor. A fé sem obras é morta (Tg 2.17). O cristão precisa ser identifi cado. A fé precisa ser ativa no amor e não pode estar escondida, assim como não pode estar escondida uma cidade edifi cada sobre um monte e uma lamparina debaixo de um alqueire (Mt 5.14,15).

V. 19: Um dia de acerto de contas é um lembrete de que nós não so-mos perfeitos em aproveitar as oportunidades de investimento no Reino de Deus. Para os nossos fracassos, devemos buscar perdão em Cristo. Diante do perdão recebido, recebemos uma nova oportunidade de investir os talentos que Deus nos presenteou.

Vv. 20-23: Os dois primeiros servos – cada um dentro da sua capacida-de – obtiveram sucesso e dobraram aquilo que lhes havia sido entregue. A nossa vida pertence a Cristo, que nos comprou com seu sangue derramado na cruz. Os dons que temos recebemos da mão de Deus. Não sabemos quando será o retorno de Cristo para o acerto de contas, mas, até a sua vinda, devemos fazer uso constante e prático dos dons do Espírito.

Vv. 24-27: A alegação do terceiro servo de que o patrão era um homem severo e que ceifava onde não havia semeado é infundada, pois, apesar de receber menos, também lhe seriam exigidos menos rendimentos. O patrão não esperava que conseguisse quantias superiores aos demais companheiros. Apenas que investisse dentro das possibilidades que lhe haviam sido colocadas. Outro detalhe que chama a atenção é que, ao entregar o dinheiro aos banqueiros, nenhum dos servos teve controle sobre o dinheiro. Apenas esperaram os investimentos serem realizados, assim como ocorre conosco quando realizamos uma aplicação fi nancei-ra: depositamos, confi amos e esperamos. Houve, portanto, preguiça e descaso por parte do terceiro servo com o talento recebido. A nós, cabe testemunhar a fé até a volta de Cristo, sabendo sempre que quem faz os frutos aparecerem é o Espírito Santo.

Vv. 28,29: Investir no Reino dos Céus é um investimento seguro, com certeza de sucesso. Os que guardam a Palavra de Deus, creem em Cristo, vivem a sua fé e reconhecem que tudo o que possuem é presente de Deus, receberão ainda mais, porque Deus é gracioso e generoso.

V. 30: Assim como um mau investimento fi nanceiro gera dívidas, fa-lência e desestabilidade, assim ocorre com o descaso e a indiferença com os talentos concedidos por Deus. Quando planejamos a nossa vida, não podemos esquecer daquilo que o Salmo 90.1-12 nos diz: a vida neste mundo é muito curta. De nada adianta investirmos nos prazeres e riquezas deste mundo. Elas são passageiras e costumam nos afastar dos propósi-tos de Deus, que nos presenteou a vida. Quando Cristo vier em poder e glória, Ele espera que estejamos fi rmes na Sua Palavra, testemunhando e colocando os nossos dons a serviço do seu Reino. Este é, de fato, um investimento seguro e confi ável! (Mt 6.19,20).

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SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Reino de Deus: um investimento seguro!1. Introdução:

- No atual cenário econômico do nosso país, muitas são as ofertas de investimento e de crédito. Ao mesmo tempo, muitos são os endividados, aqueles que investiram de maneira incorreta e pre-cipitada o seu dinheiro;

- Quando se trata de dinheiro, quanto maior o valor que temos, mais juros este rende quando é aplicado. O contrário também é verdadeiro: quanto mais dívidas, maiores elas se tornam com o passar do tempo.

- Seja pouco ou muito dinheiro que tenhamos em reserva, recomen-da-se que este seja aplicado, e não colocado debaixo do colchão, como faziam os antigos. Nos tempos atuais, tal procedimento é muito inseguro e nada rentável.

2. A salvação, a fé, os dons e os bens que nós temos não são nossos. São presentes recebidos da mão generosa de Deus.- A parábola dos talentos ensina que todos nós recebemos a vida,

a fé e os dons como presentes de Deus. Ele os distribui conforme lhe apraz;

- Deus espera que cada um de nós invista os nossos dons em prol do Reino de Deus.

3. Investir no Reino de Deus é seguro.- Diferentemente do mercado fi nanceiro, os investimentos no Reino

de Deus têm retorno garantido (os dois primeiros servos);- Não vamos seguir o exemplo do terceiro servo, que foi ingrato

com o grande presente que havia recebido. Por negligência e in-gratidão com o seu talento, ele perdeu a oportunidade de investir em algo seguro.

