rio- cr$ 2,00 ms 16
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MS 16 - De 7 a 13 de fevereiro de 1972
Rio- Cr$ 2,00
política e economia
É COM OCTÁ VIO IANNI
I
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Carlos Magno
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A Editoria
Perfil da atleta
Abreu Sodré
Célio Borja (Arena-GB), apontado co-
mo possível substituto de Geraldo Freire
na função de líder de bancada de gover-
no na Câmara dos Deputados, não é
ainda um político conhecido fora da
Guanabara. Mas não demorará muito a se
tornar conhecido. Vamos ajudar.
Embora advogado e professor de Di-
reito Constitucional (ó, inclusive, perito
da ONU em questões de conflitos ra-
ciais), Célio Borja tem a mentalidade de
um tecnocrata. A própria Ciência do
Direito ó, para ele, campo de pesquisa e
não de formulações brilhantes e teóricas.
Deputado estadual em 1962, ficou
alguns meses como líder de Lacerda e foi
logo chamado para a Secretaria de Go-
verno. Tentou, em 1966, a Câmara Fede-
ral, mas não foi bem sucedido. Ele pró-
prio se considera um pé frio em matéria
de disputas eleitorais. Mas em 1970, com
Rafael de Almeida Magalhães fora da
chapa e com dona Letícia Lacerda con-
fessando que votaria nele, Célio Borja
apanhou a votação lacerdista ainda ligada
à Arena chegou à Câmara, como o mais
preparado, o mais sério, o menos hábil
dos políticos cariocas da nova geração.
O legislativo não é o campo de atua-
ção de sua preferência. A experiência
como Secretário de Estado de Lacerda,
e, posteriormente (governo Costa e Silva)
como diretor da Carteira Hipotecária da
Caixa Econômica Federal, deu-lhe gosto
da ação executiva, administrativa.
Não é bom orador. Um excesso de
autocrítica o faz policiar permanente-
mente a sua linguagem. Um anti-hiperbó-
lico. Frio, mas não distante, nunca teve e
jamais terá êxito de palanques ou de
tribunás. Se for líder, precisará de um
Clóvis Stenzel, por exemplo, para gritar
por ele.
Entende que a estrutura de poder
implantada pela revolução só evoluirá
para formas institucionais orgânicas por
amadurecimento interno e nunca por
impactos externos. Traduzindo: não
adianta a oposição tentar arrombar as
portas: quanto mais esfôrço houver para
que as portas sejam abertas de fora para
dentro, mais se avolumarão as trancas
por dentro."OS
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I
Sua campanha eleitoral, discreta co-
mo ele próprio, foi feita na base de
reuniões em casa de amigos. Nessas reu-
niões, ele mesmo se perguntava o que
poderia fazer um deputado federal para
ajudar o processo de reinstitucioriali-
zação do país. E como quem proferia
uma aula, não de direito constitucional,
mas de sociologia do poder, ele próprio
respondia: a classe política precisa ga-
nhar a confiança do sistema, mostrar-se
responsável, neutralizar, pelo comporta-
mento público e privado, o falso julga-
mento que sobre ela pesa de irresponsa-
bilidade, demagogismo, oportunismo.
| Um dado importante sobre a conduta
de Célio Borja: quase todos os deputados
federais da Arena (até o Martinelli) estão
fazendo chegar, por trás das cortinas,
pedidos de empregos (e bons empregos)
para seus cabos eleitorais ao governador
da Guanabara, que é (ou deveria sentir-
se) do MDB. Quando os assessores de
Chagas comentam o fato, fazem questão
de assinalar: o único que não quis nada,
nem converta, foi o Célio Borja. Isto
merece uma reflexão: Martinelli saiu da
revolução, como um de seus inquisido-
res, para terminar fazendo política no
velho estilo peleguista; Célio Borja, nun-
ca precisou sair da política profissional
para continuar tendo compostura.
0 Outro dado importante sobre Célio
Borja: o seu batismo em conflitos políti-
cos e psicológico. Quando secretário de
. governo de Lacerda, acompanhava a po-
sição política do governador, mas discor-
dava de sua opinião sobre a política
econômico-financeira do governo fede-
ral. Ia mais longe: não concordava com o
julgamento de Lacerda, na ocasião, sobre
Castelo Branco e Roberto Campos. Isto
não o impediu de correr todos os riscos
políticos do governo carioca, até o últi-
mo dia do mandato de Lacerda. Só
quando Lacerda saiu para a jogada do
PAREDE e depois para a Frente Ampla é
que Célio Borja, sem nenhum rumor,
afastou-se politicamente de Lacerda, vol-
tando a seu escritório de advocacia. Por
indicação de Hélio Beltrão é que ocupou,
na administração Costa e Silva, a Carteira
Hipotecária da Caixa Econômica Fede-
ral.
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tSÉii
Célio Borja
A editora Civilização Brasilei-
ra acaba de lançar a segunda
edição do livro de Darcy Ribeiro
"O processo civilizatório", o pri-
meiro de uma série de estudos
para explicar as causas do desen-
volvimento desigual dos povos
americanos. Nesse trabalho,
Darcy Ribeiro retoma a tese evo-
lucionista sob uma perspectiva
antropológica que incorpora o
copioso material etnográfico, ar-
queológico e histórico descritivo
das sociedades humanas de diver-
sos tipos, bem como uma série
de estudos especiais sobre os
processos de mudança cultural.
Betty J. Meggers, no prefácio à
edição americana desse livro, si-
tua Darcy Ribeiro como um dos
grandes cientistas sociais dos
nossos dias. É preciso ler. Princi-
palmente os que querem ou pre-
cisam discordar.
I Aos jornalistas que estão per-
dendo tempo em entrevistar a
gente sobre a "semana
de Arte-
moderna", aconselhamos a leitura
imediata da "História
do Moder-
nismo Brasileiro", de Mário da
Silva Brito. A consulta a esse
livro evitará muitas barbaridades
que estão sendo ditas. Aliás, so-
bre a "Semana"
dois trabalhos
devem ser lidos, quando saírem
publicados. O primeiro é um ar-
tigo de Prudente de Moraes Ne-
to, escrito a pedido do "Jornal
do Brasil". Versa sobre os dois
Andrades (Mário e Oswald) e é
uma obra-prima de estudo das
diferenças de personalidade que
ligavam e opunham os dois gran-
des escritores e líderes do movi-
mento.
O outro trabalho será publica-
do aqui mesmo no POLITIKA,
em nossa próxima edição e é um
inventário de todas as imbecil ida-
des que estão sendo escritas so-
bre a famosa "Semana".
Abreu Sodré, governador,
mandou baixar o pau nos es tu-
dantes; agora, fora do governo e
de cogitação, proclama que os
jovens não estão tendo vez na
vida política. Assim não dá para
entender.
Daniel Krieger e Cândido
Mendes de Almeicía almoçando
uma longa conversa. Assunto
principal: a entrevista de Cândi-
do ao POLITIKA, que Krieger
anotou cuidadosamente.
Aumentam os estudos univer-
sitários americanos (pesquisas,
teses, etc.) sobre o regime políti-
co do Peru. Os militares perua-
nos estão revelando, aliás, extra-
ordinário tato político: vão esta-
tizando, desapropriando empre-
sas americanas, reformando o
país, mas sem afetar nenhum
preconceito anti-americanista. E
vejam como anda o PNB do
Darcy Ribeiro
Peru. Cresce mais que peru de
fanfarrão.
Em nossa próxima edição, pu-
blicaremos importante matéria '
sobre a visão que a Igreja tem do
problema nordestino. Trata-se de
material colhido e manipulado
pelo CEAS (Centro de Estudos e
Ação Social), que Rômulo de
Almeida considera o mais impor-
tante órgão de pesquisas da Igre-
ja em toda a América Latina.
Nós também achamos.
Sebastião Santana, que era
apontado como substituto certo
de Otávio Gouvêa de Bulhões na
presidência do Banco do Estado
da Guanabara (Santana foi o sub
de Roberto Campos, no Ministé-
rio do Planejamento) afirmando
que a notícia não tem nenhuma
procedência. Integrado, hoje, no
grupo Banco Mineiro do Oeste.
(João Pires), Sebastião Santana
considera que o governo é o pior
patrão do mundo em matéria de
remuneração. Pelo que diz, o
melhor é o Joãozinho Pires.
Por falar em BEG, é incrível
que o Carlos Alberto Vieira, de-
pois de tudo que fez, ainda dê às
caras nessa instituição. Por certo,
saudades dos velhos tempos.
Mauritônio Meira que assina-
va, neste espaço, a Koluna Aber-
ta, pediu (e obteve) dispensa pa-
ra assumir importante função
exeòutiva numa importante
publicação.'• A TV-Rio, voltando com eu-
foria colorida, vai deixar a Tupi
e a Globo brigarem peta audiên-
cia de novelas e humorísticos e
se concentrará na faixa do jorna-
lismo. Politicamente, cada ponti-
nho da TV-Rio passará a valer
três da Globo e da Tupi. Espe-
rem as eleições de 1974 e nos
digam.
O nosso Sebastião Néry, que
é de esticadas, entrou anônimo
no "Sambão",
onde José Messias
comanda um show de MPB com
muitas mulatas diplomadas em
samba. Mal senta-se o Néry e o
Messias, deixando apenas a bate-
ria em banho-maria, faz um co-
municado ao público:
"Acha-se
presente o jornalista Sebastião
Néry, colunista da "Tribuna
da
Imprensa" e diretor do jornal
mais bem escrito do Brasil:
POLITIKA". Foi aquela ovação.
Como vêem, POLITIKA dá
samba.
iuna
POUTIKA
Philomena
Gebran
Com 12 anos publicou
um livro,
com 20 anos ganhou
o Grande
Prêmio da Academia Brasileira
de Letras. Aos 60 anos é o
padroeiro da cultura do Pais.
depoimento
/
Políticas
Carlos Magno
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Pascoal Carlos Magno
Com 12 anos publicou
"Templos",
livro de poemas com prefácio
do Conde de Afonso Celso.
Com 16 anos publicou
"Tempo que
Passa", segundo livro de poemas
com estudo-prefácio de Luiz
Carlos. Com 20 anos, a Academia
Brasileira de Letras lhe deu o
Grande Prêmio de Teatro, pela
peça
"Pierrot". No mesmo ano,
_
a mesma Academia lhe dá menção
honrosa pelo romance
"Drama
da Alma e do Sangue". Com 22
anos, "Esplendor",
terceiro
livro de poesias, é sucesso
nacional com duas edições
seguidas. Depois, veio "Sol
Sobre as Palmeiras", seu grande
romance lançado em Londres e
traduzido em vários paises. ^
Agora, após 40 anos de silêncio
literário, Paschoal Carlos
Magno vai voltar com "Poemas
do Irremediável" (estudos de
Roberto Alvim Correia,
Audalio, Nataniel Dantas,
Moacir Lopes) e "Sitio
do
Anjo Cego" (contos). O mesmo
escritor que Abgar Renault
chamou de "verdadeiro
poeta,
neste Brasil de tantos versos
e tão pouca poesia".
Mas não foi este o ponto da
conversa.. Queríamos as memórias,
as confissões políticas desse
homem que é o padroeiro da
cultura nacional, e sem jamais
ocupar um posto do Executivo,
realizou a maior
(mais vasta e mais profunda)
obra cultural do País.
4
POUTIKA1
1
I
depoimento
O menino pediu um autógrafo,
Jânio ficou furioso : "
Não
sou cantor de radio. "
Entrou
no carro, tirou o paletó e
dormiu, roncando muito alto
ConfissõesPolíticas de
Páscoa/Carlos Magno
Lacerda : " Janto é o nosso homem. Vamos
deixar a UDN e entrar para o partido dele ff
Sua vida política começou poracaso. Ele estava na Grécia, como
Conselheiro da nossa Embaixada,
Cônsul do Brasil em Atenas e Dele-
gado Adjunto da Missão do Brasilna Unscob. A UDN apresenta suacandidatura a vereador. Embora au-
sente, ganha longe, de maneira so-berba. Era a primeira vez que um
diplomata, distante, merecia a con-
sagração do povo através das urnas.Você alguma vez sonhou ser
•político?
De maneira alguma.Por
quê aceitou esse manda-to?
Para voltar ao Brasil. Fora doBrasil, não vivo. Vá lá uma ausênciade poucos meses. E voltar quandose desejar. . . Quando embarqueiem Gênova, no
"Marco Polo", vin-
do da Grécia, para me empossar co-mo Vereador, estava decidido a não
mais voltar à carreira diplomática.Essa eleição perturbara a rotina doItamarati. Recusaram-me qualquerajuda de viagem. O Secretário Ge-ral, Embaixador Ciro de Freitas
Valle, conseguiu, por ser meu ami-
go, que o Departamento de Admi-nistração ao menos pagasse minha
passagem de volta .. ."
Quatro anos como político, PCM
não empregou pessoa alguma, nem
mesmo quando, no terceiro ano de
mandato, o elegeram primeiro Se-
cretário da Câmara, que é talvez o
mais importante da administração.
Nunca usou carro «de placa branca à
noite, a não ser em cumprimento de
obrigações oficiais. Apresentou to-
da uma série de projetos ligados à
educação e à cultura, muitos dos
quais, somente acionados pelo seu
entusiasmo, não encontravam per-nas «para andar no chão de uma as-
sembléia eminentemente eleitoreira.
O escritor Raimundo Magalhães Ju-
nior, seu companheiro de Câmara
nessa época, lembra-o assim"
.. .durante quatro anos tive-o co-
mo um dos companheiros de ve-
rança: Foi uma des grandes figuras
do legislativo, amigo de todos, em-
bora só votando o que era necessá-
rio e decente"
JÂNIO E LACEROA
Era eu primeiro Secretário da
Câmara - conta-nos PCM - quando
Jânio Quadros foi eleito prefeito de
S Paulo. A Câmara o convidou para
vir ao Rio. Todo um programa lhe
Getulio:"Nâo
gosto
de politica"foi preparado com recepções e mui-
to discurso. Nesse programa, um ai-
moço em nossa casa de Santa Tere-,
za, pago do meu bolso. Chegou
atrasado precedido de batedores da
polícia estadual. Seriam 16 pessoasà mesa, prefeitos, Secretário de Es-
tado, líderes. Para minha surpresa,JQ veio acompanhado de sua senho-ia, filha e de Uês uu qualru assessu-res. Fiquei atordoado por um ins-
tante. Que fazer se a mesa tinha so-mente 16 lugares e nenhuma senho-ra em casa para receber Dona Eloá e
a filha? Dei uma ordem para quefossem servidos os aperitivos. E de-sapareci por um instante na copa.
Falei ao "maitre"
do serviço, queera todo da Colombo. Ele estava
acostumado a esses contratempos
de última hora. Fato desses não
aconteceria na Inglaterra, onde vivi
quase* 14 anos. Outra mesa foi
armada junto à do banquete. Dona
Eloá percebe a situação. E me diz
com sim piicidade:-"Secretário
Carlos Lacerda
não se preocupe conosco .,. . Qual-
quer mesa para a gente serve ..."
Minutos antes de começar o ah*
moço, sou chamado ao telefone. Té
Carlos Lacerda. Gostaria de entre-
vistar JQ para a "Tribuna
da lm-
prensa".A
que horas terminará o almo-
ço?Precisamos chegar à Câmara às
duas.
CL, com papel e lápis na mão,
chegou na hora mesma em que Jâ-
nio, de pé, com a taça de champa-
nha na mão, dizia de seu contenta-
mento em ser homenageado na casa
de um homem "cuja
vida e obra
acompanho e admiro". Terminado
o aimoço, fazia-se uryenle partir. Os
batedores se movimentam. Havia,
um excesso de fotógrafos, jornal is-
tas, radialistas, no jardim, na rua, na
sala do Teatro Duse, instalada no
andar térreo. CL não precisa ser
apresentado a JQ, que o elogia e ou-
ve pedir-lhe uma entrevista. "Ago-
ra? "
indaga o prefeito de S. Paulo.
CL o leva a sentar-se num dos gran-des sofás baianos da sala de re-
cepção. Os dois líderes, entre telas
de velhas igrejas brasileiras, falam
baixo, rapidamente. Marcam uma
hora para um encontro mais demo-
rado. Levantam-se e encaminham-se
para a varanda. JQ aparece na porta
de cima, vai descendo a escada de
mármore. Cercado do prefeito João
Carlos Vital, de Castro Menezes,
presidente da Câmara, do líder Má-
rio Martins, de Dona Eloá, da filha.
Havia muita gente na rua, alvoroça-
da com sua presença. Mulheres, ho-mens, crianças, que batiam palmas e
davam-lhe vivas. Ele levantou o bra-
ço, fez um gesto de agradecimento
com as duas mão unidas. Caminha
para o carro oficial em que vou con-.
duzi-lo à Câmara. Um colegial avan-
ça. Estava à sua espera, com um li-
vro aberto para pedir-lhe o autógra-
fo. Jânio desilude o menino. E diz,
irritado:—"Mas que idéia. Eu não
sou cantor de rádio".
Na manhã seguinte fui buscar
Jânio no Serrador. é que o PDC
oferecia-lhe um churrasco em Santa
Cruz. Lacerda pediu para nos acom-
panhar. JQ apareceu novamente
atrasado. Sentou-se no fundo do
Nash com a mulher e a filha. CL
sentou-se ao meu lado, junto ao
motorista. Fazia um calor danado.
A entrevista ainda não fora obtida.
Nessa longa jornada a Santa Cruz, o
diálogo surgiria. JQ estava fatigado.
