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1 Entrevista REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS abril | maio | junho 2010 | v. 75 — n. 2 — ano XXVIII

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Abr.mai.jun 10

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Entr

evis

tarevista do tribunal de contas do estado de minas geraisabril | maio | junho 2010 | v. 75 — n. 2 — ano XXviii

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revista do tribunal de contas do estado de minas geraisabril | maio | junho 2010 | v. 75 — n. 2 — ano XXviii As Palavras

HenriquetaLisboa

1este é um planeta de palavras neutras movíveis e versáteis que de rodízio pela ponte vão ter à margem oposta

candentes em água fria petrificadas no fogo

tumultuam-se as palavras umas prontas para o jogo

outras intactas à sorte

mantêm auras de mistério nos percursos de ida e volta

conforme o sangue que as gera o incentivo que as abrasa

conforme a língua que as solta ou que as segura na raça.

2 Os cardos se abriram fecharam-se os lírios horizontes amplos

estreitaram o âmbito só pela palavra

que em tempo de espera nos foi sonegada.

A casa estremece no próprio alicerce

pelo desatino de alguma palavra

de metal ferino que nos fira o ouvido

sem qualquer preparo.

os verdes ondulam ao longo das várzeas espelhos se aclaram no colo das grutas por palavra terna

que a alma nos enleva no momento exato.

Ó cores nascidas ó sombras criadas ó fontes detidas ó águas roladas

ó campos abertos por simples palavras.

3 segredos expostos tingem de rubor a palavra rosa

como que em deslize tocam-se cristais na palavra brisa

algo se insinua de abandono e flauta

na palavra azul

desgastados mantos pesam sobre o leito

da palavra fama

espinheiro agreste rompe raiva e ruge na palavra guerra

Não há luz que corte o ermo corredor

da palavra morte.

Page 4: Revista TCE

FICHA CATALOGRÁFICA

issn 0102-1052

Publicação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Geraisav. raja gabaglia, 1.315 — luxemburgobelo Horizonte — mg — ceP: 30380-435

Revista: Edifício anexo — (0xx31) 3348-2142Endereço eletrônico: <[email protected]>

Site: <www.tce.mg.gov.br>

as matérias assinadas são de inteira responsabilidade de seus autores.

Solicita-se permuta. Exchange is invited. Pidese canje. On demande l’échange. Man bittet um Austausch. Si richiede lo scambio.

Projeto gráfico: Alysson Lisboa Neves — MTB/0177-MG — [email protected]

Capa, contracapa e diagramação:Unika.com Editora

Fotos da capa: Henriqueta Lisboa — Coleção Henriqueta Lisboa do Acervo de Escritores Mineiros da UFMG

Professor luís roberto barroso — arquivo pessoal

Poema da primeira folha: as Palavras. lisboa, Henriqueta.

In: Obras Completas. São Paulo: Peirópolis, 2010 (no prelo).

Impressão e acabamento:Rona Editora Gráfica

FICHA CATALOGRÁFICA

revista do tribunal de contas do estado de minas gerais. Ano 1, n. 1 (dez. 1983- ). Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 1983 -

Periodicidade irregular (1983-87) Publicação interrompida (1988-92) Periodicidade trimestral (1993- )

issn 0102-1052

1. Tribunal de Contas — Minas Gerais — Periódicos 2. Minas Gerais — Tribunal de Contas — Periódicos.

CDU 336.126.55(815.1)(05)

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tribunal de contas do estado de minas gerais

CONSELHOWanderley Geraldo de Ávila

Presidente

antônio carlos doorgal de andradaVice-Presidente

Adriene Barbosa de Faria Andradecorregedora

eduardo carone costaconselheiro

elmo braz soares conselheiro

Sebastião Helvecio Ramos de Castroconselheiro

gilberto dinizConselheiro em exercício

AUDITORIA

edson antônio argergilberto diniz

Licurgo Joseph Mourão de OliveiraHamilton antônio coelho

MINISTéRIO PúbLICO DE CONTAS

glaydson santo soprani massariaProcurador-Geral

Maria Cecília Mendes BorgesProcuradora

cláudio couto terrão Procurador

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COMPOSIÇÃO DO PLENO*

Conselheiro Wanderley Geraldo de Ávila — PresidenteConselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada — Vice-Presidente

Conselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade — CorregedoraConselheiro Eduardo Carone Costa

Conselheiro Elmo Braz SoaresConselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Castro

Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz

*As reuniões do Tribunal Pleno ocorrem às quartas-feiras, 14h.

Diretor da Secretaria-Geral: Marconi Augusto Fernandes de Castro BragaFones: (31) 3348-2204 [Diretoria]

(31) 3348-2128 [Apoio]

COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA CÂMARA*

Conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada — PresidenteConselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade

Conselheiro em Exercício Gilberto DinizAuditor Relator Edson Antônio Arger

Auditor Relator Licurgo Joseph Mourão de Oliveira

*As reuniões da Primeira Câmara ocorrem às terças-feiras, 14h30.

Diretora da Secretaria: Joeny Oliveira Souza FurtadoFones: (31) 3348-2585 [Diretoria]

(31) 3348-2281 [Apoio]

COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA CÂMARA*

Conselheiro Eduardo Carone Costa — PresidenteConselheiro Elmo Braz Soares

Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de CastroAuditor Relator Gilberto Diniz

Auditor Relator Hamilton Antônio Coelho

*As reuniões da Segunda Câmara ocorrem às quintas-feiras, 10h.

Diretora da Secretaria: Mônica da Cunha RodriguesFones: (31) 3348-2415 [Diretoria]

(31) 3348-2189 [Apoio]

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tribunal de contas do estado de minas gerais

CORPO INSTRUTIVODIRETORIA-GERAL DE CONTROLE ExTERNO

Cristina Márcia de Oliveira Mendonça Fone: (31) 3348-2370

DIRETORIA DE CONTROLE ExTERNO DO ESTADOvalquíria de sousa Pinheiro

Fone: (31) 3348-2223

DIRETORIA DE ASSUNTOS ESPECIAIS E DE ENGENHARIA E PERÍCIAcristiana de lemos souza Prates

Fone: (31) 3348-2516

DIRETORIA DE CONTROLE ExTERNO DOS MUNICÍPIOSConceição Aparecida Ramalho França

Fone: (31) 3348-2255

DIRETORIA-GERAL DE ADMINISTRAÇÃOrodrigo gatti silva

Fone: (31) 3348-2101

DIRETORIA DE GESTÃO DE PESSOASFlávia Maria Gontijo da Rocha

Fone: (31) 3348-2120

DIRETORIA DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E FINANÇASIsabel Rainha Guimarães Junqueira

Fone: (31) 3348-2220

DIRETORIA ADMINISTRATIVA E DE SERVIÇOSlanglebert alvim da silva

Fone: (31) 3348-2402

DIRETORIA DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃOArmando de Jesus Grandioso

Fone: (31) 3348-2308

DIRETORIA DA SECRETARIA-GERALMarconi Augusto F. Castro Braga

Fone: (31) 3348-2204

DIRETORIA DA ESCOLA DE CONTASRenata Machado da Silveira Van Damme

Fone: (31) 3348-2698

GAbINETE DA PRESIDêNCIAFátima Corrêa de Távora

chefe de gabineteFone: (31) 3348-2481

Antônio Rodrigues Alves Júniorassessor

Fone: (31) 3348-2312

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Revista do

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

DIRETOR

conselHeiro antônio carlos doorgal de andrada

VICE-DIRETOR

AUDITOR LICURGO JOSEPH MOURãO DE OLIVEIRA

SECRETÁRIA

maria tereza valadares costa

EQUIPE TéCNICA

aline toledo silvaeliana sancHes engler

lÍvia maria barbosa salgadoREGINA CÁSSIA NUNES DA SILVA

- REVISÃO -LEONOR DUARTE FADINI

MARIA JOSÉ DE ARAÚJO RIOSMARIA LÚCIA TEIxEIRA DE MELO

- PESQUISA -mariana sousa canuto

COLABORAÇãO DA COMISSãO DE JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA

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evis

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Não me engana o visível.Mas eu me engano com o que vejo.(Henriqueta Lisboa)

não existe poesia se não há espanto. o surpreendente milagre é o mundo, e imensurável é o mistério de estar no mundo. diante de tantos segredos e enigmas a alma se alimenta de per-guntas. É da inquietação em face de tantas suspeitas que se constrói a poesia. Por desconhecer os segredos das origens que o ofício do poeta se torna possível. Cada ser que habita este espaço possui, não apenas um nome, mas forma e cor. E mais, uma essência a ser adivinhada inaugura cada elemento do mundo. A poesia, por sua vez, não desvenda os mistérios. Ela, por meio das palavras, derrama luz sobre o obscuro e o torna plural em indagações. Daí, a poesia nos surpre-ender pelo que ela acorda em nós de inusitado.

Na morte, não. Na vida.Está na vida o mistério.Em cada afirmação ouabstinência.(Henriqueta Lisboa)

Henriqueta Lisboa fez da linguagem poética seu único ofício. Compreendendo a função re-veladora das palavras, seu trabalho foi de formular perguntas, sabendo da impossibilidade de respostas exatas para um mundo em contínua maleabilidade. Da posse da sua fragilidade ela fez sua força. Pela ausência de respostas a poeta se trancou em construtivo silêncio, deixando sua poesia nos visitar. sua obra é uma intensa e extensa metáfora. tudo por ela saber que a metáfo-ra protege o escritor e liberta o leitor para outras indagações. Henriqueta exercia a poesia por bem saber que na densidade dos versos o fruidor encontra espaço para mais deslocamentos.

Diante da morte não sou de águanem sou de vento, mas de pedra.Órbitas frígidas de estátua,boca cerrada de quem nega.(Henriqueta Lisboa)

Bartolomeu Campos de Queirós

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Durante sua presença como observadora do mundo, nada ficou esquecido para Henriqueta Lisboa. Da morte à solidão, da flor ao rio, da pedra à estrela, tudo perguntava à poeta sobre o mistério da existência. E a cada coisa ela respondia com mais perguntas, fundando mais crepúsculos. Por conhecer a delicadeza da linguagem poética, e saber construí-la com o rigor necessário, toda sua experiência humana foi levada para o campo da poesia, como capaz também de afagar a dor.

Com minhas frágeise frias mãoscavei um poçono fundo do hortona solidão(Henriqueta Lisboa)

Em tudo Henriqueta pensava profunda e densamente. Como exigente compositora, seus versos são partituras melodiosas, por bem compreender a sonoridade das palavras. Ao escrever suas palavras, e em toda sua obra, ela devia pronunciá-las em voz alta, e se escutava. Distante dos modismos que muitas vezes determinam os caminhos da poesia, a poeta tinha como compro-misso primeiro realizar uma poesia que só por si é capaz de romper com a linguagem e com os significantes comuns.

Espinheiro agresterompe raiva e rugena palavra guerra.(Henriqueta Lisboa)

Sem esquecimento, Henriqueta revisitou sua infância como espaço primordial para o alicerce dos homens e mulheres. E lá, entre jogos e brincadeiras, entre amigos e animais, entre medos e sonhos ela buscou O Menino Poeta. Livro que permite aos mais jovens um contato com a essên-cia da poesia, tomando como assunto o que lhe ficou presente na memória. E seu cuidado com a infância ganha luz pelo meticuloso trabalho oferecido aos iniciantes. Às crianças ela ofereceu também o seu melhor.

O tempo é um fiobastante frágil.Um fio finoque à toa escapa.(Henriqueta Lisboa)

Henriqueta Lisboa, além de poeta, nos deixou significativos ensaios sobre as diversas funções da literatura, como se debruçou sobre outros poetas para traduzi-los, com o desejo de nos aproximar de novas formas de linguagem e encantamento. Sua presença na cultura brasileira é definitiva, tanto pela qualidade de sua produção quanto pela amplitude de sua obra.

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Entrevista

Professor luís roberto barroso 13

Notícias

Encontro Técnico: TCEMG e os Municípios 33semana orçamentária: tcemg realizará evento paracapacitação de 1.250 servidores públicos municipais e estaduais 34Empossado o Procurador-Geral do Ministério Público de Contas 34Lançamento da Edição Especial da Revista — Concursos Públicos 35exposição sobre Henriqueta lisboa no tcemg 35TCE ministra palestras em evento sobre Pacto Institucional 36

Doutrina

Os efeitos das regulamentações complementares na condução dos pregões Carlos Pinto Coelho Motta 39O papel dos Tribunais de Contas na busca da efetividade do controle externoHamilton antônio coelho 6610 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal: da idealidade à efetividadeMárcio Ferreira Kelles 77Complementação dos proventos dos servidores públicos efetivosaposentados pelo Regime Geral de Previdência SocialDélia Mara Monteiro 97

Pareceres e Decisões

Omissão no dever de prestar contas enseja aplicação de multa e determinação de ressarcimento Tomada de Contas Especial n. 737.734 relator: conselheiro eduardo carone costa 115Contratação de plano de saúde para servidores do Poder Legislativo, vereadores e familiaresconsulta n. 764.324relator: conselheiro eduardo carone costa 122Despesas empenhadas superiores ao limite dos créditos autorizados e repasse efetuado à Câmara Municipal superior a preceito legal impõem emissão de parecer pela rejeição das contas de Município Prestação de Contas Municipal n. 782.623relator: conselheiro elmo braz 135Impossibilidade de utilização dos 25% da educação e dos 60% do Fundeb para pagamento de férias-prêmio indenizadas Consulta n. 797.154Relator: Conselheiro Elmo Braz 139Inexistência de diretrizes uniformes quando da emissão de parecer prévio pelo TCE impõe reforma de decisão Pedido de reexame n. 768.754 relator: conselheiro antônio carlos andrada 143

SUMÁRIO

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Alienação de bens móveis pelo Poder Legislativo e destinação da receita de capital Consulta n. 793.762relator: conselheiro antônio carlos andrada 147Possibilidade de concessão de férias remuneradas aos membros de Conselho TutelarConsulta n. 774.962relatora: conselheira adriene andrade 162Impossibilidade de enquadramento no conceito de agente político dos cargos de Chefe de Gabinete, Procurador e Controlador do Município consulta n. 811.245relatora: conselheira adriene andrade 167Atividades-meio, atividades-fim e a terceirização de serviços pelo Poder PúblicoConsulta n. 783.098Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 171Contratação de Oscip para desempenho de atividades na área de saúde Consulta n. 809.494Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 182Forma de cálculo dos proventos de aposentadoria proporcional: momento adequado para verificação da limitação prevista no § 2° do art. 40 da CR/88Consulta n. 794.728Relator: Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz 187TCE considera inconstitucional o § 1° do art. 4° da Resolução Conjunta n. 3.458/03 da Seplag e da SEF que confere isenção de ICMS a licitantes do Estado de Minas Gerais anteriormente ao julgamento das propostas Denúncia n. 803.343Relator: Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz 197Realização de contratações sem licitação e licitações irregularmente formalizadas ensejam imputação de multa pelo tce Processo Administrativo n. 715.980 Relator: Auditor Licurgo Mourão 209Aplicação dos princípios da insignificância e da razoabilidade como fundamento para reforma de parecer prévio exarado pela Corte de Contas Pedido de Reexame n. 769.640 Relator: Auditor Hamilton Coelho 219Ilegalidades relativas a exigências de certificado ISO e de fabricação nacional do objeto licitado. Necessidade de intimação das empresas contratadas para manifestação acerca das irregularidadesProcurador Cláudio Couto Terrão 224

Comentando a Jurisprudência

Aplicação das astreintes no âmbito dos tribunais de contasreuder rodrigues madureira de almeida 235

Estudo Técnico 259

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EnTREvisTa PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO

natural do município de Vassouras, interior do Rio de Janeiro, o professor e advogado Luís Roberto Barroso mudou-se para a capital ainda aos 6 anos de idade, quando seu pai tornou-se Promotor de Justiça. Em constante contato com o universo jurídico, o jovem Barroso escolheu dedicar sua vida ao Direito por uma forte identificação

natural, fazendo do Direito Constitucional uma forma de participar politicamente da vida do país. Ainda na segunda metade da década de 70, ingressou no curso de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, formando-se bacharel em 1980. Em 1989, tornou-se Mestre (L. L. Master of Laws) pela Universidade de Yale, EUA, e, em 2008, Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente é professor titular de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), além de ser autor de diversos livros e artigos publicados em revistas especializadas, no Brasil e no exterior.

Nesta entrevista, Luís Roberto Barroso com grande lucidez, percepção e sensibilidade, nos proporciona uma verdadeira aula de Direito e Política, sempre de maneira clara e reflexiva, tratando de temas que vão desde o papel do Judiciário na sociedade brasileira até a dicotomia entre autonomia pública e privada.

REVISTA DO TCE — O que V. Sa. entende por ativismo judicial, em especial sobre a judicialização da saúde, e quais seriam as suas causas? O Poder Judiciário deve adotar mais aquilo que a moderna doutrina constitucionalista tem chamado de critério da autolimitação espontânea?

PROFESSOR LUÍS ROBERTO BARROSO — o ativismo judicial envolve a opção por um modo específico e proativo de interpretar a constituição, expandindo o seu sentido e alcance. O ativismo é associado a uma participação mais intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço dos outros dois Poderes. nesse sentido, se opõe à chamada autocontenção judicial, marcada por uma especial deferência à atuação dos demais Poderes.

Arq

uivo

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soal

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No caso da saúde, o ativismo costuma envolver a afirmação de deveres específicos — a partir de normas abertas como as extraídas dos arts. 6° e 196 da Constituição — tais como o fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamentos previstos nos protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS) e que não são oferecidos a tempo e a hora pelo Poder Público. Essa é apenas uma das situações e, provavelmente, a que envolve menor grau de dificuldade. A situação mais complexa é aquela que envolve o pedido de medicamentos e de procedimentos médicos e terapêuticos não previstos nos protocolos do SUS, seja porque são experimentais, seja porque as autoridades competentes entenderam não ser possível ou conveniente aquele procedimento, ou, ainda, porque determinadas lesões atingem um número muito pequeno de pessoas, não havendo, por tal motivo, uma mobilização ou sensibilização sobre a importância de acudir aquela demanda.

Portanto, cada situação é diversa da outra, de tal forma que acredito ser adequado, em alguns casos, que o Judiciário seja atuante, embora em outras situações a interferência excessiva desse Poder desarrume as políticas públicas em relação a determinada matéria. Todavia, se não existir uma política pública para o setor, o Judiciário deve atuar não apenas para sanar um caso em particular, mas de modo a induzir o Poder Público a oferecê-la. No entanto, quando a política pública existe e se apresenta razoável, racionalmente estruturada, o ativismo judicial deve ceder espaço a uma postura de autocontenção.

Evidentemente não se trata de tarefa fácil, porque o juiz se sente inclinado a resolver a demanda que está ao seu alcance e o raciocínio que ele desenvolve é o de que valores são ponderados: o direito à vida e à saúde de uma pessoa que procura a Justiça, por um lado, e recursos e princípios orçamentários, separação de Poderes, por outro. Partindo dessa valoração, ele não hesita e escolhe o direito à vida.

Além disso, as causas do ativismo, quanto ao direito à saúde, costumam incluir certa desconfiança em relação à representatividade dos poderes políticos e uma forte insatisfação com a qualidade dos serviços públicos de saúde, aliadas à maior confiança depositada no Poder Judiciário e ao fato de que, ao menos no processo judicial, o cidadão é ouvido pelo Estado. No caso do Brasil, a situação parece ter saído um pouco dos limites. É necessário contrabalançar o ativismo com um pouco de autocontenção, a fim de se evitar o esvaziamento do papel do legislador e do administrador. Nesse sentido, cabe maior deferência às escolhas já efetuadas pelos poderes políticos (remédios

“(...) as causas do ativismo, quanto ao direito à saúde, costumam incluir certa desconfiança em relação à representatividade dos poderes políticos e uma forte insatisfação com a qualidade dos serviços públicos de saúde (...)”

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incluídos ou não nas listas, por exemplo) e a outras exigências constitucionais relevantes, como a possibilidade de universalizar a decisão (de oferecê-la a toda a gama de cidadãos interessados) e ao princípio da economicidade (por exemplo, concedendo medicamentos genéricos, se possível).

REVISTA DO TCE — Nesse contexto, tendo em vista a questão da escassez de recursos orçamentários, como V. Sa. trabalharia o que a doutrina define como Reserva do Possível?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Gostaria de tecer dois comentários: primeiramente, a Reserva do Possível, evidentemente, é um argumento que tem que estar presente, é um senso comum, mas não se apresenta como um conceito objetivo, portanto, o dimensionamento do que seja o possível variará em função das prioridades de cada um. O segundo é que sobre a judicialização da saúde há um capítulo faltante, um capítulo prévio, no qual se debateria o orçamento público.

Enquanto em boa parte dos países do mundo consomem-se vários meses do ano em audiências públicas, debates com participação de populares e dos setores interessados, nos quais se determina o quanto será investido na abertura e manutenção de rodovias, no sistema educacional, na publicidade institucional e na saúde, no Brasil, verificamos que não há um debate substancioso e consistente sobre o orçamento público, apesar de as grandes escolhas de uma democracia serem feitas, não perante o Poder Judiciário, mas sim no momento da elaboração do orçamento público.

Entendo que a judicialização é uma patologia. Uma questão somente chega ao Judiciário quando não foi resolvida amigavelmente ou pelas vias administrativas próprias — algumas vezes porque duas partes privadas não conseguiram se entender, o que é sempre ruim; outras, porque o Poder Público não atendeu a um direito subjetivo público, gerando uma demanda. A judicialização nunca deve ser vista como um modelo ideal, pois traz em si um componente patológico.

REVISTA DO TCE — V. Sa. entende o princípio da dignidade humana como epicentro da aplicação do direito no Brasil?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — eu não teria nenhuma dúvida em aderir à ideia de que o centro dos ordenamentos jurídicos democráticos está no princípio da dignidade da pessoa humana, por ser ele o centro de irradiação dos Direitos Fundamentais. Embora

“(...) no Brasil, verificamos que não há um debate substancioso e consistente sobre o orçamento público, apesar de as grandes escolhas de uma democracia serem feitas, não perante o Poder Judiciário, mas sim no momento da elaboração do orçamento público.”

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essa não seja uma posição de consenso, é como eu compreendo, até porque, se consideramos que tal princípio é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, afastamos o problema da discussão sobre a ponderabilidade da dignidade da pessoa humana, uma vez que o princípio torna-se absoluto enquanto centro irradiador, retirado do universo da ponderabilidade. nesse sentido, os direitos são ponderáveis desde que se observe a dignidade da pessoa humana.

O grande problema desse princípio é o fato de ser extremamente vago, tendo migrado da religião para a filosofia e da filosofia para o direito, não constituindo tarefa simples atribuir a ele uma dimensão objetiva. Entretanto, esse é um processo em curso que chegará a bom termo, assim como ocorreu com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tornados densos ao longo do tempo. Evidentemente, razoabilidade nunca será um conceito totalmente objetivo, mas há um núcleo em que se formou um consenso muito grande. Há certezas positivas relevantes do que seja razoabilidade e certezas negativas relevantes do que não seja, embora não possamos deixar de considerar que o ponto de vista das pessoas variará em uma sociedade pluralista.

de maneira análoga, o verdadeiro problema da dignidade não é reconhecê-la como o centro axiológico, porque nisso há um razoável consenso, mas sim saber como densificar esse princípio na prática. Por exemplo, nos debates sobre interrupção da gestação, os dois polos invocam a dignidade a seu favor; igualmente, nas pesquisas com células-tronco as partes reclamam, uníssonas, pela dignidade, ficando o princípio sem grande utilidade, uma vez que ambas as partes se servem dele como meio de justificação.

entendo que na ideia de dignidade da pessoa humana estão envolvidos os conceitos de autonomia privada e autonomia pública. O primeiro significa o direito que as pessoas têm de fazerem suas escolhas existenciais básicas, incluindo trabalho, sexualidade, afetos, lazer, enfim, aspectos importantes do projeto de vida de cada um. Já a autonomia pública significa a participação na esfera pública, no processo decisório das questões políticas e legislativas em geral. A autonomia pública, nas democracias deliberativas contemporâneas, significa não apenas o direito de votar e de ser votado — isto é, de participar no processo eleitoral — mas a participação mais contínua no debate público, seja pela imprensa, pelas organizações sociais, nas audiências públicas.

“A autonomia pública, nas democracias deliberativas contemporâneas, significa não apenas o direito de votar e de ser votado — isto é, de participar no processo eleitoral — mas a participação mais contínua no debate público.”

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É importante registrar que tanto a autonomia privada quanto a autonomia pública trazem como pressuposto importante para sua realização um mínimo existencial, que é a dignidade, em sua dimensão material, pois as pessoas precisam ter condições mínimas de vida para que possam fazer escolhas conscientes e para que possam participar do espaço público de maneira esclarecida. A liberdade e a participação efetivas exigem níveis mínimos de condições de vida e de acesso à informação e ao conhecimento.

Então, tudo isso que eu estou compartilhando com vocês, neste momento, são avanços na construção de uma ideia de dignidade que não seja totalmente abstrata e difusa. Mas sempre haverá, em uma sociedade pluralista, situações que chamamos de desacordos morais razoáveis, o que significa que pessoas esclarecidas e bem intencionadas pensarão diferentemente, por exemplo, sobre a liberdade de escolha do momento de morrer, sobre o direito de interromper a gestação, questões variadas que dividem as pessoas em todo o mundo. Acredito que precisamos lidar com o dissenso. É necessário reconhecer que, em determinadas matérias, os desacordos irão surgir e serão insanáveis. Foi essa a tese que sustentei no caso das pesquisas com células-tronco embrionárias, pois, onde há desacordo moral razoável, o papel do Direito e do Estado é o de assegurar que cada um viva a sua crença, a sua convicção, a sua autonomia privada, e não o de impor uma determinada diretriz, pois, caso contrário, o Estado resvala para um perfeccionismo moral que considero inaceitável em uma sociedade pluralista.

REVISTA DO TCE — A sociedade brasileira é, de fato, uma sociedade pluralista?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Certamente a sociedade brasileira é plural. É plural porque se compõe por diferentes etnias, plural porque proveniente de muitas origens e de forte miscigenação do povo. Basta conhecer o Brasil para verificar que variam os biotipos e as culturas. Por exemplo: o Círio de Nazaré, em Belém do Pará, ou as festas gauchescas no interior do Rio Grande do Sul, evidentemente retratam culturas diferentes. Podemos comparar os gostos musicais do Centro-Oeste e da Bahia, que são completamente distintos, ir ao Rio de Janeiro e encontrar um pouco de cada um desses elementos culturais. Há religiões de todas as matrizes, concepções filosóficas e estilos de vida bastante diversos.

No entanto, pluralismo vai um pouco além da pluralidade, porque envolve aceitação, respeito pela diferença e se reflete na maior tolerância com a diversidade e nos sincretismos de variados tipos.

“(...) o papel do Direito e do Estado é o de assegurar que cada um viva a sua crença, a sua convicção, a sua autonomia privada, e não o de impor uma determinada diretriz (...).”

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Observo que no Brasil alguns grupos ainda sofrem com o preconceito e com a discriminação social: é o caso dos homossexuais e dos negros, para citar apenas dois exemplos. Apesar disso, creio que a passagem de uma sociedade plural — marcada pelas diferenças — para uma sociedade pluralista — comprometida com o respeito dessas diferenças — é um processo por vezes difícil e demorado que, por sorte, no caso do Brasil, parece estar ocorrendo de forma bastante civilizada e com alguma rapidez.

REVISTA DO TCE — Em uma cultura pós-positivista, qual deve ser a relação entre Ética, Moral e Direito?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — o pós-positivismo é uma espécie de terceira via entre o positivismo jurídico e o jusnaturalismo, que não despreza a importância da lei nem os anseios por objetividade e segurança jurídica. Apesar disso, não entende a norma jurídica como embalagem para qualquer produto, se diferenciando claramente, nesse quesito, do positivismo jurídico. O positivismo jurídico, mesmo em versões mais sofisticadas, como a de Kelsen, no mundo romano-germânico, e a de Hart, no mundo anglo-saxão, retira do debate jurídico questões afetas à justiça e à legitimidade. O Direito, nessa concepção, é limitado ao estudo da norma, sem interrelação com elementos metajurídicos, inclusive a moral. Embora ainda haja defensores de qualidade do positivismo, inclusive os que tentam requalificá-lo como um positivismo “inclusivo” (que admite sua interseção com a moral, pela via dos princípios jurídicos), penso que, na sua pureza, essa é uma visão superada historicamente.

Justamente o contrário é o pós-positivismo, pois para este, embora a norma continue a ser importante e a lei seja um avanço político, uma conquista da humanidade, ela deverá ser aferida em sua legitimidade política e validade moral. Por isso, o pós-positivismo defende essa reaproximação entre o Direito e os princípios éticos da filosofia moral, valores que ingressam no universo jurídico normalmente por meio dos princípios, sobretudo dos princípios constitucionais.

Em nosso ordenamento jurídico, como em qualquer outro, há inúmeros conflitos para os quais existe uma solução pré-pronta. Por exemplo, a Constituição dispõe que o Presidente da República não tem direito a uma segunda reeleição. dessa maneira, ele está impedido de registrar sua candidatura e essa é uma questão muito singela, de fácil resolução jurídica, pois a lei é clara. Outro exemplo é o caso de um proprietário de imóvel urbano que se recusa a pagar o imposto predial

“Justamente o contrário é o pós-positivismo, pois para este, embora a norma continue a ser importante e a lei seja um avanço político, uma conquista da humanidade, ela deverá ser aferida em sua legitimidade política e validade moral.”

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municipal alegando sua situação econômica desfavorável. É evidente que essa também é uma questão que não envolve maiores esforços, a elucidação é simples, pois a norma é clara. É possível dizer que a maioria dos litígios possuem a solução dada pelo direito, sendo que, em relação a esses casos, um juiz terá a simples tarefa de subsunção do fato à norma. Portanto, o modelo tradicional, silogístico, em que a norma é a premissa maior, os fatos relevantes são a premissa menor, sendo a sentença a conclusão óbvia, ainda é capaz de resolver uma boa quantidade de problemas.

Existem, todavia, outras situações, que envolvem ambiguidades da linguagem, colisões de normas constitucionais e desacordos morais razoáveis. Em uma sociedade plural e complexa como a brasileira, muitas vezes, a solução da lide não estará pronta na norma, e o juiz deverá construí-la argumentativamente, recorrendo à filosofia moral e à filosofia política, agindo de acordo com o que é justo e o que é legítimo. O pós-positivismo se insere em uma corrente teórica que reconhece a atividade criativa do juiz e oferece como orientação a filosofia moral e política, quando as direções não estão todas apontadas na norma. Ilustrativamente, quando o cantor Roberto Carlos ingressa em juízo para proibir a divulgação de sua biografia, elaborada por um pesquisador, temos de um lado o cantor invocando seu direito de privacidade e de imagem, e, de outro, o jornalista requerendo seu direito à liberdade de expressão e o direito do público à informação. ambos os polos dessa lide estão amparados por normas constitucionais de direito fundamental e o juiz, infelizmente ou felizmente, não pode julgá-la como empatada e condenar o escrivão ao pagamento das custas. Ele precisará construir a solução, expondo racionalmente seus argumentos, as razões pelas quais acha que um determinado resultado, no caso concreto, realiza melhor a vontade constitucional. Portanto, exatamente em casos assim, necessitará recorrer à filosofia moral e à filosofia política.

REVISTA DO TCE — Em sua obra A crise da democracia parlamentar, o filósofo alemão Carl Schmitt, em uma perspectiva existencialista, sustentou que a evolução da moderna democracia de massas transformou a discussão pública argumentativa em uma simples formalidade vazia. V. Sa. acredita no chamado paradigma comunicacional?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Na célebre frase de Winston Churchill, a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as

“Em uma sociedade plural e complexa como a brasileira, muitas vezes, a solução da lide não estará pronta na norma, e o juiz deverá construí-la argumentativamente, recorrendo à filosofia moral e à filosofia política (...).”

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outras experimentadas de tempos em tempos. Ou seja, como tudo na vida, também a democracia tem seus reveses e dificuldades. Ela precisa se adaptar aos limites e possibilidades do mundo contemporâneo. Assim, se hoje é quase impossível reunir as pessoas em praça pública, a internet e as telecomunicações em geral facilitam o acesso das pessoas a inúmeras informações e fóruns de decisão. Por isso, continuo acreditando que não se faz uma democracia sem um debate público e racional sobre os temas de interesse coletivo, mas também creio que esse debate não pode ser pensado como se ocorresse em um mundo ideal, composto de deuses. Precisamos pensar nas exigências do regime democrático (participação livre e igual de todos os interessados, fruição dos direitos fundamentais, entre outros), não como deveres integralmente realizáveis, mas como um estado ideal de coisas a ser atingido, um norte para aprimorarmos as nossas instituições. Do contrário, a democracia seria uma utopia inviável e todo o esforço de séculos e séculos ruiria no sentido do autoritarismo.

Por essa razão, eu acredito na democracia deliberativa, nas instituições eleitorais, nos ditos mecanismos formais da democracia, acredito também cada vez mais no debate público e na participação esclarecida. Penso que a internet vai ser capaz de realizar, no futuro, um ideal de democracia mais participativa e mais direta, menos dependente de determinadas estruturas formais. entendo que tais estruturas existirão sempre, porém, talvez com menor relevância. É possível que a internet venha a ser o antídoto contra a crise de representatividade vivenciada pelas democracias de massa, as quais inviabilizam a participação eleitoral direta, mas não inviabilizam o debate público, através de grupos de internet, de blogs, de twitters, da circulação de e-mails. Há, por meio da internet, uma verdadeira vida paralela que não depende das instituições oficiais, e essa é uma tendência crescente.

É certo que se não tenho a visão crítica e cética do Carl Schmitt, tampouco possuo a visão totalmente otimista e idealizada sobre as situações ideais da fala de Habermas. Apesar disso, tenho muita simpatia pela ideia do agir ético em contraposição ao agir estratégico, embora para o direito e para os conflitos de interesse colocá-la em prática seja muito difícil.

sobre essa questão, não gostaria de ser injusto, nem de fazer análises superficiais, mas acabaria incorrendo nisso, uma vez que não sou um estudioso do pensamento de Habermas, mas apenas um leitor. ele

“É possível que a internet venha a ser o antídoto contra a crise de representatividade vivenciada pelas democracias de massa, as quais inviabilizam a participação eleitoral direta, mas não inviabilizam o debate público, através de grupos de internet, de blogs, de twitters, da circulação de e-mails.”

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não é um filósofo que me emocione, a despeito do enorme prestígio que desfruta no brasil.

Mas voltando ao ponto: o direito é um espaço de condutas estratégicas, ao menos do ponto de vista do advogado. Mas acho que também para os outros atores. Mesmo que você não seja uma pessoa ligada ao pragmatismo jurídico do ponto de vista decisional, a argumentação jurídica sempre tem um componente estratégico, sendo praticamente impossível que não seja assim, uma vez que as pessoas só não argumentariam estrategicamente, caso não possuíssem nem inconsciente e nem ideologia, ou seja, caso não fossem dotadas de vontades, projetos e crenças. Na ética formal, procedimental, na conduta, acredito sim, mas, em um conflito, entre substancialismo e procedimentalismo, eu certamente me consideraria um substancialista. Nesse debate específico, eu estaria mais alinhado às teorias de Rawls e Dworkin do que às de Habermas, acreditando que uma democracia deve ter a ideia de justiça como ponto de partida.

REVISTA DO TCE — O cientista político Raimundo Faoro apontava a colonização portuguesa como uma das grandes explicações para a confusão entre público e privado presente durante séculos no Brasil. Na realidade atual, nossas estruturas ainda carreiam esse viés patrimonialista?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Faoro foi, de fato, um grande pensador do brasil. e, mais que isso, teve um papel importante na transição democrática brasileira, ao final do regime militar. Eu tenho por Portugal, como os brasileiros em geral, imenso carinho. De modo que a análise que faço a seguir não tem caráter depreciativo, mas espelha uma realidade. Os povos vivem seu amadurecimento institucional em momentos diversos. O colonialismo português, que, como o espanhol, foi produto de uma monarquia absolutista, legou-nos o ranço das relações políticas, econômicas e sociais de base patrimonialista, que predispõem à burocracia, ao paternalismo, à ineficiência e à corrupção. Os administradores designados ligavam-se ao monarca por laços de lealdade pessoal e por objetivos comuns de lucro, antes que por princípios de legitimidade e de dever funcional. A gestão da coisa pública tradicionalmente se deu em obediência a pressupostos privatistas e estamentais. a triste verdade é que o brasil jamais se libertou dessa herança patrimonialista. tem vivido assim, por décadas a fio, sob o signo da má definição do público e

“(...) argumentação jurídica sempre tem um componente estratégico, sendo praticamente impossível que não seja assim, uma vez que as pessoas só não argumentariam estrategicamente, caso não possuíssem nem inconsciente e nem ideologia, ou seja, caso não fossem dotadas de vontades, projetos e crenças.”

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do privado. Pior, sob a atávica apropriação do Estado e do espaço público pelo interesse privado dos segmentos sociais dominantes. Um Estado corporativo, cartorial, financiador dos interesses privados.

A Constituição de 1988, o mais bem sucedido empreendimento institucional da história brasileira, demarcou, de forma nítida, alguns espaços privados merecedores de proteção especial. Estabeleceu, assim, a inviolabilidade da casa, o sigilo da correspondência e das comunicações, a livre iniciativa, a garantia do direito de propriedade, além de prometer a proteção da família. seu esforço mais notável, contudo, é o de procurar resguardar o espaço público da apropriação privada, o que faz mediante normas que exigem concurso para ingresso em cargo ou emprego público, licitação para a celebração de contratos com a Administração Pública, prestação de contas dos que administram dinheiro público, bem como sancionam a improbidade administrativa. Proibição emblemática, que em si abriga mais de cem anos de uma República desvirtuada, é a do art. 37, § 1°, que interdita autoridades e servidores de utilizarem verbas públicas para promoção pessoal.

REVISTA DO TCE — Qual a sua opinião sobre as chamadas súmulas vinculantes, especialmente em face da edição de súmulas polêmicas como a de n. 13, que trata do nepotismo?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Assim como a exigência de repercussão geral, as súmulas vinculantes foram criadas para minimizar os efeitos danosos do sistema recursal brasileiro, ainda extremamente irracional. Além disso, elas contribuem bastante para a promoção da segurança jurídica, na medida em que evitam a aplicação de múltiplas orientações sobre as mesmas questões constitucionais. Por tudo isso, elas têm um enorme potencial, mas somente a prática vai poder dizer se esse potencial irá de fato se efetivar, especialmente diante de possíveis problemas como a proliferação de reclamações relacionadas ao seu descumprimento.

Quanto à edição de súmulas polêmicas, parece-me que se trata de algo inevitável, não apenas porque a crítica e a reflexão são da alma do discurso jurídico, mas também porque as próprias questões constitucionais, a que se dirigem as súmulas, são igualmente controversas. Nesse ponto, pouco mudou: os temas complexos precisam de uma solução e, no Brasil, o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal (STF). A diferença é que, após reiteradas decisões no mesmo sentido, o Tribunal poderá vincular o Judiciário e a administração à sua orientação.

“Quanto à edição de súmulas polêmicas, parece-me que se trata de algo inevitável, não apenas porque a crítica e a reflexão são da alma do discurso jurídico, mas também porque as próprias questões constitucionais, a que se dirigem as súmulas, são igualmente controversas.”

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Eu sou um defensor da racionalização da função jurisdicional, a começar pelo STF. As figuras como a da repercussão geral e das súmulas vinculantes são importantíssimas para reduzir o número de recursos e conferir ao Supremo um melhor controle de agenda. Sou a favor de que haja uma racionalização ainda mais radical, que permita ao STF julgar, no máximo, 2.000 processos por ano (na verdade, acho que 2.000 ainda é um número elevado). O Supremo deve julgar pouco, julgar bem, julgar com visibilidade e com debate, julgar com todos os seus membros tendo lido a peça processual, e julgar com apreço à própria jurisprudência. Atualmente, tendo em vista o volume de processos que o STF aprecia, nem todos esses componentes podem estar presentes, porque não há tempo físico, não é uma questão de falta de empenho. na verdade, trata-se de inviabilidade, além, é claro, de em determinados momentos ocorrer o julgamento da matéria sem conhecimento suficiente do tema, necessitando confiar no entendimento do relator, quando o ideal seria um debate mais plural, menos agregativo e mais deliberativo.

No Brasil, o modelo pode ser equiparado a uma conta aritmética: 4 votos para um lado contra 3 votos para o outro, sendo que, provavelmente, um conhecimento mais profundo da lide permitiria a construção de soluções consensuais ou coletivas que produzissem decisões mais qualitativas.

Portanto, como já disse, sou a favor da repercussão geral, da Súmula Vinculante, da vinculação geral. Entendo que quando os Tribunais Superiores decidem uma matéria num modelo desejável (decidindo com cuidado e sem rever a jurisprudência em curto espaço de tempo), a jurisprudência está firmada e deve ser seguida por todos os juízes e tribunais sujeitos à sua jurisdição. O mesmo vale, com maior intensidade, para as decisões do Supremo Tribunal Federal. Tomada a decisão, sobretudo quando se configurar maioria inequívoca, é ela que passa a ser o direito na matéria. É claro que sempre haverá a possibilidade de rever tal entendimento. O que não pode ocorrer, a meu ver, é a revisão do precedente uma semana depois, quinze dias depois, três meses depois, como já aconteceu.

Infelizmente, em uma sociedade de massas, não é possível cultivar uma visão romântica do juiz que presta jurisdição artesanal em todos os casos. Isso é uma impossibilidade material, não uma opção filosófica ou ideológica. Evidentemente, algumas áreas do Direito ainda continuarão artesanais e muitos casos terão de ser decididos

“Eu sou um defensor da racionalização da função jurisdicional, a começar pelo STF. As figuras como a da repercussão geral e das súmulas vinculantes são importantíssimas para reduzir o número de recursos e conferir ao Supremo um melhor controle de agenda.”

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com exame minucioso — Direito de Família, contratos, todas as questões em que as circunstâncias de fato sejam decisivas. Mas não no tocante às teses jurídicas. Por exemplo: se o STJ ou o STF assentarem como devem ser corrigidos o FGTS ou a caderneta de poupança, em determinado período, essa decisão deverá ser aplicada a todos os casos. Ponto. A observância da orientação jurisprudencial superior é o padrão em todo o mundo civilizado. E nós estamos avançando no processo civilizatório.

REVISTA DO TCE — Ao analisar a forma como o princípio da proporcionalidade tem sido utilizado na jurisprudência pátria, alguns autores sustentam que existe uma tendência de utilizá-lo como um topoi ou referencial vazio, sem a observância de critérios. O que V. Sa. pensa a respeito?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade tem uma dimensão material e outra instrumental. Na sua dimensão material, ele se identifica com a ideia de justiça, de racionalidade, de justa medida. É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso. Na sua dimensão instrumental, ele é um critério de ponderação entre valores contrapostos e serve, sobretudo, para aferir a validade de restrições aos direitos fundamentais. Ele envolve, como todos os outros, uma atuação valorativa do intérprete, o que sempre abre espaço a alguma margem de subjetividade. Esse é um dos traços da interpretação constitucional no mundo contemporâneo.

No entanto, o que dificultará a ponderação serão os desacordos morais razoáveis, pois temos que respeitar a visão das pessoas. como disse antes, temas como interrupção de gestação, autonomia individual no final da vida, uniões homoafetivas dificilmente serão equacionados por consenso no mundo contemporâneo. Mas penso que deve haver consenso em relação ao que é legítimo em um debate, quais condutas são legítimas e quais argumentos são aceitáveis. Por isso eu gosto do conceito do Rawls sobre razão pública: do debate público devem ser excluídos os argumentos fundados em crenças religiosas ou ideológicas abrangentes, que desqualifiquem a posição do outro. Judeus e cristãos, socialistas e liberais, religiosos e agnósticos devem participar do debate em igualdade de condições. O juiz não poderá dizer: “nós, cristãos, acreditamos que a vida começa na concepção...” Ou “nós, socialistas, não acreditamos na livre-iniciativa...” Somente

“Por isso eu gosto do conceito do Rawls sobre razão pública: do debate público devem ser excluídos os argumentos fundados em crenças religiosas ou ideológicas abrangentes, que desqualifiquem a posição do outro.”

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poder-se-á trabalhar com argumentos que igualem as partes no espaço público. Portanto, a ideia de razão pública, embora seja complexa, é importante.

Em resumo, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: (a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual (vedação do excesso); (c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha. Nessa avaliação, o magistrado deve ter o cuidado de não invalidar escolhas administrativas situadas no espectro do aceitável, impondo seus próprios juízos de conveniência e oportunidade. Não cabe ao Judiciário impor a realização das melhores políticas, em sua própria visão, mas tão somente o bloqueio de opções que sejam manifestamente incompatíveis com a ordem constitucional. O princípio também funciona como um critério de ponderação entre proposições constitucionais que estabeleçam tensões entre si ou que entrem em rota de colisão.

Assim, penso que não há remédio na vida para a má ciência, como não há remédio para o uso deliberadamente impróprio de qualquer instituto, não sendo possível prevenir-se contra isso, uma vez que somente o avanço do processo civilizatório trará o amadurecimento.

REVISTA DO TCE — Em obra recente, V. Sa. escreveu que havendo lei válida a respeito, é ela que deve prevalecer. A preferência da lei concretiza os princípios da separação de Poderes, da segurança jurídica e da isonomia. Sempre preferir a lei quando haja manifestação inequívoca e válida do legislador, por um lado, é forma de preservar a legitimidade democrática, mas por outro, não seria uma espécie de neopositivismo ou retorno ao positivismo?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — na verdade, a linha que venho seguindo costuma ser denominada de pós-positivismo, porque associa a relação entre o Direito e a Moral com os diversos elementos relevantes do pensamento positivista. Ou seja, não se anuncia o fim do positivismo, mas a sua insuficiência para compreender e lidar com os problemas postos pela aplicação do direito. Além disso, a preocupação com a separação de Poderes, a segurança jurídica e a isonomia não constitui exclusividade da dogmática positivista. Ao contrário, o respeito ao legislador e sua obra constituem elementos

“(...) o magistrado deve ter o cuidado de não invalidar escolhas administrativas situadas no espectro do aceitável, impondo seus próprios juízos de conveniência e oportunidade.”

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de fundamental importância em um Estado democrático de Direito. Mesmo reconhecendo o papel criativo do intérprete, não se pode confundir o espaço de atuação do aplicador com aquele do legislador. o intérprete está limitado, no mínimo, ao texto normativo e não pode ignorá-lo sob pena de arbítrio. e o arbítrio é o oposto do que se pretende em um estado de direito.

O neoconstitucionalismo, por sua vez, significa o casamento do direito com a filosofia, o surgimento de uma cultura pós-positivista e de um papel mais proativo do Judiciário na concretização da constituição e dos direitos fundamentais. no momento em que essa posição foi defendida — eu mesmo já a defendo há alguns anos — vislumbrou-se o perigo de se cair no extremo oposto, em um certo oba-oba principiológico. Nesse caso, não importaria a existência de lei. O juiz de posse de um princípio poderia conduzir o Direito para qualquer lugar, construindo a solução que lhe parecesse melhor, ao seu alvedrio. Mas não pode ser assim. O juiz pode ter um espaço para exercer sua criatividade, mas deve haver molduras que limitem sua liberdade de atuação e sua liberdade de criação. Entre regra e princípio de igual hierarquia, normalmente deve prevalecer a regra. Isso porque, em relação àquele ponto específico, o legislador fez sua escolha. Porém, a regra deve ser interpretada à luz dos princípios, inclusive e notadamente os princípios constitucionais. De modo que se a regra contiver um conceito jurídico indeterminado ou uma ambiguidade de linguagem, as escolhas possíveis quanto ao seu sentido e alcance devem ser feitas na conformidade dos princípios.

Portanto, entendo que se deva evitar a aplicação arbitrária dos princípios. Onde existir decisão política clara do constituinte ou do legislador, ela deve prevalecer. Dito isso, reitero o registro de que um princípio constitucional não apenas condiciona o sentido das normas infraconstitucionais em geral, como também pode paralisar a incidência de uma regra. Isso quer dizer que, sem que se afirme que a regra é em abstrato inconstitucional, pode-se declarar que ela não incidirá naquele determinado caso no qual exista a possibilidade de se produzir efeitos incompatíveis com a Constituição.

Assim, um sistema democrático que valorize a segurança jurídica e a justiça deve possuir um equilíbrio adequado entre regras e princípios, de modo que havendo vontade inequívoca do legislador ordinário, essa vontade não seja distorcida com base em princípios.

“O intérprete está limitado, no mínimo, ao texto normativo e não pode ignorá-lo sob pena de arbítrio. E o arbítrio é o oposto do que se pretende em um Estado de Direito.”

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REVISTA DO TCE — A legalidade da antecipação do parto nos casos dos fetos anencéfalos é um dos temas polêmicos que aguardam julgamento pelo STF, referente a um processo em que V. Sa. atua como advogado (ADPF n. 54). A ação foi proposta após o caso de uma gestante que procurou o Poder Judiciário em busca de autorização para o procedimento. Ela, porém, deu à luz antes que o Habeas Corpus 84.025-6 fosse julgado pelo STF e o bebê faleceu apenas sete minutos após o parto. A tese defendida por V. Sa. na ADPF é a de que a antecipação do parto nessas hipóteses não caracteriza crime de aborto e que pretender sua proibição viola a dignidade, o direito à saúde, à liberdade e à autonomia da vontade da gestante. Tendo em vista a posição adotada pelo STF recentemente quanto à Lei de Biossegurança, como V. Sa. entende a influência da sociedade, especialmente da comunidade eclesiástica, sobre as decisões do Poder Judiciário?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Em uma sociedade democrática na qual a jurisdição constitucional passou a ter a importância que tem no Brasil, é cabível, e até mesmo indispensável, a existência de debates públicos sobre casos julgados pelo STF. A ideia de que o Judiciário deva ficar em uma torre de marfim e decidir sem interação ou sem interlocução com a sociedade, com o movimento social, movimento eclesiástico, representa um equívoco.

Atualmente, a influência da sociedade é cada vez mais marcante, notadamente em processos de intensa mobilização popular — como a questão da constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias. Como qualquer pessoa, o juiz estabelece um intercâmbio com a sociedade, da qual extrai valores e opiniões sobre o tema em discussão. Isso é importante porque enriquece o debate e, consequentemente, a qualidade das decisões.

Assim, na medida do possível, uma Corte Constitucional deve decidir em consonância com a sociedade. Nada obstante, é importante assinalar que, em algumas situações, a decisão constitucionalmente adequada ou concretamente justa não é necessariamente a solução mais popular. Nesses casos, o Judiciário deve desempenhar um papel contramajoritário, uma vez que a necessidade de fazer prevalecer direitos fundamentais que estejam ameaçados é legítima, mesmo contra o clamor público. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, assim como o Poder Judiciário em geral, não deve atuar desconectado do sentimento social; porém, tampouco pode ser escravo da opinião pública, porque às vezes a opinião pública é precipitada, passional, manipulada.

“(...) o Poder Judiciário em geral, não deve atuar desconectado do sentimento social; porém, tampouco pode ser escravo da opinião pública, porque às vezes a opinião pública é precipitada, passional, manipulada.”

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Nada muito diverso ocorre com a comunidade eclesiástica: as igrejas são partes importantes da sociedade brasileira e sua orientação é relevante e deve ser ouvida. Além disso, como ser humano, o juiz também procura responder às questões existenciais da vida humana, o que pode incluir a incorporação de uma crença. De todo modo, e por mais difícil que seja, o juiz deve ter cuidado e evitar que a sua visão particular de mundo seja traduzida como norma coletiva, sob pena de não reconhecer como iguais aqueles que discordam da sua orientação.

REVISTA DO TCE — No Brasil, o Poder Judiciário possui competência para exarar pronunciamento definitivo sobre as matérias a ele submetidas. Algumas vezes, tais pronunciamentos contrariam o teor de anteriores decisões técnicas/científicas de órgãos administrativos, como o CADE e os Tribunais de Contas. Qual a opinião de V. Sa. sobre essa sistemática? A coisa julgada material em âmbito administrativo, como ocorre na França, seria mais adequada à realidade institucional brasileira?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — cabe aos três Poderes interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base nela. Mas, em caso de divergência, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Para evitar que o Judiciário se transforme em uma indesejável instância hegemônica, a doutrina constitucional tem explorado duas ideias destinadas a limitar a ingerência judicial: a de capacidade institucional e a de efeitos sistêmicos. Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder ou órgão está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou de conhecimento específico. Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis podem recomendar uma posição de cautela e de deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, sem condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público.

REVISTA DO TCE — Em recente entrevista com o deputado Michel Temer, perguntamos a ele quais seriam os desafios do constitucionalismo em uma democracia recente como a que

“Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou de conhecimento específico.”

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experimenta o Brasil desde a década de 80. Na opinião de V. Sa., quais seriam esses desafios?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Pena que eu não posso colar da resposta do Michel, que é um grande constitucionalista. A pergunta é difícil, porque muito já foi feito e, ainda assim, há muito por fazer. Mas acho que resumiria da seguinte forma: o grande desafio do constitucionalismo brasileiro é criar um espaço político verdadeiramente democrático. Ao longo dos anos, um grande fosso se abriu entre a esfera política e a sociedade civil que não mais se reconhece nos seus representantes. Nessa matéria, o Judiciário pode fazer muito, mas não pode fazer tudo. É necessária uma reforma política. Cheguei até a elaborar uma proposta nesse sentido. Ocorre, porém, que a importância do tema às vezes parece se ocultar sob os interesses imediatos e as dificuldades próprias da deliberação parlamentar. De todo modo, enquanto não se perceber a importância desse passo, vai ser cada vez mais difícil andar para frente.

REVISTA DO TCE — Muitas vezes ouvimos falar da utilização do plebiscito e do referendo como instrumentos capazes de conferir maior legitimidade à democracia representativa. Quais as vantagens e as desvantagens desses instrumentos? Os brasileiros já estão suficientemente amadurecidos para participar das decisões políticas por meio de tais instrumentos?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — sobre essa pergunta, há três observações a fazer. A primeira delas é bastante evidente: a importância da participação do cidadão na condução do Estado dificilmente poderia ser subestimada. Na medida em que colocam o destino da sociedade nas mãos de seus próprios integrantes, esses mecanismos têm uma destacada importância em um contexto democrático. Em segundo lugar, não gosto dessa categoria “povo suficientemente amadurecido”. Cada povo vive as suas circunstâncias e seu estágio civilizatório e não deve ter tutores. Na verdade, a democracia pressupõe a ideia de que as pessoas são os melhores juízes dos próprios interesses. até porque o contrário seria a afirmação teórica de que algumas pessoas são melhores do que as outras, de modo que aquelas devem determinar a vida dessas — e isso é claramente incompatível com a igualdade, que é um dos fundamentos da justiça e da democracia. Por outro lado, e em terceiro lugar, não se pode esquecer que mesmo os regimes mais autoritários, por vezes se valeram das urnas para se legitimarem. basta pensar, por exemplo, em napoleão bonaparte, que se tornou

“(...) o grande desafio do constitucionalismo brasileiro é criar um espaço político verdadeiramente democrático.”

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imperador após um plebiscito, e em Adolf Hitler, que reuniu os cargos de chefe de Estado e de governo com o aval de 89,9% dos alemães. dessa forma, ainda que, em geral, positivos, esses instrumentos podem servir a finalidades perversas. A conclusão que se extrai de tudo isso é que a moderação e a prudência são muito relevantes aqui, como em quase tudo na vida.

REVISTA DO TCE — Para finalizar, gostaríamos de saber, na opinião de V. Sa., como concretizar os direitos fundamentais constitucionalmente instituídos em um país como o Brasil? Qual deve ser o papel do Poder Judiciário nesse processo?

PROFESSOR LUÍS RObERTO bARROSO — Em condições normais, a concretização dos direitos fundamentais deve estar a cargo, especialmente, dos Poderes políticos: o Legislativo e o Executivo. Cabe a eles definir e viabilizar, em caráter geral, a fruição dos direitos fundamentais. Evidentemente, o Judiciário não é irrelevante para esse processo, mas tampouco pode protagonizá-lo. Todavia, o grande deficit de representatividade por que vem passando a esfera política, somado ao abismo social que ainda existe no Brasil, acaba por transferir ao Judiciário uma responsabilidade maior na garantia e promoção dos direitos fundamentais. mas não se pode perder de vista que isso é uma anomalia: o Estado de Direito significa governo de leis; a democracia significa governo do povo. Nenhum dos dois significa governo dos juízes.

“(...) o Estado de Direito significa governo de leis; a democracia significa governo do povo. Nenhum dos dois significa governo dos juízes.”

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Por: Clarice Costa Calixto, Leonardo de Araújo Ferraz e Maria Tereza Valadares Costa

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NOTÍCIAS

no primeiro semestre de 2010, o tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em parceria com os municípios, promoveu “O TCEMG e os Municípios”, uma série de encontros técnicos regionais com o objetivo de aprofundar os debates acerca da jurisprudência dessa Corte de Contas.

ao todo foram realizados oito eventos em diferentes cidades mineiras, um em cada macrorregião, buscando facilitar o acesso dos gestores de todo o Estado. As cidades de uberaba, montes claros, curvelo, governador Valadares, Poços de Caldas, Lavras, Juiz de Fora e Belo Horizonte foram escolhidas para sediar os encontros regionais.

A programação do evento incluiu os temas “Licitação — Dispensa e Inexigibilidade” e “Obras e Serviços de Engenharia — Contratação e controle da execução de serviços de engenharia”. Após abertura conduzida pelo Conselheiro

TCEMG e os MunicípiosEncontro Técnico:

Presidente Wanderley Ávila, servidores do tribunal apresentaram a palestra “O TCEMG com o jurisdicionado e para a sociedade: visão institucional e inovações”. Em seguida, foram promovidos por técnicos do Tribunal os cursos “Principais aspectos referentes à inexigibilidade e dispensa de licitação” e “Obra e serviço de engenharia: contratação e controle da execução de serviços de engenharia”.

Os encontros técnicos, que ofereceram 2.800 vagas, fazem parte do amplo conjunto de ações pedagógicas desenvolvidas pela Corte de Contas mineira com o objetivo de contribuir para o aprimoramento da gestão dos recursos públicos, por meio da orientação para prevenção de falhas e irregularidades que possam comprometer a legalidade, eficácia, economicidade e outros princípios essenciais à administração e à aplicação dos recursos públicos.

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O TCEMG, por iniciativa da Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo, promoverá, no período de 15 a 17 de setembro, no Minascentro, a Semana de Administração Orçamentária, Financeira e de Contratações Públicas para os Estados e Municípios, intitulada Semana Orçamentária. Trata-se de uma grande ação de capacitação a ser realizada por meio de 21 oficinas, percorrendo todo o ambiente das finanças públicas, tais como: a trindade orçamentária; contratações públicas; contabilidade pública; lei de responsabilidade fiscal; e transparência da gestão pública e controle. O projeto pedagógico será executado pela Escola de Administração Fazendária (ESAF), ligada ao Ministério da Fazenda.

Voltado para os servidores e/ou gestores públicos estaduais e municipais que atuam em rotinas de planejamento, administração orçamentária, financeira, contabilidade pública e contratações no âmbito do Setor Público, especialmente os controladores internos, o evento visa fornecer um conhecimento geral das finanças públicas, sem o aprofundamento típico da especialização.

o projeto da Semana Orçamentária tem fundamento no art. 33 da lei complementar n. 102/2008 — Lei Orgânica do TCEMG que prevê o desenvolvimento de ações pedagógicas para

atender aos gestores públicos do Estado de Minas Gerais. Insere-se no programa de capacitação dos jurisdicionados do Tribunal e contará com recursos oriundos de dotação orçamentária própria do tcemg e do Programa de modernização do sistema de Controle Externo dos Estados (PROMOEx), Distrito Federal e Municípios brasileiros.

Trata-se de uma ação de extrema relevância, pois crônica é a escassez de conhecimento básico em finanças públicas nos diversos setores da administração pública brasileira. No Estado de Minas Gerais, percebe-se notória a precariedade das administrações municipais, carentes de corpo técnico qualificado, de equipamentos de informática, de acesso à rede mundial de computadores, de biblioteca e de assinatura de periódicos com potencial para incrementar valor qualitativo e quantitativo aos servidores. Espera-se que os participantes da Semana Orçamentária possam ser multiplicadores do conhecimento e das informações adquiridas.

será um evento inédito no estado de minas gerais, tanto pela grandiosidade do projeto, que atenderá a 1.250 servidores públicos municipais e estaduais, quanto pela qualidade do material didático e do corpo docente, a maioria oriunda dos quadros da ESAF, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e da Secretaria de Orçamento Federal.

Semana Orçamentária TCEMG realizará evento para capacitaçãode 1.250 servidores públicos municipais e estaduais

Empossado o Procurador-Geral do Ministério Público de ContasFoi empossado no cargo de

Procurador-Geral do Ministério Público de Contas, o procurador glaydson santo soprani massaria.

A cerimônia de posse ocorreu em 02/06/2010, no Palácio Tiradentes na Cidade Administrativa, com a presença de expressivas autoridades do estado.

O nome de Massaria foi escolhido, pelo governador do estado, dentre os indicados em lista tríplice, composta por integrantes da carreira.

O mandato do cargo de Procu-rador-geral é de dois anos, permitida uma recondução e, dentre as suas atribuições, destaca-se a promoção, perante a Advocacia-Geral do Estado ou, conforme o caso, perante as

Procuradorias dos municípios, das medidas necessárias à execução das decisões do Tribunal e de ações no Ministério Público para adoção das medidas legais no âmbito de sua competência.

com apenas 32 anos, o jovem Procurador-Geral apresenta um brilhante currículo. Sua carreira pública teve início no Estado do espírito santo, onde foi nomeado, para o cargo de Auditor do estado. Posteriormente ingressou na Magistratura, tendo exercido suas funções na Vara de Crime e Execuções Penais, Fazenda Pública e Execuções Fiscais, Infância e Juventude, Registros Públicos e Juizado Especial Cível e Criminal.

ao empossar glaydson massaria, o governador do estado, antonio Augusto Juno Anastasia, destacou em seu discurso que a “juventude é uma virtude que, aliada à competência, fará com que o Procurador desenvolva um trabalho de excelência no cargo”.

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Após o grande êxito e aceitação da revista “A Lei 8.666/93 e o TCEMG”, o Tribunal de Contas se prepara para publicar, também em edição especial da Revista do TCE, um estudo detalhado sobre Concursos Públicos. Organizado por servidoras do Gabinete da Vice-Presidência e da Comissão de Jurisprudência e Súmula, essa edição possibilitará o acesso rápido e preciso ao entendimento desta Casa acerca da matéria.

A obra, cujo objetivo é auxiliar e orientar o jurisdicionado, democratiza o acesso à jurisprudência do Tribunal sobre um tema relevante e atual. A edição conterá, ainda, artigos doutrinários e entrevista com o

Exmo. Sr. Desembargador e Professor Kildare gonçalves carvalho.

O lançamento da revista especial será em agosto, quando ocorrerá o seminário Concursos Públicos, tendo como público alvo os jurisdicionados dessa Corte. O evento será composto de painéis, propiciando reflexões e debates sobre o tema.

Os interessados em participar do seminário deverão se inscrever na página <www.tce.mg.gov.br>. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (31) 3348-2341, na Comissão de Jurisprudência e Súmula, av. Raja Gabaglia, 1.315, 3° andar ou pelo e-mail <[email protected]>.

Lançamento da Edição Especial da Revista Concursos Públicos

Exposição sobreHenriqueta Lisboa no TCEMG

O TCEMG receberá, no mês de julho, a exposição itinerante “Aquela paisagem ninguém a viu como eu”,

sobre a escritora e poetisa mineira Henriqueta lisboa, homenageada nesta edição da revista do TCE. A mostra é composta por 17 painéis com fragmentos da obra da referida autora, ilustrados por artistas anônimos.

apresentada pela primeira vez em 2001, a exposição foi idealizada pelo Projeto “Acervo de Escritores Mineiros”, em conjunto com o Projeto “Henriqueta Lisboa: uma biografia intelectual”, ambos da Faculdade de Letras da UFMG, em comemoração ao centenário da autora, que se deu naquele ano. Hoje, os painéis compõem o acervo da Superintendência Estadual de Bibliotecas Públicas de Minas Gerais e já percorreram todo o estado de minas.

A mostra é aberta ao público e poderá ser apreciada no período de 5 a 31/07/2010, de segunda a sexta-feira, das 7h às 18:30h, no salão mestre de Piranga, no espaço cultural deste Tribunal de Contas.

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O TCEMG participou, nos dias 23 e 24 de março de 2010, do evento “Pacto institucional” promovido pela Associação Mineira dos Municípios (AMM), realizado em Belo Horizonte. representaram a corte de contas o auditor Licurgo Mourão, a Procuradora do Ministério Público de Contas, Dra. Maria Cecília Borges, e o diretor de controle interno do tcemg, carlos alberto nunes borges.

O evento que contou com a presença de prefeitos, vereadores, secretários estaduais e municipais, assessores, servidores e técnicos especializados funcionou como um canal de diálogo entre os órgãos fiscalizadores e os gestores municipais.

Nesse encontro, os palestrantes tiveram oportunidade de esclarecer dúvidas quanto aos aspectos técnicos e às inovações institucionais implantadas na Corte de Contas mineira com o intuito de aprimorar o controle da aplicação dos recursos públicos de modo a proporcionar maiores benefícios à sociedade.

Na palestra “Visão Institucional dos Tribunais de Contas: Inovações e Perspectivas”, ministrada pelo Auditor Licurgo Mourão, foi abordada a importância do controle e o papel da sociedade num esforço conjunto de promover a boa governança dos recursos públicos e seus impactos na mortalidade infantil, nos índices de percepção da corrupção, no analfabetismo e na ocorrência de transgressões a normas e regulamentos, segundo pesquisas efetuadas pelo Banco Mundial.

O palestrante discorreu também acerca da postura proativa que se espera dos tribunais de contas para uma maior aproximação da sociedade; dos avanços obtidos, até então, pela gestão do Conselheiro Wanderley Ávila, notadamente em três grandes áreas — Tecnologia da Informação, Relacionamento

com os Jurisdicionados e Inovações na Atuação — e dos resultados positivos alcançados para toda a sociedade mineira.

O ponto culminante da palestra, que contou com dezenas de perguntas, foi a demonstração dos resultados parciais obtidos na gestão 2009-2010, entre eles o aumento da celeridade na tramitação dos processos, a redução do estoque, a análise otimizada dos processos e documentos e o reconhecimento internacional da instituição.

Em 2009, o TCEMG conquistou o primeiro lugar no xII Concurso Anual de Investigação Omar Lynch, promovido pela Organización Latino Americana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (OLACEFS) pelo trabalho técnico-científico Matriz de risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das Entidades de Fiscalização Superiores (publicado na edição anterior desta revista).

Por sua vez, a Procuradora Maria Cecília explanou acerca da nova configuração do Ministério Público de Contas e o seu papel na defesa da ordem jurídica em prol das medidas de interesse da justiça e da administração do erário. Já o Diretor de Controle Interno Carlos Alberto, em sua palestra sobre os “Principais apontamentos nos processos de prestação de contas e em auditorias e inspeções”, enfatizou a importância dos controles internos dos municípios na tarefa de analisar as contas municipais antes que sejam remetidas aos Tribunais de Contas, evitando inconsistências.

segundo a amm, as palestras, das quais também participaram representantes da controladoria geral da união, do ministério Público e do Tribunal de Contas da União, foram disponibilizadas na íntegra no site www.amm-mg.org.br.

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Os efeitos das regulamentações complementares na condução dos pregões*

Carlos Pinto Coelho Motta

Advogado pela Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Administrador de Empresas pela FUMEC/MG. Professor de direito administrativo. membro efetivo do instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Professor do Curso de Especialização em Controle Externo da Escola de Contas do tribunal de contas do estado de minas gerais. Professor no Cebrad; na NDJ; na Atricon e em outras entidades. Procurador aposentado do Ipsemg. Consultor de entidades privadas e públicas. Membro do Conselho Fiscal do SESC/MG e do Conselho Editorial da Revista Fórum Administrativo.

Resumo: Este estudo de Direito Administrativo Aplicado parte de uma abordagem da própria natureza do poder regulamentar e seus limites, apontando a dialética doutrinária que reconhece aspectos potencialmente inovadores no âmbito regulamentar, ilustrados, primeiramente, pelo texto normativo do registro de preços. São focalizados, em sequência, aspectos específicos em que a edição de normas complementares na área das licitações públicas, notadamente da modalidade pregão, ampliou a consciência das distorções do comportamento administrativo e criou instrumentos aptos a equacionar tais fenômenos.

Palavras-chave: Poder regulamentar. Reserva de lei. Inovação. Operacionalização. Distorções. Aprendizagem institucional. Instrumentos normativos.

Abstract: The present study on Applied Administrative Law starts focusing on the nature and limits of the regulatory power, pointing out the doctrinal argumentation tending to identify the potentially innovative features in the regulatory field, the legal chart of ‘registro de preço’ appearing as a first example. Next, specific features are shown to reveal that the issuing of legal complementary rules in the field of public bidding — mainly related to ‘modalidade pregão’ — raised general awareness about the distortions in administrative behavior and created instruments which are able to eliminate such occurrences.

Keywords: Regulatory power. Law reserve. “Operationalization”. Distortions. Institutional learning. normative tools. * Artigo base de palestra proferida no V Congresso Brasileiro de Pregoeiros, realizado de 15 a 18 de março de 2010 em Foz do

Iguaçu-PR, com agradecimentos ao Prof. Rudimar Barbosa dos Reis, Presidente da consagrada empresa Negócios Públicos, e a toda a sua competente equipe, pelo honroso convite formulado.

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1 Introdução

O pregão foi regulamentado, ainda sob a forma de Medida Provisória, pelo vigente Decreto Federal n. 3.555/00. Após a conversão na Lei n. 10.520/02, outros decretos vieram em explicitação e auxílio à compreensão do texto legislativo: Decretos n. 5.450/05 e 5.504/05. Além desses, outros órgãos da União editaram normas específicas, aplainando o caminho para sua competente operacionalização. Hoje se pode dizer que a regulamentação é múltipla e extensiva, obedecendo, aliás, ao caráter detalhista e discursivo da conduta normativa brasileira.

Destarte, considero desafiante e atual o foco escolhido para esse estudo sobre os efeitos das regulamentações complementares na condução dos pregões. Uma abordagem preambular será sobre a natureza do próprio poder regulamentar a ser exercido tendo em vista a explicitação e complementação do texto legal, não se permitindo, contudo, restringir direitos e criar obrigações. O princípio da reserva da lei, como veremos, gera expressiva limitação, de índole constitucional, ao poder do Estado.

Para assinalar pontos relevantes do impacto de textos normativos no processamento dos pregões, serão analisados alguns segmentos de conteúdo, extraídos de tais normas, selecionados pontualmente sob o critério dialético de sua incidência em consultas, discussões e debates. Outro tópico a ser abordado, por meio de orientação do Tribunal de Contas da União, versa sobre o edital que pretende inovar e regulamentar procedimentos.

2 Limites do poder regulamentar

O poeta Carlos Drummond de Andrade, em crítica aos excessos e abusos da desenfreada expedição de decretos, declarou, em crônica publicada: Dois e quatro são seis... até que um decreto o desminta.1

Em 1983, época de seu desabafo, a exacerbada atividade normativa trazia ainda a marca dos governos militares que, por um extenso período, exerceram o poder por meio de decretos-lei e outras normas do Executivo. Entretanto, até os dias de hoje contabiliza-se na Administração Pública brasileira um número significativo de textos regulamentares — decretos, resoluções, instruções normativas, portarias — que, se em alguns casos vêm efetivamente em auxílio da lei, em outros, ultrapassam o poder regulamentar, arvorando-se em criar direitos e obrigações, em evidente abuso de direito.

E, de fato, a tarefa regulamentar não é simples, exatamente porque, em casos concretos, tende a extrapolar seu papel, como descreve Pontes de Miranda:

O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei.

Regulamentar é mais difícil do que fazer a própria lei.2

1 ANDRADE, Carlos Drummond de. O avesso das coisas. Jornal do Brasil, 15/09/83.

2 Pontes de miranda, apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. 2. ed. são Paulo: saraiva,

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Cumpre, pois, conceituar poder regulamentar e definir os exatos limites desse poder. O notável Celso Antônio Bandeira de Mello leciona, com solar clareza, acerca do objeto do regulamento e suas peculiares restrições:

(...)

f) O objeto do regulamento é o estabelecimento das regras e padrões a serem adotados pelos órgãos administrativos quando de sua obrigatória atuação reclamada como meio para o cumprimento da lei.

g) O regulamento não cria nem pode criar direitos, obrigações, deveres ou restrições à liberdade, à propriedade, às atividades ou direitos dos indivíduos, grupos ou pessoas jurídicas. Apenas circunscreve a discricionariedade administrativa que, do texto legal, resulta em prol da Administração.

h) A função do regulamento é instrumentar a ação administrativa, reclamada pela lei, mediante especificação dos comandos já contidos nela. Por via dele apenas se cumpre uma etapa no processo de concreção gradativa do Direito, reclamada, in casu, pela necessária interferência dos órgãos administrativos cuja atuação seja requerida para o cumprimento das obrigações da lei.3

O princípio da reserva de lei é explicitado com proficiência no despacho monocrático do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, a propósito da Resolução n. 1/2005 da Secretaria do Tesouro Nacional, cujo objetivo era disciplinar o cumprimento das exigências legais para proceder a transferências voluntárias.4 O Ministro alude, em trecho significativo, à competência extraordinária do Congresso Nacional (art. 49, V, da Constituição Federal) de sustar atos regulamentares exorbitantes:

Refiro-me à alegação de que a Secretaria do Tesouro Nacional, ao editar a Resolução n. 1, de 17/10/2005, teria ofendido o princípio constitucional da reserva de lei em sentido formal, como procuram demonstrar os autores (...)