- Já somos recompensados nesta vida tão breve com tantas bênçãos da mão de Deus. A principal bênção é que Cristo nos comprou com o seu sangue na cruz e nos resgatou da condenação eterna. Graças a esse presente, temos a certeza de que, no seu retorno, receberemos infi nitamente mais: receberemos a vida eterna. É por isso que o Reino dos Céus é um investimento seguro. Conti-nuemos testemunhando e convidando outras pessoas a fazerem esse grande investimento.

Timóteo Ramson Fuhrmann

Morro Redondo/[email protected]

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23 de novembro de 2014Salmo 95.1-7a; Ezequiel 34.11-16, 20-24; 1 Coríntios 15.20-28;

Mateus 25.31-46

CONTEXTO LITÚRGICO O fi nal do ano eclesiástico é momento de fazer foco no fi m dos tempos,

quando o plano de salvação será cumprido em todos os seus aspectos.

CONTEXTO LITERÁRIO

Nosso texto está dentro do marco maior que aborda a temática dos últimos tempos (capítulos 24 e 25). Neste contexto se narra o juízo sobre Jerusalém e o retorno de Cristo para o juízo fi nal. Estas narrativas são uma advertência para estarmos preparados, pois jamais poderemos saber quando e nem como é que Jesus retornará.

CONTEXTO HISTÓRICO

Nos tempos bíblicos as ovelhas e os bodes fi cavam misturados durante o dia no campo. À noite, consequência, eles são separados: as ovelhas aguentam o ar frio, mas os bodes têm que se juntar para se esquentar. Em áreas de pouca pastagem, os animais também têm de ser separados durante o dia. Mas, agora, esses detalhes simples e pastorais estão car-regados de simbolismo.

LEITURAS DO DIA

Salmo 91.1-7a: Este salmo combina um chamado à adoração com uma exortação profética. Ele nos ensina que na adoração devem estar presentes duas atitudes: uma é o louvor com alegria e gratidão pelas bên-çãos recebidas das mãos de Deus; a outra é a humildade com que o ser humano deve ouvir a sua voz e lhe obedecer. A obediência que agrada a Deus é a que provém de um coração que reconhece o amor e a graça de Deus e que, com gratidão, procura servi-lo. O salmo utiliza a recorrente imagem pastoril que nos apresenta a Bíblia para descrever o nosso rela-cionamento com Deus. “Somos o rebanho do qual ele cuida” (v. 7a).

Ezequiel 34.11-16, 20-24: Esta passagem mostra o contraste com os primeiros versículos do capítulo onde o profeta denuncia os líderes de Israel

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pelo descuido e o maltrato deles para com o povo. Agora Deus se apresenta como o pastor que busca as ovelhas que foram espalhadas e das quais ele mesmo cuidará. Mas também neste cuidado haverá um estabelecimento de justiça através de um julgamento ou uma separação entre as ovelhas que oprimem e as que são oprimidas. Alguns comentaristas interpretam o v.17 como a separação entre ovelhas e cabras tal como se apresenta em Mateus 25.32, porém Ezequiel bota dentro do grupo dos bodes as ovelhas gordas que comem os melhores pastos e pisam no que sobra, fazendo clara referência à opressão dos pobres. Por isso, Deus promete levantar um pastor que também é rei que cuidará do seu rebanho com justiça (v.24).

1 Coríntios 15.20-28: Paulo expressa a certeza cristã na ressurreição dos mortos e dá detalhes de como as coisas aconteceram. Ressalta o Cristo Rei, sua autoridade para subjugar todas as coisas e seu domínio sobre toda autoridade, poderes e à morte mesma. E então Cristo depositará o reino aos pés de seu Pai.

O TEXTO DE MATEUS 25.31-46

V. 31: Aqui aparecem duas das três formas pelas quais Jesus é chamado neste texto: Filho do homem e Rei. Filho do homem é um dos títulos messiânicos que Jesus mais utilizou ao fazer referência à sua pessoa. O termo tem origem no profeta Daniel 7.13ss. e tem um tom apocalíptico que enfatiza o julgamento que este Filho do homem fará sobre as nações. Rei faz referência ao restabelecimento do reinado do Messias.

