Érico veríssimo e os fundamentos da história gaúcha · história do brasil em “as aventuras...
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Érico Veríssimo e os fundamentos da história gaúcha
Míriam Augusto Membro do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da UFJF.
Formada em Filosofia pela UFJF. Bacharel em Direito pelo Instituto Vianna Junior – Juiz de Fora.
“Em geral quando termino um livro encontro-me numa confusão de sentimentos, um misto de alegria,
alívio e vaga tristeza. Relendo a obra
mais tarde, quase sempre penso ‘Não era bem isto o que queria dizer’.”
(Érico Veríssimo, O escritor diante do espelho).
1.Introdução
O objetivo precípuo deste trabalho é analisar uma das obras de maior peso em
toda a nossa literatura. Ao tempo que traça a saga da formação do povo rio-grandense,
desde suas origens remotas, no século XVIII, até o ano de 1946 vem trazer a baila a
influência desse povo em relação aos fundamentos da política brasileira, especialmente
aos assuntos relacionados à ditadura, a privatização do poder entre as clãs.
Assim, através da trilogia “O tempo e o Vento” se verificará as raízes e
influências sócio-políticas do povo gaúcho perante à história do patrimonialismo.
2. Precedentes históricos do autor
Erico Lopes Verissimo nasceu em Cruz Alta (RS) no dia 17 de dezembro de
1905, filho de Sebastião Veríssimo da Fonseca e Abegahy Lopes Veríssimo.
Em 1909, com menos de 4 anos, vítima de meningite, agravada por uma
broncopneumonia, quase vem a falecer. Salvou-se graças à interferência do Dr. Olinto
de Oliveira, renomado pediatra, que veio de Porto Alegre especialmente para cuidar de
seu problema.
Inicia seus estudos em 1912, freqüentando, simultaneamente, o Colégio
Elementar Venâncio Aires, daquela cidade, e a Aula Mista Particular, da professora
Margarida Pardelhas. Nas horas vagas vai o cinema Biógrafo Ideal ou vê passar o tempo
na Farmácia Brasileira, de seu pai.
Aos 13 anos, lê autores nacionais — Coelho Neto, Aluísio Azevedo, Joaquim
Manoel de Macedo, Afrânio Peixoto e Afonso Arinos. Com tempo livre, tendo em vista
o recesso escolar devido à gripe espanhola, dedica-se, também, aos autores estrangeiros,
lendo Walter Scott, Tolstoi, Eça de Queirós, Émile Zola e Dostoievski.
Em 1920, vai estudar, em regime de internato, no Colégio Cruzeiro do Sul, de
orientação protestante, localizado no bairro de Teresópolis, em Porto Alegre. Tem bom
desempenho nas aulas de literatura, inglês, francês e no estudo da Bíblia.
Seus pais separam-se em dezembro de 1922. Vão — sua mãe, o irmão e a filha
adotiva do casal, Maria, morar na casa da avó materna. Para ajudar no orçamento
doméstico, torna-se balconista no armazém do tio Americano Lopes. Os tempos difíceis
não o separam dos livros: lê Euclides da Cunha, faz traduções de trechos de escritores
ingleses e franceses e começa a escrever, escondido, seus primeiros textos. Vai trabalhar
no Banco Nacional do Comércio.
Continua devorando livros. Em 1923. Lê Monteiro Lobato, Oswald e Mário de
Andrade. Incentivado pelo tio materno João Raymundo, dedica-se à leitura das obras de
Stuart Mill, Nietzsche, Omar Khayyam, Ibsen, Verhaeren e Rabindranath Tagore.
No ano seguinte, a família da mãe muda-se para Porto Alegre, a fim de que seu
irmão, Ênio, faça o ginásio no Colégio Cruzeiro do Sul. Infelizmente a mudança não dá
certo. O autor, que havia conseguido um lugar na matriz do Banco do Comércio, tem
problemas de saúde e perde o emprego. Após tratar-se, emprega-se numa seguradora,
mas, por problemas de relacionamento com seus superiores, passa por maus momentos.
