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RISCOS JURÍDICOS NOS INVESTIMENTOS DOS FUNDOS DE PENSÃO
Por Flavio Martins Rodrigues∗
I. NORMALIDADE NAS TAXAS DE JUROS BÁSICOS: MAIORES RISCOS NOS INVESTIMENTOS DOS FUNDOS DE PENSÃO II. MAIORES RISCOS E AS DECISÕES DE INVESTIMENTO: OS DEVERES DOS GESTORES FIDUCIÁRIOS III. A FORMAÇÃO DA DECISÃO PRUDENTE: O PROCESSO DE INVESTIMENTO IV. A VISÃO DO ÓRGÃO FISCALIZADOR E REGULADOR: A NOTA TÉCNICA 100/2007/SPC/DELEG IV. 1 – A REPERCUSÃO DA NOTA TÉCNICA 100 NOS JULGAMENTOS REALIZADOS PELO CONSELHO DE GESTÃO DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR - CGPC V. ESTUDO DE CASO: A INSTRUÇÃO SPC nº 31/2009 (NEGOCIAÇÕES PRIVADAS COM AÇÕES) VI. CONCLUSÃO
I. NORMALIDADE NAS TAXAS DE JUROS BÁSICOS: MAIORES RISCOS
NOS INVESTIMENTOS DOS FUNDOS DE PENSÃO
Para a história econômica de nosso país, o ano de 2009, certamente, será
lembrado como aquele em que, depois de muitas décadas, nos defrontamos com
patamares razoáveis nos juros básicos da economia, conforme as nas novas taxas
propostas pelo Banco Central do Brasil. Estamos falando em retornos de 4% ou 5%
reais ao ano, cifras tidas como impossíveis até bem pouco tempo.
∗ Flavio Martins Rodrigues é sócio sênior de Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados Associados. É mestre em Direito Tributário e pós-graduado em Fundos de Pensão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui cursos de extensão em previdência na Harvard University e na University of Pennsylvania. Foi Presidente do RIOPREVIDÊNCIA e do Instituto Cultural de Seguridade Social-ICSS. Colaboraram na redação desse artigo os advogados seniores de Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados Associados Andrea Neubarth Marciano Corrêa e Matheus Corredato Rossi.
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Se, de um lado, é uma boa notícia, pois haverá a transferência de recursos
alocados no financiamento da dívida pública para investimentos produtivos. De outro,
veremos novas relações nos mercados financeiros e de capitais. Não há dúvida de que,
para experimentar os mesmos retornos até então obtidos nos investimentos,
conviveremos com maiores riscos.
O desafio, agora, passa a ser o gerenciamento eficiente dos riscos dos
investimentos. E, nesse ponto, a ferramenta jurídica – como analisar as condições
propostas para contratar os novos investimentos, como conviver com as normas que
determinam condutas obrigatórias ou vedadas, como efetivar a contratação, como tomar
as providências no caso de descumprimento contratual ou normativo, dentre outras
questões jurídico-institucionais – se coloca como central no gerenciamento dos riscos e
no resultado dos investimentos.
Antes de passarmos para as questões jurídicas, não nos parece possível tratar de
risco sem lembrar do “Desafio aos Deuses”. Nessa inovadora obra, Peter Bernstein1
trouxe a “história do risco”. Para Bernstein, houve uma idéia revolucionária, que pôde
definir a fronteira entre os tempos modernos e o passado: o domínio do risco. “A noção
de que o futuro é mais do que um capricho dos deuses e que homens e mulheres não são
passivos diante da natureza. Até os seres humanos descobrirem como transpor essa
fronteira, o futuro era um espelho do passado ou o domínio obscuro de oráculos e
adivinhos que detinham o monopólio sobre o conhecimento dos eventos previstos”.2 O
autor consolida a história do estudo das probabilidades, quando afirma que se passou a
“antever” os riscos futuros. A gestão de risco foi capaz de alavancar a tão útil indústria
dos seguros e mesmo viabilizar a criação dos planos de benefícios previdenciários, cujo
passivo atuarial é calculado com base em modelos estatísticos de premissas realizáveis e
tábuas de sobrevivência.
Os modelos estatístico-financeiros são úteis, aliás, utilíssimos, para os grandes
números, porém ainda não podemos antecipar exatamente o que irá acontecer em cada
caso concreto. Assim, devem ser estabelecidos métodos, modelos e rotinas capazes de
1 Trata-se da obra denominada Desafio aos Deuses: A Fascinante História do Risco. Rio de Janeiro: Campus, 1997 2 Op. cit p. 1.
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mitigar riscos. No caso, cuida-se de evitar os riscos relacionados à gestão dos recursos
garantidores dos planos de benefícios previdenciários.
Para que possamos compreender o ambiente em que passamos a transitar, há três
pontos centrais que devem ser destacados: (i) qualquer investimento possui algum nível
de risco; (ii) numa economia saudável (ou seja, com moderadas taxas de juros básicos),
maiores retornos estão associados a maiores riscos; e (iii) os fundos de pensão
administram recursos que precisam ser investidos.
A percepção do risco, lembra-nos Bernstein, é a mesma para todos e cita o
exemplo do medo de trovões. Para todos, há a mesma sensação de que dificilmente
serão atingidos por um raio, o que difere é o convívio com as consequências desse fato.
