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Roberta Rodrigues Rocha Pitta
Os murais escolares na perspectiva da Lei 10.639/03
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Patrícia Coelho da Costa
Rio de janeiro
Abril de 2016
Roberta Rodrigues Rocha Pitta
Os murais escolares na perspectiva da Lei 10.639/03
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profª Patrícia Coelho da Costa Orientadora
Departamento de Educação – PUC-Rio
Profª Cláudia Miranda Co-Orientadora
UNIRIO
Profª Ana Waleska Pollo Campos Mendonça Departamento de Educação – PUC-Rio
Profº Renato Nogueira dos Santos Junior UFRRJ
Profª Denise Berruezo Portinari Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas PUC-Rio
Rio de Janeiro, 11 de Abril de 2016.
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Roberta Rodrigues Rocha Pitta
Professora e historiadora formada pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em Gênero
e Sexualidade certificada pelo Instituto de Medicina Social
da mesma universidade. Bolsista do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Pitta, Roberta Rodrigues Rocha
Os murais escolares na perspectiva da Lei
10.639/03 / Roberta Rodrigues Rocha Pitta ;
orientadora: Patrícia Coelho da Costa ; co-
orientadora: Cláudia Miranda. – 2016.
120 f.; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de
Educação, 2016.
Inclui bibliografia
1. Educação – Teses. 2. Lei 10.639/03. 3. Murais
escolares. 4. Cultura escolar. 5. Cotidiano escolar.
l. Costa, Patrícia Coelho. II. Miranda, Cláudia. III.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Educação. IV. Título.
À minha mãe.
Agradecimentos
Gratidão é sinônimo de reconhecimento. Durante os dois últimos anos tive a
oportunidade de reconhecer que minha trajetória de vida é fruto de uma
construção plural.
Agradeço à minha orientadora Patrícia que sempre acreditou no meu
trabalho. Sua paciência e persistência me fizeram amadurecer durante esse intenso
percurso acadêmico. À minha coorientadora Cláudia que com muito carinho e
competência me estimulou na produção de artigos e me fez aprofundar os estudos
sobre as questões raciais.
À PUC-Rio e ao CNPq aos auxílios concedidos que tornaram possível maior
empenho aos estudos.
Aos membros da banca por prontamente aceitarem o meu pedido de
avaliação. Sinto-me honrada.
Ao Movimento Negro pela generosidade em disponibilizar tanto
conhecimento e por ser incansável na luta por uma sociedade democrática. Meu
máximo respeito.
Às escolas e seus respectivos agentes educacionais que foram os sujeitos
dessa pesquisa. A disponibilidade desses profissionais evidencia a sua
preocupação em fazer parte de um trabalho que visa contribuir com a melhoria da
educação nacional.
Aos Grupos de Pesquisa da PUC e da UNIRIO dos quais faço parte. As
discussões promovidas nesses espaços ajudaram, e muito, à construção de novas
perspectivas e à fundamentação teórica dessa dissertação. Sou muito grata, em
especial, à Cintia Nascimento, com quem formei uma parceria acadêmica. Tenho
uma profunda admiração por sua trajetória de vida. Você é uma guerreira!
A todas as minhas amigas e amigos por compreenderem minhas ausências
durante as necessárias escritas de artigos e, principalmente, deste trabalho final.
Destaco meus agradecimentos à Ana Reis, Cristiane Elias e John Mundell que me
socorreram quando gritei por ajuda. Vocês foram incríveis! Ao meu queridíssimo
e essencial amigo Marcelo Veríssimo, que me acompanha desde o pré-vestibular.
Não tenho palavras suficientes para traduzir o que você representa pra mim.
Nosso laço é pra sempre.
À minha amiga e irmã, Jessica Mara, com quem aprendo diariamente.
Tenho o orgulho de ter acompanhado a formação de uma das maiores teóricas
sobre as questões raciais desse país. Obrigada pela companhia, broncas, palavras
de carinho e indicações de leitura. Sei que temos uma a outra, e isso torna a vida
mais leve.
À minha turma de mestrado. Um encontro singular, que ao longo desses
dois anos trouxe o verdadeiro significado das palavras companheirismo, apoio,
parceria e confraternização. Destaco meu agradecimento ao Rômulo, por sua
generosidade acadêmica, além de sua atenção e afetividade que transbordam e nos
faz sentir especiais. À Rosa, por sua divertida companhia e intensa presença que
irradia energia. À Érika, que nos mostra diariamente o equilíbrio entre
profissionalismo e espontaneidade. Ao Élio, um grande parceiro, que de tantas
identificações desenvolvemos carinho e cuidados fraternais. À Laryssa, que desde
as primeiras aulas nos cativou com sua genialidade, doçura e fibra. À Ângela, por
quem tenho um enorme apreço e com quem dividi muitas reflexões sobre as
questões raciais. À Carla, mulher corajosa, com quem aprendi que as dificuldades
existem para serem superadas. Ao JPC, um professor comprometido e
competente, além de um amigo gentil e atencioso. À Jéssica, tão jovem e tão
competente, responsável por trazer leveza e disposição à turma. À Cinthia, à Elisa,
à Joyce e à Liliane, mulheres intelectuais e trabalhadoras com as quais tive o
prazer de compartilhar inúmeros aprendizados. E a não menos importante Carol,
com a qual disfruto uma parceria de quase dez anos. Compartilhamos histórias,
trajetórias acadêmicas, alegrias, superações e inquietudes. Acima de tudo, admiro
muito cada um de vocês. Construímos uma amizade, um elo para toda a vida.
Ao Celso Sanchéz, um grande incentivador da minha produção acadêmica e
um incansável revisor de texto. Muito obrigada por sua disponibilidade, atenção,
carinho e ensinamentos zen.
Por fim, agradeço aos meus familiares. Primeiramente à minha inesquecível
Dinda, que mesmo separadas fisicamente, seu amor se faz presente em meu
coração. Sua história de vida de doação ao próximo será sempre lembrada. À Vó
Ainda e ao Vô Edson por me apoiarem em todos os momentos e por se
orgulharem de minhas conquistas. Aos meus irmãos, Rafael e Verônica, que
mostram diariamente como é essencial a convivência com pessoas de visões de
mundo diferentes. E aos meus pais, Roberto e Lauriete, a quem devo tudo. Minha
trajetória é resultado do empenho e dedicação de ambos. Sem vocês, nada seria
possível. Agradeço especialmente à minha mãe a quem dedico esse trabalho. Sua
vida é um exemplo de esperança, luta e amor.
Resumo
Pitta, Roberta Rodrigues Rocha; Costa, Patrícia Coelho da. Os murais
escolares na perspectiva da Lei 10.639/03. Rio de Janeiro, 2016. 120 p.
Dissertação de Mestrado – Departamento de Educação, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A presente pesquisa tem como objetivo investigar como se manifesta a
aplicabilidade da Lei Federal 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da
História da África e Cultura afro-brasileira em todas as escolas públicas e privadas
dos níveis Fundamental e Médio, a partir das imagens e conteúdos expostos nos
murais escolares. Para isso, foram selecionadas duas escolas de Ensino
Fundamental II, do município do Rio de Janeiro, localizadas em uma região da
cidade conhecida como a Pequena África, referência da história e cultura afro-
brasileira. A partir de uma abordagem qualitativa, a metodologia aplicada para a
pesquisa contou com a coleta de imagens em exposição nos murais durante o
segundo semestre letivo do ano de 2015, consulta ao Projeto Político Pedagógico
e entrevista semiestruturada com professores e coordenadores pedagógicos. Foi
possível identificar que os murais estão presentes em diversos espaços da escola,
apresentando-se como um recurso inserido na cultura escolar, com potencial para
abordar a temática étnico-racial. As duas escolas tiveram resultados diferentes na
pesquisa, em uma eram poucos os trabalhos em exposição nos murais, e na outra,
houve um aumento das produções sobre a temática racial após o início da
pesquisa, apontando para uma possível interferência no campo. Embora a maioria
dos professores e coordenadores tenha relatado a realização de atividades
ressaltando a importância da temática, e os Projetos Políticos Pedagógicos tenham
apresentado como objetivo principal a formação de cidadãos que respeitem a
diversidade, foi observado uma descontinuidade entre os valores escritos e a
prática escolar analisada.
Palavras-chave
Lei 10.639/03; murais escolares; cultura escolar; cotidiano escolar
Abstract
Pitta, Roberta Rodrigues Rocha; Costa, Patrícia Coelho da. (Advisor)
School bulletin boards from the perspective of Law 10.639/03. Rio de
Janeiro, 2016. 120p. MSc. Dissertation – Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This research project has as its objective to investigate how the application
of Law 10.639/03, a federal law that made obligatory the instruction of African
History and Afro-Brazilian Culture in all public and private elementary and
secondary schools, manifests itself in the images and content exhibited on school
bulletin boards. For this purpose, two Elementary II schools from the
municipality of Rio de Janeiro were selected, both located in a region of the city
called Little Africa, referent to Afro-Brazilian history and culture. Using a
qualitative approach, the research methodology applied involved the gathering of
images exhibited on the bulletin boards during the second semester of the 2015
school year, an analysis of the Pedagogical Political Project, and semi-structured
interviews with teachers and curriculum coordinators. It was possible to identify
that the bulletin boards are present in diverse spaces within the schools, being
presented as a resource inserted into school culture, with the potential of
approaching ethno-racial themes. Research results differed between the two
schools; in one, there were few pieces on exhibition on the bulletin boards, while
in the other, an increase in artistic productions on racial themes occurred after the
research began, pointing to a possible interference in the field. Although the
majority of teachers and curriculum coordinators spoke on their fulfillment of
activities that highlighted the importance of such themes, and that the Pedagogical
Political Projects have presented as a principal objective the formation of citizens
that respect diversity, a discontinuity between the values written and the analyzed
school practice was observed.
Keywords
Law 10.639/03; school bulletin boards; school cultural; school quotidian
Sumário
1. Percurso de Pesquisa 16
2. Ações pedagógicas do movimento negro no século XX 25
2.1. O ideal de nação e a Frente Negra Brasileira 26
2.2. Os movimentos pedagógicos do TEN e do MNU 33
2.3. Lei 10.639/03 como consequência de uma luta histórica 37
2.4. A primeira década da aplicabilidade da Lei 10.639/03 40
3. O mural como fonte de investigação 44
3.1. Os murais e a questão étnico-racial 44
3.2. Os murais como territórios de disputas 49
4. Conhecendo o campo de pesquisa 53
4.1. Pequena África, educação e compromisso sociocultural 53
4.2. O contato com as escolas: primeiras impressões 56
4.3. O perfil das escolas 59
4.4. O caminho metodológico 63
5. A percepção da lei 10.639/03 nos murais escolares 73
5.1. As funções dos murais no cotidiano das escolas pesquisadas 73
5.2. As escolas e a questão 78
5.3. A influência no campo 85
5.4. A existência de um currículo oculto nas escolas 88
5.5. Imagens não produzidas ou selecionadas pelas escolas 93
5.6. Datas comemorativas no calendário escolar 95
5.7. Formação de professores para uma educação antirracista 102
6. Considerações finais 109
7. Referências bibliográficas 113
8. Apêndice 119
Lista de Figuras
Figura 1: Mural da Escola A com a identificação “Pablo Picasso”....................... 61
Figura 2: Mural de boas-vindas da Escola A ......................................................... 74
Figura 3: Mural de boas-vindas da Escola B ......................................................... 75
Figura 4: Mural próximo à sala da coordenação da Escola A. .............................. 76
Figura 5: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola A. ............................ 76
Figura 6: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola B. ............................ 77
Figura 7: Mural da Escola A sobre a Praça XI. ..................................................... 80
Figura 8: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA. ....................... 82
Figura 9: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA. ....................... 82
Figura 10: Mural / Painel do PEJA da Escola B. .................................................. 83
Figura 11: Mural da Escola A sobre João Cândido. .............................................. 86
Figura 12: Mural da Escola A sobre a abolição..................................................... 86
Figura 13: Mural da Escola A sobre a África e o Brasil........................................ 87
Figura 14: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03. ........................................... 87
Figura 15: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03. ........................................... 87
Figura 16 Mural da Escola A sobre atitudes saudáveis. ........................................ 89
Figura 17: Mural da Escola B com trabalhos da disciplina de Inglês. .................. 89
Figura 18: Mural da Escola B sobre a escola. ....................................................... 90
Figura 19: Mural localizado no pátio da escola B. ................................................ 94
Figura 20: Detalhe de dois cartazes presentes na imagem anterior. ...................... 94
Figura 21: Mural temático da Escola A sobre a primavera. .................................. 96
Figura 22: Mural temático da Escola A sobre o a festa natalina. .......................... 97
Figura 23: Mural da Escola A sobre o dia vinte de novembro. ............................. 98
Figura 24: Mural da Escola A................................................................................ 99
Figura 25: Mural da Escola A sobre o dia 20 de novembro. ............................... 100
Figura 26: Mural da Escola B sobre o dia 20 de novembro. ............................... 101
Lista de Tabelas e Quadros
Quadro 1: Quadro comparativo das escolas pesquisadas ...................................... 60
Quadro 2: Tabela com dados dos professores entrevistados ................................. 71
Lista de abreviaturas
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação
CCP – Centro Cívico Palmares
CNE – Conselho Nacional de Educação
COPENE – Congresso de Pesquisadores Negros
CRE – Coordenadoria Regional de Educação
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FNB – Frente Negra Brasileira
GEC – Ginásio Experimental Carioca
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MNU – Movimento Negro Unificado
NEABs – Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros
ONU – Organização das Nações Unidas
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PPP – Projeto Político Pedagógico
PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná
SERNEGRA – Simpósio da Semana de Reflexões sobre Negritude,
Gênero e Raça
SME-RJ– Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TEN – Teatro Experimental do Negro
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Só na prática é que se vai percebendo e construindo a identidade, porque o que
está colocado em questão, também, é justamente uma identidade a ser construída,
reconstruída, desconstruída, num processo dialético realmente muito rico.
(Lélia Gonzalez)
1 Percurso de Pesquisa
A presente pesquisa de mestrado investiga a ação pedagógica em duas
escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, a partir da presença da Lei
10.639/031, que tornou obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-
brasileira em toda rede de ensino. Dentre as muitas possibilidades de se fazer a
investigação sobre a aplicação da referida lei, optamos, como ponto de partida,
identificar se a diversidade étnico-racial nas escolas está expressa no mural
escolar. A metodologia escolhida contou com a análise de imagens e linguagens
expostas nos murais, entrevistas com professores e coordenadores pedagógicos e
consulta ao Projeto Político Pedagógico das escolas selecionadas.
Os caminhos que me conduziram a essa temática tiveram sua direção
traçada pela minha trajetória acadêmica, passando por questões de identidade e a
necessidade de se chegar a uma educação, de fato, democrática. No ano de 2007,
fui aprovada para o curso de História na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Nesse período, a universidade estava marcada pela efervescência
das políticas afirmativas.
Meu ingresso como aluna cotista, por ter estudado o Ensino Fundamental e
Médio em escola pública, favoreceu uma ampla reflexão acerca do acesso e da
permanência de estudantes oriundos das periferias, filhos da classe trabalhadora.
Esse foi o passo inicial para minha imersão no debate sobre as relações raciais.
Enquanto aluna daquela instituição, vi os debates sobre as cotas sociais e raciais
sempre acontecerem de forma tímida e com poucas e inconsistentes informações a
respeito de todo o processo. Muitos professores não gostavam de debater o
assunto em sala de aula por considerar polêmico demais, embora essa ação
afirmativa fosse realidade naquela instituição desde o ano de 2003. A inquietação
1 No ano de 2008 a Lei 11.645 modificou a 10.639/03, incluindo como obrigatório o ensino da
cultura e história indígena. Porém, como reconhecimento do protagonismo do movimento negro, optamos por utilizar nesse trabalho como referência Lei 10.639/03, pois se tornou um marco da demanda da população negra no campo educacional.
17
provocada por ausência de respostas me levou a conhecer os coletivos negros e
feministas organizados no interior dos diferentes cursos da instituição. Nesse
processo de amadurecimento intelectual, percebi o meu papel político como não-
branca. O movimento estudantil, do qual fui uma encantada colaboradora, também
trouxe contribuições à minha formação, pois promoveu inúmeras atividades, como
palestras, estudos em grupo, passeatas e discussões sobre o papel dos graduandos
como sujeitos históricos, que deveriam interferir nos rumos da sociedade
brasileira.
Impulsionada pelas discussões estudantis, minha monografia de conclusão
de curso foi uma análise documental do primeiro jornal brasileiro escrito e
dirigido por mulheres, o Jornal das Senhoras, do ano de 1852. Nesse trabalho
busquei dar visibilidade às ações e às dificuldades enfrentadas por mulheres do
século XIX, que tinham sua capacidade intelectual questionada por uma sociedade
patriarcal.
No ano de 2013, ingressei no Curso de Especialização em Gênero e
Sexualidade, oferecido pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Nesse curso,
aprofundei as questões ligadas às mulheres, mas agora pelo prisma racial. Durante
o curso, tive a aprovação de um trabalho (PITTA, 2013), o qual discutia a imagem
dos negros nos livros didáticos para apresentação, no II Simpósio da Semana de
Reflexões sobre Negritude, Gênero e Raça (SERNEGRA), em Brasília. Analisei
imagens de alguns livros de História dos anos finais do Ensino Fundamental que
foram publicados após a Lei 10.639/03. Pude perceber que obras dos artistas
plásticos do século XIX, Debret e Rugendas, predominavam nos materiais,
geralmente apresentando o negro sendo torturado ou em clara situação de
exploração. Raramente havia o uso de imagens que valorizavam a cultura negra
ou algum ato que contrariasse a ordem vigente da época retratada. A análise
proposta aguçou minha visão crítica sobre a construção do perfil feminino negro a
partir das imagens disponibilizadas nesses materiais didáticos.
Já para o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da especialização,
discuti a imagem dos negros, tendo como foco do estudo a mulher negra na mídia.
Meu primeiro contato com as leituras de Jesus (2014) e Evaristo (2003) foi nesse
período. Duas grandes escritoras negras brasileiras que eu nunca tinha ouvido
falar até aquele momento e que me encantaram por expressarem, de forma
singular, a realidade da população negra. A partir disso passei a refletir sobre a
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ausência dessas mulheres na mídia e na própria academia. O resultado disso
apareceu em meu TCC, no qual elaborei uma oficina de formação continuada de
professores que estimulava a reflexão sobre a ausência da mulher negra nos livros
didáticos. Fiz a relação de como essa ausência pode habituar o não olhar, levando
a não problematização da omissão dessa mulher em vários espaços sociais, como
no mercado de trabalho, nos altos cargos públicos e na mídia, sendo esta última o
foco do projeto. Em diálogo com a bibliografia, analisei como a imagem da
mulher negra é estereotipada e hiper-sexualizada nos meios de comunicação,
favorecendo a permanência da discriminação e do preconceito. O objetivo
principal do trabalho era refletir sobre a produção da imagem da mulher negra e
levar essa questão para a realidade da sala de aula, como também compartilhar e
disponibilizar a diversidade de conteúdos e histórias que foram ocultadas ou
silenciadas pela historiografia e pela mídia.
A trajetória percorrida para chegar a atual temática de estudo contou,
portanto, com esses variados percursos, um deles potencializou a escolha pelo
atual objeto de pesquisa: o encontro com minha identidade negra. Sou filha de
mulher negra, baiana que chegou aos 18 anos no Rio de Janeiro para trabalhar
como empregada doméstica. A história de vida de tantas outras mulheres negras
trabalhadoras, que não por coincidência, tiveram o mesmo curso. Vi de perto a
rejeição social que a cor da pele provoca até mesmo no âmbito familiar. Vi a
busca infindável pelo padrão estético que agride e rejeita, e que transforma em
culpa a melanina acentuada. Embora minha pele não seja tão enegrecida, meu
sangue e minha ideologia me declaram negra. Além disso, meu posicionamento
político afirma essa negritude, sem ignorar que não passo pelos mesmos
obstáculos enfrentados por aqueles que sofrem discriminação conforme a
gradação de cor, pois quanto mais preta a pele, menos velada é a expressão do
racismo. Refletir sobre questões raciais que são tão caras para mim e que
convergem em importância para a educação, proporcionaram a elaboração dessa
pesquisa.
Meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) ocorreu no ano de 2014.