Morando num pequeno quarto de uma casa de cômodos e diante de tantos insucessos, a
família resolve voltar a Cruz Alta.
Érico volta a trabalhar no Banco do Comércio, como chefe da Carteira de
Descontos, em 1925. Toma gosto pela música lírica, que passa a ouvir na casa de seus
tios Catarino e Maria Augusta. Seus primos, Adriana e Rafael, filhos do casal, seriam os
primeiros a ler seus escritos.
Logo percebe que a vida de bancário não o satisfaz. Mesmo sem muita certeza de
sucesso, aceita a proposta de Lotário Muller, amigo de seu pai, de tornar-se sócio da
Pharmacia Central, naquela cidade, em 1926.
Em 1927, além dos afazeres de dono de botica, dá aulas particulares de
literatura e inglês. Lê Oscar Wilde e Bernard Shaw. Começa a sedimentar seus
conhecimentos da literatura mundial lendo, também, Anatole France, Katherine
Mansfield, Margareth Kennedy, Francis James, Norman Douglas e muitos outros mais.
Começa a namorar sua vizinha, Mafalda Halfen Volpe, de 15 anos.
O mensário “Cruz Alta em Revista” publica, em 1929, “Chico: um conto de
Natal” que, por insistência do jornalista Prado Júnior, Erico havia consentido. O colega
de boticário e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da “Revista do Globo”, em
Porto Alegre, os contos “Ladrão de gado” e “A tragédia dum homem gordo”, onde,
aprovadas, foram publicadas.
Érico remete a De Souza Júnior, diretor do suplemento literário “Correio do
Povo”, o conto “A lâmpada mágica”. Esse, segundo testemunhas, o publica sem ler, o
que dá ao autor notoriedade no meio literário local.
Com a falência da farmácia, em 1930, o autor muda-se para Porto Alegre
disposto a viver de seus escritos. Passa a conviver com escritores já renomados, como
Mario Quintana, Augusto Meyer, Guilhermino César e outros. No final do ano é
contratado para ocupar o cargo de secretário de redação da “Revista do Globo”, cargo
que ocupa no início do ano seguinte.
Em 1931 casa-se, em Cruz Alta, com Mafalda Halfen Volpe. Lança sua
primeira tradução, “O sineiro”, de Edgar Wallace, pela Seção Editora da Livraria do
Globo. No mesmo ano traduz desse escritor “O círculo vermelho” e “A porta das sete
chaves”. Colabora na página dominical dos jornais “Diário de Notícias” e “Correio do
Povo”.
Em 1932, é promovido a Diretor da “Revista do Globo”, ocasião em que é
convidado por Henrique Bertaso, gerente do departamento editorial da “Livraria do
Globo”, a atuar naquela seção, indicando livros para tradução e publicação. Sua obra de
estréia, “Fantoches”, uma coletânea de histórias em sua maior parte na forma de peças
de teatro. Foram vendidos 400 exemplares dos 1.500 publicados. A sobra, um incêndio
queimou.
Traduz, em 1933, “Contraponto”, de Aldous Huxley, que só seria editado em
1935. Seu primeiro romance, “Clarissa”, é lançado com tiragem de 7.000 exemplares.
Seu romance “Música ao longe” o faz ser agraciado com o Prêmio Machado de
Assis, da Cia. Editora Nacional, em 1934. No ano seguinte, nasce sua filha Clarissa.
Outro romance, “Caminhos cruzados”, recebe o Prêmio Fundação Graça Aranha. O
autor admite a associação desse romance a “Contraponto”, de Aldo Huxley, o que faz
com que seja mal recebido pela direita e atice a curiosidade e a vigilância do
Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul, que chegou a chamá-lo
a depor, sob a acusação de comunismo. São publicados, ainda nesse ano, “Música ao
longe” e “A vida de Joana d’Arc”. Realiza sua primeira viagem ao Rio de Janeiro (RJ),
onde faz contato com Jorge Amado, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt,
Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego e outros mais. Seu pai falece.
Em 1936, publica seu primeiro livro infantil, “As aventuras do avião vermelho”.