Não se desconhece que as resoluções administrativas — enquanto atos juridicamente subordinados à autoridade normativa da lei — não podem disciplinar matéria que foi posta, quanto ao seu regulamento, sob a égide do postulado constitucional da reserva de lei em sentido formal.

Na realidade, como se sabe, o princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, mesmo quando fundada na própria Constituição — como sucede, por exemplo, com o poder regulamentar do Presidente da República (CF, art. 84, incisos IV, in fine, e VI) ou do Ministro de Estado (CF, art. 87, parágrafo único, II) — não se reveste de idoneidade jurídica para restringir direitos ou para criar obrigações.

1977, vol 2, p. 314-315.

3 bandeira de mello, celso antônio. ato administrativo e direitos dos administrados. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 102.

4 Sobre transferências voluntárias, v. TCU, Acórdão 3016/2009, DOU de 11/12/09; e BOTELHO, Marcos. As transferências voluntá-rias e as exigências legais para sua efetivação. Revista Zênite de Direito Administrativo e Responsabilidade Fiscal. ano iX. n. 100. Brasília: Informativo de Direito Administrativo e Responsabilidade Fiscal (IDAF), nov./2009, p. 346-355.

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Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações, sob pena de incidir em matéria constitucionalmente reservada ao domínio da lei formal.

O abuso do poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem, ou praeter legem, não só expõe o transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, V, da Constituição da República e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)’

(...) Vale relembrar, neste ponto, a propósito do postulado da reserva legal — que traduz limitação constitucional ao exercício da atividade estatal — decisão emanada da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal e que se acha consubstanciada em acórdão assim ementado:

‘(...) A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador.(...)’ (RE 318.873-AgR/SC, Relator: Ministro Celso de Mello).5

Especificamente na área de licitações e contratos, verifica-se uma proliferação de toda sorte de regulamentos. É um campo a ser trilhado com cautela, por implicar na movediça questão das prerrogativas da Administração em contraponto aos direitos dos licitantes e contratados. Assim, não é raro que a divulgação de um edital se vincule a um prévio texto regulamentar.

Tais atos não podem, contudo, limitar o universo potencial de licitantes engendrando requisitos ou obrigações não autorizados em lei. Nesse sentido, observe-se orientação do Superior Tribunal de Justiça:

Edital do procedimento licitatório, pelo princípio da legalidade estrita, há de consoar com os ditames da lei. Todavia, em casos como o discutido, se editado o regulamento com extremo rigor, dificilmente surgiriam licitantes. Nada estará a impedir o abrandamento das exigências legais, suprimindo a Administração certas exigências rebarbativas, em prol do interesse público.6

3 O regulamento autônomo e o Decreto do Registro de Preços

O regulamento autônomo, como se verá, constitui parcial exceção à regra de que o regulamento não pode inovar no ordenamento jurídico.

Adotamos como ilustração o Decreto n. 3.931/2001, que regulamenta o Sistema de Registro de

5 STF, MedCaut em AC 1033-1, postulada por dezoito Estados-membros. Relator: Ministro Celso de Mello, DJ de 12/12/05.

6 BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça (STJ), MS 5.361-DF. DJ de 19/10/98.

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Preços (SRP), por ser este um procedimento administrativo que exerceu enorme impacto na modalidade licitatória do pregão, e foi, por sua vez, grandemente beneficiado pela utilização dessa modalidade para a seleção de fornecedores.

A sinergia que se operou entre o pregão e o SRP começou com o art. 12 da Lei n. 10.520/02, que permitiu a adoção do pregão para a composição do Registro de Preços na área da saúde.7 Abriu-se caminho para a alteração do art. 3° do próprio Decreto n. 3.931/01, que flexibilizou a anterior exigência exclusiva da concorrência para licitar o registro de preços e passou a admitir também o pregão.8 Destarte, foi simplificado e agilizado o procedimento licitatório, antes restrito (por força do art. 15, § 3°, I, da Lei n. 8.666/93) à modalidade concorrência. o resultado foi o incremento quantitativo dos pregões, com diminuição do respectivo valor contratual e significativo ganho na práxis processual.

Outro fator de racionalidade e economicidade foi a nova redação do art. 4° do referido Decreto, que permitiu a prorrogação de vigência dos contratos decorrentes do SRP, além da prorrogação da ata de registro de Preço.9

Justificada a escolha do Decreto n. 3.931/01 como ilustração, e prosseguindo a reflexão sobre o regulamento autônomo, importa assinalar os dizeres do aludido Decreto em seu preâmbulo:

O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea a, da Constituição, e nos termos do disposto no art. 15 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993 (...)

Veja-se que a competência constitucional que sustenta a edição do Decreto n. 3.931/2001, diferentemente dos inúmeros decretos exclusivamente regulamentadores de dispositivos de lei (art. 84, inciso IV, da Constituição), encontra respaldo, também, no inciso VI, a, do mesmo art. 84. Sabemos que o decreto pode atribuir fiel execução à lei ou pode ser autônomo: eis o que exatamente estabelece a Carta Magna nos dispositivos citados:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)

IV — sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (...)

VI — dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;10 (...)

7 art. 12. A Lei n. 10.191, de 14 de fevereiro de 2001, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo: Art. 2-A A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão adotar, nas licitações de registro de preços destinadas à aquisição de bens e serviços comuns da área da saúde, a modalidade do pregão, inclusive por meio eletrônico, (...)

8 Redação do art. 3° do Decreto 3.391/01, dada pelo Decreto 4.342/02: A licitação para registro de preços será realizada na mo-dalidade de concorrência ou de pregão, do tipo menor preço, nos termos das Leis n. 8.666, de 21 de julho de 1993, e 10.520, de 17 de julho de 2002, e será precedida de ampla pesquisa de mercado.

9 Art. 4° O prazo de validade da Ata de Registro de Preço não poderá ser superior a um ano, computadas neste as eventuais pror-rogações. § 1° Os contratos decorrentes do SRP terão sua vigência conforme as disposições contidas nos instrumentos convoca-tórios e respectivos contratos, obedecido o disposto no art. 57 da Lei n. 8.666, de 1993. (Redação dada pelo Decreto n. 4.342, de 23/08/2002) § 2° É admitida a prorrogação da vigência da Ata, nos termos do art. 57, § 4°, da Lei n. 8.666, de 1993, quando a proposta continuar se mostrando mais vantajosa, satisfeitos os demais requisitos desta norma. o tcu se manifestou favorável a prorrogações contratuais decorrentes do SRP nos Acórdãos 303/2005 e 2444/2008.

10 A Emenda Constitucional n. 32 foi publicada no DOU de 12/09/2001.

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A doutrina acolhe a legitimidade dos chamados decretos autônomos, merecendo destaque a lição de Hely lopes meirelles:

Regulamento é ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente pelo Chefe do Executivo (federal, estadual ou municipal), através de decreto, com o fim de explicar o modo e forma de execução da lei (regulamento de execução) ou prover situações não disciplinadas em lei (regulamento autônomo ou independente) (grifos nossos).11

Gustavo Binenbojm perfilha a noção de que o regulamento autônomo é uma exceção ao axioma de que o regulamento não pode trazer inovação ao mundo jurídico:

Conforme já tive a oportunidade de consignar (cf. FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. atualizada por Gustavo Binenbojm, 2005, p. 23), a noção de que o regulamento não pode inovar no ordenamento jurídico deve ser tomada com cautela, por duas ordens de razões: em primeiro lugar o direito positivo brasileiro acolhe os regulamentos autônomos, que podem inovar amplamente na sua esfera de matérias constitucionalmente estabelecidas, conforme se desenvolverá adiante; em segundo lugar, mesmo os regulamentos de execução inovam de uma certa maneira no direito; do contrário seriam despiciendos (grifos nossos).12

E mais adiante, em sua obra, Binembojm conceitua:

Regulamentos autônomos são aqueles que prescindem da lei como fundamento de sua existência, tendo na própria Constituição, de forma explícita ou implícita, o fulcro imediato de competência para sua emanação.(CLÉVE, clémerson merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo. 2000, p. 293).

É no direito francês que esta espécie normativa tem maior destaque. Assim, primeiro a Lei de 17 de agosto de 1948 e depois através da Constituição de 1958, estabeleceu-se naquele país a existência de dois domínios normativos: o domínio da lei e o domínio do regulamento. (RIVERO, Jean. Direito Administrativo. 1981, p. 68). A partir da Constituição de 1958 ‘lei não se estende mais ao infinito’, (GICQUEL, Jean. La Constitution de 1958 a quarante ans (...)) havendo matérias pertencentes ao domínio do regulamento.(...)

Parece que o constituinte derivado brasileiro foi de alguma forma seduzido por este discurso do direito comparado ao editar a Emenda Constitucional n. 32, de 11.09.2001 (v. andré rodrigues cyrino em seu livro O poder regulamentar autônomo do Presidente da República: a espécie regulamentar criada pela EC n. 32/01. 2005, p. 128).13

Como mencionado, o segundo ângulo de análise adotado por Binenbojm reconhece como ínsita ao regulamento um viés de certa maneira inovador, sem o qual a norma se tornaria despicienda. 11 meirelles, Hely lopes. direito administrativo brasileiro. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 108.

12 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria de Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2006, p. 157.

13 Ibidem, p. 160-163.

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o verbo inovar possui, destarte, um sentido restrito, bem interpretado pelo eminente caio Tácito, ao lecionar que, não fora esse aspecto da norma, esta se tornaria apenas mecânica e repetitiva.

Como tranquilo na doutrina constitucional, o poder regulamentar, afeto ao Executivo, não é uma atividade mecânica, repetitiva dos textos legais. Importa, ainda que secundariamente, em que o Executivo participa do direito objetivo:

‘Regulamentar — dissemos alhures — não é somente reproduzir analiticamente a lei, mas ampliá-la ou completá-la, segundo o seu espírito e seu conteúdo, sobretudo nos aspectos que a própria lei, expressa ou implicitamente, outorga à esfera regulamentar.’ (Revista de Direito Administrativo, v. 34, p. 473).14

Por outro lado (embora se trate de tema polêmico), respeitados autores, como Paulo Modesto, não identificam o regulamento autônomo, independente de lei, como criador de situações jurídicas:

Não identifico no sistema brasileiro ‘regulamentos autônomos’ ou ‘regulamentos independentes’, criadores de situações jurídico-subjetivas para os particulares sem fundamentação legal, a partir de uma suposta reserva constitucional de matéria administrativa imune à ação legislativa. (...)

Em fórmula de síntese: os regulamentos de organização, veiculados por decreto, exigem sempre lei prévia, instituidora das competências ou atribuições de órgãos públicos, ou criadora dos próprios órgãos, como antecedente lógico para sua própria edição.

É certo que os regulamentos expedidos na forma do art. 84, VI, a, da Constituição Federal não podem ser reduzidos a simples ‘regulamentos de execução’, pois são vocacionados a modificar a organização administrativa anterior (...), mas não podem também ser confundidos com os denominados ‘regulamentos autônomos’, a menos se estes forem concebidos como normas administrativas capazes de inovar primariamente a ordem jurídica, criando direitos e deveres aos particulares, impondo obrigações, restrições ou faculdades independentemente de lei prévia e sem sujeição a alteração por lei posterior.15

Está visto, no entanto, que a situação contextualizada pelo Prof. Paulo Modesto não abrange o Sistema de Registro de Preços, que encontra a devida previsão legal no art. 15, II, da Lei

14 TÁCITO, Caio. Exportação de café — contratos privados da administração — Publicidade. Rio de Janeiro: Revista de Direito Ad-ministrativo (RDA). n. 176, 1989, p. 149-60.

15 MODESTO, Paulo. Legalidade e autovinculação da Administração Pública: pressupostos conceituais do contrato de autonomia no anteprojeto da nova lei de organização administrativa. In: MODESTO, Paulo (Coord.). Nova organização administrativa brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 118-119. O citado autor, no mesmo trabalho (p. 120, NR 9), cita autores favoráveis à concepção do regulamento autônomo: CYRINO, André Rodrigues. O poder regulamentar autônomo do Presidente da República: a espécie regulamentar criada pela EC 32/2001. Belo Horizonte: Fórum, 2005; BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria de Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; SILVA, José Afonso da. Comentário con-textual à Constituição. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 486; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. A constitucionalização do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 91-92; ARAGãO, Alexandre. Direito dos serviços públicos. rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 332-339; GABRIEL, Ivana Mussi. Poder regulamentar no sistema jurídico brasileiro. Revista Zênite de Direito Administrativo — IDAF, ano Ix, n. 97, ago./2009-2010, p. 47-58.

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n. 8.666/1993, o qual determina sejam as compras, sempre que possível (...) processadas através de sistema de registro de preços. nos parágrafos do mesmo dispositivo, a lei geral de Licitações traz normas gerais quanto ao Sistema de Registro de Preços enquanto alternativa para a realização de compras pelo Poder Público. Especialmente, o § 3° estabelece que o sistema de registro de preços seja regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais.

Tais considerações vêm fortalecer a dupla natureza do Decreto n. 3.391/2001, como de fato consta do seu preâmbulo: a de regulamento para fiel execução do art. 15 da Lei Nacional de Licitações (LNL), e a de regulamento autônomo — o que lhe confere ampla legitimidade para disciplinar o atual Sistema de Registro de Preços em âmbito federal, atendendo, como dito, à regulamentação rogada pelo § 3° do art. 15 da LNL.

4 Ainda o registro de preços: a questão do carona

Questão instigante sobre registro de preços, a refletir-se diretamente no procedimento do pregão, é a do chamado carona, previsto no art. 8° do Decreto n. 3.391/01.

O supracitado art. 15 da LNL determina, no § 7o, as condições a serem observadas nas compras: (I) a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca; (II) a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação; e (III) as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material.

Foi neste cenário que a União editou o Decreto n. 3.931/2001, cujo art. 3° estabelece a necessidade de prévio procedimento licitatório para a realização do Registro de Preços, que poderá se valer das modalidades concorrência ou pregão, conforme seja o objeto licitado, precedida de ampla pesquisa de mercado.16

O decreto possibilita que, além do órgão gerenciador do sistema, também órgãos participantes do procedimento inicial e órgãos usuários não participantes do Sistema de Registro de Preços, possam utilizar-se da ata. aliás, mesmo antes de tal regulamentação, a doutrina já delineava a participação desses órgãos no processamento inicial do registro de preços realizado pelo órgão gerenciador. Veja-se:

Uma das características mais importantes da ata é a possibilidade de sua utilização por outras unidades, além da respectiva administradora.

Desde que na mesma esfera administrativa, compreendida, neste caso, a Administração direta centralizada e a Administração autárquica (indireta) da mesma pessoa política, uma ata de registro de preços pode ser aproveitada por várias unidades orçamentárias, sem que seja necessária a realização, por estas, de nova concorrência para registrar os preços de um mesmo produto, material ou gênero.

16 Redação dada pelo Decreto Federal n. 4.342, de 23/08/2002, incluindo a modalidade pregão. Quanto ao SRP, em doutrina recen-te, v. NASSA, Thulio Caminhoto. Registro de preços. Considerações sobre o instituto e seu cabimento. FCGP, ano 9, n. 97, jan. 2010, p. 61-69; SAMPAIO, Ricardo Alexandre. A aplicação do sistema de registro de preços para contratação de obras e serviços de engenharia. breves apontamentos. Revista Zênite de Licitações e Contratos: informativo de Licitações e Contratos (ILC). ano xVII, n. 191, jan./2010, p. 59-66.

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A utilização de uma ata existente por outra unidade, que não a respectiva administradora, dependerá, sempre, de dois fatores: previsão expressa no edital da concorrência precedente que integrará a ata de registro de preços; autorização da unidade administradora da ata, após a lavratura desta.17

Esta orientação doutrinária coaduna-se com as exigências traçadas pelo art. 15, § 7°, II, da Lei n. 8.666/93 que obriga a definir as unidades e quantidades a serem adquiridas mediante estimativa. Assim, poder-se-ia inferir que, para se admitir a participação de órgãos diversos do administrador do Registro de Preços, seria necessária a previsão no edital e a autorização do órgão administrador.

Entretanto, a seu turno, o art. 8° do Decreto Federal n. 3.931/2001 assim dispõe:

Art. 8° A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

§ 1° Os órgãos e entidades que não participaram do registro de preços, quando desejarem fazer uso da Ata de Registro de Preços, deverão manifestar seu interesse junto ao órgão gerenciador da Ata, para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos preços a serem praticados, obedecida a ordem de classificação.

§ 2° Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações anteriormente assumidas.

§ 3° As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços (grifos nossos).

Coloca-se, pois, a polêmica acerca da participação de entes de outras esferas de governo em ata de Registro de Preços que não integraram como órgãos participantes do procedimento inicial, já que uma interpretação extensiva do art. 8° induz, concretamente, a essa possibilidade.

Nesse cenário, estudos doutrinários indicam certa tendência em repelir a utilização da ata de Registros de Preços por órgãos não participantes integrantes de outra esfera de governo — ou seja, a figura dos chamados caronas —, ao fundamento de se tratar de figura alheia a todo o procedimento do sistema de registro de Preços traçado na lei. alguns expoentes de tal entendimento alegam que o carona subtrai-se do procedimento licitatório exigido por lei; outros fazem objeções de natureza formal, negando a validade da autorização por simples decreto:

Quem poderia, em tese, criar o carona é o Poder Legislativo, por meio de lei, em obediência ao princípio da legalidade. O carona jamais poderia ter sido

17 LEãO, eliana goulart. O sistema de Registro de Preços: uma revolução nas licitações. Bookseller, 1997, p. 36-40.

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criado, como malgrado foi, pelo presidente da República, por mero regulamento administrativo. No Estado Democrático de Direito não se deve governar por decreto, mas por lei, conforme preceitua o princípio da legalidade, festejado de modo contundente e irrefutável pela Constituição Federal.18

nossa posição pessoal, data venia, é diversa do douto argumento acima transcrito, pelas razões já delineadas nestas páginas acerca da relativa amplitude do regulamento autônomo.

E, em que pese a plausibilidade dos argumentos adversários à adoção dos chamados caronas no Sistema de Registro de Preços — e malgrado o interessante debate que o tema proporciona — parcela significativa da doutrina admite tal adoção como válida e aplicável. Postulam-se, ademais, as vantagens de um procedimento mais aberto e flexível, consentâneo com a expansão do universo potencial de fornecedores e com os cânones de economicidade e agilidade indispensáveis à aquisição de suprimentos para a Administração Pública.

Cite-se a abalizada opinião de Jacoby Fernandes:

O Decreto n. 3.931/01, acolhendo a melhor doutrina, passou a admitir que a Ata de Registro de Preços seja amplamente utilizada por outros órgãos, maximizando o esforço das unidades administrativas que implantaram o Sistema de Registro de Preços.

Para tanto, pode-se classificar os usuários da Ata de Registros de Preços em dois grupos:

(a) órgãos participantes: são aqueles que, no momento da convocação do órgão gerenciador, comparecem e participam da implantação do SRP, informando os objetos pretendidos, qualidade e quantidade. Sua atuação é prevista no art. 1°, inc. IV, do Decreto n. 3.931/01; e

(b) órgãos não participantes, usuários: são aqueles que, não tendo participado, na época oportuna, informando suas estimativas de consumo, requererem, posteriormente, ao órgão gerenciador, o uso da Ata de Registro de Preços.

(...) É conveniente lembrar que o Decreto n. 3.931/01 não definiu que os órgãos participantes e usuários devem necessariamente integrar a mesma esfera de governo. Explica-se: o Decreto n. 3.931/01 empregou o termo órgão ou entidade da Administração e esse último termo é conceituado restritivamente pela Lei n. 8.666/93, in verbis:

‘Art. 6° Para os fins desta Lei, considera-se:

XI — Administração Pública — a Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas e mantidas.

XII — Administração — órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente.’

18 NIEBUHR, Joel de Menezes. Carona em ata de registro de preços: atentado veemente aos princípios de direito administrativo. Informativo de Licitações e Contratos. n. 143, jan./2006, p. 13-19.

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Numa interpretação sistemática, contudo, como Administração é órgão da Administração Pública, parece possível a extensão além da esfera de governo. Assim, um órgão municipal poderá, atendidos os demais requisitos, servir-se de Ata de Registro de Preços federal, ou vice-versa.

Aliás, o procedimento já vem sendo utilizado com bastante sucesso pelo Ministério da Saúde para aquisição de medicamentos com base em lei específica — Lei n. 10.191, de 14 de fevereiro de 2001.19

Todavia, ao concluir sobre o tema, Jacoby Fernandes observa que embora não exista objeção à participação de órgãos de outras esferas, pode ser sustentada, sob o aspecto jurídico, a necessidade de norma autorizativa específica.20

Em 2009, no IV Congresso de Pregoeiros, admitimos a viabilidade jurídica da figura do carona em certas circunstâncias. Nesse sentido, veja-se recentíssima orientação do TCU que recomenda prudência dosimétrica, como se vê:

(...)

b1. nos termos do art. 8° do Decreto n. 3.931/01, se abstenha de permitir a utilização da Ata de Registro de Preços decorrente do pregão presencial n. SRP 28/2008 — 3° BEC por outros órgãos integrantes da Administração Pública;

b2. restrinja a utilização da Ata de Registro de Preços (...) estritamente (...) às obras de recuperação ambiental da área afetada pela construção do canal (...)21

importa, também, registrar:

Observa-se ainda que com o registro de preços o número de licitações tende a reduzir, não só em função da implementação do planejamento, como também pela possibilidade de adesão daqueles órgãos que não participam da elaboração do processo, e na última hora necessitam utilizar seus recursos orçamentários e financeiros, pegando carona no processo concluído. É importante ressaltar que a participação de instituições no processo, de forma extraordinária, gera ao fornecedor uma grande perspectiva de vendas, pois o órgão que adere à Ata de Registros de Preços pode adquirir os bens e serviços em até 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata.22

5 Contratação decorrente de transferência voluntária. Cotação prévia de preços

Um texto emblemático, como exemplo da extensão e multiplicidade regulamentar da modalidade pregão, é o Decreto Federal n. 5.504/05, que estabelece para entes públicos ou privados a

19 JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de registro de preços e pregão. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 191-193.

20 Ibidem, 2003.

21 Tribunal de Contas da União (TCU). Acórdão 311/2010, DOU de 05/02/10. v. ainda orientação do TCU contrária à utilização elás-tica da figura do carona, o Acórdão 1487/2007, DOU de 03/08/07.

22 EQUIPE DE REDAÇãO. Fórum de Contratação e Gestão Pública. ano 5, n. 52, abr./2006, p. 7.033-7.036.

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exigência de utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, nas contratações de bens e serviços comuns, realizadas em decorrência de transferências voluntárias de recursos públicos da União, pela via de convênios ou instrumentos congêneres, ou consórcios públicos.

A sistemática veiculada pelo referido Decreto sofreu forte alteração com a subsequente expedição do Decreto n. 6.170/07, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse. Por sua vez, esse decreto foi alterado por outro (Decreto n. 6.428/08) e retomado por um texto procedimental, a Portaria interministerial n. 127/08.

Esta tem sua base na Lei n. 11.124/05 sobre aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), em seu art. 12, § 6°, VII, com redação dada pela Lei n. 11.578/07.23

Destacam-se, no corpo do Decreto n. 6.170/07, os arts. 3°, 4° e 11.24 na Portaria interministerial 127/08, os arts. 44, 45 e 73. Por meio de tais dispositivos, preconizam aos órgãos ou entidades concedentes o sistema de chamamento público (embora não obrigatório) para selecionar projetos ou entidades sem fins lucrativos que possam melhor executar o objeto do ajuste.

E, notadamente, determinam às entidades privadas, receptoras de recursos repassados pela União, que (a) antes da celebração do convênio ou contrato de repasse, realizem cadastro prévio no Siconv; (b) que promovam, no mínimo cotação prévia de preços para o dispêndio de tais recursos em contratações de bens e serviços.25

6 Instruções Normativas, Resoluções e Portarias: diretivas para o proce-dimento licitatório aplicadas ao pregão

O pregão, como modalidade de licitação, é um procedimento administrativo com início, meio e fim, consistindo nas fases interna ou preparatória e externa, que culmina na homologação. Como se sabe, tal procedimento é regulado genericamente pela Lei Nacional de Licitações n. 8.666/93 e, especificamente, pela Lei n. 10.520/02.

23 lei 11.124/05, art. 12. Os recursos do FNHIS serão aplicados de forma descentralizada, por intermédio dos Estados, Distrito Federal e Municípios, que deverão: (...) § 6° Os recursos do FNHIS também poderão, na forma do regulamento, ser aplicados por meio de repasse a entidades privadas sem fins lucrativos, cujos objetivos estejam em consonância com os do Fundo, observados os seguintes parâmetros: (Incluído pela Lei n. 11.578, de 2007) (...) VII — a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato, para efeito do disposto no art. 116 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993; (Incluído pela Lei n. 11.578, de 2007)

24 Art. 3° As entidades privadas sem fins lucrativos que pretendam celebrar convênio ou contrato de repasse com órgãos e en-tidades da administração pública federal deverão realizar cadastro prévio no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse — Siconv, conforme normas do órgão central do sistema. (Redação dada pelo Decreto n. 6.428, de 2008) (...) Art. 4° A celebração de convênio com entidades privadas sem fins lucrativos poderá ser precedida de chamamento público, a critério do órgão ou entidade concedente, visando à seleção de projetos ou entidades que tornem mais eficaz o objeto do ajuste. Parágrafo único. Deverá ser dada publicidade ao chamamento público, especialmente por intermédio da divulgação na primeira página do sítio oficial do órgão ou entidade concedente, bem como no portal dos Convênios. (...) Art. 11 Para efeito do disposto no art. 116 da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato.

25 Sobre repasse de recursos públicos as organizações privadas sem fins lucrativos, v. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Gestão privada de recursos públicos para fins públicos: o modelo das Oscips. BLC. n. 5, 2009, p. 450-452; POLO, Cristiane. Licitação no terceiro setor. BLC. n. 12, 2009, p. 1.146; e, nosso, Vertentes na estrutura da contratação das entidades privadas beneficiadas com recur-sos públicos. ILC. n. 155, 2007, p. 25. v. ainda TCU, Acórdão 353/2005, DOU de 18/04/05.

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O decreto regulamentar é espécie essencialmente diversa dos demais atos normativos, porque editado pelo chefe do Poder Executivo. Os chamados atos administrativos normativos (resoluções, instruções normativas, portarias) são editados por autoridades dotadas de competência normativa nas respectivas áreas, como a Secretaria do Tesouro Nacional, o Tribunal de Contas da União, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; e só possuem eficácia no âmbito da respectiva competência.

Nos anos de vigência do Decreto-Lei de Licitações n. 2.300/86, era constante a expedição de normas procedimentais específicas, tais como, os múltiplos regulamentos de licitação das empresas estatais. Após a sanção da Lei n. 8.666/93, essa práxis caiu em relativo desuso. Nos últimos anos, notadamente na esfera federal, foi retomada e consubstanciou-se, notadamente, em uma série de instruções normativas geradas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio de sua Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Todas elas exibem dispositivos aplicáveis ao pregão e são vinculativas quando se trata do dispêndio de recursos oriundos da União. Nas esferas estadual e municipal, não são diretamente aplicáveis — mas, mesmo nesses casos, sua consulta é imprescindível como fonte de informação ou paradigma para normas regionais.

citem-se:

— IN n. 02/2008 — dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não. (Alterada pela IN 03/09)

— IN n. 04/2008 — dispõe sobre o processo de contratação de serviços de Tecnologia da Informação pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

— IN n. 02/2009 — estabelece a obrigatoriedade de apresentação de Declaração de Elaboração Independente de Proposta, em procedimentos licitatórios no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (Sisg).

— IN 01/2010 — dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras.

A simples leitura das ementas indica que tais diretivas, a exemplo de alguns decretos, promoveram ampliações e complementações significativas aos textos legislados n. 8.666/93 e n. 10.520/02. De certa forma, introduziram inovações, fixando requisitos para habilitação, critérios de aceitabilidade de propostas e condições para apresentação de documentação e proposta.

No tocante aos serviços de vigilância, limpeza e conservação, importa citar as Portarias da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação que, periodicamente, fixam limites máximos de preços para tais contratações.26

Cumpre, ainda, relatar o importante papel das resoluções editadas por órgãos de certificação profissional, cujas normativas devem ser obrigatoriamente observadas nos editais de pregão 26 v. TCU, Acórdão 6771/2009, DOU de 21/11/09.

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cujo objeto implique serviços profissionais no âmbito respectivo. um exemplo frequente é o do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), que tem o poder de editar normas para as áreas de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Tais normas se refletem, vinculativamente, nos editais de obras ou serviços envolvendo tais especialidades.

No dizer de José dos Santos Carvalho Filho,

Todos esses atos servem para que a Administração organize sua atividade e seus órgãos e, por essa razão, são denominados por alguns autores de ordinatórios. Apesar de auxiliarem a Administração a definir melhor sua organização interna, a verdade é que, na prática, encontramos muitos deles ostentando caráter normativo, fato que provoca imposição de regras gerais e abstratas.27

Muitos dispositivos de Instruções Normativas tiveram repercussão imediata na condução dos pregões. Nos tópicos seguintes, exemplos pontuais serão comentados.

7 Dispositivos da IN MPOG/SLTI n. 02/2008 e seus reflexos no pregão

o tema da terceirização de serviços foi objeto do Decreto n. 2.271/97, que dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. O normativo atual que o regulamenta é a supracitada IN 02/2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia de Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) (com acréscimos e alterações dados pela IN 03/09), que dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não.

Considerada em termos globais, a IN em comentário é texto de grande auxílio para a elaboração dos editais de pregão cujo objeto pertença à área de serviços gerais. Fixa regras e diretrizes nítidas, bem como conceitos úteis. Contribui com o detalhamento de vários conceitos ligados à matéria licitatória. Comporta um detalhado glossário, em seu Anexo I, que define termos utilizados ao longo do texto e, assim, constitui referência e fonte de consulta para a boa leitura de vários outros textos legislativos e normativos, inclusive pertinentes à estimativa de custos e à formação de preços.28

Destaquem-se, por exemplo, regras para elaboração do instrumento convocatório (arts. 18-20), bem como para a elaboração das propostas (arts. 21-29).

Um questionamento frequente é relativo ao art. 19, § 3°, II da referida IN, que, tratando da hipótese de participação de cooperativa no processo, formula a exigência de uma nova declaração de cada um dos cooperados: a Declaração de Regularidade de Situação do Contribuinte Individual (DRSCI).

O art. 19-A, posteriormente acrescentado, é também criticado por inserir requisitos sem respaldo legal. Justifica-se, de alguma forma, pela Súmula 331 do TCU, na qual se baseou. 27 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 106.

28 Exemplos de verbetes úteis constantes do Anexo I: planilha de custos e formação de preços, salário, remuneração, encargos sociais e trabalhistas, insumos de mão de obra, reserva técnica, insumos diversos, despesas operacionais administrativas, lucro, tributos, repactuação (...).

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Por sua vez, o art. 24 direciona-se especificamente ao pregão e exige expressamente, para consistência do critério de aceitabilidade do lance, a planilha de custos e formação de preços, que será entregue e analisada no momento da aceitação do lance vencedor, podendo ser ajustada, se possível, para refletir corretamente os custos envolvidos na contratação, desde que não haja majoração do preço proposto.

Tal requisito encontra-se rigorosamente correto e possui ampla aprovação da doutrina29 e da jurisprudência do TCU, que sempre recomenda verificar se a proposta é firme, consistente e exequível, reiterando a necessidade de analisar as planilhas de custos unitários para verificar a compatibilidade com os preços de itens ofertados.30

a previsão do ajustamento da planilha no momento da aceitação do lance vencedor reflete a flexibilidade adequada à índole do pregão, no qual as soluções devem ser dadas com presteza, se possível na própria sessão pública.

Ainda quanto ao relevante aspecto da exequibilidade dos preços nos pregões, vemos como excelente medida a regra do art. 29, § 5°, da IN 02/2008 em tela:

Art. 29 (...)

(...)

§ 5° Quando o licitante apresentar preço final inferior a 30% da média dos preços ofertados para o mesmo item, e a inexequibilidade da proposta não for flagrante e evidente pela análise da planilha de custos, não sendo possível a sua imediata desclassificação, será obrigatória a realização de diligências para aferir a legalidade e exequibilidade da proposta.31

8 A questão da multiplicidade de declarações exigidas

Já o problema das múltiplas declarações exigidas no contexto da licitação parece não admitir um equacionamento razoável.

Como sabido, na fase preparatória do pregão, devem ser cautelarmente consignadas no edital as exigências de apresentação de declarações do licitante, destinadas a várias finalidades. Temos observado uma crescente cartorialização em tais exigências, que a normatização complementar das licitações vai sucessivamente incorporando. Ou seja, às declarações devidamente consignadas em lei vão sendo paulatinamente acrescentadas outras, definidas em norma procedimental válida para um grande espectro de órgãos e entidades, e obrigatórias para qualquer entidade que utilize recursos federais.

29 v. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 647-661; MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 453-460; e ainda: Critérios para fixação do preço limpo e limites fechados na Lei 8.666/93. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. v. 9, n. 4, out./dez. 1993, p. 103-109.

30 TC 350.140/1996, Relator: Ministro Ubiratan Aguiar, DOU de 21/10/02; v. ainda TC 007.444/2001-7, DOU de 03/10/03, relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça; Acórdão 1424/03, DOU de 10/03/03; Acórdão 2207/2009, DOU de 25/09/09; Acórdãos 1101/2007, 800/2007, 1227/2009. Destacadamente, Acórdãos 1215/2009 e 6771/2009.

31 Quanto à diligência, v. OLIVEIRA, Ivo Ferreira. Diligências nas licitações. Curitiba: JM, 2001.

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É verdade que o empenho do Poder Público Federal em gerar regulamentação complementar à LNL e à Lei do Pregão evidencia uma forte consciência das patologias incidentes nas licitações, causadoras de distorções nos preços praticados.

Comprova-o, entre outros atos normativos citados, a edição da Portaria da Secretaria de Direito Econômico (SDE) n. 51, de 03/07/09. Editado pelo Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE) da referida Secretaria, órgão do Ministério da Justiça, o texto busca defender e promover a concorrência econômica, determinando ações que possam coibir possíveis ilícitos concorrenciais no âmbito das licitações públicas. A Portaria traz em anexo: (I) um Guia de Análise de Denúncias sobre Possíveis Infrações Concorrenciais em Licitações e (II) um Modelo de Declaração Independente de Proposta, a ser exigido obrigatoriamente nas licitações.

Este último foi, por conseguinte, reiterado na esfera federal pela Instrução Normativa n. 02/09 do mPog/slti.32

O Anexo II da referida Portaria do SDE, bem como a Instrução Normativa 02/09, almejam solucionar tais problemas mediante a obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Elaboração Independente de Proposta, em procedimentos licitatórios, no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (Sisg).33

Segundo ainda a Instrução Normativa 02/09, a apresentação de tal declaração no momento da abertura da sessão pública aplica-se tanto às modalidades licitatórias tradicionais como ao pregão presencial. Quanto ao pregão eletrônico, o documento deve ser apresentado no momento da habilitação, enquanto o sistema informatizado não disponibilizar a referida declaração aos licitantes, no momento da abertura da sessão pública.34

No anexo da aludida Instrução Normativa, o modelo da declaração inclui, além das identificações usuais (da licitação, do representante, da licitante ou consórcio, do edital), as seguintes assertivas, a serem feitas sob as penas da lei, em especial o art. 299 do Código Penal Brasileiro, seguidas de data e assinatura do representante:

(a) a proposta apresentada para participar da (identificação da licitação) foi elaborada de maneira independente (pelo Licitante/ Consórcio), e o conteúdo da proposta não foi, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, informado, discutido ou recebido de qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação), por qualquer meio ou por qualquer pessoa;

(b) a intenção de apresentar a proposta elaborada para participar da (identificação da licitação) não foi informada, discutida ou recebida de qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação), por qualquer meio ou por qualquer pessoa;

32 Não confundir com a Instrução Normativa do mesmo MPOG e com o mesmo número, editada em 30/04/2008, ainda em vigor, alterada pela Instrução Normativa n. 03, de 15/10/09.

33 Instrução Normativa MPOG/SLTI n. 02, de 16/09/09, DOU de 17/09/09.

34 Ibidem.

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(c) que não tentou, por qualquer meio ou por qualquer pessoa, influir na decisão de qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação) quanto a participar ou não da referida licitação;

(d) que o conteúdo da proposta apresentada para participar da (identificação da licitação) não será, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, comunicado ou discutido com qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação) antes da adjudicação do objeto da referida licitação;

(e) que o conteúdo da proposta apresentada para participar da (identificação da licitação) não foi, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, informado, discutido ou recebido de qualquer integrante de (órgão licitante) antes da abertura oficial das propostas; e

(f) que está plenamente ciente do teor e da extensão desta declaração e que detém plenos poderes e informações para firmá-la.35

Há que reconhecer as boas intenções da medida, sem entrar no mérito de sua eficácia (ou não), dado o curto período de sua implantação. Entretanto, é certo que não há respaldo legal para a introdução de tal documento no ordenamento jurídico das licitações.

Jessé Torres Pereira Júnior e Marinês Restalatto Dotti, embora reconhecendo boas intenções do órgão público na adoção da medida, reafirmam:

Louvável a intenção do órgão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ao editar a IN SLTI/MPOG n. 02/09, na tentativa de dissuadir a prática de infração contra a ordem econômica pelos licitantes. Todavia a obrigatoriedade da apresentação de qualquer documento na licitação, como condição para participação, deve decorrer de lei e não de norma de inferior hierarquia, no caso, instrução normativa.36

Enfim, contabilizem-se as declarações exigidas até o momento, todas aplicáveis ao pregão, embora algumas se subordinem a hipóteses específicas:

— Declaração do licitante de que não possui funcionários incursos nas vedações legais relativas ao trabalho do menor (art. 27, inc. V da Lei n. 8.666/93);37

— Declaração de superveniência de fato impeditivo da habilitação (art. 32, § 2° da Lei n. 8.666/93);38

35 Ibidem.

36 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Ilicitude de condições restritivas da participação em licitações, impos-tas por atos convocatórios. FCGP. ano 9, n. 97, jan./2010, p. 26-43.

37 Lei n. 8.666/93, art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...) V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7° da Constituição Federal.

38 Lei n. 8.666/93, art. 32, § 2° O certificado de registro cadastral a que se refere o § 1° do art. 36 substitui os documentos enume-rados nos arts. 28 a 31, quanto às informações disponibilizadas em sistema informatizado de consulta direta indicado no edital, obrigando-se a parte a declarar, sob as penalidades legais, a superveniência de fato impeditivo da habilitação.

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— Declaração de cumprimento dos requisitos legais para enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 49 da LC 123/06 e art. 11 do Decreto n. 6.204/07);39

— Declaração de ciência do cumprimento dos requisitos de habilitação, no pregão (art. 4°, VII, da Lei n. 10.520/02);40

— Declaração de Regularidade de Situação do Contribuinte Individual (DRSI), para cada um dos cooperados, no caso de participação de cooperativa (IN MPOG 02/08, art. 19, § 3°);41

— Declaração de elaboração independente de proposta, obrigatória no âmbito do SISG (IN 02/09 do MPOG, que anexa o modelo; v. ainda a Portaria SDE 51/09).42

Trata-se, induvidosamente, de tentativas de acautelamento e garantia do poder público com relação à situação do licitante — sem dúvida, excessivas, visto que, quanto aos efeitos das aludidas declarações, caberia lembrar o art. 368 do CPC:

Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.

Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo o interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.43

9 Questões sobre aplicabilidade do pregão a obras e serviços de enge-nharia. Resoluções CONFEA 1025/2009 e 1024/2009. Qualificação ope-racional nos pregões — aspectos interpretativos

A aplicabilidade do pregão a obras e serviços de engenharia é um tópico que enseja interessante debate. A indagação seria: quais desses serviços, obras ou fornecimentos podem, legitimamente, serem classificados como comuns?39 LC 123/06, art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: (...) II — não houver um mínimo

de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regio-nalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; (...)

Decreto n. 6.204/07, art. 11. Para fins do disposto neste Decreto, o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte dar-se-á nas condições do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complemen-tar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, em especial quanto ao seu art. 3°, devendo ser exigido dessas empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os requisitos legais para a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte, estando aptas a usufruir do tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 daquela Lei Complementar.

40 Art. 4° A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: (...) VII — aberta a sessão, os interessados ou seus representantes, apresentarão declaração dando ciência de que cumprem plenamente os requisitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos, procedendo-se à sua imediata abertura e à verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório; (...)

41 IN MPOG 02/08, art. 19, § 3° Sendo permitida a participação de cooperativas, o instrumento convocatório deve exigir, na fase de habili-tação: (...) II — a Declaração de Regularidade de Situação do Contribuinte Individual (DRSCI) de cada um dos cooperados relacionados;

42 IN MPOG 02/09, art. 1° Tornar obrigatória a apresentação da Declaração de Elaboração Independente de Proposta, constante no Anexo I desta Instrução Normativa, em procedimentos licitatórios, no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (SISG). § 1° Deverá constar dos instrumentos convocatórios das modalidades licitatórias tradicionais e do Pregão, em sua forma presencial, a obrigatoriedade de o licitante apresentar a Declaração de Elaboração Independente de Proposta, no momento de abertura da sessão pública. § 2° Deverá constar do instrumento convocatório da modalidade licitatória Pregão, em sua forma eletrônica, a obrigatoriedade de o licitante apresentar a Declaração de Elaboração Independente de Proposta, no momento da habilitação, enquanto o sistema informatizado não disponibilizar a referida declaração aos licitantes, no momento da abertura da sessão pública.

43 Sobre o tema, manifestou-se o TCU no relatório constante do TC 225.272/1997-0, v. Acórdão 504/2002.

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O art. 6° do Decreto n. 5.450/05, direcionado ao pregão eletrônico no âmbito federal, não traz solução definitiva à questão, ao confirmar apenas parcialmente um dado que já figurava no art. 5° do Decreto n. 3.555/00. Este art. 5° eliminava categoricamente da aplicação do pregão as obras e serviços de engenharia. Excluía também as locações imobiliárias e alienações em geral, que serão regidas pela legislação geral da Administração.

Já a redação do art. 6° do Decreto n. 5.450/05 limita-se a dizer que a licitação na modalidade de pregão, na forma eletrônica, não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral.

Como se vê, omitiu-se do teor do art. 6° a menção a serviços. autoriza-se então depreender que, enquanto possam ser qualificados, inquestionavelmente, sob o rótulo de serviços comuns, haja margem para contratação de serviços de engenharia mediante pregão eletrônico.

O tema, a despeito das tratativas de inúmeros analistas e da jurisprudência, vinha retornando periodicamente à discussão. Entende Jorge Ulisses Jacoby Fernandes que

um serviço de engenharia pode ser comum quando a atividade do profissional cujo registro no Crea é exigido não é predominante em termos de complexidade e custo. Sendo comum pode ser licitado por pregão presencial ou eletrônico, adotando cautelas.44

Outra é a posição da equipe de consultoria da Editora Zênite, que assim se expressa:

O fato do art. 6° do Decreto n. 5.450/2005 não ter mencionado expressamente a locução serviços de engenharia não significa que se possa licitar serviços dessa natureza por pregão eletrônico. A complexidade normalmente inerente aos serviços de engenharia impede que eles se enquadrem na definição de bens e serviços comuns constante no art. 1°, parágrafo único da Lei n. 10.520/02, e por consequência gera a impossibilidade de adoção dessa modalidade licitatória para contratação desses serviços.45

Não há, pois, até o momento, consenso doutrinário a respeito dos serviços, cabendo assim à jurisprudência e à análise de casos concretos determinar as soluções viáveis.46 apenas se 44 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Licitação na modalidade pregão, na forma eletrônica — Regulamentação: Decreto n. 5.450, de

31 de maio de 2005. FCGP. ano 4, n. 42, jun. 2005, p. 5.571-5.576. v. ainda, do mesmo autor: contratação de obras e serviços de engenharia. FCGP. ano 7, n. 75, p. 28-35; e REIS, Samuel Mota de Souza. A contratação de obras e serviços de engenharia sob o enfoque do pregão. O Pregoeiro. ano IV, jul./2008, p. 18-24; BARROS, Márcio dos Santos. Pregão para obras e serviços de engenharia. Jornada de Estudos NDJ, 04/12/07, BLC. n. 8, 2008, p. 761-769. Perfilhando decisões anteriores, veja-se esta do TCU: Acórdão 1062/2005, DOU de 12/08/05, em que aquela Corte considera irregular a realização de pregão para contratação de bens e serviços de engenharia, incluindo aqueles em que se exige assinatura profissional registrada no Crea. Utilização do pregão para reforma de fachadas: Acórdão n. 817/2005, modificando entendimento anterior que vedava o pregão para tais serviços (ex.: Decisões n. 195/02 e 557/02), por demandar conhecimentos de profissionais especializados. FCGP. n. 67, jul./2007, p. 64-69. Para aparelhos e serviços de ar condicionado: Acórdão n. 817/2005, DOU de 09/05/2005, Acórdão n. 286/2007, DOU de 16/02/2007. Para reforma e jardim: Acórdão n. 286/2007, ILC. n. 159, mai./2007, p. 527.

45 Perguntas e respostas. ILC. ago./2005, p. 732-733.

46 v. TCU, Decisão 674/2002, DOU de 08/07/02, e Acórdão n. 817/2005, DOU de 09/05/05, ambos admitindo o pregão para manuten-ção corretiva e preventiva de equipamento, ainda que considerados serviços de engenharia. Em outra decisão, o TCU entendeu legítima a utilização do pregão para serviços de manutenção de sistema de ar condicionado, apesar das vicissitudes do procedi-mento: Decisão 557/02, BLC. n. 1, 2003, p. 321. v. ainda Acórdão n. 1947/2008, DOU de 12/09/08. Tese favorável à adoção do

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extrai como assente — pelo menos, na área federal — em termos normativos, a exclusão da aplicabilidade do pregão eletrônico (analogamente à do pregão presencial) às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações.

É de se esperar que um Termo de Referência bem elaborado possa deslindar a questão no âmbito dos serviços, procedendo à correta caracterização do objeto em cada situação peculiar.

Nos casos de conclusiva aplicabilidade do pregão, e sendo tais serviços contratados com recursos federais, observem-se as diretrizes do art. 112, caput e parágrafos 5° e 8° da mais recente LDO da União, Lei n. 12.017/09.47 Em tais situações, a qualificação técnica profissional é exigência essencial para que o vencedor dos lances tenha direito à adjudicação. Conforme se depreende do art. 30 da LNL, e preconizado por farta doutrina e jurisprudência, a capacitação operacional do licitante constitui indispensável pré-requisito para habilitação.

Entretanto, a Resolução CONFEA 1.025, de 30/10/09, que regulamenta a Lei n. 6.496, de 1977, dispondo sobre Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e Acervo Técnico Profissional (CAT), ofereceu certa margem, basicamente em seus arts. 47, 48 e 64, § 4°, à interpretação de que seria dispensável a exigência de qualificação técnico-operacional nas licitações para obras ou serviços pertinentes às especialidades que contempla.48

Erigiram-se razões para ressignificar o teor da Resolução, porquanto fixado exclusivamente nos termos relativos ao profissional, omitindo o termo operacional, designado pela Lei n. 8.666/93 como referente à capacitação da empresa licitante. Analistas e administradores viram-se confundidos, com maior razão em face do § 4° do art. 64 da aludida Resolução, segundo o qual o atestado do responsável técnico (RT) somente valeria como prova da capacidade técnico-profissional da pessoa jurídica se aquele se vinculasse ao quadro técnico desta; fato a ser afirmado mediante declaração entregue no momento da habilitação ou da entrega das propostas.

pregão para obras e serviços de engenharia, com ajuste legislativo: LUCIANO, Wagner de Souza. Contratação de obras e serviços de engenharia por meio de pregão. Revista Zênite de Licitações e Contratos (ILC). ano xV, n. 178, dez./2008, p. 1.222-1.229; v. ainda MORAIS, Dalton Santos. Serviços de manutenção de elevadores: serviços comuns passíveis de licitação mediante a modali-dade de pregão. ILC. n. 128, out./2004, p. 643.

47 Lei n. 12.017/09, art. 112. O custo global de obras e serviços contratados e executados com recursos dos orçamentos da União será obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços menores ou iguais à mediana de seus correspondentes no Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI), mantido e divulgado, na internet, pela Caixa Econômica Federal, e, no caso de obras e serviços rodoviários, à tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (SICRO). (...) § 5° Deverá constar do projeto básico a que se refere o art. 6°, inciso IX, da Lei n. 8.666, de 1993, inclusive de suas eventuais alterações, a anotação de responsabilidade técnica e declaração expressa do autor das planilhas orçamentárias, quanto à compatibilidade dos quantitativos e dos custos constantes de referidas planilhas com os quantitativos do projeto de engenharia e os custos do SINAPI, nos termos deste artigo. (...) § 8° O preço de referência das obras e serviços será aquele resultante da composição do custo unitário direto do SINAPI e do SICRO, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) incidente, que deve estar demonstrado analiticamente na proposta do fornecedor.

48 Resolução CONFEA 1025/09, art. 47. O acervo técnico é o conjunto das atividades desenvolvidas ao longo da vida do profissional compatíveis com suas atribuições e registradas no Crea por meio de anotações de responsabilidade técnica. Parágrafo único. Constituirão o acervo técnico do profissional as atividades finalizadas cujas ARTs correspondentes atendam às seguintes condi-ções: I — tenham sido baixadas; ou II — não tenham sido baixadas, mas tenha sido apresentado atestado que comprove a execu-ção de parte das atividades nela consignadas. Art. 48. A capacidade técnico-profissional de uma pessoa jurídica é representada pelo conjunto dos acervos técnicos dos profissionais integrantes de seu quadro técnico. Parágrafo único. A capacidade técnico-profissional de uma pessoa jurídica varia em função da alteração dos acervos técnicos dos profissionais integrantes de seu quadro técnico. (...) Art. 64. O registro de atestado será efetivado por meio de sua vinculação à CAT, que especificará somente as ARTs a ele correspondentes. (...) § 4° O atestado registrado constituirá prova da capacidade técnico-profissional da pessoa jurídica somente se o responsável técnico indicado estiver ou venha ser a ela vinculado como integrante de seu quadro técnico por meio de declaração entregue no momento da habilitação ou da entrega das propostas.

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Entretanto, essa interpretação não é juridicamente viável, em razão da legislação que presidiu a Resolução em tela. Há que lembrar, a essa altura, a advertência de Celso Antônio Bandeira de Mello, de que instruções, portarias, resoluções e outros atos normativos sujeitam-se aos mesmos limites que cerceiam os regulamentos, pois são atos de menor envergadura que ele.49

A Lei n. 6.496, de 7 de dezembro de 1977, em seu art. 2°, § 1°, estabelece que a ART será efetuada pelo profissional ou pela empresa no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), de acordo com Resolução própria do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea). Também a Lei n. 5.194, de 1966, focaliza o registro da empresa no seu art. 59:

As firmas, sociedades, associações, companhias, cooperativas e empresas em geral, que se organizem para executar obras ou serviços relacionados na forma estabelecida nesta Lei, só poderão iniciar suas atividades depois de promoverem o competente registro nos Conselhos Regionais, bem como o dos profissionais do seu quadro técnico.

Portanto, a exigência de qualificação técnica operacional, referente à empresa, tem sólido fundamento, tanto no art. 30 da Lei n. 8.666/93, como em outros textos legais relativos ao tema, não podendo uma simples Resolução desconhecer tal realidade.

Em conhecida monografia, Adilson Abreu Dallari esclarece a questão, respondendo a indagações específicas. Embora sua lição se direcione a obras, é adequada também ao caso dos serviços comuns de engenharia contratados por pregão:

a) A pessoa jurídica é efetivamente detentora do acervo técnico operacional das obras que realizou, seja em que tempo for?

Resposta: Sim. Embora toda e qualquer obra de engenharia deva ser executada sob a responsabilidade técnica de um profissional de engenharia (pessoa física), o acervo técnico correspondente pertence, em caráter permanente, tanto ao profissional (acervo técnico profissional) quanto à empresa (acervo técnico operacional) à qual ele estava vinculado. O acervo técnico profissional o engenheiro leva com ele no caso de se desvincular de uma empresa e passar a trabalhar para outra. Mas é absolutamente irrelevante, no caso do acervo técnico operacional, o fato de ter o profissional deixado os quadros da empresa ou mesmo que já tenha falecido.

b) A legislação protege o direito adquirido dessa pessoa jurídica?

Resposta: Sim. O acervo técnico profissional é um bem jurídico extremamente importante para uma empresa especializada na execução de obras públicas, pois a legislação disciplinadora das licitações e contratações administrativas determina que ele deve ser apresentado como elemento comprobatório da qualificação técnica da empresa licitante. Diante disso, toda e qualquer obra comprovadamente realizada pela empresa, a qualquer tempo, integra seu acervo técnico operacional, que é protegido pela ordem jurídica, a partir da própria Constituição Federal.50

49 bandeira de mello, celso antônio. op cit., p. 103.

50 DALLARI, Adilson Abreu. Acervo técnico de engenharia de pessoa jurídica. Revista Zênite de Licitações e Contratos (ILC). ano xVI,

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Há que lembrar, ainda, que nos pregões de serviços de engenharia deve constar expressamente do Termo de Referência a obrigatoriedade de adoção do Livro de Ordem de obras e serviços de Engenharia (Arquitetura, Agronomia, Geografia, Geologia, Meteorologia e demais profissões vinculadas ao Sistema Confea/Crea), em obediência à Resolução n. 1.024/2009 do Confea.51 a referida Resolução inclui, como anexo, o modelo de elaboração do Livro de Ordem, com um prazo diferido de implementação, até 1° de janeiro de 2001 (art. 12 da Resolução).52

Essa adequação, a nosso ver, deve ser empreendida de imediato, pois é um excelente controle da gestão contratual.

10 Editais de licitação com função regulamentar. Limitações. Estudo de caso

A evolução da Administração Pública brasileira não elimina, como seria de se esperar, a burocratização dos procedimentos, que se tornam gradativamente mais intrincados. A nomenclatura utilizada para designá-los segue, ao mesmo passo, incorporando novos vocábulos. A chamada quarterização é um deles.

a expressão quarterização já foi institucionalizada pelo próprio TCU, em voto revisor do Ministro aroldo cedraz:

É um procedimento em que a gestão de um serviço já terceirizado — no caso concreto, a manutenção de veículos — é entregue a uma quarta entidade incumbida de gerenciar a atuação dos terceirizados — na situação em foco, o administrador da manutenção.53

O certame então em pauta, objeto de representação ao TCU por parte interessada,54 foi instaurado para a contratação de empresa especializada na prestação de serviços de administração e gerenciamento de manutenção de veículos automotivos para atendimento a órgãos policiais, com fornecimento de peças e acessórios e transporte por guincho. A gestão da frota seria informatizada e contaria com uma rede de estabelecimentos credenciados em nível nacional.

A principal questão debatida enquadrava-se, precisamente, na figura da sobredita quarterização: em vez de contratar oficinas mecânicas para fazer a manutenção, o órgão público optou por firmar compromisso com empresa de gerenciamento e administração de serviços, com ampla rede de estabelecimentos licenciados. Assim, o objeto do certame,

n. 185, jul./2009, p. 679.

51 Resolução Confea 1024/2009, art. 1° Fica instituído o Livro de Ordem, nos termos da presente resolução, que passa a ser de uso obrigatório nas obras e serviços de Engenharia, Arquitetura, Agronomia, Geografia, Geologia, Meteorologia e demais profissões vinculadas ao Sistema Confea/Crea. Art. 2° O livro de Ordem constituirá a memória escrita de todas as atividades relacionadas com a obra ou serviço e servirá de subsídio para: I — comprovar autoria de trabalhos; II — garantir o cumprimento das instruções, tanto técnicas como administrativas; III — dirimir dúvidas sobre a orientação técnica relativa à obra; IV — avaliar motivos de eventuais falhas técnicas, gastos imprevistos e acidentes de trabalho. V — eventual fonte de dados para trabalhos estatísticos. Art. 3° O Livro de Ordem tem ainda por objetivo confirmar, juntamente com a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), a efetiva participação do profissional na execução dos trabalhos da obra ou serviço, de modo a permitir a verificação da medida dessa participação, inclusive para a expedição de Certidão de Acervo Técnico.

52 v., sobre o tema, OLIVEIRA, Pedro Jorge Rocha de. Livro de Ordem ou Diário de Obra. FCGP. ano 9, n. 98, fev./2010, p. 7-14.

53 TCU. Acórdão 2371/2009.

54 Pregão Eletrônico 017/2008, da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Estado do Rio de Janeiro — SR/DPF/RJ, discutido pelo TCU no Processo TC 032.202/2008-1, Acórdão 2731/2009 — Plenário.

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levado a efeito pela modalidade pregão, resumia-se na taxa de administração a ser paga à empresa gerenciadora.

Colocaram-se, nos autos do processo, inúmeros óbices ao modelo proposto. O fato da administração contratual ter sido transferida a um particular configuraria uma fuga à licitação, uma vez que as oficinas de manutenção eram credenciadas pela empresa administradora (à qual fora delegado o poder de incluir ou excluir estabelecimentos) e não se submeteriam à competição. Questionava-se a ausência de disputa pública relativa aos descontos a serem ofertados pelas oficinas, ao valor-hora da mão de obra por serviço discriminado etc.

De fato, a taxa de administração, objeto do pregão, constituía apenas 3,5% do valor estimado do contrato, sendo que os itens de custos relativos à manutenção de veículos, preços de peças e mão de obra, não foram objeto de disputa pública. Ao final dos lances, a taxa de administração ofertada pela vencedora atingiu o patamar de 0%, valor simbólico que evidenciou a insignificância da parcela do objeto colocada em disputa.

Erigiam-se também objeções sob o ponto de vista ambiental, relativas a possíveis ações poluidoras por parte das licenciadas. Colecionaram-se questões sob o ângulo da legislação profissional, sobre a economicidade do modelo, sobre a descaracterização do sistema de registro de preços utilizado para estimar o valor das peças e serviços. a alegada restrição ao caráter competitivo do certame baseava-se na amplitude nacional da rede credenciada, o que reduziria substancialmente o universo de empresas qualificadas.

Enfim, objeções de todo tipo foram expostas. Em contraposição, foi reconhecida a possibilidade de existir vantagens operacionais com a implementação desse novo modelo de contratação, impondo-se, apenas,

verificar se, a par de atender as necessidades de logística daquele órgão, a nova sistemática amolda-se aos ditames da legislação que rege as contratações pelo setor público, notadamente no que concerne aos princípios da impessoalidade e da seleção da proposta mais vantajosa pela Administração.55

No curso da votação do referido Acórdão, e não obstante reparos feitos pelo judicioso Ministro Benjamin Zymler à minuta proposta pelo relator, o procedimento licitatório então questionado foi parcialmente aprovado, com a determinação de acompanhamento da gestão contratual. As dúvidas e objeções foram paulatinamente equacionadas, verificando-se que o modelo proposto não desbordava a legislação licitatória.

Quanto à condução do pregão propriamente dito, faço pessoal objeção ao valor zero que se configurou na proposta vencedora a partir dos lances. A meu ver, tal lance não poderia ter sido aceito pelo pregoeiro, em razão do art. 44 da Lei n. 8.666/93, que estipula a desclassificação de proposta que exiba preços irrisórios, simbólicos, inexequíveis ou de valor zero, determinação aplicável complementarmente ao pregão. Tenho presenciado pregões em que o valor zero não foi aceito como lance, e adjudicado o valor mínimo possível em nossa unidade monetária, ou seja, R$0,1 (um centavo), uma vez comprovada a sua exequibilidade.

55 TCU. Voto do Ministro Relator Marcos Bemquerer Costa, nos autos do Processo TC 032.202/2008-1.

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Enfim, o voto do Ministro Revisor reconheceu, com fulcro no princípio da eficiência, a validade do edital que utilizou toda a sua extensão discricionária para implantar uma inovação que, conforme se esperava, deveria solucionar sérios problemas anteriores do órgão. Foi, destarte, absolvida a chamada quarterização:

27. Trata-se de uma prática bastante disseminada no mercado privado, cuja adoção no âmbito da administração é salutar, pois demonstra empenho em modernizar métodos arcaicos, ineficientes e burocráticos de gestão e, com isso, melhorar o desempemho de órgãos e entidades públicos.

28. Assim, por se tratar de inovação, que, em tese, está em consonância com normas e princípios que regem as licitações e a atuação de agentes públicos, creio que esta Corte, no desempenho do seu papel de indutora do aprimoramento da gestão pública que tem pautado a atuação dos órgãos de controle no mundo moderno, deve abster-se de inibir o prosseguimento da tentativa de inovação em análise.

29. Friso, entretanto, que a elevada possibilidade de disseminação da iniciativa pioneira do DPF por outros setores do Estado, associada a seu caráter experimental, tornam aconselhável seu acompanhamento e sua avaliação tanto pelo próprio órgão quanto por este Tribunal. (grifos nossos).56

Para extrair a lição final deste estudo de caso, cabe retornar ao axioma de que o edital possui uma margem de inovação que pode, sim, ser exercida, em nome do princípio da eficiência, em um plano que se pode considerar regulamentar — desde que tal exercício se dê em consonância com os ditames da lei. Como é sabido, ao edital não é deferido criar direitos, obrigações, deveres ou restrições.

Nesse estudo, focalizamos um edital que se arvora, de certa forma, em regulamento, no sentido de dar uma solução inovadora a problemas crônicos do órgão licitador. Entretanto, sem desbordar os limites da lei, compatibiliza-se com a doutrina clássica, que reconhece o papel do regulamento não apenas como reprodução mecânica da lei, mas como complemento dela, segundo o seu espírito e seu conteúdo, sobretudo nos aspectos que a própria lei, expressa ou implicitamente, outorga à esfera regulamentar.57

11 Conclusões

embora a lei n. 10.520 seja datada de 2002, a implantação do pregão no ordenamento jurídico-administrativo brasileiro ocorreu dois anos antes, com a primeira medida provisória que o instituiu, inicialmente apenas na esfera da União. Nesses dez anos de experiência dessa modalidade, presenciamos um constante fluxo regulamentar, que em muito contribuiu para a depuração e universalização do pregão em todos os níveis governamentais.

56 TCU. Voto do Ministro Revisor Aroldo Cedraz, nos autos do Processo TC 032.202/2008-1.

57 TÁCITO, Caio. Exportação de café — Contratos privados da Administração — Publicidade. RDA. n. 176, 1989, p. 149-60. v., nova-mente, STJ, MS 5.361-DF, DJ de 19/10/98; e ainda MS 5.623-DF (98/0004892-8), DJ de 16/2/98; MS 5.287-DF (97/0053183-0), DJ de 09/03/98; MS 5.693-DF, BLC. n. 10, 2000, p. 568.

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Os textos regulamentadores do pregão, independentemente de sua natureza, ensejaram dúvidas e debates sobre pontos específicos, que foram sucintamente abordados; entretanto, de modo geral, podem-se considerar adstritos aos limites do poder regulamentar e à reserva de lei, princípios definidos pela Constituição e corroborados pela doutrina.

Um perceptível efeito dessa regulamentação foi a comprovada redução dos custos dos procedimentos licitatórios e diminuição dos prazos. A esses fatores aliou-se o decréscimo gradual dos valores das ofertas e, por conseguinte, das respectivas contratações. Observou-se também o incremento do fomento às atividades econômicas na contratação com a Administração Pública.

Aspectos pontuais da operacionalização do pregão foram expressivamente alterados por meio de atos regulamentares. Exemplificadamente, anotamos:

(a) O decreto do registro de preços, caracterizado duplamente como regulamentador de lei e decreto autônomo, introduziu pertinentes inovações no sistema, que ganhou em agilidade e eficiência, admitindo inclusive o ingresso lateral de empresas à Ata de Registro de Preços. O pregão consolidou-se como via de acesso ao SRP, predominando sobre a modalidade concorrência, com visível aumento do número de pregões em nível federal.

(b) As entidades privadas, para o dispêndio de recursos transferidos pela União, por força de texto regulamentar, não mais se submeteram à obrigatoriedade do pregão eletrônico, mas à simples cotação de preço.

(c) A normatização levada a efeito pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, múltipla e detalhista, direcionou-se notadamente às áreas de contratação de serviços e tecnologia da informação, tendo contribuído com definições úteis e procedimentos operacionais minuciosos. Aspectos questionáveis dizem respeito à multiplicidade de declarações exigidas do licitante, as quais, em casos específicos, não possuem respaldo legal.

(d) Outros relevantes efeitos da regulamentação dos pregões referem-se à área técnico-profissional, sempre impactada por normas provenientes de organismos de certificação profissional, cuja interpretação deve obedecer aos estritos cânones legais.

(e) Editais de pregão assumem, por vezes, papel regulamentador. Tais situações têm sua validade e eficácia equacionadas a partir de decisões dos Tribunais, notadamente do TCU. Em exemplo específico foi averiguada, ad hoc, a validade jurídica e a pertinência de eventual função regulamentar do edital.

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Resumo: A crescente demanda pela eficiência da Administração Pública, mormente em matéria de serviços públicos e concretização dos direitos e garantias fundamentais, tem exercido considerável influência na atividade de controle externo desempenhada pelos Tribunais de Contas, que começam a reconhecer a premente necessid ade de se priorizar métodos de fiscalização orientados para resultados, em contraponto às tradicionais auditorias de conformidade, limitadas à análise meramente formal dos atos de gestão. Neste artigo, abordaremos os principais fatores que podem contribuir para a maior efetividade da função confiada às Cortes de Contas, em sintonia com essa e outras novas tendências do controle da gestão pública contemporânea.

Palavras-chave: tribunais de contas. controle externo. efetividade.

Abstract: The increasing demand for efficiency of public administration, especially in public services and in matter of achieving the fundamental rights and guarantees, has been influencing on a considerably way the external control activity performed by the Courts of Auditors, which begin to recognize the urgent need to prioritize methods monitoring results-oriented as opposed to traditional compliance audits, limited to purely formal analysis of management actions. In this article, we will discuss the main factors that may contribute to increase the effectiveness of the task entrusted to the Courts of Auditors, in line with this and other new trends in contemporary public management control.

Keywords: General Account Courts. External control. Effectiveness.

1 Breve introdução sobre o controle externo

O controle externo é espécie do gênero controle da Administração Pública, este definido por Di Pietro (2007, p. 672) como o poder de fiscalização e correção que sobre ela (Administração Pública) exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.

O papel dos Tribunais de Contas na busca da efetividade do controle externo

Hamilton Antônio Coelho

Graduado em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Público pela PUC Minas. Pós-graduado em Direito Previdenciário pela Universidade Gama Filho. Auditor do tribunal de contas do estado de minas gerais.

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Em geral, a doutrina identifica duas acepções relativas ao controle externo: a primeira, mais ampla, encampa o controle jurisdicional (exercido pelo Poder Judiciário), o controle pelo Ministério Público e o controle popular ou democrático, além do controle atribuído pelos arts. 70 e 71 da Constituição da República ao Poder Legislativo. Este último, exercido com o auxílio1 do Tribunal de Contas, corresponde à segunda acepção do termo (controle externo em sentido estrito), com a qual trabalharemos doravante.

Conforme lição de Meirelles (2006, p. 704), o controle externo stricto sensu visa comprovar a probidade da Administração e a regularidade da guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos, assim como a fiel execução do orçamento. É, por excelência, um controle político de legalidade contábil e financeira.

2 Controle externo sob a perspectiva da efetividade

No dicionário Houaiss da língua portuguesa, o vocábulo efetividade recebe oito significados, dentre os quais nos interessam, particularmente:

capacidade de atingir o seu objetivo real;a)

realidade verificável; existência real; incontestabilidade;b)

qualidade do que atinge os seus objetivos estratégicos, institucionais, de formação de c) imagem etc.

De posse desses conceitos, podemos afirmar que um controle externo efetivo é, antes de tudo, aquele que cumpre sua principal missão: fiscalizar a arrecadação e aplicação dos recursos públicos.

Mas não é só: conforme se infere da polissemia do termo efetividade, também podemos identificá-la na maximização dos resultados das ações de controle — como o aprimoramento da gestão dos recursos por parte dos jurisdicionados — e na consolidação da imagem das instituições responsáveis pela fiscalização perante a sociedade.

note-se que a efetividade do controle não se confunde com a efetividade das políticas públicas: essa traduz o impacto de determinada ação governamental, na medida dos benefícios dela decorrentes, alcançados pela coletividade. Entretanto, como se verá adiante, nada impede que essa dimensão externa da efetividade, relacionada aos programas de governo, seja apreciada pela função de controle, por meio das auditorias de desempenho e, mais apropriadamente, mediante a avaliação de programas. desse modo, pode-se dizer que o exame da efetividade das políticas públicas contribui para a efetividade do controle externo.

Em última análise, é possível afirmar que a efetividade traduz a finalidade implícita do controle externo: contribuir, zelando pela regular aplicação dos recursos públicos para a concretização

1 Destacamos que a palavra auxílio, nesse caso, quer significar necessário concurso ou contributo obrigatório, como ensina Britto (2002, p. 180), para quem esse tipo de auxiliaridade nada tem de subalternidade operacional, (mas) traduz a coparticipação ina-fastável de um dado Tribunal de Contas no exercício da atuação controladora externa que é própria de cada Poder Legislativo, no interior da respectiva pessoa estatal federada.

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dos direitos e garantias fundamentais e dos objetivos de nossa República, elencados no art. 3° do Magno Texto Federal.

3 O papel dos Tribunais de Contas

No Brasil, as Cortes de Contas assumem fundamental importância na preservação do patrimônio público, na medida em que a Carta da República de 88 lhes atribui, em seu art. 71, vasto rol de competências próprias para exercer com autonomia o controle externo:

Numa República, impõe-se responsabilidade jurídica pessoal a todo aquele que tenha por competência (e consequente dever) cuidar de tudo que é de todos, tanto do prisma da decisão como do prisma da gestão. E tal responsabilidade implica o compromisso da melhor decisão e da melhor administração possíveis, com a exposição de todos eles (os que decidem sobre a res publica e os que a gerenciam) à comprovação do estrito cumprimento dos princípios constitucionais e preceitos legais que lhes sejam especificamente exigidos. A começar, naturalmente, pela prestação de contas das sobreditas gestões orçamentária, financeira, patrimonial, contábil e operacional. É essa responsabilidade jurídica pessoal (verdadeiro elemento conceitual da República enquanto forma de governo) que demanda ou que exige, assim, todo um aparato orgânico-funcional de controle externo. Os Tribunais de Contas, participando desse aparato como peça-chave, se assumem como órgãos impeditivos do desgoverno e da desadministração. (BRITTO, 2002, p. 187).

Interessante é observar como a crescente demanda pela eficiência do Estado, sobretudo na esfera dos serviços públicos e em matéria de efetivação dos direitos e garantias fundamentais, tem repercutido na atuação das Cortes de Controle, que começam a despertar para a importância da adoção de métodos de fiscalização orientados para resultados, em contraponto às tradicionais auditorias de conformidade, limitadas à análise meramente formal dos atos de gestão (exame de legalidade):

A maior presença do Estado no campo econômico e a ampliação dos serviços públicos oferecidos à população levaram as Cortes de Contas a buscar formas de controle que ultrapassassem a mera verificação dos aspectos formais dos atos administrativos, permitindo a incorporação de técnicas de controle gerencial, abrangendo questões acerca da eficiência, da eficácia e da efetividade das ações governamentais. Coerentemente com esses desdobramentos, as mais destacadas tendências internacionais na área de controle, como apurado pela pesquisa Tendências de Controle da Gestão Pública, realizada pelo TCU em 1999 e 2000, são (...):

o monitoramento sistemático pelas EFSa) 2 do cumprimento de suas decisões ou recomendações;

a ampla publicidade das ações de controle;b)

2 Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS), termo que se refere ao principal órgão/entidade responsável pelo controle, em cada país. no brasil, equivale ao tcu.

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a divulgação das boas práticas administrativas;c)

a crescente importância das auditorias de desempenho;d)

a utilização de especialistas e consultores externos para o planejamento de e) trabalhos mais complexos (ROCHA, 2002).