Quase não falou. Dona Eloá e a fi-
lha, que sofriam o calor e as obriga-
ções do programa, jogaram a cabeça
de encontro às ai mofadas do fundo
e já dormiam, quando JQ desabo-toou a camisa, puxou o laço da gra-vata para a esquerda, desafogou o
pescoço e depois, num só arranco,
tirou o paletó. E caiu num sono sol-
to, roncando alto. CL o vê fatigado
e fala baixo para não perturbar-lheo ronco: —"Este é o nosso homem.
Vamos deixar a UDN e entrar parao partido dele."
A juventude do mundo
— Em 1954, chegou-me da Ale-
manha um convite da Universidade
de Erlangen para ser seu "Hóspede
de Honra", na Semana Internacio-
nal de Teatro Universitário, do qual
participariam 400 jovens dos mais
importantes teatros universitários."A
juventude acadêmica do mundo- dizia o convite - quer dizer-lhe
obrigado pelo seu trabalho no Bra-
sil. O Festival seria aberto com mi-
nha peça "Amanhã
será diferente",
em turco, pelo Teatro Universitário
de Istambul. Os jornais deram imen-
so espaço ao convite. A todos con-
fessei que gostaria de aceitá-lo. Mas
faltavam-me recursos para a viagem.
PGLITIKA
Confissões
Políticas de
Pascoal
Carlos Magno
Em quatro
anos de política,
nunca compreendi porque
os
adversarios eram sempre
classificados como cornudos,
castrados, ladrões, pederastas
» f
^m' 4^»-
|B| - S .^l
"
Ser político
ó sabor odiar o
eu, por
feitio, não sei odiar
99
Nessa mesma noite encontrei
em casa um recado de Lourival
Fontes, para que o chamasse ao te-
lefone. Liguei para o Catete:-"0
Presidente quer falar com você. Po-
de vir amanhã ao Palácio? "
Fui. 0 Presidente Getúlio, que
me sabia na UDN, perguntou se es-
tava gostando da pol ítica.
De maneira alguma.
"Eu também não", disse-me
sorrindo.
"Vais à Alemanha para o Festi-
vai?"
Antes que lhe pudesse dar uma
resposta: — Mal vi a notícia dos jor-
nais, dei ordens ao Itamarati para
conceder-te uma passagem e dez.
diárias". E diante da minha surpre-
sa: -"Tu acharias justo que
o:
Brasil perdesse a oportunidade de
ser homenageado diante de acadê-
micos do mundo inteiro"? Despe-
diu-me: — "Aposto
que vais enten-
der tua peça em turco".
Na manhã seguinte, chegando ao
gabinete do Secretário Geral do Ita-
marati sou informado de que já es-
tavam à minha espera a passagem
aérea e a ordem correspondente a
dez diárias em dólares.
Voltei ao Rio na véspera da re-'
núncia do presidente Vargas. A
UDN levantava estandartes de ódio.
Em quatro anos de exercício poli-
tico, nunca me foi possível com-
preender porque os nossos adversá-
rios eram classificados pela maioria
de meus correligionários, com raras
exceções, de cornudos, castrados,
ladrões, pederastas. 0 suicídio de
Getúlio me deixou atordoado. A»
multidão rugia em torno da Cama-
ra. Homens e mulheres ameaçavam
os líderes udenistas. 0 homem cujo
caixão eu vira, da distância do terra-
Ço da minha casa de Santa Teresa,
ser conduzido sobre os ombros e so-
bre as cabeças de milhares de ho-
mens, que nele sempre encontraram
o intérprete de suas aspirações para
um mundo melhor, também me co-
movia como brasileiro. No dia se-
guinte ao seu enterro, dirigi ao
deputado Maurício Joppert, presi-
dente da UDN, uma carta solicitan-
do que meu nome fosse retirado da
lista dos candidatos a Deputado Fe-
deral "porque
ser político é saber
odiar. E eu, por feitio, religião, co-
mo brasileiro acima de tudo, não sei
odiar". Mandei tirar cópias para dis-
tribuir aos jornais. A notícia criou
asas. Adauto Cardoso e Raimundo
Moniz de Aragão me procuram na.
Câmara. E me fazem um apelo para
que eu retire a carta. "Nesta
hora
prejudicará a UDN". Nesse instante,
revejo em Adauto Cardoso o estu-
dante pobre, corajoso, que morava
com a mãe, os irmãos e alguns cole-
gas, na Tijuca. 0 Adauto que, aos
vinte anos, já era um I íder de mãos
limpas, coração limpo. E retirei a
carta.
A'"CARRIÊRE"
Não tendo vocação alguma para ser
político, Paschoal resolveu voltar à
carreira. Mandaram-no para Milão.
Surgiram em toda a imprensa-la-
mentações de cronistas, associações,
entidades, porque se afastaria do
Brasil esse que, num grande banque-
te de despedida, era saudado, em
nome de seus amigos e admiradores,
por Gilberto Amado: —
"um ho-.
mem como esse, animador dos jo-
vens e da cultura, não se exporta"
JK o encontra numa recepção em
Roma, quando visitava a Europa co-
mo presidente eleito. E o traz para
o Palácio do Catete, como seu asses-
sor para assuntos universitários e
culturais. Durante cinco anos sua
presença resolveu todas as greves
de
estudantes, JK o promove a Minis-
tro de Segunda (era um dos primei-
ros da lista de antigüidade). Dias an-
tes de terminar seu mandato, o faz
embaixador.
— Eu tinha que partir novamente
para o estrangeiro. Não há exílio
mais amargo, mais melancólico, do
que ser diplomata no estrangeiro.
Mas eu estava cheio de dívidas. Só a
um amigo eu devia 7.400 dólares.
Dívidas assumidas com os encargos
da Aldeia de Arcozelo,Teatro
Duse, Teatro do Estudante, obriga-
ções de família. Desde os tempos de
guerra vividos em Londres, sofria de
uma terrível alergia nervosa, que me
fez procurar especialistas e mais es-
pecialistas na Inglaterra, Alemanha,
França, Itália, Espanha, Portugal e
Brasil. Um dinheirão de viagens,
dietas injeções, aplicações de raio
X, remédios, o diabo. Tudo isso fei-
to e renovado com desconto de pro-
missórias em bancos. Mas, fazendo
o possível e o impossível para não
pedir posto, para continuar no Bra-
sil, cada vez mais endividado. Viver
no estrangeiro sempre me pareceu
um sacrifício danado. Mesmo no
tempo em que meu romance "Sol
Sobre m Palmeiras" fazia tanto su-
cesso na Inglaterra, mesmo quando
minha peça
"Tomorrow will diffe-
rent" era estrelada em Londres, vi-
via como um desesperado, pensan-
do dia e noite no Brasil. Vasco Lei-
tão da Cunha me falou num jantar
que talvez me mandassem para Cu-
ba. Eu silenciava. Não manifestava
nenhum interesse. Não insistia. Ou-
tros países me eram apontados.
Pomona Pollitis, na sua famosa co-
luna, que é uma espécie de boletim
diário do Itamarati, sugeria meu no-
me para este ou aquele País —
se-
gundo ouvira dizer nos corredores e
gabinetes do
^asarão da rua Larga.
Por fim, não *ji|iia.fecusar a embai"
xada em Varsóvia^ Uto ano antes, o
Governo da Polônia me convidara
para participar das solenidades de
centenário de Chopin. Fui um des
depoimento
"UDN
tinha
estandartes
de ódio99
quatro convidados do mundo intei-
Quando cheguei a Brasília, soube
que, naquela tarde, JQ retirara mi-
nha indicação para dirigir a Embai-
xada em Varsóvia. Nesse dia, havia
perdido a indicação do Senhor Er-
miro de Moraes para nosso Embai-
xador em Bonn. O fato deveria tê-lo
irritado. Mas o que tinha contra
mim, que, na nossa casa de Santa
Tereza, confessava diante dos gran-
des da política da Guanabara, o
contentamento de ser homenageado
na casa de um homem cuja vida e
cuja obra acompanho e adrfliro?
"
Qual foi a sua reação?
Nenhuma de revolta ou melan-
colia. Eu ia para Varsóvia como
quem vai para o cativeiro. Nunca
ninguém se sentiu mais humilhado
do que eu, de viver na terra
alheia...
Mas não escolheu a diplomacia
como sua prof issão?
A diplomacia foi meu
"hobby". Minha profissão
foi e se-
rá, até morrer, servir ao Brasil e à
sua cultura, lutar pela educação da
I minha gente e acima de tudo pela
juventude brasileira.
Havia meses que diariamente
tomava aulas de polonês. Gostaria
de chegar a Varsóvia manejando o
idioma de sua gente. Quando voltei
de Brasília, encontrei nossa casa de
Santa Tereza toda iluminada como
para uma festa. Meus irmãos, mi-
nhas irmãs, toda minha tribo de so-
brinhos de verdade, sobrinhos ado-
tados, afilhados, me esperavam feli-
zes. Minha irmã, Rosa, mais que os
outros, não escondia o seu e o con-
tentamento dos outros: —
"Agora
você não vai tão cedo para o estran-
geiro. Você só vai para
as estranjas
pagar nossas dividas." Rosa tinha
algumas casas na Ilha do Governa-
dor e me perguntou aflita:
— "Se
as
vendo, ajuda a pagar seus compro-
missos, não? "
Eu precisava pagar
os 7.400 dólares. E paguei-os, ven-
dendo grande parte da
jninha casa-
museu. Jânio não só não me fizera
mal algum, como viera ao encontro
dos meus desejos de continuar per-
manecendo pobre, de vida apertada
em cruzeiros. Mas, ao renunciar à
presidência da República, fez um
crime sem perdão, diante da histó-
ria, contra todo o Brasil.
*
POLITIKA
depolmen to
"
Não sei se é verdade que
Jânio não me fez embaixador
porque
lhe disseram que eu
era um sujeito de maus
atos,
e um indivíduo adamado
Confissões
Políticas de
Pascoal
Carlos Magno
«
Mo governo
do Juscehno, todos as
greves
estudontis terminaram
com mutha presença
99
— Não sei se é verdade que JQ,
influenciado por pessoas da^sua ro-
da, retirara minha designação para
um país estrangeiro, por ser eu, se-
gundo lhe foram contar, um sujeito,
de maus costumes, um indivíduo
adamado.
ESSA HISTÓRIA ME DIVER-
TIU QUANDO M'a contaram. E
certo que não bebendo, não fre-
qüentado boates, porque
não tenho
tempo a perder com o inútil de co-
quetéis, como o vazio dos lugares
onde se perde o tempo que nunca
me sobra para estudar, ler, ajudar os
outros com o meu entusiasmo e o
pouco que Deus me deu, não usan-
do calão, não cuspindo nas ruas,
restaurantes, cafés, não coçando os
testículos em público, como é do
hábito de tantos que se consideram
homens, super-homens, fui leviana-
mente julgado, não sei por quem da
corte do planalto. Mas quem assim
me julgou, ignorou que, homem da
cabeça aos pés, sofri todos os anos
da guerra em LIVERPOOL e Lon-
dres, havendo efetuado palestras so-
bre o nosso país e nossa gente em„
Universidades, associações literárias,
rotaris. Houve mesmo um tempo,
de menos de 15 dias em que falei, a
convite do Foreign Office, em fábri-
cas, quartéis, navios, hospitais de
guerra, palestras sobre o Brasil. E as
realizava, na maioria, de rosto in-
chado, sofrendo da terrível alergia,
com o rosto coberto de pomadas e
azeite para aliviar-me as penas.
Gostaria de ver a cara de JQ, se é
verdade que agiu comigo segundo
essa versão leviana, se fosse Vice-
Cônsul em Liverpool e visse nosso
Consulado encravado numa Zona
perigosa, com bombas retardadas
nas imediações. A cada instante es-
talava uma, esboroando edifícios,
incendiando quarteirões. Zorayma.
de A I m e i d a Rodrigues, mulher
admirável de inteligência e coragem,
era minha chefa. Resolvemos salvar
a bandeira, as estampilhas, o dinhei-
ro do Brasil que estavam no cofre
do Consulado. Atravessamos, sob
protestos dos soldados em guarda,
dos curiosos postados nas distâncias
das esquinas, nossa rua ameaçada,
os quatro andares, abrimos apressa-
damente o cofre, subimos embru-
lhamos bandeira, estampilhas, di-
nheiro e saimos do prédio, que no-
ras mais tarde acabaria ruindo. Me-
recemos do grande Osvaldo Aranha,
diante de todo o Ministério reuni-
A imagem
preocupava
do, o elogio pela nossa coragem e
pelo nosso patriotismo,
com aquele
gesto.
— Depois que me tiraram a indi-
cação para um posto
no exterior,
fiquei também sem função alguma
no Itamaraty. Um tempão de bra-
ços cruzados. O que mais motivaria
uma crônica de Dinah Silveira de
Queiroz, esta aqui... Paschoal re-
tira de uma pasta cheia de recortes
'
de jornais a crônica, onde a escrito-
ra famosa de "Floradas
na Serra"
escreveu:
"Pode-se ajuizar o disper-
dício que significa para o Brasil o
fato de que Paschoal não esteja po-
dendo oferecer ao Itamarati sua
contribuição tão honrosa quanto
absolutamente apolítica"...
PELA CULTURA
- Uma noite, já em pleno gover-
no parlamentar, meu amigo Péricles
Madureira de Pinho me telefona. O
ministro da Educação, dr. Oliveira
Brito, queria me falar. Vou ao Mi-
nistério certo que o Ministro estava
interessado em me ajudar na Aldeia
de Arcozelo, pois lhe mandara um
longo memorial sobre o assunto.
Não era não, ele me diz que precisa
da minha juda para chefiar a campa-
nha que vai desencadear contra o
analfabetismo. Mestre Anisio Tei-
xeira estava presente à nossa entre-
vista. E intervem para dizer, com
sua alta autoridade moral, que mi-
nha presença em todos os rincões
do Brasil interessará os jovens, estu-
dantes ou não, para a conscientiza-
ção da campanha. Repete — insiste
Mestre Anizio na sua generosidade
êxito que
eu alcançara, em 1929,
quando fundei a Casa do Estudante,
semeando esse ideal através do Pais.
Lembra o sucesso extraordinário
da excursão do Teatro do Estudan-
te ao Norte e ao Nordeste, em
1952. Darcy Ribeiro ajunta, para
me convencer a aceitar o posto, que
durante o governo JK, sendo eu seu
assessor para assuntos culturais e
universitários, não houve greve de
estudantes de 1956 a 1961 que não
terminasse com minha presença,
meu espírito de conciliação, minha
compreensão dos problemas jovens *
Péricles Madureira de Pinho invo-
cou qual a União Nacional de Estu-
dantes me fizera "Estudante
perpé-
tu o do Brasil", quando eu comple-
tava 50 anos e me encontrava au-
sente, à frente do Consulado do
Brasil em Milão. Observei, com or-
gulho, que essa homenagem nunca
fora nos prestada, antes oü depois,
a nenhum outro brasileiro.
— Comuniquei ao Chanceler San
tiago Dantas o convite recebido do
Ministro da Educação. Era ele um
dos grandes homens do Brasil, pela
densidade de conhecimentos, pela
superioridade, de caráter, pela sen-
s i b ilidade apurada. O Chanceler
admitia meu empréstimo ao Mec,
pela significação da cruzada, que
contaria com minha colaboraçao.
Ac r e s c entando: —
"Mas sera por
pouco tempo, pois quero ^aprovei-
tá-lo à fcente de uma missão _Cor-
tei-lhe a frase: —
"Desde que
nao se-
ja para me ausentar por muito tem-
po do Brasil". Santiago Dantas me
traçou então rapidamente um pia-
no, que não conseguiu executar, de
impor a imagem do Brasil através de
uma missão cultural inicialmente
em toda América Latina. Assim me
vi no MEC. (Mostra-nos a carta que
recebeu de Santiago Dantas, onde
diz: — Meu profundo
reconheci-
mento pelos serviços prestados ao
'
Itamarati, através de intensa ativida-
de desenvolvida... dinamismo e efi-
ciência que tem caraterizado sua de-
dicação ao serviço público.
— Não houve recursos para ser
iniciada a campanha contra o anal-
fabetismo, Mario Pedrosa pedira de-
missão do cargo de secretário—Ge-
ral do Conselho Nacional de Cultu-
ra. O Ministro me oferece esse car-
go. Aceitei. Conselho sem verbas,
pobre de funcionários. Mas o Brasil
todo sabe de ação que desenvolvi
nele: festivais de dança, teatro, mú-
sica, exposições de artes plásticas,
concentrações de corais universita-
rios, publicação de livros, semina-
rios de música, auxílios de viagens
ao estrangeiro a compositores, dire-
tores teatrais, cursos de cultura bra-
sileira.
9
>OJ
[POLITIKA
Confissões
Políticas th
Pascoal
Carlos Magno
"Minha
casa
vai ser uma
Fundação
"
E a Caravana da Cultura?
Eram 256 brasileiros chefiados
pelo meu entusiasmo e pela minha
fé. Oito ônibus, seis automóveis,
dois caminhões carregando tonela-
das de livros e discos, uma kombi
transportando exposições de qua-
dros, fotografias, painéis. A Carava-
na percorreu o Estado do Rio, Mi-
nas, Bahia, Sergipe, Alagoas. Demo-
rava-se um dia em cada cidade. Dis-
tribuía livros, discos. Apresentou
em 29 cidades 274 espetáculos para
crianças, e 29 para adultos. Todas
as cidades do percurso a acolheram,
decretando feriado municipal. Em
Maceió terminou sua marcha. Ma-
ceió a recebeu triunfalmente sob
uma chuva de papel picado, faixas
enchendo suas ruas. E não houve
jovem que, sendo dono de motoci-
cleta, vespa, lambreta, não fosse ao
encontro da caravana, dando-lhe
uma guarda de honra de centenas
desses veículos.