Lança, também, “Um lugar ao sol”. Cria o programa de auditório para crianças, “Clube
dos três porquinhos”, na Rádio Farroupilha, a pedido de Arnaldo Balvé. Dessa idéia
surge a “Coleção Nanquinote”, com os livros “Os três porquinhos pobres”, “Rosa Maria
no castelo encantado” e “Meu ABC”. Lança a revista “A novela”, que oferecia textos
canônicos ao lado de outros, de puro entretenimento. Nasce seu filho Luis Fernando. É
eleito presidente da Associação Rio-Grandense de Imprensa.
O DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, exige que o
autor submeta previamente àquele órgão as histórias apresentadas no programa de rádio
por ele criado, em 1937. Resistindo à censura prévia, encerra o programa. Outra reação
ao nacionalismo ufanista da ditadura Vargas se faz sentir na versão para didática da
história do Brasil em “As aventuras de Tibicuera”.
Um de seus maiores sucessos, “Olhai os lírios do campo”, é lançado em 1938.
Publica, nesse mesmo ano, “O urso com música na barriga”, da “Coleção Nanquinote”.
Erico passa a dedicar a maior parte de seu tempo ao departamento editorial da
Globo, em 1939. Na companhia de seus amigos, Henrique Barroso e Maurício
Rosenblatt, foi responsável pelo sucesso estrondoso de coleções como a “Nobel” e da
“Biblioteca dos Séculos”, nas quais eram encontrados traduções de textos de Virginia
Wolf, Thomas Mann, Balzac e Proust. Mesmo assim, com todo esse trabalho, arranja
tempo para lançar, ainda da série infantil, “A vida do elefante Basílio” e “Outra vez os
três porquinhos”, e o livro de ficção científica “Viagem à aurora do mundo”.
Em 1940, lança “Saga”. Pronuncia conferências em São Paulo (SP). Traduz
“Ratos e homens”, de John Steinbeck; “Adeus Mr. Chips” e “Não estamos sós”, de
James Hilton; “Felicidade” e “O meu primeiro baile”, de Katherine Mansfield. Faz sua
primeira noite de autógrafos na Livraria Saraiva.
Passa três meses nos Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado
americano, em 1941, proferindo conferências. As impressões dessa temporada estão em
seu livro “Gato preto em campo de neve”. Ele e seu irmão Enio são testemunhas de um
suicídio: uma mulher se atira do alto de um edifício quando conversavam na praça da
Alfândega, em Porto Alegre. Esse acontecimento é aproveitado em seu livro “O resto é
silêncio”.
A censura no estado novo continuava atenta. A Globo cria a Editora
Meridiano, uma subsidiária secreta para lançar obras que pudessem desagradar ao
governo. Essa editora publica “As mãos de meu filho”, reunião de contos e outros
textos, em 1942.
No ano seguinte, publica “O resto é silêncio”, livro que merece críticas pesadas
do clero local. Temendo que a ditadura Vargas viesse a causar-lhe danos e á sua família,
aceita o convite para lecionar Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia feito
pelo Departamento de Estado americano. Muda-se para Berkley com toda a família.
O Mills College, de Oakland, Califórnia, onde dava aulas de Literatura e
História do Brasil, confere-lhe o título de doutor Honoris Causa, em 1944. É publicado
o compêndio “Brazilian Literature: An Outline”, baseado em palestras e cursos
ministrados durante sua estada na Califórnia. Esse livro foi publicado no Brasil, em
1955, com o título “Breve história da literatura brasileira”.
Passa o ano de 1945 fazendo conferências em diversos estados americanos.
Retorna ao Brasil.
Em 1946, publica “A volta do gato preto”, sobre sua vida nos Estados Unidos.
Inicia, em 1947, a escrever “O tempo e o vento”. Previsto para ter um só
volume, com aproximadamente 800 páginas, e ser escrito em três anos, acabou
ultrapassando as 2.200 páginas, sob a forma de trilogia, consumindo quinze anos de
trabalho. Traduz “Mas não se mata cavalo”, de Horace McCoy. Faz a primeira
adaptação para o cinema de uma obra de sua autoria: “Mirad los lírios Del campo”,
produção argentina dirigida por Ernesto Arancibia que tinha em seu elenco Mauricio
Jouvet e Jose Olarra.