Conforme procuraremos demonstrar, cada uma das referidas tendências do controle da gestão pública, identificadas em pesquisa do Tribunal de Contas da União, sedimentam a efetividade como um dos parâmetros orientadores da fiscalização. Vejamo-las, pois:

3.1 Acompanhar o cumprimento das decisões e recomendações

Em nosso ordenamento jurídico, conforme previsão constitucional, as decisões dos Tribunais de Contas de que resulte imputação de débito ou multa têm eficácia de título executivo (art. 71, § 3°, c/c art. 75, CF).

No entanto, uma vez que a Constituição silenciou quanto à legitimidade executiva das Cortes de Contas, firmou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o verdadeiro credor dos débitos imputados por tais decisões é o próprio ente público prejudicado, e, portanto, somente a eles é facultada a iniciativa da execução, por intermédio de seus representantes judiciais.3

Logo, consoante o entendimento do Pretório Excelso, apenas as Advocacias da União e dos Estados, bem como as Procuradorias municipais, conforme o caso, estão legitimadas a intentar judicialmente a mencionada ação de execução.4

Data maxima venia, pensamos que essa orientação se revela como um dos principais obstáculos à efetividade do controle. Restringir dita iniciativa a órgãos consultivos do Poder Executivo é, no mínimo, um contrassenso, já que boa parte das sanções aplicadas pelos tribunais de contas se dirige exatamente aos representantes máximos desse mesmo Poder, em cada esfera de governo.

Nesse ponto, é de todo pertinente a observação de Fernandes (2005, p. 415):

Por óbvio, a partir da fixação desse aspecto é que se torna compreensível porque muitas deliberações das Cortes de Contas não chegam a ser efetivadas. É consabido que, de uma forma geral, esses órgãos de representação judicial são precariamente estruturados, com carências acentuadas de recursos humanos e materiais, conservando ainda em várias unidades da federação, como titular, agente de confiança do Chefe do Poder Executivo, muitas vezes, coincidentemente, o inscrito como responsável no título executivo lavrado pela Corte de Contas (sem grifos no original).

3 Plenário do STF, RE 223.037/SE, Relator: Ministro Maurício Corrêa, DJ de 02/08/02.

4 A regra se aplica aos casos em que o patrimônio lesado pertence a órgãos da Administração direta. Em relação à Administração indireta, incumbirá ao órgão representante da respectiva pessoa jurídica propor a execução.

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Dessarte, e considerando o posicionamento do STF sobre a matéria, entendemos que a efetividade das decisões dos Tribunais de Contas está a depender de mudança na Constituição, que lhes atribua legitimidade, ao menos subsidiária, para propor, perante o Judiciário, as respectivas ações de execução, em caso de inércia dos órgãos originalmente responsáveis para tanto. Do contrário, as multas e determinações de ressarcimento fixadas pelas Cortes de Controle continuarão a padecer de força coercitiva, o que é de todo incompatível com suas funções constitucionais de tutela do erário e do interesse público subjetivo da sua regular aplicação (FERNANDES, 2005, p. 414).

No que diz respeito às recomendações proferidas pelos órgãos de controle, é fundamental que haja monitoramento do seu cumprimento junto aos jurisdicionados, tendo em vista que, se negligenciada essa rotina, as impropriedades apuradas no exercício da fiscalização tenderão a se repetir indefinidamente.

A relevância desse acompanhamento também se manifesta em certas competências, conferidas a algumas Cortes de Contas brasileiras por suas respectivas leis orgânicas, como:

aplicar multa ao administrador, em razão da reincidência no descumprimento de suas a) determinações;5

em processos de prestação ou tomada de contas, julgá-las irregulares, em caso de reincidência b) no descumprimento de determinação de que o responsável tenha ciência, feita em anterior processo de mesma natureza.6

A partir do teor das atribuições citadas, é lícito inferir que as recomendações dos Tribunais de contas detêm um certo caráter normativo-vinculativo para o administrador (ZAMBROTA, 2004, p. 257), se considerarmos que a sua inobservância pode ensejar a aplicação de sanções por parte desses órgãos de controle.

Entendemos, como Zambrota (2004, p. 257), que o reconhecimento desse viés normativo, no sentido de vincular a conduta administrativa, é condição sine qua non para a efetiva implementação do controle contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial exercido pelo Tribunal7 sob pena de mitigação dos seus efeitos institucionais.

3.2 Conferir ampla publicidade às ações de controle e divulgar as boas práticas administrativas

Ao estudarmos as definições de efetividade, vimos que uma das significações possíveis se refere à qualidade do que atinge os seus objetivos (...) de formação de imagem.

5 Cf. art. 58, VII, da Lei n. 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União) e o art. 85, VI, da Lei Complementar Estadual n. 102/08 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Minas Gerais).

6 Cf. art. 16, § 1°, da Lei n. 8.443/92 e art. 48, § 1°, da Lei Complementar Estadual n. 102/08.

7 O autor se refere especificamente ao TCU, mas a conclusão é perfeitamente aplicável aos demais Tribunais de Contas brasileiros, cujas leis orgânicas lhes confiram as mencionadas competências sancionadoras.

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Sob esse aspecto, o marketing institucional permanente se revela como uma estratégia decisiva para que os Tribunais de Contas desfrutem de boa imagem perante a sociedade. As pessoas precisam ter acesso aos resultados das ações de controle para que percebam e reconheçam a sua importância.

Além disso, a publicidade funciona como um incentivo ao controle social ou democrático, ao aproximar o cidadão do processo de fiscalização, estimulando-o a acompanhar a gestão dos recursos públicos e a denunciar irregularidades.

As iniciativas pedagógicas direcionadas aos jurisdicionados consistem em outro importante aspecto relacionado à publicidade.

Muitas vezes, as irregularidades apuradas nos procedimentos de fiscalização têm origem na desinformação dos gestores, e não em tentativas deliberadas de lesar os cofres públicos, sobretudo em municípios situados em regiões mais pobres e distantes dos grandes centros urbanos, onde, não raro, ainda persistem sérias dificuldades de acesso à informação e à instrução.

Em cenários como esses, as administrações se acham mais vulneráveis às falhas, o que, por sua vez, provoca a reiterada adoção de medidas repressivas por parte dos Tribunais de Contas, num círculo vicioso que, com o tempo, vai construindo ao redor destes a imprópria imagem de cortes punitivas e, logo, temidas.

Ora, o controle não deve ser visto como função punitiva, mas sim preventiva, corretiva e pedagógica. Portanto, aos Tribunais de Contas cabe buscar uma aproximação com seus jurisdicionados, promovendo periodicamente cursos, palestras e seminários, dentre outros eventos, com o objetivo de difundir os conhecimentos imprescindíveis, sob o prisma do controle, para a boa e regular gestão dos recursos públicos.

Nesse sentido, também ganha importância a divulgação das boas práticas administrativas. Redução de custos, maior transparência da gestão e aperfeiçoamento dos mecanismos de controle são apenas alguns exemplos de resultados positivos que alguns gestores conseguem ao implementar novas rotinas administrativas, que podem servir de exemplo e, muitas vezes, ser reproduzidas em outros contextos.

Sem sombra de dúvida, considerando-se o viés rígido e formalista que permeia nosso direito administrativo, soluções inovadoras (desde que lícitas) são muito bem-vindas.

3.3 Valorização das auditorias de desempenho

Barzelay (2002, p. 69) vislumbra a auditoria de desempenho como produto da difusão de doutrinas de gerenciamento público orientadas a resultados, e, embora reconheça a imprecisão conceitual acerca dessa nova atividade burocrática, propõe sua definição a partir de cinco critérios, que a diferenciam das auditorias tradicionais e das avaliações de programas:

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Imagem de Governo

Imagem de bom funcionamento

Objetivo principal da

revisão

Modalidade predominante

Papel do revisor/auditor

Auditoria Tradicional

máquina burocrática

Execução das transações e tarefas

efetivamente reguladas por

sistemas

Accountability de

conformidadeauditoria

Verificar as informações;

encontrar discrepâncias entre os procedimentos

observados e as normas

gerais; inferir consequências; relatar achados

Auditoria de Desempenho

cadeia de produção: insumos

processos produtos impactos

Procedimentos e produção

organizacionais funcionam de

forma otimizada

Accountability de

desempenhoinspeção

Avaliar os aspectos dos programas e das organizações

envolvidas; relatar achados

Avaliação de Programas

Intervenções orientadas ao governo com a intenção de resolver problemas coletivos

Programas públicos atingem

os objetivos; políticas públicas

promovem o bem-estar

coletivo

Fornecer informações verídicas e

úteis sobre a efetividade de políticas públicas e programas públicos

Pesquisa

avaliar a efetividade das intervenções ou medir o impacto de interferências

diversas sobre problemas coletivos

Uma vez que adotamos a classificação proposta pelo sobredito autor, pedimos vênia para transcrever suas bem lançadas considerações acerca de cada um dos critérios por ele identificados como distintivos das auditorias de desempenho:

(...) o funcionamento do governo é caracterizado como um processo produtivo de transformação de insumos e relações causais pelos quais os produtos influenciam o estado das coisas cuja melhoria é normalmente considerada o principal objetivo das políticas públicas.

(...)

(...) as principais medidas de mérito embutidas no conceito de auditoria de desempenho são a economia, a eficiência e a efetividade. (...) A imagem de uma organização governamental eficiente está associada, nesse caso, àquela na qual a atenção da administração está voltada para a otimização de processos produtivos flexíveis bem como para a adaptação dos desenhos dos programas

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em função do feedback recebido e das mudanças nas prioridades e nos objetivos das políticas públicas.

(...)

(...) o principal objetivo das auditorias de desempenho pode ser expresso como accountability de desempenho. A ideia simples por trás desse argumento é que as organizações devem ser responsabilizadas pelos resultados de sua atuação mais do que pela sua forma de funcionamento. A ideia mais complexa é que, para alguns propósitos, é melhor focalizar a atenção da administração para a otimização de processos produtivos e do desenho dos programas. Uma estratégia apropriada para esse enfoque seria a de responsabilizar indivíduos e organizações pelo atendimento de padrões razoáveis de economia, eficiência e efetividade (a operacionalização dessa estratégia pode incluir a formalização de acordos entre um órgão e seu respectivo ministério envolvendo a definição de várias metas). O objetivo da auditoria de desempenho, nesse sentido, é contribuir para a operacionalização de processos político-administrativos pelos quais a accountability de desempenho é estruturada, incentivada e controlada.

(...)

A auditoria de desempenho algumas vezes envolve auditoria ou pesquisa, mas normalmente pode ser caracterizada como um processo de inspeção. A inspeção consiste no questionamento de qualquer tipo de procedimento, não apenas aqueles relativos à administração financeira. Uma inspeção pode tanto envolver a verificação da observância dos critérios aplicáveis como também o exercício direto de julgamento instrumental.

(...)

(...) o papel do auditor de desempenho é, em grande medida, o de avaliar aspectos selecionados dos programas e das organizações. Esses auditores normalmente avaliam esses aspectos com um enfoque mais pontual do que os revisores ao realizar uma típica avaliação de programas. Diferentemente dos auditores tradicionais, os auditores de desempenho podem julgar se os meios empregados nos processos produtivos estão alinhados com as metas estabelecidas ou se foram otimizados de forma a reduzir as limitações do programa (BARZELAY, 2002, p. 33-38) (sem grifos no original).

Resta estreme de dúvidas, portanto, que a auditoria de desempenho tem enfoque diferenciado da auditoria tradicional. Enquanto essa se ocupa em verificar a regularidade do processo, aquela busca avaliar o grau de sua otimização. Uma dá ênfase ao processo em si; a outra, ao resultado dele.

Como o próprio nome sugere, o desempenho é a peça-chave dessa modalidade de fiscalização, e as principais ferramentas para mensurá-lo consistem em avaliações acerca da economia, eficiência e efetividade dos processos e programas.

Não por acaso, as auditorias de eficiência e de efetividade de programa são duas das mais utilizadas modalidades de auditoria de desempenho:

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A auditoria de eficiência examina as funções organizacionais, os processos e os elementos de programa para avaliar se os insumos estão sendo transformados em produtos de forma otimizada, especialmente no que concerne aos custos.

(...)

A auditoria de efetividade de programa examina o impacto provocado pelos programas sobre os resultados finais. (BARZELAY, 2002, p. 43)

Num primeiro momento, o objetivo da auditoria de efetividade de programa parece se confundir com o da avaliação de programas, que, como visto no quadro comparativo alhures reproduzido, consiste em modalidade de revisão governamental distinta das auditorias de desempenho.

De fato, e ainda segundo Barzelay (2002, p. 43), as conclusões alcançadas por ambas são semelhantes, mas, na auditoria de efetividade de programa, a utilização de métodos de pesquisa de ciências sociais para se alcançar conclusões é mais limitada. ademais, nesse tipo de auditoria de desempenho, o objeto da avaliação contempla apenas elementos pontuais do programa, ao contrário do que ocorre nas avaliações de programa, em que esse é avaliado como um todo.

De todo modo, a análise da efetividade das ações de governo (ou de alguns aspectos específicos dessas ações) demanda das Cortes de Contas a adoção de mecanismos de controle que lhes permitam acompanhar e avaliar os resultados daí advindos, sobretudo no que concerne aos impactos de cada medida no público-alvo correspondente.8

Assim, sob o prisma da efetividade, não basta, por exemplo, que um prefeito cumpra o índice mínimo estabelecido pela Constituição em investimentos nas ações e serviços públicos de saúde. Faz-se necessário, ainda, que os recursos aplicados revertam em benefícios para a população do Município, verificáveis por meio de indicadores, que demonstrem, por exemplo, o incremento do número ou da variedade de atendimentos realizados pelos hospitais municipais, a queda da incidência de determinada doença, a valorização das carreiras dos profissionais da saúde etc.

Conclui-se, portanto, que as auditorias de desempenho, ao elegerem modelos de gestão com foco em resultados, contribuem para aprimorar o exercício do controle externo, e, por conseguinte, sua efetividade:

As instituições de controle externo devem voltar-se para a avaliação de resultado, ou de desempenho, como ponto principal de seu trabalho, para assim poder orientar o governo para servir melhor, gastar menos e produzir mais e melhores resultados (FARIAS, 2008, p. 34).

3.4 Utilização de especialistas e consultores externos para o planejamento de tra-balhos mais complexos

Alguns procedimentos de fiscalização, por sua abrangência ou especificidade, exigem a realização de planejamentos minudentes, para os quais o corpo técnico das Cortes de Contas pode não se encontrar suficientemente capacitado.8 Para Ferraz (2004), a efetividade diz respeito aos reflexos de determinada iniciativa na sociedade como um todo, e não apenas

para o público destinatário da ação governamental.

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Em tais situações, o órgão de fiscalização, ao sopesar entre a relevância da ação de controle, seu grau de complexidade, o tempo disponível para efetivá-la e os custos envolvidos, pode eventualmente recorrer a especialistas e consultores externos, para auxiliá-lo no trabalho de planejamento.

Igualmente, os acordos de cooperação técnica com órgãos e entidades públicas e privadas caracterizam importante instrumento de intercâmbio de conhecimentos, não apenas em relação à atividade-fim dos Tribunais de Contas, mas também no domínio de suas atividades-meio, sobretudo, neste último caso, na área de tecnologia da informação.

4 Outras iniciativas

Embora pudéssemos, aqui, identificar muitas outras ações que potencializam, direta ou indiretamente, a efetividade do controle externo, julgamos dignas de nota a capacitação do corpo técnico das Cortes de Contas e a racionalização da fiscalização.

Sem dúvida, a busca da efetividade passa necessariamente pelo desenvolvimento das competências técnicas dos servidores, sobretudo no que tange à assimilação dos procedimentos de revisão governamental orientados para resultados, como as auditorias de desempenho.

Além disso, as ações de controle precisam ser pontuais, qualitativas; não quantitativas. Considerando-se que os recursos materiais e humanos à disposição da fiscalização são extremamente limitados em relação ao universo de atos administrativos a ela sujeitos, impõe-se, como solução óbvia, que as inspeções e auditorias sejam direcionadas de acordo com critérios de materialidade, risco e relevância. É o que já vem fazendo o Tribunal de Contas da União, na fiscalização de obras que envolvem recursos federais:

Com tantos sorvedouros de dinheiro público, o TCU não consegue tapar todos os buracos. Sua equipe, inclusive, é insuficiente para fiscalizar os milhares de contratos firmados pela administração pública. Como é irrealizável a tarefa de esquadrinhar todas as obras, os auditores se concentram nas de maior valor. Seguem o Princípio de Pareto, postulado matemático que ensina que 20% das causas geram 80% dos efeitos. Traduzindo: de todos os contratos públicos, o TCU audita os 20% mais caros, pois eles concentram 80% dos recursos movimentados. É um grande trabalho, que precisa ser mantido e ampliado. (PORTELA, 2010).

5 Considerações finais

Como vimos, a efetividade do controle depende de um conjunto de ações coordenadas que visam, a um só tempo, consolidar a fiscalização como atividade essencial garantidora da correta aplicação dos recursos públicos, possibilitar a otimização da gestão do patrimônio público e buscar maior aproximação com a sociedade.

Racionalizar os procedimentos de fiscalização, monitorar o cumprimento das decisões e recomendações, investir no marketing institucional e priorizar as auditorias de desempenho são bons exemplos dessas práticas que, certamente, contribuirão para conferir maior credibilidade ao controle externo exercido pelas Cortes de Contas brasileiras e torná-lo, de fato, efetivo.

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Referências

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BRITTO, Carlos Ayres. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Interesse Público. Porto alegre, notadez, n. 13, 2002.

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FARIAS, Márcia. Tendências do controle externo nos Estados Unidos. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. v. 67. n. 2, 2008.

FERRAZ, Luciano. Controle pelos Tribunais de Contas da eficiência e eficácia dos serviços concedidos. In: 3º Seminário de Direito Administrativo — Controle das Políticas Públicas — Proteção do Usuário, 2004. Disponível em: <http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/27_10_04/luciano_ferraz1.htm>. Acesso em: 11/03/10.

Houaiss, antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. 2007. versão 2.0a.

JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

meirelles, Hely lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. são Paulo: malheiros, 2006.

PORTELA, Fábio. TCU: como ele evita o desperdício de dinheiro público. Revista Veja, (online). Disponível em: <http://veja.abril.com.br/060110/desvios-subterraneos-p-042.shtml>. Acesso em: 25/03/10.

rocHa, carlos alexandre amorim. O Modelo de Controle Externo exercido pelos Tribunais de Contas e as proposições legislativas sobre o tema. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/direito/Omodelodecontroleexterno.pdf>. Acesso em: 16/03/10.

ZAMBROTA, Luciano. O caráter vinculativo das recomendações do TCU, proferidas em decisão de tomada de contas — condição de efetividade do controle externo dos gastos públicos. Revista Interesse Público. Porto alegre: notadez, n. 28, 2004, p. 252-258.

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Resumo: A promulgação da Lei Complementar n. 101, Lei de Responsabilidade Fiscal, em 4 de maio de 2000, trouxe à sociedade brasileira o mais novo marco regulatório das finanças públicas de nosso país. Essa lei representa um importante avanço no conceito de gasto público ao mesmo passo em que busca sua legitimidade pela via dialógica, na medida em que passa a exigir que o planejamento orçamentário e as metas fiscais sejam construídos também em audiências públicas. Para a efetividade de seu conteúdo normativo, a um só tempo complexo e tecnicista, os tribunais de contas, por meio do Programa de modernização dos Órgãos de controle externo (Promoex), criaram o Grupo da Lei de Responsabilidade Fiscal (GRF), que visou harmonizar os pontos de controle de maior estatura da norma. Até agora, 23 desses pontos de controle foram harmonizados, o que representa uma importante contribuição do corpo técnico dos Tribunais de Contas para o aperfeiçoamento conceitual e para a geração de segurança jurídica a todos os atores diretamente envolvidos com a atuação das Cortes de Contas. Com vistas a qualificar o gasto público, está em fase final de tramitação, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 229/09, que irá se acoplar à Lei de Responsabilidade Fiscal. Com viés nitidamente voltado para a qualidade na gestão fiscal, substituirá um importante marco regulatório, a Lei n. 4.320/64, que vem dando claros sinais de insuficiência para a gestão das instituições públicas no que concerne a planejamento, controle, pessoal e participação popular.

Palavras-chave: Lei de Responsabilidade Fiscal. Harmonização de conceitos. Despesas com pessoal. Receita corrente líquida. Audiência pública. Educação. Qualidade fiscal. Gestão para resultados e controle social.

10 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal: da idealidade à efetividade

Márcio Ferreira Kelles

Mestre em Direito Público pela PUC Minas. Especialista em Controle Externo pelo IEC. Bacharel em Ciências Econômicas e Direito pela UFMG. Coordenador do Grupo da Lei de Responsabilidade Fiscal do Promoex e integrante da assessoria da Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo (TCEMG). Professor das disciplinas Lei de Responsabilidade Fiscal, Controle de Contas Públicas e Direito Financeiro. Autor do livro Controle da Administração Pública democrática: os Tribunais de Contas no controle da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Abstract: The enactment of Complementary Law n. 101, Law of Fiscal Responsibility, on May 4th 2000, brought to the Brazilian society the latest regulatory framework for public finances in our country. It represents an important advance in the concept of public spending and at the same time it seeks legitimacy through dialogue, as it proceeds to demand that the budgetary planning and the fiscal goals be structured in public hearings. For the effectiveness of its normative content, at the same time complex and technical, the Audit Courts, through Program for Modernization of External Control Organs (PROMOEx), have created the Group of Law of Fiscal Responsibility (GRF), which sought to harmonize the check points of wider stature of the rule. Up to now 23 of these check points have been harmonized, which represents an important contribution from the technical body of the Audit Courts for the conceptual improvement and the generation of judicial security to all actors directly involved with the performance of the Audit Courts. Aiming to qualify the public spending, the PLS-229/09 is in its final phase of processing, in the National Congress, which will add to the Law of Fiscal Responsibility with an aim towards quality in fiscal administration. It will replace an important regulatory framework, Law n. 4.320/64, which has been giving clear signs of inadequacy in the administration of public institutions regarding planning, control, personnel and popular participation.

Keywords: Law of Fiscal Responsibility. Concepts harmonization. Personnel expenditures. Current net earnings. Public hearing. Education. Fiscal quality. Administration for results and social control.

Sempre que a relevância do discurso entra em jogo,a questão torna-se política por definição,

pois é o discurso que faz do homem um ser político.(Hannah Arendt, em A Condição Humana)

1 O ambiente fiscal brasileiro

Após 10 anos da promulgação do mais importante marco regulatório fiscal brasileiro, inúmeros benefícios vêm sendo sentidos em todas as esferas da Administração Pública brasileira. Há, inegavelmente, uma maior preocupação do gestor público com a alocação dos recursos retirados da sociedade para financiar as políticas públicas. Antes do advento desse novo regime e da nova práxis fiscal por ele implementada, raríssimos eram os administradores que se valiam de instrumentos de política fiscal. Trabalhar o ciclo orçamentário, percorrendo a trindade orçamentária com coerência, estrutura, consistência e harmonia entre programas e ações era algo impensável ou de dificílima concretude. A cena sempre foi permeada pela prática da irresponsabilidade fiscal, com geração de deficits imoderados, originados por políticas clientelistas e eleitoreiras que não tinham compromisso com o equilíbrio entre receitas e despesas. Nesse sentido se alinha o pensamento de Nóbrega (2002, p. 27), para quem a história dos orçamentos no Brasil, nos últimos 30 anos, mostra o descompromisso com a questão do planejamento, que se transformou em ‘peça de ficção’, pela superestimação da receita e a postergação da despesa. tudo isso sem levar em conta o crescimento vegetativo da despesa pública, fenômeno recorrente com aderência de características da sociedade moderna, que tem demandado, de forma crescente, mais serviços, segurança, informática, transporte, saúde, educação, cultura... Para Giacomoni1 1 giacomoni, 2007, p. 23.

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Uma das características mais marcantes da economia do século XX é o crescente aumento das despesas públicas. Tal situação é encontrada não apenas nos países de economia coletivizada, onde o Estado, por definição, é o grande agente econômico, mas também nas nações capitalistas avançadas, defensoras da livre iniciativa e da economia de mercado.

A consequência natural era a formação de dívidas sem lastro fiscal que as sustentassem.2 Pior, dívida formada por obrigações assumidas sem compromisso com a legitimidade da despesa, algo que deve ser repudiado no ambiente republicano. É verdade que parcela da inexecução de diversos instrumentos da LRF se deu em razão da falta de compreensão de vários comandos de difícil interpretação jurídica.

Após esse diagnóstico da dificuldade de vários administradores para dar cumprimento e efetividade à norma, os Tribunais de Contas iniciaram um amplo programa de capacitação de seus jurisdicionados, que teve início em 2002, com o apoio do Ministério do Planejamento.3 O objetivo era formar um corpo técnico com compreensão suficiente para dar concretude a uma visão da administração pública focada na busca incessante do equilíbrio fiscal e da legitimação do gasto público pela via dialógica, de maneira que as políticas públicas fossem fruto de consensos obtidos em Audiências Públicas. Seu maior benefício tem sido a tomada de uma nova consciência na geração de receita e na execução da despesa pública, permeada pelo necessário estágio do planejamento das políticas públicas.

Na quadra das audiências públicas, a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe um salto de qualidade na geração da despesa, ao exigir que a mesma seja referendada pela participação popular, de sorte a ofertar o maior espectro de oportunidades de acesso aos recursos públicos pela via redistributiva da alocação dos mesmos na tríade orçamentária.

Já era esse o vetor constitucional, em face do disposto nos arts. 1°, III, 3°, I e III e 165, § 7°, da Constituição da República, com a clareza de Pontes de Miranda, de que Constituição é o outro nome da igualdade. devemos sempre ter em vista que constituição é rumo, é norte hermenêutico, e que seus princípios irradiam todo o conteúdo de oportunidades para a ordem jurídica, seja ela da esfera pública ou privada. Agora, ademais, temos a norma complementar dando suporte e validade para a mais ampla consecução de uma política fiscal lastreada em responsabilidade fiscal e gerencial, com audiências públicas regionais que reflitam a aspiração popular e as necessidades de atendimento aos requerimentos da cidadania.

Ao se buscar a via da capacitação dos aplicadores da norma, os Tribunais de Contas se defrontaram com outro grave problema a ser enfrentado: eles próprios tinham visão e percepção diferentes dos diversos dispositivos da norma infraconstitucional. Essa divergência interpretativa trazia

2 Em larga medida, a dívida pública, principalmente a municipal, é produto do gap fiscal embutido no nosso federalismo mitiga-do, cuja concentração das receitas na União revela sua natureza centrípeta. FIGUEIREDO (2006, p. 210) analisa: A Constituição Federal de 1988 marcou o processo de redemocratização do país, ao passo que conferiu uma vertente de welfare state ao Es-tado brasileiro, conferindo uma ampla gama de direitos sem lastro fiscal para sustentá-los. Partiu de uma premissa pueril que determinava que, na medida em que as garantias do cidadão foram ampliadas, deveria ser conferido equivalente aumento de benesses econômicas propiciadas pelo Estado.

3 Programa Nacional de Treinamento. Lei de Responsabilidade Fiscal. Manual Básico de Treinamento para Municípios. Ministério do Planejamento, 2001.

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uma inevitável insegurança jurídica entre nossos jurisdicionados. Sensível à necessidade de se buscar uma solução urgente para esse problema, as entidades representativas do conjunto dos Tribunais de Contas, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) e o Instituto Rui Barbosa (IRB) propuseram, no âmbito do Promoex, a criação do Grupo de Harmonização de Conceitos da LRF, cujo objetivo central era buscar consensos interpretativos para os pontos de controle da LRF, considerados primordiais. Assim, o objetivo fundamental do IV Fórum foi buscar uma convergência conceitual entre os Tribunais de Contas acerca dos principais pontos de controle inseridos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Outro grande desafio já se descortina para o conjunto da Administração Pública brasileira: a iminente aprovação do PLS-229/09, que redundará na Lei de Qualidade Fiscal. essa lei Complementar criará novas regras para o planejamento, gestão de pessoas, controle interno, externo e social, além de fazer uma readequação de vários dispositivos da LRF. Será uma norma que vai se acoplar à LRF, formando uma supernorma referencial não apenas para a responsabilidade fiscal, mas, sobretudo, para a qualidade da gestão fiscal.

2 A busca da harmonia conceitual

Escrevemos, na Revista Promoex de 2 de novembro de 2009, que, em 2007, foi realizado o IV Fórum do IRB/Promoex,4 na cidade de Florianópolis, onde 29 representantes dos 33 Tribunais de Contas do Brasil envidaram um enorme esforço para buscar a harmonização daqueles que foram considerados os mais sensíveis pontos de controle da LRF. Naquela oportunidade, conseguimos consenso para Receita Corrente Líquida, Despesas com Pessoal, publicação de relatórios, resultado primário e nominal, resultado orçamentário e financeiro, publicidade do planejamento e do relatório de gestão fiscal, assunção de obrigação em final de mandato, dentre outros.

Em maio de 2009, foi realizado o VII Fórum IRB/Promoex,5 na cidade de São Paulo, que contou, também, com um grupo que procurou avançar na busca pela harmonização de vários outros pontos de controle. Na oportunidade, obteve-se consenso para Disponibilidade de Caixa e Restos a Pagar, Previdência e Assistência à Saúde na apuração da despesa de pessoal, apuração da Dívida Consolidada Líquida, apuração das Operações de Crédito x Regra de Ouro, Emenda Constitucional n. 25 — metodologia de apuração dos limites.

As deliberações de ambos os fóruns proporcionaram a harmonização de 23 dos 28 pontos de controle da LRF, definidos como primordiais. Referidas conclusões encontram-se disponíveis no sítio eletrônico do IRB,6 bem como no portal dos Tribunais de Contas.7 a partir de agora, o grande desafio que temos pela frente é dar efetividade a elas, em face de seu caráter não vinculativo para as Cortes de Contas, posto situarem-se no âmbito exclusivo do corpo técnico dessas instituições. Para tanto, impõe-se um esforço para a divulgação das conclusões obtidas e um trabalho de convencimento de que as referidas harmonizações conceituais

4 <http://www.controlepublico.org.br/images/stories/Relatorio_IV_Forum.pdf>.

5 <http://www.controlepublico.org.br/index.php/publicacoes/relatorios>.

6 <www.irbcontas.org.br>.

7 <www.controlepublico.org.br>.

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podem redundar em maior segurança jurídica,8 tanto para cortes de contas quanto para seus jurisdicionados, inaugurando uma importante padronização deliberatória para o universo dos 33 tribunais de contas do brasil.

Algumas dessas deliberações são emblemáticas, em face do conteúdo tratado e em face da extensão de suas repercussões. Por esse motivo, traremos as principais conclusões obtidas em alguns desses pontos de controle harmonizados.

3 Alguns pontos de controle primordiais

3.1 Gastos com pessoal: um complexo e desafiador ponto de controle

Um dos pontos que suscitaram maior debate foi a possibilidade ou não de exclusão do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). O argumento prevalecente foi de que o IRRF não está na lista de exclusões do art. 19, § 1°, da LRF e que é princípio orçamentário a escrituração pelo valor bruto, não sendo dado a ninguém o direito de registrar o valor líquido. A conclusão quase unânime do grupo foi pela impossibilidade jurídica de se fazer a exclusão do IRRF no cálculo da Despesa Total com Pessoal (DTP).9

Outro importante quesito, ainda no âmbito das despesas com pessoal, foi a possibilidade ou não de exclusão de inativos e pensionistas. A conclusão dos participantes foi no sentido de que é impossível sustentar a exclusão de inativos e pensionistas dos gastos com pessoal, tendo em vista a expressa inclusão dos mesmos no caput do art. 18 da LRF.

relativamente às verbas indenizatórias, o tema foi debatido como gênero, não se chegando a discutir as diversas espécies potencialmente enquadráveis como indenizatórias, como os auxílios alimentação, moradia, creche, escola e transporte. A conclusão unânime do Grupo II foi no sentido de que as verbas indenizatórias não fazem parte do cômputo de despesas com pessoal, pois não decorrem do esforço direto do trabalho que deve ser remunerado, mas, sim, da indenização por atividade alheia a este. O art. 18 da LRF não comporta dúvidas ao assinalar que decorrem de despesas com pessoal quaisquer espécies remuneratórias, além daquelas textualmente exemplificadas. Acresce-se, ainda, o fato de que a verba indenizatória sequer compõe a folha de pagamento, posto que sua feição é tudo, menos remuneração, e, se não integra referida folha, não haveria como ser excluída. Finalmente, as verbas indenizatórias não integram o rol de exclusões taxativas e em numerus clausus constantes do art. 19, § 1°, da LRF.

3.2 Receita corrente líquida: o denominador comum de todos os limites

Conhecer os meandros conceituais desse importante ponto de controle é um dos grandes desafios a cargo dos Tribunais de Contas e, juntamente com a DTP, eles formam o binômio de maior estatura da LRF.

8 Segurança Jurídica é o princípio da garantia da aplicação objetiva da lei, de maneira que as pessoas possam saber quais são as suas obrigações e seus direitos (VASQUEZ, Emílio Fernandez) apud diniz, 2002.

9 art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

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o primeiro ponto enfrentado foi o relativo à possibilidade ou não de exclusão do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) do cálculo da Receita Corrente Líquida (RCL). após um grande e produtivo debate, foram apresentadas algumas linhas de raciocínio que foram determinantes no convencimento do grupo. A representante da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) lembrou que a Lei de Responsabilidade Fiscal abrange todo o ciclo de gestão, não se restringindo apenas aos aspectos financeiros. Nesse sentido, citou os arts. 4°, 5° e 7°, que tratam de matéria orçamentária, bem como o art. 50, que trata de contabilidade, para sustentar que a contraposição entre matéria orçamentária e financeira alegada pelo Parecer não existia. Sustentou, ainda, que a forma como é feito o pagamento do imposto não altera a sua natureza de receita tributária definida na legislação e acrescentou que uma eventual consideração de valores líquidos feriria também o princípio do orçamento bruto,10 pelo qual as receitas e despesas devem ser apresentadas em valores brutos, explicitando-se todas as deduções. Defendeu, ainda, que as exclusões da LRF são sempre exaustivas, enquanto as inclusões podem ser exemplificativas. Sendo assim, e não tendo a LRF arrolado o IRRF dentre as exclusões possíveis, deveria o mesmo compor a receita corrente líquida dos respectivos entes.

A representante do TCU defendeu a posição de que a exclusão do IRRF sob o argumento de receita fictícia, por não gerar um efetivo aporte financeiro para o ente público arrecadador, poderia gerar inconsistências em diversas outras esferas. Apresentou, como exemplo, a hipótese de a União retirar o IRRF, retido dos seus servidores, do cálculo da receita corrente bruta, o que teria impacto na base de cálculo dos repasses a título de Fundos de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM), por não representar ingresso financeiro real. Ao analisar a questão sob outra ótica, tal entendimento reduziria sobremaneira a receita corrente líquida federal, o que poderia vir a comprometer a apuração dos limites de pessoal dos 64 Poderes e órgãos autônomos da União, com limite próprio definido na LRF, além de reduzir a base de cálculo do limite de educação imposto à União, nos termos do art. 212 da Constituição (18% da receita dos impostos). Segundo a representante do TCU, tal exclusão não encontra amparo na sistemática do ordenamento jurídico.

O representante do Ministério Público da União corroborou com o entendimento da STN e TCU, enfatizando que tal exclusão, em face dos dispositivos constitucionais, poderia ser levada ao Supremo Tribunal Federal. Segundo sua interpretação, assim como a União não pode excluir o IRRF do cálculo das repartições constitucionais, os Estados e Municípios também não poderiam excluí-lo da base de cálculo da RCL, em face do princípio da simetria constitucional. O representante do Ministério Público da União (MPU) enfatizou, também, que as exclusões previstas na LRF são exaustivas, não permitindo interpretações analógicas de outros dispositivos legais.

Houve consenso entre os técnicos presentes de que todas as receitas devem ser registradas pelo seu valor bruto, para fins do cálculo da RCL, pois as deduções só podem ocorrer onde a lei especificar ou facultar.

O grupo firmou o entendimento, com a posição majoritária dos técnicos presentes, de que a exclusão do IRRF não tem sustentação jurídica ou contábil.

10 O princípio do orçamento bruto estatui que todas as parcelas da receita e da despesa devem aparecer no orçamento em seus valores brutos, sem qualquer tipo de dedução. A regra pretende impedir a inclusão, no orçamento, de importâncias líquidas, isto é, a inclusão apenas do saldo positivo ou negativo resultante do confronto entre as receitas e as despesas de determinado serviço público. (GIACOMONI, 2007, p. 77), apud SILVA, 1962.

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outro importante ponto de debate foi quanto à exclusão da contribuição do servidor para o Fundo de Saúde. Esse foi certamente o mais polêmico ponto de discussão dos participantes. Os argumentos expendidos pelo representante do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) foram acompanhados pela maioria simples dos presentes e se firmaram no conceito de que a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de assistência social constitui-se num dos itens a serem deduzidos do cômputo da Receita Corrente Líquida, conforme inteligência da alínea c do inciso IV do art. 2° da Lei de Responsabilidade Fiscal, a seguir transcrito:

Art. 2° Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

(...)

IV — receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:

(...)

c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9° do art. 201 da Constituição.

A tese da exclusão foi contraditada pelos representantes da STN e MPU, com o fundamento de que o dispositivo supracitado refere-se à exclusão, apenas, da previdência e assistência social, não podendo ser feita uma interpretação analógica para excluir, também, a saúde, tendo em vista que a Constituição Federal faz uma nítida diferença entre os três sistemas. Segundo os defensores dessa tese, se o legislador quisesse excluir as contribuições dos servidores para os fundos de saúde, teria se referido ao Sistema de Seguridade Social, que se compõe de saúde, previdência e assistência social. A representante da STN reiterou que as exclusões da LRF são sempre exaustivas.

A representante do TCU levantou a hipótese de possível imprecisão do legislador complementar ao utilizar, na alínea c em foco, a expressão contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social. Para fundamentar a sua tese, registrou que, segundo as disposições do art. 149 da Constituição, apenas a União pode instituir contribuições sociais (que financiam a seguridade social), de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, podendo os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituírem, tão somente, contribuição de melhoria (inc. III, art. 145), contribuição para o custeio do respectivo regime de previdência de que trata o art. 40 e § 1° do art. 149, e contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (art. 149-A).

Atentou a representante do TCDF para o fato de que o procedimento de inclusão das referidas receitas apresentaria o risco de inflar artificialmente a receita corrente líquida.

Ao final, prevaleceu a tese da exclusão da referida contribuição, em face dos argumentos acima apresentados.

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Debate importante ocorreu em relação à exclusão da anulação de Restos a Pagar do cálculo da RCL.

o grupo, por unanimidade, deliberou que o melhor entendimento técnico é que não se contabilize como receita orçamentária as anulações de restos a pagar. Tal recomendação técnica deverá ser levada a efeito pela Secretaria do Tesouro Nacional, por meio de normas de contabilização. Enquanto houver tal registro, deverá ser excluído da base de cálculo, tendo em vista tratar-se de duplicidade no registro das receitas arrecadadas, com fundamento no § 3° do art. 2° da LRF.

Não foi diferente o debate acerca da possibilidade de exclusão das receitas vinculadas, como as provenientes de recursos de transferência do Sistema Único de Saúde, dos royalties de Compensações Financeiras e do Salário Educação/FNDE do cálculo da Receita Corrente Líquida.

Os defensores da tese da exclusão dos recursos vinculados e transitórios alegam que, se considerados esses recursos, os limites ficarão bem superiores à capacidade real de endividamento ou absorção de despesas correntes do ente público. Foram citados exemplos de municípios que comprometem mais de 100% das suas receitas correntes, excluídos os recursos oriundos dos royalties do petróleo, com despesa de pessoal.

A representante da STN defendeu que a concepção da RCL não segue a lógica orçamentária, à qual se atrelam as vinculações. Sua finalidade é servir de parâmetro ou denominador para definição e apuração dos limites máximos previstos pela LRF. Os limites, por sua vez, são tetos para gasto e não autorizam despesas; apenas o orçamento autoriza despesas. Não tendo a LRF citado tais receitas vinculadas no rol das exclusões possíveis, deveriam as mesmas compor a receita corrente líquida dos respectivos entes.

A representante da STN acrescentou, ainda, que o pleno exercício das funções dos Tribunais de Contas transcendia, em muito, a verificação do cumprimento dos limites estabelecidos na LRF. Assim, a preocupação com o equilíbrio fiscal deveria nortear a análise e as recomendações dos tribunais, sem afetar o cálculo da RCL, definido taxativamente na lei. Sugeriu que, para maior transparência, fosse estudado como evidenciar a utilização de recursos vinculados nos demonstrativos da RCL e das metas fiscais.

O entendimento majoritário foi o de que não há fundamentação jurídica plausível para a exclusão das receitas vinculadas (royalties, SUS, Salário Educação do FNDE e Transferências Voluntárias) da base de cálculo para a Receita Corrente Líquida. Devem ser buscados outros mecanismos, nas normas gerais de Direito Financeiro, para análise e demonstração dos riscos futuros de desequilíbrios nas contas públicas.

Finalmente, no âmbito da Receita Corrente Líquida, tratou-se da possibilidade de incluir a perda com o Fundeb.

O fundo previsto no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Federal, anteriormente denominado Fundef e hoje Fundeb, adota uma sistemática própria para a arrecadação e distribuição dos recursos destinados aos estados e municípios. As receitas decorrentes do FPE, FPM, ICMS, IPI-exp, ITCMD, IPVA e ITR são registradas pelos seus valores brutos, independentemente do desconto automático para

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o fundo. O recurso, ao ingressar na conta específica do fundo, gera um novo registro de receita, acarretando uma dupla contagem, que será solucionada com lançamentos em contas retificadoras de receitas.

A redistribuição dos recursos do fundo, por vezes, pode acarretar perda de receita de impostos de um ente para outro integrante do sistema estadual, quando o valor pago ou retido é superior ao montante recebido. Nesses casos, a diferença a menor será contabilizada como despesa efetiva na manutenção e desenvolvimento do ensino, que, na prática, é aplicada por outro ente que obtém ganho com a operação.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, no § 1° do art. 2°, determina que sejam computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência do fundo previsto no art. 60 do ADCT. O que ocorre, na prática, é a não redução do valor integralmente pago ao fundo, aumentando a rcl.

O grupo entendeu, com exceção da abstenção dos Tribunais de Contas dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e do voto contrário do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que deve ser deduzida toda a parte contribuída ou paga para o Fundeb no cálculo da receita corrente líquida, em atendimento ao disposto nos §§ 1° e 3° do art. 2° da LRF.

3.3 Assunção de obrigação no final de mandato (art. 42 da LRF)

As discussões giraram em torno das expressões abaixo assinaladas, da redação do art. 42 da LRF:

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

Eis as conclusões:

3.3.1 Obrigação de despesa: ocorre por ocasião da celebração, aditamento ou prorrogação de contrato ou congênere.

3.3.2 Contraída a obrigação de despesa: formalização do contrato ou congênere ou seu aditamento ou prorrogação.

3.3.3 Cumprida integralmente: obrigação de despesa contraída, realizada e paga nos dois últimos quadrimestres do mandato (empenho, liquidação e pagamento).

3.3.4 Parcelas a serem pagas no exercício seguinte: não cumprida integralmente e de competência do exercício corrente (devem ser inscritas em Restos a Pagar).

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3.3.5 Despesas compromissadas: despesas de competência do exercício em que se está realizando a apuração. A título de exemplo, citam-se: serviços de natureza continuada de competência do exercício; obras, conforme cronograma físico-financeiro; bens entregues ou a entregar até o final do exercício; pessoal e encargos de competência do exercício; Restos a Pagar de anos anteriores, cujas obrigações subsistam.

Adicionalmente, concluiu-se:

3.3.6 Em caso de vacância do titular do Executivo para concorrer a novo mandato eletivo, a contagem dos dois últimos quadrimestres será iniciada em 1° de maio. Caso o final do mandato não coincida com o ano civil, serão considerados os últimos oito meses de mandato.

3.3.7 A existência de responsabilidade solidária nas substituições por vacância somente poderá ser definida quando do exame do caso concreto.

3.3.8 Despesas compromissadas deverão ser inscritas em Restos a Pagar independentemente da disponibilidade de caixa.

3.3.9 Obrigação de despesa é diferente de obrigação de pagamento; a primeira ocorre com a celebração, aditamento ou prorrogação de contrato ou congênere e a segunda decorre da liquidação da despesa.

3.3.10 Na obtenção da disponibilidade de caixa em final de mandato dos demais Poderes e órgãos, deverá ser efetuada a comparação dos Restos a Pagar com as disponibilidades de caixa, considerando, em cada caso, o cumprimento da programação financeira pelo Poder Executivo.

3.3.11 As obrigações não escrituradas (não empenhadas) devem ser consideradas na verificação do cumprimento do art. 42.

3.3.12 Na apuração das disponibilidades financeiras/obrigações, devem ser segregados os recursos vinculados.

3.3.13 Precatórios não pagos serão inscritos em Restos a Pagar, seguindo a regra do parágrafo único do precitado art. 42.

3.3.14 O art. 42 faz referência à disponibilidade de caixa, não estando incluídos, portanto, os haveres financeiros.

3.3.15 A apuração da disponibilidade de caixa deve segregar os recursos vinculados. Há casos, como os contratos de repasse, em que o ente contrai obrigação de despesa que não é de sua responsabilidade direta, o que deve ser mitigado no exame do cumprimento desse dispositivo.

3.3.16 Não constitui entendimento unânime dos TCs, representados na reunião, que o descumprimento isolado do art. 42 é motivo suficiente para rejeição das contas anuais dos titulares de Poderes e Órgãos de que trata o art. 20 da LRF.

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3.4 Realização das audiências públicas de que tratam os arts. 9°e 48 da LRF:

O tema das audiências públicas tem incursão direta no princípio constitucional da democracia participativa, corolário do art. 1°, parágrafo único da Carta Fundamental, que orienta toda uma formulação de políticas públicas11 voltadas para a obtenção de legitimidade democrática. O tema é cognato ao da transparência e ínsito ao conceito de gestão fiscal responsável e compõe um dos pilares estruturantes ou fundamentais da norma fiscal, revelando sua essencialidade. Nesse compasso de idéias, encontramos o pensamento do ministro Gilmar Mendes (2001, p. 334), para quem:

O princípio da transparência ou clareza foi estabelecido pela Constituição de 1988 como pedra de toque do Direito Financeiro. Poderia ser considerado mesmo um princípio constitucional vinculado à ideia de segurança orçamentária. Nesse sentido, a ideia de transparência possui a importante função de fornecer subsídios para o debate acerca das finanças públicas, o que permite uma maior fiscalização das contas públicas por parte dos órgãos competentes e, mais amplamente, da própria sociedade.

Os participantes do IV Fórum do Promoex ressaltaram a importância das audiências públicas12 e da divulgação de seus temas e conclusões, tempestivamente, para o conhecimento de todos. O portal dos tribunais de contas deverá divulgar a data da realização, o meio de divulgação e o tema a ser tratado nas referidas audiências públicas.

3.5 Emenda Constitucional n. 25: metodologia de apuração dos limites

Este foi um dos pontos de controle mais importantes no VII Fórum do Promoex. Dentre as diversas conclusões obtidas pelos técnicos dos Tribunais de Contas, destacam-se:

Quanto ao I) limite fixado para o subsídio, concluiu-se que, embora seu referencial seja em percentual, sua fixação deve expressar um valor monetário (numérico), no momento de sua fixação. Essa expressão monetária pode sofrer reajuste apenas por meio da revisão geral anual prevista constitucionalmente;11 A literatura é incipiente, mas já impressiona pelo dinamismo de sua expansão, impulsionada não apenas pelo compreensível

anseio de restringir ao necessário a discricionariedade político-administrativa, como de evitar ao máximo os arbítrios cometidos a pretexto de exercê-la. Mais recentemente, já em 2006, as políticas públicas foram assunto recorrente do Congresso Inter-nacional de Direito Administrativo, promovido por sua Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro, com a presença de expositores da Argentina, da Espanha, da França, da Itália e nacionais, ainda que não tenha sido o seu tema central. Na ocasião, entre os palestrantes brasileiros, mencionaram-nas Vanice Lírio do Valle, ao tratar da flexibilização do conceito de competência à luz da solidariedade; Odete Medauar, ao referir-se como a relação entre Estado e Sociedade interfere na sua formulação e ao fazer uma justa crítica ao sentido distorcido que se tem empregado a expressão entre nós, na linguagem menos rigorosa da comunicação social; Carlos Ari Sundfeld, ao mencionar a dificuldade de submeter as políticas públicas no tempo; Ricardo Lobo Torres, apontando concretamente, no gerenciamento do Fuste, no Brasil, o exemplo gritante de uma política pública escancara-damente descumprida, e Marcos Juruena Villela Souto, ao profligar as políticas públicas demagógicas e falsas, pois, afinal, não se vinculam a nenhum valor constitucional e que, por isso, não são nem políticas públicas nem, muito menos, constitucional-mente eficientes (MOREIRA NETO, 2008, p. 64).

12 Art. 9, § 4° Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no § 1° do art. 166 da constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais.

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

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No que toca à anterioridade da fixação dos subsídios, ponto que sempre preocupou os Tribunais II) de Contas, os técnicos consensaram, para fins de atendimento ao princípio da impessoalidade e da moralidade pública, que a anterioridade da fixação do ato remuneratório deve ser entendida como sendo anterior ao pleito eleitoral;

relativamente ao III) subsídio percebido pelo Presidente da Câmara, concluiu-se que o mesmo não possui vinculação com o subsídio do Presidente da Assembléia Legislativa, podendo ser diferenciado do subsídio dos demais vereadores. Entretanto, devem ser observados, rigorosamente, os limites máximos estabelecidos para o subsídio do vereador, definidos no art. 29-A, da Constituição Federal;

Finalmente, em relação à IV) percepção de 13° salário (subsídio) e férias para os agentes políticos, os técnicos entenderam, majoritariamente, que os Secretários Municipais têm direito a férias e 13°, pois, ainda que considerados constitucionalmente como agentes políticos, os mesmos não exercem cargos eletivos (a exemplo de Prefeito, Vice e Vereadores). Em verdade, os Secretários Municipais equiparam-se a ocupantes de cargo em comissão e, assim, exoneráveis ad nutum.13 Portanto, são servidores públicos e assujeitados a todos os direitos e vantagens previstos no art. 7°, por força do disposto no art. 39, § 3°, ambos da Constituição Federal.

4 Educação para a qualidade fiscal

O desenho do mitigado federalismo brasileiro, inclusive o federalismo fiscal, de natureza centrípeta, concentrador e centralizador, tem dado sinais inequívocos, para os entes subnacionais, de que a formulação das políticas públicas dos macroinvestimentos seguirá conduzida pelo modelo cabrestante.

É evidente que a União gera mais de dois terços da carga tributária nacional, subtraindo, das famílias e empresas dos Estados e Municípios, parcela substantiva da renda ali gerada, impossibilitando o autodesenvolvimento desses. no momento em que essa renda migra para as burras do governo federal, Estados e Municípios tornam-se dependentes do retorno desses recursos para financiar as demandas locais. A apropriação indébita, no conceito federativo, gera não apenas dependência para financiamento, mas também insuficiência de recursos para financiar a capacitação de quadro técnico próprio, de sorte que a produção dos projetos estruturais pudesse ser desenvolvida localmente.

Essa debilidade deve ser suprida, em parte, pela compensação da atuação de outros organismos públicos que possam auxiliar Estados e Municípios a suprirem a demanda reprimida por formulação de políticas públicas, incluindo aí o entendimento do que seja planejamento e a importância do orçamento como instrumento de efetivação e cristalização das demandas setoriais.14

13 A etimologia da expressão latina consagrada no Direito Administrativo Brasileiro significa, literalmente, a um aceno da cabeça, que modernamente significa que o servidor de recrutamento amplo está sujeito ao afastamento do cargo sem que haja a neces-sidade de justificação ou motivação do gestor público.

14 Veja trecho do documento elaborado pela Secretaria do Conselho Técnico de Economia e Finanças como subsídio às discussões da 1a Conferência de Técnicos em Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários (1940, p. 42): O quadro que acabava de ser visto não podia ser mais impressionante, nem podia haver para o governo mais chocante revelação: as finanças públicas sem conta-bilidade, sem estatísticas; os balanços fictícios e os orçamentos elaborados arbitrariamente sobre cálculos, que eram simples conjeturas. Daí o arbítrio tributário; a confusão fiscal; a injustiça na arrecadação e até o crime no emprego dos dinheiros públi-

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O modelo proposto é de um federalismo cooperativo, no qual todos os agentes participantes possam distribuir, de forma equitativa, a renda produzida pelo esforço de todos. Esse é o conceito do federalismo dual que reinou nos estados unidos, pelo menos até a grande depressão, ao migrar de uma confederação cuja marca substantiva é a soberania das unidades parciais.15

O que nos importa é a compreensão de que o federalismo contemporâneo aja por meio de propostas de trabalho que possuam intergovernabilidade e a transversalidade de ações, numa visão de governança na gestão pública que transcenda ao modelo obtuso de competências estanques. Tudo isso sem ameaçar o princípio da segregação de funções. A Lei Orgânica do TCEMG evidencia uma visão estratégica contemporânea ao estatuir em seu art. 33: A Escola de Contas destina-se a promover ações de capacitação e desenvolvimento profissional dos servidores do Tribunal, bem como difundir conhecimentos aos gestores públicos, de forma a contribuir para a efetividade do exercício do controle externo. Nosso propósito é concentrar a atenção nas imprecisões técnicas e inefetividades em que se transformaram os orçamentos públicos, com falhas abissais no planejamento, elaboração, discussão, aprovação e controle.

A pretensão é sairmos da quimera em que se transformaram os orçamentos públicos no Brasil para um patamar de aderência com a realidade. Comungamos com a repulsa de Nóbrega (2002, p. 91), para quem:

Não era incomum encontrar em pequenos municípios casos em que a receita arrecadada no exercício anterior girava em torno de 5 milhões de reais ao passo que a proposta orçamentária para o ano seguinte previa 60 milhões de reais de arrecadação. Ora, somente uma grande e extraordinária mudança econômica na região poderia chancelar tal nível de receitas.

Como se pode perceber, os desafios para um salto de qualidade só serão efetivos quando um vigoroso programa de capacitação continuada16 for paralelamente implantado. e toda essa revolução nos traz uma enorme preocupação quanto à questão da capacitação. É que até hoje percebemos uma grande deficiência na compreensão dos postulados do Estatuto Nacional das Licitações — Lei n. 8.666/93, que há dezessete anos vem causando grande aflição, no entendimento de seus enunciados, a todos os seus operadores. No mesmo sentido nos preocupam as carências quanto à compreensão conceitual dos diversos pontos de controle da LRF, que há dez anos mudou o paradigma fiscal brasileiro, sem que, contudo, se fizesse acompanhar de um vigoroso cumprimento de seus postulados por parte de dezenas de milhares de seus operadores, isso ocasionado, em larga medida, por um enorme passivo intelectual.

cos. O Código dos Interventores, refletindo este ambiente, determinou a padronização dos orçamentos dos Estados e Municípios. A lei, entretanto, não pôde ser cumprida. Faltava o conhecimento técnico generalizado para que se enfrentasse um problema tão sério.

15 Para melhor compreensão da migração do modelo confederalista para o federalista, sugerimos a leitura de O federalista. (JOHN JAY, Hamilton. BH: Líder, 2003. p. 1.757-1.804).

16 A formação contínua goza, hoje (numerosas pesquisas o confirmam), de um amplo consenso no serviço público, o que pode ser considerado como uma evolução radical em relação à situação anterior a 1989, que privilegiava apenas a preparação para os con-cursos internos. Citamos, entre os fatores que contribuíram para esta mudança: o desenvolvimento das estruturas encarregadas da formação, os recursos financeiros e materiais utilizados, a implicação hierárquica, a evolução das missões das administrações e a pressão do ambiente profissional. (ALECIAN, 2001, p. 337)

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Nesse sentido, é grande a expectativa que se nutre quanto à atuação das Escolas de Governo,17 principalmente as de Contas, posto que a maior parte dos conteúdos a serem aclarados são de competência das Cortes de Contas. Esse é o norte pedagógico determinado no art. 39, § 2°, da Constituição Federal, que pontifica:

A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.

Não há dúvida quanto ao caráter imperativo da capacitação, mas o desafio é ainda complementado com a necessidade de qualificar a capacitação,18 exigindo um sério e eficaz levantamento das necessidades de treinamento, de forma a se obter o máximo de efetividade das ações pedagógicas. Todo esse processo deve estar alinhado com indicadores que possam aferir o desempenho e a adequabilidade do treinamento. É evidente tratar-se de uma visão estratégica integrada à inteligência competitiva de Estado. Nenhum país do mundo logrou saltar para o patamar de desenvolvimento sem investimento maciço em política educacional, recurso indispensável para o desenvolvimento organizacional.

com vistas a atender a essa enorme demanda, o tribunal de contas do estado de minas gerais iniciou um processo no sentido de institucionalizar tal política educacional, através de sua Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo que, desde 1995, mantém curso regular de especialização em finanças públicas.

Com a oferta atual do curso de especialização em Controle Externo e Avaliação da Gestão Pública para seu corpo técnico, o TCEMG busca manter o nível de exigência que a sociedade legitimamente espera da Corte de Contas. Para atender à demanda de capacitação de seus jurisdicionados, a Escola de Contas procede a um levantamento das necessidades de treinamento, a partir da detecção, no exame dos processos a cargo do TCEMG, das deficiências de conhecimento técnico específico.

De posse desse diagnóstico, o TCEMG iniciou, em abril deste ano, um ciclo de encontros técnicos nas macrorregionais do Estado de Minas Gerais. O objetivo a ser cumprido nessa primeira etapa é a disseminação do conhecimento específico em duas áreas de grande gravidade na Administração Pública: licitação, mais especificamente nos pontos de dispensa e inexigibilidade, e obras e serviços de engenharia, no que diz respeito à contratação e controle da execução de serviços de engenharia. Os encontros técnicos do TCEMG com os Municípios19 serão realizados em oito

17 A Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo integra a Rede de Escolas de Formação de Agentes Públicos de Minas Gerais (REAP), cujo objetivo é a parceria, cooperação, integração, horizontalidade e sustentabilidade das ações pedagógicas comuns entre as Escolas de Governo.

18 Nesse ponto, são pertinentes e sábias as palavras de Paulo Freire (1996, p. 23): Ensinar não é transferir conhecimento, con-teúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo.

19 A programação completa da ação pedagógica é acessível através do endereço eletrônico: <http://www.tce.mg.gov.br/Encontro-Tecnico/index.shtml>.

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macrorregiões do Estado de Minas Gerais, com início na cidade de Uberaba, em 15/04/2010, e término em belo Horizonte, no dia 17/06/2010.

Em sequência, será realizado, entre os dias 15 e 17 de setembro deste ano, a intitulada Semana de Administração Orçamentária, Financeira e de Contratações Públicas para os Estados e Municípios, que visa à capacitação de 1.250 servidores públicos do Estado, em 21 oficinas técnicas, cuja pedagogia é integralmente da Escola de Administração Fazendária (Esaf), ligada ao Ministério da Fazenda, que possui um escopo pedagógico focado na disseminação do conhecimento fundamental das finanças públicas. Seu objetivo primordial é capacitar, aperfeiçoar e gerar conhecimentos relativos aos instrumentos de planejamento, gestão orçamentária, financeira e contabilidade pública, no âmbito da Administração Pública estadual e municipal, por meio de discussão e disseminação dos aspectos mais relevantes dos temas expostos. O projeto se justifica nos termos do art. 33 da Lei Complementar n. 102/2008 — Lei Orgânica do TCEMG —, que determina o desenvolvimento de ações pedagógicas para atender aos gestores públicos do Estado de Minas Gerais.

Instituída em 1994, a pioneira Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo,20 do tcemg, tem uma grande missão pedagógica a cumprir e não desconhece que o cenário que se descortina trará ainda mais demandas e responsabilidades no aprimoramento do conhecimento dos servidores públicos. Afinal, não há serviço público de qualidade sem servidor público qualificado. Sabendo que o processo de capacitação é contínuo e inexorável, coloca-se o desafio da capacitação igualmente permanente, de sorte a não ocorrer solução de continuidade nessa importante prestação de serviços. Como diz o ditado chinês, não importa se o gato é preto ou branco, desde que agarre o rato, pois o que se espera é que, diante da maiúscula realidade de nosso Estado, a maior comunidade municipal do país, o TCEMG seja capaz de continuar cumprindo suas competências constitucionais e gerando plusvalia sobre os elementos tangíveis da sua prestação de serviços.

5 Responsabilidade com qualidade fiscal — Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 229/09

Medidas de grande impacto, voltadas para a qualidade da gestão fiscal, encontram-se em fase final de regulação pelo Congresso Nacional. Trata-se do PLS n. 229/09 que, intitulado de Lei de Qualidade Fiscal, será um importante marco regulatório, que irá adensar a sua coirmã — a Lei de Responsabilidade Fiscal — e regulará temas de grande relevo para a Administração Pública, fixando balizas temporais para a elaboração, discussão e sanção da trindade orçamentária e criando critérios mais rígidos para alteração dos orçamentos.

Há uma clara pretensão de se migrar para um orçamento calçado numa classificação por programas mais vigorosa, de sorte a cumprir, na exata medida, o que se espera dessa importante peça de planejamento. A gestão administrativa terá foco em ação estratégica e operacional, alterando de forma substantiva os parâmetros para escrituração dos registros contábeis, com ênfase no patrimônio, e incentivando a participação popular como condição de validade para a legitimação do planejamento. Propõe, ainda, uma série de alterações na LRF, dentre elas, o estabelecimento de critérios de desempenho com foco em resultados para todo o pessoal do serviço público.

20 Instituída pela Resolução n. 05/1994 e alterada pela Resolução n. 03/1996.

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Com o objetivo de aclarar os inúmeros instrumentos de planejamento, gestão, controle e alterações propostas na Lei de Responsabilidade Fiscal, foi realizado em São Paulo, entre os dias 22 e 24 de março de 2010, o seminário do Promoex destinado a debater o substitutivo ao Projeto de Lei do Senado n. 229/09 e apresentar propostas à Atricon e ao IRB para o aperfeiçoamento do controle externo.

Tais propostas originaram-se de trabalhos em grupo, que estabeleceram sugestões consolidadas acerca das inovações propostas pelo substitutivo. As sugestões poderão nortear a atuação de ambas as instituições no processo de tramitação do projeto no Congresso Nacional.

Dentre as sugestões apresentadas, destacamos as seguintes, consignadas nos relatórios dos grupos de trabalho:

GRUPO 1: Ponto que merece ser salientado, a nosso ver, porquanto atinge diretamente questão da mais alta relevância para os TCs, diz respeito ao apontamento lançado no art. 1°, § 2°, do PLS n. 229, relativo ao indevido atrelamento do Tribunal de Contas ao Poder Legislativo, notadamente para fins de limite de gasto com pessoal. Referido ponto foi bastante discutido por ocasião dos debates e, à unanimidade, entendeu-se que os Tribunais de Contas, tal como o Ministério Público e a Defensoria Pública, precisam ser tratados como órgãos autônomos que são, por força de preceito constitucional.

GRUPO 2: O grupo discutiu, no Seminário, os arts. 84 a 127 do referido PLS. Das discussões do grupo, ficou claro que a Lei de Qualidade Fiscal como um todo vai exigir dos Tribunais de Contas ações no sentido de oferecer aos jurisdicionados capacitação para a aplicação da referida Lei, como também treinamento interno e alterações nos procedimentos de fiscalização. Vai exigir também, principalmente dos Tribunais que ainda não possuem, a criação de sistemas de captura de informações e, dos que já possuem, modificações nos seus sistemas, para adequação às exigências da nova lei.

De toda forma, apresentamos a seguir alguns pontos relevantes discutidos pelo grupo 02, com referência aos arts. 84 a 127 do PLS n. 229/09:

1) Art. 107-108 e 112 — Contabilidade com ênfase no Patrimônio e aplicação das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público — Vai exigir dos Tribunais alteração dos sistemas de captura de dados para adequar à nova proposta contábil;

2) Art. 113 — Demonstrações Contábeis — Os Tribunais que solicitam as prestações de contas dos entes públicos com base no art. 101 da Lei n. 4.320/64 devem alterar as suas legislações e definir a nova formatação das prestações de contas;

3) Art. 122-123 — A redação inicial atribui competências ao Poder Legislativo que são exclusivas dos Tribunais de Contas, já definidas na Constituição Federal.

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O grupo sugeriu alterações no sentido de assegurar, nessa Lei, as competências exclusivas dos Tribunais de Contas definidas na Constituição Federal.

4) Art. 124 — Texto inicial estabelece a criação de ouvidorias para receber reclamações e denúncias contra membros ou órgãos dos Tribunais de Contas. O grupo entendeu que o órgão responsável para apurar denúncias sobre o Tribunal poderia ser o Conselho dos Tribunais de Contas e, além deste, o próprio Controle Interno estabelecido no art. 120, § 2°, que, em suas funções, já estabelece a ouvidoria.

GRUPO 3: Em relação ao art. 133, foi proposta a exclusão do termo a totalidade das dotações do órgão administrativo, por abrir a possibilidade de o gestor incluir e considerar, na sua aplicação mínima em saúde, toda e qualquer despesa que julgar conveniente, independente desta se caracterizar de fato como aplicação em saúde. Somente as contribuições patronais são reflexos das despesas com pessoal ativo.

Em relação ao art. 72-A, concluiu-se que a exceção prejudicaria os objetivos almejados pelo legislador ao aprovar a LRF.

Em boa parte dos municípios, as Secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social são as mais importantes para a Administração, pois representam as funções básicas destes entes junto às suas populações.

Exatamente por apresentarem essa característica, suas folhas de pagamento são constantemente infladas com o maior número possível de admissões (em sua maioria irregulares, por não serem precedidas de concurso público), notadamente em período eleitoral ou em início de mandato de novo gestor, permanecendo nessa condição ao longo do mandato.

Ao se admitir, hoje, a exclusão de receitas e despesas de pessoal do Fundeb, amanhã receitas e despesas com pessoal da Saúde, em seguida receitas e despesas com pessoal da Assistência Social, posto que são custeadas com recursos provenientes de repasses, estar-se-ia premiando o mau gestor, que não teria sequer a limitação dos gastos com pessoal para promover as admissões que julgue convenientes.

Ademais, o objetivo do estabelecimento dos limites de despesa com pessoal pela LRF foi justamente frear o uso eleitoreiro dos recursos públicos através da Folha de Pessoal, bem como garantir a possibilidade de desenvolvimento de ações nas demais áreas da Administração.

O ambiente de criação dessa nova norma fiscal tem os seguintes fundamentos:

— Inexistência de lei complementar para regulamentar o art. 165, § 9°, da Constituição Federal;

— Inexistência de segurança jurídica nas Portarias da SOF e STN;

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— A LRF visa ao equilíbrio fiscal permanente e a regras proibitivas de conduta;

— A LQF visa formar uma nova geração de regras macrofiscais com garantia de qualidade do gasto público, orientando toda a gestão pública, do planejamento ao controle, para resultados.

Todos esses seminários se fazem necessários com vistas a uniformizar os procedimentos e a iniciar uma autêntica revolução copernicana no setor público. O que se pretende num ambiente democrático é a existência do Estado necessário. Nem mínimo, nem máximo. Muito menos o estado accountable. Controle bom é aquele capaz de incluir todos os demais e ser efetivo. Para isso, pouco importa o título impactante ou uso de estrangeirismos como policy, governance, accoutability, responsive (...) Para aferir os requisitos mínimos de qualidade do controle, ancorado num ambiente democrático e republicano, basta que seja efetivo. Sem rodeios. Simples assim!

6 Considerações finais

De todo esse grande esforço que vem sendo empreendido pela Atricon e o IRB, na busca da harmonização conceitual para tantos pontos de controle da Lei de Responsabilidade Fiscal, o mais importante efeito é a segurança jurídica proporcionada. Sem dúvida, a falta de uma unidade conceitual a percorrer as deliberações dos Tribunais de Contas gera insegurança em todos os atores assujeitados às decisões dessa instituição. Incluem-se aí os nossos jurisdicionados, Poderes constitucionais, procuradorias, defensorias, pesquisadores e estudiosos da área de controle público, cujas ações nessa seara dependem diretamente de uma harmonia conceitual que agora vem se tornando realidade. É a consagração da tridimensionalidade do princípio constitucional da eficiência pública: eficácia da ação gerencial, economia gerada na uniformidade deliberatória e efetividade, geração de um produto a que toda sociedade brasileira tem o direito.

Entretanto, já se faz tarde o despertar da gestão pública para um modelo gerencial no qual se possa pensar fora da caixa, ou seja, fora de parâmetros ou paradigmas gerenciais pensados dentro da rigidez cartesiana. Em plena era do conhecimento não podemos mais nos aprisionar aos grilhões dos modelos mentais de ontem. Assim como a economia evoluiu para o setor quinário, com a demanda por trabalhadores altamente criativos, a gestão pública precisa inovar para melhor atender o cidadão e encontrar novos patamares de convivência entre a sociedade e o Poder Público. Sim, é possível melhorar, e muito, nossos parâmetros de oferta de serviços à sociedade, mesmo dentro das balizas constitucionais e infraconstitucionais que orientam a nossa ação.

Um exemplo recente da ação quintessencial de inovação na esfera do controle público foi formulada pelo tribunal de contas da união ao implantar a Rede de Controle da Gestão Pública. Ela visa aprimorar o diagnóstico e o combate à corrupção no país, através de parceria com a Advocacia-Geral da União, a Polícia Federal e, em breve, com a Controladoria-Geral da união. Um ponto importante da rede é a uniformização de conhecimentos, que passa pelo treinamento e padronização de procedimentos dos órgãos para que possamos falar a mesma linguagem ou pelo menos uma linguagem parecida, explica Paulo Wiechers, Secretário-Geral de Controle Externo do TCU. Para implantar processos inovadores não é necessário malabarismos, mas visão estratégica para resultados e uma opção política pela efetividade.

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Retornamos aqui, para concluir, aos processos de capacitação como meio de obtenção de conhecimentos necessários às transformações exigidas. Dentre as mais importantes, destacam-se as ações de capacitação do corpo técnico, quer das Cortes de Contas quer de seus jurisdicionados, com programas de treinamento que se traduzem em oferta de suprimento do conhecimento técnico específico, com oportunidade para que a prestação de serviços de controle e gestão pública possa ser ofertada com a qualidade esperada, a partir de um modelo de gestão institucional.

Mas uma advertência se impõe na seara da capacitação e foi a sapiência mineiriana de Fernando Sabino que melhor a refletiu ao anunciar que Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um. Ao final, conclui:

De tudo ficaram três coisas...

A certeza de que estamos começando...

A certeza de que é preciso continuar...

A certeza de que podemos ser interrompidos

antes de terminar...

Façamos da interrupção um caminho novo...

Da queda, um passo de dança...

Do medo, uma escada...

Do sonho, uma ponte...

Da procura, um encontro!21

É assim que os Tribunais de Contas devem se alinhar com os reclamos de cidadania da sociedade brasileira contemporânea. Dez anos depois é evidente que sobra idealidade e ainda falta efetividade, mas nutrimos grande esperança de que dias melhores virão.

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FIGUEIREDO, Carlos Maurício; NÓBREGA, Marcos. Lei de Responsabilidade Fiscal: aspectos polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

21 SABINO, Fernando (1956).

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Complementação dos proventos dos servidores públicos efetivos aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social

Délia Mara Monteiro

Graduada em Direito pela UFMG. Advogada. Especialista em Direito Público pela PUC Minas. Professora de Direito Administrativo, Direito Tributário e Processos Constitucionais da Unifenas-BH. Técnica em Controle Externo I do Tribunal de contas do estado de minas gerais.

Resumo: Por força do art. 40 da Constituição, aos servidores públicos titulares de cargos efetivos, são assegurados regimes próprios de previdência, com normas diferentes daquelas estabelecidas para os demais trabalhadores. Este estudo pretende demonstrar que, mesmo que a Pessoa Jurídica escolha não criar um Regime Próprio de Previdência dos Servidores e filiar seus servidores efetivos ao Regime Geral, tem que observar as normas estabelecidas no art. 40, porque configuram direito subjetivo público do servidor. A Lei n. 9.717/98 reconhece que há casos em que a instituição do RPPS pode não ser indicada, porque é preciso atender ao critério do inc. IV do art. 1° para ser criado. Assim, se o benefício a que o servidor fizer jus for superior a R$3.128,90, deverá ser complementado até alcançar o valor calculado com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria.

Palavras-chave: Aposentadoria. Constituição da República. Servidores públicos. Complementação dos valores da aposentadoria.