O autor cita também as turbulências em aviões, enquanto alguns continuam a dormir
tranquilamente, outros dão trabalho às equipes de bordo, embora todos saibam que,
estatisticamente, é mais seguro viajar de avião do que seguir num automóvel. Nesse
sentido, afirma que:
Isso é positivo. Se todos avaliassem cada risco exatamente da mesma forma, muitas
oportunidades arriscadas seriam perdidas. Pessoas aventureiras atribuem grande
utilidade à baixa probabilidade de ganhos imensos e baixa utilidade à probabilidade
maior de perda. Outras atribuem pouca utilidade à probabilidade de ganho, porque sua
meta principal é preservar o capital. Onde um vê tempo bom, o outro vê tormenta. Sem
o aventureiro, o mundo progrediria bem mais lentamente. Pense em como seria a vida
se todos tivessem fobia de raios, de voar de avião e de investir em empresas novas. É
realmente uma sorte que os seres humanos difiram em sua atração pelo risco.3
As expressões usadas por Bernstein (“oportunidades arriscadas”, “pessoas
aventureiras” etc.) são pouco adequadas para um ambiente de gestão de recursos de
terceiros, mas espelham a realidade da função risco-retorno. Agora, deveremos ter claro
que já estamos num ambiente em que viveremos “turbulências” derivadas de uma maior
exposição a riscos de investimentos. Nesse sentido, o nível de exposição aos riscos
deverá ser objeto de discussão interna para cada um dos milhares de planos de
benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar
3 Op. cit pp. 104/105.
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(“EFPC”), para aferir o “apetite” de cada grupo de participantes ativos, assistidos e
patrocinadores na relação risco-retorno.
Deve-se apontar que a Moderna Teoria dos Portfólios indica que a diversificação
dos investimentos de uma mesma carteira de ativos, por regra, é um dos elementos
centrais de diminuição de riscos. Ou, utilizando-se da tradição oral de que “não se
devem colocar todos os ovos numa mesma cesta”. Com isso, o fundo de pensão possuirá
cestas com investimentos de maior risco-retorno e cestas com a equação oposta, com
vistas à formação de um resultado geral capaz de atingir a meta atuarial de seus planos
na modalidade de benefício definido ou de contribuição variável, ou com a meta de
investimentos de seus planos na modalidade de contribuição definida.
II. MAIORES RISCOS E AS DECISÕES DE INVESTIMENTO: OS DEVERES
DOS GESTORES FIDUCIÁRIOS
Na tradição norte-americana da administração dos fundos de pensão, há dois
grandes deveres vinculados à gestão fiduciária: a lealdade e a prudência. Desses
deveres, geram “sub-regras” (subrules) de conduta: o dever de prestar contas (to render
accounts), fornecer informações (to furnish information), propor e defender de ações
judiciais (to enforce and defend claims), minimizar custos (to minimize costs) e
preservar o patrimônio e fazê-lo produtivo (to preserve trust assets and make them
productive).
Sabe-se que as decisões de investimento das reservas garantidoras dos planos de
benefícios devem ser transparentes (dentro do que disponha a governança de cada EFPC
e as normas aplicáveis) e estar voltadas para preservar os valores investidos e gerar-lhes
rentabilidade, sempre em função dos destinatários do plano. Assim, o dever de lealdade
nos parece fácil de ser cumprido num ambiente de normalidade ética.
Em tempos de juros básicos reduzidos e da necessidade da tomada de riscos
crescentes, a dificuldade está na demonstração de prudência nas decisões de
investimentos, sobretudo quando se está iniciando essa trajetória. Trazemos um
exemplo. Em maio de 2009, fomos convidados a proferir uma palestra para dirigentes –
diretores e conselheiros – de um fundo de pensão que administra grandes reservas. Na
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oportunidade, estavam presentes também lideranças dos participantes e assistidos.
Depois de discorremos sobre as novas modalidades de investimentos com risco privado
que se colocam disponíveis no mercado de capitais, foi surpresa a pergunta, que
materializava um sentimento aparentemente coletivo, sobre a desnecessidade de assumir
novos riscos para os investimentos. A colocação baseava-se no fato de que não se
pretendia correr riscos com os recursos que garantiam a sobrevivência de milhares de
idosos, menores etc.. Nitidamente, a percepção do passado ainda condicionava o
presente na indagação apresentada por um membro do Conselho Deliberativo da
entidade: “sempre sobrevivemos com riscos baixos, porque agora temos que correr
maiores riscos?”. E a resposta é: porque temos uma economia saudável, na qual os
retornos dependem dos riscos e não se encontram disponíveis títulos públicos capazes
de gerar a rentabilidade necessária para atingir a meta atuarial (ou a meta de
investimentos) dos planos de benefícios. Nesse sentido, dissemos que não haverá outro
caminho senão estar preparados para assumir maiores riscos, embora isso, de modo
algum, signifique agir com imprudência.
É certo que a decisão prudente não está vinculada ao resultado do investimento,
pois juridicamente tais gestores possuem uma “obrigação de meio” e não uma
“obrigação de resultado”4. No ambiente dos investimentos dos fundos de pensão, a
primeira determina um dever de alocação dos melhores esforços para a escolha dos
investimentos, assim compreendidos toda a perícia técnica possível e o conhecimento
das circunstâncias de mercado acessíveis no momento da decisão de aplicar as reservas
garantidoras. Já a “obrigação de resultado” determinaria que a não obtenção de um fim
previamente estabelecido – v.g., os investimentos atingirem a meta atuarial – traria
4 Nesse ponto nos socorremos das sempre precisas palavras do Professor Caio Maior que afirma que:
“Nas obrigações de resultado, a execução considera-se atingida quando o devedor cumpre o objetivo final; nas de meio, a inexecução caracteriza-se pelo desvio de certa conduta ou omissão de certas precauções, a que alguém se comprometeu, sem cogitar o resultado final.
(...) Como bem distingue a doutrina, na obrigação de resultado a essência da prestação é o
bem jurídico almejado, ao passo que na obrigação de meio o devedor se obriga a envidar esforços para atingir certo objetivo, não se comprometendo, no entanto, a obtê-lo.” In, PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Florense, 2007, p.56.
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como resultado para os gestores as sanções civis, administrativas e penais derivadas do
“inadimplemento”.
Há um caso sempre citado na literatura jurídica norte-americana sobre o tema e
que parece útil trazer. Trata-se do caso DeBruyne v. Equitable Life Assurance Soc.,
resultado de perdas muito grandes experimentadas por vários agentes de mercado na
denominada “segunda-feira negra” em outubro de 1987. Nesse julgamento da Seventh
Circuit Court Illinois, foi proferida decisão no sentido de que “o resultado final de um
investimento não é prova de imprudência. Não se pode dizer que o gestor foi
imprudente somente por que o fundo de pensão perdeu dinheiro. O dever do gestor de
cuidado determina prudência, não presciência”5.