Escolhido como um dos "40
no-
táveis do Brasil", no 40o. aniversá-
rio de "0
Globo", Paschoal, que
nunca teve cartão de visita, e so-
mente usa gravata preta e trajes
escuros, não bebe, nem fuma, já
mereceu de muitos países comendas
de toda sorte, e entre estas, a Co-
menda.da Legião de Honra, que o
General DeGaulíelhe mandou, sen-
do um dos poucos brasileiros que a
têm, pois há muitos cavalheiros,
oficiais da Legião de Honra, mas,
comendadores poucos. É visto to-
das as manhãs descendo a pé as
ladeiras de Santa Teresa, rumo à
cidade. E todas as noites voltando,
tomando seu bondinho no largo da
Carioca, descendo no Courvelo,
sempre carregado de livros e revis-
tas.
- Há
quase 30 anos moro na
mesma casa e espero morrer nela.
Quando falta água na minha rua,
nunca usei de meu pseudo prestígio
para solicitar água, especialmente
Para minha casa. No tempo do Car-
•os Lacerda, embora dele afastado
havia muito tempo, escrevi-lhe pe-dindo
providências, pois às vezes
era minha casa, plantada numa cur-
va de morro, a única a sofrer de
'alta d'agua. CL ouviu-me a voz.
Apareceram operários do Departa-
mento de Obras, engenheiros, o dia-
oo. Concertaram os canos. E não
faltou mais água. . .
Para pagar
as dividas da
Aldeia de Arcozelo, vendi
tudo quanto
amealhei durante
anos : quadros,
obras de
arte. A casa ficou nuazinha
"
Depoimento
PaacoatCarlo*Magno
"
Se não morrer, povoarei
o pais
de Albergues da Juventude
"
é verdade que pretende vender
sua casa de Santa Teresa?
? — Pretendia. Para pagar dívidas
da Aldeia e compromissos de famí-
lia. Não vendi a casa. Mas, num
abrir-fechar de olhos, vendi tudo
i quanto amealhei durante anos: qua-
dros bizantinos, velhos móveis bra-
sileiros, oratórios, mais de 200 san-
tos barrocos, de todas as regiões do
Brasil, uma stela funerária do século
V da Grécia, tocheiros, altares,
vendi tudo. A casa ficou nua, nuasi-
nha.
E a casa?
Podia vendê-la por 600.000
cruzeiros. Para que ficar rico com
ela? Que faria eu com essa dinhei-
rama? Quero morrer tão pobre
como nasci. Vou transformá-la
numa fundação, com o nome de
meu Pai. Terá o Teatro Duse, uma
sala de música, para nossos jovens
compositores, biblioteca aberta ao
público, sala de dança, escolinha de
arte, uma galeria para artistas novos
que terá o nome de Ana Elia, uma
sobrinha neta que morreu atropela-
da por um automóvel numa esquina
de Copacabana. Tinha onze anos
somente. Era menos que um pássa-
ro "Se
eu tivesse sido embaixador
na Polônia" não teria realizado a
Caravana da Cultura, nem as Con-
centrações de Corais Universitários
do Nordeste e do Sul, nem os festi-
vais nacionais de teatros de estudan-
tes, nem os cursos de cultura brasi-
leira, não teria ajudado, com o me-
lhor de mim mesmo, essa obra for-
midável que é a
"Nova Jerusalem ,
em Pernambuco, e não teria dado,
ao mundo e ao Brasil a Aldeia de
Arcozelo. Por ;do isso sou grato
ao Presidente Jânio Quadros por
haver retirado minha indicação ao
Senado para
"embaixador do Brasil
na Polônia". Agora eu vou lutar
pelos albergues da juventude.
Se
não morrer nos próximos doze me-
ses, ajudarei a povoar o Brasil de
albergues da juventude.
OS ALBERGUES
Um albergue não é de maneira
alguma um hotel, é uma pousada
simples, à disposição dos jovens, em
suas viagens para descobrir o Brasil,
a pé, ônibus, trem, automóvel, ca-
minhão. Os que nele se hospedam
trazem sua roupa de cama, toalhas
de rosto e banho e demais objetos
pessoais de viagem.
é somente destinado a estu-
dantes?
De maneira alguma. Para gente
de 15 a 30 anos, estudantes ou não.
Os albergues, em geral, não dão
refeições. Em alguns há uma cozi-
nha coletiva onde o viajante poderá
preparar sua refeição, exigindo o
regulamento que a deixe limpa, as-
sim como todas as dependências
que ocupar no albergue.
E quanto ao pagamento
da diá-
ria?
Orçada atualmente entre 4 e 5
cruzeiros. Uma taxa modesta de
manutenção. Há cerca de seis mil na
Europa, mais de 2 mil na América
do Norte e no Canadá, aproximada-
mente 900 no Japão. Seu número
cresce na América Latina de tal
jeito que recentemente se realizou o
1o. Congresso Latino-Americano de
Albergues da Juventude, ao qual o
Brasil compareceu com seis repre-
sentantes: um professor e cinco es-
tudantes.
Chegou agora a vez do Brasil.
Em maio último, na Casa do Estu-
dante, com a presença do Ministro
Jarbas Passarinho, foi lançado o
"Movimento Nacional de Albergues
da Juventude". Idéia nobre, genero-
sa, obteve e não podia se dar o
contrário —
uma repercussão imen-
sa em todo o país. A CEB promo-
veu a fundação da "Federação
das
Associações Brasileiras de Albergues
da Juventude", sendo eleito para
sua presidência o Dr. Luiz Alves
Santiago de Mesquita, seu secretá-
rio-Geral. Associação de caráter as-
sistencial, cultural, educacional,
sem finalidade lucrativa, filiada a
"International Youth Hostel Fede-
ration", a Federação "desenvolverá
o turismo educativo e esportivo en-
tre os jovens, interditada toda e
qualquer ação política, filosófica ou
religiosa.
FABAJ tem caráter eminentemente
mundialista e sua finalidade mais
alta é a aproximação dos jovens de
todo o mundo".
Paschoal Carlos Magno, fundador
da Casa do Estudante e seu atual
presidente, criador do Teatro do
Estudante, fundador e mantenedor
da Aldeia de Arcozelo,
'é,
como
dizem os estatutos da recém-funda-
da Federação, não somente seu Pre-
sidente-Honorário, mas o "Grande
Animador" do mòvimento.
No ato inaugural do movimento, o
Ministro da Educação teve ocasião
de dizer: "Há
homens doadores, e
entre esses homens, temos evidente-
mente de reconhecer, está o embai-
xador Paschoal Carlos Magno, que
se doou à juventude brasileira e que
enobrece sua própria vida e ganha
muito mais conteúdo e muito mais
força, mas também a Nação que
teve o privilégio de vê-lo nascer".
I konjuntura
j
—.—. I
Anunciam os jornais que uma
nova safra de papeis já está
pronta para chegar á Bolsa de
Valores. Onde esses bons ou
maus papéis ficarão ? Como ?Coentro
¦
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...
»
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/ ^\ )l ^ÔVS* DE ******* 'u W^^^^MI^^k
il *§i lf FOA*/ESSE]
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(A MiSS DOCA DÊ ÍMBlTüBftS?) /^ 8Ai4HE.ftO...
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_______ \r ÍMÃS CüiDAOO
-S /tw«irx*<\)/^ \ *^SaJA / rÒ 3
<f CCOM A DESCAft&A// 17^ \ V/K/^/lF ^*^ N
/ /Wft/_J / J ll >S/^) ^-lEesT»'
votWMoo... y
Jwwá 9m\ —
l/M-^r1 *^\¦
Jorge
França
As frases feitas, de grande
efeito começaram a aparecer
e a confundir a todo mundo
até que
o americano revelou
que o economês é uma farsa
POLITIKA
revelação
¦
0 economês surgiu com
Celso Furtado e ganhou
intensidade com Campos
HhNPP '
'JBBL ;,. .
¦%;. # mi -w?l
F"HwiH&l5?5te M ylfTO/-
*W.J.pir - < ? ,'^r^^HHppp^: ...
i
De uns 10 a 15 anos pa-
ra cá a imprensa começou
a divulgar uma linguagem
nova, inusitada, em termos
de economia, desenvolvi-
mento. 0 povo não enten-
dia nada, os jornalistas que
a difundiam, também nao.
Era o economês, assim de-
finido pelos profissionais
de imprensa encarregados
de cobrir os acontecimen-
tos nas áreas econômica e
financeira.
Muitos jornalistas não
entendiam, como conti-
nuam não entendendo,
muitas coisas ditas pelos
economistas encarregados
da política do governo
e
alguns, até, pediam aos
que declaravam alguma
coisa para trocar em miú-
dos o que estavam dizen-
do, pois só assim
poderiam
redigir as matérias para os
seus jornais e levar os leito-
res a um entendimento.
As frases pomposas fo-
ram se acumulando. Desde
o tempo de Celso Furtado
e atingiram ao ápice com a
administração Roberto
Campos, no Ministério do
Planejamento. Frases de
efeito que impressionavam
°s circundantes, alguns até
se sentiam diminuídos
diante de tanta erudição,
.que não tinham coragem
de pedir o significado do
que as autoridades estavam
dizendo, para não passar
atestado de ignorância.
Reversão de expectati-
va, Instrumentação Opcio-
nal Combinada, Dinâmica
Direcional Insumida, Dinâ-
mi ca Dimensional Eqüili-
brada e outras frases de
grande efeito e nenhuma
significação. Era o econo-
mês institucionalizado.
Passou-se, então, a exa-
minar o conteúdo das fra-
ses de efeito, depois que a
imprensa se refez do
impacto sofrido com o
aparecimento dos neologis-
mos frasísticos. Certa im-
prensa, pretensiosa, passou
a adotar os termos oriun-
dos sobretudo do Ministé-
rio do Planejamento e que
foram se difundindo por
outros setores do governo,
atingindo a Fazenda, Edu-
cação até se atingir toda a
administração. Hoje só e
' administrador erudito o
homem capaz de armar
uma frase de efeito, jogar
na cara do interlocutor um
argumento irrespondível,
pela sua falta de conteúdo.
O que há de curioso no
economês é que ele não
significa nada, apesar de
sua pompa. Quando um
técnico cita uma frase de
efeito, ninguém ousa con-
testá-lo, mesmo porque ele
já tem armadas outras tan-
tas para responder aos ar-
gumentos com outras tan-
tas frases vazias de conteú-
do, mas impressionante-
mente bem armadas. Ocas
de conteúdo. Enganadoras.
Os economistas com
pós-graduação em Princen-
ton, Oxford e passagem
por Breton Woods domina-
ram o cenário econômico
nacional. Os masteres são
os que mais enganam e
nós, pobres mortais tupini-
quins, ficamos de es-
pectadores botocudos, as-
si st indo boquiabertos à
erudição, sem saber o que
dizer quando um dos me-
ninos, e são muitos os me-
ninosda Fazenda, nos expli-
ca que o aumento da carne
não houve, que o preço do
ônibus não subiu, e o que
ocorreu foi uma Flexibili-
dade Estrutural Insumida,
ou coisa parecida, e nós
simples mortais, sem nun-
ca termos tido acesso ao
olimpo econômico ficamos
na nossa. Mas como é pos-
sível, se temos que pagar
mais por um quilo
de car-
ne ou por uma passagem
de ônibus? Aí vem uma
enxurrada de citações de
números acompanhada da
verborragia economêsmica
e o pobre mortal se vê for-
çado a aceitar tudo, antes
que sua cuca se funda.
Explicação
Mas como para cada fe-
nômeno existe pelo menos
uma explicação, já dizia
Platão, muito antes de Ro-
berto Campos, o economês
veio a furo, e quem desço-
briu a mecânica da coisa
foi um norte-americano —
Philip B roughton —
mo-
desto funcionário burocrá-
tico, afeito às coisas sim-
pies, mas mesmo por Isso
não incompetente, que co-
meçou a sentir na própria
carne que estava sendo
preterido por colegas de
linguagem empolada e fra-
ses de grande efeito. Pas-
sou a observar o que eles
diziam, o que significava e
o que existia de real nelas.
Tanto observou que che-
gou a uma constatação es-
tarrecedora: as frases nada
significavam e havia mes-
mo uma fórmula mágica
de se impressionar aos me-
nos avisados.
Partiu dessas conclusões
para armar um esquema,
que foi divulgado pela re-
vista NEWSWEEK, e por
ele provou que só fazia
carreira em Washington
quem falasse empolado. O
funcionário, de qualquer
categoria, que optasse pela
simplicidade, era, e é, su-
mariamente relegado _a
uma posição inferior. Não
merece consideração. Lá
como cá.
Philip Broughton criou
uma chave para o uso das
palavras-chaves em conver-
sação, de maneira a con-
verter frustrados em vito-
riosos. São 30 palavras-
chave, agrupadas em três
colunas, com a numeração
de 0 a 9. Com elas você
pode se transformar num
erudito, discutir com Ro-
berto Campos, impressio-
nar o Delfim Neto, deixar
o Vilar de Queirós bo-
quiaberto. Só tem que fa-
zer um esforçozinho e de-
vorar as três colunas. Não
é preciso fazer curso de
master em Princenton, o
Philip teve a cortesia de
lhe dar a chave para entrar
no olimpo dos semideuses.
Com um esforçozinho vo-
cê pode, agora, ser um
igual aos cobras nacionais
e POLITIKA, colaborando
com o MOBRAL de pós-
graduação, lhe oferece esta
chance. É a Loteria Espor-
tiva dos economistas. Eis a
chave do sucesso econômi-
co:
COLUNA -
1
- Programação
— Estratégia
- Mobilidade
- Planificação
- Dinâmica
— Flexibilidade
- Implementação
- Instrumentação
- Retroação
- Projeção
COLUNA -
2
— Funcional
— Operacional
— Dimensional
— Transicional
— Estrutural
- Global
— Direcional
— Opcional
— Central
— Logística
COLUNA -
3
— Sistemática
— Integrada
— Equilibrada
— Totalizada
— Insumida
— Balanceada
— Coordenada
— Combinada
— Estabilizada
— Paralela
O método para você
usar estas palavras-chave é
muito simples, basta esco-
lher ao acaso um número
qualquer de três algarismos
(uma centena) e procurar
o número correspondente
em cada coluna. Está for-
mada uma frase de grande
efeito e nenhum conteúdo.
Por exemplo: 345 — Plani-
ficação Estrutural Balan-
ceada —
solte esta frase
em meio de uma conversa
sobre economia e veja o
efeito que ela causa. Só
que não significa nada. £
zero à esquersa. Outro
exemplo: 921 —
Projeção
Dimensional Integrada —
que pompa! Mas o que ela
significa? Pergunte aos
economistas. Eles também
não sabem.
¦
:9HPK|. .
mm* gR§K
lO
i I II
POLITIKA
|soclologlaj
Nem sempre o crescimento da
renda nacional foi resultado
da política
econômica do
govêrno, planificada ou não.
Cresce sem qualquer
direção.
Octavio
lanni
1
^hh^^h
AS RELAÇÕES
ENTRE0 POLÍTICO
E 0 ECONÔMICO
A evolução do sistema político-
econômico brasileiro, conforme
ocorreu nos anos 1930-70, revela o
desenvolvimento e a convergência
de duas tendências importantes, pa-
ra a compreensão do tipo de capita-
lismo vigente no País. Em primeiro
lugar, o Estado foi levado a desem
penhar funções cada vez mais com-
plexas no conjunto da Economia
Essa participação crescente teve ca-
ráter direto e indireto, desde a fré-
qüente formulação e reformulação
das "regras
do jogo". das forças
produtivas no mercado até a criação
de empresas estatais. Em segundo
lugar, a política econômica governa-
mental tornou-se cada vez mais
complexa e ambiciosa, chegando a
configurar-se como política econô
mica planificada. Note-se, entretan-
to, que a política econômicagover-
namental brasileira nem sempre foi
política deliberada de desenvolvi
mento. Às vezes ela foi apenas, ou
principalmente, política de estabili
zação. Outras vezes, orientou-se no
sentido da harmonização (ou inte
gração) de setores produtivos e sub-
sistemas regionais do País. Portan-
to, nem sempre o crescimento da
renda nacional foi resultado da po
lítica econômica governamental,
planificada ou nãò. Ao contrário,
em diversas ocasiões o crescimento
da Economia não foi senão o resul-
tado de decisões^ investimentos e
condições de mercado funcionando
sem qualquer direção governamen-
tal.
Essas duas tendências (crescente
participação estatal na Economia e
política econômica planificada) e a
sinqularidade da convergência de
ambas, devem ser consideradas ma-
nifestações básicas do sistema poli-
tico-econômico brasileiro. Sem elas
não se pode compreender o tipo de
capitalismo vigente no Brasil. Em
um nível mais geral, elas correspon-
dem à progressiva
"racionalização"
do referido sistema, racionalização
essa provocada pela crescente dife-
renciação das relações e estruturas
de poder político e econômico no
País. Em outro nível, no entanto,
essas tendências convergentes estão
associadas à formação do Estado
propriamente burguês, em substitui-
ção ao Estado de tipo oligárquico
vigente até 1930.
Vejamos, pois, quais foram as
condições históricas e estruturais
(fundamentalmente econômicas e
políticas) que provocaram o desen
volvi mento e a convergência dessas
duas tendências. Essas condições —
apresentadas em seguida —
corres-
pondem àquelas que parecem expli-
car (quando combinadas) algumas
das peculiaridades do sistema políti
co-econômico brasileiro, nas déca-
das de 1930 a 1970. Todavia, elas
foram, individualmente, mais ou
menos decisivas, conforme o con-
texto político e econômico em que
ocorreram.