Durante o curso de mestrado fiz parte do grupo de pesquisa História da Educação
e Mídia, coordenado pela Profª. Drª. Patrícia Coelho, no qual tive a oportunidade
de aprofundar os estudos sobre o papel da mídia na educação, iniciando as
19
discussões sobre quais tipos de linguagens estão presentes na escola, qual a
relevância da produção acadêmica dos estudantes e o papel do professor tanto
presencialmente nas escolas, quanto na educação à distância.
No segundo ano do curso de mestrado, participei de eventos acadêmicos,
nos quais pude apresentar artigos, como autora ou coautora, relacionados à
temática de minha pesquisa. Para apresentação no VII Seminário Internacional
Redes, realizado na UERJ, coproduzi o artigo intitulado “Movimento Negro na
vanguarda por uma educação antirracista” (PITTA; SOUSA, 2015), o qual
ressalta, através de um breve histórico, o protagonismo dos movimentos negros no
que tange a inclusão da questão racial na educação e sua conquista legitimada pela
lei 10.639/03. Também foi abordado nesse trabalho quais os caminhos adotados
pela legislação que garantem a superação do senso comum sobre a África e a
desconstrução das práticas que inferiorizam o negro em diferentes setores da
sociedade. Já para o I Congresso de Pesquisadores Negros - COPENE Sudeste,
realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), coproduzi o
artigo “A descolonização da pedagogia” (PITTA; CONCEIÇÃO, 2015) que trata
da valorização da história local a partir da lei 10.639/03, propondo ressignifcar e
promover a conscientização dos indivíduos por meio da ideia de pertencimento a
uma identidade. Isso se daria através do resgate de uma memória, estimulado pela
reconstrução dos conhecimentos provenientes dos lugares marcados pela diáspora
africana, em diálogo com o referencial teórico decolonial. Esse referencial
proporciona narrativas que buscam enaltecer uma nova epistemologia com
potencialidade estratégica para discutir o racismo na sociedade. Dessa forma, a
tentativa seria a ressignifcação pela ideia de pertencimento a uma identidade e o
resgate de uma memória que foi negada pela escrita história.
Para o XII Congresso Nacional de Educação – Educere, que aconteceu na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), tive um trabalho aprovado
cujo título é “Os murais escolares na perspectiva da lei 10.639/03” (PITTA,
2015), o qual foi apresentado em formato de pôster e publicado um artigo nos
anais do congresso, apresentando o referencial teórico-metodológico de minha
pesquisa, assim como os primeiros dados coletados em campo. Por fim, tive o
resumo “Lei 10.639/03: por uma educação antirracista” aprovado para o III
Coloquiolatino-americano Colonialidad / decolonialiddel poder / saber / ser:
educación e interculturalidad, em Bogotá - Colômbia, o qual visava discutir
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teoricamente como as ações afirmativas, no Brasil, podem ser o caminho para o
aprofundamento do pensamento decolonial.
A experiência que vivi em cada congresso trouxe-me a oportunidade de
conhecer produções científicas e referências teóricas, que incentivaram meu
aprofundamento a respeito das questões raciais, como o trabalho sobre
desigualdade racial, elaborado pelo economista Paixão (2010); a denúncia do
racismo no cotidiano feita pelo historiador Santos (1984); o singular racismo
sofrido pelas mulheres negras que acumulam opressões e é tão bravamente
denunciado e combatido por Carneiro (2011) e Werneck (2013); o contato com
uma pedagogia crítica proveniente das teorias decoloniais que favorecem o
conhecimento dos subalternizados; entre outros que marcaram minha trajetória
acadêmica.
Tive a oportunidade de participar do grupo de pesquisa Formação de
Professores, Pedagogias Decoloniais e Interculturalidade, na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que trouxe outra perspectiva para o
presente trabalho. Coordenado pela Profª. Drª. Cláudia Miranda, conheci a leitura
sobre narrativas outras que destacam epistemologias e discursos que outrora
foram deslegitimados. Após a leitura das obras de Fanon (2008; 2012) foi possível
compreender que as sociedades construídas pela violência da colonização
europeia amargam consequências que vigoram até os dias atuais, através de uma
ideologia que hierarquiza saberes e marginaliza indivíduos. Ao criar diálogo com
a teoria pós-colonial que foi formulada por afro-asiáticos em suas lutas de
independência contra o controle europeu, pude entender a importância decolonial
para os marginalizados sul-americanos, que ainda utilizam a referência epistêmica
eurocêntrica em detrimento dos conhecimentos dos povos autóctones ou
originários da diáspora negra africana. As histórias dos movimentos negros e dos
lugares marcados pela diáspora, tão ignorados pela historiografia, evidenciam que
podemos ir muito além da inclusão da diversidade, potencializando uma educação
que possua perspectiva político-pedagógica crítica que visa à valorização de
conhecimentos outros que enaltecem as diferenças.
Minha trajetória com o estudo das imagens ganhou força ao questionar
como o negro está representado na escola. Já havia feito um trabalho parecido no
TCC da especialização, ao analisar as imagens dos negros nos livros didáticos.
Mas dessa vez, era preciso identificar como isso era exposto na escola, mas fora
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da sala de aula. Existem imagens de negros e negras na escola? Questões essas,
não de uma maneira pronta e sem interferência direta, como ocorrem nos livros
que trazem figuras e textos elaborados pelos editores, mas a partir da produção e
seleção de trabalhos de discentes e docentes que elaboravam os murais.
A materialidade das questões étnico-raciais na presente pesquisa ocorreu
através da combinação de diferentes metodologias de investigação, a fim de
analisar os murais das escolas confeccionados por professores e alunos do
segundo segmento do ensino fundamental buscando perspectivas que atendessem
os requisitos da lei 10.639/03. Para identificar se as questões da temática são
contempladas, a pesquisa observou os murais das escolas, contando também com
a consulta ao Projeto Político Pedagógico (PPP) e entrevista com professores e
coordenadores para o presente estudo.
Nesse sentido, foi preciso transcender o que foi normatizado pela lei
10.639/03, buscando através do cotidiano escolar e suas práticas, possíveis
evidências do envolvimento da escola com a questão racial. Com isso, a proposta
da pesquisa é elaborar um trabalho que ressalte a presença da referida lei em
diversos espaços da escola, pois seu enraizamento não precisa estar restrito à sala
de aula, na exposição do professor e livros didáticos.
A pesquisa possui caráter descritivo e analítico e se assenta sob uma
abordagem qualitativa. Segundo Minayo (2009, p. 21) a abordagem qualitativa se
caracteriza por responder
... a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível
de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha
com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui
como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas
por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade
vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção humana que
pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade
e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e
indicadores quantitativos.
Para Duarte (2002, p. 140) a pesquisa social de base qualitativa é importante
por descrever os critérios utilizados nas escolhas realizadas ao longo do percurso
da pesquisa, assim, para a autora
Se nossas conclusões somente são possíveis em razão dos instrumentos que
utilizamos e da interpretação dos resultados a que o uso dos instrumentos permite
chegar, relatar procedimentos de pesquisa, mais do que cumprir uma formalidade,
oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desse modo, avaliar com
mais segurança as afirmações que fazemos.
22
Portanto, em função desta investigação se debruçar sobre os aspectos
subjetivos e as práticas do cotidiano de escolas públicas da cidade do Rio de
Janeiro, a opção pela abordagem qualitativa foi a mais adequada para a pesquisa
proposta.
A observação foi utilizada para identificar as questões relacionadas à
representação das identidades expostas nos murais. Para isso, foi necessário
investigar se as temáticas do calendário exploradas, o tipo de linguagem utilizada
em cada mural – para saber se variavam conforme sua localização dentro da
escola – e as imagens e trabalhos selecionados para a exposição. A proposta é
buscar compreender como é feita a representação do negro no espaço escolar e de
que forma essa representação acontece.
A consulta ao PPP pretende compreender quais são as propostas das escolas
e como elas dialogam com as questões étnico-raciais. Também foi alvo dessa
apreciação descobrir a relação da comunidade escolar na construção desse
material, considerando também o diálogo com a história da região na qual está
localizada.
Outra metodologia aplicada na pesquisa foi a entrevista com professores e
coordenadores pedagógicos. Brandão (2010, p. 48) orienta que a entrevista leva o
pesquisador “a refletir sobre a forma e o conteúdo da fala do entrevistado, os
encadeamentos, as indecisões, contradições, as expressões e gestos”. Por
conseguinte, essa metodologia foi de caráter individual com um roteiro
semiestruturado para que a dinâmica fosse flexível conforme as respostas dos
entrevistados. Foi realizado um total de doze entrevistas, com cinco professores
de cada escola, mais as coordenadoras pedagógicas. As perguntas buscaram
identificar o que os profissionais da educação consideravam como iniciativas da
escola relacionadas às questões étnico-raciais, como trabalhavam os murais e o
que eles realizavam para a promoção da temática racial em atendimento à lei
10639/03.
Duas escolas foram selecionadas para a investigação. Elas atendem turmas
do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, localizadas em torno do Centro do Rio de
Janeiro, sob a competência do 1ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE).
Esse local foi escolhido devido à referência histórica que possui. Em 1769, devido
ao aumento da entrada de negros escravizados, o cais do Valongo passou a ser o
23
destino principal para o desembarque de negros e negras vindos da África. Esse
lugar também ficou marcado pela comercialização dessas pessoas no Mercado do
Valongo ou pelo enterro de milhares de corpos, que não resistiam aos maus tratos
do tráfico. O cemitério dos Pretos Novos é a concretização dessa história que até
hoje a região carrega, embora ainda existam esforços para o apagamento da
afrodiáspora, o qual ressaltando o Amanhã da região portuária.
Havia grande fluxo desses homens, mulheres e crianças que deixaram fortes
marcas de suas culturas nesse local. Além disso, a região ficou conhecida como a
Pequena África por ser polo das heranças culturais, religiosas e símbolo da
resistência negra por moradia, e referência do samba e do carnaval. Portanto, a
pesquisa também observa se essas influências locais estão presentes na cultura da
escola e como isso se reflete.
É preciso elucidar que a proposta desse trabalho não visa analisar as escolas
que se destacam com projetos e trabalhos com a temática étnico-racial, visto que a
lei 10.639/03 tornou obrigatório o ensino da História africana e afro-brasileira em
toda rede de ensino há mais de dez anos. Por isso, parto do princípio que todas as
escolas atendem às exigências.
Diante do exposto, o principal objetivo da pesquisa define-se em identificar
se os murais escolares expressam a diversidade étnico-racial, atendendo assim, às
exigências da Lei 10.639/03. Para isso, os seguintes objetivos específicos foram
selecionados: verificar quais são as principais funções dos murais; observar se a
história local possui influência na composição dos murais escolares; identificar se
o PPP das escolas apresenta propostas de uma educação em prol da diversidade
étnico-racial; analisar a aplicabilidade da Lei 10.639/03 nas escolas pesquisadas.
Para uma mestranda da área de Educação estudar a aplicação de uma lei é,
no mínimo, um desafio. E para que essa tarefa me parecesse familiar, optei por
iniciar a pesquisa acadêmica traçando alguns dos percursos do movimento negro
brasileiro, em três momentos do século XX, buscando compreender as possíveis
discussões e ações que acumularam para a elaboração da 10.639/03. Nesse estudo,
pude perceber a importância do movimento negro para se questionar as noções de
democracia, mesmo quando outros grupos sociais proferiam discursos pró-
democráticos, mas que não promoviam o recorte racial em suas pautas. A imersão
nesse universo evidenciou que o protagonismo da promulgação da referida lei
federal é fruto de resistência e persistência do movimento negro. Foram
24
levantadas algumas ações do Movimento Negro como questionador da
democracia racial no país e como força propulsora em prol da educação da
população negra brasileira. A Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do
Negro e o Movimento Negro Unificado, cada um ao seu tempo foi idealizador de
uma sociedade mais justa, pautando suas demandas e participando ativamente do
cenário político de sua época. Ainda nesse capítulo é apresentada a Lei 10.639/03,
trazendo um breve panorama sobre sua aplicabilidade após sua primeira década de
promulgação.
O terceiro capítulo apresenta a construção do objeto de pesquisa e sua
relação com a Lei 10.639/03. Além disso, os conceitos de cultura escolar, espaço
escolar, território e educação afroperspectivista são discutidos nessa seção.
Já o quarto capítulo explica o porquê da escolha das escolas selecionadas na
região da Pequena África. Ele também é composto da apresentação do perfil das
instituições pesquisadas, a entrada no campo, a coleta de dados e das primeiras
análises, tendo como foco o PPP das escolas.
Por fim, no quinto capítulo destaca-se a análise das imagens e das
entrevistas com os professores e coordenadores. Os murais observados são
problematizados como território de representação do negro no espaço escolar,
emergindo questões sobre ausências presentes e sobre a formação docente.
2 Ações pedagógicas do movimento negro no século XX
A proposta do presente capítulo é trazer um breve panorama da atuação do
movimento negro brasileiro em três diferentes momentos do século XX,
evidenciando sua preocupação com a questão educacional da população negra.
Essa preocupação teve reivindicações distintas, de acordo com o cenário histórico-
político e as disputas ideológicas do período. Em um primeiro momento, a década
de 1930, apresentou um contexto de maior necessidade de mão de obra
especializada devido ao aumento da industrialização brasileira. Nesse processo, o
movimento negro, assim como outros setores populares, buscou inclusão nas
escolas regulares visando qualificação profissional. Este acesso se fazia urgente,
mesmo tendo em mente que a produção de conhecimento existente nas escolas
regulares não fosse adequada para aquela clientela estudantil. Dessa maneira,
foram realizadas outras estratégias para garantir a educação da população negra.
Já na década de 1950 a atenção volta-se para os estudos sobre a produção
científica que tratassem da melhoria da condição de vida dos negros e negras,
conforme a atuação de Abdias Nascimento no I Congresso do Negro Brasileiro.
Em um terceiro momento, o acúmulo da trajetória de reivindicações do
movimento negro gera demandas mais específicas: a inclusão do negro na cultura
escolar, uma outra abordagem dos conteúdos curriculares e representações
afirmativas na escola.
Concomitante a esse resgate do protagonismo do movimento negro, não é
ignorada na redação do presente capítulo as ações de caráter pedagógico que o
movimento negro exerceu junto aos seus militantes, ao protagonizar uma luta por
uma educação e uma sociedade, de fato, democrática. Em seguida, é apresentado
que o acúmulo da luta política da militância negra no campo educacional
concretizou-se na promulgação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino
da História da África e da cultura afro-brasileira em toda a rede de ensino do país.
A partir disso, são levantadas questões sobre a aplicabilidade da lei nas escolas,
após mais de uma década de sua existência.
26
A redação do capítulo foi realizada com preocupação de não incorrer em um
erro anacrônico, pois não colocamos perguntas do tempo presente para
questionarmos ações passadas, mas sim, buscamos identificar alguns fatos na
história para produzirmos reflexões sobre questões atuais da educação.
2.1. O ideal de nação e a Frente Negra Brasileira
Segundo Pereira (2008) a “revolução de 30” estimulou a população negra a
participar politicamente do cenário de transformações. Porém, outros grupos
também tinham interesses em promover seus ideais. Um desses grupos foi o
eugenista2 que ganhou espaço e visibilidade durante as Grandes Guerras mundiais,
período o qual governos autoritários difundiram seus ideais nazifacistas.
No Brasil, as ideias eugênicas começaram a circular nas décadas finais do
século XIX, vinculando-se aos movimentos nacionalistas e médico-sanitarista. Em
busca de um modelo que representasse a população brasileira adicionada às
práticas higienistas, que promoviam campanhas de saneamento e vacinação para a
prevenção de doenças, discursos científicos eram produzidos em prol do
desenvolvimento do país. Aqueles que partilhavam essa concepção
diagnosticaram que a diversidade étnico-racial brasileira era um malefício para o
progresso, tendo nas ações eugênicas o tratamento para salvar o país doente. Entre
os membros que sustentavam os ideais eugenistas, havia diversos representantes
da sociedade civil como advogados, médicos, jornalistas, educadores, entre
outros, demonstrando como esse pensamento era legitimado por diversos
segmentos e instituições. Dentre os membros eugenistas destaco a participação de
Edgard Roquette-Pinto e Fernando de Azevedo, que atuaram intensamente na
política educacional do país, assunto que retomarei mais adiante.
Souza et al. (2009) investigou a influência eugenista no Brasil a partir da
análise do acervo do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia realizado no ano
de 1929, e aponta algumas políticas de Estado que ganharam força após a
realização desse evento. Segundo os autores, o congresso aconteceu na sede da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e contou com participação de
2 Movimento internacional que defendia a pureza da raça branca, classificada por seus
apoiadores como superior às outras raças humanas.
27
representantes da elite intelectual nacional que debateram, entre os mais de 75
trabalhos apresentando “o futuro eugênico da nação” (SOUZA et al, 2009). Os
trabalhos abordavam como a eugenia deveria atuar em diversas áreas da
sociedade, tendo divergentes abordagens sobre uma “eugenia preventiva” que
segundo Stepan (2005) fomentava a prevenção de doenças, passando pelo controle
matrimonial. Essa abordagem teórica neolamarkista entendia que o meio tinha
interferência na hereditariedade humana, alegando que as desigualdades sociais
eram consequências das diferenças raciais. Dessa forma, tal corrente eugenista
buscava na miscigenação o caminho para a regeneração da raça.
Schwarcz (1993, p.17) argumenta que a teoria racial foi “política e
historicamente construído” e que tiveram inserção tanto no campo biológico como
no social. As teorias raciais formuladas nos Estados Unidos ou Europa eram
adaptadas para a realidade brasileira, que possuía uma população com muitos
negros. A tentativa dos intelectuais, que se viam responsáveis por colocar o país
no caminho da modernidade, era destacar o Brasil dos países latino-americanos e
de assemelhá-lo aos europeus, sinônimos de progresso e civilização. Para que isso
fosse possível, Schwarcz (1993, p. 187) aponta que instituições como os museus,
os Institutos históricos e geográficos e as faculdades de Direito e Medicina
promoviam produções intelectuais que visavam à construção de uma “mestiçagem
modeladora e uniformizadora”. A autora evidencia que existiu uma disputa
ideológica dessas instituições pelo projeto de nação, que amparadas pela ciência
visavam promover uma homogeneidade da população, seguindo assim as teorias
raciais que justificavam as hierarquias sociais no Brasil.
Dessas teorias Munanga (1999) aponta que métodos eugenistas, que
visavam o embraquecimento da população, foram utilizados na formulação da
identidade nacional. Com o passar do tempo, as teorias biológicas sobre a
mestiçagem fortaleceram cada vez mais os aspectos comportamentais e políticos,
servindo de justificativa para a manutenção do privilégio e dominação de uma
pequena parcela de nossa sociedade edificada sobre os conceitos discriminatórios
da colonização.
No período que abrange o fim do Segundo Reinado até o início do século
XX, as teorias racialistas – como o determinismo biológico – eram apropriadas e
forjadas como soluções para a diversidade racial existente no Brasil, considerado
como fator primordial do atraso – conforme os termos positivistas da época – do
28
país. Tais intelectuais, segundo Munanga (1999, p. 51), preocupavam-se em
promover uma identidade nacional para a recém-proclamada República, mas
entendiam como problemática “a nova categoria de cidadãos: os ex-escravos”. A
estrutura colonial vigorava no pensamento daqueles que produziam o discurso do
progresso e da modernidade. A tentativa era transformar toda aquela pluralidade
em apenas um modelo racial brasileiro, obtendo como resultado final da
miscigenação e, com o passar do tempo, a eliminação dos negros da identidade
brasileira. Munanga (1999, p. 110) afirma que
Esse modelo supõe a negação absoluta da diferença, ou seja, uma avaliação
negativa de qualquer diferença e sugere no limite um ideal implícito de
homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenação e pela assimilação
cultural. A mestiçagem tanto biológica quanto cultural teria entre outras
consequências a destruição da identidade racial e étnica dos grupos dominados, ou
seja, o etnocídio.
Velloso (2003) traz elementos que corroboram com a perspectiva de
Munanga sobre o genocídio negro. Ao analisar a relação dos intelectuais com a
ideologia de nacionalidade, verificou em um artigo de João Ribeiro3 que o autor
defendia o estudo da “história morta”, ou seja, o estudo da cultura negra, pois para
ele, a raça negra estava fadada à extinção.
É diante desse cenário hostil à população negra que emerge a organização
chamada Frente Negra Brasileira (FNB) questionando a ausência do negro nesse
projeto de nação. Fundada em São Paulo no ano de 1931, sob a presidência de
Arlindo Veiga dos Santos, a FNB tinha amplitude nacional e teve representantes
em Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Espirito Santo e Bahia. Suas
principais lideranças fizeram parte do Centro Cívico Palmares4 (CCP), uma
associação que existiu entre os anos de 1926 a 1929, que inspirou a criação da
FNB que, por sua vez, aprofundou as questões políticas e sociais da população
negra de sua época.
