rita de cassia gabriel cerqueira a contribuicao...
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Rita de Cassia Gabriel Cerqueira
A CONTRIBUiCAo DA ARTE ISLAMICA PARA A ARTE
MODERNA - UM ESTUDO DAS ARTES VISUAlS ISLAMICAS E SUA
INFLUENCIA NA FASE INICIAL DA OBRA DE MATISSE
Monografia apresentada para conclusaodo curso de Pos-Gradua9ao em "PoeticasContemporaneas no Ensino da Arte" daUniversidade Tuiuti do Parana.
Orientadora: Prof' Mestra Simone Landal
Curitiba lSETORIAl r
2004
TERMO DE APROVAt;:AO
Rita de Cassia Gabriel Cerqueira
A CONTRIBUIt;:AO DA ARTE ISLAMICA PARA A ARTE MODERNA-
UM ESTUDO DAS ARTES VISUAlS ISLAMICAS E SUA INFLUENCIA
NA FASE INICIAL DA OBRA DE MATISSE
Esta monografia foi aprovada para a obten980 do tituto de Especiatista em
Poeticas Contemporaneas no Ensino da Arte da Universidade Tuiuti do Parana.
Curitiba, 24 de Outubro de 2004.
Maria Leticia Rauen Vianna
Coordenadora
Simone Landal
Orientadora
Agradecimentos
Agrade,o a todos os meus amigos que me ajudaram, de uma
forma au de Dutra, a realizar uma travessia como 8ssa. e
especialmente:
A minha mestra, Simone Landal, pela orienta,80 e auxilio
prestados no desenvolvimento deste trabalho;
Ao meu esposo, Aloisio, pelas infindaveis horas de paciencia e
respeito a mim dedicadas; e
Aos meus filhos, halo e Matheus, por estarem sempre no meu
cora9ao me impulsionando a seguir em frente e nao desistir
nunca.
SUMARIO
INTRODU<,;AO 7
ISLAMISMO E ARTE ISLAMICA: ORIGEM E EXPANSAo 11
AS ARTES VISUAlS NO ISLA 15
3.1 ARABESCOS .. .. 17
3.2 CALIGRAFIA .. .. 20
3.3 ARQUITETURA ......... 25
3.4 TAPETES .... . 31
3.5 PINTURA, ILUSTRA<,;OES, ARTESANATO E CERAMICA 35
4 DIFUSAO DA ARTE ISLAMICA NA EUROPA 37
5 INFLUENCIA ISLAMICA NA ARTE DE MATISSE 41
6 CONCLUSAO 51
7 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 52
LlSTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Cofre de Marfim, Tesoure da Catedral de Braga, Sec. XI. 17
FIGURA 2 - SOnnet Odasi (Sala de Circuncisao), Istambul- sec. XVI. 18
FIGURA 3 - Detalhe da parede de entrada do SOnnet Odasi. .................. 19
FIGURA 4 - Estilo zoom6rfico 22
FIGURA 5 - Estilos de caligrafia 24
FIGURA 6 - Minarete da Mesquita Real de Ispahan 26
FIGURA 7 - Arcos - Mesquita de C6rdoba, 780 ..
FIGURA 8 - Casa de Banhos ..
FIGURA 9 - Palacio de Alhambra, em Granada ...
. 27
............................................... 29
. 30
FIGURA 10 - Tipos de n6s ..
FIGURA 11 - Tapete Bidjar ..
FIGURA 12 - Tapete -Desenho basico .
. 31
. 33
. 34
FIGURA 13 - Os tapetes vermelhos, 1906 .. ............................. 44
..45
. 46
. 47
FIGURA 14 - Odalisca com cal~a vermelha,1924/25 ..
FIGURA 15 - Nu deitado de costas, 1927 ..
FIGURA 16 - Odalisca com cal~a cinza,1926/23.
FIGURA 17 - Mesa Posta (Harmonia Venmelha), 1908 .48
FIGURA 18 - A familia do pintor, 1911 ... ..49
INTRODUc;:Ao
A arte visual islamica com suas caracteristicas: decorativa, colorida, de
grande variedade estilistica, e virtuosismo tscnico, ha ssculos tem tido a capacidade
de nos maravilhar.
Talvez, pela beleza imponente dos tapetes, pelo detalhamento dos
arabescos, par sua arquitetura rieamente decorada, ou porque esta genera de arte
denota elevado grau de paciencia e criatividade de seus artifices. Ainda, esta
atrayao poderia ser explicada pelo tema evacar a imaginal;c3o coletiva a urn ar de
fantasia, urn clima das "mil e uma noites",.
o lata s que muitos artistas, ssculos depois de seu apogeu, Icram e ainda
sao seduzidos par esta genera de arte, refletindo-Q em seus trabalhos.
Tanto artistas modernos quanta contemporaneos. como a artista carioca
Beatriz Milhases, usa ram 0 genera islamico em sua prodw;:ao artistica. A esse
respeito 0 curador Adriano Pedrosa escreveu no catalogo de exposi980 "Gloss"
(1996, p.3) - glossario de elementos mais IreqOentes nos trabalhos da artista - dentre
as quais destaco 0 Arabesco [The arabesque):
H~ cerca de oito milhOes de diferenles tipos de arabesco. De origem arabe(como indica 0 nome), encontra tambem referencias no barroco (0 mineiro,como sempre e dilo, invocando a cultura naliva, e no qual. como no babado,hi! alga da estetica do excesso), e mesmo nas form as organicas eameb6ides cinqOentistas. Encontra tambem conexao como as desenhossurrealistas; nao tanto em sua forma, mas em sua sintaxe; a sucessao dedesenhos curviHneos, organicos e aleal6rios feitos a olhos fechados, a maolivre, ao telefone, e que se esparramam mediante um automatism a sinuosopela pagina. Aos poucos, a arabesco deixa de ser mero contorno para setamar forma autOnoma. E ai que sua importancia como manifeslacao
7
automatista ganha peso. Hibridizado, 0 arabesco se cruza com a imagemda j6ia (0 pendantif, 0 broche) que por sua vez atude ao candelabro, aferronnerie; pode entao se mesclar as algas, e por vezes e impossivel berndistingui·los; em suas especies mais espessas, menos intrincadas, e decontomo mais suaves, t6m um certo !rayo do carloon; ainda, pode aparecerpreenchido por degrades do tipo simples e in!errompido. Anuncia·se umaconfusao de origens e inten~es que frustra 0 desejo organizador doglosador.
Entretanto, apesar de varios artistas terem embebido 0 caldo desta cultura,
este trabalho de pesquisa ira focar a influencia da arte islamica (ou mul,umana) nos
trabalhos de Henri Matisse (1869-1954). Nao apenas por ter sido ele um dos
grandes artistas do sec. xx, mas tambem porque ao absorver os elementos de
express80 mais comuns da arte islamica, e os incluirem num contexto moderno,
dando-Ihes nova roupagem, foi tambem capaz de inftuenciar outros artistas.
Assim como 0 povo do deserto usou sua criatividade para suprir a proibi980
da religiao de Maome, de representa,ao da figura humana nos templos religiosos
(mesquitas e mausoleus), com 0 objetivo de evitar a idolatria de imagens, a solu,ao
encontrada, 0 abstracionismo, atrav8s do uso de formas organicas, ainda estaria
sendo utilizada nos dias de hoje. Segundo GOMBRICH:
A realiza9:to de imagens era terminantemen!e proibida. Mas a arte como talnao pode ser tao facilmente suprimida, e os artffices do Oriente, a quem naoera permitido representar seres humanos, deixaram sua imaginayao jogarcom padroes e form as. Criaram as mais rendilhadas e sutis ornamentaycesconhecidas como arabescos. (1999, p.103)
Nao pelo mesmo motivo dos artifices islamicos, mas talvez, com a mesma
inten98o: compensar-se com belas cria90es artisticas, que manifestam a desejo de
um jardim, do sagrado, do paraiso; caracteristicas de muitos outros artistas
modernos contemparaneos (que par uma limita,ao de foco do trabalho, nao serao
citados), usariam elementos da arte islamica em seus trabalhos.
8
Notadamente 0 crescimento da arte mul<;umana e um dos mais rapidos
progressos jamais registrados pela hist6ria. Conforme GRUBE (1979, p. 8), "Em
menDs de um seculo, metade do mundo civilizado entaD conhecido, da Espanha as
fronteiras da China, estava em mElDS dos mul9umanos, unificada sob a nova forg8
cultural do Isla."
Assim, mesma considerando 0 preconceito religioso e politico, que 0
ocidente manifesta em relageo 80 islamismo, 0 trabalho tenta demonstrar que a arte
transpbe lodas as barreiras, inclusive geograficas.
Inicialmente a pesquisa disserta sobre a historia da arte mU[9umana, suas
formas de expresseo, sua influencia na Europa, e par ultimo foea 0 resgate do
reconhecimento desta influencia na arte maderna atrav9S de Matisse.