Abstract: According to the article 40 of Brazilian Constitution, all public employees who work at government bodies, have right to a special retirement plan which has its own rules that are different from the rules established to the other workers. The purpose of this study is to demonstrate that even if a public entity choose to include their employees in the general retirement plan instead of creating its own program, this public entity have to follow the rules established in the article 40 since this article ensure specific rights to the public employees. Law n. 9.717/98 recognizes that in some cases the general retirement plan should not be indicated because of the section IV in article I. Therefore, if the amount of the employee’s benefits is greater than R$3.128, 90 (update), it should be supplemented until it reaches the value considering the amount of payment earned at the moment of retirement.

Keywords: Retirement plan. Brazilian Constitution. Public employees. Retirement benefits.

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Introdução

Existem dois sistemas obrigatórios de previdência no Brasil: público e privado. Basta haver o trabalho remunerado para que o trabalhador esteja vinculado a um dos dois sistemas previdenciários. Os empregados da iniciativa privada são regidos pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e vinculam-se ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Os servidores públicos, ocupantes de cargos efetivos, submetem-se a uma lei, o Estatuto dos Servidores, editada por cada um dos entes da federação brasileira, e são vinculados a um Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS), criado pelo respectivo ente federativo.

O fundamento para ambos os sistemas obrigatórios de previdência está na Constituição da República de 1988. O art. 40 estabelece normas para assegurar o regime de previdência dos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. O art. 201 traça o arcabouço do regime previdenciário dos empregados que trabalham para a iniciativa privada. A razão para a previsão de dois sistemas previdenciários apartados é a diferença que existe entre as disciplinas jurídicas dessas duas categorias de trabalhadores: empregados e servidores públicos efetivos.

Por força do art. 40 da Constituição da República, somente aos servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, suas autarquias e fundações, são assegurados regimes próprios de previdência, com normas diferentes daquelas estabelecidas para os demais trabalhadores. O fato decorre da especificidade do regramento de tais categorias. Os servidores públicos efetivos não contam com algumas proteções garantidas aos empregados privados, como, por exemplo, o depósito mensal em conta de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

O RGPS abrange todas as outras categorias de trabalhadores, empregados privados, trabalhadores avulsos, contribuintes autônomos, empregados domésticos, inclusive categorias de segurados facultativos, como as donas de casa, os estudantes e os desempregados. Também, o RGPS aceita a filiação de agentes públicos, como, empregados públicos, titulares de mandatos eletivos, titulares de cargos em comissão, e, até mesmo, ocupantes de cargos efetivos, quando o ente federado não cria um RPPS.

Este estudo pretende demonstrar que mesmo que a Pessoa Jurídica Política escolha não criar um RPPS e filiar seus servidores efetivos ao RGPS deve observar as normas estabelecidas no art. 40, porque configuram direito subjetivo público do servidor.

1 Criação do Regime Próprio de Previdência pela Pessoa Jurídica Política

É facultado ao ente federativo não criar o seu RPPS. Nesse caso, todos os servidores ocupantes de cargos efetivos devem estar filiados ao RGPS. A não criação do RPPS não está expressa no Direito Positivo, mas, sim, a possibilidade de extinção de um RPPS. Infere-se daí a faculdade da sua não criação. E mais, a realidade demonstra que nem todos os entes da federação têm RPPS.

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A Lei n. 9.717, de 27/11/1998, que dispõe sobre regras gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social, em seu art. 6°, disciplina:

Art. 6° Fica facultada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a constituição de fundos integrados de bens, direitos e ativos, com finalidade previdenciária, desde que observados os critérios de que trata o artigo 1° e, adicionalmente, os seguintes preceitos:

(...)

IX — constituição e extinção do fundo mediante lei (grifo nosso).

Dados recentes do Ministério da Previdência Social1 indicam que foram instituídos no Brasil os Regimes Próprios de Previdência da União, dos 26 Estados e do Distrito Federal, e de 1.911 Municípios. No Brasil há 3.679 Municípios vinculados ao RGPS, administrado pelo INSS. Em Minas Gerais, 219 Municípios têm RPPS e 634 filiam seus servidores titulares de cargos efetivos ao rgPs.

Ao filiar os seus servidores ao RGPS, o Município evita o trabalho de instituição e de administração do Regime Próprio de Previdência. E, mais, municípios com poucos servidores ocupantes de cargo efetivo podem não dispor de recursos financeiros necessários para instituir um RPPS, sob o modelo de capitalização. Também, as contribuições dos seus servidores ativos podem não corresponder ao montante necessário para manter as aposentadorias dos inativos, no sistema de repartição simples. A Lei n. 9.717/98, no seu art. 1°, determina:

Art. 1° Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, (...) observados os seguintes critérios:

(...)

IV — cobertura de um número mínimo de funcionários, de modo que os regimes possam garantir diretamente a totalidade dos riscos cobertos no plano de benefícios, preservando o equilíbrio atuarial sem necessidade de resseguro, conforme parâmetros gerais.

Alguns autores pátrios discutem se a criação de um Regime Próprio de Previdência Social é facultativo ou obrigatório ao ente federado. Marcelo Campos conclui:

Em suma, com base em interpretações literal, sistemática e teleológica, bem como em argumentos administrativos, constitucionais, tributários, orçamentários e políticos aqui demonstrados, entendo que as regras previstas na Constituição de 1988 que disciplinam a previdência dos servidores públicos de cargos efetivos têm como destinatários todos os que se encontram nesta situação, independentemente de qual seja a unidade gestora responsável pela implementação destas regras. Entendo também que a unidade federada não

1 6º treinamento do Prevmun. Os Desafios dos Regimes Próprios de Previdência Social. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal, 2009.

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tem a obrigação de criar e manter regime previdenciário, podendo vincular seus servidores titulares de cargos efetivos ao INSS, desde que aplique as regras constitucionais referentes ao regime próprio a este universo de agentes públicos2 (grifo nosso).

Portanto, a própria Lei n. 9.717/98 reconhece que há casos em que a instituição do RPPS pode não ser indicada, porque é preciso atender ao critério do inciso IV do art. 1° para ser criada.

2 A norma do § 14 do art. 40 da Constituição da República de 1988

A previdência social do servidor público está estabelecida no art. 40 da Constituição da República e é composta por regras aplicáveis unicamente aos servidores titulares de cargos efetivos. Os entes federados, quando criam o seu RPPS, não têm que limitar a concessão do benefício-base a um teto único preestabelecido, mas devem respeitar os limites impostos pela remuneração de cada servidor efetivo.

O RPPS pode até estabelecer, no futuro, um teto para os benefícios iniciais, como o do RGPS, quando instituir o regime de previdência complementar, previsto no § 14 do art. 40 da Constituição da República.

Assim, se o benefício a que o servidor fizer jus for superior a R$3.128,90 deverá ser complementado até alcançar o valor calculado com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração, nos exatos termos do § 3° do art. 40 da Constituição da República.

3 A necessidade de interpretação sistemática da Constituição

O destaque neste estudo é a demonstração da obrigatoriedade de cumprimento da Constituição da República, no sentido de que as regras que regem a aposentadoria dos servidores públicos efetivos são diferentes daquelas que disciplinam a aposentadoria dos empregados celetistas. Os benefícios pagos em razão de aposentadoria aos servidores titulares de cargos efetivos e da concessão de pensão não podem ser limitados pelo teto do benefício pago pelo RGPS, já que a limitação é somente aquela estabelecida no § 2° do art. 40, in verbis:

Art. 40, § 2° Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão (grifo nosso).

O problema a ser enfrentado advém do fato de não haver previsão constitucional específica quanto ao procedimento do Município que não instituiu um RPPS e procedeu à filiação dos

2 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010. p. 89.

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seus servidores ao RGPS, no caso de algum deles fazer jus a um benefício maior do que os R$3.128,90, teto do RGPS.

Por isso, traz-se à colação o § 14 do art. 40 da Constituição da República de 1988, o qual dispõe que, em se pagando o teto, é preciso haver complementação:

Art. 40, § 14 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 (grifo nosso).

Ao exame da norma acima, pode-se perceber que os entes políticos que instituíram RPPS, se criarem o regime de previdência complementar, podem fixar o teto do RGPS para os benefícios pagos pelo rPPs. a contrario sensu, não podem instituir o teto para os benefícios pagos pelo RPPS, se inexistir um regime de previdência complementar, responsável pela obrigação de complementar os benefícios devidos acima do teto do RGPS, por força do art. 40 da Constituição da República.

Pelo fato de inexistir uma norma constitucional específica para reger a matéria que aqui está sendo tratada, a aposentadoria do servidor titular de cargo efetivo concedida pelo RGPS, no caso de ele fazer jus ao benefício com valor acima do teto do RGPS, apela-se para a seara da hermenêutica constitucional. O ensinamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau, é esclarecedor:

(...) Sustento que, assim como jamais se aplica uma norma jurídica, mas sim o direito, não se interpretam normas constitucionais, isoladamente, mas sim a Constituição no seu todo. (...) Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer norma da Constituição impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dela — da norma — até a Constituição. Uma norma jurídica isolada, destacada, desprendida do sistema jurídico, não expressa significado normativo nenhum. A interpretação jurídica sempre há de ser desenvolvida no âmbito de três distintos contextos — o linguístico, o sistêmico e o funcional3 (os destaques são originais).

Da mesma forma, o fato de inexistir uma norma constitucional expressa, capaz de disciplinar as situações similares, não inviabiliza o direito que o sistema constitucional assegura em seu conjunto.

No caso de a norma ser de eficácia limitada,4 dependendo de lei para que o titular do direito possa usufruí-lo, há o instrumento da ação de mandado de injunção, largamente utilizado

3 grau, eros roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 195-196.

4 Na classificação de José Afonso da Silva. Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7. ed., são Paulo: malheiros, 2008. p. 82.

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hodiernamente, uma vez que esse remédio foi incluído na Constituição da República como direito fundamental de garantia de fruição dos outros direitos fundamentais. No caso em tela, não há necessidade da utilização do Mandado de Injunção, contra a omissão legislativa, uma vez que o art. 40 da Constituição é norma de eficácia plena,5 a não ser nas matérias que a própria Constituição remete à lei ordinária ou complementar.

deve-se ter em mente a lição do mestre celso antônio:

A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos.

(...) Uma norma jurídica é desobedecida quer quando se faz o que ela proíbe quer quando não se faz o que ela determina. Sendo a Constituição um plexo de normas jurídicas — e normas de nível supremo — é inevitável concluir-se que há violação à Constituição tanto quando se faz o que ela inadmite como quando se omite fazer o que ela impõe. E se omissão houver ficará configurada uma inconstitucionalidade.6

Segundo o Mestre paulista, ao negar a possibilidade de o servidor titular de cargo efetivo aposentar-se nos termos do art. 40 da Constituição de 1988, apresenta-se configurada uma inconstitucionalidade.

A professora da PUC mineira, ilustre Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia Antunes Rocha, afirma:

Dando concretude ao princípio da igualdade material, cujo atendimento pretende assegurar, a Carta Maior delineou o regime fundamental do servidor público a partir dele e convergindo para o seu perfeito cumprimento, estabelecendo normas jurídicas que demarcam seus iguais direitos e deveres, e especificando concretamente, em algumas hipóteses, o modelo isonômico resguardado no sistema posto.7

É preciso dar concretude ao princípio da igualdade material, tratando isonomicamente o servidor titular de cargo efetivo, esteja ele vinculado ao RPPS ou ao RGPS.

4 A questão do custeio do RGPS

O ente da federação que opta por filiar os seus servidores ao RGPS é tratado como empresa pelo INSS. A Lei n. 8.212/1991, no art. 15, explica:

Art. 15. Considera-se:

5 Idem.

6 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de Direito Público, são Paulo, n. 57-58, 1981. p. 236-237.

7 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990. p. 97.

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I — empresa — a firma individual ou sociedade que assume o risco da atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional (...) (grifo nosso).

A Lei n. 8.212/1991, no seu art. 22, dispõe:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social,

além do disposto no art. 23, é de:

I — vinte por cento sobre o total das remunerações pagas devidas ou

creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e

trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o

trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos

habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de

reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo

tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da

lei e do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou

sentença normativa (grifo nosso).

Assim, o Município que utiliza o RGPS para garantia previdenciária dos seus servidores tem que contribuir com 20% sobre o total das remunerações pagas. Um servidor que recebe uma remuneração acima do teto do RGPS vai ensejar uma contribuição do Município referente a 20% desse total. O RGPS recebe contribuição a mais e paga o benefício com limite no teto, R$3.128,90. O Município contribui com a parcela de 20% sobre a remuneração total do servidor ao RGPS e, depois, tem que complementar os proventos no valor que supera o teto do RGPS. Não parece justo.

Ressalta-se que os municípios que não instituem o RPPS e filiam seus servidores efetivos ao RGPS, mas pagam remunerações abaixo de R$3.128,90, não encontram nenhuma dificuldade no custeio do sistema previdenciário. A distorção surge quando os municípios que pagaram remunerações acima do valor do teto, aposentam seus servidores efetivos vinculados ao RGPS e têm que pagar a complementação dos valores das suas aposentadorias com fulcro no art. 40 da Constituição da República.

5 A questão do custeio da complementação da aposentadoria

A partir da Emenda Constitucional n. 41/2003, o sistema de previdência do servidor público titular de cargo efetivo passou a ser contributivo, ou seja, é preciso haver o recolhimento de contribuições para viabilizar a concessão dos benefícios. Como compatibilizar a complementação de aposentadoria com a incidência do princípio contributivo? A solução deve ser prévia ao pagamento da complementação de aposentadoria, por meio do recolhimento pelo Município de contribuições incidentes sobre a parcela da remuneração que exceder o teto do RGPS, acrescida da norma disposta no § 18 do art. 40 da Constituição Cidadã:

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§ 18 Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos (incluído pela Emenda Constitucional n. 41, 19/12/2003).

A questão de haver a Pessoa Jurídica optado em não instituir um Regime Próprio de Previdência não desautoriza o recolhimento de contribuição social. Na nova classificação dos tributos, acolhida pelo Supremo Tribunal Federal,8 a contribuição social é uma espécie tributária que tem destinação certa, por isso, só é legitimamente cobrada se a receita é aplicada à despesa que deu causa à cobrança. Ademais, no § 1° do art. 195 da Constituição de 1988, está previsto que as receitas dos municípios destinadas à seguridade social devem constar dos respectivos orçamentos.

Portanto, em respeito ao princípio contributivo, o ente federado que vincular os servidores ao RGPS e pagar remunerações acima do teto deve recolher contribuições para possibilitar o pagamento das complementações de aposentadoria futuramente.

6 A natureza jurídica da complementação da aposentadoria

Foram estabelecidas as seguintes premissas: (a) o Município pode filiar seus servidores efetivos ao RGPS, (b) assim sendo, o provento-base que o servidor municipal aposentado receberá tem um teto de R$3.128,90, (c) o servidor efetivo tem direito a ser aposentado pelas normas do art. 40 da Constituição da República, (d) o Município tem que complementar o valor devido que supere o teto do rgPs.

Mesmo as complementações, sendo pagas diretamente pelos municípios, têm caráter previdenciário. O Município que opta por não criar um RPPS deve fazer o planejamento de quantos servidores efetivos vão se aposentar com proventos acima do teto, quando vão se aposentar, para possibilitar o recolhimento de quantia para o custeio do benefício e fazer, em suas leis orçamentárias anuais, a previsão de recursos para o pagamento das complementações.

Concluindo, a complementação do valor das aposentadorias e pensões acima do teto do RGPS tem natureza jurídica de benefício previdenciário. Tem que ser paga ao aposentado ou pensionista por ser direito público subjetivo. Se não há um Fundo Previdenciário no ente público, é o erário que vai suportar esse pagamento que deve ser previsto na Lei orçamentária.

8 As diversas espécies tributárias determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4°) são: a) os impostos (CF, art. 145, I, arts. 153, 154, 155 e 156), b) as taxas (CF, art. 145, II), c) as contribuições, que são: c.1) de melhoria (CF, art. 145, III), c.2) sociais (CF, art. 194), que, por sua vez, podem ser c.2.1) de seguridade social (CF, art. 195, CF, 195, § 4°) e c.2.2) salário educação (CF, art. 212, § 5°) e c.3) especiais: c.3.1.) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2) de interesse de categorias profissionais ou econômicas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária, d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148). (adi 447, Relator: Ministro Octávio Gallotti, voto do Ministro Carlos Velloso, julgamento em 05/06/91, DJ de 05/03/93) (grifo nosso).

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7 Processos em tramitação no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

O posicionamento a respeito do pagamento da complementação da aposentadoria pelos entes públicos não é apenas uma necessidade teórica e doutrinária, pois há uma demanda fática por decisões dos Tribunais de Contas na apreciação de casos concretos, nos quais já houve o pagamento da complementação discutida.

Neste Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, já foram autuados vários processos para o exame da legalidade da complementação de aposentadoria. Verificando alguns deles, aleatoriamente, foi observado que contêm os seguintes documentos: (a) requerimento de complementação de aposentadoria; (b) certidão de tempo para fins de aposentadoria; (c) carta de concessão de aposentadoria, da lavra do Instituto Nacional de Seguridade Social, especificando a data de concessão e a memória de cálculo do benefício, assim como o vínculo do aposentado com o serviço público municipal; (d) o Ato (Portaria ou Decreto) de concessão de aposentadoria, contendo em seu texto que o/a servidor(a) foi aposentado(a) pelo INSS e terá a complementação custeada pelo Município, nos termos da Lei número (...).

Percebe-se que os municípios, ao editarem as leis específicas para disciplinar a concessão da complementação de aposentadoria, têm o cuidado de cumprir o determinado pelo art. 40 da Constituição da República. Como a matéria é referente ao servidor público, cada ente federado tem competência para estabelecer regras próprias. Normalmente, as leis disciplinam a matéria da complementação da aposentadoria integral, da proporcional e das pensões. Contudo poderiam, também, trazer outros regramentos, como no caso de concessões de aposentadorias quando, no RGPS, incidir o fator previdenciário que faz diminuir o provento inicial com base na idade do aposentando.

Este Tribunal de Contas, ao editar a Instrução Normativa n. 07/2009, dispôs sobre a instrução dos processos de complementação de aposentadorias e de pensões e, ainda, sobre a remessa das respectivas informações por meio eletrônico, nos seguintes termos:

TÍTULO IV

DA COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS

Art. 8° Os processos de complementação de proventos de aposentadoria no âmbito dos Órgãos e Entidades da Administração Direta e Indireta do Estado e dos Municípios deverão conter:

I — documento expedido pelo INSS (Regime Geral de Previdência Social — RGPS), comunicando que foi concedida aposentadoria ao segurado (Carta de Benefício);

II — documento que comprove o desligamento do servidor do quadro funcional em virtude da aposentadoria junto ao RGPS;

III — comprovante dos valores pagos pelo RGPS na data da aposentadoria;

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IV — cálculo da complementação dos proventos, acompanhado das tabelas de vencimentos aplicadas e de cópia das respectivas leis;

V — requerimento do servidor;

VI — ato de concessão de complementação de proventos contendo:

a) identificação, CPF e qualificação funcional completa do servidor, data do ato e órgão responsável pela complementação dos proventos de aposentadoria e a data a partir da qual é devida a complementação;

b) fundamentação legal completa da concessão do complemento dos proventos;

VII — comprovante dos recolhimentos previdenciários sobre a diferença, bem como a lei que os instituiu.

É importante a evolução normativa desta Corte de Contas, que respondeu à necessidade fática de previsão da matéria, vez que já existiam processos em tramitação. Por essa razão, exerceu sua competência normativa de forma a contemplar a possibilidade de o servidor titular de cargo efetivo vinculado ao RGPS ter reconhecido o seu direito subjetivo às regras de aposentadoria dispostas no art. 40 da constituição cidadã.

8 Entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina

Em pesquisa ao sítio do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCESC), acessado em 12/11/2009, foi constatada a existência de diversas consultas, envolvendo a matéria da complementação do valor dos proventos da aposentadoria dos servidores efetivos, quando vinculados ao RGPS, com direito a provento-base da aposentadoria em valor superior ao do teto pago pelo inss.

A categoria acessada foi a de prejulgados, que consistem em decisões prévias que vão se repetindo nas consultas subsequentes. Assim, a primeira resposta estabelece um precedente que constitui o entendimento do TCESC sobre a matéria, sendo determinante na resposta às demais consultas sobre o mesmo tema.

As seguintes decisões do TCESC têm o mesmo teor quanto à complementação de aposentadoria do servidor efetivo vinculado ao RGPS: Decisão n. 1.598/2004, Decisão n. 1.893/2005, Decisão n. 2.369/2005, Decisão n. 785/2006, Decisão n. 1.856/2007, e Decisão n. 835/2009. Assim, transcreve-se uma dessas decisões que o egrégio Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina exarou, in verbis:

Decisão n. 0785/2006

1. Processo n. CON — 05/03945684

2. Assunto: Grupo 2 — Consulta

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3. Interessado: Elisabet Maria Zanela Sartori — Diretora-Presidente em 2005

4. Entidade: Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Joaçaba

5. Unidade Técnica: COG

6. Decisão:

O Tribunal Pleno, diante das razões apresentadas pelo relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1°, XV, da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

6.1. Conhecer da presente consulta por preencher os requisitos e as formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.

6.2. Responder à consulta nos seguintes termos:

6.3. Nos termos do § 3° do art. 105 do Regimento Interno desta Corte de Contas, remeter ao consulente cópia do Parecer COG n. 658/2005 e do Prejulgado n. 1.699 (originário do Processo n. CON-05/00866422), que reza os seguintes termos:

Os servidores estatutários ocupantes de cargo efetivo que estejam vinculados ao regime geral de previdência social, para requererem o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), devem preencher os requisitos do inciso I do § 7° do art. 201 da Constituição da República.

Os servidores estatutários ocupantes de cargo efetivo que estejam vinculados ao regime geral de previdência social têm direito à complementação de seus proventos através de regime previdenciário complementar de natureza fechada, nos termos dos §§ 14 a 16 do art. 40 da Constituição da República e da Leis Complementares Federais ns. 108 e 109/2001.

O município que não tenha criado regime previdenciário complementar de natureza fechada tem o dever de complementar com recursos de seu orçamento os proventos dos servidores públicos estatutários ocupantes de cargos efetivos, pagando a diferença apurada entre o montante que o servidor percebia na ativa e o valor dos proventos recebidos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), considerando-se regular a despesa efetuada pelo Município.

Os municípios que não instituírem regime previdenciário complementar sentirão, a longo prazo, o peso dessa omissão, pois continuarão complementando proventos e pensões com recursos de seu orçamento, onerando o Município em relação aos limites de gastos com pessoal (art. 18 da Lei Complementar Federal n. 101/2000).

A não instituição de regime próprio por parte do Município traz prejuízo, pois, em vez de contribuir com 20% (vinte por cento) para o regime geral

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de previdência social (art. 22, inciso I, da Lei Federal n. 8.212/91) e ter de instituir regime complementar, com o regime próprio a contribuição poderia ser de 11% (onze por cento), caso houvesse equilíbrio financeiro e atuarial, nos termos dos arts. 3° da Lei Federal n. 9.717/98, na redação dada pelo art. 10 da Lei Federal n. 10.887/2004, e 4° da Lei Federal n. 10.887/2004, tudo isso, aliado ao fato de que os recursos permaneceriam no Município (...) (grifos nossos).

Portanto, é possível verificar que a jurisprudência firmada no TCESC é no sentido do reconhecimento do dever de o Município complementar o valor devido ao servidor efetivo que se aposenta pelo RGPS e da legalidade das despesas resultantes dos pagamentos dos respectivos benefícios mensais.

9 Entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

O Tribunal de Justiça (TJMG) já exarou diversas decisões no sentido do reconhecimento do direito subjetivo público do servidor titular de cargo efetivo de ser aposentado com fundamento nas regras do art. 40 da Constituição de 1988. Há uma decisão, em sede de Reexame Necessário, que merece ser apresentada. Essa concede o direito à ex-servidora que pleiteava a complementação dos proventos de sua aposentadoria pelo Município de Passos.

Número do Processo: 1.0479.06.107262-1/001(1)

Relatora: Maria Elza

Relatora do Acórdão: Maria Elza

Data do Julgamento: 23/08/2007

Data da Publicação: 06/09/2007

Inteiro Teor:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL OCUPANTE DE CARGO DE PROVIMENTO EFETIVO. APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE REGIME PRÓPRIO. RGPS. COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS PELA MUNICIPALIDADE. A ausência de regime especial de previdência dos servidores municipais ocupantes de cargo de provimento efetivo, que contribuem para o regime geral de previdência social, não exime o Município do dever de complementar o valor dos proventos da aposentadoria naquilo que extrapole o teto dos benefícios pagos pelo INSS. Aplicação das normas previstas pelo art. 40, da Constituição da República. A inércia da municipalidade em não instituir o regime de previdência complementar autorizado pelo art. 40, § 14, da Constituição da República, não pode prejudicar o servidor que tem seus proventos de aposentadoria reduzidos em relação à remuneração que percebia na ativa.

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O Acórdão acima é relevante para demonstrar que o TJMG considera constitucional a complementação de aposentadoria, objeto deste trabalho. É valiosa e esclarecedora a fundamentação do voto da Excelentíssima Relatora, razão pela qual vale a transcrição:

Ainda que a municipalidade tenha abdicado da faculdade de instituir um regime municipal de previdência social dos seus servidores, elegendo a entidade gestora do regime geral de previdência social para gerir o sistema de previdência de seus servidores, as regras previdenciárias a eles aplicáveis continuam sendo aquelas previstas na Constituição da República, porquanto um simples ato legislativo local não tem o condão de afastar a norma constitucional que institui regime previdenciário próprio aos servidores públicos efetivos (...).

Em assim sendo, em respeito ao disposto pelo art. 40, § 1°, inciso I, da Constituição da República, garante-se à servidora que se aposentou em decorrência do diagnóstico de doença considerada de natureza grave pela lei municipal, o direito ao recebimento de seus proventos em valor equiparado aos vencimentos que recebia na ativa, ainda que o Município tenha que arcar com a complementação do saldo apurado entre a remuneração e o benefício pago pelo INSS, que está constitucionalmente limitado ao teto (...).

Assim, qualquer ato da autoridade pública municipal que implicar a perda de rendimentos da impetrante não pode prevalecer, sendo, por tal motivo, inconstitucional a recusa ao pedido de complementação dos proventos formulado pela servidora inativa.9

No mesmo sentido, o Processo n. 1.0313.08.2485547-2/002(1), relator Silas Vieira, data do julgamento: 30/04/2009, data da publicação: 03/07/2009. Também, o Processo n. 1.0313.09.289844-1/001(1), relator Armando Freire, data do julgamento: 10/11/2009, data da publicação: 04/12/2009. O Processo n. 1.0479.06.107262-1/001(1), relatora Maria Elza, data do julgamento: 23/08/2007, data da publicação: 06/09/2007.

10 Entendimento do Ministério da Previdência e Assistência Social

no livro Regime próprio de previdência dos servidores: como implementar? Uma visão prática e teórica, os autores explicam como os municípios devem proceder, e comentam a matéria em tela:

Outro aspecto relevante a ser considerado caso o Município não venha a criar o seu Regime Próprio diz respeito às regras do RGPS que não permitirão o atendimento pleno aos direitos de que são portadores os seus servidores titulares de cargo efetivo, de que são exemplos a integralidade de remuneração do cargo como valor de suas aposentadorias e o direito à equiparação com a remuneração dos ativos, preceituados nos §§ 3° e 8° do art. 40 da Constituição Federal. Sendo assim, restará buscar resposta à seguinte pergunta: A quem incumbe pagar a diferença entre o valor da aposentadoria a que têm direito os

9 disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?=1&comrcodigo=479>. acesso em: 08/10/2009.

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servidores titulares de cargo efetivo e o benefício que lhes for pago pelo INSS, no caso de inexistência do RPPS?

Parece óbvio que cabe ao Poder municipal a responsabilidade pelo pagamento daquela diferença. E se decidir pelo pagamento, restará concretizar procedimentos administrativos para a provisão desses pagamentos futuros. Mas, como fazê-lo, se essa finalidade previdenciária pressupõe contrapartida contributória e é prerrogativa exclusiva dos regimes próprios, tal como determina a norma constitucional?

Eis uma delicada questão sobre a qual os atuais normativos legais não oferecem resposta.10

Desta forma, é possível perceber que o Ministério da Previdência e Assistência Social admite ser devida a complementação do valor da aposentadoria ao servidor titular de cargo efetivo caso esteja vinculado ao RGPS.

Conclusões:

1 — Os proventos das aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social aos servidores de cargos efetivos, por força do art. 40 da Constituição da República, devem ser complementados quando forem superiores ao valor do teto do RGPS. A complementação da aposentadoria é direito subjetivo público do servidor ocupante de cargo efetivo.

2 — Existe a faculdade de o ente federativo não criar o RPPS e filiar os seus servidores ocupantes de cargos efetivos ao RGPS. A Lei n. 9.717/1998 faculta ao ente público só criar seu RPPS, se o sistema puder garantir diretamente a totalidade dos riscos cobertos no plano de benefícios, preservando o equilíbrio atuarial sem necessidade de resseguro.

3 — Há possibilidade de interpretação sistemática da Constituição da República e a constatação de que a norma do § 14 do art. 40 pode ser entendida como autorização para complementação dos proventos da aposentadoria com valores mais altos do que o teto do RGPS.

4 — Ao examinar a forma de custeio dos benefícios dos Municípios que afiliaram os seus servidores efetivos ao RGPS, percebe-se que não é vantajosa a adesão a esse sistema previdenciário para aqueles entes que remuneram os servidores acima do teto do RGPS.

5 — O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais em sua competência normativa contemplou a possibilidade de o servidor titular de cargo efetivo vinculado ao RGPS ter reconhecido o seu direito subjetivo às regras de aposentadoria dispostas no art. 40 da constituição cidadã.

6 — No Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, foi constatada a existência de diversas consultas, envolvendo a matéria da complementação do valor dos proventos da aposentadoria dos servidores efetivos, quando vinculados ao RGPS, com direito a provento-base da aposentadoria em valor superior ao do teto pago pelo INSS. A matéria já se consolidou como prejulgado, que consiste em decisão prévia que vai se repetindo nas subsequentes.10 GUSHIKEN, Luiz et al. Regime próprio de previdência dos servidores: como implementar? Uma visão prática e teórica. Brasília:

mPas, 2002. p. 55.

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7 — O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já se pronunciou sobre a matéria, como se pôde verificar no Acórdão retrotranscrito, considerando constitucional a complementação de aposentadoria.

8 — O Ministério da Previdência e Assistência Social entende que cabe ao Poder Público municipal a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre o teto e o valor devido dos proventos. Resta ao Município concretizar procedimentos administrativos para a provisão desses pagamentos.

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Omissão no dever de prestar contas enseja aplicação de multa e determinação de ressarcimento*

* Cumpre informar que até o fechamento desta edição a decisão proferida pelo Tribunal nos autos epigrafados não havia transitado em julgado.

RELATÓRIO

Trata-se de Tomada de Contas Especial, instaurada pela Secretaria de Transportes

e Obras Públicas (Setop), em virtude da omissão de prestar contas do recurso de

Convênio n. 052/04, firmado em 14/06/04, cujo prazo limite foi estabelecido para

14/12/04, conforme cláusula 7.2 do instrumento (fls. 30).

O convênio em tela foi firmado em 14/06/04, teve por objeto a conjugação de esforços

e efetiva participação dos convenentes para a execução, mediante cooperação

técnica e financeira, das obras de pavimentação urbana, no Município de Imbé de

Minas, no valor de R$77.966,65, sendo R$40.000,00 referentes às despesas da Setop

e R$37.966.65 relativos à contrapartida financeira do Município.

TOMADA DE CONTAS ESPECIAL N. 737.734

(...) o que restou comprovado é que não foi apresentada a prestação de contas pelo interessado, não obstante as inúmeras oportunidades que lhe foram concedidas, não sendo, portanto, possível constatar que os recursos foram destinados e vinculados a obra consoante acordado, isto é, não há como comprovar nos autos o efetivo atendimento do objeto avençado.

RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

EMENTA: Tomada de Contas Especial — Secretaria Estadual — Convênio com Município — Cooperação técnica e financeira — Recursos repassados ao Município pelo Estado — Ausência de prestação de contas comprobatória da aplicação dos recursos e da devida comprovação do depósito da contrapartida do Município — Revelia do responsável à citação provida por este Tribunal — Impossibilidade de comprovação do efetivo atendimento do objeto avençado — Julgamento pela irregularidade das contas — Imputação de débito no valor total do repasse — Aplicação de multa ao gestor responsável.

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Conforme se infere do instrumento de convênio, os recursos seriam movimentados exclusivamente em conta do Banco do Brasil, Caratinga/MG.

Não tendo sido comprovada a aplicação dos recursos repassados pelo Estado e a devida comprovação do depósito da contrapartida do Município, a Comissão de Tomada de Contas Especial e o órgão de Controle Interno da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop) instauraram a Tomada de Contas Especial, encaminhando o processo a esta egrégia Corte de Contas (fls. 02-146), esclarecendo que após apurados os fatos, permanece a irregularidade, caracterizada pela falta da prestação de contas comprobatória da aplicação dos recursos.

A Diretoria Técnica deste Tribunal em sua análise a fls. 147-149 aponta a ausência da prestação de contas comprobatória da aplicação dos recursos, repassados pela Setop e a contraprestação por parte do Município de Imbé de Minas, beneficiado, ensejando, inclusive dano ao erário, consoante apurado a fls. 135 dos autos, manifestando-se no sentido de que a não prestação de contas pelo responsável impede a comprovação da aplicação do valor de R$77.966,65, (R$40.000,00 repassados pelo Setop e R$37.966,65 de contrapartida do Município), no objeto do convênio.

Consequentemente determinei a citação do Prefeito de Imbé de Minas, Sr. Reinaldo Cezar do Carmo, signatário do instrumento de convênio, bem como seu sucessor, Sr. Antônio Gomes Peixoto, responsável pela apresentação de prestação de contas do referido instrumento, para que, querendo, apresentassem, no prazo regimental as documentações e justificativas pertinentes, nos termos do art. 79 da Lei Complementar n. 102, vigente à época.

O Sr. Antônio Gomes Peixoto, em suas alegações a fls. 158-163, informou que na transmissão do cargo não lhe foram apresentados os documentos relativos à execução orçamentária e financeira do Município, motivo pelo qual ajuizou Ação de Responsabilidade Civil por Ato de Improbidade Administrativa (fls. 56-60) e que não possui novos documentos que possam instruir os autos, fazendo anexar cópia de boletim de ocorrência confeccionado no ato de posse do atual prefeito descrevendo o extravio de vários documentos da gestão anterior.

o sr. reinaldo cézar do carmo, ex-Prefeito de imbé de minas e signatário do instrumento de convênio sob comento, não se manifestou dentro do prazo concedido.

O órgão técnico em seu reexame a fls. 167-172, se manifestou no sentido de que as contas sejam julgadas irregulares, nos termos do art. 48, inciso III, a, da lei Complementar n. 102/2008, vigente à época.

Proferindo juízo similar, o douto Ministério Público, em seu pronunciamento a fls. 173-174, destacou que o Prefeito à época da assinatura do convênio, Sr. Reinaldo

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Cézar do Carmo, se omitiu no seu dever de prestar contas, contrariando o disposto na cláusula sétima do instrumento de convênio (fls. 29-30), além dos princípios regedores da Administração Pública. Ressaltou, ainda, que apesar de ter sido várias vezes provocado a se manifestar nos autos, o interessado se quedou inerte, consoante documento a fls. 164. O douto Ministério Público concluiu seu pronunciamento manifestando-se no sentido de que restou caracterizada irregularidade, na forma do art. 44 da Lei complementar n. 33/94, vigente à época, bem como o disposto no art. 48 da Lei Complementar n. 102/2008, devendo o valor ser ressarcido aos cofres públicos, sem prejuízo da aplicação de multa ao responsável.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente cumpre esclarecer a natureza da tomada de contas especial.

A tomada de contas especial se reveste de natureza peculiar, cuja finalidade é apurar responsabilidade e quantificar o montante do ressarcimento dos débitos causados ao erário com maior celeridade.

Mister assentar o entendimento de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes a respeito da natureza dos processos dessa espécie:

Tomada de contas especial é um processo excepcional, de natureza administrati-va, que visa apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário (JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Tomada de contas especial: processo e procedimento nos tribunais de contas e na administração pública. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 31).

No tocante ao substrato constitucional aplicável aos processos de tomadas de contas especiais, pode-se citar o disposto no art. 71, II, da CR/88, o qual preceitua:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(...)

II — julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as funda-ções e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as con-tas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; (...) (grifo nosso).

Norma de simetria constitucional no âmbito estadual está prevista no art. 76, III, da Constituição do Estado de Minas Gerais, consoante disposto in verbis:

Art. 76. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, ao qual compete:

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(...)

III — fixar a responsabilidade de quem tiver dado causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que tenha resultado prejuízo ao Estado ou a entidade da administração indireta.

Conforme se depreende dos textos constitucionais, verifica-se que dois são os elementos caracterizadores da responsabilidade do agente, sujeitos à apuração nos processos de tomada de contas especial: a) a comprovação de causa, perda, extravio ou outra irregularidade relacionada a dinheiro, bens e valores públicos; e b) a demonstração de prejuízo ao erário ou a entidade da administração indireta.

Por fim, cabe ressaltar, em consonância com o art. 44 da Lei Complementar n. 33/94, vigente à época, que a procedência da investigação e o julgamento da irregularidade das contas ocorrem quando comprovado: a) grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; b) injustificado dano ao erário, decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; c) desfalque, peculato, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.

A Diretoria Técnica em sua manifestação a fls. 147-149, aponta a permanência de irregularidade, caracterizada pela falta da prestação de contas comprobatória da aplicação dos recursos, e a contraprestação por parte do Município beneficiado, ensejando, inclusive, a quantificação do dano ao erário, consoante apurado pelo relatório de Auditoria sobre tomada de contas especial a fls. 135.

Consequentemente foi devidamente notificado para apresentar suas alegações o Sr. Antônio Gomes Peixoto, sucessor do Sr. Reinaldo César do Carmo, na gestão do Município, solicitando a remessa da prestação de contas do convênio, assim como o Prefeito Municipal, signatário do instrumento.

O Sr. Antônio Gomes Peixoto apresentou a documentação acostada a fls. 47-67, que noticiam as medidas intentadas para reaver a documentação. Esclareceu ainda que, conforme apurado a fls. 134 dos autos, não restou comprovado o depósito no valor de R$37.966,65, correspondente à contrapartida do Município, na conta do convênio, infringindo assim o disposto no art. 12, xx, c/c art. 25 do Decreto n. 43.635/03.

O Sr. Reinaldo César do Carmo, Prefeito Municipal à época e signatário do instrumento de convênio, por sua vez, não apresentou qualquer justificativa, deixando o prazo escoar in albis.

A Diretoria Técnica em seu reexame, a fls. 167-170, informa que permanece a irregularidade apontada, isto é, omissão do responsável em apresentar contas dos recursos recebidos. Salienta que não houve comprovação do depósito no valor de R$37.966,65, correspondente à contrapartida do Município (fls. 134), na conta do convênio, conforme exigência do art. 12, xx, c/c art. 25 do Decreto n. 43.635/03.

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O órgão técnico esclarece, ainda, que o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), por meio de visita técnica realizada no Município de Imbé de Minas, em 08/02/07, apurou que a obra foi parcialmente executada, atingindo os percentuais de 68% do físico e 78% do financeiro em relação ao proposto no plano de trabalho e no convênio (fls. 86-90).

Todavia, em que pese a situação fática demonstrada pelo laudo do DER, o que restou comprovado é que não foi apresentada a prestação de contas pelo interessado, não obstante as inúmeras oportunidades que lhe foram concedidas, não sendo portanto possível constatar que os recursos foram destinados e vinculados à obra consoante acordado, isto é, não há como comprovar nos autos o efetivo atendimento do objeto avençado.

Vale destacar que, no caso sob comento, não foi comprovado o depósito da contrapartida do Município, nem tampouco há como identificar o destino do recurso retirado da conta bancária específica da avença. Consequentemente, não há comprovação de que esses recursos foram, de fato, utilizados para o pagamento das despesas com a obra, objeto do Convênio n. 052/04. Portanto, não há meio de estabelecer o nexo de causalidade entre a quantia transferida e as despesas constantes da execução da obra.

cumpre ressaltar que este tem sido o entendimento do tribunal de contas da união, conforme se infere das decisões abaixo relacionadas:

Acórdão 7/2003 — Segunda Câmara. Processo 012.461/1999-7

(...)

7 — Diante dos novos elementos, verifica-se que o TCE/PB (...)

Constatou a execução de obras, no exercício de 1996, custeadas com re-cursos do MEC/FNDE. Como o único convênio celebrado entre o FNDE e a Prefeitura de Jurú, naquele exercício, foi o convênio objeto da presen-te Tomada de Contas Especial, infere-se que as obras, cuja execução foi constatada pelo TCE/PB, são realmente aquelas referentes ao convênio em discussão. Todavia, entendo que o débito a ser imputado aos responsáveis é aquele correspondente ao montante integral dos recursos transferidos, ou seja, R$79.600,00, pois, ainda que se tenha constatado a execução da obra, não existem, nos autos, elementos que comprovem se a meta pactuada foi alcançada, se a totalidade dos recursos foi aplicada, se os procedimentos licitatórios foram realizados, se as normas financeiras foram observadas, etc. Apenas a análise da prestação de contas poderia concluir que a única irregularidade constatada foi o superfaturamento, ou se existiram outras irregularidades ensejadoras do débito.

8 — Destaca-se que cabe aos responsáveis o ônus de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos transferidos.

Acórdão 4242/2009 — Primeira Câmara. Processo 005.078/2007-3

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1 — A ausência de nexo de causalidade entre os recursos do convênio e as pres-tações de contas permite concluir que não há comprovação da boa e regular aplicação dos recursos.

2 — A ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos importa no julgamento pela irregularidade das contas, na condenação em débito e na aplicação de multa ao responsável.

TCU — AC 0458-08/07, Sessão 20/03/2007 — Classe II — Relator: Ministro Au-gusto Sherman Cavalcanti

1 — Os dados constantes dos autos não deixam dúvidas quanto à omissão do responsável no dever de prestar contas dos recursos federais recebidos, bem como sua revelia em relação à citação promovida por este Tribunal.

2 — Desta forma, concordo com a proposta de encaminhamento da unidade téc-nica, no sentido do julgamento pela irregularidade das contas, com imputação de débito no valor total do repasse, além da aplicação da multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/92, proposta pelo MP/TCU.

3 — Entendo também cabível o envio de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações que entender cabíveis em face do disposto no art. 209, § 6°, in fine, do Regimento Interno.

Ante o exposto, verifico que os dados constantes dos autos não deixam dúvidas quanto à omissão do responsável no dever de prestar contas dos recursos recebidos, bem como a sua revelia em relação à citação provida por este egrégio Tribunal.

Nesse sentido, concordo com as manifestações da Diretoria Técnica (fls. 167-172) e do douto Ministério Público (fls. 173-174) no sentido de julgamento pela irregularidade das contas, com imputação de débito no valor total do repasse, além da aplicação da multa.

Desta forma, determino aplicação de multa no valor de R$4.000,00 ao ex-Prefeito do Município de Imbé de Minas e signatário do instrumento de convênio, Sr. Reinaldo Cezar do Carmo, nos termos do art. 44 da Lei complementar n. 33/94, vigente à época, bem como o disposto no art. 48 da Lei complementar n. 102/2008.

determino, ainda, a responsabilização do gestor pelo débito, que, segundo o que pôde apurar a Diretoria Técnica desta Casa, totaliza R$87.825,28 sendo R$45.057,87 repassado pelo Setop e R$42.767,41 de contrapartida do Município, atualizado em 16/04/07, consoante se vê no Quadro Demonstrativo a fls. 167 da informação técnica, que deverá ser recolhida ao erário, devidamente corrigida.

Desde já, proponho o envio de cópia da matéria ao douto Ministério Público para adoção das medidas que, a seu juízo, julgar cabíveis à espécie.

Por remate, ressalta-se que, com fulcro nas vigentes disposições regimentais, o prazo para recolhimento do débito fixado e das multas cominadas com fulcro no

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disposto no art. 317 do RITCEMG, é de 30 dias, como previsto no caput do art. 364 do citado Regimento. Expirado o referido prazo, sem manifestação do responsável, deverá ser remetida a certidão de débito ao douto Ministério Público de Contas, para fins do disposto no inciso V do art. 32 da Lei Complementar n. 102/08.

A Tomada de Contas Especial em epígrafe foi apreciada pela Segunda Câmara na sessão do dia 11/03/10 presidida pelo relator dos autos Conselheiro Eduardo Carone Costa; presentes o Conselheiro Elmo Braz e o Conselheiro Sebastião Helvecio que aprovaram o voto exarado pelo relator.

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RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Mário Lúcio Vilaça, Presidente da Câmara Municipal de Mateus Leme, indagando e solicitando in verbis:

(...) Se o Legislativo Municipal pode celebrar convênio com planos de saúde como os oferecidos pela Unimed, destinado a atender funcionários, vereadores e familiares destes. Em caso positivo, quais os procedimentos devem ser ado-tados para a viabilização do referido convênio.

CONSULTA N. 764.324

A Constituição Federal preconiza a autonomia administrativa e financeira dos Poderes, sendo assim, cabe ao próprio Legislativo a iniciativa de lei para fixação de seus padrões remuneratórios, de acordo com o art. 51, IV, da Constituição Federal, e por simetria aplicável às Constituições Estaduais e às leis orgânicas municipais, cabendo ao chefe do Executivo sancioná-la. Há, portanto, a possibilidade de os servidores de órgãos, e/ou de um e outro Poder terem, distintamente, benefícios de plano de saúde. Não há necessidade de que o benefício se estenda a todos os servidores do Município, podendo ser concedido somente aos servidores do Legislativo.

RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

Contratação de plano de saúdepara servidores do Poder Legislativo, vereadores e familiares

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — I. Concessão do benefício de plano de saúde a servidores e seus familiares. Possibilidade. Edição de lei de iniciativa do Legislativo Municipal. Prévia dotação orçamentária. Autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Atendimento aos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Respeito aos limites de despesa com pessoal previstos no art. 29-A, § 1°, da CR/88. Observância aos ditames da Lei n. 8.666/93. Licitação prévia para contratar com empresa privada ou realização de credenciamento. II. Concessão de plano de saúde para vereadores e familiares. Impossibilidade. Natureza remuneratória do benefício. Remuneração exclusivamente por subsídio fixado em parcela única. Art. 39, § 4°, da CR/88. Vedação de acréscimo de qualquer outra vantagem remuneratória.

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A consulta foi instruída com parecer da douta Auditoria a fls. 6-8, com fulcro nas disposições constantes no art. 54, V, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução TC n. 12/2008, o qual propugna, em preliminar, pelo seu conhecimento.

Observa a douta Auditoria em seu relatório que a questão tem precedentes decisórios deste Tribunal materializado nas Consultas n. 735.412, n. 759.623 e n. 776.313, respondidas, nas sessões de 05/12/07, 08/10/08 e 08/07/09, de relatoria do conselheiro substituto Hamilton coelho, conselheiro simão Pedro toledo e Conselheiro Eduardo Carone Costa, respectivamente.

Esclarece, ainda, que a presente consulta, no plano da análise abstrata, deve ser respondida no sentido de que há possibilidade da concessão do benefício de plano de saúde aos servidores, vedado tal benefício aos vereadores, que têm política remuneratória diversa do funcionalismo público.

É o relatório.

PRELIMINAR

Pelo exame dos pressupostos de conhecimento da presente consulta, infere-se a legitimidade da autoridade consulente, consoante preceituado no inciso I do artigo 210 da Resolução de 19/12/2008 (RITCEMG).

No tocante ao seu objeto, a elucidação do questionamento formulado pelo consulente é de relevante importância para o cotidiano de diversos municípios mineiros, além de adequar-se ao disposto no artigo 76, inciso Ix da Constituição do Estado de Minas Gerais, segundo o qual compete à Corte de Contas emitir parecer em consulta sobre matéria que tenha repercussão financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial.

Destarte, considero que, em tese, é de todo pertinente que esta egrégia Corte esclareça as dúvidas elaboradas pelos jurisdicionados e estabeleça as diretrizes que poderão auxiliá-los na condução das medidas e ações oriundas da gestão administrativa, viabilizando o cumprimento da missão pedagógica afeta aos Tribunais de Contas.

Desse modo, presentes os requisitos de admissibilidade estipulados nas disposições regimentais em vigor, recebo a presente consulta e o faço estribado na dicção do artigo 211 do ritcemg.

MéRITO

Vencida a preliminar arguída, meritoriamente, respondo, em tese, aos quesitos, considerando o meu posicionamento nas consultas aludidas no incluso relatório.

A questão suscitada pelo consulente é acerca da possibilidade ou não de o Poder Legislativo celebrar convênio com planos de saúde, destinado a atender funcionários, vereadores e familiares destes.

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Cumpre ressaltar, por oportuno, que, como bem enfatizou a douta Auditoria, a relação jurídica pretendida pelo consulente se enquadra na figura do contrato administrativo oneroso, porquanto, no convênio, o elemento fundamental é a cooperação e não o lucro, que é intrínseco ao fim colimado.

consoante já enfatizado pela douta auditoria a questão foi enfrentada em precedentes decisórios deste Tribunal materializados nas Consultas n. 735.412; n. 759.623 e n. 776.313.

É de se destacar, ainda, que, no que tange à contratação de plano de saúde, na consulta paradigma, correspondente à de n. 719.033, e relatada pelo Exmo. conselheiro substituto gilberto diniz, foi aprovado, à unanimidade, o seguinte entendimento, em resumo:

De início, entendo que a orientação hoje adotada pelo colegiado não se coa-duna com a autonomia administrativa e financeira dos municípios, a teor dos arts. 18 e 30 da Constituição de 1988. Isso porque os municípios têm compe-tência para legislar sobre assuntos de interesse local e aplicar suas receitas livremente, observados, por óbvio, os princípios contidos nas Carta Federal e na do respectivo Estado-membro e as normas de sua lei orgânica e das leis de caráter nacional.

Lado outro, a contratação de plano de saúde para servidores não configura duplo benefício social, considerando que não se enquadra entre aquelas ações e serviços públicos de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter universal e igualitário a que alude o art. 196 da lex legum, os quais se constituem em dever do Estado, termo que abarca União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Em linhas gerais, esse dever estatal, levado a efeito pelo SUS, é consubstan-ciado nas ações e serviços públicos que visam a promover, proteger, recuperar e reabilitar a saúde de toda a população.

Para atender a esse desiderato, os entes políticos devem alocar anualmente percentuais mínimos de recursos, nos termos previstos na Emenda Constitu-cional n. 29, de 13/09/00 (no caso dos municípios, o percentual é de 15%), e observadas as normas da Lei Federal n. 8.080, de 19/09/90, e de atos regula-mentares do Conselho Nacional de Saúde.

Entretanto, a contratação de plano de saúde para o servidor não tem as mes-mas características de tais serviços ou ações públicas. A uma, porque se destina a clientela específica, não se constituindo, pois, numa ação direta ou indireta para fomentar a saúde pública. A duas, porquanto constitui vantagem pecuniá-ria inerente à política remuneratória do empregador, no caso a administração, que visa a valorizar o funcionalismo pelos trabalhos prestados como qualquer outro benefício concedido ao servidor.

Trata-se de utilidade que se agrega à remuneração, cuja finalidade é garantir a melhoria da condição social e o atendimento de uma das necessidades vitais básicas do servidor e de sua família — a saúde — como, a propósito, é preconi-zado pelo art. 7° da Carta Federal.

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Nessa esteira, a criação da mencionada vantagem pecuniária, mediante lei, não configura duplo benefício. A meu juízo, haveria duplo benefício, por exem-plo, se a Administração Pública mineira contratasse outro plano de saúde para seus servidores, a par da assistência à saúde já prestada pelo Ipsemg.

Por tais motivos, não vislumbro, sequer, afronta aos princípios da isonomia e da impessoalidade. Haveria, sim, quebra dessas normas fundantes se o Poder Público privilegiasse seus servidores em detrimento dos demais cidadãos no atendimento dos serviços prestados pelo SUS, o que não é o caso.

Nesse contexto, cumpre evidenciar que o art. 169 da Carta da República de 1988 determina a fixação de limites de despesas com pessoal para os entes federados, e seu § 1° estabelece os critérios para a concessão de vantagem ou benefício ao servidor, incluído aumento de remuneração.

Para que isso ocorra, é necessário haver prévia e específica dotação orça-mentária, suficiente para atender às projeções de despesas com pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e autorização específica na LDO.

A Lei Complementar n. 101, de 04/05/00, fixou para o Município o limite de gastos com pessoal em 60% da receita corrente líquida, dos quais 6% se desti-nam ao Legislativo e 54% ao Executivo conforme disposto no inciso III do art. 19 e inciso III do art. 20.

Ademais, a sobredita lei complementar impôs condições e normas de planeja-mento financeiro e orçamentário para a geração de despesa pública, sobretudo aquelas contidas em seus arts. 16 e 17.

Assim, se o Município dispuser de recursos orçamentários e financeiros para conceder tal vantagem ou benefício, atendidas as condições e limites legais, poderá fazê-lo, independentemente da assistência prestada em caráter univer-sal e igualitário pelo SUS.

(...)

(...) para reforçar a tese ora defendida, calha salientar que o inciso II do § 3° do art. 230 da Lei n. 8.112, de 11/12/90, que disciplina o Estatuto dos Ser-vidores Públicos Federais, com redação dada pela Lei n. 11.302 de 10/05/06, autoriza (...) a União e suas entidades autárquicas e fundacionais a contra-tar, mediante licitação, na forma da Lei n. 8.666 de 21/06/93, operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde que possuam autorização de funcionamento do órgão regulador.

(...) manter entendimento diverso do que ora se propõe é caminhar na con-tramão dos acontecimentos uma vez que, no âmbito federal, a citada lei foi recentemente modificada justamente para permitir que a União, suas autar-quias e fundações contratem planos e seguros privados de assistência à saúde para os servidores.

(...) a contribuição da Administração para custeio de plano de saúde para servi-dores é totalmente legal e, a par de ser considerada como despesa de pessoal, constitui vantagem pecuniária de natureza remuneratória.

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Pelo exposto, ouso divergir da orientação deste Tribunal por entender que não há razão para se obstar à participação de Município no custeio de plano de saúde a seus servidores, desde que atendidas as condicionantes constitucionais e legais anteriormente mencionadas.

Ademais, é de se ressaltar que o pretendido plano de saúde deva ser estendido a todos os servidores da municipalidade, e não apenas àqueles lotados na edilidade local, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia, cuja concessão deverá ser efetivada mediante expressa previsão legal e específica dotação orçamentária, além de estar incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Entretanto, tal benefício não poderá ser estendido aos vereadores, que têm política remuneratória diversa do funcionalismo público.

Por oportuno, ressalto os requisitos especificados, também, pela Auditoria, para a concessão do mencionado benefício, a saber:

a) previsão em lei de iniciativa do Poder Executivo Municipal;

b) prévia dotação orçamentária;

c) autorização específica em lei de diretrizes orçamentárias;

d) licitação prévia para contratar com empresas privadas;

e) observância dos limites de despesas com pessoal da Câmara, definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Constituição da República.

Entretanto, tal benefício não pode ser estendido aos vereadores, por força do disposto no § 4° do art. 39 da Constituição da República de 1988, que es-tabelece a remuneração dos detentores de mandato eletivo exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer outra vantagem ou espécie remuneratória.

Nestes termos, respondo a consulta.

Na sessão do dia 21/10/09, pediu vista dos autos o Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

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Retorno de Vista

RELATÓRIO

Na sessão do dia 21 de outubro de 2009, solicitei vista dos autos n. 764.324, relativos à consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Mateus Leme, Vereador Mário Lúcio Vilaça, por meio da qual indaga, in verbis:

(...) se o Legislativo Municipal pode celebrar convênio com planos de saúde como os oferecidos pela Unimed, destinados a atender funcionários, vereado-res e familiares destes.

Em caso positivo, quais os procedimentos devem ser adotados para a viabiliza-ção do referido convênio.

a matéria foi relatada pelo ilustre conselheiro eduardo carone costa. em preliminar, o colegiado decidiu admitir a consulta.

No mérito, o relator respondeu no sentido de que há a possibilidade da concessão do benefício de plano de saúde aos servidores, desde que respeitados requisitos específicos:

a) previsão em lei de iniciativa do Poder Executivo Municipal;

b) prévia dotação orçamentária;

c) autorização específica em lei de diretrizes orçamentárias;

d) licitação prévia para contratar com empresas privadas;

e) observância dos limites de despesa com pessoal da Câmara, definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Constituição da República.

Além disso, entendeu o Conselheiro Eduardo Carone Costa que tal benefício não pode ser estendido aos vereadores, que têm política remuneratória diversa do funcionalismo público.

Com exceção do próprio relator, nenhum dos membros do Pleno manifestou-se sobre o mérito.

Pedi, então, vista dos autos para me inteirar melhor do teor de consultas anteriores e estudar a matéria com maior profundidade.

É o relatório.

MéRITO

Inicialmente, Srs. Conselheiros, apresentarei um breve histórico a respeito do entendimento do tribunal sobre a matéria.

CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

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Como pode ser demonstrado nas Consultas n. 603.289 (sessão de 31/03/99), n. 655.033 (sessão de 17/04/02), n. 684.998 (sessão de 15/12/04), o Tribunal entendia que o custeio do plano de saúde para os servidores significaria duplo benefício social. O erário municipal não poderia arcar com o ônus de proporcionar assistência médica privada aos servidores da Câmara, em face do Sistema Único de Saúde, que já é financiado pelo Poder Público. Considerava-se que, na esfera pública, não se poderia beneficiar, muito menos gratuitamente, nem privilegiar determinados trabalhadores em prejuízo da maioria, e até mesmo do contribuinte.

Na Consulta n. 730.772 (sessão de 06/06/07), o relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa, respondeu não ser possível a concessão de plano de saúde pago, total ou parcialmente, com recursos públicos. Isso, em face do SUS, que já é financiado pelo Poder Público.

Defendeu que a hipótese acarretaria excepcional acréscimo de despesas com pessoal, proporcionando salário indireto aos servidores.

Na sessão em que tal consulta foi levada a julgamento, concedeu-se vista ao Conselheiro Gilberto Diniz que, em seu voto-vista, entendeu que o Município pode contribuir para o custeio de plano de saúde, pois o citado ente tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local e aplicar suas receitas livremente, observados, por óbvio, os princípios contidos nas Cartas Federal e do respectivo Estado-membro e as normas de sua Lei Orgânica e das leis de caráter nacional. Além disso, segundo ele, a contratação de plano de saúde para o servidor não tem as mesmas características de tais serviços ou ações públicas, a exemplo das realizadas pelo SUS. A uma, porque se destina a clientela específica, não se constituindo, pois, numa ação direta ou indireta para fomentar a saúde pública. A duas, porquanto constitui vantagem pecuniária inerente à política remuneratória do empregador, no caso a Administração, que visa a valorizar o funcionalismo pelos trabalhos prestados como qualquer outro benefício concedido ao servidor. Salientou também que para que isso ocorra é necessário haver prévia e específica dotação orçamentária, suficiente para atender às projeções de despesas com pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, e autorização específica na LDO. Afirmou que a contribuição da Administração para custeio de plano de saúde para servidores é legal e, a par de ser considerada como despesa de pessoal, constitui vantagem pecuniária de natureza remuneratória. em virtude dessa natureza, tal vantagem não pode ser estendida aos agentes políticos.

O Conselheiro Relator Eduardo Carone Costa então modificou seu entendimento, aderindo ao voto do conselheiro gilberto diniz.

Após, foi concedida vista ao Conselheiro Wanderley Ávila que, em seu voto-vista, concordou com o Conselheiro Gilberto Diniz e Conselheiro Eduardo Carone. Destacou a possibilidade de que os servidores de órgãos de um e outro Poder dentro do mesmo Município possam ter, distintamente, benefícios de plano de saúde, observada lei

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específica concedente, previsão na LDO e dotação orçamentária na Lei Orçamentária Anual, devido à autonomia administrativa e financeira dos Poderes. Afirmou que o benefício tem caráter supletivo e facultativo. Destacou também a possibilidade de que o benefício tenha, ou não, natureza remuneratória, pois prevê a possibilidade de feição indenizatória, discordando, nesse ponto, do Conselheiro Gilberto Diniz. Além disso, entendeu que, ainda que haja previsão na LDO e recursos orçamentários para efetivação da despesa, o benefício deve ser previsto em lei local, a qual deverá disciplinar a natureza jurídica concernente ao plano de saúde, inclusive se incorporará ou não aos vencimentos.

O entendimento do Conselheiro Wanderley Ávila foi aprovado por unanimidade, com o adendo de que o custeio pela Administração Pública não pode ser total, podendo contribuir somente com uma parte.

É o que prevalece, hoje, neste Tribunal, como podemos verificar em precedentes decisórios materializados nas Consultas n. 719.033 (sessão de 05/09/07), n. 735.412 (sessão de 05/12/07), n. 759.623 (sessão de 08/10/08) e n. 776.313 (sessão de 08/07/09).

Passo agora a expor o meu entendimento sobre a matéria.

De início, já adianto que entendo ser possível a contratação de plano de saúde destinado a atender servidores da Câmara Municipal, conforme fundamentos apresentados a seguir.

A doutrina clássica já se posicionou especificamente acerca da possibilidade de custeio de vantagens remuneratórias aos servidores. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, são reservados, aos servidores, os serviços das organizações assistenciais e previdenciárias que lhes forem destinados, como o serviço médico, dentário, hospitalar, além de outros.1 Não há, portanto, duplo benefício social.

Tal benefício trata-se de salário indireto, ou seja, é um suplemento dos salários ordinários, apesar de não corresponder a nenhum trabalho determinado.2 tem, portanto, natureza remuneratória.

Apesar de respeitar o entendimento do nobre Conselheiro Wanderley Ávila que, em consultas anteriores, entendeu ser possível que o benefício do plano de saúde tenha natureza indenizatória, não vislumbro tal possibilidade. conforme as consultas n. 747.263 e n. 783.497, entende-se como indenização no direito público os valores pagos a título de compensação de despesas excepcionais, não corriqueiras, em decorrência do exercício de função pública. O benefício do plano de saúde não poderá ter caráter indenizatório, pois não se destina a recompor despesas extraordinárias assumidas pessoalmente pelo agente no exercício de sua função.

1 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1974.

2 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, v.1. 1997, p. 358.

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Em relação ao pagamento desse plano de saúde, tendo em vista o caráter remuneratório do benefício, nada impede que a Administração Pública pague o plano de saúde em sua totalidade, se houver orçamento para tanto. Ou que contribua somente com uma parte. Segundo entendimento do TJMG,3 o plano de saúde não tem natureza jurídica previdenciária. E por esse motivo, pode-se concluir que não há a obrigatoriedade de que o servidor arque com uma parte, como ocorre com os benefícios desta natureza, podendo a Câmara Municipal arcar com todo o custo.

Além disso, a adesão ao plano de saúde deve ser voluntária, não podendo o servidor ser obrigado a aderir, visto não haver compulsoriedade, tanto no caso em que a Administração arque com toda a despesa ou no caso de pagar somente uma parte. Isso, pois não há natureza tributária, ou seja, não é uma prestação pecuniária compulsória instituída em lei e sim um benefício remuneratório oferecido pela Administração Pública. Já em relação aos familiares dos servidores, será sim possível a concessão do plano de saúde se o Município dispuser de recursos orçamentários e financeiros para conceder tal vantagem, já que não há vedação legal para tanto. Nesse sentido, note-se, também, que o benefício do plano de saúde visa à melhoria da condição social dos agentes públicos, pelo que a extensão da benesse à suas famílias vai ao encontro da finalidade da concessão.

Cumpre ressaltar, ainda, que a lei que regulamentar a concessão do plano de saúde a familiares de servidores deverá regular o grau de parentesco que pode ser alcançado por tal benefício.

Por fim, em qualquer hipótese, deverá o ente concedente respeitar os limites legais com despesa de pessoal e cuidar para que a concessão da vantagem em análise seja feita de forma responsável e planejada, para que não signifique um fator de desequilíbrio financeiro para o Município.

Admitida a possibilidade de contratação de plano de saúde e fixada sua natureza, analisarei os requisitos para a concessão.

É obrigatório que a vantagem em análise seja concedida por lei, de iniciativa da própria Câmara Municipal, nesse ponto divergindo do eminente relator. Explico melhor.

A Constituição Federal preconiza a autonomia administrativa e financeira dos Poderes, sendo assim, cabe ao próprio Legislativo a iniciativa de lei para fixação de seus padrões remuneratórios, de acordo com o art. 51, IV, da Constituição Federal, e por simetria aplicável às Constituições Estaduais e às leis orgânicas municipais, cabendo ao chefe do Executivo sancioná-la. Há, portanto, a possibilidade de os servidores de órgãos, e/ou de um e outro Poder terem, distintamente, benefícios de plano de saúde. Não há necessidade de que o benefício se estenda a todos os servidores do Município, podendo ser concedido somente aos servidores do Legislativo.

3 Número do processo: 1.0024.06.992221-9/002(1) Relator: Armando Freire. Data do julgamento: 19/02/2008.

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Isso posto, insta salientar que, para a edição da lei autorizativa, é imprescindível que haja prévia dotação orçamentária e autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O art. 169, § 1° da CR/88, prevê, in verbis:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Dis-trito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1° A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a cria-ção de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas:

I — se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às proje-ções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

II — se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentá-rias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista (grifo nosso).

outro requisito fundamental é o atendimento aos ditames da lei de responsabilidade Fiscal, especialmente o art. 19, III e art. 20, III, a e b:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discri-minados:

(...)

III — Municípios: 60% (sessenta por cento).

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os se-guintes percentuais:

(...)

III — na esfera municipal:

a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Mu-nicípio, quando houver;

b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.

Quanto ao Poder Legislativo, há que se observar ainda o disposto no § 1° do art. 29-A da CR/88:

Art. 29-A (...)

§ 1°. A Câmara Municipal não gastará mais de 70% (setenta por cento) de sua recei-ta com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores.

Ao utilizar a expressão folha de pagamento, entendemos que o constituinte quis referir-se ao conceito de despesa com pessoal. Como a contratação de plano de

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saúde para os servidores constitui despesa com pessoal, esse limite de 70% da receita da Câmara deve ser respeitado.

Além de todos esses requisitos, é fundamental observar que o contrato a ser firmado entre a Administração Pública e a empresa de plano de saúde deverá, via de regra, se submeter a um processo licitatório, nos termos da Lei n. 8.666/93, ressalvadas as exceções dos arts. 24 e 25.

como salienta gustavo moura dos santos:

(...) é importante observar que a Câmara Municipal tem autonomia adminis-trativa e financeira, conforme se depreende dos arts. 51, IV e 52, XIII c/c art. 29, caput, CRFB. Desse modo, deve ela própria realizar a licitação e proceder à contratação (...) para os seus servidores, os quais serão pagos com recursos do Poder Legislativo, submetendo-se, portanto, às limitações com despesa de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição.4

Outra possibilidade é a realização do credenciamento, que é possível, independentemente do valor do contrato, desde que seja aberto a todos os interessados que preencham os requisitos estabelecidos pela Administração no edital de credenciamento.5 Não há necessidade de licitação quando uma alternativa de contratar não for excludente de outras, isso, mesmo em face da imposição de requisitos mínimos. A administração deverá credenciar todos aqueles interessados que satisfaçam os requisitos previamente estabelecidos. Sua utilização encontra-se condicionada aos princípios que informam a Lei de Licitações e, por ser excepcional, deve ser justificado pelo administrador. Ou seja, haverá o credenciamento quando houver inexigibilidade de licitação, por inviabilidade de competição, quando todos os interessados podem realizar o serviço. os servidores poderão optar por um plano de saúde dentre aqueles prestadores que atenderem as qualificações exigidas no edital. As condições da prestação de serviço devem ser uniformes e previamente estabelecidas no edital de credenciamento.

Além disso, o pagamento corresponderá à efetiva prestação de serviços pelos contratados.

Por fim, como último adendo, entendo que a concessão do benefício, se custeado pelo Poder Público, deverá ser acessível a todos os servidores, sem qualquer distinção, vedado sua concessão a apenas parte do quadro de pessoal, como, por exemplo, a filiados de associação de servidores, sindicatos ou outras entidades do gênero, sob pena de violação do princípio da isonomia, como aliás decidiu o TCE/PR em recente assentada.

Esses são os requisitos que considero fundamentais para que possa haver a concessão de plano de saúde aos servidores da Câmara Municipal.

4 DOS SANTOS, Gustavo Moura. A Concessão do Seguro Saúde aos Servidores Municipais. Revista da Administração Municipal. Jul./ set., 2008, p.76.

5 É o que se observa na Denúncia n. 751.882, na Consulta n. 682.192 e no Processo Administrativo n. 604.816, deste Tribunal.

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Quanto ao outro questionamento, relativo à possibilidade de os edis receberem o benefício do plano de saúde, estou convencido, assim como o relator, de que os vereadores não possuem esse direito, pois, segundo o § 4° do art. 39 da Constituição Federal, estão sujeitos ao regime de subsídio.

Por isso, em virtude de sua natureza remuneratória, a vantagem do plano de saúde não pode ser estendida aos vereadores, pelo fato de serem eles agentes políticos, detentores de mandato eletivo, que recebem subsídios, parcelas únicas a que não se pode adicionar qualquer vantagem remuneratória.

Quanto aos familiares dos vereadores, penso não ser possível a concessão de tal benefício, pelos motivos já explicitados acima, referentes à sujeição do agente político ao regime de subsídio. Assim, vale de regra o brocardo jurídico de que accessio cedit principali.

Conclusão: pelas razões elencadas, respondo a esta consulta, em suma, nos seguintes termos:

Há a possibilidade de se conceder aos servidores da Câmara Municipal o benefício do plano de saúde, custeado, em parte, pela Administração Pública. Tal benefício tem natureza remuneratória.

Para tanto, devem ser respeitados os seguintes requisitos:

a) edição de lei, de iniciativa do próprio Legislativo Municipal;

b) prévia dotação orçamentária e autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias;

c) atendimento aos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal;

d) respeito aos limites de despesa com pessoal previstos no § 1° do art. 29-A da Constituição Federal;

e) observância da Lei n. 8.666/93 na contratação da empresa operadora do plano de saúde.

Os familiares dos servidores poderão receber tal benefício, observadas as exigências legais.

Por outro lado, em razão da natureza remuneratória, essa vantagem não poderá ser concedida aos vereadores, nem aos seus familiares, observado o disposto no § 4° do art. 39 da Constituição Federal, que estabelece a remuneração dos detentores de mandato eletivo exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer outra vantagem remuneratória.

Conforme art. 216 do Regimento Interno deste Tribunal, este entendimento, firmado no mesmo sentido das Consultas n. 719.033, n. 759.623 e n. 776.313, implica a reforma das teses das Consultas n. 603.289, n. 655.033, n. 684.998, n. 730.772 e n. 735.412, que dispunham sobre a matéria em outro sentido.

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Sugiro, por conseguinte, ante o papel pedagógico desta Corte e a repercussão das deliberações em sede de consultas, que seja anotada a reforma da tese no arquivo das Consultas n. 603.289, n. 655.033, n. 684.998, n. 730.772 e n. 735.412, disponibilizado no sítio eletrônico do Tribunal.

Adotando tal procedimento, poderemos evitar a ocorrência de interpretações equivocadas de nossa orientação, conferindo efetividade ao art. 216 do novo regimento interno.

É o meu parecer.

Em sendo aprovado, encaminhe-se cópia da decisão à Biblioteca desta Corte, responsável pelo gerenciamento do banco de dados que disponibiliza a pesquisa das consultas, para que anote a reforma supracitada com a maior brevidade possível.

Na oportunidade, manifestou-se o Conselheiro Sebastião Helvecio:

Acolho o parecer do relator, mas com a seguinte ressalva: assistência médica é um dos itens integrantes da seguridade social, junto com assistência social e a previdência; e o princípio da solidariedade há que ser observado — deve acontecer sempre a participação do servidor beneficiado com o plano de saúde.

Quanto ao assunto, posicionou-se o Conselheiro Presidente Wanderley Ávila:

Esta Presidência também acompanha o relator, sendo vencida somente com relação à natureza remuneratória do benefício do plano de saúde.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 10/03/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz que acompanharam o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa, com as observações do Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Vencidos em parte o Conselheiro Presidente Wanderley Ávila e o Conselheiro Sebastião Helvecio.

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RELATÓRIO

Tratam os autos de prestação de contas da Prefeitura Municipal de Guiricema, relativa ao exercício de 2008.

No exame do processo pelo órgão técnico de acordo com a Ordem de Serviço n. 3, de 27/05/09, a fls. 04-21, foram apontadas irregularidades que ensejaram a abertura de vista ao gestor, Sr. Jurandir Márcio Rezende Coelho.

Despesas empenhadas superiores ao limite dos créditos autorizados e repasse efetuado à Câmara Municipal superior a preceito legal impõem emissão de parecer pela rejeição das contas de Município*

* Cumpre informar que até o fechamento desta edição a decisão proferida pelo Tribunal nos autos epigrafados não havia transitado em julgado.

PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL N. 782.623

Ao responsável pelo órgão de Controle Interno, recomenda-se o acompanhamento, sob todos os aspectos, da gestão municipal, a teor do que dispõe o art. 74 da Constituição da República, alertando-o de que, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, deverá dar ciência ao Tribunal de Contas, sob pena de responsabilidade solidária.

RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ

EMENTA: Prestação de Contas — Prefeitura Municipal — Irregularidades — Não indicação da natureza das aplicações de recursos oriundos de convênios — Despesas empenhadas superiores ao limite de créditos autorizados — Repasse à Câmara Municipal superior à prescrição legal — Não aplicação de parte dos recursos recebidos do Fundeb contrariando o previsto no art. 21 da Lei Federal n. 11.494/07 — Parecer prévio pela rejeição das contas.

ASS

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O responsável se manifestou, juntando aos autos os documentos a fls. 31-33 e encaminhando mídia eletrônica com alteração dos dados relativos à análise comparativa entre a prestação de contas anual e o Siace/LRF.

Em face desses documentos, o órgão técnico procedeu ao relatório de reexame das contas, apontando irregularidades, a fls. 36-42.

O douto Ministério Público de Contas, a fls. 44, opinou pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas, a teor do disposto no art. 45, inciso III, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas.

É o relatório.

MéRITO

Inicialmente, cumpre informar que o Município aplicou os percentuais de:

— 25,57% na manutenção e desenvolvimento do ensino (fls. 07, 10-11 e 39);

— 55,48% com despesas de pessoal, sendo 50,41% relativos ao Executivo e 5,07% referentes ao Legislativo (fls. 08 e 12-13 e 40);

— 20,93% nas ações e serviços públicos de saúde (fls. 08 e 14-15 e 40).

Registre-se que os índices percentuais poderão ser modificados, se apurados, em inspeção in loco, dados divergentes dos informados pela Prefeitura nesta prestação de contas.

O Município realizou outras receitas oriundas de Transferências de Convênios no valor de R$1.305.089,81, rubrica 2.472.99.00, sem as devidas indicações das naturezas de suas aplicações, sendo necessária a especificação, uma vez que a correta identificação do convênio poderá impactar nas apurações dos percentuais de aplicações no ensino e na saúde.

O defendente não indicou a natureza dos convênios lançados na rubrica 2.472.99.00 — Outras Transferências de Convênios dos Estados.

Ressalte-se que é essencial a identificação da natureza da aplicação dos recursos, para convalidação dos índices de 25,57% na manutenção e desenvolvimento do ensino e de 20,93% nas ações e serviços públicos de saúde.

Saliente-se que a não identificação dos recursos de convênios contraria a orientação de inserção das contas de receitas constantes nas páginas 52-57 do Manual de Instalação e Utilização do Siace, quanto a convênios, especificamente à página 56.

Passo ao exame das irregularidades apontadas pelo órgão técnico:

Execução Orçamentária (fls. 05 e 37)

Foram empenhadas despesas além do limite dos créditos autorizados, no valor de R$290.354,09, contrariando o disposto no art. 59 da Lei n. 4.320/64.

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Tendo em vista que o defendente não se manifestou quanto a esse item, permanece o descumprimento do art. 59 da Lei n. 4.320/64.

Repasse à Câmara Municipal (fls. 06 e 38)

O repasse efetuado à Câmara Municipal não obedeceu ao limite fixado no inciso I do art. 29-A da Constituição Federal, com redação dada pelo art. 2° da Emenda Constitucional n. 25/2000, não atendendo ao § 2°, inciso I, do dispositivo legal citado.

Verifica-se uma divergência de R$957.480,32 no confronto entre a arrecadação informada pelo Município, no valor de R$4.086.498,83 e aquela apurada na prestação de contas do exercício anterior, no valor de R$5.043.979,15.

No Anexo xx — Demonstrativo dos Repasses Concedidos, a fls. 18, consta devolução de numerário da Câmara à Prefeitura, no valor de R$3.039,80. Entretanto, no demonstrativo do Sicam, a fls. 19, não consta devolução.

o defendente não se manifestou quanto a essas irregularidades.

O repasse efetuado à Câmara Municipal, superando os limites fixados no art. 29-A, inciso I, da Constituição Federal, no valor de R$90.833,59, equivalente a 1,8% é falta grave de responsabilidade do gestor, conforme disposto no § 2°, inciso I, do dispositivo constitucional mencionado.

Quanto à divergência de R$957.480,32 entre a arrecadação do Município informada e a apurada na prestação de contas do exercício anterior e o valor de R$3.039,80, referente à devolução da câmara, deverá o serviço de contabilidade tomar as providências no sentido de efetuar as correções necessárias e apresentar à Câmara Municipal, quando do julgamento das contas.

Recursos do Fundeb (fls. 07 e 39)

Verificou-se a não aplicação de R$174.662,45, equivalentes a 24,69% dos recursos recebidos do Fundeb, ultrapassando o limite de 5% previsto no § 2° do art. 21 da Lei Federal n. 11.494/07, tendo sido apurado saldo de R$68.223,27 na conta Bancos, específica desse fundo.

o defendente não se manifestou quanto a esse item.

Permanece o descumprimento do § 2° do art. 21 da Lei Federal n. 11.494/07 e a divergência do saldo bancário em conta específica.

Análise comparativa entre a prestação de contas atual e o Siace/LRF

Foram apuradas divergências no confronto entre o Siace/PCA e o Siace/LRF.

Na mídia eletrônica enviada, foram feitas alterações para correção das divergências, permanecendo ainda divergentes os itens Despesa Total com Pessoal e Inscrição de Restos a Pagar Processados, conforme a fls. 42.

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Conclusão: pelo exposto, a teor do que dispõem a Resolução TCEMG n. 04/09 e a O.S. n. 3, de 27/05/09 e acordes com o Ministério Público junto ao Tribunal, voto pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas da Prefeitura Municipal de Guiricema, exercício de 2008, nos termos do inciso III do art. 45 da Lei Complementar n. 102/08 — Lei Orgânica do Tribunal de Contas, tendo em vista despesas empenhadas superiores ao limite dos créditos autorizados, no valor de R$290.354,09, em afronta às disposições do art. 59 da Lei n. 4.320/64 e o repasse efetuado à Câmara Municipal a maior, no valor de R$90.833,59, em desobediência ao limite de 8% fixado no inciso I do art. 29-A da Constituição da Federal, com redação dada pelo art. 2°, da Emenda Constitucional 25/2000.

Recomendo ao atual gestor sejam mantidos, devidamente organizados, todos os documentos relativos aos atos de gestão praticados no exercício financeiro em tela, observados os atos normativos do tribunal, os quais deverão ser disponibilizados a esta Corte mediante requisição ou durante as ações de fiscalização a serem realizadas na municipalidade.

Ao responsável pelo órgão de Controle Interno, recomenda-se o acompanhamento, sob todos os aspectos, da gestão municipal, a teor do que dispõe o art. 74 da Constituição da República, alertando-o de que, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, deverá dar ciência ao Tribunal de Contas, sob pena de responsabilidade solidária.

Deverá a Diretoria Técnica competente verificar in loco a natureza dos convênios, no valor total de R$ 1.305.089,81, apropriados na rubrica 2.472.99.00 — Outras Transferências de Convênios dos Estados, cuja destinação é essencial para convalidação dos índices apurados, que poderão impactar no cumprimento dos percentuais mínimos de aplicações constitucionalmente exigidos no ensino e na saúde.

E, ainda, que se verifique a não aplicação de 24,69% dos recursos recebidos do Fundeb, extrapolando o limite de 5%, bem como a origem da divergência entre os valores demonstrados no Anexo III — Fundeb e aqueles registrados na conta específica desse fundo, e as divergências verificadas na análise comparativa entre a prestação de contas atual e o Siace/LRF, em razão dos fatos consignados na fundamentação deste voto.

Após o cumprimento dos procedimentos legais cabíveis à espécie, o arquivamento dos autos se impõe.

A prestação de contas em epígrafe foi apreciada na sessão do dia 11/03/10. Na oportunidade, o conselheiro Presidente da segunda câmara, eduardo carone costa, e o conselheiro Sebastião Helvecio aprovaram o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Elmo Braz.

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RELATÓRIO

Tratam os autos da consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Rio Manso, Sr. adair dornas dos santos, nos seguintes termos:

1 — Pode o Município efetuar o pagamento, com recursos dos 25% da Educação, de férias-prêmio indenizadas aos profissionais da área de educação?

2 — Pode o Município efetuar o pagamento com recursos do Fundeb (60%), de férias-prêmio indenizadas, aos profissionais do magistério?

A Auditoria, por intermédio do Dr. Gilberto Diniz, emitiu o parecer a fls. 12-16, no qual, em preliminar, entende ser a parte legítima e estar a matéria arrolada entre aquelas da competência legal deste Tribunal.

No mérito, o douto Auditor faz, em princípio, um retrospecto das respostas desta Corte a consultas correlatas a ora examinada, concluindo que o valor pago a título

Impossibilidade de utilização dos 25% da educação e dos 60% do Fundeb para pagamento de férias-prêmio indenizadas

CONSULTA N. 797.154

Para os fins da presente análise, o que importa é que o valor em causa não tem natureza remuneratória, não é remuneração.E, como já se viu, a Instrução Normativa TCEMG n. 13/2008 manda considerar, como despesas realizadas com manutenção e desenvolvimento do ensino, as que se refiram à “remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação”; manda, também, destinar pelo menos 60% dos recursos do Fundeb para a “remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública.”

RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ

EMENTA: Consulta — Prefeitura Municipal — Férias-prêmio indenizadas — I. Pagamento aos profissionais da educação. Cômputo como despesa realizada com manutenção e desenvolvimento do ensino (25% destinados à educação). Impossibilidade. II. Pagamento aos profissionais do magistério. Utilização da parcela de 60% dos recursos do Fundeb. Impossibilidade — Importância recebida a título de férias-prêmio não se enquadra como remuneração — Natureza indenizatória do benefício.

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de indenização pelo não gozo da licença-prêmio não pode ser considerado como despesa realizada com a manutenção e desenvolvimento do ensino, nem pode ser levado à conta da parcela de 60% dos recursos do Fundeb.

É o relatório.

PRELIMINAR

Por estarem presentes os requisitos de admissibilidade previstos no art. 212 do Regimento Interno (Resolução 12/2008), tomo conhecimento da presente consulta.

MéRITO

No mérito, endosso o parecer emitido pelo douto Auditor, que, inicialmente, faz um retrospecto das respostas desta Corte a consultas correlatas a ora examinada. Diz ele:

Em 23/08/2000, respondendo à Consulta n. 627.712, relator Conselheiro Simão Pedro Toledo, o Tribunal, questionado sobre despesas com rescisões contra-tuais de profissionais do ensino, deu pela impossibilidade de elas serem custeadas com recursos do Fundef.

Em 30/06/2004, provocado pela Consulta n. 683.251, relator Conselheiro José Ferraz, o Tribunal firmou posição contrária ao pagamento de férias-prêmio dos profissionais do magistério com recursos do Fundef.

Em 12/09/2007, atendendo à Consulta n. 736.128, relator Conselheiro Simão Pedro Toledo, o Tribunal, na linha da anterior resposta à Consulta n. 683.251, manifestou-se contrariamente ao pagamento de férias-prêmio dos profis-sionais do magistério com recursos do Fundeb (parcela de 60%); admitiu, porém, o uso de tais recursos para quitação de despesas com rescisão de contrato de trabalho por tempo determinado.

Em 10/10/2007, em resposta à Consulta n. 737.094, relator Conselheiro Antô-nio Carlos Andrada, o Tribunal, consultado sobre a possibilidade de o Município efetuar o pagamento aos profissionais do magistério de férias-prêmio inde-nizadas com recursos do Fundeb (60%), respondeu negativamente.

Em 27/11/2008, manifestando-se na Consulta n. 768.041, relator Conselheiro Simão Pedro Toledo, o Tribunal, em face de questões análogas às dos presentes autos, respondeu negativamente, oportunidade em que determinou a remessa ao consulente de cópias das notas taquigráficas das retromencionadas Consul-tas n. 683.251, 736.128 e 737.094.

Saliento que, em nenhum dos três precedentes referidos — Consultas n. 683.251, 736.128, 737.094 — fora abordada a questão do cômputo das despesas havidas com férias-prêmio indenizadas para o fim de apurar-se a aplicação mínima de 25% da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Esse questionamento — que já havia sido feito na Consulta n. 768.041 — foi reitera-do nestes autos, razão pela qual a simples remessa de anteriores notas taquigráficas para o ora consulente não responderá a todas as dúvidas suscitadas na inicial.

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Feito esse registro, passo, pois, ao exame da matéria.

A disciplina da aplicação mínima de 25% da receita resultante de impostos na ma-nutenção e desenvolvimento do ensino está contida no art. 212 da Constituição da República, na Lei Federal n. 9.394/1996 e no art. 201 da Constituição Minei-ra; a da aplicação dos recursos do Fundeb, no art. 60 do ADCT da Constituição da República, na Lei Federal n. 11.494/2007 e no Decreto Federal n. 6.253/2007.

Por isso, na solução dos questionamentos da presente consulta, penso deva ser prestigiada a Instrução Normativa TCEMG n. 13/2008, cuja ementa é a seguinte:

“contém normas a serem observadas pelo Estado e pelos Municípios para o cum-primento do art. 212 da Constituição Federal, do art. 201 da Constituição Esta-dual, do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constitui-ção Federal, da Emenda Constitucional n. 53 de 19 de dezembro de 2006 e das Leis Federais n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, 10.845, de 05 de março de 2004 e 11.494, de 20 de junho de 2007, regulamentada pelos Decretos Federais n. 6.253, de 13 de novembro de 2007 e 6.278, de 29 de novembro de 2007.”

Colho, pois, na referida Instrução Normativa TCEMG n. 13/2008:

“Art. 5° Considerar-se-ão despesas realizadas com a manutenção e desenvolvi-mento do ensino as que se refiram a:

I – remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;

(...)”

E mais:

“Art. 11. Os recursos do Fundeb, incluída a complementação da União, quan-do for o caso, serão utilizados pelo Estado e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados, exclusivamente em ações considera-das como de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, assegurados, pelo menos, 60% para a remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública, nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei Federal n. 11.494/07, observando-se os limites de despesas com pessoal fixados pela Lei Complementar n. 101/2000.”

Nos dois dispositivos, destaquei a palavra remuneração, pois entendo estar aí o ponto a ser esclarecido por este Tribunal. Pergunto-me: no contexto, a re-muneração deve ser entendida como compreensiva do valor pago ao agente público pelo não gozo das férias-prêmio?

Entendo que não, pelas razões que passo a expor.

A depender da norma de regência e das circunstâncias do caso concreto, é pos-sível a conversão da licença-prêmio em pecúnia. Cito, a propósito, o magistério de Hely Lopes Meirelles:

“A licença-prêmio conversível integralmente em dinheiro é uma vantagem pe-cuniária anômala, porque não se enquadra nem como adicional de tempo de serviço, nem como adicional de função, nem como gratificação. Abandonada a sua finalidade higiênica, passou ela a ser um prêmio, mas um prêmio condicio-nado a certo tempo de serviço efetivo, e a determinadas condições de exercí-

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cio do cargo — assiduidade e disciplina — pelo funcionário pretendente à sua obtenção. Transcorrido o tempo e satisfeitas as condições de trabalho exigidas pela lei, erige-se a licença-prêmio em direito subjetivo do servidor à percep-ção do montante equivalente aos vencimentos correspondentes ao período em que poderia ficar afastado do cargo.” (direito administrativo brasileiro. 13. ed. atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 409-410)

Com arrimo nessa lição, entendo que o agente público, na hipótese de conver-são da licença-prêmio em pecúnia, percebe montante equivalente aos ven-cimentos correspondentes ao período em que poderia ficar afastado do cargo. Destaco: percebe montante equivalente aos vencimentos; e não os vencimentos propriamente ditos.

A confirmar tal entendimento, as palavras de Yussef Said Cahali, batendo-se pela não incidência do percentual fixado a título de alimentos sobre os valores percebidos pelo trabalhador em razão da conversão, em pecúnia, de férias ou licença-prêmio:

“Possibilitada, eventualmente, a conversão das férias ou de licença-prêmio em pecúnia, desde que não represente vantagem permanente, mas simples van-tagem anômala, que não se enquadra no adicional por tempo de serviço, nem pode ser considerada como vencimento ou remuneração, a importância re-cebida não se colaciona na base de cálculo dos vencimentos...” (dos alimentos. 5. ed. atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 536)

Em verdade, “o direito, aí, tem natureza indenizatória. E encontra fundamento em princípio jurídico do mais elevado plano, assim o que veda enriquecimento sem causa, estabelecido à custa do patrimônio ou do trabalho de outrem.” (TJSP, 8a Câmara Civil, Ap. 68.155-1, Relator: Desembargador Arthur de Godoy, unânime, julgamento 12/12/1985, RT 606/89)

Para os fins da presente análise, o que importa é que o valor em causa não tem natureza remuneratória, não é remuneração.

E, como já se viu, a Instrução Normativa TCEMG n. 13/2008 manda considerar, como despesas realizadas com manutenção e desenvolvimento do ensino, as que se refiram à “remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e de-mais profissionais da educação”; manda, também, destinar pelo menos 60% dos recursos do Fundeb para a “remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública.”

Tenho, pois, de concluir que — por não ser remuneração — o valor pago pelo não gozo da licença-prêmio: a) não pode ser considerado como despesa reali-zada com manutenção e desenvolvimento do ensino; b) não pode ser levado à conta da parcela de 60% dos recursos do Fundeb.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 07/04/10 presidida pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada; presentes o Conselheiro Eduardo Carone costa, conselheiro substituto Hamilton coelho, conselheira adriene andrade, conselheiro Substituto Licurgo Mourão que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, conselheiro elmo braz. impedido o conselheiro gilberto diniz.

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RELATÓRIO

cuidam os autos de pedido de reexame interposto pela sra. maria elena zaidem lanini, Prefeita Municipal de Goianá à época, por intermédio de seu procurador, em face da deliberação em sede de parecer prévio relativa à prestação de contas do exercício de 2004 da Prefeitura do referido Município, por meio da qual houve a rejeição das contas pela Primeira Câmara deste Tribunal, na sessão datada de 20/09/2007.

O órgão técnico desta Corte de Contas procedeu ao exame das razões recursais a fls. 33-35.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se a fls. 37-39.

PEDIDO DE REExAME N. 768.754

(...) a questão em comento foi apreciada no dia 06/04/05, ou seja, ulteriormente ao envio da prestação de contas do referido Município referente ao exercício financeiro de 2004. Nesse sentido, e por terem as consultas caráter normativo, não poderia um incidente de uniformização de jurisprudência decidido prospectivamente a certo ato (...) retroagir para atingir atos já praticados, ou em outros termos, não é possível uma norma prejudicial retrotrair para alcançar atos já consumados no passado.

RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

EMENTA: Pedido de reexame — Município — Emissão de parecer prévio pela rejeição das contas — Inexistência de diretrizes uniformes quando da emissão de parecer prévio — Normatização pelo TCEMG posterior ao envio da prestação de contas — Impossibilidade de norma prejudicial retroagir para atingir atos já consumados — Recurso provido — Parecer prévio pela aprovação das contas.

Inexistência de diretrizes uniformes quando da emissão de parecer prévio pelo TCE impõe reforma de decisão

ASS

COM

TCE

MG

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Os presentes autos foram submetidos à apreciação da Primeira Câmara deste Tribunal, oportunidade em que o Exmo. Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz ponderou, preliminarmente, acerca da possibilidade de remetê-los para deliberação deste Tribunal Pleno, tendo sido acatada, à unanimidade, naquela assentada, a sugestão do ilustre conselheiro.

É o relatório, no essencial.

PRELIMINARES

1 Da competência do Tribunal Pleno

Preliminarmente, com base na proposta feita pelo Exmo. Conselheiro Gilberto diniz, em virtude de se tratar de tese nova e que, se for aprovada, poderá ensejar alteração de toda a metodologia utilizada pelo Tribunal no exame das prestações de contas, ainda não apreciadas, anteriores à uniformização de jurisprudência, no tocante ao cômputo ou não do Fundef na base de cálculo para repasse à Câmara Municipal, e, com fulcro no inciso I do art. 26 do RITCEMG, indago aos meus pares se ratificam a decisão da Câmara que deliberou pela apreciação dos presentes autos por este tribunal Pleno.

2 Admissibilidade recursal

De início, conheço do presente recurso por restarem preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade prescritos no art. 108 da Lei Complementar n. 102/2008, bem como no art. 350 do RITCEMG (Resolução n. 12/2008).

MéRITO

A recorrente inicia suas razões recursais, aludindo que a rejeição das contas de 2004 foi motivada pelo descumprimento de norma constitucional atinente ao repasse de recursos à Câmara Municipal de Goianá.

Sustenta que a Administração Municipal teria repassado para a Câmara do respectivo Município, além do limite mínimo de 8% previsto constitucionalmente, um valor excedente equivalente a 1,15%, o que teria ocasionado a rejeição das contas por este Tribunal, malgrado a manifestação em contrário da Auditoria desta corte de contas.

Continua argumentando que o Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 685.116, que versou sobre o cálculo de repasse às Câmaras Municipais do percentual

As preliminares suscitadas pelo relator foram acolhidas pelos Conselheiros presentes, por unanimidade.

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de 15% do Fundef, só fora apreciado no âmbito deste Tribunal no dia 06 de abril de 2005, e sua publicação efetivou-se em outubro do referido ano, data esta posterior às contas prestadas referentes ao exercício de 2004, e que, se a receita do Fundef tivesse sido incluída, o repasse estaria adstrito ao limite de 8%.

Assevera, ainda, que os próprios órgãos de assistência aos municípios, públicos ou privados, em 2004, não dispunham de condições técnica, contábil ou jurídica para prestar a devida assessoria, posto que as diretrizes uniformes ainda não tinham sido estabelecidas por esta Corte.

Salienta, por derradeiro, não ter havido em momento algum dolo ou culpa em sua conduta.

De início, cumpre ressaltar que as contas prestadas pela Prefeitura Municipal de Goianá, relativas ao exercício de 2004, foram rejeitadas em razão do repasse à Câmara Municipal ter superado o limite previsto no inciso I do art. 29-A da Constituição da República de 1988.

Insta salientar que o Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 685.116, que pacificou o entendimento no âmbito deste Tribunal de que as transferências do Fundef não integram o somatório da receita tributária e das transferências constitucionais a que se refere o art. 29-A da CR/88, foi apreciado na Sessão Plenária deste Tribunal do dia 06/04/05.

Esse entendimento no âmbito desta Corte de Contas deu ensejo à Súmula TC n. 102, com os seguintes termos:

A contribuição ao Fundef e ao Fundeb, bem como as transferências recebidas desses Fundos pelos Municípios, incluída a complementação da União, a qualquer título, não integram a base de cálculo a que se refere o art. 29-A da Constituição Federal/88 para o fim de repasse de recursos à Câmara Municipal (Súmula TC n. 102, grifo nosso).

Analisando as razões esposadas pela recorrente, verifica-se que lhe assiste razão quanto ao seu pleito de provimento do presente recurso, isso porque:

Primeiramente, como bem sustentado pela recorrente, quando da emissão do parecer prévio pela rejeição das contas do Município de Goianá referente ao exercício de 2004, em virtude de o valor repassado à Câmara Municipal ter superado o limite fixado no inciso I do art. 29-A da Constituição da República de 1988, por não terem sido excluídos os valores retidos para formação do Fundef, o entendimento deste Tribunal sobre a questão ainda não era pacífico. Em diversas consultas respondidas por este Tribunal os posicionamentos se mostravam antagônicos.

saliente-se, por oportuno, que essa dissidência de entendimentos em sede de consultas, cujo papel de orientação é por demais relevante no âmbito deste Tribunal, tem como efeito potencial uma instabilidade jurídica que não se coaduna

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com um dos corolários mais importantes do ordenamento jurídico pátrio, qual seja, o princípio da segurança jurídica, e que é uma constante preocupação dos membros desta Corte em seus julgamentos. nesse diapasão, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal nos seguintes termos, verbis:

A manutenção de decisões contraditórias compromete a segurança jurídica, porque provoca nos jurisdicionados inaceitável dúvida quanto à adequada interpretação da matéria submetida a esta Suprema Corte. (STF, Embargos Declaratórios nos Embargos Divergentes no Recurso Extraordinário 198604/PR; Relator: Ministro Cezar Peluso, Relator para o Acórdão: Ministra Ellen Gracie; julgado em: 26/03/2009; grifo nosso)

Nesse contexto é que, acertadamente, esta colenda Corte deu novo tratamento ao processamento das consultas, visando preservar o seu relevantíssimo papel pedagógico sem descaracterizar ou descuidar de sua natureza normativa.

Frise-se, ainda, que a uniformização de jurisprudência que pacificou o entendimento no âmbito desta Corte de Contas sobre a questão em comento foi apreciada no dia 06/04/05, ou seja, ulteriormente ao envio da prestação de contas do referido Município referente ao exercício financeiro de 2004. Nesse sentido, e por terem as consultas caráter normativo, não poderia um incidente de uniformização de jurisprudência decidido prospectivamente a certo ato (e aqui estamos tratando do ato da prestação de contas pela recorrente) retroagir para atingir atos já praticados, ou em outros termos, não é possível uma norma prejudicial retrotrair para alcançar atos já consumados no passado.

VOTO

Por todo o exposto, considerando que as razões recursais expendidas pela recorrente foram subsistentes para alterar a deliberação em sede de parecer prévio prolatada na sessão da Primeira câmara do dia 20/09/2007, nos autos da Prestação de Contas Municipal n. 697.145, dou provimento ao recurso para emitir parecer prévio pela aprovação das contas referentes ao exercício de 2004 da Prefeitura Municipal de Goianá.

Intime-se a interessada desta decisão e dê-se seguimento ao feito com as cautelas de estilo.

O pedido de reexame em epígrafe foi apreciado pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 24/03/10 presidida pelo Conselheiro, relator dos autos, Antônio Carlos Andrada; presentes o conselheiro eduardo carone costa, conselheiro elmo braz, conselheira adriene andrade, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz que aprovaram, por unanimidade, o voto exarado pelo relator.

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RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de consulta formulada pelo Sr. Helder Honório da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Engenheiro Caldas, por meio da qual elabora o seguinte questionamento, in verbis:

1. A quem cabe a alienação de bens móveis do Poder Legislativo?

2. Qual Poder deverá abrir o processo licitatório de alienação: Legislativo ou Executivo?

3. A receita proveniente da alienação será destinada ao Poder Legislativo ou Executivo: Caso seja destinada à Câmara Municipal, como esta receberá tal receita? Poderá recebê-la além das transferências efetuadas pelo Poder Executivo à Câmara Municipal?

É o relatório, em síntese.

CONSULTA N. 793.762

(...) a afirmação de que a receita de capital proveniente da alienação de um bem da Câmara Municipal será destinada ao próprio Poder Legislativo deve ser entendida no sentido de que é a Câmara Municipal que definirá, em termos orçamentários, a aplicação dessa receita, tendo em vista que o Poder Legislativo possui autonomia orçamentária.

RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

Alienação de bens móveis peloPoder Legislativo e destinação da receita de capital

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — I. Bens móveis pertencentes à Câmara Municipal. Alienação pelo Legislativo. Possibilidade. Separação e autonomia dos Poderes. Licitação. II. Receita de capital proveniente de alienação de bens móveis. Destinação à própria Câmara Municipal. Possibilidade. Dedução do repasse financeiro realizado pelo Poder Executivo. Observância do disposto no art. 29-A da CR/88.

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PRELIMINAR

Verifico, nos termos constantes da petição inicial, a fls. 01, que o consulente é parte legítima para formular a presente consulta, e que o seu objeto refere-se a matéria de competência desta Corte, nos termos dos arts. 210 e 213 do RITCEMG. Portanto, conheço desta consulta para respondê-la em tese.

MéRITO

Tendo em vista a estreita correlação entre as duas primeiras indagações do consulente, opto por respondê-las conjuntamente:

1. A quem cabe a alienação de bens móveis do Poder Legislativo?

2. Qual Poder deverá abrir o processo licitatório de alienação: Legislativo ou Executivo?

Conforme o Conselheiro Moura e Castro, relator da Consulta n. 671.349, sessão do dia 20/11/2002, o art. 2° da Carta Magna da República deixa clara a independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; o art. 51 da CR, por sua vez, é aplicável ao Poder Legislativo Municipal em razão do princípio da correlação, confirmando a competência privativa da Câmara Municipal para dispor sobre sua organização e funcionamento de seus serviços. Assim, pode a própria Câmara Municipal realizar procedimento licitatório com o objetivo de emprestar, alienar ou doar bens móveis inservíveis que estão sob o seu controle patrimonial, sem qualquer ingerência do Poder Executivo.

A Câmara Municipal, ao alienar bens móveis, deverá observar normas sobre a existência de interesse público, a avaliação prévia, a necessidade de realização de procedimento licitatório, a modalidade de licitação a ser adotada e a desnecessidade de autorização legislativa.

Especificamente sobre a alienação de bens móveis, vale lembrar que, de acordo com o art. 17, caput e inciso II, da Lei Federal n. 8.666/93, tal alienação está subordinada à existência de interesse público, devidamente justificado, e será precedida de avaliação e licitação, sendo esta dispensada nos casos das alíneas a a g do dispositivo legal citado.

Em relação à modalidade de licitação aplicável à alienação de bens móveis, o § 6° do art. 17 dispõe que pode ser utilizado o leilão para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior a R$650.000,00 (valor expresso no art. 23, inciso II, alínea b); para valores superiores, será obrigatória a concorrência.

A adoção de outras modalidades de licitação para alienação de bens móveis não é apropriada, conforme entendimento firmado por esta Corte na Consulta n. 708.593, de relatoria do conselheiro gilberto diniz, sessão de 28/11/2007, in verbis:

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(...) Alinho-me ao posicionamento do Professor Marçal Justen Filho, segundo o qual a regra é a participação de quaisquer interessados na licitação para alienação de bens, que terá como critério o maior preço sob pena de se ofender o princípio da isonomia. Assim, tanto o convite como a tomada de preços, por restringirem a livre participação (um depende de haver sido convidado e o outro de inscrição em registro cadastral), são inapropriados para alienar bens da Administração Pública (grifamos).

Apesar de não ser assunto questionado pelo consulente, tendo em vista o papel pedagógico desta Corte, chamo atenção para o fato de que não há, em regra, necessidade de autorização legislativa para a alienação de bens móveis. Tal entendimento foi consolidado na Consulta n. 708.593, de relatoria do Conselheiro Gilberto Diniz, sessão do dia 28/11/2007, e na Consulta n. 720.900, de minha relatoria, sessão do dia 27/05/2009. Nessas consultas, concluímos que a autorização legislativa só é exigida para bens imóveis, conforme leitura do inciso I do art. 17 da Lei Federal n. 8.666/93, sendo, portanto, desnecessária para a alienação de bens móveis, posição esta sustentada pela maioria da doutrina administrativa. no entanto, pode haver a necessidade de autorização legislativa para alienação de bens móveis, desde que exigida por lei estadual ou municipal, tendo em vista a competência legislativa suplementar desses entes quanto à matéria.

Dessa forma, respondo as duas primeiras indagações: cabe à própria Câmara Municipal, por possuir autonomia administrativa, promover processo licitatório para alienar seus bens móveis, atendidos os pressupostos legais.

Passo a responder a terceira indagação do consulente, que reúne três perguntas:

3. A receita proveniente da alienação será destinada ao Poder Legislativo ou Executivo: Caso seja destinada a Câmara Municipal, como esta receberá tal receita? Poderá recebê-la além das transferências efetuadas pelo Poder Executivo à Câmara Municipal?

Sobre a primeira pergunta, a Receita de Capital proveniente da alienação de bens móveis integrantes do Ativo Permanente da Câmara Legislativa pertence ao próprio Poder Legislativo, em respeito, novamente, aos princípios da separação e da autonomia dos Poderes, também aplicáveis à gestão patrimonial.

Em relação à segunda pergunta, o recebimento da referida receita, em termos financeiros, dependerá do disposto no instrumento convocatório do procedimento licitatório, promovido pela Câmara Municipal, em observância aos ditames da Lei Federal n. 8.666/93.

No que diz respeito ao recebimento da referida receita, em termos contábeis, recomendo ao consulente a leitura atenta da Instrução Normativa n. 10/2008, expedida por esta Corte, que dispõe sobre a prestação de contas pelo chefe do Poder Legislativo referente ao exercício de 2008. Sobre tal instrução, é necessário destacar alguns pontos, com o objetivo de esclarecer a dúvida do consulente.

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O Sistema Informatizado de Contas para Câmaras Municipais (Sicam) é disponibilizado por esta Corte para que o Poder Legislativo Municipal promova o preenchimento das informações relativas à respectiva prestação anual de contas.

As instruções sobre o preenchimento das prestações de contas do Poder Legislativo Municipal estão reunidas no Manual do Sicam, disponível em <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/PrestaCamara/instaladorsicam/SICAM_2008Manual.pdf>, que explica o procedimento a ser adotado para a baixa de bens móveis alienados e para o registro da receita correspondente.

O item que explica o preenchimento das receitas faz referência ao Manual de Procedimentos das Receitas Públicas, aplicado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, aprovado pela Portaria conjunta: Secretaria do Tesouro Nacional/Secretaria de Orçamento Federal (STN/SOF) n. 02, de 08 de agosto de 2007. Recomendo ao consulente a leitura dos manuais citados, mas adianto que a classificação, dada por esses dispositivos, da receita relativa à alienação de bens móveis, é uma Receita de Capital, classificada sob o código sintético 2210.00.00 — Receita (de Capital) de Alienação de Bens Móveis.

Tal classificação obedece também ao § 2° do art. 11 da Lei Federal n. 4.320/64, que define as Receitas de Capital como as receitas destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital, estas explicadas nos arts. 12 e 13 da mesma Lei; a receita proveniente da conversão, em espécie, de bens, constitui uma das espécies de Receitas de Capital.

Para a baixa contábil dos bens móveis alienados, o responsável pelo preenchimento das informações no Sicam deverá buscar, na aba Ativo, subgrupo Ativo Permanente, o campo de Bens Móveis, colocando o valor de alienação em Desincorporação. Sobre o assunto, não se pode esquecer os comandos expressos na Lei Federal n. 4.320/64, em especial nos arts. 94 a 97:

Art. 94. Haverá registros analíticos de todos os bens de caráter permanente, com indicação dos elementos necessários para a perfeita caracterização de cada um deles e dos agentes responsáveis pela sua guarda e administração.

Art. 95. A contabilidade manterá registros sintéticos dos bens móveis e imóveis.

Art. 96. O levantamento geral dos bens móveis e imóveis terá por base o inventário analítico de cada unidade administrativa e os elementos da escrituração sintética na contabilidade.

Art. 97. Para fins orçamentários e determinação dos devedores, ter-se-á o registro contábil das receitas patrimoniais, fiscalizando-se sua efetivação.

Por fim, é importante observar que, com o objetivo de preservar o patrimônio público, o art. 44 da Lei Complementar n. 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, reforça a obrigatoriedade de aplicação de Receitas de Capital apenas em Despesas

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de Capital, comportando apenas uma exceção, relativa aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores:1

É vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesas correntes, salvo se destinada por lei aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores.

Em relação à terceira pergunta, que trata da relação entre a despesa auferida pela alienação de bens móveis da Câmara Municipal e as transferências do Poder Executivo ao Poder Legislativo, algumas observações são necessárias.

O art. 29-A da CR de 1988 dispõe sobre limites anuais, em percentuais definidos de acordo com o critério populacional, do total da despesa do Poder legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos os gastos com inativos. Tais limites são apurados com base no somatório das seguintes receitas:

receita tributária; 1.

transferências ao respectivo Município e segundo as regras constitucionais, de 2. percentuais da receita referente ao imposto aplicável ao ouro, quando este for definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial;

transferências aos municípios segundo as regras constitucionais, em especial as 3. expressas nos arts. 158 e 159, de percentuais da arrecadação, pela União e Estados, das receitas referentes aos impostos:

a) sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte;

b) sobre a propriedade territorial rural;

c) sobre a propriedade de veículos automotores;

d) sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;

e) sobre a renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, entregues ao Fundo de Participação dos Municípios.

Tais receitas são classificáveis como Receitas Correntes, nos termos do art. 11 da Lei Federal n. 4.320/64 e da Portaria conjunta STN/SOF n. 02, de 08 de agosto de 2007. Assim, sendo a receita de alienação de bens móveis uma Receita de Capital e auferida pela própria Câmara Municipal, não há que se falar em qualquer relação entre esta receita e o limite da despesa total expressa no art. 29-A da CR, e as respectivas transferências efetuadas pelo Poder Executivo à Câmara Municipal para honrar essa despesa.

1 Vide Consulta n. 753.232, de relatoria do Conselheiro Substituto Gilberto Diniz, sessão do dia 10/09/2008.

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Não obstante, a destinação da Receita de Capital de Alienação de Bens Móveis auferida pela Câmara deverá obedecer às normas de direito financeiro e finanças públicas previstas na Lei Federal n. 4.320/64 e na Lei Complementar n. 101/00, sem prejuízo da observância das normas constitucionais e outras pertinentes ao assunto.

VOTO

Diante do exposto, respondo sinteticamente ao consulente que:

— A receita proveniente da alienação de bens móveis da Câmara Municipal pertence ao próprio Poder Legislativo, em decorrência da separação e da autonomia dos Poderes. Assim, a própria Câmara Municipal pode promover a licitação dos bens móveis que compõem o seu Ativo Permanente. Essa individualização é necessária, inclusive, para fins de responsabilização do gestor legítimo;

— A forma de recebimento e contabilização da Receita de Capital e da baixa decorrentes da alienação de bens móveis deve obedecer ao disposto no instrumento convocatório da licitação e à Instrução Normativa TCEMG n. 10/2008, para contas relativas ao exercício de 2008, bem como ao Manual de utilização do Sicam. Tal receita deve ser utilizada em estrita observância ao art. 11, § 2°, da Lei Federal n. 4.320/64, e ao art. 44 da Lei Federal Complementar n. 101/00;

— A Receita de Capital de Alienação de Bens Móveis não está incluída no repasse realizado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, pois a despesa total da Câmara Municipal e o referido repasse, regulados pelo art. 29-A da CR têm limites com base em somatório apenas das Receitas Correntes elencadas no citado dispositivo normativo.

É o meu parecer, que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

Na sessão do dia 02/09/09, acompanhou o voto do relator a Conselheira Adriene Andrade, oportunidade em que o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz pediu vista dos autos.

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Retorno de vista

RELATÓRIO

Cuidam os autos da consulta formulada pelo Sr. Helder Honório da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Engenheiro Caldas, por via da qual indaga a esta Corte de contas, in verbis:

Na hipótese de a Câmara Municipal possuir um bem móvel usado e desejar trocá-lo por outro novo:

1. A quem cabe a alienação de bens móveis do Poder Legislativo?

2. Qual Poder deverá abrir o processo licitatório de alienação: Legislativo ou Executivo?

3 . A receita proveniente da alienação será destinada ao Poder Legislativo ou Executivo: Caso seja destinada a Câmara Municipal, como esta receberá tal receita? Poderá recebê-la além das transferências efetuadas pelo Poder Execu-tivo à Câmara Municipal?

Distribuída ao Conselheiro Antônio Carlos Andrada, a consulta foi relatada na sessão de 02/09/09, tendo sido conhecida por unanimidade. No mérito, o relator manifestou-se, em síntese, nos seguintes termos:

1. A receita proveniente da alienação de bens móveis da Câmara Municipal per-tence ao próprio Poder Legislativo em decorrência da separação e da autono-mia dos Poderes. Assim, a própria Câmara Municipal pode promover a licitação dos bens móveis que compõem o seu Ativo Permanente. Essa individualização é necessária, inclusive, para fins de responsabilização do gestor legítimo;

2. A forma de recebimento e contabilização da Receita de Capital e da baixa decorrentes da alienação de bens deve obedecer ao disposto no instrumento convocatório da licitação e à Instrução Normativa TCEMG n. 10/2008, para con-tas relativas ao exercício de 2008, bem como ao manual de utilização do Sicam. Tal receita deve ser utilizada em estrita observância ao § 2° do art. 11 da Lei Federal n. 4.320/64 e ao art. 44 da Lei Federal Complementar n. 101/00;

3. A Receita de Capital de Alienação de Bens Móveis não está incluída no repas-se realizado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, pois a despesa total da Câmara Municipal e o referido repasse, regulados pelo art. 29-A da Constitui-ção Federal têm limites com base em somatório apenas das Receitas Correntes elencadas no citado dispositivo normativo.

A Conselheira Adriene Andrade acompanhou o relator, após o que pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria.

CONSELHEIRO EM ExERCÍCIO GILBERTO DINIZ

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em apertada síntese, é o relatório.

MéRITO

Ressalto, de início, que o motivo do meu pedido de vista cingiu-se à terceira indagação do consulente, qual seja, se a receita proveniente da alienação de bem móvel é destinada ao Poder Legislativo ou Executivo.

A resposta a esse questionamento, a meu juízo, está ligada à observância de regras basilares do Direito Financeiro, notadamente aquelas contidas na Lei n. 4.320/64.

E ainda ao fato de que os bens, incluídos aqueles utilizados pela Câmara de Vereadores, pertencem ao Município, pessoa jurídica de direito público interno, e integram o patrimônio desse ente federado.

Lançadas tais premissas, é cediço que a receita orçamentária proveniente da alienação de componentes do ativo permanente é registrada na categoria econômica Receita de Capital, consoante disciplina contida no Manual de Receita Nacional, editado pela Secretaria do Tesouro Nacional, por meio da Portaria conjunta STN/SOF n. 3, de 14/10/08, com vigência para o exercício financeiro de 2009.

Segundo o aludido manual, a gestão da receita orçamentária se divide em três etapas, quais sejam: planejamento, execução e controle e avaliação. A execução da receita tem como estágios o lançamento, a arrecadação e o recolhimento, encontrando disciplina nos arts. 52 a 56 da Lei n. 4.320/64.

Nesse particular, é sabido que a arrecadação se constitui na entrega dos recursos financeiros devidos aos agentes arrecadadores. Por sua vez, o recolhimento é a transferência dos valores arrecadados à conta específica do Tesouro, cuja administração, controle da arrecadação e programação financeira estão a cargo do Poder Executivo.

Esse desencadear de idéias conduz à inexorável conclusão de que, em regra, o Poder Legislativo não é unidade arrecadadora de receita pública.

e não poderia ser de outra forma, porque, nos termos do art. 168 da constituição da República, os recursos financeiros correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos aqueles oriundos de créditos suplementares e especiais, dos órgãos dos Poderes Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, na forma da Lei Complementar a que se refere o § 9° do art. 165 também da Carta Federal.

Vale dizer, se a fonte dos recursos financeiros para fazer face às despesas inerentes às atividades próprias do Legislativo é constituída pelos repasses feitos pelo Executivo, de ordinário, não há razão fática ou mesmo jurídica para a arrecadação de receita orçamentária por aquele Poder.

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Para ênfase dessa assertiva, a propósito, não se pode olvidar que o montante de recursos financeiros a ser gerido pela Câmara de Vereadores está sujeito aos limites fixados no art. 29-A da Constituição Republicana, cujos percentuais, que variam de acordo com a população municipal, foram reduzidos pela Emenda Constitucional n. 58, publicada no DOU de 24/09/09 e com vigência a partir de 1°/01/2010.

Além disso, as sobras dos recursos repassados à edilidade devem ser devolvidas ao Poder Executivo, consoante orientação do Tribunal consubstanciada em diversas respostas a consultas, v. g., nas de n. 778.098 e 684.661.

À vista desses fundamentos, embora possa alienar bens móveis que estejam sob sua gestão e conduzir o devido e necessário procedimento licitatório para tal finalidade, observados os comandos legais aplicáveis à espécie, a Câmara de Vereadores não pode se apropriar e, por conseguinte, contabilizar o valor auferido na cogitada transação. Ao contrário, deve repassar, de imediato, o ingresso financeiro proveniente da alienação ao Executivo, que deverá observar a regra contida no art. 44 da Lei Complementar 101/00 para utilização desse recurso. É que,

no contexto orçamentário, em realidade, embora o Poder Legislativo detenha autonomia e possa gerir os recursos financeiros que lhe são garantidos e re-passados mensalmente, a Câmara de Vereadores é unidade orçamentária ou unidade gestora do orçamento da Administração Pública Municipal.

A propósito, esse entendimento está assentado nos pareceres exarados por este tribunal nas consultas n. 618.952, 618.966, 677.160, 695.431 e 713.085, os quais elucidam, com propriedade, a dúvida do consulente, embora as indagações nesses processos busquem esclarecer dúvidas diferentes.

Conclusão: dessa forma, Sr. Presidente, acompanho as conclusões do relator de que a câmara de vereadores pode alienar bens móveis utilizados em seus serviços e conduzir o devido e necessário procedimento licitatório para atingir tal desiderato. Quanto ao terceiro questionamento do consulente, que se refere à destinação e contabilização da receita proveniente da alienação de bem móvel pela Câmara de Vereadores, meu entendimento é diverso, nos termos das razões expendidas.

É assim que voto.

Na sessão do dia 16/12/09, diante do entendimento do Conselheiro em Exercício Gilberto diniz, pediu vista dos autos o conselheiro antônio carlos andrada.

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Retorno de vista

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de consulta formulada pelo Sr. Helder Honório da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Engenheiro Caldas, por meio da qual elabora o seguinte questionamento, in verbis:

1. A quem cabe a alienação de bens móveis do Poder Legislativo?

2. Qual Poder deverá abrir o processo licitatório de alienação: Legislativo ou Executivo?

3. A receita proveniente da alienação será destinada ao Poder Legislativo ou Executivo: Caso seja destinada à Câmara Municipal, como esta receberá tal receita? Poderá recebê-la além das transferências efetuadas pelo Poder Execu-tivo à Câmara Municipal?

Como relator, respondi sinteticamente ao consulente que:

— A receita proveniente da alienação de bens móveis da Câmara Municipal pertence ao próprio Poder Legislativo, em decorrência da separação e da autonomia dos Poderes. Assim, a própria Câmara Municipal pode promover a licitação dos bens móveis que compõem o seu Ativo Permanente. Essa individualização é necessária, inclusive, para fins de responsabilização do gestor legítimo;

— A forma de recebimento e contabilização da Receita de Capital e da baixa decorrentes da alienação de bens móveis deve obedecer ao disposto no instrumento convocatório da licitação e à Instrução Normativa TCEMG n. 10/2008, para contas relativas ao exercício de 2008, bem como ao Manual de utilização do Sicam. Tal receita deve ser utilizada em estrita observância ao art. 11, § 2°, da Lei Federal n. 4.320/64, e ao art. 44 da Lei Federal Complementar n. 101/00;

— A Receita de Capital de Alienação de Bens Móveis não está incluída no repasse realizado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, pois a despesa total da Câmara Municipal e o referido repasse, regulados pelo art. 29-A da CR têm limites com base em somatório apenas das Receitas Correntes elencadas no citado dispositivo normativo.

O Conselheiro Gilberto Diniz expressou entendimento diverso quanto ao terceiro questionamento, considerando que a receita de alienação de bens da Câmara Municipal deverá ser destinada ao Poder Executivo.

CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

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Diante dos argumentos apresentados pelo Conselheiro Gilberto Diniz, decidi realizar um reexame da matéria.

É o relatório, em síntese.

MéRITO

A controvérsia levantada diz respeito ao terceiro questionamento feito pelo consulente, in verbis:

3. A receita proveniente da alienação será destinada ao Poder Legislativo ou Executivo: Caso seja destinada à Câmara Municipal, como esta receberá tal receita? Poderá recebê-la além das transferências efetuadas pelo Poder Execu-tivo à Câmara Municipal?

Enquanto expressei meu entendimento no sentido de que a receita proveniente de alienação de bens da Câmara Municipal deverá ser destinada à própria Câmara Municipal, a esta pertencendo, em virtude do princípio da autonomia dos Poderes, o Conselheiro Gilberto Diniz entendeu que a receita seria destinada ao Município.

Considerando os argumentos do Conselheiro Gilberto Diniz, esclareço melhor meu posicionamento.

Tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo integram o Município, e qualquer receita gerada no âmbito desses poderes pertence ao Município. Entretanto, quando o consulente pergunta a quem será destinada a receita de capital proveniente da alienação de um bem móvel da Câmara Municipal, entendo que o consulente deseja saber se a própria Câmara Municipal poderá custear uma despesa de capital com aquela receita.

Neste sentido, a afirmação de que a receita de capital proveniente da alienação de um bem da Câmara Municipal será destinada ao próprio Poder Legislativo deve ser entendida no sentido de que é a Câmara Municipal que definirá, em termos orçamentários, a aplicação dessa receita, tendo em vista que o Poder legislativo possui autonomia orçamentária.

Se a destinação orçamentária da receita de capital em questão não fosse definida pela própria Câmara Municipal, mas pelo Poder Executivo, não haveria interesse do Poder legislativo em promover a alienação de bens de seu ativo permanente. no entanto, poderá o Poder Legislativo acordar com o Poder Executivo quanto à realização da alienação de bens por este último, inclusive por meio de legislação local, bem como quanto à destinação da receita, durante o processo orçamentário, pois a definição orçamentária sobre a utilização das receitas possui um viés muito mais político do que legal.

Ao realizar a alienação em questão, nada impede que os recursos financeiros resultantes permaneçam em poder da própria Câmara Municipal; seria irracional e ineficiente a Câmara Municipal repassar um recurso que já se encontra no âmbito do

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próprio Poder Legislativo para o Poder Executivo, e depois receber o mesmo valor por meio de novo repasse realizado pelo Poder Executivo.

A utilização dos recursos disponíveis, em termos financeiros, na Câmara Municipal, deverá obedecer ao que fixa a Lei Orçamentária Anual ou à lei de créditos adicionais. Assim, a definição orçamentária de aplicação da receita é muito mais importante do que o mero cumprimento do compromisso financeiro correspondente, a partir de recursos já disponíveis no âmbito do Poder Legislativo.

tendo em vista o limite total anual da despesa do Poder legislativo, imposto pelo art.29-A da Carta Magna, após a fixação, no orçamento consolidado, de uma despesa de capital custeada com a referida receita de capital, o valor da despesa de capital correspondente deverá ser deduzido do repasse complementar a ser realizado pelo Poder Executivo para custeio das demais despesas, da mesma forma que ocorre quando há sobra financeira de repasses anteriores; esse montante, deduzido do referido repasse, não guarda relação com a receita de capital gerada, mas com a despesa custeada, tendo em vista que o limite constitucional citado toma como base a despesa total. Portanto, caso a receita de capital em questão fosse destinada, por deliberação da Câmara Municipal, durante o processo orçamentário, a uma despesa do Poder Executivo, não deveria haver qualquer dedução no repasse financeiro a ser realizado entre os Poderes.

Ressalto, ainda, que o repasse de recursos entre os Poderes é puramente financeiro,2 continuando o orçamento um instrumento único para ambos os Poderes, ou seja, a classificação orçamentária da receita indicada como fonte das despesas continua tal como realizada originalmente no orçamento consolidado, devendo atender aos requisitos e limitações legais.

Por fim, tendo em vista que, em contabilidade pública, o sistema financeiro não se confunde com o sistema orçamentário, em termos orçamentários, caso a receita de capital em questão não seja aplicada em despesa de capital fixada para o exercício corrente, o orçamento de capital do Município apresentará um superávit. assim, o valor contabilizado na rubrica orçamentária correspondente à receita de capital ficará disponível para utilização em despesa de capital fixada para o exercício seguinte. Nessa situação, a Câmara Municipal e a Prefeitura, ao discutir o orçamento do Município para ano seguinte, definirão se a referida receita de capital será aplicada em despesa de capital do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.

em termos financeiros, ao final do exercício, não há obrigação de devolução, pela Câmara Municipal à Prefeitura, do valor correspondente à receita de capital gerada e não gasta. entretanto, o repasse financeiro realizado pelo Poder Executivo no exercício seguinte deverá ser deduzido do valor já disponível financeiramente no

2 Conforme a Consulta n. 618.952: Nesse contexto, é bom que se diga, os recursos financeiros repassados mensalmente à Câmara Municipal não devem ser tratados como transferências, como confunde o intérprete menos atento, mas como repasses financeiros registrados no Sistema Financeiro como Repasses Concedidos pelo Tesouro Municipal e, em contrapartida, como Repasses Recebidos pela Câmara Municipal.

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âmbito da Câmara Municipal, assegurando a disponibilidade financeira suficiente para o pagamento do total da despesa fixada (corrente e de capital) para o Poder Legislativo.

O entendimento aqui expresso não desobedece a nenhum comando legal, nem interfere nas atribuições e controles a serem exercidos pelo Poder Executivo: o orçamento continua sendo uma peça única para todo o Município, os recursos financeiros continuam integrando o Tesouro do Município, a separação e autonomia dos Poderes continuam preservadas e a responsabilização de cada gestor, quando realizada a prestação de contas, continua específica.

A definição específica das responsabilidades de cada Poder é essencial para a fiscalização de contas e aplicação de sanções por parte desta Corte. De acordo com o art. 29-A da Carta Magna, as responsabilidades de cada Poder estão assim definidas:

— De acordo com o caput e o § 1° do dispositivo normativo citado, o Poder Legislativo não poderá executar despesa total em montante superior ao limite3 calculado com base na efetiva arrecadação, no ano anterior, da receita tributária e das transferências descritas no dispositivo, nem efetuar despesa com folha de pagamento superior a 70% de sua receita;

— De acordo com os §§ 2° e 3° do dispositivo normativo citado, o Poder Executivo não poderá repassar valores que superem o limite da despesa total do Poder legislativo, nem o limite da despesa com folha de pagamento da Câmara Municipal. Obedecidos tais limites, o Poder Executivo não poderá repassar valor inferior ao fixado na Lei Orçamentária, disposição esta que limita a interferência deste no âmbito do Poder legislativo.

Assim, confirmo o entendimento de que a receita de capital proveniente de alienação de um bem da Câmara Municipal será destinada à própria Câmara Municipal, no sentido de que é o Poder Legislativo que define, em última instância, a destinação orçamentária da receita, e que esse fato não desobedece a qualquer outro comando legal ou afronta a qualquer outra competência do Poder Executivo.

Conclusão: diante de todo o exposto, entendo que a Câmara Municipal tem o poder de definir, orçamentariamente, a aplicação da receita de capital proveniente da alienação de um bem de seu próprio ativo, sem que isso viole qualquer competência (orçamentária, de execução, de programação financeira, de prestação de contas ou de controle) do Poder Executivo.

É possível, inclusive, que o Poder Executivo use uma receita de capital proveniente da alienação de um bem do Poder Legislativo — mas somente se este último assim o definir — durante o processo orçamentário. Dessa forma, a ingerência maior sobre a

3 Além desses limites constitucionais, há, ainda, os limites impostos pela Lei Complementar n. 101 de 2000 — LRF.

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receita em questão será sempre do Poder Legislativo, independentemente da forma como será realizado o repasse financeiro dos recursos.

É necessário lembrar, ainda, que uma vez fixada a despesa total do Poder Legislativo com uma parcela custeada com recursos próprios ou com recursos já disponíveis para utilização pelo próprio Poder legislativo, provenientes do repasse anterior, o Poder Executivo deverá reduzir a parcela respectiva do repasse financeiro de recursos a ser efetuado, destinado a cobrir as demais despesas. Tal redução deverá ser feita para cumprir as disposições contidas no art. 29-A da CR. Portanto, o valor da despesa realizada com a receita proveniente de alienação de um bem da Câmara Municipal deverá ser deduzido do repasse financeiro a ser efetuado pelo Poder Executivo.

Considerando o entendimento do relator, manifestou-se o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz:

Com relação ao terceiro item sobre o qual houve divergência, mantenho o meu voto proferido na sessão anterior, em que o conselheiro pediu reanálise da matéria. Entendo que a Câmara de Vereadores não é arrecadadora de receita, ela não tem como proceder a tal contabilização. Então o recurso oriundo de alienação de bens pelo Legislativo deve voltar para o Executivo porque é quem controla e é o arrecadador de receitas. Mas, se a Câmara vai comprar um bem, é evidente que isso tem que estar previsto no seu orçamento. a câmara somente faz previsão de despesas, ela integra o orçamento do Município como uma unidade de despesa. Então penso que essa questão não pode ser examinada apenas sob a ótica da eficiência, que entendo simplista, porque a contabilidade envolve procedimentos a serem observados. então, entendo que, para haver o registro desse numerário, tem que retornar ao Executivo.

Mantenho, pois, o meu voto proferido na Sessão do dia 16/12/09, vazado nestes termos:

Dessa forma, Senhor Presidente, acompanho as conclusões do Relator de que a Câmara de Vereadores pode alienar bens móveis utilizados em seus serviços e conduzir o devido e necessário procedimento licitatório para atingir tal de-siderato. Quanto ao terceiro questionamento do consulente, que se refere à destinação e contabilização da receita proveniente da alienação de bem móvel pela Câmara de Vereadores, meu entendimento é diverso, nos termos das ra-zões expendidas.

É assim que voto.

Na oportunidade, posicionou-se o Conselheiro Eduardo Carone Costa:

Sr. Presidente, eu voto apenas à vista do princípio da legalidade.

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Eu entendo que realmente não é costume, no Direito Financeiro brasileiro, as Câmaras Municipais terem papel arrecadador, mas isso não impede que a lei fixe essa possibilidade de arrecadar receita. Se a lei fixar — e não há nada que impeça, a meu ver — se a lei previr a arrecadação, que a Câmara arrecade a previsão legal. Então eu acompanho o Conselheiro Andrada, com essa observação.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 17/03/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro Sebastião Helvecio que acompanharam o parecer exarado pelo Relator Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Vencido em parte o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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RELATÓRIO

Tratam os autos de consulta formulada pelo Sr. Efrain Lemos de Abreu, Presidente da Câmara Municipal de Baependi, por meio da qual apresenta os seguintes questionamentos:

1. Podem os conselheiros tutelares gozar férias remuneradas?

2. Nos casos de afastamento para concorrer a cargo de Vereador, Prefeito ou Vice-Prefeito, ou Conselheiro Tutelar, continuará recebendo sua remuneração regularmente, durante o afastamento?

Autuada, a consulta foi distribuída à minha relatoria, conforme despacho presidencial a fls. 02-03. Atendendo ao meu despacho a fls. 04, o Auditor Hamilton Coelho emitiu parecer a fls. 06-15, opinando, preliminarmente, pelo conhecimento parcial da consulta, porque a parte que versa sobre matéria eleitoral foge à competência deste Tribunal. No mérito, respondendo sobre a possibilidade de os conselheiros tutelares gozarem férias remuneradas, opinou no sentido afirmativo, desde que tal benefício tenha sido expressamente previsto em lei municipal. Quanto à possibilidade de

CONSULTA N. 774.962

(...) se houver, em lei municipal regulamentadora do Conselho Tutelar, previsão de remuneração aos exercentes da função de conselheiro, não haverá óbice nessa percepção. Ressalte-se que para a Ad-ministração Pública vigora o princípio da estrita le-galidade: só se pode fazer o que for expressamente ordenado e autorizado por lei.

RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE

Possibilidade de concessão deférias remuneradas aosmembros de Conselho Tutelar

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Concessão de férias remunera-das aos membros do Conselho Tutelar — Possibilidade — Necessidade de previsão legal.

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recebimento da remuneração integral durante o período de afastamento da função para concorrer ao cargo de Prefeito, Vice-Prefeito ou Vereador, entendeu o auditor, a fls. 14-15, ser possível tal percepção, bem como para a recondução ao mesmo cargo, em prazo a ser estabelecido pelo Legislativo municipal.

É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR

Preliminarmente, tomo conhecimento da consulta, por ser legítima a autoridade consulente e por ser a matéria objeto da primeira indagação afeta à competência desta Corte, nos termos do inciso xI do art. 3° e do art. 210 do RITCEMG, passando a respondê-la em tese. deixo de analisar o segundo questionamento, por tratar-se de matéria de competência da Justiça Eleitoral, devendo o consulente demandar à justiça especializada para ter sua dúvida dirimida.

MéRITO

Acolhida a preliminar, passo ao exame do quesito formulado.

A possibilidade de concessão de férias remuneradas aos membros do Conselho Tutelar foi apreciada por este Tribunal nas Consultas de n. 605.659, de relatoria do Conselheiro Simão Pedro; 706.203, da lavra do Conselheiro Wanderley Ávila; e 710.973, cujo relator foi o Conselheiro Elmo Braz. Como o objeto da presente consulta é mais abrangente, faz-se necessário tecer algumas considerações.

O Conselho Tutelar encontra-se previsto nos arts. 131-140 da Lei n. 8.069/90 — Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — a qual impôs aos municípios a obrigação de instituírem um órgão permanente e autônomo, com a função de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

O art. 135 desse diploma normativo esclarece que a função de conselheiro tutelar constitui um munus público, um serviço público relevante. Em face da peculiaridade das atividades desenvolvidas, resta indubitável que os membros de conselho tutelar são considerados agentes honoríficos que exercem função pública relevante, constituindo-se, em verdade, em agentes públicos dotados de características específicas, tais como o modo de investidura — mediante eleição — e a natureza da função desempenhada, fundada na preservação da autonomia de ação, a fim de ver cumprida a finalidade para a qual o órgão foi criado.

Exercendo esse munus público, os conselheiros tutelares podem ou não receber remuneração, nunca possuindo vínculo empregatício ou estatutário com o Poder Público, haja vista a transitoriedade no exercício da função. Mas, enquanto ocupantes da função pública para a qual foram eleitos, podem tais agentes receber um pró-labore. o próprio art. 134 do ECA permite à lei municipal dispor sobre a eventual remuneração de seus

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membros, constando, em seu parágrafo único, a necessidade de previsão orçamentária, na lei local, dos recursos necessários ao funcionamento do conselho.

Dessa forma, se houver, em lei municipal regulamentadora do Conselho Tutelar, previsão de remuneração aos exercentes da função de conselheiro, não haverá óbice nessa percepção. Ressalte-se que para a Administração Pública vigora o princípio da estrita legalidade: só se pode fazer o que for expressamente ordenado e autorizado por lei. Assim, não é possível conceder benefícios aos membros do Conselho Tutelar por interpretação analógica de dispositivos pertinentes aos servidores públicos, fazendo-se necessária a regulamentação das atividades dos conselheiros tutelares em diploma normativo próprio, de âmbito municipal, que poderá ou não prever o pagamento, aos seus membros, de remuneração, 13° salário, férias, férias proporcionais, licença maternidade e licença paternidade, entre outros direitos.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais é clara nesse sentido:

Ementa: Ação Ordinária. Férias remuneradas e acrescidas de um terço, décimo terceiro e recolhimento de contribuição previdenciária. Membro do Conselho Tutelar. Agente público honorífico. Equiparação a servidor público. Impossibilidade. Remuneração e direitos. Fixação por lei municipal. Delegação de competência para outros órgãos. Impossibilidade. O membro do Conselho Tutelar, embora exerça função pública relevante, não será necessariamente remunerado, não podendo ser equiparado aos servidores públicos para esse fim. O art. 134 do Estatuto da Criança e do Adolescente atribui à Lei Municipal a competência para dispor sobre a remuneração dos conselheiros tutelares, sendo vedado ao Legislativo Municipal delegar essa atribuição para outros órgãos. Se não há lei municipal prevendo o direito à remuneração, o que inclui as férias remuneradas, décimo terceiro e recolhimento previdenciário, os conselheiros tutelares não fazem jus a tais benefícios. Recurso improvido (Apelação Cível n. 1.0080.07.009370-5/001, 7a câmara cível, relatora: desembargadora dra. Heloísa combat, DJ 03/11/2008) (grifos acrescidos).

Ação de cobrança. Conselheiro Tutelar. Férias e 13° salário. Inadmissibilidade. Competência do Município para legislar sobre o tema. Artigos 131 a 135 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Múnus público. Agente honorífico sem vínculo empregatício celetista ou estatutário. O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que lei municipal disporá sobre a remuneração dos Conselheiros Tutelares. Nesse sentido, não dispondo as Leis Municipais n. 1.151/2000 e 2.030/2005 sobre a concessão de férias e 13° salário, a concessão de tais benefícios constitui ofensa ao princípio da legalidade. A atividade de conselheiro tutelar é múnus público, porquanto exercem serviço público relevante. São considerados agentes honoríficos e, como tais, não possuem vínculo empregatício, seja celetista ou estatutário (Apelação Cível n. 1.0251.06.017128-6/001, 1a câmara cível, relator: desembargador armando Freire, DJ 15/01/2008) (grifos acrescidos).

Direito Administrativo. Conselheiro Tutelar. Função pública. O conselheiro

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tutelar desempenha função pública, sem que haja cargo público, sendo seus direitos e vantagens previstos em lei municipal específica que regulamente a função (Apelação Cível n. 1.0000.00.229983-2/000, 6a Câmara Cível, Relator: Desembargador José Domingues Ferreira Esteves, DJ 22/03/2002).

Também é esse o entendimento desta Casa, conforme se verifica nos autos das consultas anteriormente referidas. Transcrevo a seguir elucidativo trecho da resposta à Consulta n. 706.203, apreciada na Sessão Plenária deste Tribunal do dia 22/3/2006, da relatoria do Conselheiro Wanderley Ávila:

Resulta, pois, do art. 134 do diploma legal em questão, que compete à Lei Municipal disciplinar a matéria no tocante à possibilidade de fixação da remuneração dos membros do Conselho e à origem dos recursos. (...) Consoante se viu, a remuneração dos membros do referido Conselho também não é obrigatória e, para ser concedida, necessita de fixação em lei municipal competente, cabendo a esta também indicar o local e o horário de funcionamento do Conselho Tutelar. Acrescento que não basta previsão legal para a concessão do 13° salário. É necessário que haja a indicação da fonte de custeio no orçamento, por onde correrá a despesa. Também acho importante lembrar os preceitos da Lei Complementar n. 101/2000 acerca das despesas com pessoal, em especial a dos arts. 21, 22 e 23 da referida Lei, que tratam do controle das despesas com pessoal e estabelecem a obrigatoriedade, sob pena de nulidade do ato que provocar o aumento das despesas com pessoal, da observância das exigências dos arts. 16 e 17 da Lei Complementar, e ainda o § 1° do art. 169 da Constituição da República. Cumpre registrar que o dispositivo constitucional em questão consigna, além da exigência de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, a exigência de autorização específica para a despesa na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Por fim, devo ressaltar que, conforme dispõe a própria lei federal sobre o Conselho Tutelar, a remuneração é facultativa, podendo ou não ser fixada. Caso o Município opte por não concedê-la, poderá, consoante leciona Hely Lopes Meirelles em seus comentários sobre os agentes honoríficos, na obra em referência, estabelecer em lei, com os critérios e condições necessários, permissão para que haja o ressarcimento das despesas comprovadamente realizadas pelos membros do Conselho Tutelar no exercício de suas relevantes funções.

Dessa forma, resta demonstrado que é possível a concessão de férias remuneradas aos conselheiros tutelares, mas somente se o benefício tiver sido expressamente instituído por lei municipal. Omissa a lei, configura-se ilícita tal percepção, por se tratar de vantagem reservada apenas aos servidores públicos.

Conclusão: respondo afirmativamente à primeira pergunta do consulente, entendendo ser possível a concessão de férias remuneradas aos membros de conselho tutelar, desde que o pagamento esteja expressamente previsto em lei municipal.

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Considerando que o entendimento encontra-se pacificado neste Tribunal por meio dos pareceres exarados nas Consultas n. 605.659, 706.203 e 710.973, proponho que sejam enviadas ao consulente cópias das respectivas notas taquigráficas.

É o parecer que submeto à apreciação dos Srs. Conselheiros.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 09/12/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz e Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pela relatora, Conselheira Adriene andrade. impedido o conselheiro substituto Hamilton coelho.

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RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pela Sra. Antônia Aparecida de Melo Morais, Controladora-Geral do Município de São Sebastião do Oeste, acerca da possibilidade de se considerar os cargos de Chefe de Gabinete, Procurador do Município e Controlador do Município como agentes políticos e, ainda, como devem ser tratadas as respectivas remunerações, as férias e a gratificação natalina.

Em atendimento ao meu despacho a fls 07, foram os autos encaminhados à douta Auditoria que, em parecer de lavra do Auditor Hamilton Coelho, a fls. 09-13, opinou no sentido de que Prefeitos, Vice-Prefeitos, Secretários e Vereadores são agentes políticos, que os procuradores e controladores de municípios podem ser remunerados por subsídios, se forem servidores de carreira e, ainda, o direito deles às férias remuneradas e à gratificação natalina é garantido pela Constituição da República.

É o relatório.

CONSULTA N. 811.245

No âmbito municipal, são agentes políticos o prefeito, os vereadores e os secretários muni-cipais. Os chefes de gabinete, procuradores e controladores do Município não são agentes políticos, uma vez que não exercem função de Estado e não representam a vontade superior do Estado, não participando, portanto, das decisões políticas do governo, sendo escolhidos por sua aptidão técnica profissional.

RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE

Impossibilidade de enquadramento no conceito de agente político dos cargos de chefe de gabinete, procurador e controlador do Município

EMENTA: Consulta — Município — Cargos de chefe de gabinete, procurador do Município e controlador do Município — Enquadramento no conceito de agente político — Impossibilidade — Remuneração mediante sistema de vencimentos — Possibilidade de remuneração por subsídio, se servido-res públicos organizados em carreira — Art. 39, § 8°, da CR/88 — Garantia de recebimento de férias remuneradas e décimo terceiro salário.

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PRELIMINAR

Preliminarmente, tomo conhecimento da consulta, por ser legítima a autoridade consulente e por ser a matéria objeto da indagação afeta à competência desta Corte, nos termos do inciso xI do art. 3° e do art. 210 do RITCEMG, passando a respondê-la em tese.

MéRITO

Acolhida a preliminar, passo ao exame do quesito formulado.

A consulta cinge-se ao alcance da expressão agentes políticos e às consequências que tal classificação imprime ao regime remuneratório dos agentes públicos em sentido amplo.

Na doutrina, existe certa divergência acerca do conceito de agente político.

Para Hely lopes meirelles,1 agentes políticos são

os componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões por nomeação, eleição, designação ou delegação, para o exercício de atribuições constitucionais. Nesta categoria encontram-se, na órbita municipal, o chefe do Executivo (prefeito) e seus auxiliares imediatos (secretários municipais), os membros do Poder Legislativo (vereadores), os membros dos Tribunais de Contas (nos municípios onde houver) e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições constitucionais.

Já celso antônio bandeira de mello2 adota um critério mais preciso, considerando como agentes políticos

titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e Vereadores. Mantêm vínculo de natureza política com o Estado, e não profissional, pois exercem um munus público. O que os qualifica para o exercício da função não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas sim a qualidade de cidadãos, candidatos possíveis à condução dos destinos da sociedade. A relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis.

1 meirelles, Hely lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. atual. são Paulo: malheiros, 2006 p. 582.

2 mello, celso antônio bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed., rev. e atual. 2007, São Paulo: Malheiros, p. 238 e 239.

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Esse mesmo critério é utilizado pelos administrativistas José dos Santos Carvalho Filho e Maria Sylvia Zanella di Pietro, consoante se verifica, respectivamente, em suas obras Manual de Direito Administrativo, 17a edição, Editora Lumen Juris, página 512, e Direito Administrativo, 20ª edição, editora atlas, página 478.

Filiamo-nos a essa última corrente, considerando como agentes políticos apenas os que desempenham atividade típica de governo, cumprindo as funções de executores das diretrizes traçadas pelo Estado. Os agentes políticos exercem, pois, as atividades fixadoras de metas, diretrizes e planos governamentais essenciais para a consecução dos objetivos públicos, sendo eles os chefes dos Poderes Executivos federal, estadual e municipal, os ministros e secretários de Estado, os senadores, deputados e vereadores.

No âmbito municipal, são agentes políticos o prefeito, os vereadores e os secretários municipais. Os chefes de gabinete, procuradores e controladores do Município não são agentes políticos, uma vez que não exercem função de Estado e não representam a vontade superior do Estado, não participando, portanto, das decisões políticas do governo, sendo escolhidos por sua aptidão técnica profissional.

Quanto ao sistema remuneratório, a Constituição da República de 1.988, dispõe em seu artigo 39, § 4°, que os agentes políticos serão remunerados, exclusivamente, pelo sistema de subsídios. o subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, que se realiza por meio de pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie. São obrigatoriamente remunerados por subsídios, por força do comando constitucional:

o Presidente, o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado (art. 49, VIII); a)

os Governadores, Vice-Governadores e os Secretários Estaduais (art. 28, § 2°); b)

os Prefeitos, Vice-Prefeitos e os Secretários Municipais (art. 29, V); c)

os Senadores e os Deputados Federais (art. 49, VII); d)

os Deputados Estaduais (art. 27, § 2°); e)

os Vereadores (art. 29, VI);f)

os Ministros do STF (art. 48, xV);g)

os Tribunais superiores e os componentes dos demais Tribunais judiciais e os h) Magistrados em geral (arts. 93, V, e 96, II, b);

os membros do Ministério Público, (art. 128, § 5°, I, i) c);

os servidores públicos policiais (art. 144, § 9°);j)

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os membros da Advocacia-Geral da União, da Defensoria Pública, os Procuradores k) de Estado e do Distrito Federal ( art. 135).