Contudo, para que se tenha uma decisão prudente – ou seja, aquela será capaz de
mitigar (e não afastar por completo) os riscos do investimento – é necessário um
processo de conhecimento dos fatos, das condições negociais e jurídicas. Passa-se então
a analisar o processo em que se realiza a decisão com relação aos investimentos das
EFPC. A decisão prudente é aquela tomada num ambiente que conta com elementos
técnicos – pessoais e fáticos – capazes de implementar a “melhor decisão possível”, é o
que denominamos chamar de “processo de investimento”.
III. A FORMAÇÃO DA DECISÃO PRUDENTE: O PROCESSO DE
INVESTIMENTO
Como se disse, a nova taxa básica de juros determina que os novos
investimentos dos fundos de pensão deverão, por conseguinte, conter maiores “riscos
privados”, assim entendidos riscos derivados de dívida (debt) ou participações (equity)
de agentes não governamentais. No segmento da renda fixa, tem-se, por exemplo, a
aquisição de certificados e recibos de depósito bancários, letras de crédito imobiliário,
letras de crédito do agronegócio, debêntures, cédulas de crédito bancário, cotas fundos
de investimento em direitos creditórios e de certificados de recebíveis imobiliários, para
5 Tradução livre da seguinte passagem: “the ultimate outcome of an investment is not proof of imprudence. We cannot say that [the manager] was imprudent merely because [the fund] lost [money]. The fiduciary duty of care [requires] prudence, not prescience”.
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ficarmos nas modalidades mais usuais. Haverá, no segmento de renda variável,
crescentes investimentos em ações e seus derivativos, private equity e fundos de
investimentos em participações. Já, no segmento de imóveis, os ativos imobiliários
propriamente ditos e os fundos de investimentos imobiliários tendem a estar cada vez
mais presentes como ativos das reservas garantidoras das EFPC.
Esses investimentos são, por essência, mais complexos sob o ponto de vista de
sua estruturação financeira e jurídica. Nesse sentido e de forma muito acertada, a
normatização brasileira – através da regras editadas pelo Conselho Monetário Nacional
(CMN), pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – têm determinado a melhoria dos processos
internos na decisão de investir, de acompanhar os investimentos e de determinar
padrões de conduta em caso de desvio do gestor externo ou interno.
O CMN alocou expressamente na esfera interna da entidade o controle e a
avaliação dos riscos das aplicações, alguns inclusive de forma inovadora, determinando
a necessidade de “identificar, avaliar, controlar e monitorar os riscos sistêmico, de
crédito, de mercado, de liquidez, operacional e legal” (art. 61 do Regulamento anexo à
Resolução CMN nº 3.456/2007).
Essa Resolução foi mais além e estabeleceu que “as análises (...) e os
documentos que as fundamentaram deverão permanecer na entidade fechada de
previdência complementar à disposição do conselho fiscal e da Secretaria de
Previdência Complementar” (art. 61, §2º). Ou seja, o processo de governança para as
decisões de investimento precisa possuir análises prévias documentadas, que conterão
os estudos técnicos realizados, devendo esse material permanecer arquivado na
entidade.
Em última análise, visa o órgão regulador dos investimentos das EFPC a
proteção dos recursos garantidores dos planos de benefícios administrados através de
uma melhoria no processo de gestão interna. A norma, nitidamente, ressalta a obrigação
fiduciária dos gestores para atuar com rigor técnico na decisão e no acompanhamento
dos investimentos, ou seja, materializa uma conduta obrigatória para a realização da
decisão prudente, tão enfatizada pelos americanos.
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Seguindo essa linha, o monitoramento e a fiscalização por parte dos órgãos de
controle das EFPC, notadamente da Secretaria de Previdência Complementar (SPC),
têm focado a gestão dos investimentos e determinado seguidas sanções sem qualquer
distinção se a alocação é feita de forma direta (carteira própria) ou indireta (carteira
administrada ou fundo de investimento).
Em razão de nossa experiência no acompanhamento de diversos processos de
fiscalização e no patrocínio de várias defesas em autuações da SPC, podemos afirmar
que a análise dos fundamentos fáticos e jurídicos, que têm levado às punições pela
Secretaria, revela que, na maioria dos casos, a inobservância das diretrizes de aplicação
dos recursos garantidores poderia ter sido evitada caso a EFPC e seus gestores (pessoas
físicas): (i) tivessem um melhor aparelhamento técnico-estrutural de suas áreas de
investimento, compatível com o novo ambiente negocial, jurídico e regulatório; e (ii) no
caso da gestão terceirizada, tivessem tomado providências acautelatórias na contratação
e na posterior relação com o gestor externo, atuando sempre que houvesse algum desvio
do mandato outorgado.
Neste contexto, faz-se necessário pensar a necessidade de revisão pelas
entidades fechadas do seu processo de investimento, com vistas a identificar e mitigar
os riscos para os ativos garantidores, aprimorar o instrumental de acompanhamento dos
atos praticados pelos gestores internos e os terceirizados e, por conseguinte, atuando
prudentemente para resguardar as reservas garantidoras em si. Esse aprimoramento
demonstra-se indispensável também para preservar a responsabilização civil, penal e
administrativa dos dirigentes e demais pessoas envolvidas com a atividade de alocação
dos recursos garantidores dos planos de benefícios previdenciários.
IV. A VISÃO DO ÓRGÃO FISCALIZADOR E REGULADOR: A NOTA
TÉCNICA 100/2007/SPC/DELEG
Nos últimos anos, foi expressivo o número de Autos de Infração lavrados pela
Secretaria de Previdência Complementar contra dirigentes e responsáveis pelos setores
técnicos das EFPC relativos a questões que envolvem os investimentos dos recursos
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garantidores dessas entidades. Conforme consta no Relatório de Atividades da
Secretaria de 20086, 79,6% dos Autos julgados se voltaram para os investimentos.