Neste ponto, torna-S8 necessario a disting80 do trabalho entre pesquisa de
arte e pesquisa sobre religiao. Embora possam vir a S8 chocar, au criar certa
confuseD no desenrolar do tema, sao assuntos diferentes. No entanto, sabemos que
a historia da arte sempre esteve atrelada ao desenvolvimento humano,
principalmente espiritual.
Formas tao dispares como as piramides do Egito, as catedrais cristas, asmesquitas mU9ulmanas ou as colossais imagens japonesas de Budacorrespondem, em seu fundamento, a mesma inquietayao humana: 0sentimento religioso. A arte religiosa e a que se relaciona a qualquer cren9a,culto ou rita vincutados as divindades, as fon;:assobrenaturais au ao alem.Sua fun9ao e incentivar a piedade e a fervor dos povos e facilitar seuscultos. Desde as origens rnais remotas, a hist6ria da arte tern estado ligadaa religiao, no sentido de que esse conceito incluiria nao apenas as grandescren9as universais - cristianismo, islamismo, budism0, judaism a - comotambem urn ampia espectro de cultos magicos e supersticiosos queafetaram tanto as povos primitivos como as civilizados. (ENCICLOPI~:OIABRIT ANICA, 2000)
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Assim, 0 termo "arte islamica", nao significa, uma manifesta9ao artistica, que
tenha por finalidade render 0 culto a fe, mas sim uma unidade criativa de arte.
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2 ISLAMISMO E ARTE ISLAMICA: ORIGEM E EXPANSAo
Antes da hist6ria propriamente dita da arte islamica, faz-se necessario uma
breve distin9ao do que vem a ser arabe, e islamico (ou muI9umano). Ultima mente,
devido aDs constantes noticiarios da guerra no Iraque, 0 ocidente vern S8
interessando e S8 confundindo com termos como: curdo, turco, persa, sunita e xiita.
E preciso fazer uma distiny80 basica: arabes, curdes, turcos e persas saogrupos etnicos, enquanto xiitas e sunitas sao seguidores de correntes doislamismo. Nem todo mulyumano e arabe, nem lodo arabe e mulyumano.
Os arabes sao 0 maior grupo alnico do Oriente Media [...J. 0 grupo eoriginario da peninsula Arabica, de cnde S8 espalharam a partir do sec. VII,em urna grande corrente migrat6ria provocada pela expansa.o do islamismo.o principal fator que as une, parem, nao e a religiao, mas a Hngua, quepertence ao tronco semltico (assim como 0 hebraico).
Os persas sao descendentes de povos indo-europeus que chegaram aregiao do Ira atraves da Asia Central par volta do ana 1000 ac [...]. Osturcos sao originarios da Asia Central, de onde migraram por volta do sec. x[ ... j. N80 confunda arabe com lurco. Durante seis securos, ate a primeiraguerra Mundial, as arabes do Ubano e da Slria foram dominados pelaimperio Turco-Otomano [...]. Os 26 milhOes de curdos sao a maior grupoelnico sem Estado do mundo [...J.
Mais de 90% da populayao do oriente Media professa a islamismo. Areligiao, que conla com 1,3 bilhao de Mis em todo a mundo, tern duasprincipais vertentes; 0 sunismo e 0 xiismo. Entre as diferen~s, Farah, quee autor do livre 0 isla, destaca a gestual realizado durante as ora90es.(NOGUEIRA, 2003, coJunaSuperintrigante).
No entanto, quando falamos do Isla, nao devemos nos esquecer que hi:!
tambem cristaos em paises arabes, como a Siria, 0 Ubano, 0 Egito, 0 Iraque, sendo
que neles, os islamicos sao a grande maio ria.
Foi na Peninsula Arabica que surgiu a religiao mU9ulmana, uma area
conhecida como um deserto, habitado por beduinos. Formulado por Maome, a
islamismo e considerada uma religiao sincretica, formada a partir de elementos
cristaos e judaicos que incorporou principalmente elementos da cultura dos povos
11
beduinos e algumas caracteristica de outras religioes. Na verdade temos uma
religiao original, que procurou responder aos anseios dos pavos daquela regiao, po is
as religioes dos pavos que, a partir do terceiro mih3nio anterior a era crista,
habitaram os territ6rios que correspondem atualmente a Siria e a Palestina eram
politeistas, concebiam divindades antropomorficas e as identifrcavam ou vinculavam
a elementos do universo e a aspectos primordiais da natureza e da sociedade.
Sendo 0 deserto uma condi9ao geografica dificil, para que uma religiao
triunfasse na Arabia, deveria estar de acordo com 0 espfrito de aventura, a
inclina~ao pela luta e 0 personalismo exagerado que estigmatizam 0 arabe,
caracteres esses impastos pelo seu meio fisico.
Na cidade de Meca, hoje urn lugar de peregrina9ao dos mU9ulmanos, havia
uma divindade chamada Ala, que nao era a (mica cultuada ali. 0 nome Ala s antigo:
o povo de Meca acreditava que Ala era 0 criador, 0 provedor supremo, 0 deus que
devia ser invocado par ocasiao dos maiores perigos. Assim, naG tardaria a soar dos
labios de urn homem de Meca a maior frase da lingua arabe, que galvanizaria 0
povo do deserto: "La i1aha ilia lah" (S6 hi! urn Deus, que s Ala).
Quando em 610 depois de Cristo, Ibn Abdallah, mais conhecido como
Maoms surgiu, e pregou sua revela9ao: a submissao (islam) ao Deus unico, ja havia
S8 instalado a decactencia das antigas crenc;as, como acontecera no Imperio
Romano no tempo em que surgiu 0 Cristianismo. A Kaaba, verdadeira confedera9ao
religiosa onde havia idolos de todas as tribos, facilitava a unidade religiosa, a
adora9ao de urn s6 Deus, porque todas as tribos, mesmo envoltas no paganismo,
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adoravam Allah, 0 Deus de Abraao, antepassado dos arabes, e foi Allah que Maome
reconheceu como 0 unico deus.
Aparentemente entao, 0 meio arabe ja estava preparado quando Maome
surgiu e participou no desenvolvimento do seu povo: aos 40 anos, segundo 0
islamismo, Maomi! recebeu a revelay80 de Deus, que Ihe foi trazida pelo Anjo
Gabriel, e mais tarde transcrita no Alcorao, que significa "recitayao".
Quando 0 profeta morreu (ano 632), quase toda a Peninsula A"lbica estava
unificada. Os califas que vieram depois da morte de Maome unificaram os povos da
regiao ao redor do Alcorao e comeyaram a se espalhar ate chegar a Espanha no
Seculo XIII, e ao Afeganistao. Assim, a nova religiao se espalhou entre muitos
povos de culturas diferentes, unificando ideias e manifestayDes artisticas dos
territorios submetidos a sua influencia.
Os arabes assimilaram a cultura grega e antiga e fizeram uma harmonizayao
do pensamento grego com os ideais islamicos. Os arabes produziam na medicina,
astronomia, na alquimia e nas artes.
Os 8rabes eram profundamente versados em matemalica e astronomia,aprofundando as conhecimenlos que herdaram dos ramanos. Elesutilizaram seus conhecimentos de geometria, aliados a urn sensa inalo deritmo (que tambem caracleriza sua poesia e musica), na formular;:ao doscomplexos padroes repetitlvos observados em toda a sua decoracao.(GRUBE, 1979, p. 8)
Na arte, percebemos tanto as influencias dos povos pre-isliimicos, como
tambem de uma nova cultura, forjada com a construyao de importantes dinastias,
poderosas e vinculadas diretamente ao elemento religioso. A produyao artesanal de
tapetes e uma caracteristica anterior a religiao, enquanto a construyao de grandes
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templos - Mesquitas - e posterior as eonquistas justilieadas pela Ie.
Os mugulmanos denominam a epoea anterior ao apareeimento de Maome
de periodo Jahiliya - "era da ignoraneia" (de Deus). Nessa epoea, enquanto as
estatuas e a arquitetura gregas eram glorilieadas, os arabes se glorifiearam na
literatura e na expressao relinada. Um adagio peninsular diz: "a beleza do homem
reside na eloquencia de sua lingua". 0 triunlo do Islamismo loi, ate eerto ponto, 0
triunfo de uma lingua au, mais precisamente, de urn livro: 0 Alcorao.
Maama conseguiu erigir uma organiz898o social usanda a religiao como
base, ao inves dos 18905 de sangue. Assim, 0 la90 mais vital das relar;:oes arabes ate
entao - 0 lago eonsanguineo ou tribal- loi substituido por um novo, 0 da Ie.
Qutras reHgi6es tentaram penetrar na Arabia, como 0 Judaismo e 0
Cristianismo, sem conseguir resultados. 0 Evangelho com sua doutrina e moral
abstrata, nao podia satisfazer a urn pavo com tendencias materiais. A simplicidade
em que aparece envolta a religiao de Maams e acessivel a mentalidade de seu
povo.