Observe-se que o texto constitucional não se referiu à forma de remuneração por subsídio para os procuradores municipais. Estes, juntamente com os exercentes dos cargos de Chefe de Gabinete e de Controlador do Município, recebem pelo sistema de remuneração ou vencimentos. Não obstante, esses cargos, se organizados e ocupados por servidores de carreira, podem ser remunerados mediante o sistema de subsídios, conforme disposto no art. 39, § 8°, da CR/88.

Por fim, sendo os chefes de gabinete, procuradores e controladores municipais servidores públicos, têm direito a férias remuneradas e décimo terceiro salário.

O art. 39, § 3°, da CR/88 determina que aplicar-se-á aos titulares de cargos públicos o disposto em numerosos incisos de seu art. 7°, relativo aos direitos básicos do trabalhador. Entre esses incisos a que se reporta o art. 39 estão o inciso VIII, que outorga décimo-terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria, e o inciso xVII, que garante o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.

Dessa forma, resta demonstrado que é devida a concessão de férias e gratificação natalina aos servidores ocupantes dos cargos Chefe de Gabinete, Procurador e Controlador do Município.

Conclusão: agentes políticos no âmbito do Município são apenas o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Secretários e os Vereadores. Ocupantes dos cargos de Chefe de Gabinete, Procurador e Controlador do Município são servidores públicos e devem receber mediante o sistema de remuneração ou vencimentos, sendo facultada à Administração remunerá-los por meio de subsídios se forem servidores públicos organizados em carreira, bem como são a eles devidos os direitos sociais a que se refere o art. 39, § 3°, c/c o art. 7° da CR/88, dentre os quais a garantia de recebimento das férias e da gratificação natalina.

É o parecer que submeto à apreciação dos Senhores Conselheiros.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 24/02/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pela relatora, Conselheira Adriene Andrade.

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RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Célio de Faria Santos, Prefeito de Camanducaia, instando esta Corte a manifestar-se a respeito de determinados aspectos jurídicos e orçamentários no que se refere à terceirização de serviços pelo Poder Público.

O consulente inicia a formulação citando a resposta à Consulta de n. 442.370, de relatoria do eminente conselheiro moura e castro, sobre a qual foi proferido o seguinte entendimento:

Ante o exposto, concluo não ser possível ao Município a terceirização de to-dos os seus serviços, mas apenas a daqueles de natureza auxiliar, ligados à

CONSULTA N. 783.098

EMENTA: Consulta — Município — I. Definição de atividades-meio e ativi-dades-fim — Atividades-fim consubstanciam atividades típicas de Estado — Impossibilidade de terceirização — Atividades-meio referem-se a ati-vidades instrumentais, acessórias, auxiliares à persecução da finalidade estatal — Possibilidade de terceirização — II. Contabilização de despesas e serviços com mão de obra terceirizada — Lançamento na rubrica Ou-tras Despesas com Pessoal se caracterizada terceirização como substi-tuição de servidor ou empregado público.

(...) no âmbito do serviço público, a terceirização, além de não poder ensejar a delegação de atividades típicas, e, por isso, exclusivas do Estado, não pode servir de instrumento à violação do princípio do concurso público (CR/88, art. 37, II).

RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO

ASSCOM TCEMG

Atividades-meio, atividades-fime a terceirização de serviçospelo Poder Público

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atividade-meio. Não pode o Município terceirizar serviços que abrangem sua atividade-fim, traduzindo atribuições típicas de cargos permanentes, que só podem ser preenchidos por concurso público.

Em seguida à transcrição acima, o consulente formula as seguintes indagações:

1. (...) o que esta Corte de Contas entende acerca da definição de atividades-meio e atividades-fim exercidas pela municipalidade?

2. No que se refere a serviços realizados pela municipalidade, tais como manutenção da frota municipal (serviços mecânicos, borracharia, lavagem e lubrificação) e manutenção de limpeza pública (varrição e coleta de lixo), é possível a contratação de terceiros para a realização destes serviços?

3. Diante do que dispõe o art. 18, § 1°, da Lei de Responsabilidade Fiscal, estes mesmos serviços devem ser contabilizados e computados nos limites de gasto com pessoal?

em atendimento ao art. 214 do regimento interno, registro que os temas abordados na presente consulta já foram objeto de deliberação por esta Corte de Contas.

Sobre o tema contido nas duas primeiras indagações, quais sejam, atividades públicas e sua possível terceirização, este Tribunal já se manifestou nos autos da consulta mencionada pelo próprio consulente, e também na Consulta de n. 657.277, de relatoria do nobre conselheiro murta lages, na sessão Plenária de 20/03/02.

No que se refere à terceira indagação, observo já ter sido objeto de exame do Pleno nas Consultas n. 624.786, 638.893, 638.235 e 638.034, todas relatadas pelo Exmo. Conselheiro Moura e Castro, nas Sessões Plenárias de 07/03/01, 16/05/01 e 27/06/01, respectivamente.

PRELIMINAR

A consulta é proposta por autoridade legítima, versando, em tese, sobre caso abstrato, e a matéria, por seus reflexos, insere-se na competência deste Tribunal de Contas, razão por que dela conheço.

No que se refere, contudo, à segunda indagação aduzida, em que pese a enumeração de atividades arroladas pelo consulente, o que poderia induzir ao entendimento de tratar-se de caso concreto, dela conheço, especialmente, no que se refere ao questionamento de possibilidade de terceirização, por compreendê-la (a segunda indagação) como consectária da primeira, razão pela qual entendo, inclusive, que ambas devem ser respondidas conjugadamente.

MéRITO

As expressões atividade-fim e atividade-meio foram concebidas no âmbito do Direito do Trabalho para distinguir as atividades diretamente relacionadas às

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finalidades institucionais da empresa, seu objeto social, daquelas que lhes fossem instrumentais, acessórias, auxiliares à sua persecução.1

entretanto, tendo em vista a modernização do aparato administrativo, sobretudo após o advento da Reforma Administrativa do Estado, tais conceitos passaram a ser afetos à Administração Pública, que agora atribui a particulares suas atividades-meio, com vistas a reduzir a máquina estatal e imprimir-lhe maior eficiência — a chamada política de downsizing,2 especialmente através da terceirização.

A terceirização — conceito também oriundo da seara privada, embora, por vezes, utilizado na sua acepção ampliada a designar todo e qualquer serviço público delegado pela Administração ao particular — trata-se, na verdade, da locação de mão de obra ou a contratação de pessoal por interposta pessoa.

Os entes federativos têm suas competências materiais estabelecidas na Constituição da República, as quais, infraconstitucionalmente, são cometidas a órgãos, entes e cargos que compõem a Administração Pública, podendo, assim, ser entendidas como finalidades institucionais dos entes que as detêm, denominadas, portanto, atividades-fim, atos jurídicos ou de império, que consubstanciam manifestação do poder estatal, sob inafastável regime jurídico administrativo.

Tais competências (atividades-fim) podem ser classificadas, segundo lição de Hely lopes meirelles,3 como serviços públicos próprios ou impróprios. enquanto aqueles consubstanciam atividades típicas de Estado, e, por isso, absolutamente indelegáveis (ex.: poder de polícia, definição de políticas públicas, etc); estes caracterizam serviços de interesse comum, que, embora relevantes, podem ser prestados diretamente pelo Estado, ou, indiretamente, mediante concessão, permissão ou autorização4 (ex.: serviços de telecomunicações, energia elétrica, transporte, etc), mas não por meio de terceirização.

Tal registro é relevante, visto que o regime jurídico que prepondera na atuação de concessionários e permissionários é substancialmente diverso daquele que impera na atuação daqueles terceirizados.

Os delegatários de serviços públicos, justamente por exercerem uma atividade-fim (serviço público impróprio) do ente delegante, atuam como uma longa manus do poder estatal, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico administrativo, fundamentalmente regulamentado pelas Leis n. 8.666/93 e 8.987/95.

1 martins, sérgio Pinto. A terceirização e o Direito do Trabalho. 4. ed. são Paulo: atlas, 2000, p. 13.

2 Técnica aplicada das abordagens contemporâneas da Administração voltada a eliminar a burocracia corporativa desnecessária e focada no centro da pirâmide hierárquica, a área de recursos humanos. PEREIRA, Maria Isabel; FERREIRA, Ademir Antonio; REIS, Ana Carla Fonseca. Gestão empresarial: de taylor aos nossos dias. são Paulo: Pioneira, 2001.

3 meirelles, Hely lopes. Direito Administrativo brasileiro. são Paulo: malheiros, 2003, p. 321.

4 Conceitos trabalhados na resposta à Consulta n. 659.881, de relatoria do Conselheiro Sylo Costa, sessão de 06/11/02.

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Ao contrário, nas atividades-meio, quando objeto de terceirização, o regime jurídico administrativo limita-se à relação entre o Poder Público e a empresa fornecedora/locadora de mão de obra, conforme ensina Luciano Ferraz:5

Por esta correlação neste tipo de contrato entre o setor privado e a Administração Pública (...) a regência desses contratos dar-se-á por intermédio do Direito Administrativo, mas a relação mantida com as pessoas físicas que desempenham o objeto do contrato será regida pelas normas de Direito do Trabalho.

Por isso, a terceirização mostra-se adequada às denominadas atividades-meio do ente público, ou seja, não coincidentes com as suas finalidades institucionais, mas tão somente instrumentais, também denominadas atos materiais ou de gestão, e que, por isso, são geralmente praticados em igualdade com o particular, sob a regência do Direito comum.

Mesmo no âmbito do Direito do Trabalho, a jurisprudência, há muito, consolidou-se no sentido de que as tarefas principais de uma entidade, de uma empresa, não podem ser objeto de terceirização, apenas as atividades auxiliares, acessórias podem ser objeto de terceirização.6 Isso, pois, notoriamente, a terceirização tem um histórico de ser indiscriminadamente utilizada por alguns empregadores como subterfúgio para driblar a legislação trabalhista.

Este raciocínio se transporta para o Direito Administrativo, pois, no âmbito do serviço público, a terceirização, além de não poder ensejar a delegação de atividades típicas, e, por isso, exclusivas do Estado, não pode servir de instrumento à violação do princípio do concurso público (CR/88, art. 37, II).

Conforme nos ensina Luciano Ferraz:

As atividades materiais podem ser realizadas por intermédio da contratação de pessoal por interposta pessoa; já as atividades jurídicas e os atos que possuem carga de autoridade não podem ser objeto dessa execução indireta, porque aqueles atos devem ser praticados por servidores públicos (...) Quando a atividade a ser desempenhada por terceirizado for atividade-fim, a terceirização está vedada; quando houver correspondência entre a atividade desempenhada pelo terceirizado e os cargos existentes na estrutura do órgão ou entidade, a terceirização também está vedada.7

Em lúcidas palavras, é o que, também, nos ensina a Procuradora do Estado de Minas gerais raquel melo urbano de carvalho:

Se em norma constitucional ou infraconstitucional quaisquer das competências integrantes da função administrativa foi imputada a um servidor público como

5 FERRAZ, Luciano. Terceirização, contratação de serviços de terceiros pela Administração Pública. Boletim de Direito Municipal, v. 1, 2007, p. 1-8.

6 Idem, 2007, p. 1-8.

7 Idem, 2007, p. 1-8.

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parcela da sua competência, tem-se clara a opção do ordenamento por considerar tal tarefa como atividade estatal, sendo em princípio inadmissível sua delegação a particulares (...) Não há dúvida quanto ao fato de que a Administração Pública deve, como regra, abster-se de colocar o particular contratado para exercer atividade-fim dos seus órgãos e entidades autárquicas. (...) Resulta claro do ordenamento brasileiro a irrenunciabilidade da competência pública e a possibilidade de sua delegação somente em favor de servidores providos em cargos inferiores no escalonamento de competências da Administração.8

Neste mesmo sentido consta decisão9 do egrégio Tribunal de Contas da União, cujo emblemático excerto dispõe:

Efetivamente, a contratação indireta de pessoal, por meio de empresa particular, para o desempenho de atividades inerentes à Categoria Funcional (...), abrangida pelo Plano de Classificação e Retribuição de Cargos do Serviço Civil da União, configura procedimento atentatório a preceito constitucional que impõe a aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.

maria sylvia zanella di Pietro10 cita dispositivo contido na Lei de Diretrizes Orçamentárias da União (Lei n. 11.768/08, art. 89), que, em interpretação autêntica do § 1° do art. 18 da LRF, evidencia, em seu parágrafo único, o que o legislador federal entende por atividade-meio e os requisitos que devem ser observados para que a terceirização seja considerada lícita (e não se caracterize como substituição de servidores públicos, ou seja, burla ao princípio do concurso público):

Art. 89. O disposto no § 1° do art. 18 da Lei Complementar n. 101, de 2000, aplica-se exclusivamente para fins de cálculo do limite da despesa total com pessoal, independentemente da legalidade ou validade dos contratos.

Parágrafo único. Não se considera como substituição de servidores e empregados públicos, para efeito do caput deste artigo, os contratos de serviços de terceiros relativos a atividades que, simultaneamente:

I — sejam acessórias, instrumentais ou complementares às atribuições legais do órgão ou entidade, na forma prevista em regulamento;

II — não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas pelo quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário, ou sejam relativas a cargo ou categoria extintos, total ou parcialmente;

III — não caracterizem relação direta de emprego.

8 carvalHo, raquel melo urbano de. Terceirização da atividade-fim do Estado: uma renúncia impossível. Centro de Estudos Jurí dicos. Disponível em: <http://www.comcentrodeestudos.com.br/interna.asp?cat=55&id=426>. Acesso em: 07/out/2009.

9 Processo TC-475.054/95-4, Ministro Relator José Antônio B. de Macedo, publicado no Diário Oficial da União. seção i, p. 11.053- 11.054, dia 24/07/95.

10 di Pietro, maria sylvia zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 323. A autora cita dispositivo contido no art. 64 da Lei de Diretrizes Orçamentárias n. 9.995/00, atualmente em vigor no art. 89 da Lei n. 11.768/08.

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Embora o dispositivo supratranscrito seja constante de lei de caráter federal (e não nacional) e, portanto, não seja de observância obrigatória para os demais entes da federação, não deixa de ser uma relevante orientação, na medida em que consubstancia uma interpretação autêntica do tema, especialmente no que se refere ao teor do art. 18, § 1°, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por fim, respondo à terceira indagação contida na consulta formulada (gasto com pessoal), nos termos dos pareceres emitidos por este Tribunal nas consultas supracitadas, dentre as quais, destaco a de n. 624.786, que, sob a relatoria do Exmo. Conselheiro Moura e Castro, serviu de precedente (leading case) e orientação para as demais.

Para fins de maior esclarecimento, transcrevo excerto conclusivo para o deslinde da questão:

(...) é preciso examinar se está ocorrendo apenas atribuição a terceiros de atividade acessória ou real substituição de servidores ligados à atividade-fim do serviço público. (...)

As despesas para a realização de serviços, na forma do § 1° do art. 18 da sobredita lei, serão classificadas na rubrica Outras Despesas de Pessoal, tão somente quando a execução indireta de mão de obra for realizada em substituição a servidores ou empregados públicos.

eis que devidamente fundamentado, passo, portanto, ao voto.

VOTO

No que se refere às duas primeiras questões formuladas, entendo que:

— atividades-fim são aquelas constitucionalmente atribuídas aos poderes constituídos e legalmente distribuídas e cometidas a cargos existentes na estrutura de seus entes, impassíveis, portanto, de atribuição a particulares (salvo aquelas delegáveis, nos termos das Leis n. 8.666/93 e 8.987/95);

— atividades-meio são aquelas instrumentais, acessórias, concebidas e perpetradas única e exclusivamente para concretizar as finalidades institucionais do ente — atividades-fim.

Quanto à terceira indagação, concluo, concisa e incisivamente, que a contabilização das despesas com terceirização de mão de obra como despesas com pessoal dependerá da liceidade das contratações, ou seja, que não consubstanciem substituição de servidores e empregados públicos.

Em tempo, no que se refere às atividades exemplificativamente enumeradas na segunda indagação, entendo relevante apontar que caberá ao consulente, diante da casuística que o cerca, conferir à tese ora apresentada a interpretação e aplicação prática que entender adequada.

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Nada obstante, tendo em vista a relevância da matéria, entendo oportuno transcrever exemplificação contida na resposta dada à Consulta de n. 657.277, de relatoria do nobre Conselheiro Murta Lages, já mencionada alhures:

(...) a terceirização só é lícita quando envolve, apenas, serviços ligados à atividade-meio, tais como: vigilância, limpeza, conservação, transporte, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicação, instalação e manutenção de prédios públicos.

Tendo em vista os precedentes já mencionados expressamente no voto, entendo respondida a consulta e que se encaminhe cópia desses precedentes ao consulente, junto com a resposta ora proferida.

Retorno de vista

Versam os autos sobre consulta formulada pelo Sr. Célio de Faria Santos, Prefeito Municipal de Camanducaia, nos seguintes termos:

1. O que esta Corte de Contas entende acerca da definição de atividades-meio e atividades-fim, dentre as atividades exercidas pela municipalidade?

2. No que se refere a serviços realizados pela municipalidade, tais como manutenção da frota municipal (serviços mecânicos, borracharia, lavagem e lubrificação) e manutenção de limpeza pública (varrição e coleta de lixo), é possível a contratação de terceiros para a realização destes serviços?

3. Diante do que dispõe o art. 18, § 1°, da Lei de Responsabilidade Fiscal estes mesmos serviços devem ser contabilizados e computados nos limites de gasto com pessoal?

Em sessão do Tribunal Pleno realizada no dia 16 de dezembro de 2009, decidiu-se pelo conhecimento da presente da consulta, tendo o Conselheiro Sebastião Helvecio proferido seu parecer, nos termos a seguir:

— atividades-fim são aquelas constitucionalmente atribuídas aos poderes constituídos e legalmente distribuídas e cometidas a cargos existentes na estrutura de seus entes, impassíveis, portanto, de atribuição a particulares (salvo aquelas delegáveis, nos termos das Leis n. 8.666/93 e 8.987/95);

conselHeiro antônio carlos andrada

Na sessão do dia 16/12/09, acompanharam o entendimento do relator o Conselheiro Eduardo Carone Costa, o Conselheiro Elmo Braz e o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, oportunidade em que o conselheiro antônio carlos andrada pediu vista dos autos.

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— atividades-meio são aquelas instrumentais, acessórias, concebidas e perpetradas única e exclusivamente para concretizar as finalidades institucionais do ente — atividades-fim.

Quanto à terceira indagação, concluo, concisa e incisivamente, que a contabilização das despesas com terceirização de mão de obra como despesas com pessoal dependerá da liceidade das contratações, ou seja, que não consubstanciem substituição de servidores e empregados públicos.

Acompanharam o posicionamento do relator os Conselheiros Gilberto Diniz, Eduardo carone costa e elmo braz.

Dada a relevância do tema, solicitei vistas dos autos a fim de refletir mais pormenorizadamente acerca da matéria.

É, em suma, o relatório.

MéRITO

O tema terceirização na Administração Pública tem sido objeto de estudo perene por parte da doutrina e da jurisprudência, em decorrência das inúmeras peculiaridades e cautelas que devem ser observadas, impondo-se ao Tribunal de Contas, alicerçado em seu dever didático-pedagógico de bem orientar os jurisdicionados, delimitar mediante critérios claros e específicos o alcance e a legalidade de sua utilização no âmbito da Administração Pública.

No que tange à conceituação de atividade-meio e de atividade-fim, tenho que tal ponto foi tratado de forma escorreita pelo relator, não obstante o apontamento que pretendo fazer no curso do meu voto e que se relaciona a esse tópico.

Com essa ressalva, atenho-me, então, à indagação acerca das despesas com serviços terceirizados, sua contabilização e cômputo nos limites de gastos com pessoal, consoante preceituado no artigo 18, § 1° da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nesse ponto, conforme dito, o Conselheiro Sebastião Helvecio assim se posicionou:

Quanto à terceira indagação, concluo, concisa e incisivamente, que a contabilização das despesas com terceirização de mão de obra como despesas com pessoal dependerá da liceidade das contratações, ou seja, que não consubstanciem substituição de servidores e empregados públicos (grifos nossos).

Srs. Conselheiros, pelo que depreendi da conclusão supracitada, e se as palavras não me traem, o nobre relator parece ter adotado o entendimento de que as despesas com terceirização somente deveriam ser contabilizadas como despesas com pessoal, para fins da Lei de Responsabilidade Fiscal, quando se tratar de contratação lícita, ou seja, quando não se tratar de substituição de servidores e empregados públicos. Entretanto, a meu juízo, a correta abordagem da questão é exatamente em sentido

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oposto. Em outras palavras, somente quando a terceirização for ilícita é que as despesas devem ser apropriadas em gastos com pessoal.

Explico-me melhor.

De início, importante ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio adota o entendimento de que as atividades finalísticas da Administração Pública devem ser desempenhadas por servidores do quadro de pessoal do ente. Assim, a contratação de pessoal sem a observância da exigência constitucional do concurso público nesses casos, fere não somente o princípio da isonomia, como afronta também o princípio constitucional da moralidade administrativa.

Nesse sentido, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2.238/2000 (medida cautelar) que afastou a inconstitucionalidade do § 1° do art. 18 e de outros dispositivos da LRF, o excelso pretório ressaltou que a referida norma:

(...) visa a evitar que a terceirização de mão de obra venha a ser utilizada com o fim de ladear o limite de gasto com pessoal. Tem, ainda, o mérito de erguer um dique à contratação indiscriminada de prestadores de serviço, valorizando o servidor público e o concurso. (ADI n. 2238/00, etc.)

O jurista Kiyoshi Harada11 corrobora com tal entendimento, asseverando que o dispositivo em comento, a despeito de sua impropriedade redacional,

cumpre a sua importante missão de promover o enxugamento das despesas de pessoal, neutralizando os efeitos danosos de uma velha prática arraigada no seio da Administração Pública em geral, consistente na burla ao princípio do concurso público.

Desse modo, a correta interpretação desse dispositivo visa a coibir a prática corrente nas administrações públicas brasileiras de terceirizar indiscriminadamente suas atividades, imaginando que com isso poderiam se desonerar dos limites estabelecidos para os gastos com pessoal, bem como furtar-se ao cumprimento do rito da exigência do concurso público, exigido pela Constituição da República.

Nesses termos, em linhas gerais, terceirizar para desempenhar atividades afetas aos servidores públicos torna essa terceirização indevida de sorte a obrigar as despesas geradas a serem computadas no gasto de pessoal do ente, elevando o percentual.

Entretanto, a efetiva abrangência desse comando requer considerações adicionais com o objetivo de se delimitar efetivamente, a partir da ideia macrossintetizada no parágrafo anterior, quais são os efetivos contornos dessa terceirização indevida a ensejar, como consequência punitiva, para efeitos da LRF, sua contabilização como despesa com pessoal, bem como possíveis responsabilizações de outras ordens.

11 HARADA, Kiyoshi. Despesas de pessoal — Terceirização de mão de obra. Disponível no endereço eletrônico: <http://www.fiscosoft. com/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=98296>. Acesso em: 20/01/2010.

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Em suma, para o administrador, o recado é claro: para além da possibilidade de ser responsabilizado em diferentes esferas jurídicas,12 v.g (por exemplo) administrativas, trabalhistas e civis, cada qual com sua disciplina própria, a terceirização ilícita tem como reflexo direto o aumento nos percentuais de gasto com pessoal do ente federativo. Em síntese, a ilicitude da contratação não elide sua contabilização na rubrica de pessoal, para efeito do disposto na LRF, como poderia parecer.

Isso posto, para o deslinde do correto alcance do comando insculpido no § 1° do art. 18 da LRF, é importante trazer à colação, entendimento da STN, do qual me valho na sua íntegra, assim explicitado, verbis:

A LRF não faz referência a toda terceirização, mas apenas àquela que se relaciona à substituição de servidor ou empregado público. Assim, não são consideradas no bojo das despesas com pessoal as terceirizações que se destinem à execução indireta de atividades que, simultaneamente:

a) sejam acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade (atividades-meio), na forma de regulamento, tais como: conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática — quando esta não for atividade-fim do órgão ou entidade — copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações;

b) não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas por plano de cargos do quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário, ou seja relativas a cargo ou categoria extintos, total ou parcialmente; e

c) não caracterizem relação direta de emprego, como, por exemplo, estagiários.

(...)

Se o ente, indevidamente, realizar contrato de prestação de serviços para substituir a execução direta, fica caracterizada a terceirização que substitui servidor ou empregado público e a despesa com pessoal deve ser registrada na linha Outras Despesas de Pessoal decorrentes de Contratos de Terceirização (§ 1° do art. 18 da LRF). Se o regime de prestação de serviço for de concessão ou permissão, a concessionária ou permissionária arcará com as despesas com pessoal, que não integrarão a despesa com pessoal do ente.

Em resumo, e já caminhando para o final do meu voto, valiosa é a doutrina de Luciano Ferraz, em que traça um revelador panorama da correta dicção do dispositivo ao aduzir que, verbis:

12 Cumpre alertar, por pertinente ao tema em análise, que a prática voltada a burlar a exigência constitucional do concurso público para o provimento dos cargos inerentes à Administração Pública, constitui hipótese de ato de improbidade administrativa, sujeitando o gestor ou ordenador de despesas responsável às iras da Lei n. 8.429/92 Nesse diapasão, Fábio Medina Osório leciona que: a exigência constitucional do concurso público não pode ser afastada, eis que o próprio constituinte previu sanções de nulidade do ato e punição da autoridade responsável (art. 37, §2°, CF/88), incidindo o art. 11, V, da Lei n. 8.429/92, mais, eventualmente, o art. 10°, caput, do mesmo diploma, se ocorrente lesão material, gastos indevidos aos cofres públicos, sem prejuízo do art. 10, XII, da lei, na medida em que se proporciona o enriquecimento aos agentes que ingressaram no setor público pela ‘porta dos fundos’, em detrimento de outros que teriam, em tese, o direito de concorrer.

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— os contratos de terceirização de atividades-meio, quando concernentes a atividades sem correspondência no plano de cargos do órgão ou entidade, estão, em regra, excluídos do percentual de gastos; se houver correspondência, a lei determina o cômputo;

— os valores relativos aos contratos de terceirização de atividades-fim, conquanto inconstitucionais, (...) incluem-se no percentual limite dos gastos de pessoal — esta é a única explicação para que o legislador determine o somatório dos respectivos contratos, independemente de sua validade.

— os valores dos contratos de terceirização de atividades-meio, desde que concernentes a atividade inerentes à categoria do órgão ou entidade contratante, devem ser incluídos no percentual, salvo se os cargos ou empregos tiverem sido extintos total ou parcialmente (grifos no original). 13

Por fim, a partir do entendimento por mim adotado nesta consulta, com respaldo nos ensinamentos do administrativista mineiro e de Jacoby Fernandes,14 importante enfatizar que a correta condução do processo de terceirização de atividades deve levar em conta as atividades definidas como específicas no quadro de pessoal de cada ente ou órgão, em obediência ao princípio da legalidade.

Isso por que, de fato, no âmbito da Administração Pública, uma atividade, ainda que de natureza nitidamente acessória, que tenha suas atribuições elencadas na lei que instituiu o quadro de pessoal da entidade ou órgão, não pode ser preenchida, licitamente, mediante terceirização.

Conclusão: por todo o exposto, divirjo do Conselheiro Relator acerca do entendimento a ser dado ao § 1° do art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, por entender que:

— integram os gastos com pessoal, para os fins da CR/88 e da LRF, as despesas com terceirização de mão de obra para o exercício de atividades que se destinam à substituição de servidores, nos contornos definidos nesta consulta, a despeito de tais contratações serem ilícitas, sem prejuízo das demais searas de responsabilidade (civil, trabalhista, penal etc.).

É o parecer.

13 FERRAZ, Luciano. Função Administrativa. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, salvador: instituto brasileiro de direito Público, n. 8, nov/dez 2006/jan 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 de janeiro de 2009.

14 Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Responsabilidade Fiscal na Função do Ordenador de Despesa; na terceirização de mão-de-obra; na função do controle administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 57.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 17/03/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, conselheiro elmo braz, conselheiro antônio carlos andrada, conselheira adriene andrade e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio, com as considerações feitas pelo Conselheiro antônio carlos andrada.

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RELATÓRIO

Trata-se de consulta protocolada neste Tribunal de Contas sob o n. 222.019-02, em 29/09/2009, formulada pelo Prefeito do Município de Janaúba, José Benedito Nunes Neto, na qual questiona, conforme fls. 01:

Legalidade na contratação de Oscip pelo ente público municipal, no caso específico da área da saúde.

Formalizamos consulta, ainda, no que tange a forma licitatória mais adequada para a contratação de Oscip e a forma de lançamento das despesas do termo de parceria com a Oscip.

em atendimento ao art. 214 do regimento interno, anoto que este tribunal já se pronunciou sobre o tema nas Consultas n. 716.238 e 719.436, de relatoria

Contratação de Oscip para desempenho de atividades na área de saúde

CONSULTA N. 809.494

Reafirmo, desse modo, que a contratação de Oscip por Município somente será possível se prevista no âmbito de legislação municipal e que será obrigatória licitação para escolha da entidade parceira, se for viável a competição. Caso contrário, deverá ser formalizado procedimento administrativo de dispensa ou de inexigibilidade de licitação.

RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO

EMENTA: Consulta — Município — Contratação de Oscip para desempe-nho de atividades na área de saúde — Possibilidade em caráter comple-mentar — Vedado o desempenho de atividades de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias — Previsão na legislação municipal da forma de contratação, do regime de execução e do contro-le das atividades da Oscip — Necessidade de licitação, salvo se for invi-ável a competição — Classificação dos repasses a Oscip como despesas de transferências correntes — Cômputo das despesas executadas pela Oscip para aferição dos percentuais mínimos aplicáveis à saúde — Ob-servância das classificações contábeis previstas no termo de parceria e do disposto na IN TCEMG 19/2008.

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do eminente Conselheiro Antônio Carlos Andrada; 793.773 e 732.243, relator eminente Conselheiro Eduardo Carone Costa; e 683.832, relator eminente conselheiro moura e castro.

PRELIMINAR

O consulente, Prefeito do Município de Janaúba, é legitimado à formulação de consulta a este Tribunal, nos termos do inciso I do art. 210 do Regimento Interno, e os questionamentos apresentados preenchem, ainda, os requisitos de admissibilidade do seu art. 212, não se tratando de caso concreto, sendo, ainda, de relevante repercussão jurídica, financeira e orçamentária, estando, assim, inserida no âmbito de competência desta Corte de Contas.

Presentes os pressupostos, voto pela admissão da consulta.

MéRITO

O consulente indaga acerca da legalidade dos atos de contratação de entidade privada qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) por municípios, para atuação na área da saúde.

Indaga, ainda, qual seria a forma licitatória mais adequada para contratação de Oscip e a forma de lançamento das despesas do termo de parceria.

Sobre a regularidade da contratação de Oscip por Município, para atuação na área da saúde, este Tribunal já se pronunciou favoravelmente, por meio da Consulta n. 732.243, relator eminente conselheiro eduardo carone, sobre a qual esse Plenário concluiu:

(...)

Portanto, verifica-se que compete à entidade governamental ofertar, por meios próprios, os serviços públicos de saúde, podendo contar com o apoio da iniciativa privada somente com o fito de complementar os serviços oferecidos pelo SUS, mediante a formalização do instrumento jurídico pertinente.

(...)

Do exposto, é possível averiguar que somente as entidades que oferecem a promoção gratuita da saúde podem atuar em regime de colaboração com o Poder Público, nos moldes estabelecidos pela lei de regência. Obtido o título, a instituição privada poderá firmar termo de parceria com o ente público, porém é inadmissível a formalização de vínculo com o propósito de transferir para a iniciativa privada o que é dever do Estado, pois, conforme assentado alhures, o particular pode atuar na prestação de serviços de saúde em caráter complementar, ou seja, quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de determinada área.

(...)

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Assim, a relação a ser firmada com o particular não poderá envolver a transferência do serviço de saúde como um todo. Ademais, as funções afetas às áreas de direção, supervisão, gerência, planejamento, controle e fiscalização devem permanecer sob a responsabilidade do Estado. Todavia, não há impedimento para a delegação da execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, tais como exames, consultas, internações hospitalares e serviços laboratoriais, pois, nestes casos, a intervenção do particular se dará apenas de maneira complementar.

(...)

Por oportuno, convém assentar que, nos casos de atividades desenvolvidas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e pelos Agentes de Combate às Endemias (ACE), a perquirição da natureza jurídica da relação laboral firmada com tais profissionais está jungida ao disposto no art. 198 da Constituição da República de 1988, consoante redação conferida pela Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006 (...)

(...)

Do exposto, constata-se pela norma em comento que a contratação dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias deve revestir-se da natureza de vínculo estatutário, na hipótese de existência de cargos públicos, ou de contrato trabalhista, no caso de criação de empregos públicos, o que demonstra que tais relações laborais devem ficar sob a responsabilidade dos entes públicos, vedada a transferência de tal encargo para terceiros.

(...)

Portanto, em se tratando de funções atribuídas aos ACS e aos ACE, sendo expressamente vedada a contratação desses agentes por intermédio de terceiros, há óbice legal para a celebração de termo de parceria com as Oscips.

Conclui-se, portanto, ser possível celebração de termo de parceria com Oscip, apenas em caráter complementar, sendo vedado, entretanto, o desempenho de atividades de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, que contam com tratamento constitucional especial.

Merece lembrança, por oportuno, que deve o gestor verificar, além de outros requisitos que se destinam à aferição de regularidade e idoneidade da Oscip, se a entidade atende aos requisitos mínimos de constituição exigidos pela Lei Federal n. 9.790, de 23 de março de 1999.

Com relação ao segundo questionamento que aborda a forma licitatória para escolha da Oscip, o egrégio Plenário desse Tribunal, recentemente, concluiu, por unanimidade, na Consulta n. 716.238, publicada na Revista do TCEMG, v. 70, março/ 2009, p. 137-163, de relatoria do Conselheiro Antônio Carlos Andrada:

Contudo, como pressupostos à assinatura deste termo de parceria, a matéria deverá estar devidamente regulamentada em âmbito municipal. Além disso, em

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não se configurando as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, nos termos da Lei n. 8.666/93, há que se realizar licitação para contratação com tais entidades, sob pena de malferimento dos princípios que regem a Administração Pública.

Reafirmo, desse modo, que a contratação de Oscip por Município somente seria possível se prevista no âmbito de legislação municipal e que seria obrigatória licitação para escolha da entidade parceira, se for viável a competição. Caso contrário, deverá ser formalizado procedimento administrativo de dispensa ou de inexigibilidade de licitação.

Quanto à terceira questão, sobre a forma de lançamento das despesas com termo de parceria, este egrégio Plenário assentou, por unanimidade, na mesma consulta, que:

No tocante ao questionamento se as despesas com o pagamento dos funcionários da Oscip deveriam ser computadas a fim de se apurar o limite das despesas com gasto de pessoal da Administração Municipal, responde-se negativamente, eis que esses funcionários não compõem o quadro de servidores e os repasses à Oscip deverão ser classificados como despesas de transferências correntes.

Assim, as despesas com as atividades da Oscip não são computadas como despesas de pessoal, não sendo classificada a atuação de seus empregados como terceirização de mão de obra, segundo o entendimento já fixado por esse egrégio Plenário, reafirmado na Consulta n. 793.773, relator Conselheiro Eduardo Carone.

Outrossim, quanto à classificação dos repasses às Oscips que desempenham atividades de saúde, somente serão consideradas as despesas destinadas às ações previstas no art. 3° da IN TCEMG 19/2008, para efeito do cumprimento da EC n. 29.

Paralelamente, o art. 10, IV, da Lei n. 9.790/99 define ser obrigatório nos termos de parceria cláusula de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização.

Essas categorias contábeis devem ser utilizadas, observando-se o disposto na IN TCEMG 19/2008, de modo a realizar-se específica classificação contábil das despesas realizadas pela Oscip, para que sejam rigorosamente cumpridos os limites mínimos constitucionais de aplicação de recursos estaduais e municipais na área de saúde.

Conclusão: diante do exposto, concluo:

1) é possível a contratação de Oscip por Município para desempenho de atividades de saúde, em caráter complementar, vedadas as de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias;

2) a forma de contratação e o regime de execução e controle das atividades da Oscip devem ter previsão na legislação municipal, devendo ser feita licitação ou formalizado procedimento de dispensa ou inexigibilidade, se for o caso, para a contratação da entidade parceira;

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3) os repasses às Oscips deverão ser classificados como despesas de transferências correntes, para efeito de apuração de limites com gasto de pessoal;

4) os percentuais mínimos de aplicação em saúde deverão ser aferidos, utilizando-se as despesas executadas pelas Oscips, em conformidade com as classificações contábeis previstas no termo de parceria e com o disposto na IN TCEMG 19/2008.

Anoto, nos termos do art. 216 do Regimento Interno, que não se propõem modificações nos entendimentos deste egrégio Plenário, citados ao longo deste parecer.

Remeta-se cópia ao consulente da IN TCEMG 19/2008 e das respostas às consultas referidas no relatório e na fundamentação.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 24/02/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio.

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RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Senhor Wolney Freitas, Prefeito do Município de Além Paraíba, por meio da qual indaga a respeito do cálculo dos proventos de aposentadoria proporcional, com base nos §§ 3° e 17 do art. 40 da Constituição da República de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 41, de 19/12/03, e na Lei n. 10.887, de 18/06/04, estando vazada nos seguintes termos:

(...) o limite imposto pelo § 2° do art. 40 da CR/88 (qual seja, o valor dos proventos do servidor, por ocasião de sua concessão, não pode exceder a re-muneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria) somente deve ser verificado depois de calculada a média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado e aplicada a fração a que faz jus o aposentando, independente-mente se integral ou proporcional o benefício.

CONSULTA N. 794.728

ASS

COM

TCE

MG

Forma de cálculo dos proventos de aposentadoria proporcional: momento adequado para verificação da limitação prevista no § 2º do art. 40 da CR/88

EMENTA: Consulta — Município — Servidor público — Aposentadoria pro-porcional — Momento adequado para aplicação do limite previsto no § 2º do art. 40 da CR/88 — Aplicação posterior ao cálculo do benefício — Re-gime previdenciário de caráter contributivo e solidário — Observância do equilíbrio financeiro e atuarial — Necessária correlação entre as con-tribuições recolhidas e o benefício auferido — Cumprimento do disposto no art. 40, §§ 3° e 17, da CR/88.

RELATOR: CONSELHEIRO EM ExERCÍCIO GILBERTO DINIZ

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O Ministério da Previdência, por meio da Orientação Normativa n. 01/2007 no art. 57, § 1°, dispõe que, para o cálculo do provento proporcional, deverá primeiro ser identificado o valor do provento integral, portanto, fazendo a comparação do resultado da média aritmética com o limite estabelecido no § 2° do art. 40 da CF, ou seja, com a remuneração do servidor no cargo efetivo, para depois calcular-se o valor do provento proporcional.

Em posição contrária, o Acórdão do TCU 2212/2008 — Pleno dispõe que o cálculo do provento proporcional deverá ser calculado sobre o valor da média aritmética para depois efetuar-se o cálculo do limite estabelecido no § 2° do art. 40 da CF/88.

Em função dessa divergência de entendimento, o consulente busca o parecer deste Tribunal de Contas acerca da matéria, para nortear o seu procedimento por ocasião da concessão dos benefícios proporcionais.

Distribuída a consulta à minha relatoria, a teor do disposto no inciso I do art. 213 do Regimento Interno, encaminhei os autos ao Departamento de Análise de Aposentadoria, Reforma e Pensão, cuja manifestação se encontra acostada, a fls. 05-14, com a seguinte conclusão, in verbis:

(...) uma vez que a Constituição da República e a Lei n. 10.887/2004 não estabeleceram a forma de proceder no caso do cálculo dos proventos proporcionais na aposentadoria e sua comparação com o limite imposto no § 2° do art. 40 da Constituição (...) a proporcionalidade do provento base deve ser obtida no cálculo da média e, posteriormente, deve esse valor ser comparado com a última remuneração do servidor no cargo efetivo, porque dessa forma atende-se ao limite constitucional estabelecido no § 2° do art. 40, respeita-se a norma do princípio constitucional contributivo e preserva-se a relação entre a contribuição previdenciária e o cálculo do benefício da aposentadoria.

Em seguida, fez-se concluso o processo.

resumidamente, é o relatório.

PRELIMINAR

Preliminarmente, cumpridos os requisitos de admissibilidade estampados no art. 212 do Regimento Interno (Resolução n. 12/08), uma vez que legítima a parte e pertinente a matéria — que apresenta notável relevância, na medida em que gera impacto na órbita de direitos subjetivos, pois repercute, diretamente, na forma de cálculo do benefício das aposentadorias proporcionais dos servidores públicos —, voto pelo conhecimento da consulta, para respondê-la em tese.

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MéRITO

No mérito, de início, deve ser explicitado o teor dos comandos constitucionais que regem a matéria, notadamente os §§ 2°, 3° e 17 do art. 40 da Constituição da República de 1988 (CR/88), com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 41, de 19/12/03 (EC n. 41/2003), in verbis:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo (redação dada pela Emenda Constitucional n. 41 de 19/12/2003).

(...)

§ 2° Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão (redação dada pela Emenda Constitucional n. 20 de 15/12/98).

§ 3° Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião de sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei (redação dada pela Emenda Constitucional n. 41 de 19/12/2003).

(...)

§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei (acrescentado pela Emenda Constitucional n. 41 de 19/12/2003).

Por seu turno, o art. 1° da Lei Federal n. 10.887, de 18 de junho de 2004, que dispõe sobre a aplicação de disposições da EC n. 41/2003, e dá outras providências, ao estabelecer a forma de cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, assim preceitua:

Art. 1o No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3o do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2o da Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.

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§ 1o As remunerações consideradas no cálculo do valor inicial dos proventos terão os seus valores atualizados mês a mês de acordo com a variação integral do índice fixado para a atualização dos salários de contribuição considerados no cálculo dos benefícios do regime geral de previdência social.

§ 2° A base de cálculo dos proventos será a remuneração do servidor no cargo efetivo nas competências, a partir de julho de 1994, em que não tenha havido contribuição para regime próprio.

§ 3° Os valores das remunerações a serem utilizadas no cálculo de que trata este artigo serão comprovados mediante documento fornecido pelos órgãos e entidades gestoras dos regimes de previdência aos quais o servidor esteve vinculado ou por outro documento público, na forma do regulamento.

§ 4° Para os fins deste artigo, as remunerações consideradas no cálculo da aposentadoria, atualizadas na forma do § 1° deste artigo, não poderão ser:

I — inferiores ao valor do salário-mínimo;

II — superiores ao limite máximo do salário de contribuição, quanto aos meses em que o servidor esteve vinculado ao regime geral de previdência social.

§ 5° Os proventos, calculados de acordo com o caput deste artigo, por ocasião de sua concessão, não poderão ser inferiores ao valor do salário-mínimo nem exceder a remuneração do respectivo servidor no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria.

Não obstante a regulamentação supracitada, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa n. 02, de 31 de março de 2009, alterando a Orientação Normativa n. 01, de 23 de janeiro de 2007, na qual constam os seguintes comandos:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA MPS/SPS N. 02, DE 31 DE MARÇO DE 2009 (publicada no D.O.U. de 02/04/2009).

Art. 1° Os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, dos Magistrados, Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas, membros do Ministério Público e de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, observarão o disposto nesta Orientação Normativa.

(...)

Subseção X

Do Cálculo dos Proventos de Aposentadoria

Art. 61. No cálculo dos proventos das aposentadorias referidas nos art. 56, 57, 58, 59, 60 e 67, concedidas a partir de 20 de fevereiro de 2004, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações ou subsídios, utilizados como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.

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(...)

§ 2° As remunerações ou subsídios considerados no cálculo do valor inicial dos proventos terão os seus valores atualizados, mês a mês, de acordo com a variação integral do índice fixado para a atualização dos salários de contribuição considerados no cálculo dos benefícios do RGPS, conforme portaria editada mensalmente pelo MPS.

(...)

§ 5° As remunerações consideradas no cálculo da média, depois de atualizadas na forma do § 2°, não poderão ser:

I — inferiores ao valor do salário-mínimo;

II — superiores ao limite máximo do salário de contribuição, quanto aos meses em que o servidor esteve vinculado ao RGPS.

§ 6° As maiores remunerações de que trata o caput serão definidas depois da aplicação dos fatores de atualização e da observância, mês a mês, dos limites estabelecidos no § 5°.

§ 7° Na determinação do número de competências correspondentes a 80% de todo o período contributivo de que trata o caput, desprezar-se-á a parte decimal.

(...)

§ 9° O valor inicial do provento, calculado de acordo com o caput, por ocasião de sua concessão, não poderá exceder a remuneração do respectivo servidor no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria, conforme definição do inciso IX do art. 2°, sendo vedada a inclusão de parcelas temporárias conforme previsto no art. 43.

Art. 62. Para o cálculo do valor inicial dos proventos proporcionais ao tempo de contribuição, será utilizada fração, cujo numerador será o total desse tempo, e o denominador, o tempo necessário à respectiva aposentadoria voluntária com proventos integrais, conforme inciso III do art. 58, não se aplicando a redução no tempo de idade e contribuição de que trata o art. 60, relativa ao professor.

§ 1° No cálculo dos proventos proporcionais, o valor resultante do cálculo pela média será previamente confrontado com o limite de remuneração do cargo efetivo previsto no § 9° do art. 61, para posterior aplicação da fração de que trata o caput.

§ 2° Os períodos de tempo utilizados no cálculo previsto neste artigo serão considerados em número de dias (grifos nossos).

A controvérsia apontada pelo consulente está na interpretação das normas constitucionais e legais reproduzidas, para efeito do cálculo dos proventos decorrentes de aposentadoria proporcional. Vale dizer, o Ministério da Previdência, consoante posicionamento consubstanciado na Orientação Normativa n. 02/09,

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entende que o limite imposto pelo § 2° do art. 40 da CR/88 deve ser aferido previamente à aplicação da proporcionalidade. Em outros termos, primeiro calcula-se a média aritmética, procede-se ao confronto do resultado com o valor da última remuneração, para verificação do atendimento ao limite imposto pelo § 2° do art. 40 da CR/88 (tal seja, o valor encontrado não poderá exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria), para, só então, aplicar-se a proporcionalidade.

De forma diversa, todavia, posicionou-se o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão n. 2.212/2008, do Tribunal Pleno, em sessão de 08/10/2008, da relatoria do Ministro Benjamin Zymler, em sede do Recurso Administrativo n. 005.279/2004-7, consoante seguinte excerto:

Sumário

ADMINISTRATIVO. RECURSO AO PLENÁRIO. CONHECIMENTO. EC N. 41/2003. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. LIMITE DE PROVENTOS. PROVIMENTO.

1 — O § 2° do art. 40 da Constituição Federal estabelece um único limite para o cálculo dos proventos no momento da concessão de aposentadoria, que vem a ser a última remuneração do cargo efetivo.

2 — Não é lícita a aplicação do fator de proporcionalidade à última remuneração, de molde a criar um limite próprio (e menor) para a aposentadoria proporcional.

3 — A interpretação extensiva da regra constitucional conduz à mitigação indevida do princípio contributivo.

Acórdão

Vistos, discutidos e relatados estes autos de processo administrativo, acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, com fulcro nos arts. 107 e 108 da Lei n. 8.112/90 e no inciso IV do art. 15 do Regimento Interno deste Tribunal, em:

(...)

9.1. conhecer do presente recurso para, no mérito, dar a ele provimento;

9.2. determinar à Secretaria-Geral de Administração deste Tribunal que, na aplicação do § 2°, do art. 40 da Constituição Federal, observe o limite ali estabelecido, a saber, o valor da remuneração do cargo efetivo em que se der a inativação, independentemente de ser a aposentadoria deferida com proventos integrais ou proporcionais ao tempo de contribuição.

Como se vê, ao contrário do entendimento do Ministério da Previdência Social, que determina a verificação do atendimento do limite fixado no § 2° do art. 40 da CR/88 antes da aplicação da proporcionalidade, o TCU determina a realização desse confronto somente ao final, depois de calculada a proporcionalidade devida.

Na verdade, não se pode olvidar que, com a reforma da Previdência Social, introduzida pelas Emendas Constitucionais n. 20/1998, 41/2003 e 47/2005, o regime

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previdenciário dos servidores passou a ser contributivo e solidário, tendo como fonte de custeio as contribuições devidas pelos entes públicos, servidores ativos e inativos e pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Assim, já não subsiste a aposentadoria determinada exclusivamente por tempo de serviço, reclamando o atendimento de outros requisitos, como idade mínima, tempo de contribuição, tempo no serviço público e no cargo em que se der a inativação.

De acordo com os comandos trazidos pela EC 41/2003, precisamente porque o sistema passou a ser contributivo, o cálculo do provento base deve pautar-se nas remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência. E, conforme regulamentação contida na Lei Federal n. 10.887/2004, referido cálculo deve compreender a apuração da média aritmética das maiores remunerações, correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência. O regime contributivo é, por essência, eminentemente retributivo, conforme já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, devendo haver, portanto, necessária correlação de proporcionalidade entre o custeio e o benefício. Nessa correlação, devem ser considerados, necessariamente, os valores das contribuições vertidas pelo servidor para o custeio do benefício que será calculado.

Perceba-se que nem a Lex Mater, tampouco a mencionada lei fizeram distinção entre o cálculo dos proventos integrais ou proporcionais. E não me parece correto cogitar de lacuna normativa para o caso de apuração de proventos proporcionais. Isso porque o comando é um só, a média das maiores remunerações que serviram de base para o recolhimento das contribuições previdenciárias aos respectivos regimes, visto que, de fato, importa ao sistema as contribuições arrecadadas, as quais suportarão o pagamento do benefício. Assim, apurada a média, calcula-se a proporção do benefício.

Na mesma direção é o posicionamento do TCU, conforme retratado no voto do Ministro Benjamin Zymler, por ocasião do julgamento do Recurso Administrativo retrocitado, segundo o qual:

(...) a aplicação subsidiária das regras do Regime Geral de Previdência defendida pela Conjur, em face de suposta lacuna da lei, que não existe, não seria possível porque os suportes fáticos dos dois regimes, no que se refere à contribuição previdenciária, são diversos. No Regime Próprio do Servidor não se têm limites para o salário de contribuição, e o servidor contribui sobre toda a remuneração do cargo em comissão, como lhe faculta a lei. Ao revés, no Regime Geral de Previdência há limitação para o salário de contribuição.

Nesse sentido, o excesso de contribuição, em relação ao salário de contribuição, se dá exatamente no Regime Próprio do Servidor e não no Regime Geral de Previdência, que tem limitação no recolhimento da contribuição previdenciária.

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E continua o eminente Ministro

(...) será muito natural que um servidor que tenha direito a proventos proporcionais perceba proventos superiores ao servidor que possua direito a proventos integrais, porque o que importa para o sistema de média não é apenas a proporcionalidade dos proventos, mas, principalmente, as contribuições feitas, do contrário não se trataria de sistema contributivo.

A aplicação da fração, com efeito, consiste em ato contínuo, no procedimento de cálculo dos proventos, para definição do benefício. Em outros termos, o cálculo do benefício deve compreender a apuração da média e a consequente aplicação da proporcionalidade.

O limite consignado no § 2° do art. 40 da CR/88, consoante dicção constitucional, verbis, Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria (grifos nossos), deve ser verificado no momento da concessão do benefício, fazendo-se necessário, portanto, por óbvio, que o benefício já tenha sido calculado.

ademais, não fosse esse o entendimento, estar-se-ia, por meio de interpretação extensiva, não cabível quando se está a cogitar da interpretação de norma restritiva de direito, criando novo limite, para além daquele contemplado pela Constituição.

Basta a análise do exemplo concebido pelo órgão técnico desta Corte, em que ficou demonstrada lesão a direito subjetivo se aplicada a orientação do Ministério da Previdência Social. Na hipótese aventada, servidora com direito à aposentadoria com proventos proporcionais a 25/30 teria seu benefício calculado, segundo o entendimento do Ministério da Previdência Social, no valor de R$8.333,33, ao passo que se a metodologia aplicada fosse aquela indicada como correta pelo TCU, seus proventos proporcionais corresponderiam a R$10.000,00. Isso porque o valor da última remuneração no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria corresponde a R$10.000,00 e a média foi calculada em R$12.000,00, em razão da aplicação dos índices de atualização das remunerações, conforme preceitua o § 17 do art. 40 da CR/88. Assim, os valores acima resultam da aplicação da proporcionalidade, no primeiro caso, após o confronto da última remuneração no cargo (R$10.000,00) com o apurado na aferição da média (R$12.000,00), tomando-se como base, portanto, o valor de R$10.000,00, que, na fração 25/30, correspondem a R$8.333,33. Pelo entendimento do TCU, calcula-se o benefício, ou seja, 25/30 de R$12.000,00 (média apurada), e o resultado, R$10.000,00, é confrontado com o limite, que, no caso, consiste também em R$10.000,00 (valor da última remuneração no cargo).

ora, não se pode, repita-se, por interpretação extensiva, restringir direitos, mormente quando tal é feito por instrumento que não tem o condão de se sobrepor à lei e, mais ainda, à lei maior. a palavra previamente, destacada no § 1° do reproduzido art. 62 da Orientação Normativa MPS n. 02/2009, cria nova restrição

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não autorizada pela constituição e pela lei regulamentadora, não se podendo, pois, atribuir-lhe eficácia.

Também assim entendeu o TCU, consoante se vê de trecho do voto do Ministro Marcos Bemquerer, por ocasião do julgamento da Aposentadoria 015.757/2008-3, em sessão da Primeira Câmara do dia 17/02/2009:

O § 2° do art. 40 da Constituição Federal instituiu um limite para a percepção de proventos da inatividade, a ser verificado no momento da aposentadoria, e não uma metodologia de cálculo desses proventos. A estipulação desse limite decorre do princípio da solidariedade, insculpido no caput do art. 40. Desse princípio também resulta a instituição da contribuição previdenciária de inativos e pensionistas.

O princípio da solidariedade mitiga, mas não afasta, o caráter contributivo do RPPS, que opera tanto em favor como em desfavor do servidor.

A imposição de restrições que afastam o caráter contributivo — como a limitação do valor de proventos — somente pode decorrer de comando constitucional. Por conseguinte, a norma contida no § 2° do art. 40 não deve ser interpretada de forma extensiva, sob pena de infirmar o princípio da contributividade.

Não é lícito, portanto, que a Orientação Normativa do Ministério da Previdência, altere a forma de cálculo estabelecida em lei para ampliar a limitação do texto constitucional (grifos nossos).

Desse modo, mesmo que, à primeira vista, possa parecer ilógico que o valor de um benefício integral possa ser inferior a outro concedido proporcionalmente e, ainda, que numa visão meramente matemática esteja evidente que a fração decorre do todo, não podendo, pois, superá-lo, o fato é que não se pode ter essa visão simplista, sem que se proceda a uma interpretação sistêmica das normas consagradas na Constituição. Somente a partir da compreensão da base fundante do sistema introduzido pela EC n. 41/2003, será possível a percepção de sua coerência e consistência, tendo em vista o inafastável equilíbrio econômico, financeiro e atuarial, pilar dos Regimes de Previdência. Referido sistema passou a ser contributivo, devendo, portanto, esta premissa servir de norte para a correta interpretação de todas as normas que regem a matéria. Impressões subjetivas acerca da justiça não podem modular a interpretação constitucionalmente adequada das normas atinentes ao novo sistema, com o fito de imprimir-lhe regras não contempladas na Constituição e na lei, sobretudo para restringir a fruição de direitos subjetivos. O tão caro equilíbrio financeiro e atuarial deve ser visto dos dois ângulos que precisam ser considerarados, quais sejam, o da sustentabilidade do benefício pelos regimes de previdência e o da necessária correlação entre as contribuições recolhidas e o benefício auferido. Dessa análise, ressai evidente a razão de não ser desprovida de sentido a concessão, para servidores ocupantes de mesmo cargo, de benefício integral inferior a proporcional, não havendo que se cogitar de quebra do princípio da isonomia, pois o que está em questão é o quantum recolhido para o regime previdenciário. É dizer, não se pode pretender

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que aquele que contribuiu com menos faça jus, ainda que esteja se aposentando integralmente, a benefício maior que o de outro que, a par de estar se aposentando com proventos proporcionais, contribuiu, durante boa parte de sua vida funcional, com valores de maior monta.

Destarte, reconhecendo-se a contributividade como via ordinária de financiamento do sistema previdenciário, resta inafastável a preservação de uma base de relação sinalagmática direta entre a obrigação legal-constitucional de contribuir e o direito às correspondentes prestações previdenciárias.

VOTO

Diante do exposto, Sr. Presidente, e respondendo às indagações do consulente, considerando o regime previdenciário de caráter contributivo e solidário, pautado no equilíbrio financeiro e atuarial, que tem como lastro para a concessão dos benefícios os valores recolhidos aos regimes de previdência; considerando, ainda, a impossibilidade de orientação normativa do Ministério da Previdência Social inovar no mundo jurídico, sobrepondo-se à lei específica que rege a matéria e à própria Constituição, ao criar restrição a direito subjetivo do segurado, posiciono-me no sentido de que o limite imposto pelo § 2° do artigo 40 da CR/88 (qual seja, o valor dos proventos do servidor, por ocasião de sua concessão, não pode exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria) somente deve ser verificado depois de calculada a média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado e aplicada a fração a que faz jus o aposentando, independentemente se integral ou proporcional o benefício. Em outras palavras, somente após o cálculo do benefício, seja ele integral ou proporcional, é que o atendimento do referido limite deve ser aferido, haja vista os comandos estampados nos §§ 3° e 17 do artigo 40 da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 41/2003, e a regulamentação trazida pela Lei n. 10.887/2004, notadamente em seu art. 1°.

É assim que voto Sr. Presidente.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 03/02/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheiro Substituto Licurgo Mourão e Conselheiro Sebastião Helvecio que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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RELATÓRIO

Tratam os autos da denúncia formulada pela empresa Bom Degusty Assessoria e Alimentos Ltda-ME, em face dos Processos de Contratação n. 175/2009, 176/2009, 178/2009 e 200/2009 promovidos pela Secretaria de Estado da Defesa Social, na modalidade pregão eletrônico, tendo por objeto a contratação de fornecimento de alimentação, na forma transportada para os presídios de Poços de caldas, Cataguases, Leopoldina, Manhuaçu, Rio Piracicaba e para a Penitenciária de Segurança Máxima de Francisco Sá, conforme descrito e especificado nos Anexos I a IV dos respectivos editais.

(...) a norma estabelecida na Resolução Conjunta n. 3.458/03, ao invés de propiciar aos diversos órgãos e entidades da Administração Estadual a busca pelo melhor custo benefício, possibilita a contratação de fornecedores menos eficientes, em razão da distorção causada na avaliação das propostas dos licitantes, uma vez que a comparação dos preços não permitirá vislumbrar os que são efetivamente menores em relação ao custo de produção, porque haverá diferenças entre os propo-nentes que incluirão ou excluirão, dependendo da localização de sua sede, encargos tributários.

DENÚNCIA N. 803.343

RELATOR: CONSELHEIRO EM ExERCÍCIO GILBERTO DINIZ

TCE considera inconstitucional o § 1° do art. 4° da Resolução Conjunta n. 3.458/03 da Seplag e da SEF que confere isenção de ICMS a licitantes do Estado de Minas Gerais anteriormente ao julgamento das propostas

EMENTA: Denúncia — Secretaria de Estado — Licitação — Concessão de isenção de ICMS para licitantes sediados no Estado de Minas Gerais an-teriormente ao julgamento das propostas — Art. 4°, § 1°, da Resolução Conjunta n. 3.458/03 da Seplag e da SEF — Inconstitucionalidade — De-sequilíbrio nas condições de participação entre os licitantes — Ofensa ao princípio constitucional da isonomia — Infração à ordem econômica — Restrição à competitividade — Distorção na avaliação das propostas — Desvantagem para licitantes de outros estados.

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A denunciante pleiteou a suspensão da liminar dos certames, alegando a ocorrência das seguintes irregularidades:

Disputa por lotes únicos e não divididos em parcelas, na forma do § 1° do art. 23 1. da Lei de Licitações;

Isenção de ICMS para os fornecedores estabelecidos no Estado de Minas Gerais, 2. nos termos do Decreto n. 43.349, de 30/05/03;

Falta de previsão de indenização, na hipótese de rescisão contratual sem culpa 3. do contratado, além de omissão da cláusula de responsabilidade da contratante;

Falta de menção à obrigatoriedade da visita aos locais de fornecimento dos 4. serviços.

No exame inicial do feito, não vislumbrei irregularidades nos editais em relação à divisão dos lotes, à previsão de cláusula de indenização e à obrigatoriedade de visita técnica, mas entendi que a isenção do ICMS para o fornecedor sediado no Estado, prevista no Decreto estadual n. 43.349, de 30/05/03, na forma estabelecida pelos instrumentos convocatórios, fere a vedação expressamente contida no § 1° do art. 3° da Lei n. 8.666/93, por imprimir tratamento diferenciado e, portanto, preferência em razão da localização da sede dos licitantes.

Por essa razão, determinei a suspensão dos Pregões 175/2009, 176/2009, 178/2009 e 200/2009, até que esta Corte procedesse ao exame e determinasse as alterações necessárias nos editais, conforme decisão referendada pela Primeira Câmara na sessão de 18/08/09, cujas notas taquigráficas encontram-se acostadas a fls. 116-121.

Comprovada a suspensão e trasladadas cópias dos documentos relativos às fases internas dos certames, foram os autos submetidos ao exame da CAIC/DAC que produziu as informações a fls. 1.375-1.389, seguindo-se parecer do Ministério Público junto ao Tribunal, acostado a fls. 1.390-1.405.

Em seguida determinei a citação do então Secretário de Estado da Defesa Social, Sr. Maurício de Oliveira Campos Júnior, da Superintendente de Logística e Recursos Humanos, Sra. Ana Costa Rego, bem como das pregoeiras responsáveis pelos respectivos certames, concedendo-lhes prazo de 15 dias em observância ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

A defesa apresentada a fls. 1.420-1.436, juntamente com os documentos que a acompanham, foi submetida ao reexame da CAIC, que produziu a peça a fls. 1.501-1.515, e, em seguida, ao Ministério Público junto ao Tribunal, que se manifestou a fls. 1.517-1.524, suscitando preliminar de competência do Pleno para apreciar a matéria, nos termos do inciso V do art. 26 do Regimento Interno deste tribunal.

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Em face da preliminar eriçada pelo douto Parquet de contas, submeti os autos à apreciação da Primeira Câmara que a acolheu na sessão de 23/02/10.

Destaco, ainda, ter chegado ao meu gabinete petição acompanhada de documentos, protocolizada em 02/12/09, sob o n. 224.719-02, endereçada ao Processo n. 808.151, firmada pelo então Advogado-Geral Adjunto do Estado, atual Advogado-Geral do Estado, Dr. Marco Antônio Romanelli, e pela Procuradora do Estado, Dra Juliana Campos Horta de Andrade, por meio da qual requerem a suspensão dos efeitos das decisões que determinaram a suspensão dos Pregões Eletrônicos de n. 175/2009, 176/2009, 178/2009, 200/2009, 213/2009, 219/2009 e 370/2009.

É o relatório, no seu essencial.

PRELIMINARES

1 Competência do Pleno

Cumpre, inicialmente, esclarecer que o Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal, Dr. Cláudio Couto Terrão, suscitou questão preliminar, arguindo a competência do Tribunal Pleno para apreciar o presente feito, tendo em vista que a matéria envolve a apreciação da constitucionalidade da Resolução Conjunta n. 3.458, editada pela Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (SEPLAG) e pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEF), em 22/07/03, que estabeleceu critério de formulação de proposta pelos fornecedores de bens e serviços nas licitações promovidas pelos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta do Estado, aplicado aos editais sob exame.

De fato, o deslinde do mérito da questão controvertida versada nos presentes autos depende do exame do requisito estabelecido no citado normativo à luz de preceptivos e princípios constitucionais. No particular, o inciso V do art. 26 do Regimento Interno estabelece a competência do Tribunal Pleno para apreciar, incidentalmente, a constitucionalidade das leis ou de atos do Poder Público.

Embora esta Corte não tenha competência para declarar, mas tão somente apreciar a constitucionalidade das leis e atos do Poder Público e deixar de aplicar aqueles que julgar inconstitucionais no exercício de suas atribuições, conforme entendimento sedimentado pela Súmula n. 347 do Pretório Excelso, é imprescindível que o faça pelo voto da maioria absoluta de seus membros, em consonância com a norma prescrita no art. 97 da Carta Republicana, que estabeleceu a chamada cláusula de reserva de plenário, nos seguintes termos:

Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Em observância ao comando da transcrita norma constitucional, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n. 10, de aplicação obrigatória, em que prescreve:

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Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência, no todo ou em parte.

Dadas as circunstâncias da matéria tratada nestes autos, torna-se incontroversa a competência do Tribunal Pleno para apreciar e julgar essa questão incidental, cuja decisão irá balizar o exame do mérito da denúncia pela egrégia Primeira Câmara.

Ademais, é essencial a apreciação dessa questão incidental por este Colegiado, tendo em vista os efeitos e repercussões do exame da constitucionalidade do referido ato normativo estadual sobre os demais órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Minas Gerais, incluindo o próprio Tribunal de Contas que, em suas licitações, também condiciona a formulação de propostas dos licitantes sediados no Estado à regra estabelecida na referida Resolução Conjunta, conforme se depreende do edital acostado a fls. 127-172 destes autos.

Por essas razões, a Primeira Câmara, na sessão de 23/02/10, acolheu a preliminar suscitada pelo Ministério Público junto ao Tribunal para submeter ao Pleno a apreciação da constitucionalidade da Resolução Conjunta n. 3.458/03, baixada pela Seplag e SEF, e seus efeitos sobre os instrumentos convocatórios sob exame.

essa é a primeira preliminar que trago para deliberação.

2 Pedido de suspensão das liminares

Ainda em sede preliminar, faço juntar a estes autos cópia da petição acompanhada de documentos, protocolizada em 02/12/09, sob o n. 224.719-02, endereçada ao Processo n. 808.151, firmada pelo então Advogado-Geral Adjunto do Estado, atual Advogado-Geral do Estado, Dr. Marco Antônio Romanelli, e pela Procuradora do Estado, Dra Juliana Campos Horta de Andrade, por meio da qual requerem a suspensão dos efeitos das decisões que determinaram a suspensão dos Pregões Eletrônicos de n. 175/2009, 176/2009, 178/2009, 200/2009, 213/2009, 219/2009 e 370/2009.

Esclareço, por oportuno, que todos os procedimentos licitatórios referidos são conduzidos pela Secretaria de Estado da Defesa Social, tendo por objeto o fornecimento de alimentação para diversos presídios de Minas Gerais, e tiveram a suspensão determinada pelo mesmo motivo e que, embora tenha sido endereçado aos autos de n. 808.151, também sob minha relatoria, o pedido alcança os editais que são objeto de análise no presente processo e nos demais que tramitam em apenso.

Dessa feita, passo a examinar o pedido de suspensão das medidas cautelares que determinaram a suspensão das referidas licitações nestes autos, que se encontram em estágio processual mais avançado, para que tenha efeito também nos autos de n. 808.151.

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Os requerentes fundamentaram o pedido sob exame nas disposições do § 4° do art. 273 do CPC c/c os arts. 265 e 337 do Regimento Interno, na presunção de legitimidade e legalidade dos atos da Administração Pública, nas razões apresentadas pelos responsáveis pelas licitações suspensas, que se baseiam na defesa da legalidade da concessão de isenção do ICMS sobre as propostas dos licitantes sediados em Minas Gerais, por força do Convênio n. 26/2003 do Confaz e na urgência da suspensão das medidas cautelares sob a alegada ameaça de grave lesão à ordem administrativa.

Ao contrário do que alegam os procuradores requerentes, as medidas cautelares concedidas por esta Corte não têm natureza satisfativa, pois não se inserem no contexto litigioso dos processos judiciais, tampouco se destinam a atender a interesses particulares dos denunciantes.

A suspensão dos certames determinada nestes autos e nos de n. 808.151, com efeito, foi adotada como medida acautelatória, amparada pelo disposto no art. 197 da Lei Complementar Estadual n. 102/08, exatamente para permitir o exercício da competência fiscalizadora constitucional e legal outorgada ao Tribunal de Contas, especialmente a determinação de medidas corretivas pertinentes, como prescrito pelos incisos xIV e xVI do art. 76 da Carta Mineira de 1989 e pelo § 2° do art. 113 da Lei n. 8.666/93, Lei Nacional das Licitações, com a observância do devido processo legal e garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa.

A suspensão dos certames determinada por esta Corte não é um fim em si mesma nem guarda qualquer relação com a antecipação de tutela do processo civil, tratando-se de medida que visa garantir a eficácia de sua decisão, bem como resguardar o interesse público e evitar prejuízo ao erário, não havendo, pois, razão para se falar em natureza satisfativa de tal providência cautelar.

também não há, no pedido de suspensão das liminares, a demonstração de qualquer aspecto relevante que importe em risco de prejuízo de difícil reparação. Ao contrário, a suspensão dos certames se deu, exatamente, para evitar que a possível nulidade dos procedimentos de contratação já consolidados impusesse prejuízos à Administração com indenização dos contratados pela desmobilização e valores relativos a investimentos e gastos já realizados.

Por essas razões, rejeito os pedidos de suspensão das medidas liminares.

MéRITO

O ponto central de discussão nos presentes autos reside na forma que foi dada, nos editais de licitação sob comento, aplicação à norma que concede isenção do ICMS aos fornecedores de bens e serviços, sediados no Estado de Minas Gerais.

As preliminares suscitadas pelo relator foram acolhidas pelos Conselheiros presentes, por unanimidade.

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Com efeito, o Decreto Estadual n. 43.080, de 13/12/02, concede, em seu art. 6º, isenção do ICMS para as operações previstas no Anexo I, cujo item n. 136, acrescido pelo Decreto n. 43.349, de 30/05/03, prevê a isenção do tributo para a saída, em operação interna, de mercadoria ou bens destinados a órgãos da Administração Pública Estadual Direta, suas fundações e autarquias. o item 136.b do referido anexo também prevê a isenção do mesmo imposto relativamente às prestações de serviço, internas, que tenham como tomadores os órgãos da Administração Pública Estadual Direta, suas fundações e autarquias.

Da forma como os atos convocatórios examinados estabelecem a avaliação do preço das propostas comerciais dos licitantes sediados em Minas Gerais, restou instituída inequívoca preferência em razão da sede, prática expressamente vedada pelo § 1° do art. 3° da Lei de Licitações. É que o menor preço das propostas comerciais dos licitantes sediados em Minas Gerais seria aferido tomando-se como base aquele resultante da dedução do ICMS, ao contrário do que ocorreria com possíveis pretendentes de outros estados que teriam suas propostas avaliadas pelo preço de mercado dos produtos ou serviços, que inclui o ICMS. A adoção desse critério díspar, e isso se percebe sem grande esforço, gera desequilíbrio nas condições de participação entre os licitantes e, por conseguinte, viola o princípio constitucional da isonomia, prescrito pelo inciso xxI do art. 37 da Carta Republicana, às escâncaras.

Destaca-se que todos os instrumentos convocatórios publicados pela Secretaria de Estado da Defesa Social para contratação do fornecimento de alimentação para as unidades prisionais, por serem padronizados, preveem no item 6.3 o julgamento das propostas com base apenas no menor preço, sem estabelecer qualquer forma de compensação ao desequilíbrio causado pela isenção do ICMS para os proponentes sediados no estado de minas gerais.

Em sede de defesa, revelou-se que o critério para a formulação e julgamento das propostas nos certames realizados pela Administração Pública do Estado está estabelecido pela Resolução Conjunta n. 3.458 da Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (SEPLAG) e da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF), que regulamenta o mencionado Decreto estadual.

O exame realizado pela CAIC, a fls. 1.375-1.388, traz veemente defesa da legalidade da isenção do tributo ao fornecedor sediado no Estado, fundamentada na doutrina administrativista sobre a equalização das propostas dos licitantes mediante aplicação de tratamento diferenciado aos desiguais.

Sustenta, assim, o órgão técnico, que a previsão editalícia em comento não constitui violação ao disposto no § 1° do art. 3° da Lei de Licitações por se tratar de prerrogativa também utilizada por outros Estados em suas contratações, conferindo-lhe o caráter isonômico. Essa também foi a linha de defesa oferecida pelos responsáveis nos certames em apreço.