Evidentemente que o órgão de fiscalização – a SPC – também precisou
aprimorar os seus mecanismos de acompanhamento e permanecerá a fazê-lo. Nesse
sentido, foram fornecidas novas ferramentas aos Auditores Fiscais para que pudessem
exercer o poder de polícia, inclusive por meio da denominada “fiscalização indireta”,
i.e., quando as informações não são conhecidas diretamente na entidade nos
procedimentos fiscais, mas obtidas a partir das bases de dados disponíveis nas centrais
de liquidação e custódia.
Sob o ponto de vista jurídico, deve-se apontar que foi um marco importante
nesse processo de aperfeiçoamento dos processos administrativo-sancionatórios a
edição da Nota Técnica 100/2007/SPC/DELEG, de 17.12.2007 (“Nota Técnica 100”),
elaborado pela Diretoria de Legislação e Normas - DELEG e dirigida especialmente ao
Departamento de Fiscalização - DEFIS, da própria SPC. A Nota Técnica 100 foi
resultado de um cuidadoso trabalho do Diretor Dr. Ivan Jorge Bechara Filho,
profissional de especial brilho intelectual e profundo conhecimento jurídico, tendo sido
formalmente adotada pelo Sr. Secretário como posicionamento da Secretaria de
Previdência Complementar, conforme consta do Despacho 70/2008/SPC/DELEG, que
encaminhou a referida Nota para o CGPC.
A Nota Técnica 100 veio resolver um dilema que se colocava para os Auditores
Fiscais, relacionado com a responsabilidade dos dirigentes, quando as condutas tidas
por irregulares haviam sido praticadas por gestores externos. Para sermos mais claros,
exemplificamos. Imagine-se a realização da proibida operação de day trade (aquisição e
venda de um mesmo ativo no mesmo dia)7 realizada – não por um gestor interno da
EFPC – mas por um gestor externo de um fundo de investimento exclusivo em ações
dessa entidade. Ou seja, a gestão interna dessa EFPC não deu a ordem de compra e de
venda desse ativo, mas o valor mobiliário está registrado como seu patrimônio8 gerido
externamente, e, portanto, constando formalmente que a operação de day trade foi 6 Como consta referido no Relatório, acessível no seguinte endereço eletrônico http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/4_090325-165717-628.pdf (visitado em 09.07.2009) 7 É o que consta da vedação prevista no art. 65, III do Regulamento anexo à Res. CMN 3.456/2007. 8 Nos termos do contido no art. 42 da Res. CMN 3.456/2007, os fundos de investimentos são “explodidos” para fins de verificar os ativos investidos e alocar como ativos diretos da EFPC.
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realizada pelo fundo de pensão. Mesmo não tendo dado a ordem, teria o gestor interno
responsabilidade administrativa pelo descumprimento da norma? Ele poderia ser
sancionado pela SPC?
Esse tipo de dificuldade é o núcleo da cuidadosa e técnica manifestação da SPC,
através do DELEG. A consulta formulada a esse departamento e que resultou na
emissão da Nota Técnica 100, envolvia duas questões centrais: (i) se os art. 42 e 59 do
Regulamento anexo à Resolução CMN nº 3.456/20079 poderiam ser usados pela SPC
para a responsabilização dos dirigentes de entidades fechadas em decorrência de
infrações praticadas por administrador de fundo de investimentos e outros gestores
externos; e (ii) em caso negativo, qual seria a base legal para a responsabilização dos
dirigentes por eventual infração à legislação da previdência complementar, na hipótese
da terceirização dos investimentos.
Quanto à equiparação das aplicações realizadas diretamente pela entidade e
àquelas efetuadas por meios de carteiras administradas ou fundos de investimento,
previstas no art. 42 do Regulamento da Resolução 3.456/2007 tem-se a seguinte
resposta, direta e objetiva do DELEG:
33. A equiparação prevista no art. 42 serve apenas e tão somente para os fins da própria
Resolução nº 3.456/07, cujo objetivo declarado foi o de estabelecer diretrizes de aplicação dos
recursos garantidores das entidades fechadas de previdência complementar
(...)
35. A equiparação contida no art. 42 da Resolução nº 3.456/07 não pode ser usada como regra de
extensão das infrações administrativas tipificadas no Decreto nº 4.942/03.
9 Transcrevemos os dispositivos:
Art. 42. Equiparam-se às aplicações realizadas diretamente pela entidade fechada de previdência complementar aquelas efetuadas por meio de carteiras administradas ou por meio de fundos de investimento, que não fundos de investimento em empresas emergentes e fundos de investimento em participações. Art. 59. É facultada à entidade fechada de previdência complementar a contratação: I – de pessoas jurídicas especializadas na prestação de serviços de consultoria, registrados na Comissão de Valores Imobiliários, objetivando a análise e seleção de ativos e modalidades operacionais para comporem os diversos segmentos e carteiras referidos neste regulamento; ou II – de pessoas jurídicas, autorizadas ou credenciadas nos termos legislação em vigor para o exercício profissional de administração de carteiras, sem prejuízo da responsabilidade da própria entidade fechada de previdência complementar, da sua diretoria-executiva e do administrador designado nos termos do art. 56.
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Prosseguindo na análise quanto à possibilidade de contratação de pessoas
jurídicas autorizadas ou credenciadas nos termos da legislação em vigor para o exercício
profissional de administração de carteiras (prevista no art. 59 da Resolução CMN0, após
um extenso exame da matéria e trazendo sólidos fundamentos jurídicos, conclui o
DELEG:
39. O Conselho Monetário Nacional só pode expedir regulamento para as diretrizes de aplicação
dos recursos garantidores das entidades fechadas. As infrações e as penalidades administrativas,
por sua vez em decorrência do disposto no art. 65 da Lei Complementar 109/01, devem observar
o disposto em outro regulamento (...). E, como é cediço, este regulamento é o Decreto nº 4.942,
de 30 de dezembro de 2003.
Feitas essas considerações sobre a possibilidade de invocação da Resolução
CMN como fundamento das autuações administrativas, a Nota Técnica 100 examina, de
forma bastante abrangente, a base jurídica que deve ser empregada nos casos em que a
fiscalização constatar uma conduta em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo
Conselho Monetário Nacional (art. 64 do Decreto 4.943/2003).