No ano seguinte, dedica-se a ordenar as anotações que vinha guardando há
tempos e dar forma ao romance “O continente”. Traduz “Maquiavel e a dama”, de
Somerset Maugham.
”O continente”, primeiro volume de “O tempo e o vento”, é finalmente
publicado, em 1949, recebendo muitos elogios da crítica. Recebe o escritor franco-
argelino Albert Camus, autor de “A peste”, em sua passagem por Porto Alegre.
No ano de 1951, é lançado o segundo livro da trilogia “O tempo e o vento”: “O
retrato”. O trabalho não tão bem recebido pela crítica como o primeiro livro.
Assume, em 1953, a convite do governo brasileiro, em Washington, E.U.A., a
direção do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, na Secretaria
da Organização dos Estados Americanos, substituindo a Alceu Amoroso Lima.
No ano seguinte, é agraciado com o prêmio Machado de Assis, concedido pela
Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Lança “Noite”, novela que é
traduzida na Noruega, França, Estados Unidos e Inglaterra. Visita, face às funções
assumidas junto à OEA, diversos países da América Latina, proferindo palestras e
conferências.
De volta ao Brasil, em 1956, lança “Gente e bichos”, coleção de livros para
crianças. Sua filha casa-se com David Jaffe e vai morar nos Estados Unidos. Dessa
união nasceriam seus netos Michael, Paul e Eddie.
Em 1957, publica “México”, onde conta as impressões da viagem que fizera
àquele país.
”O arquipélago”, terceiro livro da trilogia “O tempo e o vento”, começa a ser
escrito em 1958. Tem um mal-estar ao discursar na abertura de um congresso em Porto
Alegre. Consegue se refazer e disfarçar o ocorrido.
Acompanhado de sua mulher e do filho Luis Fernando, faz sua primeira viagem
à Europa, em 1959. Expõe sua defesa à democracia em palestras proferidas em Portugal
e entra em choque com a ditadura salazarista. Lança “O ataque”, que reunia três contos:
“Sonata”, “Esquilos de outono” e “A ponte”, além de um capítulo inédito de “O
arquipélago”. Passa uma temporada na casa de sua filha, em Washington.
Dedica-se, em 1960, a escrever “O arquipélago”.
Em 1961, sofre o primeiro infarto do miocárdio. Após dois meses de repouso
absoluto, volta aos Estados Unidos com sua mulher. Saem os primeiros tomos de “O
arquipélago”.
O terceiro tomo de “O Arquipélago” é publicado em 1962, concluindo o
projeto de “O tempo e o vento”. O volume é considerado uma obra-prima. Visita a
França, Itália e a Grécia.
A mãe do biografado falece em 1963.
Em 1964, seu filho Luis Fernando casa-se com Lúcia Helena Massa, no Rio de
Janeiro, cidade para a qual ele se mudara em 1962. Dessa união nasceriam Fernanda,
Mariana e Pedro. Insurge-se contra o golpe militar e dirige um manifesto a seus leitores
em defesa das instituições democráticas. Recebe o título de “Cidadão de Porto Alegre”,
conferido pela Câmara de Vereadores daquela cidade.
Ganha o Prêmio Jabuti – Categoria “Romance”, da Câmara Brasileira de
Livros, em 1965, com o livro “O senhor embaixador”. Volta aos Estados Unidos.
A convite do governo de Israel, visita aquele país em 1966. Vai aos Estados
Unidos, mais uma vez, visitar seus familiares. Escreve “O prisioneiro”, que seria
lançado em 1967. A Editora José Aguilar, do Rio de Janeiro, publica, em cinco
volumes, o conjunto de sua ficção completa. Desse conjunto faz parte uma pequena
autobiografia do autor, sob o título “O escritor diante do espelho”.
”O tempo e o vento”, sob a direção de Dionísio Azevedo, com adaptação de
Teixeira Filho, estréia na TV Excelsior, em 1967. No elenco, Carlos Zara, Geórgia
Gomide e Walter Avancini.