Conforme verificamos, a identidade negra brasileira deveria ser diluída ao
longo do tempo, criando no seu lugar o mestiço, o mais próximo do ideal de
embranquecimento da nação. Pereira (2013) ressalta a fala de um dos militantes
3 A arqueologia Negra Africana (1922).
4 O CCP realizava eventos culturais para homenagear heróis negros, ministrava aulas de
alfabetização e fundou o jornal Clarim d’Álvorada, que servia como um canal de denúncias contra as discriminações sofridas pela polução negra, além de servir como meio de formação política e histórica de seus leitores.
29
da FNB, José Correia Leite, sobre o pensamento que circulava nos anos de 1930:
“Houve um tempo em que eu ouvia muita gente dizer que a nossa luta não tinha
razão de ser porque o negro ia desaparecer. Foi uma ideia gerada por estudiosos”
(LEITE apud PEREIRA, 2013, p.71). Porém, Pereira (2013, p. 53) argumenta que
“a ideia de raça utilizada politicamente na construção do Estado-Nação brasileiro”
gerou duas consequências: a primeira, forjar uma raça embranquecida que
aproximava o país ao status de superioridade dos países europeus. A segunda
consequência é que a ideia de raça também foi ressignificada e utilizada pelo
movimento negro como discurso aglutinador em busca de igualdade de direitos.
Gomes (2012b, p 741) afirma que o movimento negro ressignificou o
conceito de raça de maneira afirmativa e proporcionou o reconhecimento das
diferenças que gerou reflexões sobre a falsa propaganda de democracia racial no
país. Essas ações foram essenciais para enfatizar o processo de politização da
população negra contra o racismo e questionar a escrita do papel dos negros na
história do Brasil, promovendo a construção de novas epistemologias.
Ao ressignificar e politizar a raça, compreendida como construção social, o
movimento negro reeduca e emancipa a sociedade e a si próprio, produzindo novos
conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-raciais e o racismo no
Brasil, em conexão com a Diáspora africana.
Diante dos vários ativismos negros ao longo da história do século XX, para
elucidar a utilização do conceito de movimento negro, na presente dissertação,
recorremos a Pereira (2013, p. 110) que opera com a seguinte definição
...considero o movimento negro organizado como um movimento social que tem
como particularidade a atuação em relação à questão racial. Sua formação é
complexa e engloba o conjunto de entidades, organizações e indivíduos que lutam
contra o racismo e por melhores condições de vida para a população negra, seja
através de práticas culturais, de estratégicas políticas, de iniciativas educacionais
etc; o que faz da diversidade e pluralidade características desse movimento social.
Dessa forma, mesmo diante de tal estrutura diversa o autor marca sua
análise a partir do termo “movimento negro”, no singular. A utilização desse
termo é a definição utilizada pelos militantes que Pereira entrevistou em sua
pesquisa, e eles estavam baseados em duas justificativas: a primeira, pela
necessidade de possuir uma unidade na militância negra, e a segunda, por
identificar que o combate ao racismo e a melhoria da qualidade de vida dos negros
é característica do movimento ao longo do tempo.
30
Dessa forma, a FNB surge com um discurso sobre as discriminações pelas
quais o negro era submetido, denunciando a desigualdade sofrida pela “Gente
Negra”5, apontando que as oportunidades sociais não eram iguais a todos os
brasileiros. Uma das possíveis soluções entendidas pela FNB era a garantia da
inserção do negro na sociedade como um sujeito de direitos, visando transformar
o status quo econômico e social dessa população, através de uma permanente luta
contra a discriminação. Dessa forma, tal organização teve diversas iniciativas em
prol da educação de seus membros, promovendo a realização de cursos de
alfabetização, a distribuição de materiais didáticos e uniformes. Fato esse
apontado por Gohn (1997, p. 215), como uma característica dos movimentos
sociais na América Latina, pois entrelaçam a “produção de conhecimento e a
elaboração de estratégias políticas”.
Outra estratégia criada pela FNB foi o periódico A Voz da Raça, publicado
no ano de 1933. Um meio próprio de comunicação que visava complementar a
formação de seus militantes. Nele eram veiculadas as normas da instituição, seus
objetivos e convocações para os eventos artísticos, além de informativos sobre
musicais e peças teatrais que fortaleciam as reflexões sobre a vida da população
negra, sua história e cultura. Gomes (2012b, p. 736) ressalta que a produção de
jornais pelos movimentos negros mostra o caráter educativo que esse veículo de
comunicação possuía, “várias matérias vinculavam a ideia da ascensão social do
negro pela via da educação”.
É preciso evidenciar que há um predomínio do senso comum sobre as
escolas públicas nas primeiras décadas da República, considerando-as de
qualidade. Porém, essa característica das escolas do início do século XX era
sustentada por seu caráter excludente. Veiga (2008) aponta que a escola pública
no período imperial era destinada às crianças pobres, negras e mestiças, com o
intuito de civilizar e homogeneizar culturalmente a população, porém esse projeto
falhou devido a inconsistências entre o discurso e as ações governamentais que
consolidassem o ensino público, levando à criação de uma nova proposta escolar
no período republicano. Esse novo formato gerou barreiras no acesso à escola, que
segundo Veiga, passou a ser frequentada majoritariamente por alunos brancos da
elite.
5 Termo utilizado no Estatuto da Frente Negra Brasileira
31
Grupos que se proclamavam democráticos e que buscavam ampliação do
acesso à educação, não incluíram a questão racial em suas reivindicações, como
foi o caso dos Pioneiros da Educação. A carta monumento6 com o título de
“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a reconstrução educacional no
Brasil: ao povo e ao governo”, publicada pelos pioneiros em março de 1932, não
menciona preocupações com a inserção da população negra na escola. Assinada
por vinte e seis representantes da elite intelectual de sua época, esse documento
contou com o ativismo de Fernando de Azevedo, relator do documento, que
mesmo não sendo fruto de coesão ideológica, expôs em sua escrita a preocupação
com um projeto de nação que considerava “como a única via de salvação
nacional” (XAVIER, 1993, p.11). Tal documento é fruto do contexto da época
que não considerava a importância da identidade negra na construção de um ideal
de nação. Fernando de Azevedo e outro signatário, Roquette-Pinto7, outrora
participaram de discussões sobre o projeto de nação pelo viés eugenista,
evidenciando como levaram para o campo educacional influências dessa corrente
científica que vislumbrava na ciência e na modernização os caminhos para o
progresso do país.
Em uma consulta8 às edições do jornal A Voz da Raça, não foi identificada
menção ao Manifesto dos Pioneiros. Isso pode ser entendido como reflexo da
ausência de membros do movimento social negro nesse campo de disputa por
poder político.
De acordo com Pereira (2013) o movimento negro da década de 1930
questionava a organização hierárquica racial no qual a sociedade brasileira estava
estruturada, mas não tinha ações que tivessem perspectiva de transformação desse
cenário. As ações do movimento negro dessa época eram voltadas para uma
inclusão, possuindo, portanto, caráter “assimilacionista” (PEREIRA, 2013, p.
121). Mas podemos realizar uma interpretação distinta da afirmação de Pereira.
Havia inconformismo com o limitado acesso da população negra às escolas. Tanto
Domingues (2008), quanto Gomes (2012b) e Oliveira (2008) afirmam que a FNB
acreditava que através da educação e da cultura, negros e negras poderiam ter
melhores condições de vida, uma perspectiva vigente da época de uma “educação
6 Termo utilizado por Xavier (1993) em sua dissertação de mestrado.
7 Roquette-Pinto foi fundador da Rádio Escola Municipal do Rio de Janeiro, no ano de 1934.
8 Consulta feita ao site Hemeroteca Digital em 10/01/2016.
32
redentora” (LUCKESI, 1990). Esse era o pensamento vigente da época, tanto
visto no Manifesto dos Pioneiros da Educação, como nas ações do movimento
negro.
Porém, Domingues (2008) atenta para o fato de que mesmo quando as
escolas regulares matriculavam alunos negros, muitas delas cometiam atitudes
racistas nas salas de aula, tratando-os discriminadamente. O autor identificou no
jornal A Voz da Raça, críticas quanto aos conteúdos didáticos dessas escolas que
reproduziam o papel do negro na sociedade brasileira de forma estereotipada e
preconceituosa.
Diante desse cenário, a FNB abriu uma escola em sua sede, oferecendo
curso de alfabetização e, posteriormente, incluiu o curso primário. Outras
unidades da entidade, não só no estado de São Paulo, também formaram escolas
ou cursos de alfabetização, idiomas e/ou profissionalizantes. De acordo com
Domingues, uma dessas escolas, a de Muzambinho em Minas Gerais, foi
municipalizada, inspirando outras unidades e entidades a investirem em seus
projetos educacionais.
A crítica ao acesso de negros e negras às escolas regulares e ao conteúdo
ensinado nesses espaços, levou a FNB a desacreditar do potencial de resolução do
racismo por parte do Estado, gerando uma intervenção no campo educacional, ao
criar suas próprias escolas. Esse fato nos leva a compreender que havia sim uma
perspectiva de ação transformadora do movimento negro, mesmo que isso
ocorresse a longo prazo, e através dos bancos escolares. Essa ação crítica não
afrontava diretamente o modelo de educação vigente na época, mas também não
aceitava passivamente a situação em que se encontrava a população negra e o
futuro sem expectativa que se desenhava se não houvesse alternativas.
As escolas da FNB comemoravam alguns eventos de cunho patriótico,
devido ao forte caráter nacionalista da organização. Isso era reflexo da conjuntura
política da época, período em que o sentimento ufanista pulsava forte no país,
influenciado pelos países com regimes autoritários em ascensão. O Brasil,
induzido por essa corrente de pensamento, rechaçava aqueles que não se
alinhavam à ideia de unidade nacional. E nesse momento, a FNB é acusada de não
pertencer à nação brasileira, pois a organização denunciou as desigualdades
vivenciadas pela população negra, abandonando o projeto de democracia racial.
33
Com isso, a FNB precisou afirmar-se como nacionalista, como podemos
verificar em um trecho de seu Hino da Gente Negra Brasileira9:
Os herdeiros dos lauréis
Do trabalho, a ciência, a guerra,
Surgem nobres e fiéis
Pelo amor da Pátria Terra.
São do sangue escravo herdeiros,
De Tupis e de Africanos,
Que, confiantes Brasileiros,
Bradam soberbos e ufanos.
Mesmo sem uma postura que conseguisse subverter a hierarquia racial e
social, a FNB foi prejudicada pelo Estado Novo que mesmo reconhecendo o apoio
que essa instituição dera ao governo Vargas, acabou sendo proibida de continuar
suas atividades no ano de 1937, devido à lei que declarava todos os partidos
ilegais, encerrando seu funcionamento.
2.2. Os movimentos pedagógicos do TEN e do MNU
Já no ano de 1944, outro coletivo do movimento negro foi fundado por
Abdias do Nascimento, o Teatro Experimental do Negro (TEN). Nascimento
(2004, p. 210) idealizou a criação do TEN ao retornar de uma viagem pela
América Latina com um grupo de poetas brasileiros e argentinos, nos anos de
1940 e 1941, ao assistir uma peça em que o protagonista deveria ser negro, atores
brancos eram pintados para que pudessem interpretá-lo.
Ao fim do espetáculo, tinha chegado a uma determinação: no meu regresso ao
Brasil, criaria um organismo teatral aberto ao protagonismo do negro, onde ele
ascendesse da condição adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias
que representasse. Antes de uma reivindicação ou um protesto, compreendi a
mudança pretendida na minha ação futura como a defesa da verdade cultural do
Brasil e uma contribuição ao humanismo que respeita todos os homens e as
diversas culturas com suas respectivas essencialidades.
Dessa forma, Nascimento viu a necessidade da representação negra,
apresentando negros e negras como sujeitos atuantes no mundo das artes e da
sociedade brasileira como um todo. Portanto, um dos principais objetivos do TEN
era formar atores, diretores e todos os profissionais negros que pudessem trabalhar
9 Periódico A voz da Raça. São Paulo, ano I, n. 8, maio, p. 3, 1933.
34
no teatro para que essa representação acontecesse10
. Aliada a essa iniciativa de
valorização da identidade negra havia também a perspectiva de se fazer uma nova
leitura da história e cultura afro-brasileira com as peças encenadas.
O Teatro Experimental do Negro também teve jornal próprio, Quilombo,
com edições publicadas entre os anos de 1948 e 1950. Esse meio de comunicação
veiculava matérias que discutiam a igualdade racial no Brasil e a necessidade de
se combater a discriminação e o racismo por meio de uma legislação.
A dissertação de Ceva (2006) aponta o caráter pedagógico do Teatro
Experimental do Negro que utilizava diversas estratégias para ensinar a
importância do resgate histórico do negro na sociedade brasileira e conscientizar
seus participantes da necessidade da autoafirmação de sua identidade. Nascimento
acreditava que por meio da educação era possível lutar contra o racismo e
combater a exclusão social do negro. O TEN defendia, portanto, que todos os
negros tivessem acesso gratuito à educação em todos os graus de formação e em
todas as instituições, sendo elas públicas ou privadas. Isso pode ser verificado no
programa11
da organização, o qual indica o seguinte objetivo
3 – Lutar para que enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus,
sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os
estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país,
inclusive nos estabelecimentos militares;
Grandes eventos foram realizados pelo TEN, como a I e a II Convenção
Nacional do Negro em 1945 e 1946 e o I Congresso do Negro Brasileiro 1950. O
Congresso, realizado na cidade do Rio de Janeiro, tinha a proposta de aprovar
medidas concretas de combate ao racismo. Recebeu artigos científicos com
relação aos estudos do negro trazendo novas perspectivas sobre a realidade da
população negra. Esses eventos tinham como prioridade discussões sobre a
melhoria de vida da “gente de cor”12
.
Entendendo a força da imagem e da representação negra em uma sociedade
em que não lhe proporciona visibilidade, o TEN promoveu concursos de beleza,
“Rainhas das Mulatas” e “Boneca de Pixe”, que funcionavam como valorização e
fortalecimento da identidade negra, mas também como crítica aos concursos de
10
A primeira peça encenada foi O imperador Jones, de Eugene O´Neill, em 8 de maio de 1945, no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 11
Jornal Quilombo, edição 5, de janeiro de 1950, p. 3 12
Termo utilizado na matéria do jornal Quilombo, em edição nº5, de janeiro de 1950, p. 1.
35
Miss que não estimulavam a participação de mulheres negras e divulgavam a
estética branca como símbolo de beleza desejável.
A representação do corpo negro fazia parte de uma das estratégias
pedagógicas do TEN. A partir dessa estratégia, a presença dos negros e negras na
sociedade brasileira era discutida e novas perspectivas históricas e de participação
social desses sujeitos eram reivindicadas. Dessa forma, o TEN ajudou a fortalecer
positivamente a imagem dos negros através das peças teatrais, do jornal próprio,
dos concursos de beleza que promoveu e por meio dos congressos que organizou.
As dificuldades financeiras, a falta de uma sede própria e o golpe civil-
militar na década de 1960, que obrigou Abdias do Nascimento a se exilar nos
Estados Unidos às vésperas da promulgação do Ato Institucional 5, fizeram com
que as atividades do Teatro Experimental do Negro fossem findadas.
A reorganização política no Brasil só aconteceu no final dos anos de 1970.
O Movimento Unificado Contra a Discriminação Étnico-Racial teve sua origem
no ano de 1978, renomeado em 1979 como Movimento Negro Unificado (MNU),
tendo como um de seus fundadores Abdias Nascimento. Domingues (2007) atenta
para o fato de que nesse período o movimento negro estadunidense vivia uma
efervescência com líderes expoentes como Malcom X e Martin Luther King, e que
juntamente com os movimentos de independência de países africanos,
influenciaram a construção de um discurso mais profundo do MNU no combate
ao racismo em nosso país. Discurso esse que se articulava com as concepções de
classes devido às leituras marxistas.
O MNU reunia diversos grupos negros cujos objetivos eram organizar
politicamente seus pares, lutar contra o racismo e a exploração da classe
trabalhadora e conquistar a inclusão da História da África e do Negro Brasileiro
nos currículos escolares. Esse movimento foi responsável pela ressignificação de
símbolos negros e releituras histórica, estética e religiosa. Domingues (2007, p.
115) descreve
O culto da Mãe Preta, visto como símbolo da passividade do negro, passou a ser
execrado. O 13 de Maio, dia de comemoração festiva da abolição da escravatura,
transformou-se em Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. A data de
celebração do MNU passou a ser o 20 de novembro (presumível dia da morte de
Zumbi dos Palmares), a qual foi eleita como Dia Nacional de Consciência Negra.
Zumbi, aliás, foi escolhido como símbolo da resistência à opressão racial.
36
A década de 1980 no Brasil constituiu-se como um período de grandes
disputas políticas devido à transição lenta e gradual do regime civil-militar para o
democrático. Configurou-se ainda como marco dessa época as discussões sobre a
nova Constituição, que seria aprovada em 1988, cuja redação apresentaria a
conquista ideológica das forças em concorrência no momento. Diante desse
quadro, o MNU organizou a Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, em
Brasília, no ano de 1986, fruto de reuniões regionais ocorridas anteriormente. A
carta13
que resulta desse congresso possui 10 pontos (I- Direitos e Garantias
individuais; II- Violência policial; III- Condições de vida e saúde; IV- Mulher; V-
Menor; VI- Educação; VII- Cultura; VIII- Trabalho; IX- Questão da terra; X-
Relações internacionais) que apresentam as propostas de um grupo que
concentrava 63 entidades de 16 estados. Destacamos o ponto sobre a educação o
qual trata da diversidade, exigindo respeito a todas as culturas. Exige também a
obrigatoriedade do ensino da História da África e da História do Negro no Brasil
em todos os graus de ensino.
O MNU registrou em cartório o documento de sua Convenção, mesmo com
a perspectiva de que não seriam atendidos em suas reivindicações na redação final
da Carta Magna. A atuação do MNU vigora até a atualidade.
Diante do que foi exposto, identificamos nas atividades do movimento
negro, a questão pedagógica e política exercida pelas organizações FNB, TEN e
MNU, que visavam formar seus pares por meio de periódicos negros, congressos,
peças teatrais e outras ações. Destacamos que as iniciativas para inclusão da
população negra nos bancos escolares foram cada vez mais precisas ao longo dos
anos.
O olhar sobre o histórico do movimento negro, mesmo que nesse trabalho
tenha sido pontual, ressalta o seu papel de protagonista que desde a primeira
metade do século XX, denuncia a inexistência da democracia racial no país, o qual
só reconheceu a necessidade de reparação, oficialmente, na conferência de Durban
em 2001. A lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história da África e
da cultura afro-brasileira nas escolas, é fruto de décadas de atuação dos
movimentos sociais negros.
13
Documento disponível em: http://www.instituobuzios.org.br. Consulta feita em 10/04/2015.
37
2.3. Lei 10.639/03 como consequência de uma luta histórica
No ano de 2001, cerca de 170 países enviaram seus representantes para
participarem da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Durban, na qual a
escravidão foi reconhecida como o maior crime contra a humanidade. As
discussões dessa Conferência tinham como uma das pautas principais questões
sobre como deveriam ser as reparações pelos crimes originados pela diáspora
africana. Ao final de intensas e controversas discussões foram aprovadas a
Declaração e o Plano de Ação, os quais exigiam que os Estados que lucraram com
o sistema escravista deveriam buscar mecanismos para combater o racismo e a
intolerância, ainda presentes na atualidade. Algumas das recomendações feitas nos
referidos documentos de Durban, tratam da necessidade de equiparação do
número de negros e negras em diferentes setores e cargos da sociedade e o
desenvolvimento de políticas para aqueles que são vítimas de racismo e
discriminação. O Brasil, como um dos signatários da redação final dos
documentos da Conferência, comprometeu-se a criar políticas afirmativas que
envolvessem diversas áreas, como educação, mercado de trabalho e mídia.