Desse minucioso estudo resultam algumas conclusões que podem assim ser
resumidas:
a) no caso da gestão terceirizada (através de carteiras administradas ou fundos
de investimento) “quem pratica a conduta proibida é o gestor do fundo de
investimento e não o dirigente da entidade previdenciária” (item 41);
b) deve ser extraído de cada tipo infracional “o respectivo sujeito passivo, isto
é, a pessoa física ou jurídica responsável que estará sujeita ao poder de
polícia exercido pela SPC” (item 50 – grifo no original);
c) o dirigente da entidade “não pode ser responsabilizado por aplicar em
desacordo com as diretrizes do CMN, já que quem aplica, no caso, não é
ele” (item 52);
d) portanto, “penalizar o dirigente da entidade previdenciária por uma conduta
praticada por terceiro equivaleria a imputar-lhe responsabilidade objetiva,
esta não admitida pela Lei Complementar 109/01”(item 53);
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e) trazendo os dispositivos da própria LC 109/2001 ressalva “só haverá
responsabilização dos dirigentes que ‘tenham concorrido’ para a prática de
eventual ilícitos na área de investimentos”(item 57); e
f) por fim, afirma a Nota Técnica 100 que, “no âmbito do processo
administrativo sancionador, na menos restritiva das hipóteses, só se poderia
cogitar da responsabilidade objetiva nos casos especificados em lei, o que
não ocorre na lei que rege a previdência complementar” (item 56 –
sublinhado no original).
Contudo, na visão da SPC, toda essa lógica não se presta ao afastamento prévio
da responsabilidade dos administradores da EFPC quando o ilícito é praticado por
gestor externo. Não é esse o pensamento da Secretaria, a tônica da posição do órgão
fiscalizador expressada na Nota Técnica 100 é a da “responsabilidade subjetiva com
culpa presumida – em que, inicialmente, se presume a culpa do responsável, admitindo-
se prova em contrário, isto é, podendo o acusado comprovar a ausência de culpa – é,
na verdade, a que melhor se amolda às infrações administrativas à legislação da
previdência complementar” (item 61) (grifos nossos).
Nos termos da Nota Técnica 100, a responsabilização do gestor interno da
entidade fechada deverá ser apurada pela análise de sua atuação, verificando-se a forma
de sua conduta no processo de investimento. Em outras palavras, deverá ser verificado
se o gestor interno: (i) aplicou todo o cuidado e diligência na escolha do gestor externo;
(ii) foi cuidadoso e diligente no acompanhamento da gestão externa; e (iii) verificou, no
caso do desvio do gestor externo, se ocorreu algum tipo de prejuízo na entidade,
aplicando-se uma “Política de Consequências” contra o mesmo.
Como se trate de tema bastante específico, voltemos a nosso exemplo do
investimento na forma de day trade. A Nota Técnica 100 mandaria examinar se: (i) a
contratação do gestor externo do fundo de investimentos em ações foi precedida de
cuidados para verificar se o gestor externo possuía expertise e condições operacionais
para a gestão de tais ativos e se a contratação, materializada no regulamento do fundo de
investimento, vedava a operação com day trade; (ii) o gestor interno tinha mecanismos
de acompanhamento das operações realizadas pelo gestor externo, recebendo e
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analisando relatórios regulares com todas as operações realizadas, dentre outras
providências próprias do acompanhamento de gestão; e (iii) tendo tido conhecimento da
operação de day trade, o gestor interno determinou que se verificasse a existência de
algum prejuízo que deveria ser ressarcido à entidade, dentre outras providências
próprias derivada do desvio de conduta.
Essa orientação do DELEG está consolidada nos seguintes termos da Nota
Técnica 100:
63. Isto não significa, porém, que os dirigentes das entidades fechadas de previdência
complementar não possam ser punidos em virtude de práticas irregulares que venham a ser
perpetradas pelos administradores dos fundos de investimento.
64. Ocorre que a responsabilização administrativa na hipótese versada não se dará com
fundamento no cogitado art. 64 do Decreto 4.942/03, devendo ser efetivada, conforme o caso
concreto, com base nos arts. 79, 90 ou 110 do mesmo Decreto.
65. Deverá ser verificado, em cada caso concreto, se o dirigente da entidade atuou com
diligência no acompanhamento da gestão do fundo de investimento, se adotou medidas para
evitar a prática de irregularidades pelo administrador do fundo de investimentos (especialmente
através da inserção de cláusulas restritivas no contrato celebrado), bem como se tomou as
providências pertinentes quando a prática vedada chegou ao seu conhecimento.
(Grifos nossos.)
A correta posição do DELEG é no sentido de que a responsabilização dos
dirigentes não pode dar-se com fundamento no art. 64 do Decreto 4.942/2003 – cujo
núcleo central está calcado na ação de “aplicar os recursos garantidores” – mas, em
cada caso concreto, recomenda que autuação utilize como base legal as disposições dos
art. 79, 90 ou 110 do mesmo Decreto.
Vejamos os comandos trazidos por esses dispositivos. O mencionado art. 79
impõe ao dirigente “adotar as providências para apuração de responsabilidades e,
quando for o caso, deixar de propor ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que
deram causa a dano ou prejuízo à entidade fechada de previdência complementar ou a
seus planos de benefícios”. Por sua vez, o art. 90 dirige-se ao respeito aos estatutos e
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regulamento. Nesse caso, entendemos que o enquadramento nesse tipo infracional
somente se aplica se houve expressa violação de regra contida nesses instrumentos e
que se refiram aos investimentos. O art. 110 é um tipo aberto que pode abrigar todo e
qualquer comportamento considerado violador de dispositivo aplicável às EFPC,
inclusive as normais internas da entidade, incluindo os seus códigos de conduta, suas
políticas de alçadas e tudo mais a que possa estar submetido o administrador dos
recursos dos planos de benefícios.