Em geral, as crises econômicas
criam as condições a partir das
quais o Estado é levado a desempe-
nhar papéis mais ativos na econo-
mia dos países capitalistas, domi
nantes ou dependentes. O Brasil
não escapa a essa regra geral. A
história da economia cafeeira, por
exemplo, mostra como os diferen-
tes governos (inicialmente estaduais
e, depois, federais) adotaram medi-
das de cunho anticíclico, para pro-
teção e incentivo aos interesses eco-
nômicos dos fazendeiros e comer-
ciantes de café. E quando uma crise
econômica combina-se com uma
crise política (ambas geradas nas
mesmas condições históricas, como
ocorreu, por exemplo, em 1929-33)
então o poder público pode mesmo
ser bastante reformulado, para pro-
teger e incentivar as atividades eco-
nômicas mais importantes; ou criar
e estimular novas atividades produ-
tivas. Aliás a Guerra Mundial de
1939-45 também adquiriu, para o
Brasil, o caráter de uma crise políti-
ca e econômica de grandes propor-
ções. Em conseqüência, provocou a
formulação de novos órgãos e técni-
cas de atuação governamental, com
relação aos diferentes setores pro-
dutivos às finanças e aos salários.
No caso de países dependentes,
como o Brasil, nos quais muitas
crises irrompem de fora para dentro,
por intermédio do setor externo da
Economia (simplesmente exporta-
das pelos páises dominantes) elas
adquirem com freqüência caráter
catastrófico. Pelo fato de não serem
geradas internamenté, em geral sur-
preendem até mesmo os governan-
tes, além dos empresários, comer-
ciantes e banqueiros, todos ligados
ao setor externo por meio do qual
irrompe a crise. Em conseqüência,
esse tipo de crise adquire o caráter
de cataclismo afetando, em primei-
ro lugar, o setor externo e os inte-
resses econômicos e políticos a ele
ligados. Em seguida, ou simultanea-
mente, afeta outros setores produ-
tivos, com os interesses econômicos
e políticos respectivos. Assim,
quanto mais dependente do setor
externo, mais extensas tendem a ser
as conseqüências internas da c™^
„ . !
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AS RELAÇÕES
EHTRE O POLÍTICO
f O ECONÔMICO
Os países dependentes, como
o Brasil, nos quais as crises
irrompem de fora para dentro,
elas adquirem um caráter de
catástrofe, por causa disso
POLITIKA
11sociologia
Essa é provavelmente, uma das
ra/ões por que em países depen-
dentes o Estado participa, nas deci-
soes e atividades relativas a econo-
mia muito mais que nos países
dominantes. É nas situações de crise
que se revelam, mais abertamente,
as limitações e as perspectivas da
Economia, bem como as implica-
cões políticas das relações economi-
cas Nessas situações as contra-
dições se tornam mais desenvolvidas
e evidentes, seja pela aceleração de
certos processos econômicos (por
exemplo, tendência para o entesou-
ramento, em bancos dos países do-
minantes), seja pela intensificação
dos conflitos sociais e das lutas pelo
controle do poder político. Nesse
contexto, entre outras conseqüên-
cias, os governantes são levados a
tomar medidas para proteger e in-
centivar os diferentes setores produ-
tivos, bem como preservar as condi-
ções sociais e políticas de funciona-
mento do regime. Seja para sócia-
lizar as perdas sofridas pelo setor
privado em crise (inclusive pela en-
campação de empresas privadas de-
ficitárias), seja para dar-lhe defesas
e estímulos, o poder público refor-
mula órgãos e técnicas de ação, ou
cria outros especiais. Em conse-
qüência, o Estado se insere mais e
mais no centro do sistema econômi-
co. Isto é, desenvolve-se mais e mais
um dos seus conteúdos essenciais,
como expressão e síntese do regime
político-econômico.
Assim, as crises econômicas (ou
as crises ao mesmo tempo econômi-
cas e políticas) têm sido aconteci-
mentos importantes para a explica-
ção de porque o Estado passa a
desempenhar funções cada vez mais
complexas na economia do Brasil.
Note-se, entretanto, que as reações
governamentais (isoladas ou planif i-
cadas) às situações de crise não
significam, necessária e automática-
men le a fuiinuldçcíü e execução ~.~
políticas econômicas de desenvolvi-
mento. Antes de mais nada, o que
entra em jogo é a preservação do
regime; isto é, das relações e estru-
turas de dominação e apropriação
vigentes.
Note-se, no entanto, que a histó-
ria econômica do Brasil (nos anos
1930-70) mostra que o desenvolvi-
mento econômico, em geral, e^a
industrialização, em particular, não
foram o resultado do jogo espontâ-
neo e automático das forças produ-
tivas no mercado, em combinação
com a atividade empresarial. É ine-
gável que elementos autônomos
também desempenharam papéis
dinâmicos nas diversas fases do de-
senvolvimento econômico verifica-
do no Brasil nesses quarenta anos.
Entretanto, as mudanças graduais e
os crescimentos moderados, paulati-
nos, não produziram as principais
transformações econômicas ocorri-
das no País. Em diferentes ocasiões
e em setores produtivos distintos,
ocorreram insuficiências e obstácu-,
los de tipo institucional, financeiro,
cambial, tecnológico, trabalhista, e-
ducacional, organizatório, de lide-
rança, etc. Entretanto, o livre jogo
das forças produtivas no mercado e
a criatividade empresarial não pro-
duziram, automaticamente, as solu-
ções possíveis. Ao contrário, algu-
mas dentre as principais manifesta-
ções do desenvolvimento economi-
co brasileiro resultaram da ação di-
reta ou indireta do Estado. Em
geral o poder público teve um pa-
pei decisivo na criação de condições
mais favoráveis para o funciona-
mento e a expansão da empresa
privada nacional e multinacional.
Para isso, organizou e aperfeiçoou
os mercados de capital e de força de
trabalho, segundo as conveniências
do setor privado.
Essa participação decisiva do po-
der público na economia brasileira
(ao menos em algumas fases do
desenvolvimento econômico) resul-
tou de certas condições estruturais.
Houve momentos em que o setor
privado (nacional ou estrangeiro)
não poderia continuar a desenvol-
ver-se sem que se resolvessem certos
problemas institucionais; ou se pro-
.movessem determinados investi-
mentos infra-estruturais. Assim, a
medida que o sistema ecunuimco
evoluía, surgiam problemas tais co-
mo- necessidade de investimentos
de capital social e criação de econo-
mias externas; necessidade de invés-
timentos desproporcionais, relativa-
mente às possibilidades e conve-
niências financeiras do setor priva-
do; problemas de complementaria-
de técnica e econômica intra e in-
tersetorial, quanto a exigências de
capital, tecnologia e força de traba-
lho.
Em outros termos, poderíamos
dizer que essas condições estrutu-
rais refletiram a necessidade de criar
n o v as condições (institucionais,
quanto a disponibilidades de capi-
tal, tecnologia e força de trabalho)
para que crescesse o volume e a
taxa de produção de excedente eco-
nômico. Isto é, a intervenção gover-
namental, mais ou menos profunda,
conforme o caso, destinou-se a aee-
lerar o processo de transformação
do excedente econômico potencial
em excedente econômico efetivo.
Em outras palavras, a ação estatal
favoreceu a "racionalização" do sis-
tema produtivo, segundo as exigen-
cias da reprodução e acumulação
estabelecidas pelo setor privado.
Ocorre é que há certas fases do
desenvolvimento econômico que
dependem de saltos qualitativos no
processo econômico. A criação de
um setor industrial no Brasil, por
exemplo, não foi o resultado de
mudanças quantitativas de pequeno
vulto. É fato que houve também
essas mudanças; e elas foram impor-
tantes. Mas a transição para a fase
de produção de bens de produção,
por exemplo, esteve associada a
transformações qualitativas; isto é,
estruturais. E estas não ocorrem
sem saltos. As transformações dei
tipo qualitativo, conforme ocorre-/
ram na economia brasileira, nos
anos 1930-70, estiveram ligadas à
participação crescente do poder pu-'
,bliC0D nas decisões, estímulos e in-
vestimentos relacionados com o
conjunto do sistema econômico do
País. Aliás, a essência do salto quali-
tativo, nesse caso, é a acentuação
do elemento político, inerente às
políticas econômicas governamen-
tais. A maneira pela qual o Estado
foi inserido nas transformações do
sistema econômico, estava relacio-
nada às transformações ou desen-
volvi mentos das estruturas de po-
uei c aqui reside o nocnnma H;
questão. Para que haja aceleração
do desenvolvimento econômico, é
necessário quê ocorram também
modificações nas estruturas e rela-
cões políticas. Note-se que o desen-
volvimento econômico, conforme
ocorre concretamente no Brasil,
nesses anos, é um elemento impor-
tante das relações entre as classes
sociais; bem como das relações en-
tre os diferentes grupos sociais den-
tro de cada classe.
Como vemos, as relações entre
processos e estruturas políticas e
econômicas é um problema central,
quando queremos esclarecer as con-
dições e conseqüências não econô-
micas do desenvolvimento brasilei-
ro. Essas relações surgem também
no âmbito das políticas econômicas
governamentais, planifiçadas ou
não. As referidas relações estão no
centro dos encadeamentos entre Es-
tado, economia e sociedade.
Nesse sentido, desde logo im-
põe-se o problema do nacionalismo,
bastante presente na realidade brasi-
leira, nos anos 1930-70. Não há
dúvida de que tem havido alguma
relação entrypolítica econômica
planif içada, política de desenvolvi-
mento econômico e intervencionis-
mo estatal na Economia, por um
lado, e nacionalismo, por outro.
Mas não é certo que essa relação
tenha sido constante. Nem é verda-
deiro que ela foi uma relação neces-
sária. Aliás, as diferentes políticas
econômicas governamentais revela-
ram que, em certas ocasiões, a ação
não esteve comprometida nem com
o nacionalismo econômico nem
com o nacionalismo político. Ou-
trás vezes, o que ocorreu foi que as
f o r mulações nacionalistas situa-
ram-se apenas em nível ideológico,
enquanto que as medidas e ações
reais do governo eram de tipo inter-
nacionalista; isto é, destinavam-se
também a facilitar ou incentivar
investimentos de origem externa no
País. Assim, em muitas ocasiões, o
intervencionismo governamentais
destinava-se a reduzir ou a controlar
os riscos políticos a que poderiam
estar sujeitos os investimentos pri-
vados, de origem nacional ou multi-
nacional.
Em todos os níveis, pois, revê-
lam-se as relações entre o político e
o econômico. Em especial, mam fes-
tam-se 0$ mnteúdos Dolíticos das
decisões e ações relativas àsativida-
des produtivas. A verdade é que as
atividades produtivas são ininteligi-
veis enquanto não se explicitam as
relações de produção, por meio das
quais elas se realizam. É que os dois
momentos da realidade (o econômi-
co e o político) estão sempre imbri-
cados, determinando-se mutuamen-
te.
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POLITIKA
12baciadas almas
Reparem só. Todo cara que assume a presi-dencia da Embratur começa logo a anunciar
grandes estudos sobre turismo e a participar de
um sem número de mesas-redondas, nos Esta-
dos e no exterior, sobre o assunto. O Paulo Pro-
tásio, que até prometia, já está no circuito das
águas, isto é, dos coquetéis que se sucedem fas-
tidiosamente, sem nenhum resultado concreto
para o turismo nacional. No Brasil, só os diri-
gentes da Embratur fazem turismo.
Turismo
Está para aparecer um cara que tome posse
da Embratur e resolva fazer uma consolidação
dos "planos"
já existentes. Esse cara, podem
anotar, vai revolucionar o órgão. Por enquanto,
temos que aturar a confusão que se faz entre
administrar a Embratur e fazer turismo. Ainda
não ocorreu a nenhum presidente do órgão quesão duas coisas bem distintas.
/•*>-_> *
Arenuca
tle Saiu nr a
A TV Globo, em 1966,
tinha um programa: — "Ci-
dade Contra o Crime". 0
nível era tão baixo, o pu-blico reagia tanto, que um
dia a própria equipe de
funcionários da TV foi à
direção e exigiu o cancela-
mento do programa. E o
programa foi tirado do ar,
passando para a Rádio
Globo.
O homem de "Cidade
Contra o Crime" chama-se
Samuca, conviva do sub-
mundo de Caxias e arredo-
res.
Esta semana, os jornais;dão a notícia: — "O
depu-
tado Samuel Correia, re-.
presentante de Caxias, queapresenta numa rádio do
Rio o programa "Cidade
Contra o Crime", resenha
humorística dos fatos poli-ciais, é desde ontem o no-
vo líder da bancada da
ARENA na Assembléia Le-
gislativa".Fica-nos a dúvida atroz:
- qual dos dois, ARENA
do Estado do Rio ou Sa-
muca, é mais digno do ou-
tro?
Miltone nós
9-W •* ^B3_t^_____k
No número 10 de
POLITIKA publicamos
uma longa matéria intitu-
lada "Cartilha
Política de
Milton Campos". Era uma
longa reportagem montada
a partir de notas e traba-
lhos de Milton Campos,
não divulgados, versando
todos sobre a crise e o des-
tino da democracia. O Se-
bastião Néry foi recebido
por Milton Campos, no
próprio hospital, e ali te-
ceu enormes considerações
sobre a importância deste
semanário. Sua família, to-
das as semanas, já sabia
que o senador queria ler
POLITIKA. Como, na oca-
sião, estivesse lá, também
em visita, o senador Maga-
Ihães Pinto, Milton Cam-
pos pediu a Néry que vol-
tasse em outra ocasião poisele fazia questão de nos
conceder uma entrevista
exclusiva.
Para não perder a via-
gem, Néry recolheu com
familiares e ex-auxiliares
diretos de Milton Campos
alguns documentos do
grande político, com os
quais compôs a matéria járeferida. Todo mundo sa-
be, agora, porque Milton
não nos concedeu a entre-
vista prometida.
Quanto à importância
do POLITIKA, que Milton
Campos fez questão de as-
sinalar, nós tivemos mais
uma prova logo depois queo próprio Milton morreu.
Todos os grandes jornaisbrasileiros inspiraram-se
em nossa "Cartilha
Politi-
ca de Milton Campos" pa-ra falar do grande morto.
Com uma única diferença:
quando publicamos a carti-
lha. Milton Campos ainda
era um vivo enorme, politi-camente imenso.
Analista
É um líder do governo,
por isso recusa-se a analisar
a realidade nacional em
profundidade. E se justifi-ca:
"bancada do governo é
para apoiar e não para ana-
li sar". É, muita análise
atrapalha.
A taxa
(w)
Sabe-se lá porque crises
de modéstia, o ministro
Delfim Neto está espalhan-
do, na Europa, que o nos-
so PNB crescerá em 1972 a
uma taxa de 9%. Se assim
for já será, convenhamos,
um extraordinário cresci-
mento. Mas, para quem já
se habituou a taxas supe-
riores a 10%, esses 9%
anunciados parecem um
recuo na escada ou na es-
calada. Com as virtuali-
dades do país e com in-
gresso maciço de capital
estrangeiro programado —
já se fala até numa ponteBrasil—Japão - era de es-
perar que a nossa taxa de
crescimento se mativesse
pelo menos estável durante
alguns anos mais. O exem-
pio do próprio Japão vem
logo à memória. Afinal o
Japão manteve uma taxa
de crescimento superior a
10% durante muitos anos.
Se caiu, agora, é porque o
Japão esgotou a mina. Coi-
sa que o Brasil está longe
de fazer, pois as nossas
possibilidades de enrique-
cimento são infinitas.
Há, ainda, um outro as-
pecto a considerar, este de
natureza política. O Brasil
foi apontado, pelos Esta-
dos Unidos, como modelo
de comportamento econn-
mico e como principal fa-
tor de estratégia políticana América Latina. Ora, is-
so nos coloca sob um foco
de luz. Não podemos, sob
hipótese alguma, desandar.
Mas não é só. Ao nosso
lado, todo complicado
com crises políticas diárias
e de profundidade, o Chile
promete para 1972 um
crescimento da ordem de
10%. E o Peru, pelo seu
governo, afirma que fecha-
rá o ano com uma taxa da
ordem de 12%.
Nesse jogo de prestígioexterno e de motivação in-
terna, o Brasil não pode fi-
car por baixo. O ministro
que refaça seus cálculos e
verifique, com atenção,
que o Brasil não pode crês-
cer, em 1972, a uma taxa
inferior a 12%. Hoje, o de-
senvolvimento é o ópio do
povo.
Editorial - I
"A ajuda externa tem um
grande futuro atrás de si".
Esta frase, um editorial
perfeito, é de Isaiah
Franck e foi citada porRoberto Campos, em seu
livro "Ensaios
contra a ma-
ré". Como se vê da cita-
ção, agora editorial, nem o
Roberto Campos acredita
mais em "ajuda"
externa.
Vi«*«* - lideres
da PI DE
DIGA*
•PORTUGAL!
Os deputados Clovis
Stenzel (Rio Grande do
Sul) e Flavio Marcilio (cea-rá), não satisfeitos de te-
rem passado meses fazen-
do turismo no exterior à
custa do Congresso, quan-.do estava funcionando,
agora que o Congresso está
em recesso, foram gozarférias em Portugal, Angola
e Moçambique, fazendo*
turismo a soldo do gover-no português. Voltaram delá dizendo:
-A) CLOVIS: "Na
ONU,
desenvolve-se uma campa-
nha mentirosa e agressiva
contra Portugal. Numa
época em que tanto se fala
no direito de determinação
dos povos, representantes
de nações livres apoiam a
política de agressão contra
um povo que quer e luta
pelo direito de ser portu-
guês. Portugal em África
luta só, defendendo sua so-
berania e também seus in-
teresses. Quando alguém
defende a tese de que a
África pertence aos africa-
nos,' parece desconhecer
que africanos são também
os portugueses que há mais
de 400 anos estão naquele
continente".