Em 2003 foi promulgada a Lei Federal 10.639 que alterou a Lei Federal
9.394/96 - que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional - tornando
obrigatório o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira em toda a
rede de ensino fundamental e médio do Brasil. De acordo com Gomes (2012),
algumas das reivindicações históricas do movimento negro para a educação têm
sido transformadas em políticas do MEC, leis federais, decisões do Congresso
Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Assinala, ainda, que o Estado brasileiro,
ao reconhecer a imbricação entre desigualdades e diversidade, vem incorporando,
aos poucos, a raça14
de forma ressignificada em algumas de suas ações e políticas,
especialmente na educação. Recorrendo a Gonçalves e Silva (2000), esses
corroboram com o que Gomes expôs, ao argumentarem que a sociedade brasileira
não teria chegado a esse momento se não fosse a histórica atuação do movimento
14
É preciso ressaltar que o termo raça utilizado nessa pesquisa atende às relações sociais entre pretos e brancos, sem ligação com o conceito biológico utilizado por eugenistas no século XVIII.
38
negro. Nesse sentido, a referida lei não só representa o reconhecimento da história
e da cultura negra, mas também, proporciona a criação de novas relações raciais,
as quais possam ser fruto de uma sociedade que afronta e enfrenta o racismo,
construindo uma convivência que respeita a dignidade humana e suas diferentes
expressões de vida. O alcance de um Estado democrático não será atingindo se
não houver a garantia desse reconhecimento e respeito.
Embora a promulgação da lei 10.639/0315
tenha atendido às premissas de
acordos internacionais que exigiram a criação de políticas afirmativas do governo
brasileiro contra o racismo, como o assinado na Conferência de Durban, não
podemos menosprezar o papel do movimento negro na sua trajetória de
reivindicações em prol da eliminação da desigualdade racial, como ressalta
Munanga (2006, p. 53)
Pensar que o Brasil sofre pressões internacionais ou multilaterais para impor as
políticas de cotas é minimizar a própria soberania nacional e ignorar as
reivindicações passadas e presentes do Movimento Negro, que, mesmo sem utilizar
as palavras cota e ação afirmativa, sempre reivindicou políticas específicas que
pudessem reduzir as desigualdades e colocar o negro em pé de igualdade com o
branco.
Portanto, referir-se à promulgação da lei apenas como uma exigência de
acordos assinados internacionalmente incorre em um erro tanto histórico quanto
político.
A lei 10.639/03 alterou os artigos 26-a, 79-a e 79b da Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) do ano de 1996. O primeiro refere-se a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura afro-brasileira em toda rede de ensino fundamental e médio.
Ainda no artigo 26-a, em seus primeiro e segundo parágrafos, há orientações
sobre os conteúdos que devem ser abordados e as disciplinas que
preferencialmente devem trabalha-los, sendo elas: Artes, Literatura e História. O
artigo 79-b trata da inclusão, no calendário escolar, do dia 20 de novembro, como
o dia da “Consciência Negra”.
Tanto o parágrafo terceiro do artigo 26-a quanto o artigo 79-a foram vetados
da redação inicial da Lei. Segundo Silva e Pereira (2013), o primeiro artigo a
sofrer veto dedicava pelo menos dez por cento do conteúdo anual ou semestral,
das disciplinas de História do Brasil e Educação Artística, à temática africana e
15
Vide a redação da lei em anexo.
39
afro-brasileira. Foi retirado da redação final da lei com a justificativa que não era
de interesse público a fixação de um percentual, pois é preciso valorizar as
diversas culturas do país. O segundo mencionava que os cursos de capacitação de
docentes deveriam contar com membros do movimento negro ou de instituições
ligadas ao tema. O veto a esse artigo baseou-se na redação total da LDB que não
se referia em nenhum momento a cursos de formação de professores.
A lei é acompanhada de outros dispositivos legais que complementam e
orientam sua implantação. O Conselho Nacional de Educação (CNE), através da
resolução nº 1, de junho de 2004, estimula a produção de conhecimentos afro-
brasileiros e a elaboração de materiais didáticos em atendimento à Lei 10.639/03.
Estabelece também a inclusão de estudos sobre as questões étnico-raciais nas
instituições de curso superior, principalmente para aquelas que possuem formação
inicial e continuada de professores. O documento prevê ainda pontuação na
avaliação das condições de funcionamento do estabelecimento ao cumprir o que
foi estabelecido nas Diretrizes Curriculares.
O Parecer nº. 3, do ano de 2004, do CNE, apresenta as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que orientam como as
escolas, professores e comunidade devem trabalhar em conjunto para combater o
racismo e promover a reeducação das relações entre os diferentes grupos étnico-
raciais. Com isso, são apontadas possibilidades para a implementação da lei
10.639/03.
Sobre essas Diretrizes, Oliva (2009) tece algumas considerações. O autor
destaca alguns pontos positivos da redação do documento quando se refere à
descrição dos objetivos e temas que devem ser tratados na sala de aula, como os
heróis negros, reinos africanos, lutas de resistência e demais assuntos ligados à
história afro-brasileira. Ressalta que isso não está diretamente relacionado à
inversão de um currículo com foco etnocêntrico para um afrocentrado, pois o que
o texto pontua é a valorização das diferentes concepções de mundo, priorizando o
conhecimento da diversidade cultural. Para Oliva, as Diretrizes indicam
conteúdos que visam romper os estereótipos sobre as sociedades africanas, porém
o autor problematiza essa questão ao afirmar que o texto vincula os estudos
africanos ao estudo da história afro-brasileira. Oliva se posiciona contra essa
tendência que está presente em todos os tópicos, e acredita que o adequado seria
40
uma aproximação à temática da Diáspora africana, mas não de maneira exclusiva,
porque a história da África não começa com a colonização e a história do negro é
anterior a sua chegada ao Brasil.
Com a perspectiva de promover uma educação que respeite as diferenças,
preocupada em não reproduzir estereótipos e raso conhecimento sobre o
continente africano e sobre o legado afro-brasileiro, a lei 10.639/03 e seus
dispositivos legais, que geram condições exequíveis para sua aplicação, reafirmam
o compromisso do Estado em realizar ações afirmativas que combatam o racismo.
Ela garante a produção de conhecimento que por muito tempo esteve distante dos
bancos escolares, ferindo o direito de acesso a uma parte da história que interessa
não apenas aos negros e negras, mas a toda população brasileira.
2.4. A primeira década da aplicabilidade da Lei 10.639/03
No ano de 2016 a promulgação da lei completou 13 anos, e durante esse
período, diversas ações foram tomadas para atender suas exigências. Prêmios
foram destinados para destacar algumas dessas atividades voltadas para a
valorização da identidade negra. Um desses foi a premiação “Orirerê – Cabeças
Iluminadas16
”, promovida pelo Centro Cultural Humaitá que reconheceu projetos
que aplicavam a lei 10.639/03 no Paraná, no ano de 2011, e em âmbito nacional,
em 2012. Os projetos premiados nesses dois anos foram impressos e distribuídos
para escolas do estado.
Os livros didáticos distribuídos pelo Plano Nacional do Livro Didático
(PNLD) sofreram significativas alterações após o ano de 2003. Freitas (2014, p.
388) aponta essa mudança ao analisar os livros didáticos do Ensino Médio do ano
de 2012, ao notar que houve revisão dos referenciais eurocêntricos. A autora
pontua que “a África e os afrodescendentes ganharam maior espaço e
interpretações”, embora tenha identificado a necessidade de maiores avanços e
aprofundamento em alguns temas. A pesquisa de Pacífico e Teixeira (2013)
também tem considerações parecidas. As autoras analisaram um total de 30 livros
do Ensino Fundamental II, aprovados pelo PNLD nos anos de 2006, 2008, 2009 e
2011. Identificaram que nos livros didáticos mais recentes houve maior
16
Site para consulta: <https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/orirere/>
41
preocupação em atender às exigências da Lei 10.639/03. Porém concluem a
análise afirmando que apesar de apresentarem algumas rupturas, os livros ainda
mantêm a hierarquia de cor, não interferindo na desigualdade da relação de poder
social.
A fundamental atuação dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs),
que a partir do artigo 3º, § 4º pela resolução nº 1/2004 do CNE passou a contar
com a estrutura de sistemas e estabelecimentos de ensino, cumpre o papel de
ofertar cursos para a formação inicial e continuada de professores e gestores, além
de elaborar materiais didáticos voltados para as discussões étnico-raciais. Os
NEABs também são referência na produção e divulgação de conhecimentos que
atendem as perspectivas da Lei 10.639/03.
É importante também destacarmos o julgamento realizado pelo Supremo
Tribunal Federal, no ano de 2012, que considerou constitucional a política
afirmativa de cotas étnico-raciais. Embora essa política de reservas de vagas em
universidades não esteja diretamente ligada ao que está expresso na Lei
10.639/03, é válido ressaltar que ambas as ações afirmativas são posteriores à
Conferência de Durban, expressando um amplo movimento em prol da igualdade
racial no âmbito educacional.
Apesar do cenário apresentar boas ações e progressos, ainda existem muitos
obstáculos para o enraizamento da referida lei nas escolas. Acrescentamos aqui
um dado que confrontamos durante a escrita deste tópico: não existem muitos
estudos sobre a avaliação dessa primeira década de aplicabilidade da lei. A
maioria dos trabalhos trata de propostas para a aplicação da 10.639/03, relatos de
projetos e atividades ou discute a importância da mesma para o currículo.
Acreditamos que é preciso avançar mais nas discussões e produzir mais pesquisas
avaliativas, para que possamos elaborar mais estratégias de ação, para assim,
cobrarmos fiscalização do Estado para o cumprimento da legislação.
O Dossiê Relações Étnico-Raciais e Práticas Pedagógicas17
traz os artigos,
resultados de pesquisas empíricas, que discutem algumas problemáticas
encontradas ao avaliarem a primeira década da 10.639/03. Gomes e Jesus (2013)
constataram a falta de uniformização na aplicação da lei nos sistemas de ensino,
pontuando que algumas das escolas observadas estão mais avançadas
17
Educar em revista, n. 47, 2013.
42
apresentando continuidade dos trabalhos com a temática, mas outras estão
caminhando lentamente; Souza e Pereira (2013) identificaram a reprodução de
estereótipos ruins com relação ao continente africano; Santana, Luz e Silva (2013)
apontam a necessidade da formação inicial e continuada de docentes para a
consolidação da temática nas escolas. Esses estudos qualitativos apresentam as
dificuldades para a concretização da lei 10.639/03 e as fragilidades encontradas
para a sua aplicação.
Em um evento sobre os dez anos da promulgação da lei 10.639, Gomes
(2013) relatou que identificou em sua pesquisa, que buscava um balanço da
primeira década da obrigatoriedade dos estudos étnico-raciais na escola, a
realização de trabalhos ou projetos em escolas organizados por um único
professor ou gestor que tinha interesse pela temática, partindo de um impulso
individual ou de um grupo caracterizando esse tipo de ação como sem vínculo
com o currículo. A esse fenômeno Gomes nomeou de “negros em movimento”,
pois esses profissionais envolvidos assumem um compromisso ético e singular
com a aplicabilidade da 10.639/03. A problemática desse fenômeno é que a
continuidade dessas atividades está relacionada à permanência desses indivíduos
nessas instituições. Isso apresenta a fragilidade do enraizamento e apropriação da
lei nesses espaços.
Esse cenário pode ser oriundo da maneira como ocorre a apropriação das
legislações no ambiente escolar. Ball (2002), ao tratar das reformas provocadas
pelas políticas educacionais, afirma que as reformas curriculares provocam não
apenas mudanças estruturais, mas também subjetivas, levando o teor de
transformação aos professores. Nesse sentido, Mainardes (2006, p. 53) argumenta
que durante a implementação das políticas educacionais os educadores e demais
profissionais interferem em sua aplicação
...os professores e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de
interpretação e reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles
pensam e no que acreditam têm implicações para o processo de implementação das
políticas.
A redação das legislações geram interpretações, engajamento, resistências e
conflitos. Lopes (2004) nomeia esse processo de recontextualização, que ocorre
na transferência de políticas do Estado para as escolas.
Portanto, essa pode ser uma explicação para os diferentes estágios de
aplicação da Lei 10.639/03 nas escolas. Porém, é necessário acompanhar o
43
enraizamento nas escolas para não confundir uma recontextualização a não
aplicação da legislação aqui trabalhada. Nesse sentido, traremos no próximo
capítulo como foi construído o objeto estudado na presente pesquisa, a fim de
contribuir com novas possibilidades e ações para uma educação antirracista e de
fato democrática.
44
3 O mural como fonte de investigação
Nesse capítulo destacamos algumas das leituras realizadas durante a revisão
de bibliografia de pesquisa no campo educacional realizadas após a lei 10.639/03
e que levaram à construção do objeto que estudo na presente pesquisa. Propomos
também uma discussão a partir dos teóricos Forquin (1992), Julia (2001) e Viñao
(2002) para entendermos as relações entre as diferentes culturas presentes na
escola. O diálogo também é feito com Freire (2007) e Noguera (2010; 2011;
2012) ao realizarmos considerações sobre uma educação antirracista, que nos
auxiliará na análise da presença da referida lei na cultura escolar.
Procuramos ainda, tratar nesse capítulo, da questão das disputas e tensões na
escola, cenário onde se encontram, numa complexa dinâmica de saberes
concorrentes, através do currículo e evidencia em suas práticas. Nesse sentido,
abordaremos algumas questões sobre currículo oculto (Forquin, 1992) e a inserção
de conhecimentos outros na escola. E por fim, o conceito de espaço e território
proposto por Gomes (2002; 2007), Santos (1999; 2000), Haesbart (2004) e
Cavalcanti (2008), será utilizado para demarcarmos que a própria geografia física
da escola é um lugar de disputas ideológicas.
3.1. Os murais e a questão étnico-racial
Estudar a questão racial nas escolas a partir da investigação da
aplicabilidade de uma lei exigiu um recorte mais preciso sobre o ambiente escolar,
sobretudo, procurando ter atenção a respeito de que maneira a pesquisa seria
realizada. Recorrendo às produções acadêmicas sobre questões raciais na escola
após a promulgação da Lei 10.639/03, encontramos alguns trabalhos que tratavam
a temática por diversas perspectivas, como em Souza e Sodré (2012) que
analisaram livros infanto-juvenis com protagonistas afro-brasileiros e/ou releituras
de contos africanos. A formação inicial e continuada de professores sobre as
45
questões étnico-raciais foi problematizada por Garcia, Silva e Alexandre (2012).
A questão das religiões afro-brasileiras nas escolas é apontada nos artigos de
Quintana (2013) e Oliveira e Rodrigues (2013) apresentados na 36ª Reunião
Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED).
Diante dessas e outras possibilidades de estudo, foram levantadas questões
de como a imagem de negros e negras é representada na escola. Santos e Molina
Neto (2011) oferecem alguns caminhos para reflexão ao apresentarem os
resultados de uma pesquisa empírica feita em 2007 que buscava compreender
como estudantes negros de duas escolas municipais de Porto Alegre interagiam e
ganhavam visibilidade na cultura estudantil e nas aulas de Educação Física. Os
autores identificaram por meio de entrevistas com estudantes autodeclarados
negros e através de registros em diário de campo, que as questões étnico-raciais na
escola não eram debatidas. Tais estudantes tinham dificuldades em encontrar
elementos de identificação nesse espaço institucional. Os pesquisadores ainda
encontraram poucos negros ocupando cargos socialmente prestigiados na escola e
nos materiais curriculares não eram vistos contemplados nos fatos históricos e
heroicos. Santos e Molina Neto (2011) argumentam que as diferenças raciais no
Brasil foram construídas de forma hierárquica gerando relações desiguais de
poder. Desta forma, concluem que o negro foi associado a representações
inferiorizadas, relacionadas a aspectos negativos. Com essa perspectiva histórica e
cultural, o estudo pôde identificar que os alunos negros eram vítimas de insultos e
sofriam racismo no ambiente escolar. Alguns dos relatos apresentados pelos
autores destacam como essa discriminação afetava a autoestima desses alunos,
interferindo até na frequência escolar.
Outro trabalho que nos leva a pensar sobre as relações raciais nas escolas
brasileiras após a vigência da Lei 10.639/03 é a dissertação de Silva (2009). No
estudo, a autora investiga o dia a dia de crianças negras em uma instituição
pública, dando foco no comportamento das crianças, procurando entender como
estas se relacionam com as demais crianças e com os professores, além de buscar
compreender como elas se percebiam e eram percebidas, e ainda, como lidavam
com as situações de conflito.
A autora identificou que as crianças negras da turma em que realizou a
pesquisa eram vítimas de discriminação, tais como: recebiam menos atenção da
46
professora, sentavam no fundo da sala de aula enquanto os alunos brancos
sentavam nas primeiras carteiras, não eram aceitas em alguns grupos da mesma
turma, entre outros.
Esses trabalhos evidenciam como é fundamental pensar as representações
presentes na escola. Representações do cotidiano que reproduzidos pelos sujeitos
do espaço escolar podem trazer elementos que ajudam a refletir como é abordada
a temática étnico-racial naquele ambiente.
O mural escolar é um recurso que apresenta o fim de um processo
pedagógico, no qual são expostos os trabalhos que atingiram os objetivos de uma
determinada proposta. Geralmente são feitos com materiais de baixo custo
financeiro, podendo ser confeccionado com vários materiais, como compensado,
cortiça, azulejos, de forma a permitir sua constante reelaboração. Por meio da
colagem de cartazes, de desenhos, de exposição de trabalhos escolares, de
dobraduras ganha vida através de cores, texturas, mensagens. Podem ser
organizados pelos próprios alunos, por professores, coordenadores ou quaisquer
outros agentes educacionais. Eles são encontrados em corredores, salas de aula,
secretarias, salas dos professores, salas de leitura, refeitórios, laboratórios, enfim,
em diversos ambientes da escola, evidenciando seu papel de transmissor de
informações e de divulgador das produções escolares e de comunicação da escola.
A presença dos murais em diversos espaços e a adequação de sua linguagem
conforme o público ao qual se destina, evidencia a utilização desse recurso
pedagógico no cotidiano escolar como um canal de fluxo comunicacional.
O termo fluxo comunicacional é usado por Calado (1994) que trata as
imagens como uma linguagem, ressaltando que para seu entendimento precisa-se
de uma alfabetização visual, pois o fator sociocultural interfere na interpretação
do que é visto. A autora acrescenta que para a utilização das imagens em contexto
pedagógico, é preciso ter conhecimento prévio do público a que se destina aquela
comunicação e atentar-se à adequação do espaço físico (iluminação, distância...) e
o tempo da exposição para a apreensão do sentido da mensagem. Esse fluxo pode
ser identificado nos trabalhos expostos nos murais, espaço físico adequado para
esse fim, sua localização que interfere no tipo de comunicação que carregará e a
relação de brevidade que geralmente possuem. Para isso, foram identificados
nessa pesquisa três funções dos murais: acolher, informar e divulgar trabalhos.
47
Essas funções dependem da localização em que esse recurso está situado no
espaço escolar.
Pode-se dizer que o mural expressa uma narrativa visual construída na
escola para a sua comunicação interna, e assim, sintetiza nas imagens, textos e
outros elementos, um discurso a partir do conjunto de informações que por sua
vez, vão elaborando um panorama dos diferentes universos simbólicos que
povoam o rico espaço escolar. Por não ser um recurso obrigatório, mas que está
presente nas escolas, o mural constitui-se em um recurso midiático que permite o
diálogo entre os diferentes sujeitos daquele ambiente.
Os murais cumprem o papel de divulgador dos trabalhos escolares,
produzidos por alunos e docentes, possibilitando a circularidade das produções
para além da sala de aula. Desta forma, esse recurso pedagógico constitui-se em
um canal de comunicação com os diversos públicos que circulam a escola.
A localização dos murais no espaço escolar revela as distintas funções desse
recurso e qual o público que se destina a informação nele fixada. A composição e
a área que ocupa na escola apresentam as estratégias de comunicação dominadas
pelos agentes educativos que elaboram a organização desse recurso.
Outro ponto que destacamos, refere-se a uma característica dos trabalhos
expostos nos murais, que é a não garantia de sua memória. A montagem dos
murais gira em torno de uma composição que geralmente é temporária, devendo
ser substituída por novas atividades. Esse caráter provisório compromete o
arquivamento da maneira que foi elaborado, sem preocupações com seu registro.
Essa não é uma particularidade dessa produção escolar. Julia (2001) ressalta que a
conservação de exercícios escolares é pouco convencional, ou por descrédito, ou
por mera falta de espaço para arquivo.
Além disso, esse recurso pedagógico é expressão de uma prática pedagógica
determinada. A intencionalidade pedagógica se manifesta nas seleções de
imagens, textos e conteúdos, a comunicação e a linguagem usada para a mesma,
também endossam ênfases e destaques de certa perspectiva pedagógica. Ou seja,
as construções das narrativas visuais e textuais de um mural não são isentos de
intencionalidades e agenciamentos pedagógicos. O mural funciona muitas vezes,
como um coautor do discurso docente, ou até mesmo como um legitimador do que
é considerado relevante para aquela determinada comunidade escolar.