IV. 1 – A REPERCUSSÃO DA NOTA TÉCNICA 100 NOS JULGAMENTOS
REALIZADOS PELO CONSELHO DE GESTÃO DA PREVIDÊNCIA
COMPLEMENTAR - CGPC
Como se sabe, o CGPC funciona também como o órgão recursal nos processos
administrativo-sancionadores da previdência complementar fechada. No âmbito desse
colegiado, tem-se verificado o acatamento da posição do órgão fiscalizador, manifestada
através da Nota Técnica 100. Vários Autos de Infração têm sido declarados
improcedentes, motivado pela fundamentação no art. 64 do Decreto 4.942/2003, quando
quem tomou a decisão de investimentos foi o gestor externo e não os próprios técnicos
da EFPC e a “culpa presumida” restou afastada pela conduta do dirigente da EFPC.
Mais recentemente, podemos citar os julgamentos dos processos nº
44000.000546/2007-11, 44000.001458/2007-36, 44000.002800/2007-15. Aqui
reproduzimos, segundo nossas anotações10, a fundamentação de um desses processos:
DECISÃO DO CGPC DA 116ª REUNIÃO DE 27 DE ABRIL DE 2009
CONSELHO DE GESTÃO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
Conselheiro-Relator: Delúbio Gomes Pereira da Silva
Processo No- 44000.000546/2007-11
Decisão-Notificação No (...)
Recorrente: Secretaria de Previdência Complementar
10 Deve-se explicar que nossa banca de advogados tem por hábito assistir a todas as sessões do CGPC, tomando notas dos debates e decisões.
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Ementa: Imputação de responsabilidade objetiva. Impossibilidade na lavratura do AI. Não é
cabível a imputação de responsabilidade objetiva. Responsabilidade administrativa por infração
à legislação complementar é subjetiva por culpa presumida. Recurso de ofício conhecido e
negado provimento.
Relatório:
Os senhores (...) foram autuados pela SPC em face de terem aplicado recursos garantidores das
reservas técnicas, provisões e fundos dos planos de benefícios em desacordo com as diretrizes
estabelecidas pelo CMN, ao realizar operações vedadas, denominadas day-trade. Entretanto,
nos termos da impugnação e Análise Técnica respectiva, restou comprovado que o relatório,
por considerar a responsabilidade objetiva, não esclarece quem tomou a decisão de realizar as
operações, pois deixa de descrever quem pratica a ação núcleo do tipo infracional “aplicar
recursos” ou “realizar operações”, na medida em que impõe responsabilidade objetiva aos
diretores autuados. Equivale dizer que os diretores seriam responsáveis pela infração,
independentemente de quem tenha praticado a conduta irregular, desta maneira deixou de
descrever de maneira circunstanciada quem seriam os agentes que praticaram os atos.
Voto:
Conforme descrito no relatório, não é cabível a imputação de responsabilidade objetiva,
fundamentada no art. 23 do regulamento anexo à Resolução CMN nº 3.121/2003, restando
evidente que a responsabilidade administrativa por infração à legislação de previdência
complementar é subjetiva com culpa presumida.
Nestas circunstancias, o relatório possui vício insanável por não esclarecer quem tomou a
decisão de realizar as operações, não comportando correção na fase de instrução do processo e
macula a autuação desde o início. Voto no sentido de conhecer o recurso para no mérito negar-
lhe provimento
Decisão 116ª (publicada no DOU de 06.05.09): Por unanimidade de votos, conhecer do recurso
de ofício para, no mérito, negar provimento.
(Grifos nossos)
A Nota Técnica 100, com toda certeza, já está a determinar a forma de atuação
da fiscalização direta ou indireta da SPC, trazendo para o ambiente das EFPC a
necessidade de se estabelecer maiores cuidados no processo de investimento, bem
entendido, as providências a serem tomadas antes, durante e posteriormente à decisão de
investimento.
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V. ESTUDO DE CASO: A INSTRUÇÃO SPC nº 31/2009 (NEGOCIAÇÕES
PRIVADAS COM AÇÕES)
Para tornar mais concreta a presente análise, achamos útil trazer, com algum
nível de detalhe, um caso em que a legislação obriga a adoção de um específico
processo de decisão de investimento.
Também sob o aspecto normativo, a SPC tem determinado uma maior precisão
técnica e transparência no processo decisório interno das EFPC. É com base nesse
conceito que está calcada a Instrução SPC nº 31/2009, que trata das “negociações
privadas, com ações de emissão de companhias abertas negociadas em bolsa de valores
ou admitidas à negociação em mercado de balcão organizado”.
Como se disse, vive-se um ambiente em que os fundos de pensão estão
adquirindo maiores riscos privados e, por conseguinte, adquirindo ações em mercado,
ações vinculadas ao bloco de controle de grandes companhias nacionais ou com algum
interesse especial. Através da análise desse case, será possível compreender, no plano
prático, a sistemática de um processo interno eficiente sob o ponto de vista de mitigar os
riscos do investimento e também capaz de minimizar os riscos dos próprios gestores da
EFPC.
Com relação à compra e venda de ações, a Resolução CMN 3.456/2007,
repetindo normativos anteriores, estabelece como regra a negociação com ações em
ambientes públicos. Isso decorre da vedação expressa às negociações privadas contida
atualmente no art. 65, VII primeira parte do Anexo desse normativo. A razão é bastante
simples. Sabe-se que as ações, que têm a possibilidade de ser compradas ou vendidas
em bolsa de valores ou em mercado balcão organizado, devem ser transacionadas nesses
ambientes públicos, onde se formará, de forma transparente, o “preço de mercado”.
Contudo, nem sempre é possível ou mais vantajoso para o fundo de pensão
utilizar o ambiente público para tais transações e, nesse sentido, o mesmo art. 65, VII,
em sua parte final, admite três exceções para operações privadas com ações: (i) “os
casos expressamente previstos neste regulamento”; (ii) os casos previstos em outras
normas que não a Resolução nº 3.456/2007 (“previstos [...] na regulamentação em
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vigor”); e (iii) aquelas operações “previamente autorizadas pela SPC”. É
exclusivamente dessa terceira exceção que trata a IN SPC nº 31/2009.