B) FLAVIO: "O
Brasil
vê em Angola e Moçambi-
que uma continuação do
território português e con-
sidera-as, como tal, perfei-tamente integradas ao es-
pírito luso-brasileiro. A
posição do Brasil deve sera de negar-se a apoiar asresoluções de apoio a orga-
nizações subversivas e ter-
roristas, que contra Portu-
gal são cada ano aprovadas
pela Assembléia-Geral da
ONU".
Quer dizer, então, não
é, doutores, que os portu-
gueses são também africa-
nos, porque há mais de
400 anos colonializam e
exploram Angola e Mo-
çambique? Então, os in-
gleses eram americanos,
porque passaram 300 anos
na colônia dos Estados
Unidos e Washington, Lin-
coln, J ef fersonforam
subversivos e terroris-tas"? Então, os ingleseseram indianos porque passaram 500 anos na colôniada índia, e Ghandi e Nehruforam
"subversivos e ter-
roristas"? Então, os por-tugueses eram brasileiros,
porque passa.d.ii 322 diiuòna colônia do Brasil, e Ti-radentes, Felipe dos San-tos, José Bonifácio, foram'
subversivos e terroris-tas"?
Pois é. Clovis e Flavioacham pouco serem vice-lí-,deres da ARENA. Assumi-ram a vice-lideranca daPIDE.
sO
^T^y^M^
Plantando, nilo ilá
A situação dos fruticultores, principalmenteno interior de Sáo Paulo, é a mais dramática
possível. Para dar um exemplo. Em Jundiai, oproprietário do sítio São João está oferecendouma caixa com 20 maçãs por cinco cruzeiros eninguém aparece para comprar. Culpa-se o atra-vessador, o custo dos transportes, a falta de fri-
goríficos, etc. E o governo?O ano de 1970 foi todo ele atravessado com
um anúncio institucional da AERP dizendo
"Plante, que o Governo garante". Para o rádio e
a televisão pediram a ajuda de Miguel Gustavo e
este compôs um jingle mandando plantar que o
Governo garantiria. E agora, José?
Ao menos em homenagem à memória de Mi-guel Gustavo o Governo deveria garantir mes-mo. Ou, então, sair com um outro anúncio,mais realista: "Plante
se quizer, porque o Gover-no não garante nada".
POLITIKA
13baciadas almas
Falou «* disse
W . /V^
Depois que publicamos
a nossa reportagem "Jar-
bas Passarinho: um líder
na encruzilhada", dando
conta das dificuldades do
ministro da Educação com
suas bases pol íticas, no Pa-
rá, muitas coisas acontece-
ram. 0 ministro, em pri-
meiro lugar, resolveu botar
para quebrar: foi a Belém,
distribuiu descomposturas
a valer (no melhor e mais
eficiente estilo baratista),
demitiu secretários, enqua-
drou todo mundo. Com as
bases soterradas, ele voou
para Brasília, condecorou
o presidente, foi, por sua
vez, condecorado pelo pre-sidente e deu um show de
televisão falando sobre
problemas de sua pasta.Para mostrar que não é co-
mo certos ministros quevão para a televisão cerca-
dos de jornalistas biso-
nhos, para responder o ób-
vio e parecerem inteligen-
tes, Jarbas Passarinho desa-fiou e foi desafiado porLuiz Alberto^ Bahia, Vilas-
boas Corrêa'e outros co-bras. Gente que não se do-bra a ministros, mas que securva, dócil, diante deuuns argumentos, t Passa-rinho tinha, de fato, bonsargumentos. O principal é
que ele é, do governo, oministro que melhor se co-munica. Embora, às vezes,se trumbique.
Num momento da en-trevista o ministro da Edu-cação foi supremamentesarcástico:
quando confes-sou não ter elementos paraexplicar o fechamento deuma escola primária manti-da pelo BASA, em Belém.Passarinho transferiu a per-
gunta para outro ministro,
o do interior, mas a gente
percebia, no seu riso mor-
daz e enigmático, que o
ministro que pode respon-
der essa pergunta é outro.
Nome da escola fechada,
em Belém, pela atual admi-
nistração do BASA: "Esco-
la Jarbas Passarinho". No-
me do ministro que indi-
cou o atual presidente do
BASA: Costa Cavalcanti
(?)*
Opus Dei
JSrWíL
Quer dizer: somente
pela OPUS DEI, pois Car-rero Blanco é a cunha daorganização do governo deFranco.
David,
ponlo
Assim que o POLÍTI- '
KA publicou a matéria de
Sebastião Néry sobre o
Cursilho, choveram cartas
e telefonemas (alguns in-
dignados) protestandocontra a incrível
"falta de
informação" do nosso jor-
nal. O que se dizia (e a in-
sistência apenas exprimia a
necessidade de negar liga-
ções) é que o Cursilho na-
da tinha a ver com a OPUS
DEI e que a OPUS DEI na-
da tinha a ver com o gover-
no de Franco. Pois, sim!
Nesta mesma semana e
antes que tomássemos
qualquer providência para
esclarecer certas dúvidas, o
Jornal do Brasil -que se
considera um órgão super-
católico — transcrevia des-
pacho de seu representante
em Bruxelas dando conta
de uma entrevista concedi-
da pela duquesa Luiz3
Alvarez Toledo y Maura
sobre a situação política
espanhola. Nessa entrevis-
ta, a duquesa afirma que
Franco já não governa e
manifesta apreensões
quanto ao futuro da Espa-
nha nas mãos do Principe
Juan Carlos, um bobalhão
que só pensa em iates e
carros-esportes. Diz solene-
mente a duquesa: "O
país
continuará a ser dirigido
pela OPUS DEI e pelo Vi-
ce-Presidente Carrero Blan-
co".
e virgula\
O Paraná tem um histo-
riador que virou museu.
Quer dizer, criou o "Mu-
seu David Carneiro", um
monumento de preciosida-des e bom gosto. Agora,
sabe-se que o professor Da-
vid Carneiro não é apenas
o cultor do passado. É
também o homem do pon-to e vírgula.
Escreve, todo domingo,
um canto de página na"Gazeta
do Povo" de Curi-
tiba: "Veterana
Verba"
(Velhas Palavras). E escre-
ve assim (domingo, 16 de
janeiro de 1972):
- "Depois do artigo so-
bre o paranismo que publi-
quei; tive idéia de lançar o
fruto de uma meditação'
mais profunda; em termos
de auto-julgamento; isto é;
de como o paranaense de-
ve julgar-se a julgar os que;
ao seu redor; labutam; no
anseio de ascender e proje-
tar-se; projetando também
seu Estado; e as institui-
ções locais que ele repri?-
sente; Nesse sentido; vi; na
secretaria de Educação;
um pequeno cartaz; muito
sugestivo; que dizia..."
È vai em frente, trope-
çando em ponto e vírgulas,
como se fossem lombadas
ortográficas. Há muita re-
forma da língua por aí. A
do doutor David é muito
mais. É uma reforma dati-
lográfica: usando apenas
ponto e vírgula, a máquina
economizaria meia dúzia
de sinais.
Reminghton, Olivetti,
Smith-Corona, Olympia,
Facit, vós todas humildes
servas de neuróticos escri-
bas apressados, estais de
parabéns. Cinco batidas de
menos deve ser um alívio.
Ganhaste um bíblico pa-
trono paranaense!
JB e DIP
Editorial do "Jornal
do
Brasil": - "São remotas,
para não dizer nulas, as
perspectivas de chegar o
MDB ao Governo. Sem ca-
nais eficientes para a mobi-
lização popular, o MDB, a
fazer oposição prefere tra-
çar planos de governo. E
põe-se a sonhar".
É só procurar nos jor-
nais de 1937 a 1945. Ou
perguntar ao doutor Dan-
ton Jobim, boy do DIP.
Dizia-se absolutamente a
mesma coisa da oposição
daquela época.
O mais ridículo dos
erros políticos —ou do
jornalismo político —é a
falta de memória. Pensar
que o sol (o Poder) é que
se move. Quando desde a
Idade Média Galileu pro-
vou que é a terra (o País).
E nasceu aí toda a sabedo-
ria moderna. Inclusive a sa-
bedoria política.
Editorial -2
"Nem tudo passa sobre a
terra, ó José de Alencar.
Sobretudo a liberdade".
(Tristão de Athayde, 80
anos de coerência).
O Golpe do
eoelhinho
Inconformado com "a
falta de uma diretriz
moderna"na direção de
sua peça "Faça
Alguma
Coisa Pelo Coelho, Bicho",
o jornalista Pedro Porfírio
resolveu ser diretor e, pracomeço de conversa, abo-
liu o cenário, a maquila-
gem, os objetos de cena,
pôs os animais para senta-
rem no chão ou nas cadei-
ras da platéia e determinou
uma maior cobertura musi-
cal. Dentro de suas con-
cepções, pôs uma menina
para fazer o papel de coe-
lho (melhor do que certos"homens") e acabou com"a
marcação pela marca-
ção". Aos atores - em sua
maioria novos — recomen-
dou que pesquisassem as"almas"
dos animais que
representavam e acabassem"com
esse negócio de cão
latir em cena". Justifican-
do sua intervenção — afãs-
tou a própria mulher da
produção porque dava co-
bert ura a um diretor me-
díocre, sem jeito para diri-
gir — explicou que
"não
adianta fazer um texto
sem frescura e permitir
frescuras na direção" por-
que o teatro infantil do
ano 72 não comporta mais
frescurices.
O MOBRAL d<-
IBEX SAID
João Dantas, agora
homem de negócios, de-
pois de ter deixado
a direção do"Diário
de Notícias", con-
seguiu se estabilizar no ra-
mo de exportações e está
colhendo os frutos de seu
trabalho quando "Embai-
xador 11 i neran te" de
Jânio Quadros. O sucesso
que conseguiu no jor-
nalismo está alcançando
nas exportações. Para ini-
cio de conversa, João Dan-
tas está até exportando al-
fabetização. Acaba de fir-
mar um contrato com a
Árabia Saudita para um
programa de cultura no
país, semelhante ao do
MOBRAL aqui no Brasil, e
só de cartilhas vai exportar
um milhão de exemplares.
Quem está confeccionando
os livros é a Artes Gráficas
Gomes e Sousa. Joãozinho
quer alfabetizar até as oda-
Iiscas dos soberanos ára-
bes. Será o primeiro brasi-
leiro a devassar os harens
do Rei Iben Saud. Esta
vendendo também uma
grande partida de café para
a Tunísia, após ter inunda-
do o mercado alemão com
sardinhas em lata do Esta-
do do Rio.
***.
dokumento/
O general Miguel Costa. Luís
Carlos Prestes e Juarez não
agiram com violência para se
instalarem na casa paroquial,
foram convidados pelo padre
Frei
José M.
Audrin, OP
Como enfrentei a Co/una Prestes (II)*H_______fc^'__9_L__i_ «*JÊ9^ÊÊ WÊTJB* mmmm Hj
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Cordeiro dt Faria
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DEOCUPAÇÃO E FUGAP0f.ro -NACJONAl
__
ppf j %,
O General Miguel Costa,
o Coronel Luiz Carlos Prestes
e o tenente-coronel Juarez Tavora
aceitaram instalar-se em nossa
casa, mas somente depois de
muitas instâncias nossas e
conosco ficaram sete dias. Não
houve, portanto, como ousaram
publicar mais tarde certas
folhas, requisição violenta,
muita depredação e desrespeito
às nossas pessoas. Pelo
contrário; e desses dias jábem longínquos de agradável
convivência, conservamos até
hoje saudosa recordação.
Eram prolongadas palestras,amistosas, e confidencias
íntimas. Às refeições, servidas
na sala da biblioteca conventual,
compareciam quinze, e mesmo
vinte oficiais, convidados
sucessivamente pelo General.
As Irmãs do Colégio
multiplicavam-se em atenções,
preparando com esmero e
mandando tudo o que sua ciência
culinária podiainventar para reconfortá-los.
ar* »
.ÜPO PE GBÁDÜADOS DA -COLUNA
i-) "i . i -}, ?<?.) t
POLITIKA
OCUPAÇÃO í FUGA
D£ PORTO -NACIONAL
As "expropriações"
ordenadas
pela Coluna deixavam o povo
pobre reduzido á miséria, de
nada adiantando 0€> documentos
oferecidos pelos confiscadores
15dokumento
^^mamtmÊtttimmmmmmmtmmmmtmm^
Disciplina
reinava
na cidadeEntretanto, rigorosa disciplina
reinava na cidade ocupada, e muitos
dos moradores fugitivos atendendo
aos nossos apelos voltavam dos seus
esconderijos para as suas casas. Nas
re/as do mês do Rosário, à noite, a
igreja enchia-se de soldados vindo
unir-se às nossas orações. No do-
mingo, os gaúchos pediram licença
para cantar os "benditos"
da sua
terra longínqua, durante a missa as-
sistida por toda oficialidade. Hou-
ve mesmo alguns batizados pitores-
cos de crianças cujas mães acompa-
nhavam a Coluna. Tudo enfim era
para nós motivo de real simpatia
acompanhada de imensa compaixão
para tantos brasileiros que víamos
cansados por longas lutas, tortura-
dos por indizíveis saudades e que
sabíamos destinados a novos e mais
duros sofrimentos.
Chegamos assim a perguntar-nosse não existiria um meio dever ter-
minar-se tão prolongada, tão san-
grenta e, finalmente, tão inútil cam-
panha. Depois de ter muito pensadoe tomado o parecer de amigos, tive-
mos a ousadia de apresentar uma
proposta num documento oficial,
dirigido ao Estado Maior. Translada-
mos aqui este ofício que teríamos
imaginado dever ser publicado. Seus
destinatários, porém, julgaram bom
publicá-lo, um mês depois, na vila
de Floriano, no Estado de Piauí, em
um número de jornal local, trans-formado pelos revoltosos em
"Li-
bertador - Órgão da -Revolução".
A proposta"limo. Senhor General Miguel Cos-
ta. - Os poucos dias decorridos de-
pois que V. Exa. e seus distintos au-xiliares du Estado Maior se diyiid-ram aceitar uma humilde hospeda-
gem em nossa casa conventual, têmsido suficientes para patentear-nos,além do seu fino cavalheirismo, abondade de seu coração e a sinceri-dade de suas aspirações patrióticas.Somos e permaneceremos, depoisdeste rápido contato, seus admira-dores e, ao mesmo tempo, amigoscompadecidos e dedicados."Primeiro,
porque acreditamosem homens que o vil interesse nãoQuia e que pretendem, pelo contra-'•O,
tudo sacrificar pela defesa eobtenção dum ideal. Segundo,Porque além dos sofrimentos físicospue verificamos em sua dura jorna-da, adivinhamos o sem número de
J
4
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Coluna em movimento
"A generosidade de seu coração,
Sr. General, facilmente lhe fará
compreender que nosso silêncio se-
ria falta grave às obrigações da nos-
sa missão religiosa. Não poderá V.
Exa., ofender-se ouvindo-nos repe-
tir uma palavra sagrada: Não pode-mos não falar".
"Cumprido este dever, Sr. Gene-
ral, volveremos novamente os olhos
para seus dignos companheiros.
Mais uma vez o afirmamos: parte-se
de dor nosso coração ao. vermos
essa plêiade de jovens e distintos
brasileiros metidos nesta luta insa-
na, entranhados em nossos remotos
sertões, separados há tantos meses
de seus pais, esposas talvez e filhos,
persegujdos por seus próprios patrí-
cios, e por cúmulo de desgraça,
ignorando quando há de raiar para
todos a aurora da paz.
que animavam esses lutadores, mes-
mo, e sobretudo, podemos afirma-
lo, o então Cel. Luiz Carlos Prestes."Exmo.
e Rvmo. Frei José-M.
Audrin - dd. Superior do Convento
de S. Rosa em Porto-N.acional —
Acusamos desvanecidos o recebi-
mento de sua prezada carta de 21
do corrente. Penhorados agradece-
mo-lhe a gentileza das palavras
com que se dignou cumular-nos. E,
como bons brasileiros, rendemo-lhe
sincero preito de admiração pelonobre interesse que temdemons-
trado em prol da pacificação.
"Não ignoramos nenhuma das
vicissitudes deploráveis que consti-
tuem o séquito sombrio da guerra
civil. Bem medimos a grandeza da
penúria em que fica a debeter-se a
população pobre das regiões serta-
nejas por onde temos transitado.
Concordamos com V. Rma. em que
O padre propôs ao general tentar
junto ao governo a recosacrifícios. íntimos que, desde lon-
gos meses, suportam estoicamente
para alcançar um fim almejado. Na-
da mais precisamos acrescentar, Sr.
General, para obter de V. Exa. a li-
cença de apresentar algumas obser-
vações e formular alguns desejos.
"Antes de tudo, seja-nos lícito
cumprir um dever. A passagem da
Coluna Revolucionária através de
nossos sertões, e por esta cidade,
tem sido lamentável desastre, que
ficará por alguns anos irreparável.
Em poucos dias, nosso povo, em
sua maioria pobre, viu-se reduzido à
quase completa miséria. Isto é tanto
mais deplorável que este humilde
povo nenhuma culpa teve nos acon-
tecimentos passados, ignorante que
é, em sua totalidade, dos distúrbios
h'p 1Q74. em São Paulo e no Rio
Grande do Sul.