48
No documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana há uma citação que ressalta a importância do trabalho com imagens e
representações no ambiente escolar
Inclusão de personagens negros, assim como grupos étnicos-raciais, em cartazes e
outras ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar
de manifestações culturais próprias, ainda que não exclusivas, de um determinado
grupo étnico-racial (BRASIL, 2004, p. 24).
Essa preocupação com a representação de personagens negros não apenas
nos trabalhos escolares propõe a expressão da diversidade cultural e racial,
proporcionando uma visão ampliada e crítica dos estudantes. Identificamos nos
murais o potencial para atender à orientação da referida Diretriz.
Embora os murais não estejam regulamentados em documentos oficias,
informando sobre sua obrigatoriedade ou sobre a sua utilização pedagógica, sua
presença e confecção regular evidenciam como esse recurso faz parte da cultura
escolar. Por ser um conceito abrangente que promove discussões sobre diversas
perspectivas da educação, trataremos o conceito de cultura escolar a partir da
abordagem de alguns teóricos do campo da História da Educação que nos ajudam
a refletir sobre as práticas escolares. Viñao (2002, p. 73) define
La cultura escolar, así entendida, estaría constituida por un conjunto de teorías,
ideias, principio, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos y práticas (formas de
hacer y pensar, mentalidades y comportamentos) sedimentadas a largo del tempo
em forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas en entredicho,
y compartidas por sus actores, en el seno de las instituciones educativas .
Julia (2001) prioriza sua análise sobre a cultura escolar, a partir da
observação das práticas escolares. O autor defende que o estudo dessas práticas
não deve perde espaço para o estudo dos textos normativos, como
tradicionalmente ocorre. A observação das práticas auxilia na compreensão da
influência de uma alteração normativa nas escolas, da coexistência das novas e
antigas regulações. Dessa forma, o autor formula a ideia de que a cultura escolar é
formada de tensões, que variam de acordo com o seu contexto histórico e
temporal. Julia (2011, p. 10-11) define
poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem
conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar
segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de
socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o
49
corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e,
portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua
aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores.
Já Forquin (1992), um teórico crítico do currículo, entende que a cultura
escolar envolve a seleção de conteúdos decorrentes de fatos sociais, políticos e
ideológicos, observando que existe um trabalho de reinterpretação e reavaliação
contínua do que deve ser conservado, ao lado de um movimento de esquecimento
de parcelas da experiência humana. Esse movimento desenvolve-se através da
seleção dos conteúdos considerados importantes para a transmissão da cultura.
Porém, Forquin não reduz a escola a um mero reprodutor de saberes sociais. O
autor considera que a cultura escolar é o resultado da transformação de uma
cultura geral, evidenciando o potencial da escola como geradora de novos
conhecimentos.
A cultura escolar apresenta-se assim como uma 'cultura segunda' com relação à
cultura de criação ou de invenção, uma cultura derivada e transposta, subordinada
inteiramente a uma função de mediação didática e determinada pelos imperativos
decorrentes desta função, como se vê através destes produtos e destes instrumentos
característicos constituídos pelos programas e instruções oficiais, manuais e
materiais didáticos, temas de deveres e de exercícios, controles, notas
classificações e outras formas propriamente escolares de recompensas e sanções
(1992, p. 33 e 34).
Forquin reconhece que esses saberes não emergem sem conflitos e tensões
que disputam a legitimidade institucional. Essa dimensão pressupõe a construção
de um conhecimento que recebe a influência de diferentes saberes, identificando
na escola a presença de conteúdos que são formados e sustentados por uma
hegemonia e conhecimentos e experiências que são frutos de outras culturas.
3.2. Território e espaço escolar
A exposição de uma produção escolar que apresenta a apropriação da Lei
10.639/03 fora da sala de aula levou-nos à reflexão sobre territórios em disputa na
escola. Tanto Arroyo (2011) quanto Miranda (2013) levantam discussões sobre o
currículo como espaço de disputas, as quais evidenciam relações de poder dentro
da escola. Arroyo traz a ideia da não neutralidade do currículo e Miranda aponta
as novas cartografias a partir de um currículo crítico. Tendo em mente esse
entendimento sobre as tensões no ambiente escolar e nos apoiando, para a
construção conceitual, nas categorias espaciais da geografia política, podemos
50
formular a ideia de um território que expressa representações de uma ideologia
dominante. Cavalcanti (2008, p. 18) elabora que a geografia possui uma dinâmica
que viabiliza a utilização de seus conceitos em diversas áreas, dessa forma
O espaço como objeto de análise geográfica é concebido não como aquele da
experiência empírica, não como um objeto em si mesmo, a ser descrito
pormenorizadamente, mas sim como uma abstração, uma construção teórica, uma
categoria de análise que permite apreender a dimensão da espacialidade das/nas
coisas do mundo. O espaço geográfico é, desse modo, concebido e construído
intelectualmente como um produto social e histórico, que se constitui em
ferramenta que se constitui em ferramenta que permite analisar a realidade em sua
dimensão material e em sua representação.
Gomes (2002) considera que os espaços e a disposição dos objetos possuem
uma dinâmica que dialoga com as práticas sociais, dessa forma, salienta que é
necessário "examinar o espaço como um texto, onde formas são portadoras de
significados e sentidos" (GOMES, 1997, p.38). Já a ideia de território, pensada a
partir da concepção de Santos (1999), expressa uma ou várias delimitações dentro
de um espaço, que é flexível, e evidencia as relações de poder e conflitos sociais.
Ainda sobre território, Haesbaert (2004, p. 95-96) afirma que essa categoria pode
ser utilizada como uma apropriação “cultural-simbólica”. Santos (2000, p. 96)
complementa
O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas
naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o
chão e mais, a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas
materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi.
Cavalcanti (2008, p. 53-54) corrobora com os autores supracitados no que
tange o conceito de território
O território é considerado como campo de força, de múltiplas escalas, produzido
por meio da apropriação e da ocupação de um espaço por um agente, que pode ser
o Estado, uma empresa, um grupo social ou um indivíduo. Em diversos graus,
portanto, em momentos diferentes e em lugares variados, somos todos agentes do
território, estabelecemos limites entre nós e outros, entre o nosso e o de outros;
todos nós elaboramos estratégias de apropriação e uso dos territórios. Além disso, a
constituição do território, como relação social projetada no espaço, pode dar-se por
longo tempo ou por apenas poucos minutos, tornando-o regular ou periódico ,
estável ou instável, flexível ou inflexível.
Trazendo essas categorias para pensarmos o objeto dessa pesquisa, temos a
escola como o espaço das manifestações culturais e das práticas pedagógicas, e o
mural como um território que expressa as relações de poder de uma ideologia
hegemônica, mas que pode ser alterado, apresentando as disputas e as
51
representações sociais, a partir de suas imagens e conteúdos. Os locais em que se
encontram conferem maior ou menor visibilidade à produção de um grupo ou aos
assuntos institucionais. Isso pode apresentar as hierarquias e prioridades que
promovem ou omitem as temáticas exploradas e os destaques merecidos.
Pensar os saberes presentes na escola, frutos dessa disputa de saberes, nos
leva a refletir sobre quais valores estão presentes conscientemente, ou não, no
ambiente escolar. Essa reflexão está para além de uma seleção racional, sobre a
qual Forquin (1993, p. 23) anuncia
O “currículo oculto” designará estas coisas que se aprendem na escola (saberes,
competência, representações, papéis, valores) sem jamais figurar nos programas
oficiais ou explícitos, seja porque elas realçam uma “programação ideológica”
tanto mais imperiosa quanto mais ela é oculta (como o sugerem por exemplo as
abordagens “críticas radicais” como as de Illich ou dos teóricos da “reprodução”),
seja porque elas escapam, ao contrário, a todo controle institucional e cristalizam-
se como saberes como saberes práticos, receitas de “sobrevivência” ou valores de
contestação florescendo nos interstícios ou zonas sombrias do currículo oficial.
A noção de currículo oculto expressa por Forquin nos leva a entender que
nem tudo o que está presente na escola é explícito. Os conhecimentos tidos como
globais são perspectivas de uma ideologia dominante, que se revela a partir de
uma hierarquia de poderes sociais, refletidas na escola. Para Sodré (2002, p. 18)
Cultura, nessa visão, se limita ao que está presente nos monumentos do passado, é
o que está presente nos arquivos, é o que permitiu a construção dos edifícios, a
formação de riquezas... Isso também é cultura, mas é uma visão de cultura apenas
como patrimônio, um bem, um bem patrimonial, sua materialidade está nos
manuais escolares, nos ministérios, em tudo aquilo que o Estado se sente capaz de
administrar. No entanto, esse patrimônio só é patrimônio, porque entende cultura
como o que resulta de um valor global, de valor universal que é o valor
cristalizado, no modo como os europeus vivem e pensam. Tanto a cultura como o
patrimônio, gerida pelo Estado, é valor porque trata de uma coisa que cristaliza,
que corporifica o que a Europa produziu, o que a Europa é.
Nesse mesmo sentido, Noguera (2011) critica a produção de conhecimento
baseada em uma centralidade europeia. O autor formula novos conceitos, como:
movimentos e coreografias, com objetivo de proporcionar uma visão crítica da
cultura a partir de uma filosofia afroperspectivista. O autor define que
A afroperspectividade consiste numa série de perspectivas de matriz africana.
Matriz africana deve ser entendida aqui como uma expressão “plural”, isto é, ela
designa um conjunto de africanidades, nunca se trata de uma homogeneidade
mítica. Porém, se trata de um rico campo de imanência, vasto e múltiplo,
agregando vozes polifônicas numa roda de dimensões indetermináveis (p. 9).
O autor se baseia na interculturalidade crítica defendida por estudiosos
decoloniais que evidenciam a história de povos subalternizados da América Latina
52
e Caribe em prol do resgate de suas epistemologias, propondo a transformação
estrutural da sociedade cuja construção é baseada no sistema de dominação
colonial. A noção afroperspectivista elaborada por Noguera (2012) visa a
construção de uma “educação pluriversal” que marca “o respeito às diferenças
exige a diversidade de narrativas, de lógicas e epistemologias no currículo” (p.
62).
Essa influência que diz respeito à diversidade e ao reconhecimento de outras
epistemologias, podemos relacionar com o que Freire (2007) chama de autonomia
do ser do educando. Esse conceito refere-se diretamente às práticas educativas e
éticas dos professores, pois o autor entende que o docente deve fornecer
ferramentas para que o aluno seja capaz de transgredir, de ultrapassar as fronteiras
do conhecimento que lhe foi apresentado. Freire enfatiza
Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas, ou históricas ou
filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos
homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer
discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a
força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre
outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeitar
à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo
coerente com este saber (p. 60-61).
O diálogo entre a prática e a reflexão crítica do conhecimento é o que
tentamos expressar na realização da presente pesquisa. Não existe neutralidade na
educação, como também formula Freire (2007), sendo o seu ato de ensinar
político pedagógico. Portanto, é um comprometimento com uma educação
democrática desvendar o currículo oculto na escola e revelar as disputas dos
territórios existentes nesse espaço do saber, e mais ainda, refletir e buscar ações
para que ocorram transformações. Os murais apresentam como um dos territórios
possíveis nos quais essas disputas se evidenciam e podem ser utilizados como
reflexo da diversidade étnico-racial.
53
4 Conhecendo o campo de pesquisa
O presente capítulo abordar os pressupostos metodológicos da pesquisa,
apresentando o cenário de estudo, os procedimentos realizados, as justificativas
das escolhas metodológicas e o resultado parcial das coletas de dados. Dessa
forma, é ainda apresentado nesse capítulo a entrada em campo, os sujeitos de
pesquisa, bem como uma análise dos documentos normativos de cada escola.
4.1. Pequena África, educação e compromisso sociocultural
A rede de ensino sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ) possui mais de 650 mil alunos e 40 mil
docentes18
. Diante dessa gama de possibilidades de sujeitos e espaços para
investigação, a escolha das escolas foi feita a partir da busca de instituições que
pudessem apresentar possíveis relações com as histórias das comunidades locais, e
que tivessem como referência a exaltação da resistência negra, sua herança
cultural e religiosa. A partir desse critério, o local escolhido com potencial para
atender a proposta da pesquisa foi a região do Centro da cidade do Rio de Janeiro
conhecida como a Pequena África, que compreende os bairros Gamboa, Saúde,
Praça Mauá, Cidade Nova e um trecho de São Cristóvão.
No final do século XVIII e início do século XIX, nessa região, cerca de 1
milhão19
de negros escravizados vindos da África desembarcaram no Cais do
Valongo, zona portuária da cidade, que em seguida eram comercializados no
mercado do Valongo. Havia grande fluxo desses homens, mulheres e crianças que
deixaram fortes marcas de suas culturas nesse local. Além dessa ligação com a
Diáspora africana, que expõe o Rio de Janeiro como o maior importador de mão
de obra negra, há uma gama de saberes e culturas na região, marcas da resistência
18
Dados extraídos do website oficial da SME, disponível em:< http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/>. Consultado em 05/02/16. 19
De acordo com dados do website <http://slavevoyages.org>
54
que constituiu essa cidade, que ainda é pouco explorada pela historiografia oficial.
Outros fluxos também contribuíram para a concentração de negros e negras na
região, mais precisamente próximo à Praça Onze, berço do samba. Vianna (2005)
aponta que a reforma urbanística no início do século XX, realizada pelo prefeito
Pereira Passos, foi um verdadeiro “bota-abaixo” demolindo casas e cortiços na
área da Avenida Central, hoje conhecida como Avenida Rio Branco, deixando 14
mil desabrigados, segundo o autor. Essa ação levou a ocupação de morros
próximos. Vianna acrescenta que a ocupação desses morros foi iniciada anos antes
por ex-combatentes da Guerra de Canudos.
O estudo da história da Pequena África também revela a relação da cidade
com a religiosidade afro-brasileira, a música e a luta pela sobrevivência de uma
população que vivia no limiar da ilegalidade, em um período que práticas culturais
não ocidentais e a pobreza eram criminalizadas pelo estado. Chalhoub (2001, p.
148) descreve qual era o papel desse poder autoritário
O controle social numa sociedade capitalista procura abarcar todas as esferas da
vida, todas as situações possíveis do cotidiano: este controle se exerce desde a
tentativa do estabelecimento da disciplina rígida do espaço e do tempo na situação
de trabalho até a tentativa de normatizar ou regular as relações de amor e de
família, passando nos interstícios, pela vigilância e repressão contínuas dos
aparatos jurídico e policial.
Tia Ciata vivenciou essa vigilância por fazer parte do perfil marginalizado
nos finais do século XIX. Negra, baiana, chegou ao Rio de Janeiro no ano de
1876. Em sua casa eram realizadas festas para santos do candomblé que acabavam
se transformando em encontros musicais. O próprio nome, Pequena África, foi
cunhado por Heitor dos Prazeres20
, um dos frequentadores da casa de Tia Ciata.
As reuniões promovidas pela quituteira baiana não eram bem aceitas pelas
autoridades, como descreve Moura (1995, p. 144)
Havia na época muita atenção da polícia às reuniões dos negros: tanto o samba
como o candomblé seriam objetos de contínua perseguição, vistos como coisas
perigosas, como marcas primitivas que deveriam ser necessariamente extintas, para
que o ex-escravo se tornasse parceiro subalterno ‘que pega no pesado’ de uma
sociedade que hierarquiza sua multiculturalidade. Quanto às festas, que se tornam
tradicionais na casa de Ciata, a respeitabilidade do marido, funcionário público
depois ligado à própria polícia como burocrata, garante o espaço que, livre das
batidas, se configura como local privilegiado para as reuniões. Um local de
afirmação do negro onde se desenrolam atividades coletivas tanto de trabalho –
20
Músico, compositor, artista plástico carioca que teve destaque na primeira metade do século XX.
55
uma órbita do permitido apesar da atipicidade de atividades organizadas fora dos
modelos da rotina fabril – quanto de candomblé, e se brincava, tocava, dançava,
conversava e organizava.
As questões sociais apontadas por Moura no início do século XX não estão
distantes da realidade que a região ainda vive nos dias atuais. Como ambulante,
Tia Ciata também trabalhava sobre a inconstância de um sistema higienista e
burocrático que não legitimava sua forma de subsistência.
Mattos, Abreu e Guran (2014) tratam da importância dos locais de memória
como um patrimônio da história pública dos africanos. Os autores discorrem sobre
o trabalho que realizaram em 2011, no qual catalogaram cem lugares do Brasil
que tiveram forte presença de africanos no período de Diáspora. Nesse projeto
intitulado de “Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de
Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil” os autores
argumentam que os aspectos culturais da diáspora africana são quase inexistentes
na memória pública. Apontam duas possíveis causas para isso: primeira, a
vergonha gerada pelas atividades negreiras, deslegitimadas no Ocidente, e a
segunda, o silêncio e a discriminação que levaram a convivência social dos ex-
escravos e escravocratas. Dessa forma, os autores justificam o porquê de se visitar
esses locais históricos:
A estratégia de dar visibilidade a estes temas através da visitação dos locais de
memória não só consolidava novas formas de rememoração, para públicos que
desconheciam ou se recusavam a falar desse passado, mas também abria caminhos
de sustentabilidade para os grupos que sofriam o peso do estigma de serem
descendentes dos antigos escravizados. (MATTOS, ABREU, GRURAN, 2014, p.
258)
Assim, a escolha das escolas nessa pesquisa baseou-se no arcabouço
histórico da Pequena África, entendendo-a como um elo possível entre as escolas
e a cultura local, simbolizado pelo patrimônio material e imaterial afro-brasileiro
da região, potencializando a aplicação da lei 10.639/03. Sobre patrimônio é
utilizado no presente trabalho a definição de Ferreira (2006, p. 79) que ao dissertar
sobre o assunto afirma que
... o patrimônio pode ser compreendido como esse esforço constante de resguardar
o passado no futuro; e para que exista patrimônio é necessário que ele seja
reconhecido, eleito, que lhe seja conferido valor, o que se dá no âmbito das
relações sociais e simbólicas que são tecidas ao redor do objeto ou do evento em si.
Dessa forma, buscou-se durante a pesquisa de campo um diálogo entre
patrimônio histórico e as escolas, o qual estivesse presente e representado através
56
das imagens e/ou da fala dos docentes a apropriação da história local, fator
ululante para a construção da identidade.
Para corroborar com a discussão sobre a relação da escola com a história de
sua comunidade, destaco um trecho das Diretrizes para a Educação Étnico-Racial
(2004, p. 18) que trata desse tema
... aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de acabar
com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e
de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que,
no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos
de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades
implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde
esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes
e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que
participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras,
fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de desempenhar-se em áreas de
competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes
níveis de formação.
4.2. O contato com as escolas: primeiras impressões
A inserção no campo foi realizada com as devidas autorizações buscando
acompanhar todas as orientações para garantir a realização da pesquisa dentro das
exigências. Após a entrega ao Comitê de Ética da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) do projeto de pesquisa, no mês de fevereiro
de 2015, juntamente com a primeira versão do roteiro de entrevistas e o termo de
consentimento foi necessário aguardar a avaliação e aprovação para prosseguir
com o trabalho. A resposta definitiva só foi liberada no final de abril do mesmo
ano.
A partir da autorização da continuidade da pesquisa a documentação foi
entregue à SME-RJ. Após algumas trocas de e-mails solicitando mais detalhes
sobre o trabalho, recebi resposta positiva no parecer da SME-RJ no final do mês
de junho. Por fim, foi necessário comparecer à 1ª Coordenadoria Regional de
Educação (CRE) para solicitar carta de autorização que seria apresentada nas
escolas. Por isso, apenas ao final de todo trâmite legal é que foi possível começar
a pesquisa de campo, o que aconteceu de fato no mês de agosto, após o recesso de
julho.
Embora a presente pesquisa não tenha por objetivo a realização de um
estudo etnográfico, algumas impressões e informações coletadas no campo serão
apontadas para posterior triangulação e análise dos dados, compondo o aspecto
57
descritivo da pesquisa aqui apresentada. Como pressupostos metodológicos
fundamentais para esse estudo, a coleta de dados foi realizada em três etapas: a
primeira, a partir da observação desses dois ambientes. Como foco de observação
busquei perceber os murais da escola e quais representações se faziam presentes
neles. A partir dessa observação e do contato inicial realizado, fiz a entrevista com
professores e coordenadores, o que constitui a segunda etapa. E por último, a
consulta ao Projeto Político Pedagógico para buscar compreender as relações das
escolas e a lei 10.639/03 no cotidiano escolar, finalizando os procedimentos e o
percurso metodológico desse estudo.