Essa Instrução estabelece requisitos internos à própria entidade para que possam
ser contratadas as negociações privadas com ações. Tais requisitos estão vinculados a
um impositivo processo interno qualitativo de avaliação e decisão de investimento que
se imagina seja capaz de reduzir riscos, produzindo uma decisão prudente.
Nesse sentido, essa norma determina (art. 2º) a elaboração de um Estudo
Técnico, que contemple, no mínimo, o seguinte conteúdo:
(i) o objetivo da operação pretendida;
(ii) as razões pelas quais há a efetiva necessidade da realização da operação por
meio de negociação privada;
(iii) os elementos econômicos e financeiros da operação, indicando: a quantidade
de ações a serem negociadas, por classe de ações; o valor unitário de cada ação;
a quantidade de debêntures conversíveis em ações detidas pela EFPC, quando
houver; e a alocação das ações a serem negociadas por plano de benefícios;
(iv) se a operação for de compra de ações, a indicação do quadro de composição
acionária da sociedade emissora, antes e depois da operação pretendida;
(v) a metodologia e a forma de precificação das ações;
(vi) a análise dos riscos sistêmico, de crédito, de mercado, de liquidez,
operacional e legal, assim como a avaliação do cenário econômico, com a
descrição das premissas adotadas; e
(vii) o enquadramento do ativo conforme os requisitos, limites e condições
previstos na Resolução CMN nº 3.456/2007.
Por seu conteúdo, observa-se que esse Estudo Técnico possuirá natureza
complexa, muitas vezes não sendo possível realizá-lo internamente na EFPC. Assim, a
IN SPC nº 31/2009 admite que possa ser produzido externamente por “banco de
investimentos ou por empresa especializada registrada na Comissão de Valores
Mobiliários para o exercício dessa atividade”. Evidentemente que o aspecto da
ausência de conflito de interesse do profissional externo em relação à operação
pretendida não poderá passar despercebido pela entidade fechada.
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A Instrução determina, em seu art. 3º, um processo decisório interno mínimo nas
esferas de governança do fundo de pensão e que deverá ser observado antes da
efetivação da operação privada com ações. Diz-se mínimo, uma vez que as normas
internas da entidade podem determinar um rito ainda mais rigoroso.
Nesse sentido, o art. 3º obriga à observância de etapas prévias para a operação,
que deverá:
(i) “estar em conformidade com a política de investimentos dos planos de
benefícios da EFPC” (art. 3º, § 1º);
(ii) ter sido analisada por órgão colegiado de análise de investimentos (comitê de
investimentos), quando formalmente existir;
(iii) possuir a análise do Administrador Estatutário Tecnicamente Qualificado –
AETQ, mediante declaração que ateste “que, ao realizar a operação pretendida,
a EFPC observou que o ativo objeto da operação, bem como o seu
enquadramento, atende aos requisitos, limites e condições previstos na
legislação em vigor, no caso de aquisição de ações”; e
(iv) possuir a aprovação da operação pretendida pela diretoria executiva e pelo
conselho deliberativo.
O Conselho Fiscal também é chamado a acompanhar esse processo interno, não
atuando no prévio processo decisório, mas sendo informado da decisão com relação à
operação “com antecedência mínima de 30 (trinta) dias da data de sua liquidação”, de
forma a exercer o seu papel de órgão de controle.
Esse normativo obriga a consolidação de documentos que comprovem o
cumprimento da análise de mérito e do processo decisório interno, documentos que
permanecerão na EFPC ou serão remetidos para a SPC, conforme seja o caso. Nessa
linha, o caput do art. 4º da IN SPC nº 31/2009 dispõe ser necessário:
(i) quanto aos aspectos formais: a comprovação de que o subscritor do
requerimento para a SPC tem poderes de representação; o extrato do estatuto; a
composição e as atribuições do comitê de investimentos (quando houver); a
política de competências ou alçadas (quando houver); e o extrato de custódia das
ações a serem negociadas (ainda que a operação seja de aquisição);
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(ii) quanto aos aspectos de mérito: o Estudo Técnico antes tratado; o contrato ou
acordo para exercício de voto que assegure à EFPC o direito à aquisição ou à
alienação de ações ou debêntures conversíveis em ações (se for o caso); o acordo
de investimentos ou outro documento similar que contenha a descrição da
operação pretendida; o acordo de acionistas (quando houver); e parecer jurídico
capaz de atestar a legalidade da operação pretendida; e
(iii) quanto ao processo decisório: a comprovação das etapas previstas nos
incisos I a IV do art. 3º da Instrução (e referidos no item 3.2 supra).
Ainda com relação ao mérito da operação, para a aquisição de “ações de
companhias que não estejam admitidas à negociação em segmento especial nos moldes
do Novo Mercado ou do Bovespa Mais, nem classificadas nos moldes do Nível 2 da
BM&FBovespa“, o art. 5º da Instrução determina a comprovação da data da distribuição
pública, para que se cumpra a exigência contida no art. 65, X do Regulamento anexo à
Resolução CMN nº 3.456/2007. Esse dispositivo da norma do CMN admite a aquisição
de ações de companhias que estão fora desses segmentos especiais, desde que tenham
“realizado sua primeira distribuição pública de ações anteriormente à data da entrada
em vigor desta resolução”.
Há outra questão importante também vinculada ao mérito, cuida-se das ações de
empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Recentemente,
pudemos participar de algumas operações de aquisição de ações de companhia dessa
natureza, que trazem um elemento adicional em se tratando de participação no controle
da concessionária: a necessidade de aprovação da operação também por parte do Poder
Concedente. A IN SPC nº 31/2009 determina que esse tema seja expressamente
referido, embora a autorização do Poder Concedente possa ser obtida posteriormente à
aprovação pela SPC, como condição para a liquidação da operação.
Como o art. 65, VII do Regulamento anexo à Resolução CMN nº 3.456/2007
não impõe a aprovação expressa da SPC para as negociações privadas com ações, a SPC
acabou estabelecendo parâmetros qualitativos e econômicos que, uma vez obedecidos,
contam então com a sua aprovação tácita.