"Portanto, Sr. General, se nos é
grato reconhecer a elevada disci-
plina mantida na Coluna, quanto ao
respeito aos lares a aos cuidados do
Estado Maior e Comandos dos bata-
Ihões em prevenirem e castigarem
qualquer ofensa à moralidade e ao
sossego do povo - se acreditamos
que os danos materiais sofridos em
gado e animais sobretudo, longe de
serem motivados pelo instinto do
roubo, são apenas a imposição fatal
das duras necessidades da guerra -
sentimo-nos, não obstante, forçados
a deplorar tais prejuízos e a erguer,
contra eles, perante V. Exa., o nos-
so protesto.
"Pelo mesmo sentimento que nos
faz lamentar as misérias do nosso
povo, somos agora impelidos a dese-
jar e procurar um meio de obter-se
a conclusão de tantas angústias. E
eis-nos, Sr. General, perguntando a
V. Exa. se não existiria uma possibi-Iidade de tentarmos juntos, perante
as altas autoridades da República,
um esforço de reconciliação entre o
Governo e os Revolucionários. Não
seria possível escolhermos, pelo
menos, alguns intermediários capa-
zes de iniciarem alguma troca de
idéias, alguma tentativa de pacifi-
cação?"Se
V.Exa. achar este nosso pro-
pósito digno de atenção, pedimos o
obséquio de indicar-nos quais
devem ser nossas palavras e quais as
condições convenientes para sermos
atendidos pelos depositários do Po-
der."Dirigindo-lhe
estas linhas, Sr.
General, ditadas tão somente por
sentimento de caridade cristã, mas
também pelo sincero amor que tri-
butamos à sua Pátria, esperamos
que V. Exa. as receberá com agrado
reconhecendo a lealdade de quem
as escreveu."Porto-Nacional,
21 de outubro
de 1925 - Fr. José-M. Audrin o.p."
A resposta . .* Eis agora a resposta a nos dirigida
do Quartel General instalado, como
já dissemos, no convento dominica-
no. Relendo-a faz reviver, depois de
tantos anos, a lembrança das con-
vicções ardentemente patrióticas
o povo — esse humilde povo que,
tantas vezes, tem sido alvo das mes-
mas injustiças e violências que nos
atiraram nos braços da revolta e por
cujo bem nos debatemos — é, nesse
embate de paixões, a vítima mais
sacrificada."Aceitamos,
por isso, de bom
grado, os protestos que, em favor
dele, nos dirige V. Rma., como res-
salta de seus sagrados misteres após-
tólicos. Afiançamo-lhe, entretanto,
que só temos retirado do patrimô-nio do povo aquilo que é indispen-
sável à satisfação das necessidades
imprescidíveis da tropa. E si não in-
denizamos em particular os prejuí-zos que lhe causamos, é porque
contrariamente ao que má fé de ai-
guns tem propalado, transitamos na
Revolução tão pobres como quando
para ela entramos. De qualquer for-
ma, porém, temos procurado asse-
gurar indistintamente a amigos e
adversários, por meio de documen-
to idôneo, o recurso de reaver, mais
tarde, pelos trâmites legais, a impor-
tancia total dos bens de que houve-
rem sido despojados."Bem
sentimos a angústia dos
que sofrem a privação dos bens ma-
teriais sorvidos pela voragem insa-
ciável das necessidades de um exér-
cito. Lamentamo-lo, como se de-
vem lamentar os que, já no fim da
vida, tem talvez de recomeçar as
provações da luta, para legarem à
família o pão sagrado da subsistên-
cia. ^^
. _
mm
I dokumonto I
Os chefes da Coluna estavam
interessados no entendimento
com o governo, a exceção de
Prestes que queria continuar
lutando, apesar dos reveses
OCUPAÇÃO f FUGA
DE PORTO -NACIONAL
Miguel Costa reconheceu a privação dos bens
sorvidos pela voragem insaciável do exército"Há,
entretanto, no fundo desse
quadro, alguma coisa mais dolorosa
ou mais trágica. Há o sacrifício
mudo - e por isso mesmo ignora-
do - dessa numerosa legião de pere-
grinos que mal pode, às vezes, desa-
fogar a saudade do lar distante,
abandonado há quinze meses. Há a
angústia dos que naufragaram no
meio da jornada e tombam longe da
família, anônimos, no túmulo das
refregas. Há, enfim, espalhados pe-
los recantos todos do Brasil, alguns
milhares de lares desamparados, on-
de corações confrangidos sofrem o
suplício indefinido da incerteza ou
do desespero."E
atrás dessa cortina de pranto
e de dores, de luto e de misérias,
que encobrem o viver, outrora feliz,
do povo brasileiro, enxergamos com
infinita tristeza a retrogradação
material e, sobretudo, moral da nos-
sa Pátria! Não julgamos oportuno
discutir, aqui, sobre quem pesará,mais tarde, a responsabilidade dessa
catástrofe. O país inteiro conhece,
entretanto, a gravidade das circuns-
tância que nos impuseram o sacrif í-
cio dessa jornada cruenta e doloro-
sa. E a consciência nos diz que nun-
ca faltamos à palavra jurada, nem
abjuramos a fé de defensores since-
ros de um ideal de justiça e de liber-
dade."As
palavras de paz com que V.
Rma. encerra os últimos tópicos da
sua prezada carta, nem são exagera-
dos, nem nos parecem importunas.
Cremos que a maioria- do povo
brasileiro, saturado de ilusões e
amarguras, almeja ardentemente
por essa aurora de reconciliação que
lhe restitua a alegria e a tranqüilida-
de."Por
isso dizemos a V.Rma., com
a serena franqueza de convencidos,
que aceitamos contentes esses bons
ofícios. Ninguém mais do que nós
deseja ver acabado esse ceifar ingra-
to de vidas preciosas de irmãos e
amigos que o egoísmo dos homens,
ajudado pela fatalidade do destino,
atirou aos campos opostos, para en-
sopar de sangue o solo igualmente
amigo da mesma Pátria, boa e gene-
rosa.'''Não
sabemos nem podemos di-
tar a V.Rma. esta ou aquela atitude,¦
em se tratando de assunto tão deli-
cado. Agradecemos sinceramente a
sua generosa interferência e deixa-
mos aos impulsos da sua caridade
cristã a escolha das palavras com
que se houver de dirigir, através de
novos intermediários, ao Governo
da República. Julgamos, com os
nossos prezados chefes, Marechal
Isidoro Lopes e Sr. Assis Brasil, queo melhor e o mais fácil meio de
tranqüilizar o País será um entendi-
mento leal e desapaixonado entre o
Governo e a Revolução. Por isso, e
em atenção ao sincero patriotismode seus propósitos, nenhuma condi-
ção impomos para aceitá-las."Sem
mais, confessamo-nos gra-tos pela generosa deferencia com
que nos distinguiu a rendemos a
V.Rma. uma humilde homenagem
de admiração pelo sadio pátrio-tismo e pela caridade cristã com
que se interessou pelo bem da nossa
Pátria. - Porto-Nácional, 22 de Ou-
tubro de 1925-Gl. Miguel Costa,
Coronel Luiz Carlos Prestes, Tte.
Cl. Juarez Tavora.
MALOGRO
Através das conversas e conf idên-
cias fácil nos era perceber que de
bom grado aceitariam a solução
providencial que viria por um termo
honroso às suas insanas pelejas. E
disso convictos ficamos quando,reunidos conosco à noite, pediram-nos servir-lhes de intermediários
junto ao Presidente da República.
Apresentar-nos pessoalmente ao
Chefe do Governo era coisa impôs-
sível, devido às distâncias fabulosas
e às chuvas torrenciais da estação
invernal. Deliberou-se, então, esco-
lher três nomes de personagens in-
fluentes capazes de aceitarem e de-
sempenharem o papel de interven-
tores do Rio. Apresentamos, pois,os nomes de Dom Sebastião Leme,
coadjutor do Cardeal Arcoverde, de
Dom Miguel Kruse, Abade Benedi-
tino de São Paulo e amigo pessoaldo Gl. Miguel Costa, do dr. Francis-
co Ayres da Silva, Deputado Fede-
ral por Goiás e filho de Porto-Na-
cional.Infelizmente, um sem número de
dificuldades impediram finalmente
a realização de tão belo sonho. Para
poder tentar-alguma comunicação
não dispunhamos nem de telégrafo,
nem de correio. Era preciso ou se-
guir ou despachar por terra até
Goiás, numa extensa viagem a cava-
lo de vinte e tantos dias, ou descer
o Tocantins até Carolina, ponto
-^BÊmW*'*\.**-WÊHmtmJ WÊ
Siqueira Campos
Um sonho
que nao se
realizoumais próximo da estação, telegrá-
fica. Sabíamos, aliás, que dessa ci-
dade maranhense até Barra do Cor-
da a linha estava totalmente sub-
mergida pelas enchentes. Prevíamos
que mais de um mês seria necessário
para obter uma bem duvidosa solu-
ção favoráyel. E imaginávamos en-
tão qual haveria de ser a situação do
nosso povo com um exército de
1.700 homens estacionado dentro e
nos arredores imediatos da pequenacidade, consumindo os poucos ha-
veres dos moradores, enquanto mui-
tas famílias continuariam escondi-
das nos matos, sofrendo privações e
as intempéries invernais.
Outra dificuldade mais séria ain-
da opunha-se aos nossos desejos.
Por mais ardentes que fossem seus
anseios de paz, nossos briosos mili-
tares continuavam a opor-nos um
obstáculo capital. Não admitiam
nas negociações a empreender a pa-lavra anistia.
"Anistia, diziam eles, é
para culpados; e nós não somos cri-
minosos. Aceitamos apenas a pala-vra entendimento".
E quanto a esse "entendimento"
com o Governo, íamos descobrindomotivos de suspeitar fortemente
que não era desejado por todos oscompanheiros de Prestes. Chegamosmesmo a ser informados a tempoque muito deles preferiam prosse-guir na luta insana até."a vitória oua morte".
Foi no meio dessas hesitações
que vimos a Coluna começar silen-
ciosa a sua retirada. Um por um se-
guiram os quatro batalhões no mais
completo mistério que, aliás, não
tentamos desvendar. Pelos estafetas
chegando dia e noite do Sul ao
Quartel General julgamos que notí-
cias pouco favoráveis apressaram a
saída dos revoltosos. O Estado
Maior despediu-se grato e amável,
deixando-nos telegramas oficiais a
serem passados, salvo-conduto para
garantir nossa possível viagem, e
também um documento legalizado
em cartório federal das requisições
operadas em nossa fazend inha do
Gorgulho (gados e onze animais).
Alguns oficiais confiaram-nos
correspondências e fotos que conse-
guimos^mais tarde fazer chegar fe-
lizmente até as famílias respectivas.
E abalaram-se sem, todavia, nada
nos revelar a respeito ae suas inten-
ções e novos rumos. Poucos dias de-
pois invadiam Piabanha e Pedro
Afonso. Atravessando o Rio do
Sono, afluente do Tocantins, a Co-
luna dividiu-se: uma parte seguindo
para Carolina e o interior do Mara-
nhão, outra indo pelo Jalapão para
penetrar no Piauí e mais tarde no
Ceará. O prosseguimento do avan-
ço audacioso e das notícias de re-
petidos combates travados com os
Legalistas, em particular nos muni-
cipios de Oeiras e Fioriano, acaba-
ram de convencer-nos plenamenteda inutilidade de qualquer tentativa
em favor da pacificação, um mo-
mento sonhada. E demos graças a
Deus por nos vermos assim dispen-
sados, sem prejuízo moral, duma
missão por demais espinhosa.
Onze meses depois, nossos Revo-
lucionários, - repelidos com graves
perdas dos Estados do Nordeste,
penetravam novamente no Estado
de Goiás. Desta vez era mais uma
corrida desesperada que devia leva-
los até a Bolívia. Tinham deixado
numerosos mortos pelo interior do
Piauí e Ceará; outros, como o Cl.
Juarez Tavora, tinham caído em
mãos dos legalistas. Vinham todos
esfarrapados, conduzindo feridos, e
sem tempo de renovar trajes eequi-
pamentos. O Gl: Miguel Costa anda-
va carregado em padiola, em conse-
qüência de sério ferimento no bra-
ço. Felizmente para nós, passaram a
umas quarenta léguas de Porto-
Nacional.
POLITIKA
Sebastião
Nery
Até a semana panada, contai, am cada número, histórias da uma pessoa só:
quinze folclores de políticos brasileiros, numa média de seis histórias de
cada um. Agora, vai ser por Estados. Cada semana, histórias de um Estado.
Como hé Estados de folclore mais rico (Minas a Paraíba, por exemplo),
vencidos os 22 recomeço o mapa de novo. Chiem souber de histórias a
puder colaborar com esta página escreva e mande. O fundamental é o
nome e a cidade dos folclorados, dos personagens.
É só por no envelope e mandar para o endereço de POLITIKA.
(Av. Rio Branco, 133, grupo 1601 - Rio). E muito grato pela colaboraçSo.
Quanto ao selo, "quem
alegra o povo Deus ajuda."
[folklore
politiko
^
1 RIO GRANDE DO NORTE
Dinarte Mariz, prefeito,
governador, hoje senador,
dono da metade do bolo
político do Estado (a ou-
tra metade é do ex-gover-
nador Aluísio Alves), an-
dava zangado com o sena-
dor Mahoel Vilaça, depois
seu amigo, aliás muito ami-
go. Em um grupo
de jor-
nalistas, Dinarte analisava
os políticos do Rio Grande
do Norte:
E o Manoel Vilaça, se-
nador?
É meio para a esquer-
da.
Esquerda, como? Na
juventude foi comunista,
quando estudante no Reci-
fe. Mas isso há 35 anos
atrás. Hoje, é um democra-
ta e senador da ARENA.
É, meu filho, mas
sempre fica qualquer coisa.
2
0 correligionário do se-
nador Dinarte chegou de
Natal:
-Como vão as coisas
Ia?
-Tudo bem, senador.
Alguma novidade?
Não. Só que o Chico,
cabo eleitoral do Aluísio,
deu para beber muito.
fala nada não.
Nao diz a ninguém. Deixa
«le viciar.
3
Irineu Joffily, juiz aus-
tero e durão, foi o primei-
ro interventor da Revolu-
ção de 30 no Estado. Era
uma parada. Não fazia
concessões.
Uma noite, estourou o
major tiroteio na zona
boêmia de Natal. E a culpa
era de uma patrulha da
Polícia Militar. O interven-
tor chamou seu secretário,
Confúcio Barbalho, e di-
tou um ofício indignado
ao comando da PM. O
comando ficou melindra-
do, reuniu-se e mandou-
uma comissão ao palácio.
Devolvia o ofício e pedia
outro em termos mais cor-
tezes.
Irineu Joffily os rece-
beu, mandou sentar, cha-
mou o secretário:
Confucio, vem cá.
Pois não, doutor I ri -
neu.
Lé aí, em voz alta,
este ofício que eu mandei
para o comando da PM.
Confúcio leu. O inter-
ventor pôs os óculos,
olhou um a um bem deva-
gar e disse apenas:
Dinarte Mariz
— Corta Cordiais Saúda-
ções.
4
Irineu Joffily foi visitar
o Colégio Estadual. O dire-
tor pôs a garotada
de ban-
déirinha na mão, gritando:
Viva doutor Irineu!
Viva doutor Irineu!
Doutor Irineu correu o
colégio, despediu-* do di-
retor, foi para o palácio,
chamou o secretário:
Confúcio, prepara
um
ato demitindo o diretor no
Colégio Estadual.
Por que, doutor Iri-
neu?
Ele está ensinando,
muito cedo, aqueles meni-
nos a bajularem autori-
dade.
5
A morte andou cruel
com o Estado, no ano pas-
sado. José Augusto Bezer-
ra de Medeiros, Walfredo
Gurgel, Manoel Vil laça,
Severino Bezerra, José Car-
valho, José Ariston. Tudo
gente ilustre. Cada mes,
um. Um dia, chega ao Rio
mais uma notícia: a morte
de Roberto Freire, jovem e
industrial. Djalma Mari-
nho, deputado, imensa fi-
gura humana, que sofre de
um problema cardíaco crô-
nico, soube depois do al-
moço, passou mal, foi leva-
do às pressas para o Pron-
tocor.
No caminho, dentro do
taxi, os amigos aflitos, um
deles, major Eronildes, os
olhos úmidos, pergunta
com a maior cara dura:
— Djalma, quem
é seu
suplente?
Zero Quilômetro?
Não tem esse hotel não.
Tem, sim. Em frente
ao Hotel Ambassador.
Ah, Hotel OK. Sena-
dor Dantas, não é?
Não, senhor. Deputa-
do Antonio Baiú, de Natal.
7
6
O deputado do Rio
Grande do Norte desceu
no aeroporto Santos Du-
mont, pegou um taxi:
— Hotel Zero Quilôme-
tro.
Agnelo Alves era prefei-
to de Natal. Criou uma
guarda para a Prefeitura:
recrutas da PM, vindos do
interior. Ensinaram aos ra-
pazes que gente mais im-
portante tinha saudação
com apresentação de ar-
mas e para gente menos
importante era só conti-
nência.
Um dia, para visitar o
prefeito, apareceu um ho-
mem alto, cabelos averme-
lhados, calças curtas, me-
dalhas no peito e alamares
a tiracolo. Os guardas fica-
ram embasbacados. Fazer
o que? Apresentar armas?
Continência? O chefe do
grupo resolveu o proble-
ma: ajoelhou-se e beijou a
mão do estranho homem.
Era o Comandante In-
ternacional dos Escoteiros.
Wetfredo Gurgel
N
I charge J
HÃO ACEITO
AÇÕES DA
BOLSA
S^GammWb /V^ V^JUÍlJÍ/i_yl
Coentro
APÓS O PEfilODO t>É ftECEQSO,
VOLTA A &E REOMíft O CONSELHO,
AGORA CIA SUA tfoVA ESTRUTURA.