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3 AS ARTES VISUAlS NO ISLA
o islamismo (como a maioria das religiiles) imp6s a importancia teolagica
sobre a artistica, criando a proibi980 de representar a figura da divindade para evitar
a idolatria e preservar 0 monoteismo. Assim, as representa96es artisticas, ficaram
restritas a arquitetura e as artes decorativas. 0 edificio mais caracteristico da
arquitetura mw;ulmana a, sem duvida, a mesquita, cnde as fieis S8 reunem para
fazer suas ora90es e cuja tipologia essencial ficou estabelecida no seculo VII, a
partir do modelo oferecido pela casa de Maome. Quanto as artes decorativas, os
mugulmanos fcram mestres na decorag8o com mosaicos e estuqu8, que
empregaram para enriquecer as interiores das mesquitas.
Herdeiros da civiliz8g80 antiga que floresceu as margens dos Rios Tigre e
Eufrates (no Iraque), das terras do Nilo - dos egipcios e dos faraas, e das praias
orientais do Mediterraneo, com as fenicios que tambem assimilaram e absorveram
os tra905 principais da cultura greco-romanat as arabes naD construiram apenas um
imperio, mas criaram urna regiao rica em cultura e em tradic;oes, Assim, ests
caldeirao cultural S8 refletiu na arte islamica: Podemos perceber tanto as influencias
dos povos beduinos, como tambem de uma nova cultura, fortemente vinculados ao
elemento religioso.
Pode-se dizer que a arte islamica se exprime, sobretudo na arquitetura enas artes aplicadas, dominio principal dos povos sedentarios, a primeira, edos povos nomades, a segunda. A falla de um desenvolvimento nolaveldas artes majores, islo e, da pintura e da escullura, deve ser subslituida aconcepr;ao mulr;umana da natureza, que considera efemero e por isso inutilreproduzir todas as suas manifestayOes. A isle junta-se a proibir;ao deproduzir imagens que pudessem tornar-se em objetos de culto, a fim deprevenir tentao:;:l3es idolatras numa religiao rigidamente monoteista.(MANDEL, 1985, p. 3 e 4).
15
Assim 0 povo do deserto tinha uma concepgao utilitaria revelada nos objetos
mais cotidianos como tapetes, ceramica, miniaturas, mas que em nada deixa a
desejar, pois sao os detalhes arquitet6nicos e de artesaos que chegaram aos
nossos dias em nova roupagem.
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3.1 ARABESCOS
No inicio, antes do enraizamento da cultura islamica, as representa90es
eram completamente figurativas, mas paulatinamente foram S8 abstraindo, ate S8
transformarem no que e conhecido como arabescos: folhas e flores misturadas com
letras desenhadas artisticamente.
FIGURA 1 - Cafre de Marfim, Tesouro da Catedral de Braga, Sec. XI.FONTE: Site Tenda Arabe. Disponivel em: www.tendarabe.hpg.ig.com.br. Acesso em: 14
out. 2004.
Desta forma, complexos desenhos multicoloridos, calculados com base em
signos e simbolos islamicos, cobriam as paredes internas e externas dos edificios,
combinando com a decora9ao de gesso das cupulas. Caligrafias de incrivel
preciosidade e formas geometricas criaram ritmo e cadencia, obtidos pela repeti9ao
de elementos, de letras, palavras e frases. Observa-se ai 0 verdadeiro "horror ao
espa90 vazio": a necessidade de preencher todos os espa90s disponiveis, buscando
a cobertura total da superficie trabalhada, atraves da multiplica9ao de padr5es ate 0
infinito.
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A experiencia do infinito, par um lado, com a inutilidade da vida terrenapassageira, par outro , e conhecida de lodos as mul9umanos e participa detoda a arte mul9umana. Encontra expressaes diferentes, mas basicamenterelacionadas. 0 mais fundamental e a Cria9ao do padrao infinito, queaparece de forma plenamente desenvolvida muito cedo e e um dosprincipais elementos da arte ish~.micaem todos os periodos. A conlinua9aoinfinila de um determinado padrao seja abstrato, semi·abslrato ou mesmofigurativo, e de um lado a expressao de uma profunda cren9a na elemidadede todo ser verdadeiro, e de outr~ a desprezo pela existencia terrena.Fazendo visivel uma parte, apenas, de um determinado padrao que em suaforma complela s6 existe no infinito, ° artista islamico relaciona 0 objetoeslatico, limitado e aparentemente definido, com a pr6pria infinidade.(GRUBE, 1979, p.11)
Assim, 0 elemento caracteristico da arte islamica e 0 arabesco, um
ornamento que emprega desenhos de flores, folhagens ou frutos, as vezes, animais,
esboyos de figuras ou padroes geometricos, para produzir um desenho de retas ou
cUlVas entrelayadas, empregado tanto na arquitetura quanto na decorayao de
objetos. Dos arabescos derivam os atuais "fractais" como descreve DIEZ:
Em vez de se fazer sair as folhas de uma haste ondulante ou de as deixarcorrer em linhas curvas, dividiu-se uma folha de tres a cinco lobulos emduas metades, no sentido do comprirnento. 0 que deu urn motivo a que sechamou "folha bifurcada", e em seguida fez-se sair de cada ponta da folhapeciolos que conlinuam a guirlanda. Este ramo estranho <Itnatureza chame-se "caule de folhas bifurcadas". E desta forma que deriva 0 sistemaomamental chamado arabesco. (1971, p. 184 e 185)
FIGURA 2 •SOnnetOdasi (Sala de Circuncisao). Istambul •sec. XVI.FONTE: GRUBE, 1979, p.114.
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FIGURA 3 - Detalhe da parede de entrada do SOnnet Odasi.FONTE: GRUBE, 1979, p.114.
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3.2 CALIGRAFIA
Segundo a religiao Islamica, nao e permitido representar nos seus edificios
religiosos qualquer figura humana, logo, 0 emprego da escrita torna-se necessario.
Sob a 6tica de GOMBRICH (1999, p. 30), "[ ...J se quisermos compreender a hist6ria
da arte, faremos bem em recordar uma vez por outra que imagens e letras sao,
realmente, parentes consanguineos".
A razao pela qual a caligrafia se desenvolveu, tornando-se a expressao mais
tipica do espirito mU9ulmano e que, segundo 0 Isla, como Deus, por intermedio do
anjo Gabriel, falou em arabe, e as Suas palavras foram escritas em arabe, a lingua e
a escrita sao consideradas para este pav~ tesoura inestimavel.
Logo, as pavos arabo-isU~micos cultivaram uma admirac;ao entusiastica pela
expressao literaria e pela palavra, falada ou escrita. Ao lado da arquitetura, a
caligrafia e a principal arte religiosa nos paises Islamicos. 0 fato de se copiar versos
do Sagrado Alcorao ja corresponde a um ate de dev09ao e, com os sEiculos, artistas
muc;ulmanos inventaram diversos tipos de escrita arabe. Deus e a venera<;8o a Este
estavam sempre presentes atraves da "escrita" dos versiculos do Alcorao, sempre
representados nas cupulas das mesquitas au no inicio destas, permanecendo assim
a ideia de que 0 arabe e 0 Alcorao intervem a relac;ao entre 0 homem e Deus.
Assim, como toda a ornamentaryao que se perpetuou deriva de sinaissimb6Jicos cuJluais sagrados, tambem a arte da escrita no Isla desenvolveua seu trabalho ornamental nao arbitr;Ma, mas organicamente, a partir dasformas de duas letras do alfabeto arabe - ali' e lam - que, servindo paradesignar a deus unico com a palavra Allah, eram de certa maneirasagradas. (DIEZ, 1971, p. 186)
20
Um grande numero de estilos caligraficos foram criados, e esta arte
alcan,ou um grau de refinamento de tal ordem que foi considerada, para 0 Isla,
como uma arte estatica de grande importancia, pois reflete a espirito da civilizaC;ao
arabo-islamica sen do tida como a principal forma de arte. Ate hoje uma bela escrita
a valorizada sendo considerada caracterislica de urn homem culto.
Pelas suas formas arredondadas e por vezes lao geometricas a escrita
presta-se exemplarmente ao papel decorativo. Mas nao foi s6 na decora,ao de
exteriores e interiores que a caligrafia islamica deu seus frutos, esta estava presente
em lodas as formas de arte do mundo mU9ulmano: podia ser pintada, como
esculpida, com todas as tecnicas possiveis de usar, desde 0 estuque a ceramica.
Esla presente em toda il parte, pois sem ela, nao importa qual seja a obra, esta
perde muito da sua gra,a e da sua beleza. Era usada tambem como importante
elemento decorativo na arquitetura e em pegas utilitarias, aparecendo incrustada
sobre a madeira, 0 vidro, 0 marfim, 0 ouro, a prata, 0 cobre, 0 dinheiro, assim como
sobre a pedra, 0 marmore, as tapegarias, os tecidos, os trabalhos de artesanato e
nos manuscritos.
Os caracteres da escrita sao providos de beleza e muita delicadeza,
transformando letras em instrumento de ornamenta,ao. Sao, portanto, uma
simbiose entre a arte de formar letras, 0 arabesco, e as formas abstratas,
ressaltando,no uso desteselementos,0 poderestetico da caligrafia.