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O Ministério Público junto ao Tribunal, por outro lado, assevera que, embora a isenção tratada no Decreto n. 43.349/03 esteja amparada pelo Convênio n. 26/2003 do Conselho Nacional de Política Tributária (Confaz), a sua efetivação na forma prevista pela Resolução Conjunta n. 3.458/03 é inconstitucional por contrariar vedações expressas contidas no inciso xxI do art. 37 e no art. 152 da Constituição da República de 1988.

Além disso, o ilustre Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal entende que a referida resolução conjunta, que orienta a administração estadual em suas contratações, contraria o preceito contido no inciso xII do art. 21 da Lei Federal n. 8.884, de 11/07/94, por caracterizar infração à ordem econômica ao discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviço.

Cumpre destacar, entretanto, que a suspensão dos procedimentos licitatórios em causa não teve como fundamento a isenção do ICMS concedida aos fornecedores de bens e serviços sediados em Minas Gerais nas contratações firmadas com órgãos ou entidades da Administração Estadual. Em verdade, e isso deve ficar bastante claro, não é esse o foco, como parece ter entendido os defendentes, mas a forma como esse benefício foi tratado nos editais ora examinados.

A Resolução Conjunta n. 3.458/03, de fato, contém comando que estabelece de forma explícita a preferência na contração do fornecimento de bens e serviços ao determinar, em seu art. 4°, com a redação que lhe foi dada pela Resolução Conjunta n. 3.981, de 25/04/08, que:

Art. 4° Nos procedimentos licitatórios, os fornecedores mineiros, exceto os optantes pelo Regime do Simples Nacional, deverão apresentar em suas pro-postas comerciais as informações relativas ao preço de mercado dos produtos ou serviços e ao preço resultante da dedução do ICMS.

§1° Os preços resultantes da dedução do ICMS de que trata este artigo, serão utilizados nas seguintes etapas dos procedimentos licitatórios:

a) classificação das propostas comerciais;

b) etapa de lances, quando houver;

c) julgamento quanto à aceitabilidade dos preços; e

d) adjudicação e homologação do procedimento licitatório.

Nota-se, portanto, que a norma contida na Resolução Conjunta n. 3.458/03 extrapola o alcance da espécie, inovando em relação ao decreto que regulamenta, e viola a vedação contida expressamente na legislação de regência.

Reitero não vislumbrar qualquer óbice à isenção do tributo que, em princípio, não implica concessão de privilégio ao licitante sediado no Estado. O Decreto Estadual n. 43.349/03 foi editado em consonância com o Convênio n. 26/2003, celebrado

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na 109a reunião ordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e não contém contrariedade aos dispositivos constitucionais que tratam da matéria, especialmente os arts. 146 e 155 da Carta Política. Como bem observado pelo ilustre Procurador junto ao Tribunal,

nas contratações realizadas pelo Estado, a razão lógica para que este conceda a isenção de ICMS para empresas nele sediadas é o fato de que não faria sentido despender um valor que, posteriormente, deveria novamente lhe ser repassado.

Mas essa conduta, que é adotada por todos, senão por grande parte dos Estados da Federação, não pode ter implicação no tratamento isonômico dispensado aos licitantes nem interferir nos procedimentos previstos na Lei de Licitações. O fato de outros Estados concederem a isenção do ICMS também não altera a relação igualitária entre os licitantes interessados nos certames realizados pelos órgãos e entidades do Estado de Minas Gerais. A isonomia é um aspecto intrínseco ao processo de contratação, não lhe ultrapassando a circunscrição.

Necessário observar que a adoção da isenção do tributo aos fornecedores pelos Estados da Federação cria certa uniformidade entre estes em relação à questão tributária, mas gera, internamente em cada Estado, o desequilíbrio das condições de participação entre os licitantes locais e aqueles sediados em outros Estados, não alcançados pela isenção.

Por outro lado, com o perdão do neologismo, a vantajosidade buscada pela Administração Pública nos processos de licitação não pode decorrer da própria atuação, como um fato do príncipe às avessas.

O inciso xxI do art. 37 da Carta Republicana estabelece que

ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes (...).

A isonomia é, portanto, princípio de ordem constitucional que foi reproduzido e disciplinado no diploma geral das licitações, cuja competência legislativa é privativa da União, conforme disposto no inciso xxVII do art. 22 da Constituição da República de 1988.

A Administração Pública brasileira, na busca pela obtenção da maior vantagem em suas contratações, tenta se valer de todos os meios possíveis para alcançar tal objetivo, nem sempre condizentes com a legislação de regência.

A esse respeito, ao comentar o art. 3° da Lei Nacional de Licitações, o professor Marçal Justen Filho assim pontificou:

Uma prática que se vem difundindo no Brasil relaciona-se com a chamada guerra fiscal entre Estados. Trata-se da outorga de benefícios tributários restritos aos

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licitantes estabelecidos no território de um Estado, de modo a assegurar a ele, inclusive nas contratações com aquela unidade federada, um tratamento tributário privilegiado.

Antigamente adotavam-se práticas grosseiras, que logo foram proscritas pelo Judiciário. Assim, a restrição da participação a empresas estabelecidas no território do Estado ou do Município foi reputada inconstitucional, não obstante os argumentos de que a contratação se traduziria em benefícios tributários e sociais para a entidade contratante. Essa solução foi substituída, mais recentemente, pelo expediente de assegurar ao licitante estabelecido no território do Estado a ausência de incidência de ICMS sobre as operações realizadas pela Administração Pública. O resultado prático consiste em propiciar a ele uma carga tributária muito mais reduzida, que permite a formulação de proposta com valores inferiores aos dos competidores.

Esse sistema propicia inúmeras considerações, inclusive de cunho econômico. A experiência já evidenciou os efeitos negativos gerados por esses mecanismos artificiais de distorção do funcionamento do mercado. (...)

Mas cabe apontar a inconstitucionalidade de valer-se de mecanismos de natureza tributária para frustrar o princípio da isonomia. É vedado à Administração instituir providências que possam, de modo indireto, fraudar a competitividade nas licitações. Os licitantes estabelecidos no território da unidade federada que promove a licitação não podem receber qualquer modalidade de benefício que a eles permita uma vantagem jurídica em relação aos demais competidores, domiciliados em outras unidades federadas. Se houver algum fundamento para manter a validade dessas benesses sob o prisma tributário, tal não se estende ao âmbito das licitações. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 84-85) (grifamos).

Vale repetir que a questão tratada nesses autos não tem por escopo discutir a constitucionalidade do Decreto n. 43.349/03, que concede isenção do ICMS aos fornecedores de bens e serviços à Administração Estadual, mas somente a forma de disciplinar o benefício por ele estabelecido nos editais de licitação, por força da resolução conjunta n. 3.458/03.

Nesse aspecto, o art. 4° da sobredita norma, ao determinar a utilização dos preços resultantes da dedução do ICMS para os fornecedores sediados em Minas Gerais no julgamento das propostas, estabeleceu, por consequência, regra de preferência em razão da sede do licitante, violando frontalmente o princípio constitucional da isonomia.

Mesmo no regime constitucional anterior, essa conduta da Administração Pública já era rechaçada pelo Pretório Excelso, conforme se vê nos seguintes acórdãos:

LICITAÇÃO. DEDUÇÃO, PARA EFEITO DE CLASSIFICAÇÃO NO JULGAMENTO, EM FAVOR APENAS DE FORNECEDORES ESTABELECIDOS NO DISTRITO FEDERAL. OCORRÊNCIA DE DISCRIMINAÇÃO VEDADA PELA PARTE INICIAL DO INCISO I DO ARTIGO 9° DA CONSTITUIÇÃO, O QUAL DIZ RESPEITO TANTO A PESSOAS FÍSICAS QUANTO A

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PESSOAS JURÍDICAS. REPRESENTAÇÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE, DECLARANDO-SE A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO N. 6.824, DE 22 DE JUNHO DE 1982, DO EXMO. SR. GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL. (Rp 1201/DF, STF — Tribunal Pleno, Relator: Ministro Moreira Alves, publicado DJ 22/08/1986)

REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL DISCRIMINATÓRIA EM MATÉRIA DE LICITAÇÕES. SÃO INCONSTITUCIONAIS, POR AFRONTA AO ARTIGO 9.-I DA CARTA, AS NORMAS QUE, NO RIO GRANDE DO SUL, ARROLAM COMO CRITÉRIO DE JULGAMENTO DAS LICITAÇÕES O VALOR DO ICM QUE DEVA SER GERADO NO PRÓPRIO ESTADO. PRECEDENTES ANÁLOGOS NA JURISPRUDÊNCIA DO S.T.F. (Rp 1177/RS STF — Tribunal Pleno, Relator: Ministro Francisco Rezek, publicado DJ 22/08/1986)

Ademais, a norma estabelecida na Resolução Conjunta em tela, ao invés de propiciar aos diversos órgãos e entidades da Administração Estadual a busca pelo melhor custo benefício, possibilita a contratação de fornecedores menos eficientes, em razão da distorção causada na avaliação das propostas dos licitantes, uma vez que a comparação dos preços não permitirá vislumbrar os que são efetivamente menores em relação ao custo de produção, porque haverá diferenças entre os proponentes que incluirão ou excluirão, dependendo da localização de sua sede, encargos tributários.

A norma em exame, como antes mencionado, também se configura como infração à ordem econômica, vedada pela Lei Federal n. 8.884, de 11/06/94, que, no inciso xII do art. 21, assim dispõe, in verbis:

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração de ordem econômica:

(...)

XII — discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio de fixação diferenciada de preços, ou por condições operacionais de venda ou prestação de serviços.

A meu ver, a isenção do tributo ao fornecedor mineiro pode ser perfeitamente concedida pelo Estado, desde que observadas as normas constitucionais e legais, como parece ser a hipótese, mas não pode ser considerada para julgamento de proposta em licitações porque constitui ofensa ao princípio constitucional da isonomia.

Nesse aspecto, nem mesmo a argumentação de que a isenção do tributo não constituiria ofensa ao princípio da isonomia porque, in casu, dada à natureza do objeto do contrato, o contratado teria que se estabelecer, necessariamente, no local da prestação dos serviços, de modo que seria alcançado pela isenção, ainda que vencesse o certame empresa sediada em outro Estado.

De fato, o licitante sediado em outro Estado que viesse a vencer o certame, segundo as condições constantes no edital, seria alcançado pela isenção no estabelecimento

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filial do local da prestação do serviço. Essa assertiva, porém, somente seria válida se as propostas dos licitantes mineiros não fossem formuladas na forma prevista no § 1° do art. 4° da Resolução Conjunta n. 3.458/03, com os preços resultantes da dedução do ICMS, pois, nessa hipótese, dificilmente os licitantes sediados fora do Estado teriam condições de vencer o certame para, depois, usufruir da isenção ao instalarem unidade no estado para a prestação do serviço.

Cumpre ressaltar, por fim, que a questão da isenção do ICMS concedida aos fornecedores de bens e serviços à Administração Pública Estadual, nas licitações, foi objeto de decisão pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, em função da qual a Gerência de Auditoria de Contas Públicas, órgão da Secretaria da Fazenda daquele Estado, emitiu a Orientação Técnica n. 0008/2009, de 03/11/09, prescrevendo conduta a ser adotada pelos órgãos e entidades da Administração Estadual de Santa catarina, nos seguintes termos:

6.3 — Julgamento das Propostas de Preços em uma Licitação

Em Decisão n. 0388/2007, exarada em 05/03/07, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE) entendeu que a orientação constante no Ofício Circular n. 147/06, de 23/06/06, emanada da Secretaria de Estado da Administração, favorecia os licitantes catarinenses ao considerar, para fins de julgamento nas licitações, o valor da proposta com o benefício fiscal decorrente da isenção do ICMS, afrontando, dessa forma, o princípio da isonomia. Em decorrência, foi determinado que se proceda à previsão da equalização das propostas nos editais de licitação, visando tratamento isonômico entre empresas sediadas em território catarinense e aquelas sediadas em outras unidades da Federação. Ou seja, que se faça o julgamento pelo preço bruto, isto é, com ICMS.

O entendimento do Tribunal de Contas foi ratificado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), e é o que está prevalecendo.

A Informação n. 057/GETRI/2008, de 22/07/08, emitida pela Diretoria de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda, tem o mesmo entendimento do TCE e da PGE.

Por fim a Secretaria de Estado da Administração emitiu a Informação de n. 2.639/2008, de 30/04/08, que assim dispõe: “... propõe-se que seja seguido, até posição em contrário, a determinação da PGE, ou seja, que se considere o desconto do ICMS, no caso de o vencedor ser fornecedor catarinense, apenas quando da emissão da nota fiscal. Portanto, segundo a Procuradoria, as empresas estabelecidas no Estado de Santa Catarina devem participar da licitação tomando como base os preços cotados com todos os tributos inclusos e, somente caso seja vencedora, descontará o valor do ICMS quando da emissão da nota fiscal, respeitando assim o princípio da igualdade” (destaques do original).

Como se vê, a decisão exarada no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina está em harmonia com o entendimento ora adotado.

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VOTO

Pelas razões expostas, tendo em vista o disposto no art. 97 da Constituição da República de 1988, na Súmula n. 347 do STF e no inciso V do art. 26 da Resolução n. 12/08, que instituiu o Regimento Interno desta Corte, considero inconstitucional o § 1° do art. 4° da Resolução Conjunta n. 3.458/03 da Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (Seplag) e da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF), para efeito no julgamento dos procedimentos de licitação de que tratam os presentes autos, bem como de outros correlatos.

Decidida a questão incidental por este Colegiado, retornem-se os autos à Primeira Câmara, órgão competente para o julgamento da denúncia.

Junte-se cópia dessa decisão ao processo de Denúncia n. 808.151.

Intimem-se os responsáveis pelos procedimentos licitatórios na Secretaria de Estado da Defesa Social, a Advocacia-Geral do Estado e a denunciante.

É como voto.

A denúncia em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 24/02/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro Sebastião Helvecio, que aprovaram, por unanimidade, o voto exarado pelo relator, Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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Realização de contratações sem licitação e licitações irregularmente formalizadas ensejam imputação de multa pelo TCE

RELATÓRIO

Trata-se de processo administrativo originado a partir da conversão, na forma do art. 211 do ritcemg então vigente, do relatório da inspeção realizada na Prefeitura Municipal de São João Evangelista, referente ao período de abril de 2003 a julho de 2004, conforme despacho a fls. 1.252. Em cumprimento às disposições da Lei complementar 102/08, os presentes autos foram redistribuídos a esta relatoria em 27/06/08.

O responsável foi citado em 05/09/06, conforme certidão a fls. 1.258, tendo ele comparecido aos autos por meio da defesa a fls. 1.259-1.285, acompanhada dos documentos a fls. 1.286-1.656.

PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 715.980

(...) a ausência de licitações nas hipóteses dos autos viola o art. 37, XXI, da Constituição da República, o art. 2° da Lei 8.666/93 e os princípios da isonomia, da impessoalidade, da legalidade e moralidade. Tal entendimento, ademais, já está consolidado na jurisprudência desta Corte por meio da Súmula TC 89.

RELATOR: AUDITOR LICURGO MOURÃO

ASSCOM TCEMG

EMENTA: Processo Administrativo — Município — Irregularidades — Defi-ciência nos procedimentos internos de controle — Falta de divulgação mensal dos extratos de contratos e aquisições — Inexistência de cadastro de fornecedores e de implantação do sistema de almoxarifado — Ausência de notas de empenho e comprovantes legais colacionados aos processos licitatórios — Realização de contratações sem licitação — Procedimentos licitatórios formalizados em desacordo com a Lei de Licitações — Imputa-ção de multa ao responsável — Advertência ao atual gestor municipal para realização de devida correção no sistema de controle interno — Encami-nhamento dos autos ao Ministério Público de Contas.

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Em sede de reexame, a unidade técnica manifestou-se, a fls. 1.658-1.676, pela manutenção das irregularidades apontadas no relatório técnico inicial, ressalvada a irregularidade referente ao item III.2.1, e considerou parcialmente sanada a irregularidade relativa ao item II.9.

Ato contínuo, a Auditoria, a fls. 1.679-1.680, lançou parecer pela irregularidade dos procedimentos elencados no relatório de inspeção. Por sua vez, o Ministério Público de Contas opinou, a fls. 1.681-1.683, pela irregularidade das despesas analisadas, por constituírem graves violações às normas licitatórias, bem como pela aplicação das sanções cabíveis.

É o relatório, em síntese.

FUNDAMENTAÇÃO

Considerando a análise procedida nos autos, ficaram configuradas as irregularidades que passamos a examinar.

1 Controle Interno (fls. 8 e 15).

O relatório inaugural aponta conclusivamente, a fls. 15, as seguintes irregularidades no controle interno: a) ausência de implantação do Controle Interno; b) falta de divulgação mensal dos extratos de contratos e aquisições do período, conforme os arts. 16 e 61, parágrafo único, da Lei 8.666/93; c) ausência de cadastro de fornecedores e de implantação do sistema de almoxarifado; d) falta de juntada aos processos licitatórios das respectivas notas de empenho e comprovantes legais.

O responsável sustentou em suma, a fls. 1.261-1.263, ter havido contradição entre as conclusões das diferentes equipes de inspeção que avaliaram a situação do Controle Interno. Ademais, afirmou que medidas para saneamento das irregularidades foram tomadas.

Contudo, tal argumentação é improcedente, já que as constatações feitas por uma equipe de inspeção não vinculam as conclusões das inspeções subsequentes e cada relatório deverá refletir fielmente a situação verificada durante a respectiva inspeção. Não fosse isso bastante, verifica-se não haver lastro probatório defensivo apto a afastar os apontamentos feitos no relatório técnico, permanecendo as irregularidades nele consubstanciadas.

É impossível olvidar que o administrador público deve zelar pela atuação do controle interno de modo eficiente, que permita não só controlar a execução da despesa mas também a otimização da utilização dos recursos com resultado para toda a Administração Pública. Nesse diapasão, o controle interno tem sede constitucional e consiste em valioso instrumento para o acompanhamento do regular processamento do gasto público.

Por tais fundamentos, consideramos irregular o controle interno, porquanto não observou os comandos contidos no art. 74, II, da Constituição da República, nos arts. 76 a 80 da Lei 4.320/64, além da Súmula 46 deste sodalício.

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2 Despesas realizadas sem licitação, no valor total de R$376.664,35 (fls. 9-12, 15, 17-41 e 65-994):

2.1 — Objeto: prestação de serviços de consultoria e assessoria do setor de tributos (fls. 65-90).

Favorecido: Compu Shopping Informática Ltda.

Valor: R$17.919,35.

Exercício: 2003.

2.2 — Objeto: prestação de serviços de consultoria e assessoria contábil (fls. 92-119 e 404-421).

Favorecido: Raul Viana Costa.

valor/2003: r$24.728,70.

valor/2004: r$11.200,00.

Valor total: R$35.928,70.

2.3 — Objeto: prestação de serviços de assessoria e consultoria jurídicas (fls. 121-179 e 423-464).

Favorecido: Prates e Macedo Advogados Associados.

valor/2003: r$21.600,00.

valor/2004: r$20.050,00.

valor total: r$41.650,00.

2.4 — Objeto: prestação de serviços de análise clínica (fls. 181-212 e 466-496).

Favorecido: Laboratório Santo André Ltda.

valor/2003: r$22.444,55.

valor/2004: r$23.488,78.

Valor total: R$45.933,33.

2.5 — Objeto: aquisição de combustível na cidade de Belo Horizonte (fls. 217-288 e 498-555).

Favorecido: Posto Piazza Ltda.

Valor/2003: R$12.798,11.

valor/2004: r$10.121,64.

Valor total: R$22.919,75.

2.6 — Objeto: aquisição de material escolar (fls. 590-604).

Favorecido: Fornege Comércio Ltda. e outros.

Valor empenhado: R$11.958,73.

Exercício: 2004.

2.7 — Objeto: prestação de serviços de transporte escolar (fls. 887-994).

Favorecido: Bruno Ribeiro Bonfim e outros.

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Valor empenhado: R$107.291,84.

Exercício: 2004.

2.8 — Objeto: aquisição de pães (fls. 290-343).

Favorecido: Celso Falcão Generoso.

valor empenhado: r$13.374,60.

Exercício: 2003.

2.9 — Objeto: prestação de serviços de transporte para saúde (fls. 345-400, 557-588).

Favorecido: Nicodemos José de Souza.

valor/2003: r$13.182,32.

Valor/2004: R$19.839,94.

valor total: r$33.022,26.

2.10 — Objeto: aquisição de alimentos e material de limpeza (fls. 606-883).

Favorecido: Bicalho e Bicalho Ltda.

Valor empenhado: R$46.665,79.

Exercício: 2004.

De acordo com o relatório inaugural de inspeção, a fls. 09-12, tais despesas foram realizadas sem licitação.

Em face de tais apontamentos, o responsável alegou, a fls. 1.263-1.279, que haveria contradição entre os relatórios das diferentes equipes que efetuaram inspeções no Município. Ademais, arguiu que diversos pontos de sua defesa estariam amparados em documentos constantes do Processo Administrativo n. 703.250, bem como que as despesas indicadas como desprovidas de licitação seriam, em verdade, amparadas nos arts. 13, 24, 25 e 57 da Lei n. 8.666/93.

Em relação a alguns procedimentos licitatórios, sustentou que não houve a devida atenção, por parte do órgão técnico, às peculiaridades existentes. Por outro lado, arguiu que foram realizadas tomadas de preços, que não despertaram a atenção de possíveis interessados, o que justificaria a conduta adotada em relação a certas situações emergenciais. O responsável ainda argumentou ter sido praticado preço de mercado, sem prejuízo ao erário e, nesse sentido, deveriam ser desconsideradas as violações meramente superficiais ao art. 24, II, da Lei n. 8.666/93, já que não teria havido alteração legislativa do limite de dispensa de licitação, no valor de R$8.000,00 desde 1993, o que mereceria uma interpretação pela razoabilidade em face da desvalorização da moeda. Além disso, o gestor imputou a existência de erros nos procedimentos licitatórios à conta do despreparo da comissão permanente de licitação.

Finalmente, alegou que as falhas existentes seriam pontuais e sem pecha de ilegalidade, bem como teriam sido sanadas com a troca geral das assessorias contábil e jurídica, bem como capacitação dos setores de licitação e controle interno do Município.

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Em sede de reexame, a unidade técnica manifestou-se, a fls. 1.660-1.669, de modo exauriente sobre cada tópico das alegações defensivas, concluindo pela manutenção de todas as irregularidades apontadas pela equipe inspetora, com apenas uma ressalva. Ainda segundo a unidade técnica, houve saneamento da irregularidade especificamente quanto à prestação de serviços de transporte para saúde (item 2.9), no exercício de 2003, mediante o encaminhamento da documentação devida, comprovando a regularidade da licitação, a fls. 1.606-1.656.

Outro ponto que merece destaque é relativo ao item 2.4, cujo objeto foi a prestação de serviços de análise clínica no valor de R$23.488,78, exercício de 2004, tendo como favorecido o Laboratório Santo André Ltda. Com efeito, o processo de inexigibilidade está em conformidade com os ditames legais, havendo nos autos parecer jurídico pela inexigibilidade, declaração por parte do Chefe do Departamento de Fazenda Municipal de que o referido laboratório é o único no Município, tabela dos custos das análises clínicas transcritas no próprio contrato, ratificação da inexigibilidade pelo prefeito municipal e juntada do contrato celebrado. Assim, considerando a existência, nos autos, de processo regular de inexigibilidade, a fls. 1.487-1.509, com justificativa pertinente em razão da medida adotada e acompanhada das formalidades legais, há que se afastar a irregularidade.

Com exceção das ressalvas expressas, as despesas foram consideradas irregulares porque, em razão dos valores, deveriam ter sido realizados certames licitatórios para seu regular procedimento, nos termos da Lei n. 8.666/93. Ademais, releva aduzir que a alegação de divergência de constatações por parte das equipes de inspeção in loco é improcedente, já que um relatório técnico não vincula os demais e, ao revés, deve refletir fielmente a situação fática verificada durante cada inspeção individualmente considerada.

Também merece registro o fato de que a argumentação da defesa veio aos autos desacompanhada de lastro probatório de suas alegações, ônus que cabia ao responsável e que dele não se desincumbiu.

Assim, a ausência de licitações nas ocorrências dos autos viola o art. 37, xxI, da Constituição da República, o art. 2° da Lei n. 8.666/93 e os princípios da isonomia, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade. tal entendimento, ademais, já está consolidado na jurisprudência desta Corte mediante a Súmula TC 89.

Por tais fundamentos, consideramos irregulares, com as ressalvas acima explicitadas, as despesas analisadas, porquanto violaram os preceitos contidos no art. 37, xxI, da Constituição da República e nos arts. 2° e 3° da Lei de Licitações, além da Súmula TC 89.

3 — Despesas realizadas mediante procedimentos licitatórios irregularmente praticados, no valor total de R$334.233,98 (fls. 12-14 e 996-1.164):

3.1 — Concorrência n. 01/2003 (fls. 12 e 996-1.031)

Objeto: prestação de serviço de limpeza e coleta de lixo.

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Favorecido: Afa Comércio e Prestação de Serviços Ltda. — ME

Valor empenhado: R$162.009,00.

Exercício: 2003.

De acordo com o relatório de inspeção, a fls. 12, a concorrência em epígrafe foi examinada no Processo n. 682.170, posteriormente convertido no de n. 703.250, referente ao período de janeiro de 2002 a março de 2003.

Além das irregularidades na sua formalização, as notas fiscais emitidas a partir de 15/07/03, no valor de R$21.528,00 cada, estão com prazo de validade vencido, conforme docs. a fls. 1.007, 1.009, 1.011, 1.013, 1.015, 1.017, 1.019, 1.021, 1.025.

As notas fiscais emitidas pela empresa contratada fora do prazo de validade atingiram o montante de r$107.640,00.

O gestor responsável alega em sua defesa que a emissão de documento fiscal pelo fornecedor é de exclusiva responsabilidade desse, não se podendo imputar à Administração eventual irregularidade em documento particular, cuja emissão, bem como contabilização é de responsabilidade da empresa.

O Processo n. 703.250 foi apreciado na sessão da 2a Câmara de 03/09/09, cuja relatoria coube ao Auditor Hamilton Coelho, que entendeu por irregular a Concorrência n. 001/2003, porquanto não foram observados diversos dispositivos do Estatuto Licitatório. Naquela oportunidade, tais irregularidades resultaram na aplicação de multa, no valor de R$1.000,00. O valor licitado foi de R$193.752,00, e as despesas carreadas àqueles autos somaram R$21.528,00 referentes aos serviços prestados em março de 2003.

Já as notas de empenho, a partir de abril/2003, foram juntadas aos presentes autos e perfizeram o valor de R$162.009,00 conforme quadro sintetizado a fls. 42.

O responsável, conforme bem assinalado pela unidade técnica, não juntou aos autos a comprovação da revalidação automática das notas fiscais emitidas pela empresa contratada, no valor total de R$107.640,00.

A justificativa aduzida não pode ser acatada, pois é necessário apresentar o documento da autoridade fazendária do Município revalidando as sobreditas notas fiscais.

Assim, tem-se que as despesas decorrentes da contratação da empresa Afa Comércio e Prestação de Serviços Ltda. — ME estão maculadas por irregularidades na formalização do processo licitatório que a precedeu, e também parte dessas despesas foram quitadas com documento fiscal inidôneo, porquanto as notas fiscais foram emitidas após o prazo de vencimento.

Por conseguinte, anuindo com os apontamentos da unidade técnica, consideramos irregulares tais despesas, tendo em vista o descumprimento dos preceitos insculpidos

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no Estatuto Licitatório e a quitação parcial das despesas com notas fiscais emitidas após expirado o prazo de validade.

3.2 — Convite n. 06/2003 (fls. 12-14 e 1.033-1.164)

Favorecidos: Transalways Transportes Ltda. e outros.

Objeto: prestação de serviços de transporte escolar.

Valor: R$172.224,98.

Exercício: 2003.

De acordo com o relatório de inspeção a fls. 12-14, o Convite n. 06/2003 apresentou diversas irregularidades, que constituem violação dos seguintes dispositivos da Lei n. 8.666/93, a saber:

a) escolha incorreta de convite, em vez de tomada de preço — art. 23, II; b) impressão de informação indevida nos convites endereçados aos candidatos — arts. 3°, 21, § 2°, IV, 38, II, 44, § 1°; c) processo sem autuação, numeração e indicação da dotação orçamentária — arts. 14 e 38, caput; d) edital não rubricado em todas as páginas — art. 40, § 1°; e) falta do termo de designação da comissão de licitação — art. 51; f) falta de autorização para abertura do processo licitatório — art. 38, parágrafo único; g) falta de validade, condições de pagamento e prazo de entrega — art. 48, I; h) falta de rubrica de todos os licitantes presentes — art. 43, §§ 1° e 2°; i) não consta do processo a publicação do resumo do edital — art. 21, IV; j) face a desistência do 1° colocado, contratou-se o 2° colocado, mas por preço superior — art. 64, § 2°; l) falta de cláusulas necessárias nos contratos — art. 55, incisos V, VI, xII e xIII; m) falta de extrato de publicação do contrato — art. 61, parágrafo único.

além disso, quanto ao item 3.2, também foi apontada violação ao art. 16 do edital, pela falta de documentação dos veículos, de vistoria pela autoridade competente e de documentação de habilitação dos contratados.

diante de tais apontamentos, o responsável arguiu que, embora tenha sido sempre observado o interesse público, sem a configuração de má-fé, a comissão permanente de licitação é que seria responsável pelas irregularidades, devido ao despreparo dessa comissão. Por outro lado, aduziu que as irregularidades teriam sido convalidadas pelo recebimento da chancela do Procurador Municipal, por meio de parecer, e do Prefeito Municipal, pela homologação.

Ao reexaminar a matéria em virtude da defesa e respectivos documentos, a unidade técnica analisou de modo exaustivo cada um dos argumentos defensivos, contrastando-os com o magistério doutrinário e com a legislação aplicável à espécie. Ao final, concluiu pela manutenção das irregularidades elencadas no relatório inaugural, mormente com o reconhecimento por parte do próprio responsável das falhas existentes.

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Nesse sentido é o magistério de Jessé Torres Pereira Júnior:1

O cumprimento exato do procedimento previsto na lei, no regulamento e no edital é dever da Administração (também por força do princípio da igualdade), ao qual corresponde o direito público subjetivo dos licitantes de exigirem que ela assim se conduza.

No tocante à irregularidade referente à ausência de publicação do resumo do edital — item i, tem-se como sanada tal ocorrência, em virtude da juntada da declaração a fls. 1.656.

Ante o exposto, anuindo com os apontamentos do órgão técnico, consideramos irregulares, com a ressalva acima explicitada, o procedimento licitatório sob exame, porquanto foi amplamente comprovada a violação dos supracitados dispositivos legais.

VOTO

Considerando as falhas verificadas no sistema de controle interno, em ofensa às disposições expressas no art. 74, II, da CR/88, nos arts. 76-80 da Lei 4.320/64, além da Súmula 46 deste Sodalício (item 1);

Considerando a realização de despesas sem licitação, o que afronta o art. 37, xxI, da CR/88, bem como os arts. 2° e 3° da Lei n. 8.666/93, além da Súmula TC 89 (itens 2.1-2.10);

Considerando as irregularidades verificadas na Concorrência n. 01/2003 e no Convite n. 06/2003, as quais foram formalizadas sem a observância das regras previstas no Estatuto Licitatório (itens 3.1 e 3.2);

Considerando que não há nos autos elementos comprobatórios de danos que possam resultar na devolução de recursos ao erário municipal;

assim, adoto o entendimento pela IRREGULARIDADE DAS DESPESAS REALIZADAS SEM LICITAÇÃO, conforme itens 2.1 a 2.10 e pela IRREGULARIDADE DAS LICITAÇÕES analisadas nos itens 3.1 e 3.2 desta proposta de voto, com fulcro no art. 276, § 2°, c/c art. 318, II, do RITCEMG, imputando-se MULTA, com fundamento no art. 85, II, da lei complementar 102/08, da seguinte forma:

— Item 2.1 (prestação de serviços de consultoria e assessoria do setor de tributos, no valor de R$17.919,35): multa de R$1.700,00;

— Item 2.2 (prestação de serviços de consultoria e assessoria contábil, no valor de R$35.928,70): multa de R$3.500,00;

— Item 2.3 (prestação de serviços de assessoria e consultoria jurídicas, no valor de R$41.650,00): multa de R$4.100,00;

1 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das licitações e Contratações da Administração Pública, 5. ed. Rio de Janeiro: renovar, 2002. p. 75.

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— Item 2.4 (prestação de serviços de análise clínica, no valor de R$45.933,33): multa de R$4.500,00;

— Item 2.5 (aquisição de combustível, no valor de R$22.919,75): multa de R$2.200,00;

— Item 2.6 (aquisição de material escolar, no valor de R$11.958,73): multa de R$1.100,00;

— Item 2.7 (prestação de serviços de transporte escolar, no valor de R$107.291,84): multa de R$10.700,00;

— Item 2.8 (aquisição de pães, no valor de R$13.374,60): multa de R$1.300,00;

— Item 2.9 (prestação de serviços de transporte para saúde, no valor de R$33.022,26): multa de R$3.300,00;

— Item 2.10 (aquisição de alimentos e material de limpeza, no valor de R$46.665,79): multa de R$4.600,00;

— Item 3.1 (prestação de serviço de limpeza e coleta de lixo, no valor de R$162.009,00): multa de R$16.200,00;

— Item 3.2 (prestação de serviços de transporte escolar, no valor de R$172.224,98): multa de r$17.200,00.

Em razão das irregularidades verificadas no item 1 (falhas no controle interno), adoto o entendimento pela aplicação de multa ao gestor, com base no art. 85, II, da lc 102/08, no valor de r$1.000,00.

Assim, conforme exposto, fica imputada, ao Sr. Pedro Queiroz Braga, multa no valor total de r$71.400,00.

Faz-se necessário ainda advertir o atual mandatário daquele Executivo Municipal para que promova a devida correção das falhas detectadas no sistema de controle interno, no prazo de 90 dias, sob pena de sanção pelo descumprimento de determinação desta corte, nos termos do art. 83, i, da lc 102/08.

adoto ainda o entendimento pelo encaminhamento dos presentes autos ao Ministério Público de Contas para as providências cabíveis, em razão da infringência aos ditames da Lei n. 8.666/93 e da possibilidade de configuração do ilícito descrito no inciso VIII do art. 10 da Lei 8.429/92. Por se tratar, também, de ex-prefeito municipal, há possibilidade de tipificação do disposto no inciso xI do art. 1° do DL 201, de 27/2/67.

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Cumpram-se as disposições contidas no parágrafo único do art. 364 do Regimento interno deste tribunal. em seguida, arquivem-se os autos.

É a proposta, Sra. Presidente.

O processo administrativo em epígrafe foi apreciado pela Primeira Câmara na sessão do dia 09/02/10 presidida pela Conselheira Adriene Andrade; presentes o Conselheiro Substituto Hamilton Coelho e o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz que acolheram a proposta de voto exarada pelo relator, Auditor Licurgo Mourão.

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RELATÓRIO

Cuidam os autos de pedido de reexame interposto em face de decisão da egrégia Primeira câmara desta corte de contas, na sessão de 06/04/06, que rejeitou, em sede de parecer prévio, as contas prestadas pelo Sr. Januário José Pinheiro, então Prefeito de Presidente Olegário, relativas ao exercício de 2001, em razão do descumprimento de determinações constitucionais, caracterizado pelo repasse, à Câmara Municipal, de valor superior ao limite permitido, e por depósitos bancários em instituição financeira não oficial.

PEDIDO DE REExAME N. 769.640

RELATOR: AUDITOR HAMILTON COELHO

Embora a falha possa, a princípio, caracterizar violação à norma inserta no art. 29-A da Carta da República, vislumbro, de outro lado, dada a irrelevância de suas proporções [0,03% em recur-sos repassados a mais, totalizando a monta de R$2.002,46], que essa falha não pode servir de único fundamento a motivar a rejeição das contas.

EMENTA: Pedido de Reexame — Prestação de contas Municipal — Rejei-ção das Contas — I. Repasse de recursos à Câmara Municipal superior ao limite permitido (0,03% além do autorizado). Constatação da irrele-vância das proporções. Aplicação dos princípios da insignificância e da razoabilidade. Recurso provido nesse ponto. II. Depósitos bancários em instituição financeira não oficial. Cooperativa de crédito rural. Possibi-lidade de arrecadação de tributos via cooperativa de crédito. Entendi-mento consubstanciado na resposta à Consulta n. 733.682. Recurso pro-vido também nesse ponto. Reforma do parecer prévio — Contas julgadas regulares com ressalva — Remessa dos autos ao Ministério Público.

Aplicação dos princípios da insignificância e da razoabilidade como fundamento para reforma de parecer prévio exarado pela Corte de Contas

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Recebido o apelo, foi realizado o reexame da matéria pela unidade técnica que elaborou o relatório, a fls. 63-66, com a manutenção dos termos do parecer emitido.

O Ministério Público de Contas, a fls. 68-69, opinou pelo não provimento do pedido, porque destituído de razões capazes de elidir as irregularidades apontadas.

É o relatório.

PRELIMINARES

Primeira preliminar:

Em 09/12/08, os presentes autos foram distribuídos a este relator, integrante da Segunda Câmara, embora o pedido de reexame se refira a parecer prévio emitido pela Primeira Câmara, em aparente afronta ao comando do art. 108 da Lei Orgânica desta Corte de Controle, e ao art. 28 da então vigente Portaria da Presidência n. 22/08, posteriormente reproduzido pelo art. 389, I, do novo Regimento Interno, que assim dispõem, respectivamente:

Art. 108. Caberá pedido de reexame, com efeito suspensivo, em parecer prévio sobre prestação de contas do Governador ou de Prefeito, a ser apreciado pelo colegiado que o houver proferido (destaquei).

Art. 389

(...)

I — os recursos protocolizados no Tribunal, a partir de 18 de janeiro de 2008, contra decisões prolatadas sob a vigência da Lei Complementar n. 33/94, terão os procedimentos regidos pela Lei Complementar n. 102/08, observando-se, quanto aos prazos estabelecidos para interposição dos recursos, o que for mais benéfico ao recorrente (destaquei).

Sem embargo, considerei-me competente para relatar o processo, diante das seguintes ponderações:

o parecer combatido se deu na sessão de 06/04/06, sob a égide da Lei Complementar a) n. 33/94, que atribuía exclusivamente à Primeira Câmara a competência para emitir pareceres prévios em processos de prestações de contas municipais (art. 29);

com o advento da Lei Complementar n. 102/08, alterou-se a sistemática de b) funcionamento das Câmaras, que passaram a deter competência concorrente, e não mais temática;

se interpretasse literalmente os arts. 108 e 28 acima citados, chegar-se-ia à c) absurda conclusão de que todos os pedidos de reexame de pareceres prévios, emitidos antes da vigência da nova Lei Orgânica, deveriam ser submetidos à atual Primeira Câmara, em razão de sua antiga competência exclusiva — uma sobrecarga que,

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além de desarrazoada, violaria a orientação contida no art. 113, caput e parágrafo único, do atual Regimento Interno, que erige, dentre outros, a alternatividade e a equidade como princípios orientadores da distribuição dos processos.

Pelo exposto, e levando em conta a necessidade de se firmar entendimento sobre o assunto, para fins de tratamento uniforme em casos semelhantes, submeto estas considerações à apreciação desta egrégia Câmara.

Segunda preliminar:

Superada a discussão acerca da competência para apreciação do pedido, passo a examinar os pressupostos de sua admissibilidade.

O recurso encontra-se devidamente formalizado e representa a via própria de impugnação ao parecer prévio emitido por este Tribunal, tendo sido protocolizado tempestivamente e formulado por legítima parte, assim preenchidos todos os requisitos exigidos pelo art. 329, incisos I a IV, do Regimento Interno, pelo que proponho seja admitido.

As preliminares suscitadas pelo relator foram acolhidas pelos Conselheiros presentes, por unanimidade.

MéRITO

No tocante à movimentação de recursos em instituição financeira não oficial, o responsável alega que houve acordo de cooperação com a Credipatos apenas para arrecadar recursos da municipalidade, com o fito de aumentar os postos de arrecadação, e, ainda, que os recursos decorrentes foram, em seguida, transferidos para instituições financeiras oficiais, sob o histórico Transferências entre Contas.

Razão assiste ao recorrente.

embora o órgão de reexame tenha se valido da resposta à consulta n. 451.106, para concluir pela impossibilidade de se arrecadar tributos via cooperativa de crédito rural, em existindo instituição oficial no Município, tem-se que a Consulta de n. 733.682, respondida na sessão de 24/10/07, representou verdadeira reforma dessa tese, senão confirmemos:

(...) o depósito e a movimentação das disponibilidades de caixa dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública não podem ser feitos nas cooperativas de crédito, embora possam elas ser agentes arrecadadores de tributos e tarifas.

Já no que se refere ao repasse à Câmara, alega o recorrente que a responsabilidade pelas informações e cálculos foi da empresa de consultoria contratada para esse fim, não podendo tal falha ser imputada ao chefe do Executivo, que, de boa fé,

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confiou nas informações fornecidas. Informa, outrossim, que o Legislativo Municipal devolveu ao Executivo, em 14/12/01, a importância de R$3.383,36, conforme certidão juntada a fls. 16. Afirma, ainda, estribado em memória de cálculo trazida a fls. 04, que o limite dos repasses seria de R$506.837,78, e não R$506.493,31, como informado pelo órgão técnico, e requer seja efetuado novo cálculo. Finalmente, em não sendo acolhidas as justificativas, requer deferimento do reembolso da diferença real e efetivamente apurada no recálculo, em parcelas iguais e sucessivas.

De início, saliento que a pretensão referente ao parcelamento refoge da competência desta Corte de Contas, que não determina, em sede de parecer prévio, o reembolso de quantias que suplantam o limite de repasses ao legislativo.

Também não é possível dar guarida à escusa de confiança na assessoria contratada. Primeiro, porque o gestor tem todos os meios para aferir o valor do repasse, por tratar-se de operação simples: apura-se o somatório da receita tributária e das transferências previstas nos arts. 155, § 5°, 158 e 159 da Constituição da República, efetivamente arrecadadas, e sobre ele aplica-se o percentual cabível — no caso, até o limite de 8%. E segundo, porque, mesmo que contasse com assessoria externa, não poderia ele se eximir de responsabilidade, já que lhe incumbe exercer, por força do ofício, o controle e vigilância sobre os atos e fatos que ocorrem na órbita de sua competência.

Cumpre asseverar que as alegações do recorrente relativas à importância devolvida pela Câmara, bem como ao suposto erro de cálculo na fixação do limite dos repasses não foram apreciadas no reexame a fls. 63-66. De todo modo, conforme inicialmente apontado pelo estudo técnico, a importância sobejante ao limite constitucional monta a R$2.002,46, o que representa apenas 0,03% em recursos repassados a mais. Ou seja, o Município transferiu à Câmara 8,03% de sua receita base de cálculo.

Embora a falha possa, a princípio, caracterizar violação à norma inserta no art. 29-A da Carta da República, vislumbro, de outro lado, dada a irrelevância de suas proporções, que essa falha não pode servir de único fundamento a motivar a rejeição das contas.

A meu ver, portanto, a situação de fato dá margem segura à aplicação dos princípios da insignificância e da razoabilidade, para permitir a reforma da decisão a favor do recorrente, julgando-se as contas regulares, com ressalvas.

a propósito, já tive a oportunidade de proferir outros votos nesse mesmo sentido, acolhidos por unanimidade, e.g., nos autos das Prestações de Contas de n. 696.615 (sessão de 05/03/09) e 782.329 (sessão de 03/12/09):

Diante do exposto, constatei que, embora tenha ocorrido repasse à Câmara Municipal, em montante superior no definido do art. 29-A, § 2°, I, da Constituição de República, este valor correspondeu a 0,32% da receita municipal

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do exercício anterior (R$19.906.192,49), base para o cálculo do repasse. Sendo assim, valho-me dos princípios da razoabilidade e da insignificância para propor, com fundamento no art. 240, II, do RITCEMG, a emissão de parecer prévio aprovando, com ressalva, as contas prestadas pelo Prefeito João Antônio de Souza, do Município de Visconde do Rio Branco, exercício de 2008 (TCEMG, Segunda Câmara, Prestação de Contas Municipal n. 782.254, Relator: Auditor Hamilton Coelho, sessão de 03/12/09).

Conclusão: pelo exposto, proponho, em preliminar, a admissão do recurso e, no mérito, o seu provimento, para reformar o parecer prévio emitido na sessão de 06/04/06, referente às contas ofertadas pelo Sr. Januário José Pinheiro, Prefeito de Presidente Olegário, exercício de 2001, julgando-as regulares, com ressalvas, com fundamento no art. 240, ii, do regimento interno.

No entanto, considerando que a impropriedade concernente ao repasse à Câmara em desacordo com as prescrições constitucionais poderá tipificar crime de responsabilidade, proponho a remessa dos autos ao Ministério Público de Contas, para as providências de seu mister.

O pedido de reexame em epígrafe foi apreciado pela Segunda Câmara na sessão do dia 11/03/10 presidida pelo Conselheiro Eduardo Carone Costa; presentes o Conselheiro Elmo Braz e o Conselheiro Sebastião Helvecio que acolheram a proposta de voto exarada pelo relator, auditor Hamilton coelho.

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Excelentíssimo Senhor Relator,

1 Relatório

Trata-se da denúncia a fls. 01-14, na qual se questiona a legalidade de edital de Pregão Presencial, do tipo menor preço por item, deflagrado por Município para aquisição de pneus, câmaras e protetores, destinados à manutenção da frota de veículos.

Argumenta a denunciante que o edital, a fls. 38-60, exige que os itens licitados sejam de fabricação nacional e detenham certificação ISO/TS 16949, criando uma restrição não permitida pelo art. 3° da Lei n. 8.666/93.

A denúncia foi instruída com os documentos a fls. 15-60, dentre os quais se encontra o

instrumento convocatório.

A unidade técnica se manifestou a fls. 67-78, no sentido de que as exigências impugnadas são restritivas, sugerindo a intimação da autoridade administrativa para que se abstivesse de formalizar o contrato.

Após a determinação a fls. 80, o Prefeito Municipal remeteu a documentação a fls. 87-375.

Vieram, então, os autos ao Ministério Público para apreciação.

Ilegalidades relativas à exigência de certificado ISO e de fabricação nacional do objeto licitado. Necessidade de intimação das empresas contratadas para manifestação acerca das irregularidades*

PROCURADORCLÁUDIO COUTO TERRÃO

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* Parecer emitido pelo Ministério Público de Contas. Até o fechamento desta edição, o Tribunal de Contas não havia se manifestado definitivamente acerca da matéria.

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2 Fundamentação

2.1 Da exigência de produtos nacionais

Consoante se verifica no item VII, d e f, do edital, a condição de fabricação nacional e a certificação ISO/TS 16949 são exigidas para os itens licitados no Pregão Presencial em comento.

É contra estas exigências que se insurge a ora denunciante, argumentando que a restrição aos produtos estrangeiros é injustificada, somente podendo a nacionalidade dos bens ser considerada para efeito de desempate.

O ordenamento jurídico brasileiro, de fato, consagrou o princípio da isonomia nas contratações com a Administração Pública, inadmitindo que igualdade entre os concorrentes seja preterida em virtude de exigências que não sejam indispensáveis ao bom cumprimento do objeto, nos termos do art. 37, xxI, da Constituição da República, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI — ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A Lei n. 8.666/93 se manteve fiel ao dispositivo constitucional que lhe coube regulamentar, prestigiando o princípio da isonomia com as vedações trazidas em seu art. 3°, §1°, I, aqui transcrito:

§ 1o É vedado aos agentes públicos:

I — admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato; (...)

consoante se observa no texto legal, é peremptoriamente vedada a previsão, no instrumento convocatório, de qualquer exigência impertinente ou irrelevante para o cumprimento do objeto contratual, o que, além de assegurar o direito fundamental dos cidadãos à igualdade, também realiza o interesse público primário, ao possibilitar a máxima ampliação da competitividade e proporcionar à Administração as melhores condições de contratação.

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É sob a ótica do art. 3°, § 1°, I, da Lei n. 8.666/93, que se verifica a ilegalidade da exigência veiculada no edital em comento, relativa à nacionalidade dos pneus e câmaras de ar licitados.

Isso porque somente o fato de ter sido fabricado em outro país não torna o produto menos apto à satisfação das necessidades administrativas. A nacionalidade do produto não apresenta relação com o cumprimento melhor ou pior do contrato, o que caracteriza, à primeira vista, uma circunstância impertinente e irrelevante para se atingir a finalidade do certame, violando fatalmente a parte final do dispositivo legal transcrito.

desse entendimento não destoa o tribunal de contas da união, senão vejamos:

Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da

Segunda Câmara, ante as razões expostas pelo relator, em: (...)

9.2.2. observe, rigorosamente, o disposto no art. 3°, § 1°, inciso I, da Lei

8.666/1993, limitando-se a efetuar restrições a produtos e/ou serviços quando

essas sejam imprescindíveis para garantir a escolha da melhor proposta para a

Administração, as quais devem ser amparadas em justificativa de ordem técnica.1

É importante notar, no exame desse tema, que a Constituição de 1988 conferia, em sua redação original, tratamento preferencial às empresas brasileiras de capital nacional na aquisição de bens e serviços.

Ocorre que o art. 171, que trazia essa previsão, foi revogado pela EC n. 6/1995, denotando uma nova opção do legislador constituinte, no sentido de aplicar amplamente o princípio da isonomia. Desde essa inovação na orientação do sistema constitucional, portanto, restam inadmitidas restrições em desfavor das empresas estrangeiras.

De outro lado, se é certo que ao gestor público, à vista da sua submissão à estrita legalidade, não é permitido afastar do objeto os produtos estrangeiros, por configurar restrição que não tem pertinência com a garantia de cumprimento do objeto, também é verdadeiro que a nacionalidade dos produtos pode ser considerada como critério de desempate, consoante previsão do art. 3°, § 2°, II, da Lei n. 8.666/93:

§ 2° Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

I — produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional;

II — produzidos no País;

III — produzidos ou prestados por empresas brasileiras.

IV — produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País.

1 TCU — AC-1354-17/07-2 — Sessão: 29/05/2007 — Relator: Ministro Augusto Sherman Cavalcanti.

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Destarte, ante a clareza do texto legal, não subsistem dúvidas quanto à procedência da denúncia, no sentido da absoluta ilegalidade da exigência de que os produtos sejam de fabricação nacional.

2.2 Da exigência de certificado ISO/TS 16.949

Além da fabricação nacional, o edital traz a exigência de apresentação de certificado ISO/TS 16.949, constante do item VII, f.

A unidade técnica, em sua manifestação, argumentou que a exigência de certificação da série ISO já foi afastada em outras ocasiões por esta Corte de Contas, em virtude de restringir a competitividade.

A certificação ISO, de fato, não pode ser exigida das empresas licitantes, sob pena de desclassificação ou inabilitação, e isso por vários motivos. Marçal Justen Filho expõe com clareza a restrição imposta pela exigência da referida certificação:

A certificação ISO retrata uma certa concepção acerca de excelência no cumprimento de rotinas e técnicas. Isso não significa que tal concepção seja necessária ou adequada à execução de um certo contrato administrativo. Ou seja, muitos dos requisitos indispensáveis à aludida certificação podem ser desnecessários à execução satisfatória do objeto contratual. Por outro lado, é perfeitamente imaginável que a natureza de um contrato específico comporte certas peculiaridades de que a certificação não cogita. Isso conduziria a riscos de duas ordens. Em primeiro lugar, poderia existir situação em que empresa que não cumprisse os requisitos de certificação se encontrasse em perfeitas condições de executar satisfatoriamente o objeto licitado. Em segundo lugar, poderia ocorrer de empresa certificada não atender às necessidades da Administração Pública — a hipótese até pode revelar-se pouco provável, mas é inquestionável que as exigências para certificação não são necessariamente adequadas para toda e qualquer contratação administrativa.

Em suma, há enorme risco de que a exigência da certificação ISO represente uma indevida restrição ao direito de participar da licitação. Mas isso não é o mais grave, pois existe questão jurídica de muito maior relevância. Trata-se de que a ausência da certificação ISO não significa inexistência de requisitos de habilitação. Uma empresa pode preencher todos os requisitos para obtenção da certificação, mas nunca ter tido interesse em formalizar esse resultado. Exigir peremptoriamente a certificação como requisito de habilitação equivaleria a tornar compulsória uma alternativa meramente facultativa: nenhuma lei condiciona o exercício de alguma atividade à obtenção do Certificado ISO. Portanto, obtém a certificação quem o desejar (e preencher os requisitos pertinentes, é óbvio).2

Como bem posto pelo ilustre estudioso, na concessão do título podem ser avaliados requisitos inúteis à boa prestação do objeto contratado. Ademais, muitas empresas podem apresentar todos os requisitos necessários, mas não terem requerido a certificação, já que esta não é obrigatória para o exercício de qualquer atividade.

2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 436.

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Desse modo, a exigência da certificação de todas as licitantes, sob pena de desclassificação, como é o caso dos autos, restringe imotivadamente a participação no certame, afastando empresas que dispõem de todas as condições de prestar o objeto, mas não detêm a certificação exigida.

Hipótese diversa é apresentação de Certificado ISO para fins de pontuação em proposta técnica. Nesse caso, não se estará preterindo a participação das empresas que não o detenham, mas apenas reconhecendo a excelência da licitante na atividade licitada.

Nesse sentido, é consolidado o entendimento do Tribunal de Contas da União:

(Relatório)

a. Irregularidade: inclusão, no edital e no contrato decorrente, de exigência de apresentação, pelas licitantes, de Certificação ISO, considerada desnecessária e restritiva, afrontando ao art. 37 da CF/88 e ao art. 3°, caput e § 1°, inciso I, da Lei n. 8.666/93, bem como descumprindo determinação do TCU expressa na Decisão Plenária 1.526/02-P, de 06/11/2002.

(...)

33. Aproveitando excerto de ensinamento de Marçal Justen Filho, citado na defesa dos responsáveis — “Para concluir, nada impede que o ato convocatório preveja certificado ISO como evidência de habilitação. O que não se admite é a vedação de participação das empresas não certificadas. Dever-se-á assegurar aos interessados, mesmo não dispondo da certificação, a faculdade de comprovar sua idoneidade para execução do objeto licitado”. (Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Marçal Justen Filho, 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 340) —, perguntamos: foi dada oportunidade aos demais licitantes que não possuíam a certificação requerida de comprovar sua idoneidade para execução do objeto? Pelo que observamos nos dispositivos editalícios aqui citados, ficou claro que não.

(...)

43. O Tribunal reiteradas vezes já se manifestou a respeito da exigência de certificação ISO, considerando-a ilegal como requisito de habilitação técnica, porém aceitando-a como critério de pontuação (Decisões Plenárias 408/96, 20/98 e 140/99; Acórdão 1937/2003 — Plenário). No caso em tela, como se tratava de uma licitação na modalidade pregão, que tem como critério de julgamento obrigatório o menor preço, não seria possível estabelecer um procedimento de pontuação técnica. Tal fato, entretanto, não pode justificar a inserção de tal exigência como se item de qualificação técnica fosse, ou seja, com caráter eliminatório.

(Acórdão)

(...)

9.1. rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelos Srs. (omissis), em face da inclusão, no edital e no contrato decorrente, de exigência de apresentação, pelas licitantes, de Certificação ISO, considerada desnecessária e restritiva ao caráter competitivo do certame, afrontando o art. 37 da Constituição Federal e o art. 3°, caput e § 1°, inciso I, da Lei n. 8.666/93, bem como descumprindo determinação do TCU expressa na Decisão 1.526/02-TCU-Plenário, de 06/11/2002.3

3 TCU — AC 1890-38/07-P — Sessão: 12/09/2007 — Relator: Ministro Raimundo Carreiro (grifos aditados).

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(Acórdão)

9.2. determinar à Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) que, nas próximas licitações:

(...)

9.2.4. abstenha-se de exigir, nas licitações realizadas na modalidade pregão, certificados da série ISO 9000 e carta de solidariedade do fabricante, por falta de amparo legal, uma vez que esses expedientes não compõem o rol dos documentos habilitatórios contidos no Capítulo V do seu Regulamento de Licitações e Contratos;

(Relatório)

21. Nesse mesmo projeto, no item denominado Proposta Comercial, prescreve-se que, caso a licitante não seja o próprio fabricante dos equipamentos ofertados, deverá apresentar carta do fabricante, específica para essa licitação e dirigida à Apex, em nome da licitante, responsabilizando-se com os prazos de atendimento, serviços de assistência técnica e fornecimento de peças de reposição durante a vigência do contrato.

(...)

25. Para melhor elucidar a questão, transcrevemos, a seguir, trecho do voto condutor do Acórdão n. 223/2006 — Plenário, no qual o Excelentíssimo Ministro Relator, Benjamin Zymler, posiciona-se em relação à exigência de carta de solidariedade:

“Contudo, se a exigência da declaração de solidariedade não puder ser enquadrada na documentação prevista nos arts. 28 a 32 da Lei de Licitações, então será descabida. E é exatamente essa a situação.

Dessa forma, ainda que entenda que a Administração precisa criar mecanismos para se proteger, não é possível estabelecer exigências adicionais, além das previstas em lei, para a fase de habilitação.

Assim sendo, a Administração dispõe, dadas as restrições legais, das seguintes alternativas:

a) pontuar tal garantia na licitação modalidade técnica e preço;

b) exigência de garantia (art. 56 da Lei n. 8.666/1993) para a execução contratual;

c) estipulação de multa contratual.”

26. Vimos, então, que o Tribunal não admite a exigência de carta de solidariedade como critério de habilitação, haja vista que ela deixa ao arbítrio do fabricante indicar as empresas participantes da licitação, pois esse documento pode ser negado a algumas delas em benefício de outras.4

Com efeito, também viciada a exigência de certificação ISO, por ser igualmente restritiva e ilegal.

Utilizando-se da prerrogativa conferida pelo § 3° do art. 61 da Resolução n. 12/2008, acrescentado pela Resolução n. 07/2009, passa-se à indicação dos apontamentos complementares.

4 TCU — AC-0539-13/07-P — Sessão: 04/04/2007 — Relator: Ministro Marcos Bemquerer Costa (grifos aditados).

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2.3 Da ausência de indicação do valor estimado da contratação e do orça-mento estimado em planilhas

Examinando o instrumento convocatório, verificou-se a ausência de indicação do valor estimado da contratação e do orçamento estimado em planilhas.

O valor estimado da contratação tem inegável implicação na regularidade do procedimento licitatório, já que consiste em uma importante baliza orientadora na formulação das propostas e no julgamento de sua aceitabilidade, evitando a classificação de propostas com valores excessivos.

Ademais, falta ao edital um anexo em que conste o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários, em visível descumprimento do art. 40, § 2°, II, da Lei n. 8.666/93.

nesse sentido já se manifestou o tribunal de contas da união:

(Levantamento de auditoria versando sobre a transformação de unidades geradoras de energia elétrica para viabilizar a utilização de gás natural em Manaus/AM)

(Voto)

a) ausência de planilhas orçamentárias de quantitativos e preços unitários nos projetos básicos elaborados, o que contraria o disposto nos arts. 7°, § 2°, II, e 40, § 2°, II, da Lei n. 8.666/1993;

(...)

6. A mencionada ausência de planilhas orçamentárias detalhadas, a par de violar disposições legais, impede a formação de juízo crítico sobre a adequação do preço estimado pela Manaus Energia àquele que é praticado no mercado. Ademais, essa ausência impossibilita prever com acuidade o volume de recursos orçamentários que serão necessários. Finalmente, cabe ressaltar que a ausência dessas planilhas tem sido reiteradamente considerada por esta Corte de Contas como uma irregularidade grave, uma vez que a exigência de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição dos custos unitários possui importância capital para a escolha da proposta mais vantajosa. Essa exigência é complementada pelo disposto no inciso X do art. 40 da Lei n. 8.666/1993, o qual dispõe que o edital conterá critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedada a fixação de preços mínimos, de critérios estatísticos ou de faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos §§ 1° e 2° do art. 48 dessa Lei — os quais se referem às propostas inexequíveis. Com fulcro nessas considerações, concordo com o entendimento esposado pela unidade técnica no sentido de que restou configurada uma irregularidade apta a ensejar a paralisação da liberação de recursos para esse programa de trabalho (...).5

(Representação)

(Acórdão)

Os Ministros do Tribunal de Contas da União, (...), Acordam em conhecer da(s) representação(ões), (...), mandando fazer a(s) seguinte(s) determinação(ões) (...).

(...)5 TCU — AC-0792-15/08-P — Sessão: 30/04/2008 — Relator: Ministro Benjamin Zymler.

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1.6. Determinar à Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério das Cidades, que, em futuras licitações:

1.6.1 junte aos editais de licitação os orçamentos-base com valores determinados e com os custos unitários componentes dos valores de forma aberta, nos termos do art. 7°, § 2°, inciso II, e art. 40, § 2°, inciso II, da Lei n. 8.666/93, e subitem 9.2.2 do Acórdão n. 697/2006 — Plenário.6

Com efeito, a ausência do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários viola a determinação legal.

2.4 Da necessidade de intimação das empresas contratadas

Diante das graves ilegalidades aqui identificadas, é possível antever a nulidade do procedimento licitatório que resultou nos contratos celebrados com as empresas vencedoras do certame, cujas cópias se encontram a fls 353-360.

Como o eventual reconhecimento de nulidade do procedimento e consequente nulidade dos contratos produzem inegáveis efeitos na esfera de direitos das empresas vencedoras e contratadas, a observância ao devido processo legal imprescinde de sua participação no processo.

Acerca da necessidade de participação dos interessados em ato administrativo em todo procedimento do qual possa resultar sua anulação, determina a Súmula Vinculante n. 3:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Ademais, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal especificamente sobre a imprescindibilidade da citação de empresa vencedora de licitação para participar de processo que pode resultar em sua anulação. Eis a ementa do Acórdão:

I. Tribunal de Contas: competência: contratos administrativos (CF, art. 71, IX e §§ 1° e 2°). O Tribunal de Contas da União — embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos — tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou.

II. Tribunal de Contas: processo de representação fundado em invalidade de contrato administrativo: incidência das garantias do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que impõem assegurar aos interessados, a começar do particular contratante, a ciência de sua instauração e as intervenções cabíveis. Decisão pelo TCU de um processo de representação, do que resultou injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebrado e em começo de execução com a licitante vencedora, sem que a essa sequer se desse ciência de sua instauração: nulidade. Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do processo

6 TCU — AC-2740-30/08-1 — Sessão: 26/08/2008 — Relator: Ministro Marcos Vinícios Vilaça.

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e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a produção de provas; de outro lado, se se impõe a garantia do devido processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de controle do Tribunal de Contas, de colorido quase jurisdicional. A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (Lei n. 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a “ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3°, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente”. A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão.7

Desse modo, mostra-se necessária a intimação das empresas vencedoras e contratadas no Pregão Presencial para que se manifestem sobre as ilegalidades apontadas.

Conclusão: por todos os motivos expostos, inclusive a possibilidade de reconhecimento de nulidade do procedimento licitatório e dos contratos celebrados, opina o ministério Público de Contas pela citação da autoridade administrativa e das empresas vencedoras da licitação, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Pelo princípio da eventualidade, não sendo acolhida a diligência sugerida, conclui o Ministério Público de Contas, desde já, pela nulidade do procedimento licitatório em razão das ilegalidades apontadas, notadamente pela restrição da competitividade.

Considerando que a nulidade do procedimento induz à do contrato, nos termos do art. 49, § 2°, da Lei n. 8.666/93, deverá ser intimado o chefe do Poder Executivo Municipal a fim de que ele mesmo proceda à sustação imediata da execução do referido contrato.

Permanecendo inerte o Prefeito Municipal, há que se comunicar o fato à Câmara Municipal, para adoção das medidas cabíveis, nos termos do art. 64, inc. VI, da Lei complementar estadual n. 102/2008.

Qualquer que seja a medida adotada, deverão os responsáveis cientificar imediatamente esta corte de contas, sob pena de multa diária, nos termos do art. 90 do mesmo diploma legal.

É o parecer.

belo Horizonte, 28 de abril de 2010.

cláudio couto terrãoProcurador do Ministério Público

7 STF — MS n. 23.550/DF — Tribunal Pleno — Relator: Ministro Marco Aurélio — julgado em: 04/04/2001 (grifos nossos).

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Aplicação das astreintes no âmbito dos Tribunais de Contas

Reuder Rodrigues Madureira de AlmeidaBacharel em direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). Pós-graduado em Direito Público pela Universida-de Cândido Mendes (Ucam). Técnico de Controle Externo do tribunal de contas do estado de minas gerais. membro da Comissão de Jurisprudência e Súmula do TCEMG.

1 Introdução

O presente trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações acerca da aplicabilidade do instituto das astreintes no âmbito dos Tribunais de Contas, como ferramenta destinada a conferir maior efetividade às decisões, tendo em vista as valiosas competências afetas às Cortes de Contas, a fim de consolidá-lo como órgão proeminente na defesa do erário e, consequentemente, dos direitos fundamentais.

Cumpre alertar que a aplicação do instituto aos feitos de competência dos Tribunais de Contas é matéria ainda incipiente, conforme se verá, de modo que o presente texto buscará lançar luzes sobre a matéria, visando suscitar discussões em torno da temática.

Percustrar-se-á, especialmente, o posicionamento adotado no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais acerca das medidas coercitivas, mediante análise normativa e dos excertos de decisões exaradas na Casa, balizando-as com o entendimento de outros Tribunais.

2 Astreintes

2.1 Origem e conceituação

A multa de caráter coercitivo, conhecida como astreinte, possui origem pretoriana, tendo sido cunhada pela jurisprudência francesa no início do século xIx, com o fito de assegurar ao credor a satisfação de seu direito, mediante a constrição econômico-psicológica do obrigado ao cumprimento de suas obrigações específicas.

Importante altear que à época de sua criação, com espeque nas palavras de Eduardo Talamini,1 o Código de Napoleão (art. 1.142) preconizava que a inadimplência das obrigações de fazer e de não fazer convertia-se em perdas e danos, recaindo a execução sobre o montante pecuniário estabelecido pelo magistrado em sentença.

1 talamini, eduardo. tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2001. p. 50.

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A positivação do instituto, na França, se deu por intermédio da Lei 72-226, de 05 de julho de 1972.2 Hodiernamente, o ordenamento jurídico francês preceitua, expressamente, que todo juiz pode, mesmo de ofício, ordenar uma astreinte para assegurar a execução de sua decisão (art. 33, da Lei 91-650/91).

a astreinte, conceitua Talamini,3 (2001, p. 50) é a condenação a uma soma de dinheiro fixada por dia de atraso (ou outra unidade de tempo) e destinada a pressionar a parte condenada ao cumprimento de uma decisão do juiz.

Com a clareza que lhe é peculiar, o jurista Cândido Rangel Dinamarco4 (2004, p. 369) leciona que:

(...) as multas periódicas, que são a versão brasileira das astreintes concebidas pelos tribunais franceses (...), atuam no sistema mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-o mais e mais a cada hora que passa, ou a cada dia, mês ou ano, ou a cada ato indevido que ele venha a repetir, com o objetivo de criar em seu espírito a consciência de que lhe será mais gravoso descumprir do que cumprir a obrigação emergente do título executivo.

em suma, a astreinte visa, portanto, exercer pressão psicológica sobre o obrigado, mediante o estabelecimento de um valor pecuniário, a fim de que a obrigação seja cumprida, resguardando-se, dessa forma, a autoridade das decisões e a tutela específica do direito, vencendo-lhe a obstinação em descumprir seus deveres e obrigações.

2.2 Natureza jurídica

a astreinte possui natureza cominatória. Não tem caráter repressivo, compensatório ou reparatório. Assim, o pagamento do montante executado a título de multa periódica não extingue a obrigação.

Nesse sentido, citam-se trechos de decisão paradigmática do Supremo Tribunal de Justiça — STF, voto da lavra do Ministro Moreira Alves:

EMENTA — Astreintes. Honorários de advogado.

— A pena pecuniária que, a título de astreinte, se comina não tem o caráter de indenização pelo inadimplemento da obrigação de fazer ou de não fazer, mas, sim, o de meio coativo de cumprimento da sentença, como resulta expresso na parte final do art. 287 do CPC; consequentemente, não pode essa pena retroagir a data anterior ao trânsito em julgado da sentença que a cominou.

— Aplicação do óbice do inciso VII do art. 325 do Regimento Interno do STF quanto à questão referente a honorários de advogado.

2 marinoni, luiz guilherme. p. 168.

3 talamini, op. cit., p. 50.

4 dinamarco, cândido rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 369

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Recurso extraordinário conhecido em parte, e nela provido.

(...)

VOTO

Com efeito, com a introdução no direito processual civil brasileiro (arts. 287, 644 e 645) das astreintes, a pena pecuniária que, a esse título, se comina não tem o caráter de indenização pelo inadimplemento de obrigação de fazer ou não fazer, mas, sim, o de meio coativo de cumprimento da sentença, como resulta expresso na parte final do art. 287 do CPC: ‘(...) constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença (arts. 644 e 645)’. Consequentemente, não pode a pena retroagir a data anterior ao do trânsito em julgado da sentença que a cominou. (RE 94.966-6/RJ. Relator Ministro Moreira Alves. DJ 26/03/82)

a astreinte tem por escopo, repete-se, exercer uma pressão econômico-psicológica sobre o devedor a fim de promover a tutela específica do direito do autor, devendo-se reconhecer, desse modo, o caráter acessório da multa, não se confundindo com as perdas e danos (art. 461, § 2°, do CPC).

nas palavras de marinoni5

a multa, ou a coerção indireta, implica ameaça destinada a convencer o réu a adimplir a ordem do juiz. A técnica mandamental, fundada na ordem e na multa, não se confunde com a técnica condenatória, ou mesmo com a técnica executiva ligada à coerção indireta ou à sub-rogação.

desse modo, nada impende que as astreintes sejam cumuladas com perdas e danos, multa moratória, condenação por litigância de má-fé, multa por contempt of court, crime de desobediência, bem como com outras sanções processuais.

o autor sérgio cruz arenhart6 assevera que a astreinte, dada a sua função de resguardar o respeito às decisões estatais, assemelha-se ao instituto do contempt of court:

A função, portanto, da multa é garantir a obediência à ordem judicial. (...) Está em jogo, afinal, a própria autoridade do Estado. Não se pode, portanto, dizer que ocorreu apenas o inadimplemento de uma ordem do Estado-juiz. Ocorreu, em verdade, a transgressão a uma ordem, que se presume legal.

2.3 Princípios aplicáveis às astreintes

a astreinte, em função de seu intuito coercitivo, deve ser cominada em montante que estabeleça uma pressão psicológica sobre o obrigado.

5 marinoni, luiz guilherme. Tutela específica: arts. 461, cPc e 84, cdc. 2. ed. rev. são Paulo: rt, 2001, p. 72.

6 arenHart, sergio cruz. A tutela inibitória da vida privada. são Paulo: rt, 2000, p. 200.

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Neste sentido, leciona Nelson Nery Júnior:7

Deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz.

Contudo, cumpre elucidar que o valor da astreinte, embora não esteja vinculada sequer ao montante da obrigação deve com esta guardar certa proporção, de modo que desempenhe seu papel coercitivo, em consonância com os critérios de suficiência e compatibilidade.

o autor talamini8 esclarece que:

A lei faz referência a suficiência e compatibilidade da multa com a obrigação (art. 461, § 4°).Tais parâmetros prestam-se não só a indicar as hipóteses de cabimento da multa, como ainda definem os seus limites quantitativos. Mas não se trata de limitação do valor da multa ao da obrigação nem ao dos danos derivados da violação — o que só se explicaria, se aquela tivesse caráter indenizatório (...).

Nesse diapasão, cumpre alertar que a multa periódica deve ser estabelecida tendo-se em conta a situação econômica do obrigado, devendo-se observar, sempre, os ditames da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração, ainda, sua periodicidade e sua mutabilidade.

No que tange ao princípio da razoabilidade, de suma importância na seara do Direito administrativo, estabelece-se a necessidade de haver uma ponderação entre os meios e os fins perseguidos pelas normas jurídicas.

registra-se, nesse passo, o ensinamento expendido por maria sílvia zanella di Pietro,9 acerca do princípio da razoabilidade:

o princípio da razoabilidade, sob a feição de proporcionalidade entre meios e fins, está contido implicitamente no art. 2°, parágrafo único da Lei n. 9.784/99, que impõe à Administração Pública: adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (inciso IV); observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos

7 NERY, Nelson Junior; ANDRADE, Rosa Maria Nery. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 7. ed. são Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

8 talamini. op. cit. p. 242.

9 di Pietro, maria silvia zanella. Direito Administrativo. 17. ed. são Paulo: atlas, 2004, p. 82-83.

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dos administradores (inciso VIII); adoção de formas simples suficientes para propiciar grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administradores (inciso IX); e também está previsto no art. 29, § 2°, segundo o qual os atos de instrução que exijam atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes.

Sob o aspecto da razoabilidade, a multa coercitiva deve ser moderada, devendo-se evitar que se torne fonte de injustiça. Desse modo, impõe-se o equilíbrio entre o montante e a periodicidade da multa e a finalidade almejada pela medida constritiva.