É agraciado com o prêmio “Intelectual do ano” (Troféu Juca Pato”), em 1968,
em concurso promovido pela “Folha de São Paulo” e pela “União Brasileira de
Escritores”.
No ano seguinte, a casa onde Érico nascera, em Cruz Alta, é transformada em
Museu Casa de Erico Verissimo. Lança “Israel em abril”.
Em 1971, é editado o livro “Incidente em Antares”.
Em 1972, comemorando os 40 anos de lançamento de seu primeiro livro,
relança “Fantoches”, onde o autor acrescentou notas e desenhos de sua autoria.
Amplia sua autobiografia, publicada em 1966, fazendo surgir suas memórias —
sob o título de “Solo de clarineta” — cujo primeiro volume é publicado em 1973.
O escritor falece subitamente no dia 28 de novembro de 1975, deixando
inacabada a segunda parte do segundo volume de suas memórias, além de esboços de
um romance que se chamaria “A hora do sétimo anjo”.
3.Relatos sobre a obra
O Tempo e o Vento, do escritor Érico Veríssimo, é considerado por muitos a
obra definitiva do estado do Rio Grande do Sul e uma das mais importantes do Brasil.
Dividida em O Continente (1949), O Retrato (1951) e O Arquipélago (1962), o romance
representa a história do estado gaúcho, de 1680 até 1945 (fim do Estado Novo), através
da saga das famílias Terra e Cambará.
A primeira parte de O Tempo e o Vento foi publicada em Porto Alegre no ano
de 1949 e narra a formação do Estado do Rio Grande do Sul através das famílias Terra,
Cambará, Caré e Amaral. O ponto de partida é a chegada de uma mulher grávida na
colônia dos jesuítas e índios nas missões. Esta mulher dará à luz o índio Pedro
Missioneiro, que depois de presenciar as lutas de Sepé Tiaraju através de visões e ver os
portugueses e espanhóis dizimarem as Missões Jesuíticas, conhecerá Ana Terra, filha
dos paulistas de Sorocaba Henriqueta e Maneco Terra, este filho de um tropeiro que
ficou encantado com o Rio Grande de São Pedro ao atravessá-lo para comerciar mulas
na Colônia do Sacramento e obtêm uma sesmaria na região do Rio Pardo.
Ana Terra terá um filho com o índio, chamado Pedro Terra. Logo que seu pai
descobre sobre a gravidez, ele manda os irmãos de Ana matarem Pedro Missioneiro.
Quando castelhanos invadem a fazenda da família Terra, matam pai e irmãos da moça e
a violentam, mas ela conseguira esconder o filho. Partem para Santa Fé, onde se passará
o resto da ação de O Tempo e o Vento. Lá Pedro Terra cresce e tem uma filha, Bibiana
Terra, que se apaixonará por um forasteiro, o capitão Rodrigo Cambará. Ana Terra e o
capitão Rodrigo são até hoje considerados dois arquetipos da literatura brasileira.
Os sete capítulos de O continente podem ser lidos de diversas formas. Uma
delas é a história da formação da elite riograndense, que culminará na Revolução
Federalista de 1893/95. As lutas pela terra, as guerras internas (Farroupilha Federalista)
e externas (Guerra do Paraguai, Guerra contra Rosas) marcam definitivamente a vida e a
personalidade daqueles gaúchos e ecoam de forma muito forte ainda hoje na identidade
do Rio Grande do Sul.
Do ponto de vista histórico-literário, O continente está inserido no chamado
Romance de 30, obras de cunha neo-realista que aliam a descrição denunciante do
Realsimo às investigações psicológicas das personagens e liberdades lingüísticas do
narrador, frutos do Modernismo. Assim como O continente, muitas dessas obras são de
cunho regionalsita..
Os dois volumes de O continente são os mais lidos e conhecidos da trilogia.
Parte de seu conteúdo teve adaptações para o cinema e a televisão. O sucesso do
personagem Capitão Rodrigo nas telas levou a Editora Globo a publicar em separado o
capítulo da obra a ele dedicado, Um certo Capitão Rodrigo.