Os caracteres arabes sao de uma maleabilidade incomparavel. Podem ser
talhados de diferentes maneiras para tomar, finalmente, a forma de um monumento,
21
estilo zoom6rfico:
FIGURA 4 - EstiJozoom6rfico.FONTE: Site Centro de Estudos e Divulgacao do Isla.Disponlvel em: www.imagensdoislam.hpg.ig.com.br. Acesso em: 06 oul. 2004.
Os tipicos instrumentos do olicio de caligrafo incluiam penas confeccionadas
de junco e pineais, tesQuras, uma faca para cortar as penas, urn tinteiro e urn
apontador. A pena de junco (preferida pelos caligrafos islamicos) chamada de
calamo, ainda e urn instrumento importantissimo para 0 verdadeiro calfgrafo. Os
juncos mais procurados eram oriundos das terras costeiras do Golfo Persico. Os
calamos eram objetos valiosos e foram comercializados par todo 0 mundo
mu,ulmano. Um escriba versatil precisava de diferentes calamos, a fim de alcan,ar
os diferentes graus de delicadeza. Moldar um junco exigia do escriba habilidades
excepcionais. Alem disso, tinham um conhecimento meticuloso de como identificar a
melhor vareta, que fosse adequada para ser uma boa pena, como aparar as pontas
e como cortar as varetas exatamente no centro, a fim de que 0 corte tivesse
metades iguais. Uma boa pena era cuidadosamente guardada e, algumas vezes,
22
passava de uma geragao a outra. Outras vezes, ela era enterrada com 0 caligrafo
quando ele morria.
As tintas utilizadas eram de muitas cores: preto, marrom, amarelo,
vermelho, azul, branco, prata e cure; sendo que 0 preto e 0 marrom eram as cores
mais freqOentes devido a grande variedade de intensidade e consistencia que
tinham. A preparagao da tinha levava muitos dias e envolvia complicados processos
quimicos. Assim, alguns caligrafos davam instru,oes de como preparar a tinta, mas
muitos guardavam em segredo suas receitas preservando 0 conhecimento, 0 que
tornava a tinta tao valiosa quanto a agua.
o papel, vindo da China, foi introduzido em 751, tornando-se 0 marco
decisivo na arte da escrita. Era feito de algodao e, algumas vezes, de seda ou
outras fibras, mas nao de madeira. Ele era polido com uma pedra lisa (agata ou
jade). Antes que 0 caligrafo come9asse a escrever. Linhas de orienta9ao quase
invisiveis eram tragadas com uma ponta e as letras ficavam sobre essas linhas.
Uma vez pronta, a composi,ao caligrafica podia ser copiada de tempos em
tempos pelos mestres dos mais diferentes lugares, tao distantes quanto a India ou
Istambul.
Na figura a seguir estao exemplificados alguns estilos de caligrafia:
23
d-=u 9 JJ I~IJ I ){
FIGURA 5 - Estilos de caligrafia.FONTE: GRUBE, 1979, p.12.
2. ;II} Cuflro 51mplts de um~ pcdr:.~~flul(;1:J.1 (llrjl("i~. 114 AH {79Q d.C.J.MUltu d~ I\f\~ h!.imic:t, Cairo. 0 qjfk".imrlcs ~ e~uctefi.zada per tra~o. utus".,11".,;1 c;: fOlm:u; ~n;ubru de klrn.b) Cufl.,(l lolbndQ "( \Ima pedr~scp>.licrnl de "~Irg\l~n. Tuni,i •.341 AH (952 d.C). O. Ir~~<Js "~rtk3i.IUII\iMm em rot hal c mdu·;:aimas:c) eMlco nut~~do .Ie umn p:,lr••~q:ukr~! cailX'ia. 2~l AH (848 d.C.).Museu de ArIC I'l~mlo.:~. Diro. () fin~1.tas kin, 6 :~t,adopcl"hdelenh"...flof~i, e mCI)l,p3Im)!, cr."uanlo:,u lu:ml~ c;/(ularn liD ;nIC'l>1d~duco:norOl(lItt:d) t'\:ukbl de unll IIt'dra scpuler:!l",tpda. 684 All (128' <l.c.), Museu
dll "lie hl~mj(.l,Caim.0 I1MJ:'" "-um3 forma clluh'a de \!-~ril(\ ;iJ'll.~. Nde,:1, '~nie~is 111",11.50 muilo imp<lrr""'~l:1I.11I"um"U;\l rolh~~~i\.:s COram liraU3$uo dlfko.~) Thulu!h no ramoor <.11.1 mluiolcu d.1Prin~~sa Thu~:ll 11<.10~ir" (mo"~en' IHa). 0 rl,~h.lh e uma !ormam:li~ r;:\1I,iv:r, I' d~,ante 'l.I:e 0 """H,i. 0'\1p;I:I'·r:l1s:;'QeO!~l:!:rs~im •..•dlOU:r:lem IlI:a! ou atemaii linh:ll.o (Io::bIIllIL d;l primdl:l p:iJin:llloGIII •."m, de S:II!i. UukharJ. ')50 All(1'~3). No ",ul"ii~, lI.5 li:lhll.shorU •..•nt31' c a, f •..•rm:l1 arre~lInIlJd;).,liiu eltll.~I"'J(11I5. us 1'0;\10' ~o!oe.do, :10.lea,n. M Iinhai nem semprc $>;0'Na1. Tullu lnu hI. ;10 IlQ,r!;:!ik uma(<<I'm;). de cleria IUU;1lI clcgan:e.
24
3.3 ARQUITETURA
A exemplo das demais artes islamicas, a arquitetura vincula fortemente 0
aspecto religiosQ,e em fum;ao da construC;80 de edificios religiosos, foi a arte que
mais progresso obteve
Os arquitetos islamicos desenvolveram urn plano de construC;80 simples e
capaz de expressar 0 espirito da nova religiao e sua relaC;8o com 0 pavo atraves,
principalmente, da constru980 das mesquitas (nome derivado de masjid, que quer
dizer um lugar em que se prostra). Usaram como modelo a mesquita (ou casal de
Maome em Medina, que era muito simples embora fosse multifuncional: local de
reunioes para ora980, centro politico, hospital e refugio para os mais pobres; e
consistia de um patio descoberto, cercado por paredes de argila endurecida pelo sol.
o teto era farmada par trancos de palmeiras que eram usados como colunas, as
quais sustentavam na cobertura, folhas de palmeira e barro. Um tronco, tambem de
palmeira, enterrado no solo, servia no camego como 0 pulpilo de ande 0 profeta S8
dirigia a congrega9ilo. Mais tarde foi substituido por uma pequena plataforma de
madeira com tres degraus, copiada das que S8 veern nas igrejas cristas na Sfria. No
entanto, a arquitetura "sagrada" nao manteve a simplicidade e a rusticidade dos
materiais da casa do profeta e com 0 passar dos anos, e afirma9aO da religiao, os
arquitetos aprimoraram seu trabalho em tamanho e esplendor construindo mesquitas
que se tornaram simbolos de poder dos soberanos islamicos .. Contudo, persistiu a
preocupaC;8o com a preservaC;8o de certas formas geometricas, como 0 quadrado e
o cubo. 0 geometra era tao importante quanto 0 arquiteto. Na realidade, era ele
25
quem realmente projetava a edificio, enquanto a segundo controlava sua realiza9aO.
As mesquitas com uma cupula central de pendentes, que permite cobrir 0
quadrado com um circulo e dois minaretes1 tornaram-se, aos poucos, uma
regra,embora nao tenha existido um modelo comum. As numerosas varia90es locais
mantiveram a distribui980 dos ambientes, mas nem sempre conservaram sua forma.
Tambem era comum a usa de azulejos esmaltados entre as constru90es religiosas.
FIGURA 6 - Minarete da Mesquita Real de Ispahan.FONTE: Site Tenda Arabe. Disponivel em: www.tendarabe.hpg.ig.com.br. Acesso em 20
out. 2004.
Os arquitetos recorreram a elementos de fun980 construtiva-deeorativa, os
quais se tornaram earaeteristieas tipieas da arquitetura islamica, que sao 0 area e a
1 Minarete - de minar, farol; Pequena torre de tres ou quatro andares de forma citindrica ouoctogonal situada no exterior da mesquita com balcOes salientes, de onde se anuncia aosmw;:ulmanos a hora das oraCOes.
26
cupula. 0 area se apresentou com enorme variedade de tipos e formas requintadas
e fantasiosas.
Ao principia, foi utilizado 0 areo de volta perfeita sobre colunas, segundo atipologia bizantina, mas multo rapidamente surge a cri8yao do areoquebrada, ja presente na arquitetura sassanida, que se articulou emnumerosas vaManles. Cern anos depois das primeiras experillncias, 0 areoislamico, livremente apoiado sobre colunas, pilaSlras ou paredes, tinhaassumido urna vasta gam a de formas que 0 libertavam das rfgidasesquematiz8yOes do Quiros estilos.