V. 32: O julgamento consiste na separação de uns dos outros como acontece nas parábolas dos peixes e do joio e o trigo em Mateus 13. Assim será o julgamento fi nal. Os bons irão à direita, que é o lugar de honra. Aqui aparece o terceiro título dado nesse texto: pastor. O pastor cuida do seu rebanho, mas também, ao fi nal da jornada, separa as ovelhas das cabras. Cabras e ovelhas: sob a lei cerimonial judaica, a cabra era um animal puro como a ovelha, porém os textos bíblicos representam as cabras com um caráter oposto ao das ovelhas, caracterizado pela rebeldia. Não é conveniente que o povo de Deus tenha a mesma atitude deste animal. Ainda que muitas vezes as ovelhas e cabras pastem juntas, quando o pastor chama as ovelhas, estas respondem e as cabras não. As cabras não são do mesmo rebanho. O pastor conhece as suas ovelhas e as chama pelo seu nome (João 10.3). Ele vai à frente delas e elas o seguem, porque conhe-cem a sua voz (João 10.11). Mas nunca se diz isto a respeito das cabras. Jesus disse: “as minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem”. Eu lhes dou a vida eterna, e por isso elas nunca morrerão. Ninguém poderá arrancá-las de minha mão (João 10.27-28).

ÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

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V. 34: Aqui Jesus chama as ovelhas para si (venham) e lhes entrega o seu Reino. É um convite para estar na sua presença. Benditos do meu Pai (oi` euvloghme,noi tou/ patro,j mou). Eles são “benditos” não por causa das suas obras, mas por terem recebido a bênção da graça de Deus que por meio de Cristo é oferecida a todo ser humano. Suas obras são con-sequência por serem abençoados com a graça do Pai. Agora, no fi nal dos tempos, estes benditos do Pai recebem esta herança prometida que é o reino preparado para eles desde “antes da criação do mundo” (Jo 17.24; Ef 1.4; 1Pe 1.20). Essa herança gloriosa, o reino consumado, era desde o início o plano do Pai para eles.

Vv. 35,36: Aqui nos são apresentados os motivos sobre os quais se baseia

o juiz para dar o seu veredito. Claro que não se propõe aqui uma salvação por obras, mesmo assim é necessário deixar bem claro que elas são a evidência da salvação recebida. O ser humano é criado em Cristo para fazer boas obras (Ef 2.10; Rm 6.1-14). Em nossa teologia sempre enfatizamos corretamente que a salvação é pela graça de Cristo através da fé, sem necessidade das obras, porque não são elas que salvam. Isto é assim. Porém, temos de ter o cuidado de não separar tanto a fé das obras de tal modo que as obras não façam parte da vida de fé. As obras são a consequência natural que têm íntima ligação com a fé a tal ponto que o juízo de Cristo se baseia nas obras que a fé trouxe como resultado. Tiago, na sua epístola, desenvolve esse tema com grande insistência e clareza (Tiago 2.14-26).

Vv. 37-39: Outro fato que chama a atenção é a surpresa destes que recebem o Reino. Isto reforça o conceito de que a esperança e a confi an-ça deles não estavam depositadas nas suas obras. Eles humildemente reconhecem que não têm feito nada em especial no seu serviço a Cristo. Esse modo de agir foi algo natural, desinteressado, sem representar para eles grande esforço.

V. 40: O Rei declara: VAmh.n le,gw u`mi/n - Eu afi rmo a vocês que isto é verdade. Esta frase dá ênfase à declaração que vem logo após. O serviço a Cristo se dá no serviço cotidiano, anônimo, que não espera recompensa, que surge naturalmente de um coração que refl ete o serviço e o amor recebido do Senhor. Irmãos pequenos (avdelfw/n evlaci,stwn). Temos aqui um adjetivo superlativo de pequeno. Os mais pequeninos, para ressaltar o serviço, o amor e a caridade aos mais fragilizados e necessitados, pelos quase insignifi cantes. Porém, a pergunta que gera mais difi culdades de responder gira em torno ao sujeito “irmão”. Quem são estes irmãos pe-queninos? Alguns teólogos identifi cam o auxílio aos irmãos com a ajuda aos apóstolos ou missionários baseados em Mateus 10.42, no contexto

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ÚLTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJA

do envio missionário de Jesus. D. A. Carson, no seu comentário sobre esse texto, escreve:

Sem dúvida, a melhor interpretação é que os “irmãos” de Jesus são seus discípulos (12.48,49; 28.10; cf. 23.8). O destino das nações será determinado pelo modo como respondem aos segui-dores de Jesus, que, “missionários” ou não, estão encarregados de propagar o evangelho e fazer isso em face da fome, sede, doença e prisão. As boas obras feitas aos seguidores de Jesus, mesmo ao menor deles, não só são obras de compaixão e moralidade, mas também refl etem a posição na qual a pessoa permanece em relação ao reino e a Jesus mesmo. Jesus se identifi ca com o destino de seus seguidores e transforma a compaixão por eles a uma atitude equivalente à compaixão por ele mesmo. Outros identifi cam estes irmãos pequeninos como todos os pobres e frágeis da nossa sociedade. Eles afi rmam que Cristo se esconde detrás de cada um deles para ser servido por nós. É difícil excluir uma pessoa do nosso alvo de serviço em amor cristão só pelo fato de ser ou não um discípulo de Cristo. Acredito que o amor cristão se vivencia no serviço a todos. Cabe aqui seguir o conselho do apóstolo em Gálatas 6.10.

V. 41: Agora aos que estão à esquerda se lhes ordena a se afastar. Isto é parte do castigo eterno: viver eternamente separados da presença de Deus. Assim como os que estão à direita de Cristo no julgamento são chamados de “benditos do meu Pai”, agora os que estão à esquerda de Cristo são chamados de “malditos”. Mas é importante destacar que não são chamados de malditos do meu Pai. A maldição que recai sobre os conde-nados não é má disposição de Deus para com eles, e sim a consequência exclusiva da própria rebeldia deles para com Deus e a rejeição da sua graça. A vontade de Deus é a salvação de todos. Ele quer o arrependimento do pecador, mas quando isso não acontece, o destino deste é o castigo do inferno - que não foi preparado para o homem, e sim, para o diabo e os seus anjos. Vão para este lugar por terem feito as obras do diabo.

Vv. 42,43: Os motivos do julgamento para os condenados são a au-sência das obras que os fi eis fi zeram. Eles não são acusados de fazer o mal, mas sim de deixar de fazer o bem. A omissão do serviço cristão, a ausência das obras da fé é pecado e recebem a condenação.

V. 44: Os condenados tentarão justifi car seu agir com a desculpa do não saber, não ter visto. Quem sabe eles pensaram “se a gente soubesse teria feito”. Porém, mesmo assim, agir por interesse em troca de graça e salvação é igualmente pecaminoso e detestável aos olhos de Deus, porque tudo o que não se baseia na fé é pecado (Rm 14.23b).

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IGREJA LUTERANA

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PROPOSTA HOMILÉTICA

Os textos do AT e o evangelho mostram com toda clareza o amor e a graça de Deus para com a humanidade. É importante ressaltar esta imagem do Filho de Deus como pastor e o vínculo que este quer ter com as suas ovelhas, o seu povo pelo qual deu a sua vida para sua salvação.

Mas este pastor que oferece sua graça, seu cuidado e tratamento espe-cial ao povo que ouve sua voz e o segue também tem a função de separar, de julgar entre ovelhas e cabras. O fato que Jesus demore em seu retorno glorioso como juiz para separar os bons dos maus não deve ser motivo para sermos relapsos e descuidar a nossa vida de fé. Pelo contrário, deve nos manter alertas e fi rmes no serviço ao Senhor.

Chegará o dia em que este Pastor - que também é Rei - virá em glória e com a autoridade que lhe foi concedida pelo Pai concederá o seu Reino aos seus benditos e afastará dele e do seu povo aqueles que não ouviram a sua voz, que rejeitaram a sua graça.

Este texto é de grande signifi cado nestes tempos em que os assuntos escatológicos não são parte da agenda e dos temas cotidianos e, inclusi-ve, até da pregação de muitas teologias focadas na prosperidade. Nestes tempos pós-modernos caracterizados pelo materialismo, que impulsiona o “ter” e o “parecer”, esta mensagem sobre o fi m nos lembra que tudo tem um fi nal, e nos convida a olharmos novamente para aquilo que transcende este mundo e que prevalece acima das aparências. Quando o fi m chegar, Cristo julgará sobre toda aparência conforme o que cada um tenha acre-ditado e vivido em verdade.

Objetivo do sermão: Que o ouvinte se fortaleça na graça e amor de Cris-to para permanecer fi rme no serviço a Deus, na esperança do Reino eterno.

Tema: Com o coração em Cristo, estendendo a mão aos mais peque-ninos, e de olho no Reino.

Esboço:Porque Cristo é a fonte de toda bênção, graça e salvação.Porque ele aguarda a nossa resposta de fé, amor e gratidão no serviço

aos mais pequeninos.Porque a promessa da herança do Reino nos mantém com fi rmeza na

fé e no serviço.

Guillermo HerigertSão Leopoldo/RS

[email protected]

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