- ————^—_^^_^^_^^^^^^^^^^^^mm^^mmmmmmmsmWÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊIRÊUÊÊÊÊIÊÊÊÊÊÊI^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^l
A6R6Ü ^ODRE APiftMA Oué A8ENA
DA' POUCA CHAiüCÉ AOS JOVENS.
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A GErvlTE MANDA
HMTftftA o PESSOAL
OO PODE* TOVEM?
n/ao! wao! o nosso
RiTMO ATUAL E5TA/
MUI TO &OIA !
^/vh^Yljfr JS /—'
_# \cT^-^~ lãk-WCJm
|||||||!n!||||||l||l|l||[jJ|||| IMI
Maria
Luiza Penna
Eurípedes é a instigação. A
partir dos temas e teses
de seu teatro, Maria Luiza
põe o
problema fundamental
da é (ó)
tica de todo Poder.
POLITIKA
|
kultiira
Maria Luiza Penna é a
mulher mais inteligente do
Brasil. A mais atualizada.
A mais aberta à participação
da Cultura na definição
das linhas (e das camisas)
de força da sociedade moderna
fe tão primitiva nos seus
preconceitos, nos seus
impulsos). OB(ab)JETO.
0 que é humano é cultural.
E nada do que é cultural lhe
é estranho. Da tragédia grega
à música "pop",
de Eurípedes
a Caetano Veloso, o que está
em jogo é a situação do
homem no mundo. Osí ardis
a sua liberdade. As arapucas
do terror. A dialética do
"herói" como alienação
(e sujeiçãoI do mais fraco.
Maria Luiza pensa.
Logo, é das poucas que existem.
v>.:':
Fotografias do filme "As
mulheres de Tróia'
A ética do mais forte
UM
a
Quando Eurípides concorreu
à nonagésima olimpíada, com sua
tragédia "As
Troianas", ganhou
apenas um modesto segundo
lugar para um tal de Xênocles, que
ninguém até hoje sabe quem foi.
Não se pode mesmo dizer de
Eurípedes que tenha seguido
sempre os cânones aristotélicos
da tragédia: não mantém a
convenção das três unidades
(tempo, espaço, ação), não dá
grande ênfase ao côro
e nem separa rigidamente o
trágico do cômico.
Essas coisas, entretanto, são
meras tecnicalidades de uma
época (o chatérrimo teatro
neo-clássico julgou-as depois
essenciais), princípios formais
que não constituem a intenção
mais profunda da Poética de
Aristóteles, nem o conteúdo
autêntico da tragédia ática ou
de qualquer outra. A essência
da tragédia está em se levar à
catarse através da vivência de
duas emoções básicas:
o terror (fobus) e a com-paixão
(eleos, sofrer com) e por isso
Aristóteles considerou Eurípedes
"o mais trágico dos poetas".
I
K* ¦ii^a ¦
I
POLITIKA
kultura
v
Eurípedes exprime (condena)
a violência dos homens para
com as mulheres, dos fortes
para com os fracos, de
quem
vence para
com os vencidos.
EURÍPEDES
. UM GREGO
QUE SABIA
DAS COISAS
C—tano Vefoso
NINGUÉM melhor
que ninguém
Se os eruditos ficam irritados, no
caso concreto das Troianas, o que
nos espanta, considerando-se as cir-
cunstâncias políticas do tempo, é
que a peça tenha sido levada. Numa
única frase —"Vossa inteligência
grega é simples barbárie" (As Tróia-
nas, V. 765) —
está todo o ateni-
enses. Eurípedes usou uma ação
simbólica - a guerra de Tróia
-
submete, porém, o mito homérico a
cima reinterpretação totalmente di-
ferente do tratamento original. Ex-
pressa, de modo dramático e ao
mesmo tempo simples, a violência
dos homens para com as mulheres,
dos vencedores para com os venci-
dos, dos fortes para com os fracos.
Utiliza a trama do mito homérico
de maneira versátil e pessoal. O que
toma mais valiosa essa tragédia,
como todas as demais, é a ousadia
da estilização livre de um tema pri-
mitivo.
Por detrás, como pano de fundo,
estão os acontecimentos de seu
tempo: guerras, entre Atenas e Es-
parta, numerosas chacinas, o maio-
gro da expedição à Sicflia. Como
não relacionar Tróia com os fatos
vecentes de Meios? O paralelo é evi-
dente: Meios, ilha neutra, é saquea-
da pelos atenienses. Os homens, tiru-
cidados. As mulheres, com as crian-
ças, aprisionadas (Tucídedes V.
116). Em algumas de suas primeiras
peças afirma a maldade intrínseca
do inimigo, como, por exemplo, nas
Heráclides, onde a guerra é conside-
rada justa, se conduzida em
"espíri-
to de sacrifício e em defesa de uma
sociedade especial" (democrática? \
Em 415, porém, Eurípedes che-
gou à conclusão que, pelo menos no
tratamento dado aos presos políti-
cos, ninguém é melhor que nin-
guém. A confiança que se obteve
com a vitória de Maratona e que en-
controu na oração fúnebre de Péri-
cies o seu ponto máximo, dá lugar a
uma crescente conscientização e a
dúvida.
A FORÇA DO MEDO
Nas Troianas — nisso está a força
de sua intensidade dramática — a
tragédia gira ao redor de um só ei-
xo: a degradação da guerra. Através
dessa idéia central, toda uma série
de cenas vai, gradualmente, intensi-
ficando seu pathos:
"Aqueus! Vossa
força reside toda nas espadas, não
na inteligência. De que tinham me-
do para ser preciso
matar esta crian-
ça (Hécuba se refere a Astianax, fi-
lho de Heitor e Andrômaca) tão
cruelmente? Vossa força não signi-
fica nada, portanto
"(As Troianas,
V. 1160)". Então, como agora, o
medo parece ser a causa das ações
humanas mais destruidores. Os efei-
tos exteriores do receio são incon-
fudíveis: "Este
bebê ainda os amen-
drontava até mesmo quando a cida-
de já caíra e todos os troianos cha-
cinados? Desprezo o medo que é
puro terror numa mente que não ra-
ciocina." (As Troianas, V. 1165).
RITMO SEM NUANCES0
Kafka abandonou uma série de
convenções da novela do século
XIX, Eurípedes algumas das con-
venções da tragédia esquiliana (isto
não significa, porém, que se possa
julgá-lo com os mesmos padrões na-
turalísticos de Zola). Três elemen-
tos se juntam na formação de seu
estilo: 1) a sociedade burguesa, ur-
bana (no sentido social, não-políti-
co -
contrapondo-se à aristocracia
- em lugar dos heróis nobres intro-
duz em cena, para grande escândalo
da época, mendigos esfarrapados);
2) a retórica poética e lírica; 3) a
preocupação filosófica.
Se há uma maior abertura para a
realidade —através da expansão
comercial, cultural e política da po-
lis ateniense — há, também, e justa-
mente por causa disso uma maior
dificuldade de enquadramento, de
categorização dessa mesma realida-
de. E o tempo da mudança do verso
para a prosa, do mito para o concei-
tp, da estória para a análise. Não
Chico Buêrqu»
se trata, porém, de um processo ra-
dical mas de um sincretismo híbri-
do que faz da tragédia euripidiana
uma curiosa misture de situação e
conceito. As coisas não são mais de-
limitadas nem no mundo físico nem
no mundo moral. Saber muito signi-
fica, socreticamente, desconfiar de
muita coisa.
Da palavra ritmada, sensorial-
mente percebida, à estruture morfo-
lógica sintática de sua obra, chega-
se ao mundo revelado por Eurí-
pedes numa tentativa de des-vela-
mento ontológico, num achegar-se a
outra coisa, à sobre-coisa.
"Nenhum
pensamento, nenhum
ato deverá ultrapassar as velhas
crenças. Custa pouco, muito pou-
co, acreditar nisso: o que é divino
é forte; aquilo que o tempo anti-
go sancionou é lei para sempre; a
lei que a tradição faz é a lei da
natureza,"
(As bacantes, V. 890).
ou:
"Então na terra nenhum homem
é verdadeiramente livre. Todos,
são escravos do dinheiro ou da
necessidade. A opinião dos ou-
tros ou o medo de perseguição
Força cada um, em desacordo
com sua consciência
A conformar-se.
(Hécuba, V. 864)
Nas tragédias de Sófocles, cuja vi-
são é a do homem no campo, tudo
é subsumido a um modelo, a um
esquema. Pare Eurípedes, os acon-
tecimentos não se sucedem uns aos
outros dentro de uma seqüência ló-
gica.
A não ser talvez nas Bacantes -
onde a atmosfera ritual ística é in-
tensa —
há menos oportunidades
para as personagens (em especial o
coro) se expressarem através de so-
bretons gradativos. 0 ritmo é o da
cidade, convulsivo, aos arrancos. £
mais'flexível, pode colocar mais coi-
sas nas suas tragédias por que não se
incomoda tanto com a maneira pela
qual as coisas se encaixam. Está ao
mesmo tempo perto e longe daquilo
que vê entre as elaboradas odes poé-
ticas do coro e a linguagem realista,
muitas vezes prosaicos, dos diálogos.
Nestes, simplifica. Vai direto à coi-
sa. Escreve sem purismos, espasmo-
dicamente, o que fez Goethe notar
em seu diário:
"Parece estranho que a
aristocracia dos filólogos não
consiga perceber seus méritos e,
com ares tradicionais, baseando-
•se em Aristófanes, o situe abaixo
de seus predecessores." Isso quer
dizer que Eurípedes apresenta
"deslizes" literários, mas tais
críticos (Schlegel, por exemplo)
"deveriam criticá-lo de joelhos."
Atrás da aparente desarmonia de
sua lírica parece ocultar-se uma
personalidade complexa, ambivalen-
te, que seria talvez a síntese da indi-
vidualidade atual. Na canção lírica
se resolvem muitas dissonâncias in-
solúveis para o intelecto. Seu estilo
trágico é o reflexo da enorme evolu-
ção subjetivista dos sofistas e de Só-
orates. 0 elemento lírico, essencial
ao drama, é transposto do coro para
los personagens. Torna-se o funda-
mento do pathos individual. A mú-
Isica, criticada por Aristófanes como
moderna e inovadora, consegue ex-
primir sentimentos elementares tão
importantes para a compreensão do
poeta quanto suas considerações re-
flexivas.
John Cage (compositor dos mais
importantes do movimento pop) di-
zia que
"o objeto é o fato, não o
símbolo", é preciso acordar pare a
vida que nós vivemos, aqui e agora.
Isso significa que não se pode fe-
Ichar os olhos para a realidade, ela
está por aí, tudo influenciando tu-
do. A música pop (como a música
de um Chico Buarque ou de um
Caetano Velloso) grita o que vê, o
que sente e, como poeta, parece ter
menos ilusões e incompreensões pe-
rente a vida.
*
I
euripedes
. UM GREGO
QUE SABIA
DAS COISAS
POLI TI K A
Penteu, personagem
de uma das
peças de Euripedes, não
podia
aceitar o que
via e se negava
a ver o que
não podia (ou
não
deixavam) aceitar. É atual.
kultura
Euripedes não usa meias pala-
vras: choca, desperta a sensibilida-
de. Não se importa de escangalhar
com a simetria da trama para ven-
der seu peixe, ou seja,
"mostrar"
(e
não demonstrar) alguma coisa. Os
críticos da música pop são como
Penteu (personagem das Bacantes):
não aceitam o que não vêem e recu-
sam ver aquilo que não podem (ou
não querem? ) aceitar. O que im-
porta é desmontar as estruturas, fa-
zer as pessoas perceberem o swing
das coisas, e não apenas raciocina-
rem dentro de esquemas pré-fabri-
cados.
Mas nem todas as viagens são
uma delícia. Há sempre a possibili-
dade do mêdo, nossa percepção e
sensibilidade são aumentadas dolo-
rosamente, escapa-se talvez menos
do sofrimento do que da morte por
congelamento. O que se procura
não é o nirvana, mas o risco e a
disponibilidade.
UMA AMBIGÜIDADE INSO-
LUVEL
0 que os poetas gregos herdaram
da Iliada não foi só forma, design,
estilo direto (três quartos da Iliada
são discursos), mas a coragem de es-
pecular sobre o conflito permanen-
te da existência humana. Euripedes
põe em questão a moralidade, a fé
tradicional e a ética do mais forte.
A preocupação intelectual do poeta
é tão intensa quanto sua paixão._E
difícil e paradoxal rejeitar-se a visão
moralista ou moralizante de uma
época baseando-se em fundamentos
morais. Isto, entretanto, êle fêz. As
razões para se negar o moralismo
são, em parte, morais, essencial-
mente as mesmas. Por definição, a
ética filosófica se preocupa com
princícipios morais e não com reali-
dades humanas concretas. Poderá,
desta forma, adequar-se à variedade
de ações e atitudes humanas? Será
suficientemente sensível ao sofri-
mento humano? Estes dilemas fi-
cam evidentes, por exemplo, em
Medéia, em Hécuba, etc. Até que
ponto os valores morais podem ser
absolutizados? Euripedes se preo-
cupou com problemas morais (enfo-
que de Ésquilo) e com problemas
psicológicos (sofoclianamente), mas
está, antes de mais nada, superlati-
vãmente interessado na realidade
humana total.
A religião tradicional tem para
ele o peso de um fardo insuportá-
vel. Critica tanto os deuses cuja jus-
tiça questiona e cuja adoração con-
sidera inútil, quanto o mito que
exprimira um mundo de exemplari-
dade intocável e ideal, é evidente
que com "As
Troianas" destrói to-
do o esplendor dos conquistadores
gregos e os heróis, orgulho da nação
(Agamenon, que patife! Odisseus,
Hécuba simplesmente o voltiza!)
são desmascarados como homens de
ambição brutal, todos dominados
pela simples fúria destruidora. A
força purificadora dessa critica a
assuntos específicos de seu tempo
acha-se na negação do conven-
cional, do pretensioso e na apresen-
tação do problemático. Por essas e
outras coisinhas mais, foi persegui-
do por Cleon num processo
de
"impiedade", mas que
significava,
provavelmente, uma perseguição
política. Acabou deixando Atenas
amargurado, incompreendido.
Essa
humanidade e euripidiana (revolu-
cionária para o espírito grego por-
que considera heróis os anti-heróis,
os que morrem e não os que ma-
tam) faz-nos ver a morte simples-
mente como morte: "Nem
a vida,
nem a luz podem ser como a morte,
pois a morte é o nada e na vida a
esperança ainda pode existir" (As
Troianas, V. 630); o sofrimento co-
mo sofrimento: "A
morte eu sei é
como nunca ter nascido, mas é
melhor que uma vida de sofrimen-
to, pois os mortos, sem percepção
do mal, não sentem amargura". (As
Troianas, V. 636).
A VULGARIDADE DA VIDA
Se seu estilo é julgado por muitos
como de "mau
gosto", ele, como
Brecht, acha-se possuído de tremen-
da desconfiança pelo sublime; As
coisas aparentemente sublimes não
suportam uma análise de perto: as
palavras nos parecem
bobocas e es-
condem, muitas vezes, motivações
inconfessas e safadas. Por isso mes-
mo, penetra profundamente na
alma humana. Sua perspectiva é di-
ferente. Dá um novo sentido, pes-
quisador e inquisidor, ao mundo
dialético dos sentimentos e das
paixões. Quebra as paredes
da
psique em sua luta de forças antagô-
nicas. Cria uma patologia da alma.
A loucura, com todos os seus sinto-
mas, é introduzida pela primeira vez
em cena. Geniais as palavras de
Hécuba a Cassandra, nas Troianas:
"Deixe-me carregar a tocha:
louca, apaixonada, não conse-
gue carregá-la direito, pobre
criança. Seu destino é imode-
rado, como você sempre foi.
Não há salvação para você".
(V.347)
Em Medéia, anti-heroína da tra-
gédia matrimonial burguesa, temos
os efeitos da patologia erótica, em
Hipólito, a erótica deficiente. Coin-
cidência da descoberta do mundo
subjetivo e do conhecimento racio-
nal da realidade. Torna-se maisvisí-
vel o caráter problemático da socie-
dade humana. Os heróis de Sófo-
cies, embora de carne e osso, sem
proporções místicas, são ainda He-
róis, figuras inspiradoras cuja perfei-
ção,
*âs vezes, irrita. As personagens
euripidianas são daquele tipo que
"dá vida para
uma discussão", suas
figuras heróicas (ou anti-heróicas? )
quase sempre, sem exceção, mu lhe-
res. Contraditónas (Medéia é um
vir-a-ser constante), dando função o
tempo todo, superincrementadas.
Nenhuma delas é jóia. Ou todas
são? De qualquer modo, ele as co-
loca como acusações vivas (muitas
vezes, mortas) aos homens que as
cercam e ao seu público. Faz aspes-
soas perderem o rebolado e não é
de admirar que recebesse o troco e
fosse impopular. Sua tragédia é vul-
gar, radicalmente teatral. Seus te-
mas, que muitos consideram ultra-
passados, são o comum: amor, vida,
morte, repressão das pessoas, etc.,
etc., etc.. Dinamismo, fluxo, violên-
cia, constituem seu núcleo.
Kierkegaard, em "Temor
e Tre-
mor", nos diz que, se tirarmos a
auréola legendária, o mito de
Abraão é a estória simples de um
pai que se presta ao papel de assassi-
no de seu próprio filho. Abraão,
para Kierkegaard, permanece mes-
mo assim o herói.