De urn as vezes, formas diferenles eram enxertadas urn as nas Qulras, deQulras vezes sobrepunham-se areos com desenhos diferentes. Tem-se,deste modo, urn vasto etenco de tipos, com esquemas muitas vezesinspirados nao em exigencias estaticas, mas sim puramente decorativas: 0arco de ferradura2, 0 lanceolado 0 trilobad03 ou 0 polilobado, 0 area decarena, 0 peraltado (de flecha muito elevada em relayeo ao seu pe-direito),rampante4, em estalaclites (as muqamas). em ziguezague. 0 areoquebrado, por seu lurno, pode ser ultrapassado, lanceolado ou, com maiorfreqlh~ncia, rebaixado. (MANDEL, p. 7, 8 e 9)
FIGURA 7 - Arcos - Mesquita de C6rdoba, 780.FONTE: SiteTenda Arabe. Disponivel em: www.tendarabe.hpg.ig.eom.br. Acesso em 20
out. 2004.
20 areo de ferradura (conhecido como ultrapassado, ou transpassado) e formado por urnsemiclrculo, com os lados inferiores prosseguindo na sua direyao circular de fechar, paradepois fechar para cima do suporte. Par isso e mais allo que a metade do diametro.30 areo trilobado eonverte a parte superior em urn areo menor, anteeipado por oulros doismenores, um de eada lado; dali vern os Ires 16bulos e as duas ogivas invertidas (quase emquilha). No seu prolongamento, os lados completam urn pequeno clrculo para cada urn dostres 16bulos.4 0 arco rampante faz os dais lados encontrarem-se fora do centro.
Uma outra caracteristica das constru90es: nao sao elevadas do solo
(exce9ao leita ao minarete) e estao inseridas no contexto da paisagem. Como atesta
MANDEL (1985) "existe uma rela9ao constante entre 0 meio ambiente natural e 0
ambiente arquitetado, gra9as ao carater marcadamente pict6rico (alegre e aberto e
nao solido e lechado), por vezes com a ajuda da ornamenta9ao,que pode recobrir
todas as superficies, contribuindo para mascarar a estrutura do edificio sem nunca
criar um ponto focal ou um centro que chamasse as aten90es".
Qutras construc;oes que manifestam a cultura islamica sao as Casas de
Banho: Como limpeza e boas maneiras erarn consideradas como valores
importantes, fcram criadas no sec. X casas de banhos publicos, servidos de agua
corrente quente e fria. as banhos tinham-se tornados populares para homens (as
mulheres usavam os banheiros publicos em dias reservados), pois segundo uma
tradi9ao proletica :"A limpeza 13 uma parte da Ie". Um autor arabe do seculo IX
escreveu sabre as maneiras de um homem culta, um cavalheiro daquele periodo:
~Eraum homem que S8 fazia notar pelo comportamento cortes, honra mascula e
maneiras elegantes, que se abstinha de gracejar, que era amigo das pessoas bem
consideradas dotado de altos padr6es de veracidade, escrupuloso no cumprimento
de promessas e capaz de guardar segredos que Ihe lossem conliados. Nao vestia
roupas sujas au remendadas e ao comer nao enchia a boca cam alimentas,
conversava au ria pouca, mastigava sua com ida devagar, nao lambia os dedos,
evitava 0 alho e abstinha-se de palitar os dentes nos toucadores, casas de banho,
encontros publicas au nas ruas."
28
FIGURA 8 . Casa de Banhos.FONTE: Site Espanha Islamica. Disponlvel em: www.historianet.com.br. Acesso em :15
out.2004.
As residencias dos emires5 constitufram uma arquitetura de segunda classe
em rela980 as mesquitas. Seus palacios eram planejados num estilo semelhante,
pensados como um microcosmo e constituiam 0 habitat privativo do governante.
Exemplo disso e 0 Alhambra, em Granada (figura 7) aba. De planta quadrangular e
cercado de muralhas s6lidas, 0 palacio tinha aspecto de fortaleza, embora se
comunicasse com a mesquita por meio de patios e jardins. 0 aposento mais
importante era 0 diwan ou sala do trona.
5 TItulo dos chefes de tribos au provincias mU9ulmanas29
FIGURA 9 - Palacio de Alhambra, em Granada.FONTE: Site Guia Geografico. Disponivel em: www.guiageografico.com. Acesso em: 20 out.
2004.
Casas - A arquitetura da casa e bem especial. A porta de entrada de cada
casa dava da rua, para um patio, do qual no centro se encontrava um grande tanque
de agua, dotado de um jato fiuente que lan,ava periodicamente um borrifo como se
fosse um veu. Uma laranjeira ou uma cidreira estava plantada perto do tanque. Os
quartos rodeavam 0 patio, que nas maiores casas eram dotado de um peristilo' A
pe9a mais importante da mobilia do lar passou a ser 0 diva, um sofa que se estendia
ao longo de tres lados da sala, com almofadas colocadas sobre colchees. Os
tapetes tecidas a mao sao os itens principais na decora9aO e serao vistos adiante.
Outras constru90es representativas foram os mausoleus au monumentos
funerarios, semelhantes as mesquitas na forma e destinados a santos e martires.
6 Galeria de colunas em volta de um patio ou de um edificio30
3.4 TAPETES
Como pavo nomade, as tapetes e tecidos eram as unicos materia is
utilizados para decorar 0 interior das tendas. Assim, desde sempre tiveram um papel
muito importante na cultura e na religiao islamicas. A medida que fcram se tornando
sedentarios, as sed as, brocados e tapetes passaram a decorar palacios e castelos,
Existem provas de que as tapetes principalmente iranianos existiam antes da apaca
islamica mas teve auge com 0 advento da nova religiao jil que alem de cumprir uma
fun980 fundamental nas mesquitas, 0 muc;:ulmano aD rezar, naD deve ficar em
cantata com a terra.
Diferentemente da tecedura dos tecidos, a do tapete constitui uma unidade
em si mesma. Os fabricados antes do seculo XVI chamam-se arcaicos e possuem
uma trama de 80.000 nos por metro quadrado. Os mais valiosos sao de origem
persa (ou iraniano) e tern 40.000 n6s por decimetro quadrado.
A seda e a la sobre algodao de primeirissima qualidade sao sua materia
prima. Existem mestres especificos para cada etapa: prepara,ao de tear, tingimento
vegetal da la, qualidade da mesma, "carpet designers", desenhistas de cart5es
quadriculados, teceloes e aparadores.
FIGURA 10 - Tipos de n6s.Da esquerda para a direila: N6 Kilim, no Guiordes, n6 Sumak e 0 n6 Persa.FONTE: Site Tenda Arabe. Disponlvet em: www.tendarabe.hpg.ig.com.br. Acesso em 20
out. 2004.
31
Um tapete de boa qualidade, que nao a manufaturado objetivando 0 lucra,
expressa 0 prazer e a criatividade do artesao. A fama universal do tapete persa ou
iraniano deve-s8 basicamente a deJicadeza do n6, a novidade nos estilos e a
durabilidade e coordena9ao das cores utilizadas.
Diferentes regi5es no Ira possuem diferentes caracteristicas naturais tanto
que 0 estilo do tapete a suficiente para se determinar a qual regiao ele pertence. 0
tapete Bidjar (cidade pr6xima de Teera, capital do Ira), por exemplo, muito denso e
ricamente desenhado com motivQsfiorais exprime a perfeiC;8ode tribos n6mades. E
tambem conhecido como tapete de ferro, pois a cada fileira completada, 0 artesao
enfia urn ferro para comprimir as pontes, tamanda a peC;8muito espessa e pesada.
Note-se, poram, que a preocupa980 com a perfei9ao da ornamenta9ao se esbarra
numa Iimita9ao religiosa: "s6 Alah e perfeito". Para resolver 0 dogma de fa e nao
parecer presun90so 0 artesao prapositalmente inclui na pe9a alguns detalhes
"defeituosos", um minimo peda90 de cor diferente (um pequeno ponto vermelho, por
exemplo) abdicando de sua vaidade tacnica na comprava9ao de sua fa. Neste tipo
de tapete nao fica sequer uma polegada sem ser trabalhada com elementos
ornamentais, e geralmente sao tapetes grandes (em madia 8 m'). 0 curiosa a que,
podemos observar que este tra90 de imperfei980 torna a pe9a artisticamente
perfeita, ja que mantem a fronteira da habilidade tacnica. 0 tapete assim a mais que
um utilitario e demonstra 0 peso da fa em sua cria9ao (verdadeiro culto) e a
criatividade do artesao.
32
FIGURA 11 - Tapete Bidjar.FONTE: Site Expresso do Oriente. Disponivel em: www.expressodooriente.com.br. Acesso
em 20 out. 2004.
Em geral 0 desenho dos tapetes e composto por um medalhao no centro do
tapete, representando a origem do Universo ou do sistema solar, e as bordas que
representam os tempos atuais e a civilizay8o. as desenhos alongados que saem do
centro do tapete sao os lampadarios dos templos religiosos.
o centro do tapete e geralmente dominado por imagens circulares que
representam a origem de tudo (circulo). Deus (no sentido tradicional signilicam "as
lor9as c6smicas originais") e ali geralmente representado por um delicado
crisantemo em seda que por sua vez pode ser ao mesmo tempo a Sol au a zenith
(topo interno) da cupula de uma mesquita.