3.1.O Retrato
Erico Verissimo
O retrato frustra os leitores que esperavam que a continuação de O continente
fosse um romance épico como aquele. A história se passa em Santa Fé no início do
século XX, então iniciando timidamente seu processo de urbanização, ainda marcada
pela cultura rural.
Toda a história é marcada pelo contraste entre o Dr. Rodrigo Cambará,
homônimo do capitão, homem da cidade, de um lado, e o Coronel Licurgo, seu pai,
homem do campo, de outro. Como mediador desse conflito, aparece seu irmão Toríbio.
O próprio Dr. Rodrigo é um personagem marcado pelos contrastes. Formado
em Medicina, adquiriu em Porto Alegre, onde estudou, o gosto por uma vida
sofisticada. Ao chegar a Santa Fé, vestia ternos elegantes, trazia na bagagem iguarias e
vinhos franceses e um gramofone e na mente projetos de vida grandiosos. Mas
frequentemente esse verniz se rompia e se revelava o típico macho gaúcho, com acessos
de violência e de um incontido desejo sexual.
O homem confiante e superior que se julgava vai, então, cedendo aos poucos o
lugar para o homem amoral em que acaba se transformando. Érico explora bem esse
contraste ao fazer recorrentes comparações entre o retrato, pendurado nas paredes do
Sobrado, que fixa o Dr. Rodrigo idealizado por si mesmo no seu apogeu, e o homem em
que ele vai se transformando.
Os grandes acontecimentos do século passam ao longe, chegam pelo telégrafo
e pelos jornais, e pouco influem na vida das pessoas, a não ser como motivo de
discussões políticas e filosóficas. Ao contrário de O continente, onde os personagens
são protagonistas da História, aqui eles são espectadores desinteressados.
3.2.O Arquipélago
A última parte da trilogia foi lançada onze anos após O Retrato, quando os
meios literários já não mais esperavam a continuação de O Tempo e o Vento, devido à
frágil saúde de Érico, convalescente de um ataque cardíaco.
Aqui, parte da ação transcorre no Rio de Janeiro, então a capital do país, com o
Dr. Rodrigo Cambará eleito deputado federal. Assim, os personagens principais não são
mais espectadores dos fatos nacionais, mas participam diretamente deles. Ao longo do
romance, aparecem vários personagens reais, como Getulio Vargas, Osvaldo Aranha,
Luís Carlos Prestes, que contracenam com os personagens criados pelo autor. Isso
confere à história uma dinâmica especial.
Novamente, no seio da família Cambará, desenrolam-se as contradições de uma
época marcada por uma radical revolução de costumes, sob a influência do cinema
americano. Na família Cambará e suas relações, há desde comunistas a oportunistas. No
meio deles, assumindo uma postura crítica e não engajada, aparece Floriano, alter ego
do próprio Érico.
O autor inova ainda ao introduzir um capítulo narrado por uma personagem
feminina, Sílvia, que apresenta os personagens de O Arquipélago sob um ângulo
diferente.
3.3.Mulheres fortes
Os personagens masculinos de O Tempo e o Vento, principalmente em O
Continente, revelam a imagem que geralmente se faz do homem gaúcho, valente e
machista. Mas realmente fortes, principalmente no sofrimento, são as personagens
femininas de Érico, tipos antológicos como Ana Terra, Bibiana e Maria Valéria.
Isso reflete a história pessoal de Érico, que sofreu com a separação traumática
dos pais ainda na adolescência, numa época em que a separação de casais era
inaceitável. Érico narra em suas memórias (Solo de Clarineta) a coragem da mãe em
tomar a iniciativa da separação e como o pai abandonara a administração de sua
farmácia para viver nos bares e bordéis.
A perseverança da mãe, que trabalhava como costureira para sustentar Érico e
seu irmão Ênio, foi certamente sua inspiração na criação dessas mulheres fortes.
4.Conclusão
Na briga pela terra, índios e bandeirantes se armaram e travaram disputas.