Nesse sentido, a Instrução admite operações que necessitam de autorização
prévia e expressa e outras que não precisam de autorização expressa. É certo que,
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observando-se o conceito central de diminuição de riscos através de processos
decisórios cuidadosos, para todas as operações, é necessário (como parâmetros
qualitativos): (i) a realização do Estudo Técnico; (ii) o cumprimento do processo
decisório interno na EFPC; e (iii) a obtenção e consolidação de toda a documentação
como antes referido.
A regra estabelecida pela IN SPC nº 31/2009 é a necessidade da prévia e
expressa autorização da SPC para a realização de negociações privadas com ações.
Contudo, o art. 8º da Instrução admite 3 (três) hipóteses (fundadas em parâmetros
econômicos) para as quais não há necessidade de pedido de autorização expressa e,
desde que preenchidos os seus requisitos, a Instrução já outorga uma autorização tácita.
São as seguintes hipóteses:
(i) a alienação pela EFPC (ressalte-se, exclusivamente a venda) de ações de
baixíssima liquidez, assim entendidas aquelas com poucas operações na
BM&FBovespa ou nenhuma operação em mercado balcão organizado, em
ambos os casos, apuradas nos 12 (doze) meses anteriores à assinatura do
compromisso de alienação (na forma do art. 8º, I e II da Instrução); e
(ii) e (iii) a alienação ou aquisição (portanto, também a compra) de ações que
representem investimentos relevantes numa empresa, assim considerados
montante iguais ou superiores a “10% (dez por cento) do capital com direito a
voto da companhia”.
As normas fixadas para as alienações de ações de baixíssima liquidez parecem
fazer todo o sentido, uma vez que esse tipo de ativo, ainda que formalmente passível de
ser transacionado em mercados públicos, faticamente não tem tal atributo. Por
conseguinte, não resta outra forma de aliená-los senão através de procedimentos
privados.
Por sua vez, as participações relevantes seguem formulação antes fixada pela
Deliberação Conjunta CVM/SPC nº 01/1996 (revogada pela Decisão Conjunta
CVM/SPC nº 12/2008). Tais volumes fogem aos parâmetros de operações rotineiras de
mercado, sendo a via mais adequada a da negociação privada. A contrario sensu, as
operações de proporções menores tendem a ser de fácil aceitação pelo mercado,
possibilitando, por regra, a negociação em “ambiente público”. Deve-se apontar que o
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montante de “10% (dez por cento) do capital com direito a voto da companhia” deve
ser individualizado por EFPC eventualmente envolvida.
Deve-se ressaltar que, por força da regra de equiparação prevista no art. 42 do
Regulamento anexo à Resolução CMN 3.456/2007, a IN SPC nº 31/2009 abrange
eventuais negociações privadas com ações realizadas por meio de carteira administrada
ou por meio de fundos de investimento, exceto o Fundo de Investimento em
Participação (“FIP”) e o Fundo de Investimento em Empresa Emergente (“FIEE”).
Num ambiente de crescentes investimentos com “riscos privados”, imagina-se o
incremento de operações com ações e certamente um maior número de negociações
privadas com ações, a demandar a normatização da matéria. Foi, por conseguinte,
bastante oportuna a edição da IN SPC nº 31/2009, cujo conteúdo e conceito central –
mitigação de riscos através de um melhor processo de investimento – parece-nos preciso
tecnicamente e coerente em termos regulatórios.
VI. CONCLUSÃO
Procuramos abordar alguns conceitos jurídicos e questões legais relacionados
aos investimentos dos fundos de pensão, especialmente aqueles relacionadas à
mitigação de riscos de investimentos através da realização da “decisão prudente” do
gestor dessas entidades. Em resumo, pudemos expor que:
(a) com a redução dos juros básicos fixados pelo Banco Central do Brasil, as
EFPC passam a atuar num ambiente em que os investimentos possuirão maiores riscos
financeiros e contarão com uma estrutura jurídica mais sofisticada;
(b) antevendo essa realidade, a legislação específica (normas do CMN, CGPC e
CVM) e as posições do órgão fiscalizador (SPC) e do órgão recursal dos processos
sancionatórios (CGPC) têm determinado a necessidade de uma melhor qualidade do
processo de investimento dessas entidades;
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(c) o processo de investimento pode ser definido como a obrigação fiduciária das
EFPC de atuar com o rigor técnico compatível com a gestão dos seus investimentos
num ambiente de riscos crescentes e sofisticadas estruturas jurídico-financeiras. Essa
obrigação deve ser materializada com a implementação de métodos e rotinas capazes de
identificar e mitigar os riscos para os ativos garantidores dos planos de benefícios,
consolidando instrumentos adequados para: (i) a tomada da decisão de investir; (ii) o
acompanhamento dos investimentos, seja por meio de atos praticados por gestores
internos ou externos (terceirizados) e; (iii) a tomada de providências caso o gestor de
recursos tenha desviado-se de seu mandato ou de seus deveres de gestão;
(d) especificamente com relação à gestão terceirizada dos recursos, o limite da
responsabilidade administrativa dos dirigentes das EFPC está materializada na Nota
Técnica 100/2007/SPC/DELEG, que afirma que: (i) as sanções aos dirigentes não
podem dar-se com fundamento no art. 64 do Decreto 4.942/2003, cujo núcleo central
está calcado na ação de “aplicar os recursos garantidores”, uma vez que o gestor
interno não terá tomado a decisão de investir; contudo (ii) deve-se verificar o processo
de investimento implementado, punindo o dirigente do fundo de pensão se esse
procedimento foi realizado de forma ineficiente ou deixando de puni-lo se houve a
observância de um qualificado processo de investimento;
(e) por fim, realizamos um exame de caso, analisando a normatização das
operações privadas com ações, conforme disposto na IN SPC nº 31/2009, cujo conceito
central está na mitigação dos riscos de investimento através da imposição de um
cuidadoso processo de investimento.
Rio de Janeiro, julho de 2009.