É preciso evidenciar que não fazia parte da presente pesquisa a proposta de
buscar escolas que fossem referências do trabalho com a temática racial, porque a
disposição da mesma era verificar o enraizamento da questão no cotidiano escolar,
já que a lei tem mais de uma década de promulgação e ela é obrigatória em toda a
rede de ensino do país. Portanto, a nossa hipótese inicial é de que todas as escolas
trabalham a lei 10.639/03.
Visando atender o objetivo principal da pesquisa, a observação buscou
identificar se os murais escolares eram utilizados como espaço para a exposição
da representação da diversidade étnico-racial. Assim, as observações começaram
no mês agosto, logo após o período de férias do meio de ano e duraram até o final
do mês de novembro, com uma visita semanal em cada escola. Em um primeiro
momento, foi necessário fazer o reconhecimento do espaço escolar, o que será
descrito na próxima seção. Dessa forma, foram mapeados os murais nos espaços
comuns tanto da Escola A quanto da Escola B21
.
A recepção em cada escola aconteceu de maneira bem distinta, tendo maior
acolhimento e interesse em uma delas, mas para que isso não se torne uma
problemática nesse estudo, compartilho as considerações de Cunha (2014, p. 29)
sobre essa particularidade
... estar na escola e pesquisar o cotidiano escolar exige certos cuidados e um tipo de
atenção especial dos pesquisadores. Cada escola tem uma dinâmica própria, uma
rotina, uma maneira de funcionamento sensível às interferências e a presença de
estranhos. Receber pesquisadores externos com uma proposta de acompanhamento,
interpretação e análise de que se passa nos espaços coletivos exige a construção de
vínculos de confiança sólidos, pois não faz parte da cultura da nossa escola pública
contar com pesquisadores e trabalhar com uma dimensão investigativa das práticas.
21
Para assegurar o sigilo dos sujeitos envolvidos na pesquisa, os nomes das escolas e dos entrevistados foram alterados.
58
Cabe destacar que não foram os professores ou os gestores quem nos convidaram
para ir à escola com uma demanda específica; fomos nós quem nos apresentamos
interessados nas suas experiências.
Acrescento a isso uma informação que pode ter tornado a minha visita às
escolas um fator de sobrecarga para alguns profissionais da educação, gerando por
alguns momentos, sensação de desconforto na minha chegada aos locais da
pesquisa. No mês de julho de 2015, o fim do contrato entre a prefeitura do Rio de
Janeiro e uma empresa terceirizada que prestava serviço de vigilância gerou
transtornos para as escolas municipais, pois essas ficaram sem agentes que
controlavam a portaria22
. Isso acarretou um acúmulo de trabalho, pois professores,
coordenadores e merendeiras precisavam se revezar para atenderem o portão, para
manterem um mínimo de segurança no local. Isso sem dúvida ocasionou um leve
desgaste nessa relação, pois era frequente a necessidade de minha identificação
como pesquisadora quando eu chegava na entrada principal das escolas, pois por
diversas vezes eram pessoas diferentes que estavam nessa função. Essa situação
ocorreu durante todo o segundo semestre daquele ano, período da pesquisa. Mas
esse fato não interferiu no desenvolvimento do trabalho de campo.
Acompanhar uma parte do cotidiano das escolas gera perplexidade diante
das inúmeras tarefas realizadas pelos profissionais da educação. Geralmente era
preciso esperar o término de uma aula para entrevistar os professores, e essa
espera acontecia na secretaria. As coordenadoras pedagógicas solucionavam
conflitos entre alunos, atendiam os pais, preocupavam-se com aqueles que
chegavam reclamando de algum mal-estar, entregavam materiais solicitados por
professores, quase sempre abriam e fechavam o portão e ainda atendiam uma
pesquisadora que fazia anotações sobre suas rotinas.
Acreditamos que relatar isso é importante para compreendermos como os
profissionais que trabalham com a educação pública estão sujeitos ao acúmulo de
funções. O dia a dia nas escolas já impõe uma gama de atividades exaustivas, e
mesmo assim, acabam por realizar outras mais por não haver outra solução
disponível.
Mesmo diante de tal cenário, saliento que a colaboração de todos os
professores e coordenadores foi fundamental para a realização da pesquisa. Todos
22
Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/rio/apos-termino-de-contrato-com-empresa-escolas-municipais-do-rio-estao-sem-porteiros-13246635.html>
59
foram solícitos e disponibilizaram alguns minutos do seu dia para entenderem o
motivo da minha inserção na escola. A contribuição de cada um permitiu o
desenvolvimento do trabalho proposto e a reflexão sobre a realidade escolar.
4.3. O perfil das escolas
As escolas selecionadas para a presente pesquisa estão situadas na região
central da cidade do Rio de Janeiro. A distância entre as escolas é de
aproximadamente 1km. Em torno dessas escolas há intensa movimentação de
pedestres e carros devido ao fato de se situar em uma área de grande fluxo de
meios de transporte que interligam várias regiões do estado. Além disso, possui
um centro comercial popular, conhecido como Saara, que atrai milhares de
pessoas diariamente. Vale lembrar que a região também é polo cultural devido a
grande concentração de museus, bibliotecas, teatros, praças, monumentos e o
sambódromo, passarela que durante o carnaval desfilam escolas de samba que
fazem referência às suas origens, organizado em alas como a da baiana, onde
mulheres estão ornamentadas dançam em homenagem à Tia Ciata. Há também o
Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, criado em
novembro de 2011, que reúne seis dos lugares marcados pela memória da diáspora
africana, que ganhou destaque durante as obras para o evento olímpico de 2016.
A região que é um importante centro econômico também é retrato das
desigualdades sociais. Cercada por morros, favelas e cortiços, lugares que
carecem de serviços básicos de responsabilidade do Estado, expõe os contrastes
da cidade reduzindo a distância temporal do Rio de Janeiro do início da República
e o das primeiras décadas do século XXI. E são os filhos dessa população
marginalizada que compõem a grande maioria da clientela das escolas da Pequena
África.
Ao traçarmos um perfil das instituições pesquisadas, podemos identificar o
desempenho na trajetória dos alunos de acordo com os resultados da Prova Brasil
201323
. A Escola B teve avaliação melhor do que a Escola A, conforme podemos
ver no quadro abaixo
23
Consulta realizada no site <http://qedu.org.br> em 06/02/2016.
60
Quadro 1: Quadro comparativo das escolas pesquisadas
Escola A Escola B
Português 5º ano
37% aprenderam o
adequado
86% aprenderam o
adequado
Português 9º ano
44% aprenderam o
adequado
50% aprenderam o
adequado
Matemática 5º ano
22% aprenderam o
adequado
22% aprenderam o
adequado
Matemática 9º ano
8% aprenderam o
adequado
25% aprenderam o
adequado
Fonte: Consulta de dados disponível em: http://qedu.org.br
Na mesma avaliação, a Escola B destaca-se ao apresentar nota 6.2 nos Anos
Finais do Ensino Fundamental24
, enquanto a Escola A obteve 4.8. Ambas
superaram a média nacional que foi de 4.2. Ao longo do texto serão levantadas
algumas informações sobre as escolas aqui investigadas.
A Escola A possui uma quadra coberta, dois grandes pátios, um descoberto
e o outro coberto no qual se localiza também o refeitório, e apenas um andar onde
estão concentradas as dez salas de aula. Atende alunos do sexto ao nono ano do
Ensino Fundamental e possui duas turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
no período noturno.
Na primeira visita fui recebida pela coordenadora pedagógica da escola. Ao
informa-la que a pesquisa contava com a observação dos murais, análise do PPP e
entrevistas a mesma apresentou-se disponível para colaborar com o trabalho. E
assim aconteceu durante todo o período da pesquisa. O único receio foi quanto à
cópia do PPP que a coordenadora precisou consultar a direção, que liberou apenas
a consulta ao documento no local, na visita seguinte. Ainda no primeiro dia, a
coordenadora pediu para que a professora de Artes me apresentasse a instituição.
Dessa forma, pude identificar os murais escolares em diversos espaços: no pátio,
refeitório, secretaria, salas de aulas, escadas e corredores.
Localizei 15 murais distribuídos entre o pátio, as escadas e o corredor que
liga as salas de aulas. Como a professora de Artes era a principal organizadora
desse recurso pedagógico, ela explicou que colocou nomes de artistas de diversos
segmentos para identificar cada mural, como: Di Cavalcanti, Pixinguinha,
24
Consulta realizada no site <http://ideb.inep.gov.br/resultado> em 06/02/2016.
61
Chiquinha Gonzaga, Machado de Assis, Pablo Picasso, Cecília Meireles, entre
outros.
Figura 1: Mural da Escola A com a identificação “Pablo Picasso”
Fonte: Pitta, 2016
Ainda sobre a Escola A, havia uma divisão desses murais: aqueles que
ficavam no pátio eram organizados, preferencialmente, pela coordenação; os dois
murais que ficavam na escada pertenciam ao grupo do Programa de Educação de
Jovens e Adultos (PEJA). Esses murais foram os únicos que havia negros e negras
nas imagens selecionadas e expostas nos murais; nos corredores do primeiro andar
era liberado para a utilização de qualquer mural pelos professores. Porém, nesse
primeiro contato só havia trabalhos de Artes.
Com o passar do tempo e durante as observações, o número de murais com
a temática negra aumentou consideravelmente. Nesse período acompanhei
dezessete confecções de murais, sendo oito deles atendendo a proposta da lei
estudada na presente dissertação. Embora muitos deles fossem produzidos pelos
professores, podemos ver a preocupação da escola em construir uma resposta para
a temática da pesquisa, conforme trataremos no próximo capítulo.
Durante as visitas foi possível percorrer os corredores da escola livremente.
Em diversos momentos, quando eu chegava à entrada principal da escola ou
enquanto era encaminhada para a sala da coordenação, algum professor ou
62
professora avisava que havia ocorrido alterações nos murais ou que existia planos
para a confecção de novos trabalhos.
Já a estrutura física da Escola B é predial, possuindo cinco andares, mas
nenhum elevador. Possivelmente essa arquitetura tenha influenciado na dinâmica
da escola: os professores possuem salas fixas. São os alunos que trocam de
ambiente entre uma aula e outra.
Essa escola faz parte do Ginásio Experimental Carioca (GEC) desde o ano
de 2011. Esse modelo de ensino conta com um novo formato, o qual enfatiza, ao
menos nessa escola, o uso de novas tecnologias e um material didático voltado
para os objetivos do projeto. A carga horária dos alunos passou para tempo
integral, das 8h as 16h, contando ainda com maior tempo de aula destinado às
aulas de Português, Matemática, Ciências e Inglês. Além disso, outras disciplinas
foram criadas, sendo elas: Projeto de Vida, Protagonismo Juvenil, Estudo dirigido,
e algumas eletivas. Uma das características desse projeto é que os professores
possuem dedicação exclusiva. Na Escola B o ensino tecnológico é valorizado pelo
GEC. A professora P2 informou ter realizado alguns cursos oferecidos pela SME-
RJ voltados para a realização de vídeos curtos e animação. A P2 informou ainda
que produzia trabalhos e em seguida montava as animações, disponibilizando-os
em sua rede social particular.
Todo esse reforço educacional e estrutura organizacional garantiram
destaque da Escola B nas avaliações externas, como na Prova Brasil, garantindo
bons resultados.
No primeiro dia que visitei a escola, falei com a Coordenadora Pedagógica
que me disse que no horário que eu havia chegado, as turmas estavam no recreio,
por isso as salas de aula estavam trancadas. Fui autorizada pela mesma a mapear
os murais nos espaços possíveis naquele momento. No segundo andar encontra-se
a secretaria. Nesse andar encontrei seis murais, sendo quatro deles fixos, com
caráter informacional, destinados à publicação do Grêmio estudantil, Conselho
Escola Comunidade e Secretaria de Educação. Um dos murais tinha o calendário
escolar e recortes de jornal destinados aos jovens. Havia também um quadro com
fotos da participação de alunos em eventos e premiações recebidas. Foi o único
que consegui identificar com a presença do corpo estudantil. Nos terceiro e quarto
andares havia trabalhos dos alunos sobre os 450 anos da cidade do Rio de Janeiro
e sobre as obras pela cidade para receber os jogos olímpicos em meados de 2016.
63
Um fato que foi noticiado pela mídia e que teve repercussão na escola
chamou minha atenção. Em um final de semana do mês de agosto policiais
militares fizeram a apreensão de dezenas de jovens da periferia da cidade
impedindo-os que fossem à praia, sem nenhuma justificativa infracional25
. A
professora de Artes da escola, durante a entrevista, me revelou que os alunos
estavam preocupados devido à criminalização que poderiam sofrer por apenas
frequentarem um dos poucos lazeres gratuitos que a cidade oferece. E isso ficou
evidente em cartazes sobre a temática que ela pediu que seus alunos produzissem.
Mesmos os trabalhos não ganhando destaque nos murais da escola foi importante
perceber a leitura que os estudantes fazem da imagem que a sociedade faz sobre
sua presença em determinados espaços. Os cartazes reproduziam o medo desses
alunos e como os preconceitos racial e social podem fomentar uma violência
simbólica para esses jovens.
4.4. O caminho metodológico
Para iniciarmos a pesquisa era preciso saber sobre a utilização dos murais no
ambiente escolar, um espaço que sofre influência das inovações tecnológicas tão
presentes no cotidiano de jovens e crianças. Esse fato trouxe questões sobre o
caminho metodológico levantado dúvidas se os blogs, páginas virtuais que podem
ser criadas e administradas por qualquer indivíduo, seriam um canal comunicação
ativo entre a escola e sua comunidade. Ao consultarmos as páginas de cada escola,
verificamos que não contavam com regular periodicidade, carecendo de
atualização. O blog da Escola A teve 69 publicações entre maio de 2011 e
setembro de 2015. Já o da Escola B que foi criado em março de 2011, contava o
total de 91 publicações, sendo sua última no mês de janeiro de 2014. Não
realizamos a análise do conteúdo dessa ferramenta digital porque esse recurso não
atendeu as necessidades da pesquisa, dessa maneira, descartamos sua utilização
nesse estudo. Ainda procuramos páginas das escolas em uma conhecida rede
social virtual, mas uma das escolas não possuía perfil.
25
Link da matéria disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/vice/2015/08/1673548-pm-do-rio-impede-adolescentes-da-periferia-de-ir-as-praias-da-zona-sul.shtml>.
64
Demo (2011, p. 20), ao tratar sobre as novas tecnologias na escola,
argumenta que nem todos os professores e alunos possuem acesso ao mundo
virtual ou não foram preparados para utilizarem as informações digitais de
maneira adequada no ambiente educacional. Em contrapartida, acrescenta ainda
que a “fluência tecnológica nem de longe garante capacidade crítica e autocrítica”.
Dessa forma, focamos em acompanhar os trabalhos expostos nos murais,
utilizando o registro fotográfico para acompanhar as mudanças ocorridas durante
o período da pesquisa.
Para a análise foram selecionados os murais que estavam nos espaços
comuns frequentados pelos estudantes, como corredores e pátios. Essa seleção
ocorreu porque era preciso identificar como as imagens presentes nesses murais
podem apresentar afirmativamente a identidade negra a partir da produção dos
docentes e discentes. Nesses espaços os trabalhos eram mais evidentes.
A partir dessa definição, foi possível identificar um ponto em comum entre
as escolas: a conservação dos trabalhos nos murais. Alguns haviam sido
confeccionados no início do ano letivo e permaneceram até o fim do ano. Não
identifiquei rasuras ou depredação em nenhum dos murais das áreas comuns da
escola. E mesmo não tendo muita renovação da produção em alguns, eram poucos
aqueles que ficavam sem nenhum trabalho exposto.
Na Escola B praticamente não ocorreu mudança nos murais. Os que tiveram
significativa mudança de agosto até final de novembro – período da pesquisa de
campo - eram aqueles destinados a informações administrativas como calendário
escolar, grade de horários ou informações de atividades.
Outra opção metodológica foi a de estudar o PPP, partindo do entendimento
que ele é um instrumento que direciona as ações político-pedagógicas da escola,
podendo revelar os diferentes cenários desse ambiente educacional. Esse
documento elenca os objetivos das instituições assim como as propostas para sua
concretização. Sua elaboração define, ou não, a participação de todos os sujeitos
que compõe a escola, determinando prazo para ação e avaliação dos resultados
alcançados. Nele deve constar as características do corpo estudantil e de sua
comunidade, além de projetos e atividades para a solução de seus problemas. Ao
falar sobre o PPP, Veiga (2003, p. 271) faz a seguinte consideração
O projeto político-pedagógico visa à eficácia que deve decorrer da aplicação
técnica do conhecimento. Ele tem o cunho empírico-racional ou político-
65
administrativo. Neste sentido, o projeto político-pedagógico é visto como um
documento programático que reúne as principais ideias, fundamentos, orientações
curriculares e organizacionais de uma instituição educativa ou de um curso.
Com isso, buscamos identificar se a escola contempla o atendimento à Lei
10.639/03 em tal documento, já que o mesmo organiza o trabalho pedagógico das
instituições escolares.
Um dado relevante que foi identificado durante as entrevistas com os
professores foi o não conhecimento do PPP. Embora dois dos dez professores
tenham afirmado sua participação na elaboração do documento, os mesmos
disseram não lembrar o que eles abordavam.
Ter acesso a esse documento não foi uma tarefa fácil. Percebi receio ao me
referir a esse documento nas secretarias das escolas. Ainda antes da autorização da
SME-RJ, tentei solicitar o PPP às escolas para realizar uma consulta prévia dos
perfis das escolas, porém obtive resposta negativa mediante a informação que
aquele era um documento exclusivo e que só após a liberação de instância
superior que poderia ter acesso. Dessa forma, aguardei a autorização para de fato
iniciar a pesquisa de campo.
Durante as observações na Escola A questionei quanto a consulta e
possibilidade de cópia do documento. A coordenadora pedagógica, após entrar em
contato com a direção, disse que eu poderia consultar e fazer anotações, mas que a
cópia não era permitida. Portanto, o acesso foi limitado a um dia de consulta,
impossibilitando um maior aprofundamento das questões que esse documento
poderia levantar no momento de triangulação dos dados durante a escrita da
dissertação.
Seguindo com a descrição do material, na Escola A tive contato com o PPP
elaborado no ano de 2010. A coordenadora não soube informar sobre a elaboração
desse documento porque na época era professora regente e não participou de sua
formulação. Disse que havia intenções em modificá-lo no ano de 2015, mas não
conseguiu dar continuidade à proposta de alterações, pois esse era o seu primeiro
ano no cargo, portanto não tivera tempo o suficiente.
O PPP da Escola A tem o título de “Identidade”26
. Está dividido em quatro
tópicos: turnos, clientela, justificativa e estratégias. No primeiro tópico apresenta a
26
Os termos em aspas se referem a trechos retirados diretamente do PPP consultado.
66
divisão das séries de acordo com os turnos, tendo no período da manhã ,turmas de
5º, 8º e 9º anos, 6º e 7º no turno da tarde e as turmas de PEJA I e II no noturno.
No tópico seguinte inicia seu texto traçando o perfil do público que atende.
A redação do documento afirma que a maioria dos estudantes “mora em
comunidades do entorno da unidade escolar, em abrigos ou em cômodos”.
Informa que existem alunos que são matriculados temporariamente, oriundos dos
circos que são montados no espaço da Praça Onze, “quando o circo vai embora,
abandonam a escola”. Detalha que os alunos do curso da noite, em sua maior
parte, trabalha durante o dia na região do Centro ou da Zona Sul, porém reside “no
subúrbio ou em cidades metropolitanas”.
Na justificativa há informações sobre o título do documento. Nessa seção é
feita a afirmação de que a escola é fonte de conhecimento para a transformação
dos alunos “em cidadãos conscientes de suas origens étnico-sociais e culturas”,
fator que é compreendido como formador de identidade. Para tal, há uma proposta
de empenho da escola em realizar projetos educativos voltados “a promover o
crescimento de todos em relação à compreensão do mundo e da sua participação
na sociedade”. Entende que a forma de conscientização dos futuros cidadãos se
dará por meio de uma “Educação Inclusão” que se dará através da “aceitação das
diferenças individuais”. Essa inclusão é baseada na perspectiva da permanência do
aluno na escola, visando leva-lo à percepção da “importância da Escola em suas
vidas e ao exercício da cidadania”. Esse tópico finaliza afirmando que a proposta
do PPP é formular atividades que possibilitem a construção do “conceito de que a
valorização de cada um é a garantia de um mundo melhor”.