Na tragédia de Euripedes, quan-
do Clitemnestra, Orestes, Electra,
Medéia, Hécuba realizam seu desti-
no, quando o happy-ending é im-
possível, o poeta
faz-nos sentir que
as figuras santas e imaculadas são
epifenômenos e os mitos aceitos
sem reflexão crítica, perigosos.
D
POLITIKA
|
kultura
j
Eurípedes viu longe. A Razão
não é instrumento suficiente
para conjurar a Anti-Razão.
Daí o clima de angústia de
suas tragédias sempre novas.
EURÍPEDES
¦ UM GREGO
QUE SABIA
DAS COISAS
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Bncht
A DISTANCIA necessária
Tivesse, pois, seu público
cho-
rado um bocado,
"sentido" a
sorte das troianas, bacantes, ou
Penteu, voltando para casa acríti-
cò, sem pensar, sua tragédia não
chegaria aonde desejava. Eurípe-
des, poeta, engagé no sentido
sartriano, mas talvez muito mais,
perto de Brecht, que
lhe deve,,
aliás, muito. Em determinados,
interlúdios, é preciso abstrair to-
da a emoção a fim de que as
pessoas pensem; separar a platéia
da ação no palco, criar uma dis-
tância psicoloógica, Para Brecht:;
"Remover de acontecimentos que
estão abertos a influência social
o selo familiar que os protege
de Interferência". Daí o uso de,
efeitos de distanciamento (Ver-
fremdungeffekt) variados: mitos,
máscaras, coró, danças, o fato de
todas as figuras femininas serem
homem com trajes de mulher, a
música, etc.
A CONTRADIÇÃO DA RAZÃO
Acusado por Nietzsche de oti-
mismo antitrágico e de racionalis-
mo, Eurípedes teria dado o gol-
pe (te morte na tragédia. Na ver-
dade, otimismo e pessimismo, ra-
cíonalismo e irracionalismo, pare-
oem-nos categorias simplistas, in-
troduzidas por Nietzsche na dís--
cussSo da tragédia, sob a influên-
da de Schopenhauer.
Rara que a tragédia grega ter-
minasse, seria necessária uma
confluência .de fatores. Uma épo-
ca terminara definitivamente: a
derrota, depois de uma guerra de
quaçe trinta anos, a morte dos
três grandes trágicos, de Tucíde-
des,* de Sócrates. A nova gera-
ção, nascida durante ou depois
dela, já se acha possuída por ou-
tra atitude em relação à vida e
ao sofrimento. As guerras já não
são aquela glória, o heroísmo pa-
rece inútil. De certa maneira,
Eurípedes, com seu ceticismo fi-
nal, teve uma antevisão, tornan-
do-se o profeta de um novo
tempo. Goethe (Conversações
com Eckerman —
1o maio 1825)
critica a opinião muito difundida
de que Eurípedes foi o responsa
vel pela decadência do drama
grego. Diz ele: , .
"O homem é simples. E
tão rico, multifacetado e in-
domável quanto possa ser, o
círculo de suas vivências é
em breve percorrido . ..
Pode-se supor que material
e conteúdo idas tragédias)
foram aos poucos se esgo-
tando e que poetas vindos*
depois dos três grandes não
saberiam realmente (se não
dizer:) : E o que mais? "
As obras de Eurípedes estão
cheias de argumentos e contra-
argumentos devido à influência
da dialética retórica sofistica. As
cenas de julgamento, como a de-
fesa de Helena nas Troianas, su-
gerem antes a impossibilidade da
comunicação e a irrelevância da
argumentação face a ações já
predeterminadas. Há, algumas ve-
zes, um excesso de fogos de ar-
tifício dialéticos, mas o que
acontece mais freqüentemente
são análises -da frescura) da razão
e sua impotência diante da tragé-
dia. Para E. R. Dodds, (+) nun-
ca houve um 3 escritor fáceis e
totais.
Para Nietzsche, o "herói"
euri-
pidiano é virtuoso e feliz. Qual
a heroína virtuosa? Electra? He-
lena? Clitemnestra? Medéia?
"Reconheço", diz esta última,
"o
mal que estou por fazer, mas;
minha paixão é mais forte que
minha consciência" (V. 1078). A
razão faz Medéia compreender
que seu gesto é um "assassinato
adoidado" (V. 1383). Mas não a
influencia. A mola da ação está
no timos (paixão), isto é,_ além
do alcance da razão. Não há
portanto
'"ilusãode.
perspectiva
socrática, nem erro de matemáti-
ca moral (2 + 2 =
4? ou 5? ).
Nisto «reside a extrema qualidade
trágica de Eurípedes.
A máxima socrática é impra-
ticável: virtude é conhecimento?
a felicidade vem de um conheci-j
mento intelectual, racional? Não,
se pode propriamente dizer que
Medéia termine com uma
"justi-
ça poética". Onde está a virtu-
de? Aliás, o que é a dita? On-
de a felicidade? Onde a conexão
necessária entre virtude e conhe-
cimento, fé e moralidade? Que
fé? A de Hécuba?
Não. Pelo menos neste^sentido
nietzschiano, Eurípedes não é ra-
cionalista. Ao contrário, toda a
sua obra nega que a razão ( o
logos ) seja o único e suficiente
instrumento para se chegar à ver-
dade, que a estrutura da real ida-
de é em si mesma, e num certok
sentido, racional, e que o erro
intelectual, como o moral, resul-
ta de uma falta de conhecimen-
to. Se Nietzsche acusa Eurípedes
de "racionalista"
(junto com Só-
crates e Platão), Dodds (+), por
outro lado, acusa o trágico de
"sistemático irracionalismo", fi-
cando o poeta sempre na pior.
Talvez mais importante que
uma discussão a respeito da me-
táfora "morte
de tragédia" seja a
análise da validade de se conside-
rar (ou nãò) como irfacional a
negação euripidiana da suprema-
cia da razão no governo do
universo e na vida humana. Sua
obra reflete não apenas a visão
do mundo já racionalizante de
seu tempo, mas também uma
reação contra tal perspectiva. Há
um clima de permanente angústia
em quase toda a sua tragédia, por-
que oscila entre a necessidade de
dar um valor determinado a cada
coisa e a impossibilidade de fazê-lo.
Que filósofo atual consideraria a
razão como suficiente para a des-
coberta da verdade (aliás, que ver-
dade?), principalmente quando é
oposta esquematicamente à percep-
ção sensorial? Quem teria coragem
de afirmar que os erros humanos -
como a guerra e as torturas —são
curáveis por um processo puramen-
te intelectual? E por que não dar-
mos crédito a um homem que se
desesperou da teologia racional?
Eurípedes aceita (e não nega) o fato
concreto do irracional, do não cap-
tável na realidade. Em outras pala-
vras: a razão como instrumento de
conhecimento, mas não como seu
objeto único. Na luta entre o artista
e o filósofo, quem ganha a parada,
ainda que por pouco, é o primeiro.
Como Brecht, Eurípedes possui
dentro de si uma dicotomia básica:
racionalista até certo pbnto -
para
Brecht, este racionalismo teria a
forma de socialismo marxista -
mas
com uma percepção aguda da im-
possibilidade da realização da jüsti-
ça na terra (As Troianas, Mãe Cora-
gem).
* 0 desenvolvimento da física
quântica significou o fim para cer-
tos "sistemas"
filosóficos. O princí-
pio de Indeterminação de Heisen-
berg nos diz justamente que não se
pode calcular, ao mesmo tempo, o
momento e a posição do encontro
de duas partículas atômicas. Pode-
se falar da luz como feita, ora de
ondas, ora de partículas. Algumas
experiências sugerem que a luz se
comporta como se fosse uma cor-
rente de partícupas, outras como se
fosse uma áérie de ondas. Usamos as
duas imagens, e não tentamos con-
ciliáhlas. Se não há mais sistemas fi-
losóficos que proclamem uma certe-
za absoluta, há, no fim, apenas eu,
minha experiência e a dos outros,
na medida em que posso compreen-
dê-la por analogia com a minha. A
atitude mental de Eurípedes, como
aliás de todo o poeta, é antes a de
uma síntese imaginativa e não ape-
nas a de uma análise lógica:* combi-
na razão x emoção, logos x paixão
primitiva, convenção x natureza.
As definições são cristalizadoras.
A tragédia não parece ser unicamen-
I te o que os filósofos definem nem o
que os críticos proclamam;é muito
mais simples e está na ironiazinha
absurda da condição humana. A tra-
gédia grega, como romance moder-
no e a música pop, celebra o misté-
rio do desmembramento, da desin-
tegração do ser na vida e no tempo,
sua tentativa de assumir-se diante
de suas contradições. Nenhuma
comparação, nenhuma pesquisa de
fontes é suficiente para nos explicar
totalmente Eurípedes (nem nin-
guém ...).
Fala de uma nova realidade que é,
em si mesma •
e ao mesmo tempo,
racionalizávei e insuportável de ser
dita. Sua. obra é toda ela uma antí-
tese da ultra-literatura. Seu insight
abrange o "gran
teatro dei mondo"
e talvez, em suas próprias palavras,
se consiga a resposta para a não so-
lução de seu enigma: "O
éter inteiro
está livre para o voo da águia" (Eu-
rípedes, frag. 1047 N).
(+) -
E. R. Dodds, Introdução às Ba-
cantes (XLIII)
(+) - E. R. Dodds
- Os Gregos e^
irracional —
UCP, pág.187
¦
ll' jEibktC-
^& t- - ¦ '*»i«- -0-
Ia® ^'v.jvyMPQ' _
:• •^ '"i••'
O
^_________________^^___^
_--fl ^k.
¦ ¦¦
^¦^B _____BP^j0^k ^1
A Editoria | fH_i____________K^H (^^ ,Antônio Carlos Magalhães
Cursilho ou o protesto da Igreja dopada
João Almeida (Rio Pre-
to) - "Anexo segue uma
pequena reportagem sobre
a dificuldade da oposição
no interior. Junto umas fo-
tografias, para ilustrar. A
validade dela é que o caso
deve se repetir, com pe-
quenas variações, em todo
o Brasil. Daí a sua oportu-
nidade. Sou um jornalista
que se cansou de fazer jor-
nal e rádio no interior e re-
solveu sair pela estrada. É
a tal atração dos abis-
mos... Aliás, muito em
voga e quase uma saída pa-ra uma série infindável de
problemas... Se vocês pu-blicarem, reservem por ela
um almoço regado a qual-
quer batida, que um dia
apareço por aí. Isto é, se
vocês sobreviverem .. "
- Vamos aproveitar o tex-
to, sim, João. Mas não re-
cebemos, como você anun-
cia, as fotos para ilustra-
ção. Vai ver, João, sucum-
biram à atração dos abis-
mos.
Ivan Maurício (Recife) -
"Alô pessoal de POLI-
TIKA. Estamos enviando
um exemplar do nosso jor-nalzinho RESUMO para
que vocês dêm uma olha-
da. A idéia é transcrevertudo o que de melhor foi
publicado na imprensa na-cional, local e internado-
nal. E, como sempre, na
parte nacional, POLITIKA
tem aparecido com desta-
que. Vejam nesse exemplar
que estou mandando. No
mais toquem pra frente. 0
que quiser da gente por
aqui no Recife, RESUMO
tá às ordens".
- Alô. Vimos e gostamos.Continuem a transcrever.
Lemos, no cabeçalho, que
RESUMO é de "circulação
dirigida". Pois vocês são
uns sortudos. A praxe é a
redação dirigida.
Gurgel do Amaral, padre
Calazans e outros (São
Paulo) - "Para ser cristão
é necessário ser homem pt
A imprensa marron feliz-
mente está sendo escafedi-
da pt Sejam honestos con-
tinuem polêmica cursilhis-
tas".
- Ninguém, aqui, está
querendo provocar polêmi-
cas, embora não sejamos
de fugir delas. A reporta-
gem assinada pelo Néry,
sobre o Cursilho, resultou,
como ele próprio escreveu,
de declarações de um cato-
lico (também muito ho-
mem) que saiu sangrando
do Cursilho. Já tivemos
uma conversa telefônica
com o diretor do Cursilho,
em São Paulo, que nos
TELEGRAMA
-:2C2C t)l 00./2í<
Pltt-AI-IBULU
SP. A 0._/2í<5 ibpí ei SPSP eo<
5SPAUUSP -405 «i 21 100_<z
t«W_;l. /
Recebido 7
dc /
A^^AJ_______ts* mu -_¦¦.
-CIN Cl. VIS1AS DE IM«1
SEBAS1IAI NER. AVOA .11 BRANCI 13)
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concederá ampla entrevista
sobre o assunto. Espera-
mos que esse diretor, para
o bem de todos e conheci-
mento geral da Nação, ex-
plique tudo o que é o Cur-
silho. Desminta as infor-
mações dadas ao Néry com
informações indesmentí-
veis. Nosso espaço como
nosso espírito estão aber-
tos e desarmados para suas
explicações. Quanto aos
termos do telegrama, já
constituem um mal sinal.
Nós sabemos, por exem-
pio, em que sentido o pa-
dre Calazans interpreta
essa frase de que "para
ser
cristão é preciso ser ho-
mem". A imprensa mar-
rom, se ainda não foi, deve
ser logo escafedida (a lin-
guagem dos cursilhistas é
fogo). Assim como a Igreja
marrom, o clero marrom, a
política marrom. O estra-
nho, o insólito nisso tudo,
é que enquanto o CEAS
nos procura e afirma que
este semanário realiza tra-
balho de grande alcance
político e pedagógico, o
pessoal do Cursilho (a Igre-
ja dopada) insinua que so-
mos da imprensa marrom.
Marrom é a mãe. Tá?
Mauritônio Meira (passan-
do pela nossa redação e
não encontrando o Néry)
- "Compromissos profis-
sionais, de grande porte,
que acabo de assumir, me
impedem de continuar a
fazer a "Koluna
Aberta",
semanalmente, para o nos-
so POLITIKA, cujo cresci-
mento é orgulho para to-
dos nós. Isto não impedirá
que eu compareça, de vez
em quando, colaborando.
Fica pois o abraço e o
compromisso do M.M.".
— Lá é a obrigação, Mauri-
tônio; aqui, a devoção. Ve-
nha contrito, ainda quemenos vezes.
Arthur Porfírio (Niterói)
"Não esmoreçam, não
desanimem, não fujam".
Que é que é isso, Ar-
thur? A euforia é cada vez
mais contagiante, mas não
fulminante. O nosso esfor-
ço vai sendo recompen-
sado inclusive pela pene-
tração, que nos anima, nos
meios universitários. Mes-
tres da Cândido Mendes,
da Universidade de Minas
Gerais, da Universidade de
São Paulo, do CEAS (o
mais importante centro de
pesquisas sociais da Igreja,
no Brasil). Depois, fugir de
quê? -E, se tiver de que,
para onde?
Bernardino Santos (Vitó-
ria)-"Que é feito, no
momento, do grande Pru-
dente de Moraes Neto que
vocês nos devolveram nu-
ma soberba entrevista?"
— Do velho Prudente nun-
ca foi feito nada. Agora,
ele continua a fazer muitas
coisas. Continua escreven-
do para "O
Estado de São
Paulo" e como o "Esta-
dão" é muito lerdo na pu-blicação de seus artigos,
ele mergulhou num amplo
ensaio sobre Teoria do Co-
nhecimento. O melhor
crítico de romance que es-
te país já teve, deixou a
crítica de lado quando per-
cebeu e proclamou que o
romance estava morto.
Quando, para desmenti-lo,
começaram a citar bons ro-
mances que continuavam a
aparecer. Prudente respon-
deu: "Isto
não quer dizer
nada. Mesmo depois de
mortos, nossas unhas e a
barba continuam a crescer.
Esses romances que estão
aparecendo sâo a barba do
morto. Mas o romance, cq-
mo gênero literário, já é
defunto". Não deu outra
coisa.
- João Romano Dutra
(Salvador) - "Vocês,
sem-
pre que podem, metem a
ripa no Antônio Carlos
Magalhães. Mas, pó. Se vo-
cês fizerem uma análise
isenta verão que o governa-
dor aqui da Boa Terra é
um dos poucos políticos
que foi imposto por pos-
suir liderança popular pró-
pria. Venham à Bahia e ve-
iam".
- Meter a ripa no Antônio
Carlos Magalhães, não é
verdade. Não é o estilo do
POLITIKA. Você tem ra-
zão quanto à liderança po-
pular. A Bahia se esvaziou
muito, depois de 1964. Ti-
nha que cair tudo no pra-
to, sempre à mesa, do An-
tônio Carlos. Mas o gover-
nador de vocês, pô, com
toda a liderança própria
que possui comporta-se co-
mo se fosse mero delega-
do. Ele que subiu graças à
política, renega a política.
E de vez em quando, es-
cor rega. Como político
que chega ao poder em
função de seu prestígio po-lítico, nós admiramos o
Antônio Carlos. Mas esta-
mos a espera de que ele de-
sempenhe o seu papel. Que
é político. Na idade dele,
descobrir outra vocação,
não leva a nada. Você, queé Romano, pode gostardessa versão do Antônio
Carlos. Nós, positivamen-te, estamos com saudades
do Antônio Carlos da ban-
da de música.
Haroldo Buarque Neves
(Terezína) — "Até agora
não recebi nenhum exem-
plar".
Espera, homem, que es-
tamos apenas resolvendo
alguns problemas burocrá-
ticos, junto aos Correios.
Syllene Almeida (Rio) -"Por
que foram interrom-
pidas as reportagens-con-
fissões do Murilo Marro-
quim? "
Ué! Foram interrompi-
das porque ele se mandou
para Olinda e para os seus
canaviais e nos deixou a
ver navios. Agora, de férias
gozadas, o Murilo já com-
pareceu com seu trabalho
para o próximo número.
Voltou tinindo. Aguarde.
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