As bardas do tapete sao elaboradas, inumeras vezes, em 7 listas,
representando as lases da cria9aOdo mundo segundo a tradi98o. 0 quadrado das
bordas representa 0 mundo fisico au a terra.
33
Os desenhos geralmente sao simples, proximos ao centro, tornando-se
complexos a medida que as varios aneis que envolvem 0 centro S8 desenvolvern.
Entre as desenhos mais classicos estao as de utensilios, de moUvDs f1orais,de C8C;8,
com animais e plantas, e as geometricos, de decorac;ao. Em muitos existem
contrastes entre a claro e a escuro em uma alusao a luta da luz e as trevas na
origem do universo.
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FIGURA 12 . Tapete -Desenho basico.FONTE: Site Tenda Arabe. Disponivel em: WINW.leodarabe.hpg.ig.com.br. Acesso em 20
out. 2004.
Outra caracteristica inegavel e a necessidade de preencher tudo (todo a
espa,o do tapete e decorado) e ao mesmo tempo evocar a infinito, ja que parece ao
correr as olhos que a decoraC;8o, a composi980 do desenho nao quer acabar, a nao
ser pela limita,ilo da moldura.
34
3.5 PINTURA, ILUSTRA<;:OES, ARTESANATO E CERAMICA
No Isla, a pintura pas-se a servi,o da religiao. A pintura mul,umana de
carater religioso 56 aparece realmente nos principios do seculo XIV I influenciada
pela arle das igrejas cristas orientais. As obras de pintura islamica sao
representadas pDr afrescos e miniaturas. Das primeiras, poucas chegaram ate
nossos dias em bam estado de conserva,ao. Elas eram geralmente usadas para
decorar paredes de palacios ou de edificios publicos e representavam cenas de
ca,a e da vida cotidiana da corte. Seu estilo era semelhante ao da pintura helenica,
embora, segundo 0 lugar, sofresse urna grande influencia indiana, bizantina e
inclusive chinesa.
A miniatura naD foi usada, como no cristianismo, para ilustrar livros
religiosos, mas sim nas publica90es de divulga9ao cientifica, para tamar mais claro a
texlo, e nas literarias, para acompanhar a narra980. 0 estilo era um tanto estatico,
esquematizado, muito parecido com 0 das miniaturas bizantinas, com fundo dourado
e ausencia de perspectiva. 0 Corao era decorado com figuras geometricas muito
precisas, a tim de marcar a organiz8r;80 do texto, par exemplo, separando urn
capitulo de outro.
A arle dos mosaicos, estreitamente Iigada a pintura foi herdada de Bizancio
e da Persia antiga, tornando-se uma das disciplinas mais importantes na decora<;8o
de mesquitas e palacios, junta mente com a cen3mica.
A ilustra9aOde manuscritos tambem se tornou uma arle bastante respeitada.
A pintura em miniatura foi a maior e mais caracteristica manifesta<;8o artistica do
35
periodo que se seguiu as invasoes dos mongois (1220-1260) .. Por exemplo, no Ira,
pais ande mais S8 difundiu 0 islamismo, a escultura nao S8 desenvolveu ap6s a
chegada do Isla, porem, a arte da ilustra,ao em livros conduziu a uma cria,ao
gradual da arte pictorica inlimamente ligada ao desenvolvimento da literatura.
europeias, especialmente com rela,ilo a perspectiva e certo naturalismo.
o vidro, 0$ tecidos, 0 artesanato em metal au madeira tiveram importancia
fundamental na cultura islamica. Alem disso, objetos utilitarios de bronze e latao
eram incrustados com prata e cobre e decorados com desenhos complexos sendo
principais exemplos das habilidades dos artesaos.
A ceramica constituiu a mais importante das prlmeiras artes decorativas dos
mu,ulmanos. Na decora,ao da lou,a de barre esmaltado, empregam-se compostos
metalicos misturados aos esmaltes, que, quando queimados, transformam-se em
uma pelicula metalica de grande brilho e fosforesc~ncia.
Outros materiais cuja produ,ao se destacou durante 0 periodo dos califados
(do seculo VII ao XI) sao 0 bronze e a madeira entalhada do Egito, os estuques do
Iraque e 0 marfim entalhado da Espanha.
A elerna superioridade do artesanato da arte oriental €I devida a persistenciade urn senlido omamental, implicado na concept;ao filos6fica do Isla. 0principia maximo e a estHizayao dos seres vivos e a subordinaCao de cad aetemento a lei da unidade decorativa. Personagens, cavaleiros e animaisinserem·se nos motivos geomelricos ou curvilfneos, formando frisos ougrinaldas que se desenvolvem segundo as leis do ritmo.(OIEZ, 1971, p. 142)
36
4 DIFUsAo DA ARTE ISLAMICA NA EUROPA
Seguindo as ordens do profeta Mohamed que procurasse 0 conhecimento
ainda que fosse na China, fil6sofos e sabios arabes construiram uma das mais
importantes civiliza~6es da epoca. IS50S8 deveu aD fata de assimilar a cultura das
civiliza~5es com as quais entraram em cantata. Grande parte desses conhecimentos
foi transmitida pelos arabes aos povos da Europa, na Idade Media.
Segundo 0 Hadith do Profeta Muhamad:
"Adquira conhecimento. Ete capacila aquele que 0 passui a dislinguir 0 certodo errado e ilumina 0 caminho para 0 Para Iso. !: seu amigo no deserto, suacompanhia na soJidao e companheiro quando estiver sem amigos. Ela 0guia para a felicidade, 0 $ustenta na miseria, e urn ornamento entre amigose uma protecao contra as inimigos".
Os arabes como herdeiros da civiliz8g80 greco-romana, serviram como
intermediarios, transmitindo a Europa Medieval muitas das influencias intelectuais
que despertaram 0 mundo ocidental e Ihe indicaram 0 caminho da renascen9a
moderna.
Mas a influencia da cullura arabe iria ainda prolongar-se atraves das formasMudejar que sao a interpreta9:!io das formas de arte crista por parte deartifices arabes. Estes iriam ter grandes repercussOes em muitas form as dearte romanica e g6lica, principal mente no territ6rio que e atualmente aEspanha, e que surgira em Portugal nos seculos XIV e XV.(MANDEL,1985,p.62)
Quando 0 Islamismo surgiu, se propagou muito rapido, e em apenas dois
seculos igualou 0 esplendor do seu cenario ao do Imperio Romano. Assim, 0 mundo
arabe com sua cultura rica e cheia de tradi90es participou muito do desenvolvimento
da Europa na Idade Media ate 0 sec. xv e tambem influenciou indiretamente a
America Latina atraves das culturas portuguesa e espanhola que colonizaram esta
37
parte do mundo.
( ... ) 0 encontro da arquitelura islamica com a espanhola produziu variostipos de habita¢es, cnde a (mica nota recorrente e a presen(:8 do patiointerior, que tao vulgar se viria a tomar, ate a epoca maderna, na AmericaCentral. (MANDEL, 1985, p.28)
Quando os arabes chegaram a Peninsula Iberica, influenciaram as letras, as
artes, a fila sofia e as ciencias. As rela~6es comerciais e as casamentos mistos
promoveram 0 contato entre cristaos e mu,ulmanos. Os casamentos foram
numerosos e os encontramos na pr6pria aristocracia: governadores arabes S8
casaram com nobres cristas, reis mauros S8 casaram com princesas espanholas e
reis cristaos S8 casaram com filhas de emires arabes
Em 711 os arabes comandados por Tarique ibn Ziad (que deu 0 nome a
Gibraltar, em arabe Jabal Tarik, ou Monte de Tarik), invadiu 0 Sui da Espanha
acrescentando uma nova Provincia ao ja extenso Imperio do Califado Omiada.
Chamaram-Ihe AI-Andalus (A Andaluzia'), em homenagem aos seus anteriores
senhores, os Vandalos. Durante aproximadamente sete seculos, AI-Andalus, que
esteve sob ocupa,ao direta dos mu,ulmanos foi um centro de Erudi,ao e Arte. Em
uma epoca que Londres naD passu fa ilumina<;ao publica, as ruas de Andaluzia eram
pavimentadas e iluminadas. Varias das cidades espanholas possuiam 0 que podiam
ser chamadas de universidades, das quais as principais eram as de Cordoba,
Sevilha, Malaga e Granada. Ao lade das universidades floresceram as bibliotecas.
Este acumulo de livros na Espanha nao teria sido possivel se nao houvesse a
fabrica,ao local de papel de escrever, uma das mais beneficas contribui,oes do Isla
a Europa.
7 Andaluz e como a Espanha era cham ada pelos arabes.38
A Espanha medieval aceitou fielmente a maior parte das tradi90es artisticas
da Andaluzia. De igual modo foi consideravel a infiuencia sobre a arte Italiana como
resultado da fixa9ao dos Arabes na Sicilia. Eles constnuiram palacios, mesquitas,
provincias seguindo as modelos arquitetonicos islamicos: amplas casas formando
patios internos com jardins dotados de tanques e fontes artificiais e pomares de
pessegueiros e romazeiras. As casas tinham paredes revestidas de azulejos,
varandas de marmore para 0 verao e condutos de ar quente sob 0 chao de
mosaicos para aquecimento no inverno, e possuiam varias salas de banho e
banheiros, como pede a higiene que 0 isla tanto preza.