Acerca do princípio da proporcionalidade, translúcidas as palavras do ilustre constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho,10 ao concluir que se trata de uma questão de medida ou desmedida para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

A doutrina majoritária subdivide o princípio da proporcionalidade em três diferentes subprincípios, quais sejam o da adequação, o da necessidade ou exigibilidade e o da proporcionalidade em sentido estrito, devendo, portanto, a multa-coerção estar em consonância com os três prismas citados para que tenha uma aplicação válida e eficaz.

Faz-se imprescindível o respeito aos citados princípios para que se obtemperem os rigores da multa coercitiva a ser aplicada em cada caso concreto, resguardando-se seu caráter cominatório constritivo, indutor ao fiel cumprimento da obrigação, sem, contudo, ocasionar a insolvência patrimonial do obrigado.

Deve-se, portanto, evitar, ao máximo, o abuso na fixação das astreintes, consoante prestigiosa lição do saudoso processualista Calmon de Passos,11 de modo que esta se apresente suficiente para induzir o devedor a adimplir, pelo que variará em função da capacidade econômica do devedor, mais do que em função da natureza da obrigação, mas essa correção não pode alcançar excesso, devendo cingir-se ao compatível.

2.4 As astreintes no ordenamento jurídico pátrio

No Brasil o julgador também está autorizado a aplicar as astreintes de ofício, ou seja, independentemente de qualquer pedido, configurando-se, assim, em importante ferramenta para a efetividade das decisões.

O principal dispositivo atinente às astreintes encontra-se preceituado no § 4° do art. 461 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 8.952/94, nos seguintes termos:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

10 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 387-388.

11 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Inovações do Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 62.

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(...)

§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

registre-se que há menção às astreintes em outros dispositivos do Código de Processo Civil, dentre os quais se destacam os arts. 287, 644 e 645, in verbis:

Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4°, e 461-A).

(...)

Art. 644. A sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo. (Redação dada pela Lei n. 10.444, de 07/05/2002).

Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em título extrajudicial, o juiz, ao despachar a inicial, fixará multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida. (Redação dada pela Lei n. 8.953, de 13/12/1994)

Parágrafo único. Se o valor da multa estiver previsto no título, o juiz poderá reduzi-lo se excessivo.

O jurista Cândido Rangel Dinamarco,12 ao tecer comentários acerca dos arts. 644 e 645 do CPC, esclarece que:

A profunda remodelação por que passou a tutela específica das obrigações de fazer ou de não fazer repercutiu in executivis mediante nova formulação que a Lei n. 8.953, de 13 de dezembro de 1994, veio a dar aos arts. 644 e 645 do Código de Processo Civil. Constitui a síntese e lema dessa novidade o reforço das astreintes. Quis o legislador, visivelmente, revigorar o instituto e dotá-lo de maior eficácia para o combate aos notórios óbices à efetividade das decisões judiciais e das obrigações concertadas mediante títulos executivos extrajudiciais (óbices ilegítimos ao acesso à justiça). (...) Sabe o legislador que os meios de pressão psicológica são particularmente eficientes e capazes de proporcionar ao credor mais rapidamente a satisfação do seu direito, mediante a retirada da resistência do obrigado.

importante altear que mesmo antes da positivação das astreintes no CPC, as multas coercitivas periódicas já figuravam como medida hábil a resguardar a efetividade das decisões em outros

12 dinamarco. cândido rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 241.

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diplomas legais, merecendo destaque o art. 11 da Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e o art. 84, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90).

Ressalta-se, ainda, que a possibilidade de aplicação das astreintes no processo administrativo encontra amparo em diversos diplomas legais. Cumpre destacar, por oportuno, que a Lei n. 8.884/94 estabelece, em seu art. 9°, inciso IV, ser competência dos Conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a adoção de medidas preventivas fixando o valor da multa diária pelo seu descumprimento.

A Comissão de Valores Mobiliários também tem competência para impor a aplicação de multa em razão do descumprimento de suas decisões, conforme preceituam os arts. 9°, II, e 11, § 11, da lei n. 6.385/76:

Art 9° A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2° do art. 15, poderá: (Redação dada pelo Decreto n. 3.995, de 31/10/2001)

(...)

II — intimar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou esclarecimentos, sob cominação de multa, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no art. 11; (Redação dada pela Lei n. 10.303, de 31/10/2001)

(...)

Art. 11 (...)

§ 11. A multa cominada pela inexecução de ordem da Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do inciso II do caput do art. 9° e do inciso IV de seu § 1° não excederá a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de atraso no seu cumprimento e sua aplicação independe do processo administrativo previsto no inciso V do caput do mesmo artigo. (Redação pelo Decreto n. 3.995, de 31/10/2001).

Feitas as considerações conceituais preliminares acerca das astreintes, buscar-se-á abordar, a seguir, sua aplicabilidade ao âmbito das decisões exaradas pelos Tribunais de Contas, tendo em vista sua prestigiosa posição no cenário institucional pátrio a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, destacando-se, especialmente, o atual posicionamento da Corte de Contas mineira acerca da matéria.

3 Tribunal de Contas e as astreintes

3.1 Importância dos Tribunais de Contas no novo cenário constitucional

A instituição de um órgão de controle externo, nos moldes das Cortes de Contas, no Brasil, deu-se com a edição do Decreto 966-A, de 07 de novembro de 1890, a partir de proposta da lavra do eminente Rui Barbosa, que defendeu a criação do Tribunal de Contas, um

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corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuição de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil.13

Todavia, incumbe salientar que o mencionado decreto jamais foi regulamentado, e, menos ainda, executado, de forma que a regulamentação das atribuições do Tribunal de Contas no Brasil adveio apenas com a promulgação da primeira Constituição republicana, em 1891, que estabeleceu a criação de um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso.14

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 teve importância ímpar na reafirmação do Tribunal de Contas enquanto instituição de relevância na teia organizacional do País. Isso porque, as Cortes de Contas receberam tratamento destacado, com a ampliação de sua jurisdição e de suas atribuições/competências, tornando-se protagonista na fiscalização estatal com o fito de proteger o erário, e, assim, auxiliar na efetivação dos direitos fundamentais.

As atribuições afetas aos Tribunais de Contas pela Carta Magna vigente possuem tal relevância que uma parcela da doutrina, diga-se minoritária, entende que as Cortes de Contas, juntamente com o Ministério Público, passaram a constituir um quarto Poder, aos quais seriam cometidas as funções de controle.

Controvérsias a parte, pode-se afirmar que, no atual cenário constitucional pátrio, a instituição Tribunal de Contas constitui um órgão de destaque e relevância, cujas atribuições e competências decorrem diretamente da Constituição, não sendo subordinada a qualquer dos três Poderes constituídos, tendo como missão, auxiliar, de maneira técnica, a atuação de controle a cargo do Poder legislativo.

Acerca da posição proeminente dos Tribunais de Contas no ordenamento jurídico brasileiro, impende destacar os seguintes trechos da decisão prolatada na ADI 215/PB, no qual o Supremo Tribunal Federal sustentou que:

Com a superveniência da nova Constituição, ampliou-se, de modo extremamente significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, os quais foram investidos de poderes jurídicos mais amplos, em decorrência de uma consciente opção política feita pelo legislador constituinte, a revelar a inquestionável essencialidade dessa instituição surgida nos albores da República. A atuação dos Tribunais de Contas assume, por isso, importância fundamental no campo do controle externo e constitui, como natural decorrência do fortalecimento de sua ação institucional, tema de

13 barbosa, rui. Obras Completas de Rui Barbosa. v. 18. t 3. 1891, p. 363. Trecho extraído de Tribunal de Contas: exposição de motivos. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc?CodFrase=2343>. Acesso em: 15/03/2010.

14 FERRAZ, Luciano. Controle da Administração Pública: elementos para a compreensão dos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 115.

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irrecusável relevância. (ADI-MC n. 215/PB. Relator: Ministro Celso de Mello. Publicado no D.J. de 03/08/90)

3.2 Competência normativa e poder geral de cautela dos Tribunais de Contas

Diz-se acima que a constituição delineou as competências afetas aos Tribunais de Contas. De fato, a Constituição da República de 1988 explicitou-as nos arts. 33, § 2°, 71-74, e 164, parágrafo único.

Dentre as atribuições afetas aos Tribunais de Contas, o inciso VIII do art. 71 da Constituição da República vigente, assegura-lhes competência normativa, ao preceituar que incumbe a eles aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.

Nesse diapasão, o art. 73 da Carta Magna confere aos Tribunais de Contas as competências enunciadas em seu art. 96. Impende destacar que o inciso I, alínea a do citado artigo concede aos Tribunais competência para elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

Desse modo, o regramento constitucional assegurou competência normativa aos Tribunais de Contas, a ser exercida mediante a edição de seus regimentos internos, de instruções normativas e de resoluções.

O jurista Luciano Ferraz,15 acerca da competência normativa dos Tribunais de Contas, ressalva que:

Os limites para o exercício da competência normativa atribuída a qualquer órgão da administração, — entre os quais os Tribunais de Contas —, estão na própria lei a ser regulada. Os atos normativos no Direito brasileiro não possuem vida autônoma, dependem da lei, sendo-lhes vedado dela desbordar, sob pena de ilicitude.

O que se quer significar é que lei e ato normativo diferenciam-se, não só pela origem (órgão produtor) e pela posição de supremacia da primeira (diferença de grau hierárquico), mas, sobretudo, porque a lei tem o condão de inovar no ordenamento, estabelecendo, alterando ou extinguindo relações jurídicas (desde que acorde com a Constituição). O ato normativo, ao contrário, como fonte secundária do Direito, depende da lei; se inova na ordem jurídica há invasão de competência, abuso de poder.

Assim, as normas editadas no âmbito das Cortes de Contas devem observância às regras legais vigentes, a fim de que tais instrumentos normativos tenham força de lei, relativamente às matérias que regulem.

15 FERRAZ, Luciano. Poder de coerção e poder de sanção dos Tribunais de Contas — Competência normativa e devido processo legal. n. 2. ano XX. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. v. 43, n.2, abr./jun, 2002.

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Outro importante ponto a se destacar, no que tange à atuação dos Tribunais de Contas, está relacionado à prerrogativa de atuar preventivamente, com a adoção, também, das medidas oriundas do denominado poder geral de cautela.

O Ministro Celso de Mello, no julgamento do Mandado de Segurança n. 26.547 / DF, reconheceu ao Tribunal de Contas da União o exercício do poder geral de tutela, conforme excerto a seguir:

EMENTA: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PODER GERAL DE CAUTELA. LEGITIMIDADE. DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRECEDENTE (STF). CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL DE CONTAS EXPEDIR PROVIMENTOS CAUTELARES, MESMO SEM AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA, DESDE QUE MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA. DELIBERAÇÃO DO TCU, QUE, AO DEFERIR A MEDIDA CAUTELAR, JUSTIFICOU, EXTENSAMENTE, A OUTORGA DESSE PROVIMENTO DE URGÊNCIA. PREOCUPAÇÃO DA CORTE DE CONTAS EM ATENDER, COM TAL CONDUTA, A EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL PERTINENTE À NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ESTATAIS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM CUJO ÂMBITO TERIAM SIDO OBSERVADAS AS GARANTIAS INERENTES À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”.

(...)

Decisão:

Com efeito, impende reconhecer, desde logo, que assiste, ao Tribunal de Contas, poder geral de cautela. Trata-se de prerrogativa institucional que decorre, por implicitude, das atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas.

Entendo, por isso mesmo, que o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República.

Isso significa que a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que se reconheça, a essa Corte, ainda que por implicitude, a possibilidade de conceder provimentos cautelares vocacionados a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário.

(...)

Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento na apreciação do

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mérito da questão suscitada culmine por afetar, comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame da controvérsia.

Torna-se essencial reconhecer — especialmente em função do próprio modelo brasileiro de fiscalização financeira e orçamentária, e considerada, ainda, a doutrina dos poderes implícitos (MARCELO CAETANO. Direito Constitucional, São Paulo: Forense, 1978. v.2, item 9, p. 12-13; CASTRO NUNES. Teoria e Prática do Poder Judiciário, São Paulo: Forense, 1943. p. 641-650; RUI BARBOSA, Comentários à Constituição Federal Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1932, v.1, p. 203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva, v.g.) — que a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais. (MS 26547/DF. Relator: Ministro Celso de Mello)

Registre-se que o Tribunal de Contas da União, com espeque nos fundamentos citados na decisão retromencionada, exerce o poder de cautela inaudita altera pars, conforme se pode dessumir da ementa a seguir:

AGRAVO DE MEDIDA CAUTELAR. FERROVIA NORTE-SUL. PODER GERAL DE CAUTELA DO TCU. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE CAUTELARES SEM OITIVA DE RESPONSÁVEIS E INTERESSADOS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. IMPROCEDÊNCIA DOS DEMAIS ARGUMENTOS. NÃO PROVIMENTO.

1. O poder geral de cautela autoriza o TCU a adotar medidas cautelares, sem oitiva prévia de responsáveis e interessados e sem que isso caracterize violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, desde que mediante deliberação fundamentada (Agravo n. 021.283/2008-1. Ministro Relator Aroldo Cedraz. Publicado no DOU 03/04/2009).

Conforme se pode assentir, os Tribunais de Contas necessitam tornar sua atuação mais efetiva, a fim de que possam cumprir com esmero as nobres atribuições que lhe foram conferidas pela Constituição da República vigente, dentre as quais destacamos, nesse trabalho, a possibilidade de que tais órgãos se utilizem das técnicas de multas coercitivas como forma de alcançarem uma maior efetividade de suas decisões.

O Supremo Tribunal Federal enfrentou a matéria acerca da adoção de medidas cautelares no âmbito do Tribunal de Contas da União, tendo se posicionado, ainda, acerca da competência normativa das cortes de contas, quando do julgamento do mandado de segurança n. 24.510/DF,16 sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie.

16 Impende ressaltar que tal decisão não foi unânime, uma vez que o voto vencido do Ministro Carlos Ayres Britto rejeitava a possibi-lidade de o Tribunal de Contas da União sustar a realização de procedimentos licitatórios promovidos por órgãos ou entidades da Administração Pública, sob a alegação de que tal atuação extrapolaria as competências que lhe foram afetas constitucionalmen-te. Ou seja, negava a possibilidade de o TCU atuar de forma preventiva, mediante a adoção de medidas cautelares, a despeito de o Regimento Interno daquela Corte de Contas preceituar, expressamente, tal possibilidade de atuação.

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Nesse julgamento, reafirmou-se a importância de tais medidas para que as Cortes de Contas consigam prestar de forma adequada suas atribuições constitucionais. Colaciona-se a ementa e trechos dos votos:

EMENTA: PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMPUGNAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TCU. CAUTELARES. CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO.

1 — Os participantes de licitação têm direito à fiel observância do procedimento estabelecido na lei e podem impugná-lo administrativa ou judicialmente. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada.

2 — Inexistência de direito líquido e certo. O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (arts. 4° e 113, § 1° e 2° da Lei n. 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões.

3 — A decisão encontra-se fundamentada nos documentos acostados aos autos da Representação e na legislação aplicável.

4 — Violação ao contraditório e falta de instrução não caracterizadas.

Denegada a ordem.

(...)

VOTOS

O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO — Sr. Presidente, penso que os princípios da legalidade e da moralidade, além da analogia estabelecida com o poder jurisdicional, implicam o poder que o Tribunal de Contas tem de prevenir uma situação em que ele atuaria a posteriori, para remediar os danos já causados ao erário. Noutras palavras, parece-me conforme com todos os princípios que é melhor prevenir do que remediar.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO — Entendo, Senhor Presidente, que o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República.

(...)

É por isso que entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com o apoio na teoria dos poderes implícitos, permite, ao Tribunal de Contas da União, adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao

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pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República.

(...)

Assentada tal premissa, que confere especial ênfase ao binômio utilidade/necessidade, torna-se essencial reconhecer — especialmente em função do próprio modelo brasileiro de fiscalização financeira e orçamentária, e considerada, ainda, a doutrina dos poderes implícitos — que a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais.

(...)

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Presidente) — (...) nenhum poder decisório constitucional é dado para tornar-se ineficaz: e, por isso, tenho como implícito, na norma que outorga o poder de decidir, o poder cautelar necessário a garantir a eficácia da eventual decisão futura (MS 24.510-7/DF. Ministra Relatora Ellen Gracie. Publicado no DJ de 19/03/2004).

Pode-se constatar, então, que o Supremo Tribunal Federal além de assegurar o poder geral de cautela aos Tribunais de Contas, reconheceu, ainda, a competência normativa das Cortes de Contas, ao ratificar a legitimidade da norma regimental do TCU que preceituava a possibilidade de sustação dos atos licitatórios eivados de ilegalidade.

3.3 Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e a aplicação das multas coercitivas

Conforme visto, os Tribunais de Contas, sob a nova ótica constitucional, passaram a figurar como órgãos de relevância constitucional, aos quais foram estabelecidas diversas competências. Para tanto, foram-lhes reservadas algumas prerrogativas que visam assegurar a efetividade de sua atuação, na consecução de uma administração pública proba, resguardando-se, dessa forma, os interesses da coletividade.

Aos Tribunais de Contas, em sua atuação como órgãos judicantes, devem-se assegurar os mecanismos legalmente estabelecidos para garantir a eficácia de suas deliberações, no que concerne à defesa do erário, especialmente, quanto à verificação da legalidade, regularidade e economicidade dos atos dos administradores públicos e demais responsáveis pela guarda e emprego de recursos públicos.

Nesse sentido, é preciso atentar-se ao dispositivo constitucional (art. 71, VIII, CR/88) que autoriza a aplicação, por intermédio das Cortes de Contas, aos responsáveis, no caso de ilegalidade de

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despesa ou irregularidade de contas, das sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.

No âmbito do Tribunal de Contas da União, a Lei n. 8.443/92 preceitua, em seu art. 58, incisos II, IV, V, VI e VII, a possibilidade de aplicação de medidas de coação indireta, mediante o estabelecimento de multas pecuniárias decorrentes do descumprimento dos deveres impostos aos administradores públicos.

Colaciona-se excerto de julgado do TCU que, com espeque na defesa da autoridade de suas decisões, aplicou multa ao gestor, nos seguintes termos:

Monitoramento. Descumprimento de diligência promovida pelo Tribunal, sem causa justificada, por parte do gestor municipal. Desobediência que implica em aplicação de multa ao gestor

VOTO

No que atine à aplicação da multa ao gestor municipal, manifesto-me de acordo com as conclusões da unidade técnica nesse sentido.

Como já se discorreu, a despeito de terem sido promovidas três diligências junto ao ente municipal, este se limitou a encaminhar apenas parte da documentação solicitada, sem apresentar justificativas para a não entrega das demais peças. Ressalte-se que a última delas, efetivada em 27/05/2009, remanesce não atendida até a presente data.

Face a essa injustificada inércia por parte do órgão diligenciado, este Tribunal tem-se visto impedido de dar impulso ao presente processo e o que é mais importante, de averiguar a regularidade do procedimento licitatório já concluído há mais de um ano e, por conseguinte, das contratações dele decorrentes.

Importa consignar, ainda, que em todos os ofícios de diligência endereçados ao Prefeito, constou a advertência de que o seu não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, sujeitaria o responsável à pena de multa.

Considerando que os contratos provenientes do certame, objeto do presente monitoramento, encontram-se em curso, urge ao Tribunal obter as informações indispensáveis à fiscalização, de modo a dar cumprimento às determinações expedidas no Acórdão n. 608/2008 — TCU — Plenário.

Diante desse cenário, tenho que se faz forçoso o exercício do poder coercitivo desta Corte de Contas mediante a aplicação da multa prevista no art. 58, inc. IV, da Lei n. 8.443/92, a qual estipulo no valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

ACÓRDÃO

(...)

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9.1. com fundamento no art. 58, inciso IV, da Lei n. 8.443/1992, aplicar ao Sr. (...), Prefeito de Várzea Grande/MT, multa no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) (...);

(Processo n. 022.891/2008. Ministro Relator Benjamin Zymler. Sessão do dia 09/09/2009. Publicado no DOU em 11/09/2009)

Vale dizer que, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, ainda sob a regência da revogada Lei Complementar Estadual n. 33, de 28 de junho de 1994, detinha a prerrogativa de cominar multas coercitivas no exercício de suas atribuições constitucionais, com espeque no art. 95, incisos IV, V, VI e Ix da citada lei, aplicáveis quando do não cumprimento das obrigações públicas impostas pela legislação aos administradores públicos e demais responsáveis pela gestão do erário.

Veja-se excerto de decisão, da lavra do Conselheiro Antônio Carlos Andrada, na qual se manteve a multa-coerção cominada em razão de descumprimento de prazo estabelecido em norma, nos seguintes termos:

(...) foi imputada ao ora recorrente, pena de multa (...) pelo não cumprimento da data limite (15/02/06) fixada na Instrução Normativa TC 05/2004 para disponibilização, via internet, pelo Siace/LRF, do Relatório de Gestão Fiscal (RGF) data-base 31/12/05 (...).

(...) é importante frisar que a natureza da sanção imposta, qual seja multa-coerção, configura-se exatamente pelo descumprimento de uma obrigação pública legalmente imposta por esta Corte. São estes os termos exarados em julgado do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, verbis:

Direito Administrativo. Ação Anulatória de multa aplicada pelo Tribunal de Contas. Competência. Multa. Origem. Descumprimento de prazo previsto em Instrução Normativa. Previsão legal. Natureza Coercitiva.

(...)

A multa-coerção constitui numa maneira de assegurar o cumprimento da obrigação pública, de forma a inibir que o administrador público descumpra, por reiteradas vezes, o prazo normativo, sendo o contraditório instaurado a posteriori. (TJMG — Apelação Cível n. 1.000.249.768-3/000 — Relator: Desembargador Célio Cesar Paduani (grifo nosso).

IV — VOTO

À vista do exposto, considerando que as razões recursais não tiveram o condão de elidir as falhas cometidas pelo ora recorrente concernente ao não cumprimento da data limite (...) nego provimento ao recurso, mantendo incólume a decisão prolatada (...) que determinou, nos termos do disposto no art. 95, II e IV da Lei Complementar n. 33/94, a pena de multa ao recorrente (...). (Processo n. 715.362 — Recurso de revisão. Relator: Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Pleno. Sessão do dia 29/04/2009)

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em diversos julgados17 o Tribunal firmou posição no sentido de que, em se tratando de multas-coerção, o contraditório pode ser diferido, tendo em vista tratar-se de uma cominação previamente preceituada em lei, e aplicável em caso de inobservância das obrigações e prazos previstos na lei ou ato normativo da casa.

Tanto assim que, na Sessão Plenária do dia 28 de novembro de 2008, restou aprovado o enunciado de Súmula n. 108 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, cujo teor dispõe in verbis que: A imposição de multa-coerção sem prévia oitiva do jurisdicionado, em virtude de descumprimento de prazo ou de obrigação pública decorrentes de lei ou ato normativo do Tribunal, não viola o contraditório e a ampla defesa.

Registre-se que, com a promulgação da Lei Complementar Estadual n. 102, de 17 de janeiro de 2008, as multas coercitivas de natureza análoga àquelas preceituadas na lei orgânica revogada, encontram-se disciplinadas no art. 85, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII e xI.

Todavia, cumpre ressaltar que tais multas, embora sejam consideradas medidas de coerção, diferem-se das astreintes por terem seu valor máximo já fixado previamente na norma legal, relativizando-se, assim, a sua eficácia coercitiva.

Isso porque, o viés constritivo, conforme se disse alhures, depende da aplicação de uma multa em valor bastante que iniba o obrigado a descumprir com suas obrigações ou deveres legais, espectro esse reduzido quando se tem um valor máximo de cominação e, sobretudo, quando se sabe de antemão a percentagem desse valor máximo, passível de ser aplicado aos diferentes tipos de descumprimento elencados na lei.

Com o advento da citada Lei Complementar Estadual n. 102/2008 — Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, vigente — o cenário das medidas coercitivas aplicáveis aos feitos de competência das Cortes de Contas ganhou um importante reforço, devendo-se ressaltar, por oportuno, o teor do art. 90 da referida lei, in verbis: O Tribunal poderá fixar multa diária, nos casos em que o descumprimento de diligência ou decisão ocasionar dano ao erário ou impedir o exercício das ações de controle externo, observado o disposto no Regimento Interno.

Foi instituída, dessa forma, a possibilidade de fixação de astreintes nos feitos de competência da Corte de Contas mineira, quando o descumprimento de uma determinada diligência ou decisão ensejar a ocorrência de dano ao erário, ficando nítido o viés preventivo de tal previsão legal.

Reitera-se, com espeque na valiosa doutrina de Marinoni,18 que a multa, característica essencial da tutela inibitória, objetiva pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, visando à prevenção do ilícito mediante o impedimento de sua prática, de sua repetição ou de sua continuação, confirmando-se o caráter preventivo incito ao instituto das astreintes.

17 Citam-se, a título exemplificativo, os Recursos de Reconsideração n. 712.882, 713.352, 712.875, 713.109, 737.286, 735.640, bem como os Recursos de Revisão n. 719.347, 715.554, 691.564, entre outros.

18 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória — individual e coletiva. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 173

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Nesse sentido, pode-se concluir que a multa diária, preceituada no art. 90 da Lei Orgânica do TCEMG, bem como no art. 32119 do regimento interno do tribunal de contas do estado de minas Gerais, possui a finalidade de garantir maior exequibilidade das decisões proferidas pela Corte de contas mineira.

Cumpre destacar que a multa periódica possui caráter instrumental, destinada a garantir a correta e tempestiva observância dos ditames emanados dos órgãos de julgamento do Tribunal de Contas, independentemente da ocorrência efetiva do dano ou de prejuízos ao erário. Afinal, seu escopo principal é, exatamente, atuar na psique do gestor a fim de evitar que esse pratique ou deixe de praticar algum ato que tenha o condão de lesar o erário e/ou interesses da coletividade.

Verifica-se que, após a promulgação da Lei Orgânica vigente do Tribunal de Contas do Estado de minas gerais, as astreintes têm sido aplicadas, recorrentemente, tanto nas obrigações de não fazer (quando determina a abstenção da prática de algum ato potencialmente lesivo aos interesses da coletividade e do erário), bem como nas obrigações de fazer (quando determina que o jurisdicionado apresente alguma documentação solicitada em diligência ou que proceda às correções das falhas apontadas nos editais de licitação e de concurso público).

Colaciona-se, a seguir, excerto que demonstra esse novo enfoque na aplicação das multas cominatórias no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

II — FUNDAMENTAÇÃO

Analisado o edital e à vista das informações prestadas pelo órgão técnico, bem como do parecer do órgão ministerial, constatei a existência de falhas que comprometem a legalidade do certame.

(...)

III — DECISÃO:

Diante do exposto, com fundamento no § 2° do art. 95 da Lei Complementar Estadual n. 102/08, determino, ad referendum da egrégia Primeira Câmara, a suspensão do Concurso Público de Provas e Títulos para Provimento de Cargos no Quadro de Pessoal do Poder Executivo do Município (...), regido pelo Edital n. 001/2009, na fase em que se encontra, até que o Tribunal se manifeste definitivamente sobre a matéria, devendo, pois, a Administração abster-se da prática de qualquer ato atinente ao prosseguimento do certame, incluída a publicação de eventuais modificações, até julgamento final do presente feito.

19 RITCEMG. Art. 321 do. O Tribunal poderá fixar multa diária, nos casos em que o descumprimento de diligência ou decisão puder ocasionar dano ao erário ou impedir o exercício das ações de controle externo.

Parágrafo único. O Tribunal suspenderá a cominação prevista no caput deste artigo, na data em que cessar o descumprimento da obrigação.

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Intime-se o Sr. (...), Prefeito Municipal, mediante fac-símile, e-mail e por via postal para que, no prazo de 5 (cinco) dias, comprove a suspensão ora determinada, encaminhando a este Tribunal cópia da publicação no Diá-rio Oficial do Estado, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), ao fundamento do disposto no art. 90 da refe-rida Lei Complementar.

Fixo o prazo de 30 (trinta) dias para manifestação do mencionado gestor com vista ao exercício do contraditório e da ampla defesa constitucionalmente ga-rantidos. (Processo n. 804.634 — Edital de concurso público. Relator Conselhei-ro em Exercício Gilberto Diniz. Primeira Câmara. Sessão do dia 03/11/09).

Em outro julgado há uma interessante citação ao parecer do Ministério Público de Contas, o qual requereu a aplicação da multa cominatória com fundamento no art. 461, §§ 4° e 5° do CPC, além das disposições constantes na Lei Orgânica da Corte de Contas de Minas Gerais. Veja-se o excerto da decisão:

(...) o Ministério Público junto ao Tribunal postula (...), que seja fixado prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar da data da intimação, para que seja publicada a comunicação da suspensão do concurso público, e, em igual prazo, que seja enviada a prova dessa suspensão a esta Corte, sendo fixada multa diária pessoal individual a quem vier a dar causa ao descumprimento dessa ordem, nos termos do art. 461, §§ 4° e 5° do CPC, c/c os arts. 85, 89, 90 e 97 da Lei Complementar n. 102/2008.

(...)

VOTO:

Em face das irregularidades apontadas nos autos do Edital de Concurso Público n. 760.740, bem como na Representação n. 767.430 e com fulcro no art. 3°, incisos XXVII e XXXI, e art. 60, todos da Lei Complementar n. 102/2008, determino, liminarmente, a suspensão do Concurso Público (...) devendo a Secretaria dessa Câmara proceder à intimação por e-mail, fac-símile e AR, (...) a fim de que se abstenham da prática de qualquer ato referente ao certame e encaminhem a esta Casa o comprovante da publicação da suspensão, no prazo de 02 (dois) dias úteis, sob pena de multa, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) aos que derem causa ao descumprimento dessa determinação, nos termos do art. 85, inciso III, da mencionada Lei Complementar. Ato contínuo, deve ser concedida vista dos autos aos intimados, no prazo de 15 (quinze) dias, para que apresentem justificativas ou a minuta de um novo edital, escoimado dos vícios ora apontados. (Processo n. 760.740. Edital de concurso público. Relatora Conselheira Adriene Andrade. Segunda Câmara. Sessão do dia 02/12/08).

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Acerca do aresto retromencionado impende observar que o parecer ministerial recomendou a aplicação de multa coercitiva, com espeque no art. 461, § 4°, do CPC, que preceitua a astreinte aplicável às obrigações de fazer e de não fazer no âmbito do processo civil. Balizou tal pedido, ainda, nos arts. 85, 89, 90 e 97 da Lei Complementar Estadual n. 102/2008 Lei Orgânica do TCEMG (LOTCEMG).

Em voto proferido pelo Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, houve a aplicação de multa diária com baldrame no art. 85, III, da Lei Orgânica do TCEMG, consoante excerto a seguir:

Analisando detidamente o Edital n. 001/2009, constatei a ocorrência de falhas, algumas coincidentes com as enumeradas pelo órgão técnico e pelo órgão mi-nisterial e outras que vão além daqueles apontamentos, as quais deverão ser sanadas.

(...)

as irregularidades apontadas inviabilizam o prosseguimento do certame, impondo sejam procedidas as adequações necessárias no respectivo ato convocatório nos termos expendidos.

(...)

Por todo o exposto, com fundamento no inciso XIV do art. 76 da Constituição mineira de 1989 e no inciso XXXI do art. 3° c/c o art. 95 e inciso III do art. 96 da Lei Complementar n. 102/08, determino, liminarmente, ad referendum da egrégia Primeira Câmara, a suspensão do Concurso Público de Provas (...) na fase em que se encontra, até que o Tribunal de Contas se manifeste definitivamente sobre a matéria, devendo, pois, a Administração abster-se da prática de qualquer ato atinente a seu prosseguimento, incluída a publicação de eventuais modificações, até julgamento final do presente feito.

Intime-se o responsável legal do Departamento Municipal de Água e Esgoto do citado Município, Sr. Armando Bertoni, por fac-símile, e-mail e via postal, em razão da exiguidade de tempo, advertindo-o de que o não cumprimento da decisão importará a aplicação de multa diária no valor de R$2.000,00 nos termos do inciso III do art. 85 da mencionada Lei Complementar 102/08.

Fixo o prazo de 30 dias para manifestação do interessado e, de cinco dias para juntada aos autos, de prova da publicação da suspensão ora determinada. (Processo n. 801.607 — Edital de concurso público. Relator Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz. Primeira Câmara. Sessão do dia 03/11/09).

Observa-se que a aplicação da multa diária, nesse caso, deu-se de maneira sui generis, tendo em vista que não se fundamentou no art. 90 da Lei Orgânica do TCEMG. Algumas questões surgem da cominação de multa periódica nos termos elencados na decisão retromencionada.

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Ao estabelecer a aplicação de multa diária vinculada a um dispositivo legal que estabelece o quantum máximo de cominação, restringiu-lhe o alcance e eficácia, uma vez que, em caso de descumprimento da ordem, essa estará sujeita ao limite preceituado no caput e inciso III do art. 85 da Lei Orgânica do TCE.

Deve-se enfatizar, por fim, que a cominação da multa diária coercitiva não deve, via de regra, sujeitar-se a um limite previamente estabelecido, devendo a mesma ser aplicada, observados os princípios e critérios legais na sua definição, em montante e periodicidade que exerçam impacto psicológico sobre o obrigado, de modo a impedir que o ato indesejado aconteça ou que cesse a inércia do gestor em cumprir com seus deveres, sempre visando impedir os desvios de dinheiro público.

De nada adianta estabelecer-se uma multa coercitiva ínfima nos casos que envolve grande vulto financeiro, porque o impacto psicológico será o de que compensa pagar a multa e assim dar azo ao procedimento irregular. De modo contrário, em nada auxilia o cumprimento da obrigação à cominação de uma multa diária absurda, em desconsideração à realidade econômica do obrigado, uma vez que, nesse caso, tal multa não geraria qualquer efeito coercitivo, tendo em vista a total impossibilidade de se executar o valor, em caso de descumprimento da ordem exarada pela corte de contas.

4 Conclusão

Buscou-se, de forma singela e superficial, abordar a temática das multas coercitivas, especialmente das astreintes, nos feitos de competência dos Tribunais de Contas.

A efetividade das deliberações emitidas nos Tribunais de Contas constitui tema que ressente de uma maior atenção, tendo em vista que, passados mais de 20 anos da promulgação da Constituição Cidadã, tais Cortes ainda carregam o estigma de Tribunais de faz de conta.

Insta salientar que a efetividade das decisões dos Tribunais de Contas constitui elemento essencial à própria existência de tais órgãos, que atuam com o objetivo de prevenir e coibir as práticas lesivas ao erário, promovendo-se o restabelecimento da legalidade.

Assim, faz-se imprescindível que a atuação dos Tribunais de Contas seja mais efetiva, como forma de dar um maior retorno à sociedade, reafirmando-se como Órgão de relevo constitucional, sobretudo em um período em que se põe em debate a relativização das competências e prerrogativas das Cortes de Contas, devido a interesses frustrados do Poder Executivo, principalmente na esfera federal, decorrentes das diversas paralisações de obras e licitações com indícios de irregularidades, colocando-se em xeque a possibilidade de exercerem suas atribuições de forma preventiva.

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Com clareza ímpar, o autor Luiz Guilherme Marinoni20 assevera que não há dúvida de que a tutela específica protege de modo mais adequado o direito material. A tutela dirigida a evitar o ilícito é, evidentemente, muito mais importante do que a tutela ressarcitória.

Nesse sentir, os Tribunais de Contas devem fazer uso da gama de instrumentos processuais existentes, voltados a subsidiá-los na consecução satisfatória de seu mister constitucional.

Dentre essas ferramentas, a aplicação de multa coercitiva astreintes, como forma de resguardar o interesse público e a efetividade das decisões, angariou posição de destaque na seara processual civil, dada sua eficácia na consecução da tutela específica do direito, devendo encontrar ressonância, também, nas Cortes de Contas. Afinal, com lastro na sabedoria popular, é melhor prevenir do que remediar, sobretudo em se tratando de verbas públicas que, uma vez desviadas, dificilmente são restituídas aos cofres públicos.

Viu-se que os Tribunais de Contas aplicam, há algum tempo, multas que incidem não somente nos casos de atos irregulares praticados em contas públicas ou em face dos atos de gestão ilegítimos, mas, também, nos casos de não atendimento à diligência determinada ou por sonegação de informação que inviabilize o exercício do controle externo.

As multas de caráter coercitivo, por exercerem uma coação indireta sobre a pessoa dos administradores de recursos públicos, impelindo-os ao cumprimento das obrigações públicas que lhes foram impostas pela lei, admitem o contraditório diferido, ou seja, incidem tão logo esteja consumada a coação.

Ocorre que, conforme se procurou demonstrar, a astreinte possui uma eficácia constritiva maior, em razão de ser aplicada conforme cada caso concreto, observadas as condições econômicas do sujeito passivo, em consonância ainda com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, constituindo importante pilar na defesa do erário.

Diz-se que a cominação de multa periódica coercitiva, encontra-se disciplinada em nosso ordenamento jurídico, especialmente no art. 461, § 4°, do Código de Processo Civil, trazendo em si, imbricado, o exercício do poder geral de cautela, destinado a assegurar o efetivo cumprimento das decisões estatais exaradas.

Alteie-se que o controle externo deve ser exercido de forma tempestiva e com eficácia, primando pela prevenção dos danos aos cofres públicos, visando à obtenção de uma melhor conduta administrativa na condução e uso do erário, cumprindo com seu mister de auxiliar, por via do controle externo, a concretização dos direitos fundamentais.

Tendo em vista que a própria Constituição da República vigente conferiu legitimidade aos Tribunais de Contas para exercerem competência normativa, é legítimo o estabelecimento de multas coercitivas nas leis orgânicas e nos regimentos internos das Cortes de Contas.

20 marinoni, luiz guilherme. Tutela específica: arts. 461, cPc e 84, cdc. 2. ed. rev. são Paulo: revista dos tribunais, 2001. p. 70.

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Com esse repertório de medidas processuais, avança-se muito em direção ao ideal de se conferir uma maior efetividade às diletas e honrosas competências constitucionais reservadas às Cortes de Contas, enquanto órgãos de controle externo, configurando importante passo no cumprimento das decisões dos Tribunais de Contas, como necessário mecanismo de aprimoramento da gestão pública, reparando os prejuízos causados ao erário.

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Irregularidades em edital de licitação:limitação no número de empresas consorciadas e cumulação de exigências para comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes*

Tratam os autos n. 775.461 de licitação referente ao processo licitatório na modalidade Concorrência n. DVLI.1020090012, instaurado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), destinada a selecionar a proposta mais vantajosa para a prestação dos serviços de gerenciamento e fiscalização de obras de implantação e ampliação dos Sistemas de Abastecimento de Água e dos Sistemas de Esgotamento Sanitário no âmbito da Copanor, no valor estimado em R$34.662.655,40 e os autos n. 776.849 de denúncia apresentada por GEA — Projetos Ltda. por supostas irregularidades relativa ao citado procedimento licitatório.

Processo n. 775.461

Cumpre informar que o presente processo decorre da determinação do Exmo. Sr. Conselheiro Relator, a fls. 02-03, no sentido de que a Administração encaminhasse a esta Corte de Contas, no prazo de 48 horas, a documentação correspondente ao procedimento licitatório ora em análise, inclusive a fase interna. Na oportunidade, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator constatou o descumprimento da determinação desta egrégia Corte pela denunciada que, não obstante intimação a fls. 382 dos autos n. 751.396, ignorou o determinado e encaminhou a comunicação de publicação dos editais de licitação fora do prazo estipulado, uma vez que os procedimentos informados foram publicados nos dias 09, 10 e 15 de janeiro e a informação somente foi encaminhada ao Tribunal de Contas em 20 de janeiro. determinou ainda que fosse reiterada a intimação efetuada ao Presidente da Copasa para que continuasse procedendo a comunicação da publicação dos editais devidos no prazo de até 48 horas, sob pena de serem aplicadas as sanções legais cabíveis.

Referida determinação advém da decisão do Exmo. Sr. Conselheiro Relator, conforme despacho a fls. 283 do Processo n. 751.396, no sentido que fosse a Administração intimada, para que comunicasse a esta Corte, quando da publicação de cada um dos cerca de 50 procedimentos licitatórios, que, segundo informado, seriam realizados em substituição ao procedimento anulado naquele processo.

Devidamente intimado, o Presidente da Copasa, em resposta ao ofício n. 2.298/2009 — Secretaria do Pleno, apresentou a documentação que deu origem ao anexo I.

* O entendimento esposado pelo órgão técnico neste relatório foi acolhido pelo Tribunal.

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Da análise dos documentos juntados, constatou este órgão técnico, dentre outras cópias de documentos, as abaixo indicadas:

— Indicação sucinta do objeto e justificativa (fls. 01);

— Resolução CRC n. 123/07, que trata da instauração de processo licitatório para contratação das obras e serviços, materiais, equipamentos e auditoria técnica, para as localidades contempladas na área de atuação da Copasa Serviços de Saneamento Integrado S/A (Copanor), bem como da indenização, aos proprietários, de áreas desapropriadas e aquisição de imóveis, móveis e veículos necessários à infraestrutura operacional da Copanor (fls. 02);

— Cópia das publicações da Ata da Assembléia Geral Extraordinária (fls. 03-05);

— Comunicação interna n. 01/2009 de envio da documentação para instauração do procedimento licitatório (fls. 07);

— Minuta do Instrumento Convocatório e seus Anexos (fls. 09-149);

— Solicitação de publicação do aviso de licitação (fls. 150);

— Publicação do Aviso de Licitação (fls. 151-152);

— Envio de minutas do edital e contrato para aprovação pelo Procurador Jurídico (fls. 153);

— Comunicado da Presidência n. 039/2008 que constitui a comissão de licitação (fls. 154).

Cumpre salientar que, embora o edital em análise decorra de desmembramento do procedimento licitatório anulado que estava sendo analisado à vista das questões denunciadas nos autos n. 751.396, entendeu este órgão técnico que o edital enviado deveria ser analisado na íntegra e não apenas no que concerne aos pontos contidos na Denúncia n. 751.396, tendo em vista que o objeto do presente edital é o gerenciamento e a fiscalização de obras enquanto o edital anulado objetivava contratar a execução de obras.

A análise do edital foi realizada por este órgão técnico a fls. 06-18.

A fls. 20, o Sr. Conselheiro Relator determinou que os autos fossem enviados à CAEP para que esta se manifestasse quanto a razoabilidade dos itens a serem pontuados na proposta técnica e sobre os demais itens relacionados à sua área de atuação, o que foi realizado a fls. 21-30.

Consoante as análises proferidas pela CAIC e CAEP, o Sr. Conselheiro Relator levou o citado processo à deliberação da segunda Câmara, no dia 24/03/2009, na qual foi determinada a suspensão do certame e a intimação por e-mail, fac-símile e ar do representante legal da copasa e do Presidente da Comissão de Licitação para que suspendessem o certame na fase em que se encontrava, encaminhando, no prazo de cinco dias, cópia da publicação da referida suspensão, bem como, para que apresentassem as alegações que entendessem pertinentes, no prazo de 10 dias.

A fls. 48-49 o Diretor Presidente da Copasa/MG se manifestou comprovando a suspensão do certame no dia 28/03/2009 e apresentou a defesa a fls. 100-132 que em síntese contém as mesmas alegações da defesa juntada a fls. 62-99 pelo Presidente da Comissão Permanente de Licitação.

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após o breve relato, passa-se à análise das defesas, à vista das irregularidades apontadas por esta coordenadoria, no relatório técnico a fls. 06-18.

1 Limitação do número de empresas consorciadas (item 8.1.1)

Verificou-se que o item 8.1.1 do instrumento convocatório possibilita a participação de consórcios no certame, formados cada um por, no máximo, três empresas.

conforme demonstrado em 1a análise, embora a admissão de consórcio em licitação seja uma discricionariedade do administrador, não cabe a este impor condições não previstas legalmente (art. 33 da Lei n. 8.666/93), como limitar o número de integrantes.

O Presidente da Copasa e o Presidente da Comissão de Licitação se manifestaram no sentido de que, muito embora a lei de licitações não autorize expressamente que a Administração limite o número de consorciados, ela expressamente autoriza a Administração a proibir a participação de consórcio em licitações. Assim, alegam que neste caso se aplicaria o brocardo jurídico de quem pode o mais pode o menos, tendo em vista que proibir a participação de consórcio em licitações é ato mais gravoso à pretensão de potenciais interessados de se associarem a terceiros para disputar o certame do que permitir tal associação, mas com limitação do número máximo de associados por consórcio.

Alegam que a finalidade da norma que permite à Administração admitir consórcios em licitações públicas é viabilizar a ampliação da competitividade nas licitações que tenham objetos de grande vulto e/ou complexos, sem que tal ampliação possa, de outro lado, importar em risco desmesurado para a Administração quanto à idoneidade dos licitantes, cabendo à Administração a discricionariedade administrativa para valer-se deste instrumento. É indubitável que caberia a ela utilizá-lo na medida e extensão necessárias à satisfação daquela finalidade.

Por fim, asseveram que, sob uma perspectiva de análise pragmática do caso, nenhuma empresa se insurgiu, seja administrativamente, seja em juízo, ou perante esta corte de contas, contra limitação do número de consorciados estipulado no edital. Não havendo, portanto, fundamento para se afirmar que esta limitação teria trazido prejuízo a potenciais licitantes e/ou à Administração no caso concreto, razão pela qual não se poderá pretender invalidar o procedimento por força desta questão.

Todavia, este órgão técnico não compartilha do entendimento manifestado pelos defendentes tendo em vista que, de acordo com o princípio da legalidade, à Administração só é permitido fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se prevista em lei.

Conforme demonstrado em primeira análise, a possibilidade de a Administração limitar o número de empresas a integrarem consórcios não está prevista em lei e sim apenas a faculdade de a Administração, por critérios de conveniência e oportunidade, visando a uma maior competição no certame, admitir que empresas em consórcio participem de uma licitação.

Assim, a própria decisão da Administração em admitir a participação de consórcios no certame busca uma maior competitividade na licitação, razão pela qual não há que se falar na possibilidade de limitar o número de empresas a integrarem o consórcio.

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Ademais, este entendimento, conforme demonstrado em primeira análise está em consonância com a jurisprudência dominante do TCU (Processo n. Acórdão 2036/2008 — Plenário; Processo n. 011.456/2008-0. Acórdão n. 1.240/2008 — Plenário; Processo n. 006.482/2003-0. Acórdão n. 1.917/2003 — Plenário; Acórdão 1470/2008 — Plenário).

Ressalte-se que a ausência de questionamento, seja por via administrativa, seja pela via judicial não representa por si só ausência de prejuízo aos interessados em participar do certame ou mesmo à própria administração.

Assim, conclui este órgão técnico como irregular o item 8.1.1 do instrumento convocatório que possibilita a participação de consórcios no certame, mas limita a sua composição a um número máximo de três empresas.

2 Da garantia para licitar (item 1.4) em cumulatividade com a exigência de patrimônio líquido ou capital social mínimo (item 2.2) e com índices para verificação da situação financeira da empresa (item 2.3)

Entendeu este órgão técnico em primeira análise que, conforme a condição expressa no § 2° do art. 31 da Lei n. 8.666/93, a Administração deverá optar por uma das espécies enumeradas no dispositivo legal (exigência de capital social ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1° do art. 56 desta lei), como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado, e que ante o estabelecimento da condição alternativa, exclui-se a hipótese de cumulatividade, sendo, portanto, irregular o item 2.2 do Anexo I — Documentos para habilitação (fls. 38 dos autos em anexo) — que exige cumulativamente a garantia da proposta prevista no item 1.4 do edital (fls. 08 dos autos em anexo) a comprovação do patrimônio líquido ou capital social mínimo de cada licitante no valor de 10% do orçamento estimativo da contratação.

Os defendentes em suas alegações tecem comentários no sentido de que este não pode ser o critério decisivo de interpretação, seja porque, admite-se, em língua portuguesa, o uso de conjunções alternativas com função de conjunção aditiva, seja porque, não raro os textos legislativos contêm falhas redacionais que o intérprete deve superar para emprestar a eles o sentido mais compatível com o sistema normativo e com a finalidade de suas disposições.

Afirmam que a interpretação gramatical do dispositivo deve ceder passo, portanto, à interpretação finalística, e que a garantia da proposta espelha um aspecto específico da qualificação econômico-financeira não abarcada pelas exigências de capital social mínimo e patrimônio líquido mínimo, eis que demonstra o crédito da empresa na praça e/ou sua disponibilidade de liquidez em valor certo, que as outras exigências não denotam com a mesma clareza, razão pela qual pode ser imprescindível para que a Administração contrate empresas idôneas, principalmente quando se tratar de obra de grande vulto, resguardando a Administração do risco de ter a execução da obra paralisada em função da falta de recursos pela empresa contratada.

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Para comprovar seu entendimento juntou a decisão do TJMG — 1.0189.01.004640-7/001(1) (Relatora: Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Data do Julgamento: 22/03/2007; Data da Publicação: 01/06/2007).

Este órgão técnico reconhece a existência dos dois posicionamentos sobre o tema. Entretanto, observa que adota o entendimento exteriorizado na 1a análise que, aliás, tem sido o entendimento adotado pelo TCU, conforme já demonstrado, e que parece ser o que mais coaduna com o previsto no art. 37, xxI, da CR/88 que prevê que no edital somente se permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia da proposta.

Assim, conclui este órgão técnico como irregular a cumulação das exigências previstas nos itens 2.2 e 1.4 do edital.

considerou-se também, em 1a análise, que o item 2.3 do Anexo I (fls. 38 dos autos em anexo) que prevê cumulativamente aos itens 1.4 do edital (fls. 08 dos autos em anexo) e 2.2 do Anexo I (fls.38 dos autos em anexo) o preenchimento de planilha de cálculo da situação financeira da empresa, com relação aos Índices de Estrutura de Capital, Liquidez Corrente (ILC) e Liquidez Geral (ILG), restritivo à participação no certame.

Quanto a este ponto, os defendentes alegam que, da forma como redigida, a lei deixa evidente já no caput do art. 31 a possibilidade de cumulação da exigência de índices (a serem extraídos do balanço e das demonstrações contábeis previstos nos incisos I, conforme esclarecidos pelo § 1° e § 5°) e de garantia (prevista no inciso III). Afirmam que não há qualquer sugestão de que as exigências previstas nos distintos parágrafos sejam alternativas ou reciprocamente excludentes.

Asseveram também que a licitação em apreço está praticamente concluída e sua invalidação não pode calcar-se na mera existência de supostos vícios examinados in abstracto, sendo necessário verificar se estes supostos vícios interferiram no resultado do certame.

Sustentam que nem mesmo a jurisprudência do TCU adota tal entendimento. Dizem que o que o TCU não tem admitido é a cumulação das três hipóteses de exigências previstas no § 2° do art. 30, especificamente. Não existindo, contudo, julgado da Corte Federal de Contas afirmando inviável cumulação de uma das três exigências previstas no § 2° com as exigências de índices e de relação de compromissos dos licitantes.

Este órgão técnico não coaduna com o entendimento dos defendentes, tendo em vista que o fato de a lei não proibir a cumulação da exigência dos índices com a exigência de garantia não significa que a forma como cumuladas as exigências está em conformidade com a lei. Repita-se que só é lícito exigir-se do licitante as qualificações indispensáveis para assegurar o cumprimento de suas obrigações. Assim, a exigência de todos esses índices, especialmente cumulados com as demais exigências para qualificação econômico-financeira do licitante limitam indevidamente a competitividade, sendo, portanto, irregular e restritivo o item.

Destarte é este o entendimento do TCU expresso no Acórdão n. 247/2003, Plenário, Relator Ministro Marcos Vilaça:

São a Liquidez Geral (LG) e a Liquidez Corrente (LC) os índices utilizados pelo subitem 6.3 do edital (fls. 22) para a comprovação da boa situação financeira

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da proponente. Quanto maiores esses índices, melhor. Um índice de LG menor do que 1 demonstra que a empresa não tem recursos suficientes para pagar suas dívidas, devendo gerá-los. Já um índice de LC menor do que 1 demonstra que a empresa de pequeno ou grande porte poderia participar da concorrência, independentemente de capital ou de patrimônio líquido mínimo, desde que tivesse seus índices contábeis nos valores normalmente adotados para compro-var uma boa situação financeira.

Da análise dos índices exigidos, verifica-se a exigência de se obter uma pontuação mínima de quatro pontos para fins de habilitação no certame. Entende-se, s.m.j, que empresas que apresentem estrutura de capital, índice de liquidez corrente e índice de liquidez geral maiores ou iguais a 1 comprovam boa situação financeira. Nestes termos, verifica-se que se uma licitante apresentar índice de estrutura de capital entre 98,60 e 100,99, ILC entre 1,01 e 1,06 e ILG entre 1,01 e 1,06 conseguiria a pontuação de 4,14, nos termos do Anexo III — Planilha de Cálculo da situação financeira de empresas — consultoria. Depreende-se, assim, que já está sendo exigida boa situação financeira das empresas através dos índices, o que torna desnecessário e restritivo sua exigência com os demais requisitos para se aferir a qualificação econômico-financeira.

3 Sobre a visita técnica

Entendeu este órgão técnico como restritivo o item 1.1 do Anexo I do instrumento convocatório (fls. 37) que estabelece que a visita técnica deverá ser efetuada pelo responsável técnico da empresa, colacionando jurisprudência do TCU para corroborar seu entendimento:

Ainda que a obra tenha um grau de complexidade suficiente para justificar a exigência de uma visita técnica, não pode a Administração Pública determinar quem estaria capacitado a realizar tal visita. Essa competência de escolha de quem realizaria a visita técnica cabe unicamente à empresa licitante (Acórdão n. 800/2008 TCU — Plenário).

Os defendentes alegam que, independente de qualquer outra consideração, parece evidente que a exigência em tela não poderia ser considerada como fonte de restrição para a participação de empresas. Afirmam ser irrazoável imaginar que uma empresa ou um conjunto de empresas deixaria de disputar uma licitação orçada em quase 35 milhões de reais pela mera falta de disposição de seu(s) responsável(is) técnico(s) para comparecer(em) à sede da Copanor em uma sessão de visita técnica para conhecimento presencial dos projetos das obras a serem gerenciadas e fiscalizadas, ou por falta de disponibilidade de agenda destes profissionais.

Sustentam que se a finalidade da visita técnica é assegurar que a empresa licitante tome conhecimento direto de todas as condições e informações locais relevantes à prestação dos serviços, trata-se de atividade técnico-profissional que, para ser validamente realizada de forma vinculante para a empresa, deverá ser realizada por profissional que seja seu responsável técnico.

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Asseveram que o item do edital relativo à necessidade de pelo menos um dos atestados apresentados para a comprovação de capacidade técnico-profissional ser do responsável técnico que efetuou a visita prevista no item 1.1 do anexo em referência não está previsto em lei (art.30, III, da Lei n. 8.666/93), mas também e sobretudo não é ilegal, pois a referida exigência fundamenta-se na melhor eficiência na execução da obra e dos serviços buscando-se evitar o desperdício de tempo e dinheiro público.

Apesar do esforço dos defendentes em tentar justificar suas exigências para fins de habilitação técnica, este órgão técnico não pode deixar de cumprir a lei. O procedimento licitatório apresenta suas regras previstas na Lei n. 8.666/93 e de acordo com o princípio da legalidade só é permitido à Administração fazer ou deixar de fazer alguma coisa se prevista em lei.

Destarte, a Lei n. 8.666/93 em nenhum momento exige que a visita técnica seja feita por responsável técnico e muito menos que um dos atestados para fins de comprovação da capacidade técnico-profissional deverá ser do responsável técnico que efetuou a visita, assim se verificam ilegais e restritivas tais exigências, eis que totalmente desnecessárias para assegurar um efetivo cumprimento do contrato a ser celebrado, prejudicando assim a ampla participação no certame.

Quanto à razoabilidade de cada um dos itens contidos na “Experiência e qualificação da empresa” e “Equipe técnica” a CAEP se manifestou, razão pela qual entende este órgão técnico que ela deve analisar a defesa.

Processo n. 776.849

Tratam os autos de denúncia formulada a esta Corte por GEA — Projetos Ltda, à vista do edital de licitação na modalidade Concorrência Pública n. DVLI.1020090012, instaurado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais — Copasa, destinada a selecionar a proposta mais vantajosa para a prestação dos serviços de gerenciamento e fiscalização de obras de implantação e ampliação dos sistemas de abastecimento de água e dos sistemas de esgotamento sanitário no âmbito da copanor, no valor estimado em r$34.662.655,40.

O Exmo. Sr. Conselheiro Presidente, conforme despacho a fls. 154, determinou a autuação dos referidos documentos como denúncia e a distribuição nos termos regimentais.

Foi procedida a distribuição dos autos ao Exmo. Sr. Conselheiro Eduardo Carone Costa a fls. 155.

A fls. 156, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou o envio dos autos a esta Coordenadoria e em seguida à CAEP/DAE para manifestação com a máxima urgência.

Ressalta-se que a análise foi feita em conjunto pelas duas Coordenadorias, a fls. 157-167, devido à urgência.

A fls. 170-176, a Empresa GEA Projetos Ltda., denunciante, manifestou seu interesse em desistir da denúncia apresentada.

A fls. 178-179, o Conselheiro Relator se manifestou no sentido de que o Tribunal de Contas não fica jungido à vontade do particular que dá ciência ao órgão de controle externo

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acerca de possíveis irregularidades praticadas pelos órgãos e entidades administrativas. Frisou, ainda, que o exercício das atribuições constitucionais e legais conferidas às Cortes de Contas lhes outorga o poder de dar continuidade, de ofício, ao exame dos atos e procedimentos que envolvam questões afetas à fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial.

Ademais, ponderou que o dispositivo regimental que disciplina a matéria, a saber, art. 305, parágrafo único, da Resolução 12/2008, preceitua que admitida a denúncia, esta somente poderá ser arquivada depois de efetuadas as diligências pertinentes e mediante decisão fundamentada do relator que deverá submetê-la ao respectivo colegiado mediante inclusão em pauta, indeferindo assim o pedido do denunciante.

A fls. 178-179, o Conselheiro Relator ao indeferir o pedido de desistência feito pela denunciada determinou que fosse concedido ao denunciado, com fulcro no art. 307 do RITCEMG, o prazo de 15 dias para se manifestar, caso queira, acerca dos apontamentos a fls. 157-167.

Devidamente citado, o Diretor-Presidente da Copasa se manifestou a fls. 185-197.

Isto posto, passa este órgão técnico à análise da defesa apresentada.

1 Sobre a alteração do edital

Em primeira análise, verificou este órgão técnico que consta dos autos a fls. 15-16 documento intitulado pela Administração como “Esclarecimento ao Edital DVLI.1020090012” no qual a comissão de licitação elucida os critérios para comprovação da experiência profissional da equipe técnica e para pontuação dos mesmos.

No caso em tela, entendeu este órgão técnico que o dito esclarecimento trata na verdade de alteração do edital, tendo em vista que trouxe novas exigências:

— Alteração no critério de avaliação da qualificação dos profissionais: desconsiderou a previsão editalícia de possibilidade da comprovação da experiência mediante apresentação da Carteira de Trabalho, e estabeleceu que a declaração da empresa seria apenas um documento complementar quando o atestado emitido pelo CREA não contiver o nome do técnico;

— No caso de insuficiência do atestado emitido pelo CREA, a entidade licitante ainda exigiu:

a) Necessidade de comprovação de que o profissional era responsável técnico da empresa executora, durante o desenvolvimento do serviço;

b) Necessidade de comprovação de que o profissional compunha o quadro permanente da empresa executora, na ocasião do serviço.

Destacou-se que os esclarecimentos feitos pela Copasa alteraram diretamente o disposto no edital, em especial a forma de julgamento das propostas, portanto era indispensável sua publicação da mesma forma em que se deu a publicação original, não só em jornal de grande circulação, mas também no Diário Oficial do Estado, nos termos do art. 21 da Lei n. 8.666/93.

O defendente se manifestou a fls. 157-164 no sentido de que:

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não houve efetiva alteração nos critérios de comprovação, mas sim esclarecimen-tos acerca de uma redação inicial que realmente dava margem a dúvidas, já que o item 8.1.4 fazia referência a atestado, declaração do contratante ou CTPS ao passo que o Anexo B, conquanto fazendo remissão ao item 8.1.4, só prevê expres-samente atestado ou declaração da empresa onde o profissional tenha atuado.

sustenta que:

a rigor seria evidente que a só apresentação de CTPS jamais seria suficiente para comprovação da experiência mesmo nos termos cogitados apenas pelo item 8.1.4 já que muito dificilmente os registros efetuados na CTPS permi-tiram constatar de forma inequívoca, que o profissional teria executado as atividades especificamente exigidas no item 8.1.4.

Assim sendo, a redação originária do edital já permitiria concluir desde logo que, na hipótese de o profissional não apresentar atestado registrado em seu nome no CREA para comprovação de sua experiência, seria necessário cruzar os dados do atestado em nome da empresa, da declaração da empresa de sua CTPS para comprovar que o profissional teria efetivamente trabalhado na empresa no período mencionado no atestado.

Entende o defendente que, conquanto não houvesse menção expressa neste sentido no edital, a referência a CTPS não importaria em exclusão de outras formas de pertinência do profissional ao quadro permanente da empresa, como na hipótese de ser ele sócio da empresa ou administrador estatutário.

Afirma que de toda forma, tenha ou não havido alteração ou mero esclarecimento, a questão que se põe aqui é a da suposta necessidade de republicação do edital, o que, nos termos do art.21, § 4°, da Lei n. 8.666/93, somente se dá quando a alteração afetar a formulação das propostas, expressão que não pode ser tomada literalmente. entende que no presente caso nenhuma das hipóteses abrangidas pelo art.21, § 4°, se fez presente para tornar obrigatória a republicação do edital com reabertura de prazo, pois não se poderia afirmar que uma empresa teria condições de disputar o certame e ter sua proposta técnica classificada com base na redação originária do edital e teria perdido esta condição a partir dos esclarecimentos.

sustenta que assim restaria apenas a hipótese de as empresas interessadas, que já estavam organizando os documentos para montagem das propostas, não terem tido tempo hábil para buscar documentos novos que até então não imaginavam necessários para comprovar a experiência dos profissionais, o que no entanto, não considera razoável, pois os licitantes tiveram o prazo de um mês para complementar esses documentos.

Equivoca-se, entretanto o defendente em seus esclarecimentos, pois o art. 21, § 4°, dispõe que:

1 <www.zenite.com.br>. Perguntas e respostas — republicação de edital.

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§ 4° Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, ex-ceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.

Conforme entendimento exposto na Zênite:1

Então, nos termos da lei, se pretender a Administração, após a divulgação do instrumento convocatório e em momento anterior ao recebimento dos enve-lopes, alterar algum ponto desse, deverá divulgar a alteração efetuada pelos mesmos meios através dos quais ocorreu a do texto original.

Ainda, se a modificação introduzida afetar a documentação a ser apresentada ou a formulação das propostas, impor-se-á a reabertura do prazo inicialmente concedido.

A preocupação do legislador, ao exigir a divulgação da alteração pelos mesmos meios através dos quais se deu a do texto original, é a de respeitar os direi-tos dos licitantes, evitando-se, com isso, que esses venham a ser prejudicados, visto que, em razão de desconhecer o teor da alteração, apresentariam, com toda certeza, documentos e propostas considerando apenas o texto original, o que resultaria em inabilitação. Ainda, privilegia-se a competitividade, dando-se oportunidade aos demais interessados.

Assim, em atenção ao princípio da publicidade e procurando evitar que fatos como o acima mencionado ocorram, é que se determinou a divulgação da altera-ção pelos mesmos meios através dos quais se deu a do texto original, isto é, da mesma maneira pela qual ocorreu a publicidade inicial da licitação.

Nota-se, portanto, que qualquer alteração no edital exige sua publicação pelos mesmos meios de sua publicação originária. E, se a modificação introduzida afetar a documentação a ser apresentada ou a formulação das propostas, impor-se-á a reabertura do prazo inicialmente concedido.

Assim, mantém este órgão técnico o entendimento exposto em primeira análise tendo em vista que, conforme exposto pelo próprio defendente restaria apenas a hipótese de as empresas interessadas, que já estavam organizando os documentos para montagem das propostas, não terem tido tempo hábil para buscar documentos novos que até então não imaginavam necessários para comprovar a experiências dos profissionais, tais como cópia do livro de registro da folha de empregados, ou certidão do CREA a fls. 191, confessando assim, que de fato houve alteração na documentação necessária para habilitação e para apresentação das propostas.

2 Quanto à ilegalidade dos itens incluídos no esclarecimento

Verificou este órgão técnico que a entidade licitante ao responder os questionamentos a fls. 15-16 trouxe novas exigências para a comprovação da qualificação da equipe técnica da empresa interessada, que não encontram respaldo legal, conforme exposto anteriormente.

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Entendeu este órgão técnico que a exigência de que os membros da equipe técnica comprovem a condição de responsável técnico da empresa, é restritiva.

Ocorre que uma empresa em geral já tem seu corpo de responsáveis técnicos definido, sendo que os demais profissionais não precisam necessariamente figurar como responsável técnico da empresa.

Nota-se que a Copasa exige os atestados para os seguintes profissionais: coordenador geral, engenheiro de planejamento, engenheiro coordenador de fiscalização de obras, engenheiro projetista, engenheiro fiscal de obras, engenheiro inspetor de qualidade, engenheiro de medições.

Exigir-se esta condição (de responsável técnico da empresa) de todos os profissionais mencionados limita o certame a pouquíssimas empresas (ou consórcio de empresas).

Embora seja razoável que a Copasa possibilite a apresentação de declaração da empresa executora na falta de um atestado do CREA com os dados necessários, ao exigir que os profissionais demonstrem que compunham o quadro permanente da empresa executora na ocasião do serviço, a entidade licitante restringe a competitividade, já que determina que essa comprovação deve ser feita mediante apresentação da carteira de trabalho (se empregado), do contrato social (se sócio) ou da ata da eleição de diretoria (se diretor de sociedade anônima).

Não obstante a doutrina ter entendido por muito tempo que o quadro permanente é o conjunto de pessoas com vínculos trabalhistas ou societários, sem natureza eventual e precária, este entendimento vem sendo mudado.

Vários fatores influenciaram a doutrina moderna a modificar seu entendimento a respeito dos profissionais que se integram no quadro permanente, dentre eles, a crescente evolução e diversidade das relações de trabalho e prestação de serviços.

A falta de vínculo empregatício com a empresa licitante, seja pelo exercício autônomo da profissão, seja por serviço de natureza eventual ou precária, ou seja, por serviço terceirizado, não descaracteriza a qualificação do sujeito que só não comporá o quadro permanente da empresa quando não estiver disponível para prestar seus serviços de modo permanente.

Assim defende Marçal Justen Filho:

A autonomia no exercício da profissão descaracteriza o vínculo empregatício, mas não afasta a qualificação do sujeito como integrante do quadro permanen-te. O sujeito não compõe o quadro permanente quando não estiver disponível para prestar seus serviços de modo permanente, durante a execução do objeto licitado (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2004, p. 327.).

Dessa forma, entendeu-se restritiva a mencionada exigência, vez que inviabiliza a utilização dos atestados dos profissionais autônomos que mantinham contrato duradouro de prestação de serviços.

O defendente em seus esclarecimentos (fls. 185-197) refuta serem os critérios explicitados nos esclarecimentos restritivos à competitividade do certame. Afirmam que, em momento

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algum, exigiu-se que os profissionais indicados para composição da equipe técnica já tivessem sido contratados pelas licitantes. Sustenta que o que se exigiu foi que se comprovasse, nos casos em que tais profissionais não constassem dos atestados referentes aos serviços com base nos quais pretendessem comprovar sua experiência, que eles pertenciam aos quadros permanentes das empresas mencionadas nos respectivos atestados.

Afirma que a avaliação das propostas técnicas dos licitantes envolveria a avaliação da experiência dos membros das equipes técnicas de cada participante e que a rigor, nos termos do art. 30 da Lei 8.666/93, a Copasa somente deveria aceitar, como documento comprobatório da experiência profissional dos membros das equipes dos licitantes, os atestados de responsabilidade técnica nos quais constassem os nomes dos referidos profissionais.

No entanto, assevera que a Copasa decidiu flexibilizar tal exigência prestigiando o princípio da verdade material, na medida em que consignou no edital a possibilidade de os profissionais comprovarem sua experiência por atestados nos quais não constassem seus nomes como responsáveis técnicos, desde que esses profissionais comprovassem que pertenciam ao quadro de pessoal da empresa executora.

Entende este órgão técnico como improcedentes os apontamentos trazidos pelo Diretor-Presidente da copasa. Primeiramente porque não prospera a sua alegação de que em momento algum exigiu que os profissionais indicados para composição da equipe técnica já tivessem sido contratados pelas licitantes, eis que conforme já exposto anteriormente, nos esclarecimentos ao edital a fls. 15, a Copasa exige que, para pontuação de cada técnico bastará apresentar atestado, do contratante final para a empresa executora, cujo registro no CREA discrimine o nome do profissional indicado. Caso não estivesse discriminado o nome, exigiu que a empresa comprovasse que o técnico exerceu a função requerida por este edital, durante a execução do serviço, apresentando também: comprovação de que o profissional era responsável técnico da empresa executora, durante o desenvolvimento do serviço e demonstração de que o profissional compunha o quadro permanente da empresa executora, na ocasião do serviço, mediante, se empregado pela CLT, cópia da página com registro da relação de trabalho da Carteira de Trabalho e Previdência Social e da ficha de registro de empregado, se sócio e/ou diretor de sociedade empresária, cópia do contrato social e, se diretor de sociedade anônima, cópia da ata de eleição da diretoria.

Ou seja, ao exigir que os técnicos compusessem o quadro permanente da empresa, exigiu documentos que comprovassem que os técnicos fossem contratados da empresa, o que contraria a Lei n. 8.666/93, especificamente o art.46, § 2°, I, que dispõe:

I — Serão abertos envelopes contendo as propostas técnicas exclusivamente dos licitantes previamente qualificados e feita então a avaliação e classificação da propostas de acordo com os critérios pertinentes e adequados ao objeto lici-tado, definidos com clareza e objetividade no instrumento convocatório e que consideram a capacitação e a experiência do proponente, a qualidade técnica da proposta, compreendendo metodologia, organização, tecnologias e recursos materiais a serem utilizados nos trabalhos, e a qualificação das equipes téc-nicas a serem mobilizadas para a sua execução; (...) (grifo nosso).

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Ademais, não prospera o argumento do defendente de que ao facultar apresentação dos documentos indicados no esclarecimento (fls. 15-16) apenas flexibilizou a exigência prevista no edital, eis que exigiu a comprovação de que o profissional fosse responsável técnico da empresa executora e demonstração de que compunha o seu quadro permanente, o que de fato restringe o universo de empresas habilitadas a participarem do certame.

Cumpre ressaltar que, de acordo com o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, o edital é lei entre as partes não podendo ser exigido nada além ou aquém do previsto em seu corpo, razão pela qual as exigências referidas, conforme exposto reiteradamente, além de parecerem restritivas, são ilegais já que não compõe o edital não lhe sendo sequer assegurado a publicidade necessária.

Entretanto, como a matéria objeto de análise é de natureza técnica, entende este órgão técnico que a caeP pode se manifestar.

Conclusão: por todo o exposto, entende este órgão técnico que o edital da Concorrência Pública n. DVLI.1020090012 apresentou as seguintes irregularidades:

1 — Limitação do número de empresas consorciadas;

2 — Cumulatividade da garantia para licitar (item 1.4), com a exigência de patrimônio líquido ou capital social mínimo (item 2.2 do Anexo I) e com índices para verificação da situação financeira da empresa (item 2.3 do Anexo I), em afronta ao art. 31, § 2°, da Lei n. 8.666/93;

3 — Exigência de visita técnica pelo responsável técnico.

Entende ainda este órgão técnico que os autos de n. 775.461 podem ser remetidos à CAEP/dae para manifestação sobre a defesa apresentada pelo diretor-Presidente da copasa sobre a razoabilidade dos itens a serem pontuados na proposta técnica e sobre os demais itens relacionados à sua área de atuação.

Quanto aos autos de n. 776.849, entende este órgão técnico como procedente a denúncia, tendo em vista que o edital de licitação na modalidade Concorrência Pública n. DVLI.1020090012 foi alterado sem a devida publicação e reabertura do prazo, em afronta ao art. 21 da Lei n. 8.666/93, sendo incluídas novas exigências, quais sejam, exigência de que o profissional da equipe técnica comprove que era o responsável técnico da empresa durante o desenvolvimento do serviço ou que compunha o quadro permanente da empresa (como sócio, diretor ou empregado), condições que, s.m.j, restringem a participação no certame.

Entende também que, em razão da especificidade da matéria a CAEP, poderia se manifestar acerca da defesa apresentada, especialmente quanto à ilegalidade dos itens incluídos no esclarecimento.

À superior consideração.CAIC/DAC, em 30/06/2009.

Luanna de Freitas Queiroz JardimTécnica do Tribunal de Contas

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