Interessados em converter e civilizar os índios, os jesuítas espanhóis agregaram diversas
tribos e criaram sete povoados, chamados Sete Povos das Missões, a oeste do Estado,
hoje um pólo de atração turística, com ruínas tombadas pela Unesco como Patrimônio
da Humanidade. Enquanto no oeste se formavam os sete povoados, os portugueses
ocupavam o litoral e, em 1680, criavam a colônia de Sacramento, às margens do rio da
Prata, hoje cidade de Colônia, no Uruguai. Organizada pelos jesuítas, a colônia tornou-
se um dos centros da guerra de fronteiras travada entre portugueses e espanhóis durante
o século XVIII.
Além dos conflitos entre índios e bandeirantes pela posse da terra, e entre
espanhóis e portugueses pela soberania da bacia do Prata, outras lutas foram travadas na
área hoje ocupada pelo Rio Grande do Sul. Entre os anos de 1835 e 1845 o Estado foi
palco da Revolução Farroupilha, de ideais separatistas, que uniu os liberais republicanos
contra o governo imperial. Após alguns anos de trégua, surge, em 1893, outra guerra: a
Revolução Federalista, entre duas facções políticas - de um lado, o Partido Republicano,
liderado por Júlio Castilhos, que tinha como adeptos os chamados "chimangos",
presidencialistas que se identificavam pelo uso de lenços brancos; e, de outro, os
liberais e parlamentaristas, comandados por Gaspar Silveira Martins, que atendiam
como "maragatos" e sempre usavam lenços vermelhos. Embora tenha durado menos de
dois anos, esse conflito deixou seqüelas que deram origem a outra revolução, a de 1923.
A pacificação do Estado só ocorreria a partir de 1928, durante o governo de Getulio
Vargas, mais tarde presidente do Brasil.
À luz desses dados históricos, podemos dizer que Érico Veríssimo se utilizou
das questões familiares e patrimoniais gaúchas para enredar a memorável obra literária
“O Tempo e o Vento”. Tais dados correlacionados à realidade histórica comprovam o
poderio das clãs, dos latifundiários e a disputa entre eles.
Segundo a história, o gaúcho é o cavaleiro errante das Américas, o que preza,
acima de tudo, a liberdade; é o "gaúcho" argentino e uruguaio, o "guaso" chileno, o
"lhanero" da Venezuela, o "charro" mexicano, o "cowboy" dos EEUU. O gaúcho é o
tipo enaltecido em prosa e verso, até pelo grande Alexandre Dumas (pai) e
magnificamente descrito por dois excepcionais escritores brasileiros, um cearense, José
de Alencar, no livro "O Gaúcho" e Érico Veríssimo, rio grandense do sul, em tantas
publicações da vasta lavra deste ilustre nome de nossa literatura, particularmente em "O
Tempo e o Vento", Capitão Rodrigo e Ana Terra, caracterizando a "tipologia guasca dos
pagos indomáveis"...
É importante destacar-se, que ao se falar em gaúcho, mesmo nos dias atuais, não
se deve referir a um simples toponímico e sim a um termo que se reporta a um tipo
humano característico, de feição própria, diferenciado, e muito, dos demais, por suas
características, por sua filosofia de vida, cujas raízes estão bem fincadas no campo, na
campanha, nos pampas, nas coxilhas, onde o "gaudério" pode usufruir de sua total
independência, libérrimo e solto nos grandes espaços...
Não é gaúcho, no dizer de Érico Veríssimo, quem não sabe montar a cavalo nem
castrar um terneiro; quem não sabe cevar um chimarrão; o que nunca boleou um laço; o
que não é capaz de lutar por sua prenda. "O que não ama a liberdade, não possui
hombridade nem palavra e se acovarda, sentenciava Veríssimo, poderá ser uma ficção
de gaúcho, mas não o autêntico filho da Terra de São Pedro", realçando, assim, o
gauchismo, evidentemente de forma hiperbólica...
Referências bibliográficas:
ARRUDA, José Jobson de A. Toda a História. 7ª ed. SP:Ática,, 1998.
VERÍSSIMO, Érico. O tempo e o Vento.3ª ed.RJ:Globo, 2001.