A arte islamica entrau na Fran9a via Septimania. Certas formas muito
caracteristicas da Arte MU9ulmana: 0 arco trilobado, a cupula - um ornamento
especial em forma de flor aberta - e mosaico de azulejo no 8stilo oriental podem ser
vistos em Auvergne, na Notre Dame du Port, em Clermont-Ferrand. Mosaicos amane ira Mw;:ulmana e instrumentos ornamentais podem ser vistos em varias outras
Igrejas em Auvergne. A influencia da Mesquita de Cordoba e evidente na Notre
Dame de Puy.
Mais tarde, no seculo XVIII varios arquitetos e artistas britanicos visitaram 0
oriente, com 0 intuito de buscar inspira9ao na arte islamica. A "arquitetura das
Mesquitas" com suas colunas, cupulas e arcos foi fonte de inspira9ao para
constru<;ao de palacios, pavilh5es, quiosques, teatros, cercados par jardins no 8stilo
mouro.
Pintores britanicos percorreram Espanha. Marrocos, India, Siria e retrataram
as belezas orientais. Exposi90es Internacionais em Londres passaram a
39
apresentar ao Ocidente a arte Oriental, e colecionadores britanicos comegaram a
acumular pegas de ceramica, azulejos e recipientes provenientes da arte islamica.
Outra importante contribuic,;:80 ensinada aDs ocidentais foi 0 emprego de urn
dos termos matematicos mais interessantes tornados do arabe: 0 "zero".
Da heranca deixada pela presen98 dos povos de civilizat;:ao istamica entren6s permanecem ainda hoje, inumeros termos lingOisticos, mas sao muitomais raros as vestrgios de obras construidas que, muila intransigenciareligiosa foi ao longo dos seculos sucessivamente destruindo.(MANDEL,1965. p.62)
No seculo XIX e XX enquanto crescia a valorizag80 e a influencia da arte
islamica no OCidente, 0 mesma acontecia no Oriente, quando a arte islamica
comegava a sofrer as influencias do estilo e da tecnologia Ocidental.
40
5 INFLUENCIA ISLAMICA NA ARTE DE MATISSE
Antes de Henri Matisse renunciar a toda a intenyao de ilustrayao,
simplificando as ideias com a utilizayao das linhas, 0 artista namorou a arte oriental.
Ja em 1903 comeya sua admirayao pela arte mUlyumana durante uma exposiyao no
pavilhao de Marsan (Paris) afirmou ele a Pierre Courthion, que 0 interrogava sobre
os seus estudos:"Fui infiuenciado por Cezanne e pelos orientais." E a Gaston Diehl:
" a revela,:(8o veio~me sempre do oriente. Encontrei em Munique, urna nova
confirmac;:ao das minhas investiga<;6es. As miniaturas persas, par exemplo,
mostravam-me toda a possibilidade das minhas sens890es. Esta arte sugere par
meio dos seus acessorios, urn espaC;:Dmaior, urn verdadeiro espac;:o plastico. Isto
ajudou-me a sair da pintura intima".
Os temas favoritos do artista sao as figuras humanas, as naturezas-mortas e
as cenas de interior. Ele acreditava que urna pintura era mais importante como
objeto de arte do que como representayao da realidade. Nao fazia nenhum esforyo
para dar a ilusao de formas e espayos realistas. Em vez disso, empregava cores e
linhas fortes para criar formas e dar um sentido de movimento. Alguns criticos
acreditam que Matisse e inigualavel, entre as artistas do sec. xx, no usa da cor. As
obras de Matisse, em particular as da decada de 1920, tem aspectos semelhantes
aos da arte do Oriente.
Entao, em 1912, Henri Matisse empreendeu em uma viagem a Munique
especialmente para visitar a exposiyao de obras-primas da arte mUlyumana. Fica
particularmente impressionado por tapetes. Viaja, entao, para a Espanha no Outono.
41
Estas viagens tiveram significado importante em suas criayoes desde entao.. Nesta
epoca a arte oriental era considerada exotica e, portanto, nao era levada ao
conhecimento do grande publico. Como relata GUICHARD-MElLI (1983, p. 85 a 89),
"Matisse", existiam no principia do seculo numerosos compartimentos estanques
entre as grandes formas da arte universal. Assim, as artes extrema-orientais, pre-
colombianas, islamicas, etc. eram entaD qualificadas como ex6ticas e embora
estudadas (apenas par especialistas) nao chegavam ao conhecimento do grande
publico.
Pouco tempo antes, Matisse havia freqOentado a curso de desenho da
fundayao "Quentin de Latour", destinado a estampagem de texteis e mais tarde a
Escola de Artes Decorativas (Ecole des Arts Decoratifs) a que deve te-Io deixado
mais suscetivel a absorver as caracteristicas da arte islamic8. Tambem frequentou
durante tres anos a atelier de Gustave Moreau (1826-1898), que. 0 influenciou de
forma direta em seus desenhos e animac;ao de fundos. Para Moreau 0 arabesco era
elemento essenciaI. Conforme GUICHARD-MElLI (1983, p. 40), Moreau afirmava:
uo arabesco organiza-s8 como uma musica e tern seu timbre particular .. Traduz,
com urn sinal, 0 conjunto das coisas,faz de todas as frases uma frase"
De certos esboQos desenhados par Gustave Moreau ... , provem 0 90sl0 deMatisse em opor a vaslas superffcies virgens areas eslreitassobrecarregadas de ornamentos - bordados, flores -, cujo contrastemulliplica 0 poder decorativo. (GUICHARD-MElLI, 1983, p. 40)
Sendo Matisse considerado um dos membras do movimento "fauvista",
dando pienos poderes as cores puras para praduzir as mais fortes sensayoes ao
espectador, logo, foi tambem muito influenciado pelos pigmentos vivos e pelas
formas complexas e entrelayadas da arte decorativa do Oriente Media. Par volta de
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1905, 0 usa das cores puras e vivas e desenhos simples a tinha tornado expoente
maximo do Fauvismo
(...) pela juslaposiyao de pequenos cubos de marmores au de esmaltesvivamenle coJoridos,engendrando uma forma necessariamente simplificada,apresenta notaveis analogias com a pincelada dos inovadores de 1905.(GUICHARD-MElLI, 1983, p. 56)
Em sua viagem, Matisse trouxe objetos de uso diarios como ceramicas e
tecidos, que passou a utilizar freqOentemente nos seus quadros. Mais forte que as
impress5es gerais sobre as viagens, 0 que mudou a sua imagem do oriente foram as
artes e oficios, tomando-se a arte islamica um ponto de referencia crucial para ele.
Das ceramicas islamicas Matisse estabeleceu para si a regra: cores puras e
aplicadas de forma lisa, redu9ao do desenho a linhas arabescas, e espa90 com
superficies planas. Todo a tipo de excesso e luxo seriam permitidos se
permanecessem simples e superficiais. 0 objetivo era obter a maximo de esplendor
com a minima de esfor90 e a metoda preferido para tal e a omamento gracioso do
arabesco.
Para alem da cer:tmica, as tapetes representam a fonte mais importanteatraves da qual Matisse teve acesso ao Oriente. Nenhum outro pintarmoderno conferiu tanta import:tncia a tapetes e tecidos nos seus quadros.A tela "Os tapetes verme/hos" marca 0 inicio de sua arte decorativa, apesarde ainda ser uma obra cheia de conflitos e perturbada, na pujam;:ae pesodas cores e na presenya material dos objetos. A natureza-marta de frutos, acayarola com cabo comprido, a melancia e a livro estabelecem valoresespaciais que nao se coadunam com as dimensOes planas do decor. Masas lecidos, atraves das nrtidas diagonais, preservam ainda uma noC;aodeprofundidade, especialmente das dobras fundas no tecido verde emprimeiro plano. A planura oriental e as profundidades reais variam noquadro. (ESSERS, 1993, p. 21)
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FIGURA 13 - Os tapetes vermelhos, 1906.FONTE: ESSERS, 1993, p. 23.
Mas nem s6 de tapetes constituia seu fascinio pelo oriente, Matisse pintou
quadros retratando a paisagem do Marrocos e as odaliscas, como nos quadros: a
mesa prela 1919 , Odaliscas 1928, Odalisca com saia de lu/e 1929, e em outro
quadro Odalisca com ca/,a verme/ha 1924-25, Matisse se defendendo de criticas
disse: "D/hem com atem;ao estas odafiscas; a luz solar, triun!ante e esplendida,
impera aqui e absorve as cores e as !ormas. A decorar;ao oriental do interior, 0
esp/endor das lape,arias da parede e dos lapetes, as trajes majestosos, a
sensua/idade destes corpos pesados, a dormitar a expectativa indo/ente nos seus
a/hares, toda a magnificencia da sesta, onde as arabescos e as cores sao
exagerados ao maximo - nada disso deve enganar. Sempre neguei 0 puramente
aned6tico. Nesle ambiente de re/axamento indo/ente e sensualidade cheio de sol,
onde submergem as pessoas e os objetos, paira uma grande tensao,
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puramente artistica e que existe nas relayoes artisticas entre os elementos do
quadro."