No último tópico chamado de “estratégias”, são listadas atividades tanto
para docentes quanto para discentes. Há a preocupação de estimular a participação
dos professores em oficinas, cursos, seminários. Para os alunos, a tentativa é de
envolvê-los em oficinas, palestras, jogos, campeonatos e aulas passeios. Ainda
nesse tópico o mural é citado, mas não há mais informações sobre como será o
trabalho desenvolvido pela escola com esse recurso pedagógico.
Nas páginas finais estavam anexadas as propostas para as alterações do PPP.
O título já sofreria mudança para “Identidade e diversidade”. Mais uma vez é
levantada a preocupação com a formação do cidadão e que respeito à diversidade
são elementos para construção da identidade nacional. Porém, nessa nova
perspectiva “identidade” acentua a dimensão cívica, sem menção à questão étnico-
67
racial e nem sobre uma possível troca entre a comunidade e a escola. É incluído
como objetivo desse novo projeto aprofundar o conhecimento sobre o Brasil com
a intenção de formar a identidade nacional. É citada a palavra “patriotismo”,
referindo-se a noção de sentimento nacional, mas a mesma é riscada na projeção
do novo PPP e substituída por “respeito diverso”. As alterações estimulam a
participação política e social dos alunos baseada na ideia de exercício de
cidadania. Nesse mesmo viés, rechaça qualquer tipo de discriminação,
pensamento esse fortalecido pelo respeito como garantia de um direito de todos os
indivíduos. Outra mudança, na verdade uma inclusão no tópico estratégia, é a
proposta de uma “mostra de produção acadêmica” de alunos e professores.
Ainda sobre as futuras alterações, também havia anexo ao PPP um
questionário com o título de “Levantamento da realidade da escola” respondido
por cinco professores sobre os pontos positivos e negativos referente ao papel da
família, dos professores e o da própria escola. Não tinha propostas de
significativas mudanças, tendo apenas uma professora de Espanhol sugerido que
“cabe aos professores (...) letrar através das diversidades. Proporcionar a interação
social”. Porém não havia maiores informações.
Já a coordenadora da Escola B, ao ser questionada sobre o acesso ao
documento, primeiro disse que eu não precisaria ver o PPP porque ela estava
disponível para responder a todos os questionamentos sobre a elaboração e
aplicação dele na escola. Após insistir sobre a necessidade de consulta do material
para a pesquisa, tive acesso a um documento chamado “Plano de Ação 2015”. É
característica das escolas GEC trabalharem com esse modelo para apresentarem
suas ações aos gestores do projeto, mas isso não anula o PPP.
Na introdução do documento a preocupação com a formação do cidadão e
sua capacitação para o mercado. Já nas premissas do Plano de Ação da Escola B,
há o reforço da ideia do “conhecimento a serviço da transformação humana”
promovendo assim o “protagonismo juvenil “. Nesse tópico há indicações
também para professores e o corpo administrativo da escola. As orientações
versam sobre a “formação continuada”, a “excelência na gestão” e a
“corresponsabilidade”, sendo esse último a respeito do trabalho conjunto para
alcançar o sucesso escolar, não esquecendo a possibilidade de se criar espaços
para críticas e autocríticas.
68
No tópico sobre as prioridades, o foco expresso no documento é tentar
identificar o que os jovens estudantes precisam para projetar suas vidas em
conjunto com a comunidade escolar. Combinado a isso, pretende-se “prover e
sustentar os recursos humanos e de estruturas capazes de garantir a ambiência,
com participação de toda comunidade, necessária para excelência de resultados
acadêmicos”. Ainda nesse tópico há perspectiva de se criar “canais de
comunicação das atividades”, o que é chamado no texto de “replicabilidade”.
Embora, o item também esteja presente no tópico estratégias, não há maiores
detalhes de como isso seria feito. Sobre o tópico estratégias, são feitas projeções
sobre a utilização de recursos tecnológicos, realização de atividades de campo e
estímulo a leitura/escrita utilizando a biblioteca. Não consta nesse campo se os
murais compõem esse planejamento.
Anexo ao “Plano de Ação 2015” estava o “Programa de Ação 2015”. Ele
basicamente traz os mesmos objetivos do documento anterior que foi descrito.
Reforça a ideia da “formação de um cidadão crítico, consciente, empreendedor e
protagonista”. Neste documento destaco o tópico recursos, o qual apresenta o
conjunto de recursos pedagógicos disponíveis para que o programa de ação de
fato aconteça. Os recursos listados são: kit multimídia, cadernos pedagógicos,
material pedagógico, livros didáticos e recursos humanos. Não há uma citação
direta ao mural nesse tópico.
O ponto comum observado entre os documentos das duas escolas é que
apresentavam estruturas fixas, que lembram um questionário com espaços para
serem respondidos. Careciam de informações sobre quem os redigiu e participou
da elaboração. Também não apresentavam referências sobre discussões que
levaram à redação final do documento, nem constavam informações sobre
diálogos com a comunidade escolar.
Diante da limitação de acesso ao documento proposto para análise, foi
preciso adequar as expectativas sobre os dados que planejamos coletar e a
realidade que encontramos, reduzindo a análise a uma consulta.
Já para as entrevistas, havia a preocupação de tentar compreender ações
sobre as práticas escolares que não eram perceptíveis pela observação dos murais
e da análise do PPP. Dessa forma, a entrevista foi um caminho escolhido para
complementar esse olhar sobre o cotidiano das escolas.
69
A definição dos sujeitos que participaram dessa investigação visava
responder como são trabalhadas as questões raciais na escola, se realizaram curso
de formação continuada sobre a Lei 10.639/03, se a utilização do mural como
recurso pedagógico é frequente, se a elaboração do PPP contou com a participação
da comunidade escolar, enfim, perguntas que as observações e a análise
documental não sanavam. Nesse sentido, decidimos entrevistar professores e
coordenadores pedagógicos das escolas pesquisadas, pois a realidade do campo e
as orientações que eram recebidas de instâncias superiores da área da educação
poderiam ser relatadas por esses profissionais. A preocupação com essa etapa da
pesquisa é formulada por Duarte (2002, p. 141)
De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de
entrevistas, quase sempre longas e semi-estruturadas. Nesses casos, a definição de
critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o
universo de investigação é algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade
das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à
compreensão mais ampla do problema delineado. A descrição e delimitação da
população base, ou seja, dos sujeitos a serem entrevistados, assim como o seu grau
de representatividade no grupo social em estudo, constituem um problema a ser
imediatamente enfrentado, já que se trata do solo sobre o qual grande parte do
trabalho de campo será assentado.
As perguntas elaboradas foram semiestruturadas para possibilitar
flexibilidade nas questões, podendo sofrer alterações conforme a resposta do
entrevistado. Todas as entrevistas foram audiogravadas e posteriormente
transcritas para facilitar a consulta e a análise do material.
No total foram doze entrevistas, seis em cada escola, duas foram com as
coordenadoras de cada instituição e as demais com os professores e professoras,
tendo como resultado mais de seis horas de audiogravação. Elas foram realizadas
nas dependências das escolas, a maioria nas salas dos professores, mas também
em outros espaços: duas nos refeitórios, uma na sala da coordenação e mais uma
em sala de aula, que ocorreram durante os intervalos das aulas ou ao final da carga
horária dos profissionais de ensino.
Como todos os professores gozavam de certa autonomia para trabalharem
com os murais e as temáticas que lhes fossem pertinentes, entendemos que não
seria necessário traçar um perfil específico de professor. Além disso, como a Lei
10.639/03 não está limitada a uma disciplina específica, não seria coerente, nessa
investigação, nos prendermos a um tipo de profissional da educação. Dessa
maneira, foram entrevistados professores de história, artes, português, música,
70
educação especial e geografia. Eles foram indicados pelas coordenadoras de cada
escola, conforme a disponibilidade de horário dos entrevistados.
As perguntas definitivas só foram elaboradas após a inserção no campo,
mesmo algumas tendo sido formuladas anteriormente, em um roteiro, com a ajuda
da revisão de literatura sobre a temática. As questões foram divididas em cinco
grupos, sendo elas: a identificação do professor e sua formação; informações
sobre a utilização dos murais escolares e sua manutenção; sobre o PPP da escola;
o que sabiam sobre a lei 10.639/03; por fim, a presença do racismo na escola.
Os entrevistados não tiveram resistência quanto à participação na pesquisa.
Todos foram informados previamente do tema central da investigação, receberam
uma cópia do termo de responsabilidade e estavam cientes que suas respostas
seriam gravadas, mas que não seriam identificadas com seus verdadeiros nomes.
Quanto ao perfil dos professores e coordenadores entrevistados, segue o
quadro abaixo
Quadro 2: Tabela com dados dos professores entrevistados
Nome Cargo Idade Bairro onde mora
Onde realizou
a graduação
Autodeclaração
de cor
Tempo de
magistério
Tempo de carreira
na Prefeitura
Possui alguma
especialização?
C1 Coordenadora 57 Vargem Pequena Gama Filho Negra 30 anos 15 anos Sim
P1 Prof. Português 40 Olinda - Nilópolis UFRJ Branca 13 anos 2 anos Sim
P2 Prof. Artes 45 Centro - Niterói UFRJ Morena clara 5 anos 5 anos Sim
P3 Prof. Geografia 42 Ponte Preta - Maricá UFRJ Negra 18 anos 15 anos Não
P4 Prof. História 41 Centro UFRJ Branca 15 anos 3 anos Sim
P5 Prof. História 34 Mª Paula - Niterói UERJ/FFP Parda 11 anos 5 anos Sim
C2 Coordenadora 52 São Cristóvão UFF Negra 25 anos 19 anos Não
P6 Prof. História 44 Stª Rosa - Niterói UFF Branca 30 anos 25 anos Sim
P7 Prof. Artes 59 Urca Inst. Bennetis Branca 30 anos 17 anos* Sim
P8 Prof. Edu. Especial 61 Vila Isabel UFRJ Branca 30 anos 14 anos Sim
P9 Prof. Inglês 32 Grajaú UFRJ Branca 13 anos 4 anos Sim
P10 Prof. Música 42 Itaúnas - São Gonçalo UFRJ Negra 10 anos 3 anos Sim
Escola A
Escola B
Fonte: Pitta, 2006
*Não soube informar com precisão
A média de idade dos entrevistados é de 42 anos de idade, revelando um
perfil jovem dos professores em atuação. Apenas 5 moram próximo do local de
trabalho. Dos doze somente dois não são fizeram a graduação em uma instituição
pública. Quanto à autodeclaração de cor, 50% respondeu ser branca, 33,34%
negra, declarou-se parda 8,33% e outros 8,33% morena clara. Outro dado
interessante que verificamos é que a média de tempo de carreira no magistério é
de aproximadamente 19 anos, quase o dobro da média do tempo de carreira que os
mesmos têm na prefeitura, 10 anos.
Apenas dois profissionais não realizaram uma pós-graduação, isso mostra
que há preocupação dos professores e coordenadores em possuir uma qualificação
em suas áreas. Essa discussão apresenta outros desdobramentos quando tratamos
da formação continuada de professores oferecida pela SMERJ, porém esse assunto
será abordado apenas no último capítulo dessa dissertação.
5 A percepção da lei 10.639/03 nos murais escolares
O exercício desse último capítulo é identificar, a partir dos materiais
coletados durante a pesquisa de campo e em diálogo com os referenciais teóricos,
se os murais escolares fazem parte das práticas pedagógicas das escolas
pesquisadas e se há planejamento para que isso ocorra em atendimento às
exigências Lei 10.639/03.
A seleção, que buscou evidenciar e aprofundar os aspectos mais recorrentes
de alguns elementos considerados representativos do cotidiano escolar, traduz-se
em uma das propostas possíveis de análises, haja vista que foram produzidos
muitos dados. Sendo assim, as interpretações baseadas nas fontes não se esgotam
na redação dessa dissertação. Porém, alguns diálogos discrepantes em relação aos
demais não foram ignorados, pois como esclarecem Lüdke e André (1986, p. 43)
“nem sempre a importância de um tópico pode ser medida pela frequência com
que ocorre”.
As funções dos murais na escola evidenciam suas estratégias de
comunicação. Dessa forma, analisamos as imagens presentes nesse recurso
pedagógico, o reflexo de um currículo oculto no espaço escolar e a necessidade da
formação de professores, sem deixar de relacionar essas reflexões com questões
étnico-raciais. Ainda nesse capítulo serão observados elementos que ajudarão a
responder o objetivo principal da presente pesquisa que é identificar como os
murais escolares refletem a aplicabilidade da Lei 10.639/03.
5.1. As funções dos murais no cotidiano das escolas pesquisadas
A observação dos murais escolares nos levou a identificar algumas das
funções desempenhadas por eles, tentando compreender como os materiais e
conteúdos utilizados em sua composição interferem no objetivo comunicacional
desse recurso pedagógico.
74
Durante a pesquisa de campo notamos que o mural exerce diversas funções
de acordo com sua localização no espaço escolar, dentre elas destacamos: acolher,
informar e divulgar trabalhos escolares. Essas funções se configuram como
estratégias de comunicação na escola.
Na entrada principal das duas escolas pesquisadas foi possível perceber que
os murais exerciam uma primeira função: o acolhimento. Percebemos uma
atenção na confecção desses murais em mostrar a participação dos alunos nesse
território.
Figura 2: Mural de boas-vindas da Escola A
Fonte: Pitta, 2016
Na Figura 2 há trabalhos de disciplina de Artes que compunham a maioria
dos murais da Escola A. A reunião dos exemplares das produções expostas
naquele espaço e a mensagem de “bom retorno” convidam os alunos para a
retomada das atividades escolares após o período de férias. A própria
ornamentação desse mural que possui uma borda com detalhes, apresenta o
destaque do mesmo na entrada da escola.
Já na Figura 3 identificamos que há mensagens de boas-vindas de diversos
alunos àqueles que frequentam a Escola B.
75
Figura 3: Mural de boas-vindas da Escola B
Fonte: Pitta, 2016
Os murais das Figuras 2 e 3 cumprem a função de gerar uma ambiência de
acolhimento e afetividade para toda comunidade escolar e visitantes. De acordo
com Calado (1994), para a utilização das imagens na escola é preciso ter
conhecimento prévio do público para que ocorra a comunicação. Diante disso,
identificamos que esses murais de “boas-vindas”, apresentam desenhos e recortes
de alunos conjugados com intervenções docentes, composto por uma produção de
alunos professores daquele espaço escolar.
Além do acolhimento, outra função identificada diz respeito às informações
administrativas e comunicados importantes que são fixados em alguns murais.
Geralmente aqueles que possuem essa função estão localizados nos pátios das
escolas ou próximos das salas da direção e secretária. Essa característica deve-se
ao fato de seu conteúdo ser direcionado não apenas para o corpo estudantil, mas
principalmente para os seus respectivos responsáveis.
Esses murais informativos são mais que um mero quadro de avisos. Há
nesses recursos a dinâmica do período letivo como a grade de horários das turmas,
prazo de matrículas, informações sobre as avaliações, campanhas educativas,
atividades extraclasse, enfim, uma gama de informativos sobre o funcionamento e
atividades da escola.
76
Figura 4: Mural próximo à sala da coordenação da Escola A.
Fonte: Pitta, 2006
A terceira função do mural está representada nas Figuras 5 e 6. Os murais
apresentam trabalhos das mais diversas disciplinas que expressam a ponta final de
um processo didático que ao passar por uma avaliação são considerados
apropriados, ou por valor estético, técnico ou ainda, por atender uma expectativa
didático-pedagógica ganhando lugar em uma composição que será apreciada por
toda comunidade escolar.
Figura 5: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola A.
Fonte: Pitta, 2016
77
Figura 6: Trabalhos escolares em um dos murais da Escola B.
Fonte: Pitta, 2016
Através dos trabalhos expostos, a produção realizada no território da sala de
aula é exportada para outro território dentro do espaço escolar, ampliando seu
significado e evidenciando a percepção de que o ambiente escolar é composto de
múltiplos territórios: a sala de aula, a sala de professores, a secretaria, etc. e que
todos podem manter uma ligação pedagógica.
O professor de História, P4, da Escola A indica para dois fatores das
produções escolares nos murais: a promoção do trabalho dos alunos e sua
preservação.
...o aluno gosta disso, né? O aluno que fez o trabalho, que tem o trabalho dele lá
exposto... Às vezes você acha que isso é uma coisa só das crianças pequenas. Não,
não, com o aluno maior também isso acontece. O trabalho dele tá lá e ele acaba:
“oh, meu trabalho tá por ali, não sei o quê”. Tanto que, quando isso acontece,
quando o mural, ele é valorizado, ele acaba não sendo destruído. (...) quando isso
começa a ser uma cultura da escola, passa a ser um instrumento de divulgação do
que tá acontecendo, passa a ser um instrumento, às vezes de informação, porque
você não vai pegar qualquer coisa e botar no mural. Tu vai pegar alguns temas que
às vezes são relevantes e aí, mesmo que o cara não pare pra ler o mural, mas ele vai
ver que aquele tema tá lá e de alguma forma ele vai construir alguma reflexão,
saber que, oh, eu vi isso no mural da escola. Não parei pra ler, mas isso estava lá.
Então isso acaba sendo uma coisa legal.
Essa fala evidencia que a confecção dos murais pode servir de estímulo para
a elaboração de uma atividade, pois a apreciação do resultado final de uma
produção é visto pelos estudantes como um fator motivacional. Além disso,
podemos verificar a relação dos alunos com a escola por meio da preservação dos
murais. Quando o corpo discente não rasura ou depreda uma composição nesse
78
território extra sala de aula, esse grupo expressa o reconhecimento da importância
da temática em exposição. Essa conservação foi possível apreciar em ambas as
escolas visitadas. Independentemente do tempo de permanência de um trabalho
exposto no mural, sua conservação era notável. Isso evidencia o que o professor
P4 exaltou em sua fala, os alunos e alunas preservam aquilo que foi construído por
eles ou seus pares.
5.2. A questão racial no espaço escolar
Ao longo da pesquisa, verificamos que o trabalho de alguns docentes sobre
as questões raciais era intermediado ou por projetos, que contavam com a parceria
de instituições externas, ou por concursos educacionais.
Na Escola B a professora de Artes, P7, relatou que foram realizados alguns
projetos na escola, como o promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Etnia e Gênero – TUPIAFROGEN, um grupo de estudos da 1ª CRE. Outra
parceria também citada na realização de projetos foi o Conselho Municipal de
Defesa dos Direitos Humanos do Negro – COMDEDINE-RIO.
Após a citação do grupo de estudos da 1ª CRE que discute temáticas raciais
e de gênero, busquei na internet, mais precisamente no site rioeduca.net,
informações sobre tal grupo. O resultado da busca levou-me ao conhecimento do
evento "Muito a dizer: tecendo histórias... remontando olhares" organizado pelo
TUPIAFROGEN em 2015, o qual apresentava projetos elaborados por professores
e coordenadores que frequentaram as reuniões do grupo no ano de 2014.
Essas informações levaram-me a questionamentos sobre a organização de
grupos autônomos de formação de professores pois, esse grupo não foi criado pela
SME-RJ. Para que algumas questões fossem sanadas, entrei em contato com a 1ª
CRE para obter mais dados sobre o TUPIAFROGEN. Embora não fosse uma
problemática inicial da pesquisa, era importante entender os caminhos possíveis
para a sensibilização dos educadores frente a temática racial, foco dessa
investigação, em suas práticas cotidianas.
Dessa maneira, após autorização da SME-RJ entrei em contato com a
coordenadora do grupo TUPIAFROGEN e agendamos uma conversa. Não foi no
79
formato de entrevista porque o questionamento sobre o grupo de formação surgiu
na etapa final das análises da pesquisa.
A coordenadora não soube precisar quando foi formado o TUPIAFROGEN.
Inicialmente, ela e mais duas professoras da 1ª CRE realizavam trabalhos sobre
questões de gênero e raça, separadamente. Em um dado momento, decidiram
reunir seus esforços, já que suas discussões e trabalhos convergiam inúmeras
vezes. A mesma informou que o impulso maior de organizar tal grupo surgiu da
participação do Comitê de Articulação e Monitoramento da Coordenadoria
Especial de Promoção da Política para Igualdade de Gênero, criado no ano de
2011 que visa colocar em prática ações do Plano Municipal da Política para
Igualdade de Gênero. As atividades do Comitê exigiam uma extensão dos
trabalhos, em atendimento às Leis 10.639/03, 11.645/08 e ao Plano Municipal de
Igualdade de Gênero.