FIGURA 14 - Odalisca com calya vermelha,1924/25.FONTE: ESSERS, 1993, p. 62 e 63.
Nas duas viagens que fez a Marrocos, em 1912 e 1913, e, referindo-se a
essa experiencia de descentraliz898o, afirmou que "La (fwe/alion m'est venue de
f'Orient". Era a oportunidade de apreciar uma arquitetura com a qual nao eslava
familiarizado e, aeirna de tudo, uma luz diferenle. 0 Marrocos proporcionou-Ihe uma
experiencia e uma vivencia do Oriente arabe e islamico que inspirou a sua pintura.
Alem das caracterislicas essenciais da arte islamica: sinuosidade
harmoniosa das linhas e a absolula essencialidade dos pianos; podemos observar
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analogias dos trabalhos de Matisse com essa arte, a seguir enumeradas:
1 - Matisse nao loi levado pela "proibi9ao" do uso do eorpo, muito pelo
contrario, sempre evidenciou nus em suas telas. No entanto, 0 uso dos elementos
islamieos pareeia tirar 0 lugar de destaque do eorpo, dando a possibilidade de
esconds-Io por entre as form as repetitivas e rebuscadas dos arabescos.
FIGURA 15· Nu deitado de costas,1927.FONTE: BOIS, 1999, p. 34.
Oepois do sucesso de Figura decorativa, Matisse toma mars liberdade emrelacao ao seu prudente estilo nicense e se empenha em mostrarpublicamente suas telas ~aventureiras", nas quais sentimos claramente adesejo de reatar com seu trabalho dos anos de 1905·1917 (emboraeontinuasse a simultaneamente produzir e a expor as odaliscas cltlssicas).Em 1927, Matisse manda para 0 Salao de Outono 0 Nu Deitado de Costas(Nu Gauche de Dos) e a Odalisca com calr;a cinza (Oda/isque a la CulotteGrise - ilustraCao.....), dais quadros nos quais a contraste entre figura efundo ornamental, tao surpreendente em Figura Decorativa , e ainda maisacentuado. Porem, nesses quadros, como observa Jonhn Elderfield, 0~ofuscamento 6tieo" gerado pelo cenario e tao grande que ~elotalmenteimpassive I nos coneenlrarmos na figura. t: como se uma lampada de flashespocasse diante de nossos olhos". Elderfield se refere especificamenle aslislras verticais coloridas da Odalisca com CalC;B Cinza, porem
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sua observacao e igualmente aplicavel ao Nu deitado de Costas (0 efeiloflash desse quadro e muito atenuado na reproducao): nem mesmo 0enorme traseiro neoHlico do nu e sua pose aborrecida - nao usual emMatisse - conseguem prender a olhar. Matisse esta declarando a Picasso:"AI esta uma coisa que, apesar das suas fanfarronadas, voc~ nao conseguefazer: plantar uma figura bern grande no centro do quadro de lal modo que 0espectador nao consiga ve-Ia au que, pelo menos, nao domine a lela",(Bois, 1999, p. 34)
FIGURA 16 - Odalisca com calya cinza,1926/23.FONTE: site Art Loustal. Disponfvel em: www.loustal.nl. Acesso em: 20 out. 2004.
2 - Matisse usou da tape9aria e pe9as do vestuario mul9umano como
artificio "dissimulador" em suas pinturas como, por exemplo, nos quadros "Mesa
posta" (1908) e "Os tapetes vermelhos" (1906).
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FIGURA 17 - Mesa Posta (Harmonia Vermelha). 1908.FONTE: ESSERS, 1993, p.27.
3 - Em muitas telas usou superficie monocromatica como 0 padrao de um
tapete oriental. Segundo a 6tica de ESSERS (1993), no quadro A famifia do pintor-
1911,"0 pintar adaptau sua familia as farmas arnamentais do quadro". A repeti,aa
transfarma a forma realista em desenha abstrata, as pessaas (sua familia) estaa
envoltas num excesso de ornamentos com destaque para 0 padrao do tapete persa.
Ele usa a repeti,ao como elementa apaziguador.
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FIGURA 16 -A familia do pintor,1911.FONTE: ESSERS, 1993, P 39.
4 - No usa da cor: Matisse sabia que uma cor poderia potencializar ou
anular 0 efeito da outra. Entao, usava cores fortes e puras e af tambam acentua
outra caracteristica islamica em seus trabalhos.
Matisse desenvolveu seus trabalhos baseados na arte figurativa, talvez por
admira9ao ou, por ser discipulo de Cezanne. Entretanto, Matisse poderia ter se
utilizado do arabesco, que a urn ornato vegetal, como urn recurso estatico entre 0
figurativ~ e 0 abstrato. Talvez numa suave transic;ao, que nunca se fez de fato, po is
Matisse e tido como um dos pilares do abstracionismo apesar de ter pintado
figurativo.. Assim como tambam na arte mulc;umana 0 arabesco nao fora
empregado, a principio, como elemento de abstra980 (abstrato em sua simbiose de
formas geomatricas com flores, folhas e letras), mas como urn recurso para suprir a
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proibi9ao de reproduzir a figura humana
~Matisse- escreve Gaton DieJ acerca das obras (a familia do pintor, 0atelier Vermelho, a Janela azul) - recorreu a estetica oriental ate os maispequenos pormenores: principio do decor continuo, das superficiesintegralmente guarnecidas e divididas em registros verticais e horizontais,combina<;:oes lineares ou verdadeiras planta<;:oes de florinhas, rosaceas, queigualmente emprega nas suas ceramicas; tendllncia para sobreposi<;:oes dosobjetos, das padronagens e efeitos visuais penetrantes, composi<;:.3oessencialmente ornamental das (ormas, tendencia para 0 geometrico e, porvezes, presen<;:a de uma cercadura de cordoes vegetais.~ (GUICHARD-MElLI, 1983, p.89)
Na primeira lase de seu legado (ate 1930), Matisse abordou em suas obras
as inegaveis contribuiyoes da arte islamica, talvez por ser adepto da arte decorativa
e recorrer a elementos como 0 ornamento e as linhas rftmicas, al8m do varios pianos
em suas obras, (au par sua lorma9ao na Ecole des Arts Decoratifs). Seja por um ou
outro motivo enlim, nenhum outro artista deixou um legado tao evidente da arte
islamica na arte moderna quanto Henri Matisse.
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6 CONCLUsAo
Aparentemente sensual, a arte islamica foi na realidade, desde seu inicio,
conceitual e religiosa. No ambito sagrado evitou-se a arte figurativa, concentrando-
se no geometrico e abstrato, mais simb61icodo que transcendental. A representa,ao
figurativa era considerada uma rna imitac;ao de uma realidade fugaz e fleticia. Dai 0
emprego de formas como os arabescos, resultado da combina,ao de tra,os
ornamentais com caligrafia, que desempenham duas func;oes: lembrar 0 verba divino
e alegrar a vista.
Em todas as criac;oes artfsticas islamicas percebe-se uma indiscutivel
unidade e uma expressao comum que reflete seus sonhos poeticos. Assirn, a
inteligencia abstrata dos homens do deserto encontra a sua expressao nas linhas
geometricas do arabesco enos floridos azulejos esmaltados.
De modo algum este estudo se prop5e a esgotar 0 assunto "influencia da
arte islamica", pois seus tra,os sao notados nos dias de hoje. E tudo leva a crer que
a tematica ainda sera fonte de inspira,ao de muitos artistas, e por muito tempo
adotada.
Esta monografia buscou descrever, depois de definir atraves de pesquisa, as
caracteristicas da arte islamica e a contribui,ao desta arte no mundo oCidental, mais
precisamente, sua influancia na arte moderna atraves de um notavel artista do sec.
xx, que ao adaptar este genero de arte ao gosto modemo, serviu de elo entre a arte
do isla, e as que vieram depois e S8 inspiraram em sua obra.
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7 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Melhoramentos, 1999.
Matisse e Picasso. Sao Paulo: Companhia
DIEZ, Ernst. 0 /slao - 16° volume da cole98o "Ars Mundi". Sao Paulo:
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GOMBRICH, E. H. A hist6ria da Arte. Rio de janeiro: LTC Editora, 1999.
GRUBE, Ernest J. Mundo /s/amico - Serie Mundo da Arte -7' ed. Rio de
Janeiro: Expressao e Cultura, 1979.
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MANDEL, Gabriele. Como reconhecer a arte islamica. Sao Paulo: Martins
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NOGUEIRA, Marcos, Revista Superintessante, junho 2003 - Coluna
Superintrigante.
PEDROSA, Adriano. Gloss - Catalogo de exposi,ao, 1996.
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