Mesmo não tendo uma orientação direta da SME-RJ, as CREs gozam de
certa autonomia para formularem grupos e trabalhos. Dessa forma, o
TUPIAFROGEN foi criado, com a perspectiva de ser um espaço para a troca de
experiências entre professores, coordenadores e diretores de escolas e creches.
Sua estrutura atual existe desde o ano de 2014, mas nos anos anteriores já havia
atividades desse grupo, mas não eram sistematizados.
A coordenadora do grupo informou que a dinâmica começa pelo seu
planejamento, escolhendo o seu público alvo, podendo ser só professores do
Ensino Fundamental ou creches, ou apenas os coordenadores pedagógicos das
escolas, ou diretores, ou ainda um público misto. Em seguida, é elaborado um
calendário de atividades e temáticas que serão discutidas. Para isso, são
produzidos materiais para as dinâmicas, que variam o seu formato entre oficinas,
exposições orais, roda de conversa, entre outros.
O objetivo principal do TUPIAFROGEN, ressaltado pela coordenadora, é
garantir um espaço de trocas de experiências entre os profissionais da educação, a
troca de referências, materiais e projetos realizados no ambiente escolar. As
atividades do grupo também possuem como alvo o despertar das escolas para
reflexões de questões do seu cotidiano.
A partir dessa conversa podemos perceber que há uma preocupação na
formação continuada dos profissionais da educação, mobilizando iniciativas entre
80
os pares. A questão relacionada à formação de professores voltará a ser abordada
em outra seção desse trabalho.
A participação de professores em projetos impulsionou a confecção dos
vídeos de animação na Escola B, já que a escola tem forte apelo para que sejam
trabalhadas questões tecnológicas. Destacamos a seguinte fala da professora
Seria assim tipo um mural audiovisual... Como se fosse isso. Você fotografa os
trabalhos... Isso aqui vai virar um vídeo também. Eles vão fotografar... Vão falar
algumas frases que ele criaram, pra ficar o som da voz deles. O trabalho... Esse
aqui já tá colado. Poderia ter feito, porque eu tenho que fazer um outro trabalho,
uma animação com isso. Antes de colar essas peças, faria as peças entrando,
borboleta interagindo com a mão. Poderia, mas aí não dá tempo.
O trabalho promovido por concurso educacional pode ser verificado através
do relato da P2, professora de Artes da Escola A
...foi ai que chegou esse projeto dos 150 anos da Praça XI, de Benedita Maria
Vieira de Carvalho e outros Institutos de Cultura e Consciência Negra Nelson
Mandela, o ICCNNM. Então esse projeto ele veio através, foi sugerido por esse
Instituto... É interessante, pois a gente divulgou pra todos os professores da escola
o projeto...
Sobre esse concurso foi confeccionado um mural para sua promoção. Esse
foi o segundo mural confeccionado durante o período da pesquisa que se
relacionava com a história local. O primeiro possuía desenhos dos Arcos da Lapa.
Figura 7: Mural da Escola A sobre a Praça XI.
Fonte: Pitta, 2016
81
Esse mural foi confeccionado por professores ou coordenadores, pois não
havia trabalhos de alunos ou maiores informações sobre o concurso cultural que
promovia.
Embora não haja muitas evidências de trabalhos sobre a história da região
da Pequena África, lugar o qual as escolas pesquisadas estão inseridas, o professor
de História, P4, da Escola A, considera importante o resgate da memória local:
É... Em História é possível você montar esse diálogo até porque, pela característica
dessa região do Centro, as coisas, pelo ponto de vista dos acontecimentos históricos
que aconteceram aqui... É... Você tem uma série de figuras históricas que
conviveram, que moraram aqui pelo Centro. Então, isso acaba de alguma forma
ajudando.
Porém, o que atentamos para essa característica de trabalho com a proposta
racial, por meio dos projetos e concursos educacionais diz respeito à continuidade
da abordagem proposta pela Lei 10.639/03. A percepção que tivemos é que essas
produções ficam limitadas a um estímulo temporário, evidenciando a
superficialidade da discussão e sua ausência do currículo escolar. Tratamos aqui
de uma obrigatoriedade, que não deveria depender de estímulos para estar
presente na escola.
Existe uma grande quantidade de projetos que circula na escola, que se
refere a diferentes temáticas, mas depender deles para se trabalhar a questão racial
é fragmentar, e ao invés de aprofundar tal assunto e descumprir a lei. O
interessante de se trabalhar com projetos é a característica de reforço de um tema
trabalhado no currículo escolar, e não o seu caráter quase exclusivo de garantia da
discussão sobre determinado assunto.
Esse cenário dialoga com o conceito de currículo oculto de Forquin (1993),
o qual explicita que nem tudo que está na escola é evidente. Há uma escolha do
que será trabalhado, gerando, consequentemente, o movimento daquilo que será
omitido. A cultura local leva desvantagem em relação àquilo que é privilegiado
pela cultura dominante.
Outro destaque que consideramos importante sobre o atendimento à
exigência da lei, é a identificação, em ambas as escolas, da presença de
personagens negros nos murais produzidos pelas turmas de Programa de
Educação de Jovens e Adultos (PEJA). Desde o início das visitas foi possível
verificar essa temática nos trabalhos produzidos por alunos e professores dessa
modalidade de ensino.
82
Figura 8: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA.
Fonte: Pitta, 2016
Figura 9: Mural da Escola A confeccionado pela turma do PEJA.
Fonte: Pitta, 2016
83
Figura 10: Mural / Painel do PEJA da Escola B.
Fonte: Pitta, 2016
Nas Figuras 8 e 9 pode-se verificar que os dois murais da Escola A, da
turma de PEJA, apresentavam personagens negros. Na Figura 9 pode-se verificar
que o trabalho de colagem com imagens e frases trazia reflexões críticas sobre o
racismo, problematizando a questão racial na escola.
Já na Escola B, embora fosse o mês de agosto, ainda existia nos corredores
trabalhos confeccionados sobre o aniversário de 450 anos da cidade do Rio de
Janeiro, ocorrido no mês de março de 2015. Um desses trabalhos era a produção
que identificamos na figura 10. A professora P7 revelou que essa produção
pertencia a uma turma de PEJA de dez anos atrás – evidenciou que a escola não
possui mais turmas dessa modalidade de ensino – e que o trabalho foi construído
no ano de 2004, devido às comemorações de 100 anos da abertura da Avenida
Central. Tal trabalho chamou atenção por ser um dos poucos que fazia relação
direta com a história da região, na qual está localizada a escola. Essa produção
trazia personagens negros como sujeitos ativos da história, já que apresentava as
lutas por suas moradias contra o “bota-abaixo” do Prefeito Pereira Passos que
demoliu centenas de casas no início do século XX para a abertura da Avenida
Central. Além disso, a maioria das imagens eram produções próprias, ou seja,
feitas por desenhos dos alunos ou coloridos por eles, diferente das demais
composições que verificamos durante a pesquisa, que em geral utilizavam recorte
de jornais e revistas.
84
Um elemento que destacamos refere-se à preservação desses trabalhos
durante esse longo intervalo de tempo, evidenciando que nem todas as produções
escolares são descartadas pelas instituições de ensino, levando-nos a refletir sobre
a memória desses trabalhos escolares.
Então tá fazendo 10 anos agora. Guardei esses, que ali tem muito trabalho
guardado. Quando eu gosto do trabalho eu vou guardando. (...) Ali, ó! O que tem
de trabalho empilhado ali guardado que eu não tenho coragem de jogar fora... Esses
trabalhos que tão ali eles estavam aí guardados. É a hora de eu mostrar de novo pra
essas crianças. Eles foram feitos antes do Ginásio Carioca, foram feito quando eu
dava aula no EJA à noite, mais por adultos. (P7)
Destacamos dois pontos na fala da professora, da Escola B, sobre a
preservação e resgate dessa memória escolar. A primeira trata da manutenção de
trabalhos confeccionados por alunos por mais de uma década. A preocupação da
conservação das produções ocorre quando a professora P7 avalia que os mesmos
atendem ou superam a expectativa de elaboração da atividade.
A segunda ressalta que é preciso apresentar trabalhos antigos aos novos
alunos. Esse resgate proposto pela professora de Artes gera reflexão sobre a
produção escolhida por ela para representar a história da cidade durante os 450 do
Rio de Janeiro. O trabalho divulga um fato histórico, o qual a população negra
teve destaque em sua atuação contra a violência de Estado que sofria. A atitude da
professora apresenta uma intencionalidade pedagógica de tornar notória a
qualidade de um material elaborado por alunos e seu diálogo com a questão racial
na cidade, protagonizada por atores sociais negros. Pode ser apontada ainda outra
possibilidade, a existência de uma lacuna na produção desses alunos relacionada à
temática racial, pois se houvesse trabalhos atuais produzidos sobre o assunto,
aqueles que contam com mais de uma década não seriam os únicos na escola com
tal abordagem.
Ainda sobre os trabalhos do PEJA, outra característica que se destaca nas
duas escolas é a localização dos murais destinados à modalidade de ensino aqui
discutida. Os dois murais que apresentavam as produções escolares das turmas de
PEJA, das duas escolas, estavam fixados em um local não privilegiado: nas
paredes das escadas entre os andares. Classificamos esse lugar como não
privilegiado porque devido ao seu caráter de transitoriedade, não promove a
devida apreciação que se destinaria a essa exposição. Esse fato nos faz retomar
85
aqui, a ideia de território em disputa dentro do espaço escolar, ao apresentar uma
hierarquia do que ganha relevância e também de quem produz o saber.
O mural exerce, portanto, um território das manifestações culturais e
práticas pedagógicas, o qual também revela quem possui voz dentro do espaço
escolar. Os locais em que se encontram proporcionam maior ou menor
visibilidade de um grupo, evidenciando possíveis hierarquias, priorizando ou
omitindo determinadas narrativas.
5.3. A influência no campo
A produção de trabalhos expostos nos murais sobre a temática étnico-racial
apresentou um aumento na Escola A em comparação à primeira visita à escola,
que contavam com muitos trabalhos de Artes e nenhum com imagem de negros. E
negras. Isso nos leva ao entendimento de que minha presença como pesquisadora
na escola influenciou na confecção dos murais e na discusão sobre a questão
racial. Gil (2006, p. 111) aponta para essa possibilidade durante o procedimento
científico
O principal inconveniente está em que a presença do pesquisador pode provocar
alterações de comportamento dos observados, destruindo a espontaneidade dos
mesmos e produzindo resultados pouco confiáveis. As pessoas tendem a ocultar o
seu comportamento, pois temem ameaças à sua privacidade.
Essa influência provocou duas ações: a primeira foi a sensibilização dos
agentes educativos para o aumento dos trabalhos voltados para a questão étnico-
racial. A segunda foi a preocupação com a necessidade de exposição dos murais
de acordo com o que supunham ser a proposta da pesquisa em curso.
Diante desse cenário, problematizamos se a elaboração dos murais de fato
fazem parte das práticas escolares. Se tal aumento foi provocado por minha
inserção no campo, isso pode significar que o cotidiano é marcado por trabalhos
que não privilegiam a utilização desse recurso pedagógico.
Como já citado ao longo dessa dissertação, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Realções Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004), orientam sobre a produção
de imagens de personagens negros a qualquer tempo e relacionado a qualquer
temática. Portanto, o que se buscava na pesquisa não era conteúdo inovador e
86
recente, firmado tanto pela Lei 10.639/03, quanto pela Diretriz supracitada.Porém,
as figuras abaixo, se constituem como exemplo da mudança percebida após minha
inserção no campo.
Figura 11: Mural da Escola A sobre João Cândido.
Fonte: Pitta, 2016
Figura 12: Mural da Escola A sobre a abolição.
Fonte: Pitta, 2016
87
Figura 13: Mural da Escola A sobre a África e o Brasil
Fonte: Pitta, 2016
Figura 14: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03.
Fonte: Pitta, 2016
Figura 15: Mural da Escola A sobre a Lei 10.639/03.
Fonte: Pitta, 2016
88
As Figuras 11-15 representam o cenário construído após o início da
pesquisa. A primeira imagem traz um trecho da música “Mestre dos Mares” de
Aldir Blanc e João Bosco em homenagem a João Candido, conhecido como o
Almirante negro, líder da Revolta da Chibata que lutou pelo fim das torturas
sofridas pelos marinheiros, no ano de 1910. A Figura 12 apresenta um mural que
atenta para o fato de que o Brasil foi o último país das Américas a acabar com o
regime escravocrata. A figura 13, retrata homens e mulheres negras sob o título de
“Conexão Brasil-África”.
Já nas Figuras 14 e 15 temos os murais que tratavam diretamente da Lei
10.639/03, questionando ao seu leitor se sabia sobre o seu conteúdo. Nele havia
frases ditadas pelos alunos sobre as questões raciais.
As cinco figuras acima apresentam uma composição diferente das demais
observadas ao longo do semestre. Esses murais foram construídos de maneira
uniforme, sem a presença de trabalhos produzidos pelos alunos. A maior parte dos
textos nesses murais, quando não são recortes de frases soltas, apresentam a
mesma caligrafia, levando-nos a percepção de que foram elaborados e montados
por professores ou demais agentes educativos da escola, embora suas mensagens
sejam falas de alunos sobre a questão.
O esforço de produção desse material diante de uma pessoa fora da
comunidade escolar trouxe a sensação de cobrança e autocrítica por parte da
coordenação e professores sobre um assunto que tinha pouca visibilidade naquele
espaço escolar. Porém, a limitação da abordagem produziu trabalhos
esteriotipados e visando atender a pesquisa em curso.
5.4. A existência de um currículo oculto nas escolas
Quando iniciamos a pesquisa de campo no segundo semestre de 2015,
encontramos, nas escolas, murais que traziam em sua composição trabalhos de
diferentes disciplinas que abordavam diferentes temáticas. Esse material era feito
a partir de recorte e colagem de imagens oriundas de jornais e revistas. O que
percebemos nesses trabalhos, que nos chamou a atenção, foi a ausência de
personagens negros. Podemos identificar essa característica, conforme as Figuras
16-18, abaixo
89
Figura 16 Mural da Escola A sobre atitudes saudáveis.
Fonte: Pitta, 2016
Figura 17: Mural da Escola B com trabalhos da disciplina de Inglês.
Fonte: Pitta, 2016
90
Figura 18: Mural da Escola B sobre a escola.
Fonte: Pitta, 2016
Observamos que nas imagens 16, 17 e 18 existe uma produção dos trabalhos
expostos nos murais, baseada em recorte e colagem de figuras advindas de jornais
e revistas, materiais baratos e de fácil acesso. Mas a reflexão que propomos é que
esses materiais carregam uma estética branca em suas páginas. Araújo (2000) e
Sodré (2015) discutem como a mídia brasileira ainda reproduz uma estética
padronizada, e quando há a inserção de negros e negras, ela é realizada de forma
nocivamente estereotipada, exercendo papel de mantenedor do racismo e da
discriminação. Essas figuras retratam os murais encontrados nas primeiras visitas.
O primeiro mural aborda a temática “atitudes saudáveis” e tinha como ideia
central expor pessoas praticando algum hábito relacionado ao bem-estar. O
segundo era um trabalho de inglês no qual os estudantes faziam uma apresentação
91
da imagem da pessoa em destaque descrita na língua inglesa. E a última imagem
retrata uma parte27
de um mural com impressões dos alunos sobre a Escola B.
O que problematizamos nesses trabalhos é a ausência de imagens de
personagens negros. Essa característica identificada nos murais acima evidencia
que a Lei 10.639/03 geralmente estimula a produção de trabalhos voltados apenas
para a questão racial, sem gerar reflexões sobre uma produção geral em que
negros e negras estejam presentes sem a necessidade de estereotipar sua imagem
ligando-a estritamente a uma temática. Por outro lado, a ausência dos negros
promove um silenciamento do debate étnico-racial, nos levando a perceber o raso
enraizamento da referida lei no cotidiano escolar.
Aqui identificamos o que Candau (2011, p. 241) afirma sobre cultura
escolar e sua característica homogeneizadora produtora de um conhecimento
baseado em uma única matriz
A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída
fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da
modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como
elementos constitutivos do universal.
Tal afirmação nos permite notar que a existência da legislação não garante
sua aplicabilidade e que isso não é um processo natural, pois a aplicação exige
uma iniciativa sólida de apoio pedagógico. Embora a referida lei esteja apoiada
em dispositivos legais que fomentam sua concretização no ambiente escolar, ainda
verificamos que o currículo oculto das escolas pode apresentar-se como um
eloquente silenciador de sujeitos e corroborar com ausências presentes.
A afroperspectividade, apontada por Noguera (2011), perde espaço para a
monocultura hegemônica, que transforma em “normal” a ausência do plural.
Ainda conforme Noguera, é preciso construir uma educação que respeite as
diferenças e expresse a diversidade de narrativas.
Esse cenário de ausências suscita outra questão que identificamos durante a
pesquisa: há dificuldades de enxergar o aluno como modelo de representação. Os
alunos, indivíduos que são o principal alvo de discussão de todo o sistema
educacional, não estão em destaque na escola. A percepção do corpo discente
27
Foi destacada apenas uma parte do mural porque o restante do trabalho exposto trazia o nome original da escola, o que fere o compromisso da presente pesquisa em salvaguardar as identidades das instituições e dos participantes da mesma.
92
como sujeito histórico e ativo não emerge em uma cultura escolar que mantem um
formato engessado do saber. Aqui cabe relembrarmos Freire (2007) que conceitua
a autonomia do educando como o reconhecimento do aluno, entendendo-o como
um sujeito sócio histórico. Quando o aluno produz um trabalho escolar, reflexo de
um processo pedagógico, fica registrado o currículo que existe na base daquela
produção, com todas as suas evidências e ausências, que se destacam na
composição de um mural escolar.
A utilização dos estudantes como auto referência deve ser estimulada, pois
isso auxilia na construção de uma visão de mundo, no qual eles se percebam como
sujeitos ativos da sociedade. Essa escolha de imagens faz parte de uma seleção do
que tem reconhecimento no espaço escolar.
A seleção de conteúdos e suas práticas pode expressar ou omitir
informações de acordo com os propósitos dos docentes ou da escola. Dialogando
com Forquin (1993) nem tudo da cultura está presente nas escolas, há uma seleção
do que será revalidado nesses espaços. Em duas entrevistas foi possível identificar
de que forma os professores selecionam os conteúdos considerados por eles como
mais importantes para serem abordados. A primeira fala que destacamos é da
professora P6,
Assim, é... Eu não, não que me incomoda assim, se me perguntasse assim: o que te
incomoda mais? Não é essa questão étnico-racial. (...) É a questão de gênero, aqui.
É inclusive é... No início do ano até quis fazer um... Chamar alguém pra dar
palestra, sabe? Com meninos e meninas, é... Pra discutir questões de gênero, mas aí
como eu disse ainda a pouco, são tantos projetos que a gente acabou é deixando
isso pra lá, entendeu?
A segunda é um trecho da entrevista da professora P9, também da Escola B
Eu não vejo aqui nessa comunidade a questão do racismo tão acentuada, de um
modo geral, né? Eu vejo a questão de gênero pior. Aqui, desrespeito às meninas é
uma coisa mais grave, né, do que a questão do racismo. (...) É, assim, quando eu
digo que o racismo não é um problema aqui, não tô dizendo que ele não há, que
não haja aqui, que né? Que eventualmente a gente não possa ter uma ou outra
manifestação de discriminação. Eu tô dizendo que eu não vejo isso como um
problema aqui que mereça uma intervenção mais forte, entendeu?
Nas duas entrevistas verificamos que há dificuldades da convivência das
duas abordagens na escola, levando as professoras a classificarem qual o assunto
mais importante. Não foi ponderado por elas que existe a possibilidade de se
trabalhar as duas temáticas de forma integrada. De acordo com o estudo, Mapa da
93
Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil28
, divulgado pela ONU, revelou
que entre os anos de 2003 a 2013, o número de mulheres negras vítimas de
homicídio aumentou 54,2%, enquanto o número de mulheres brancas assassinadas
nesse mesmo período recuou 9,8%. Uma realidade tão violenta não pode ficar
distante de uma profunda reflexão nas escolas.
O que também ressaltamos dessas falas das duas professoras é que a Lei
10.639/03 não se enquadra no quesito “opinião”. É uma lei que parece não ter
passado ainda pelo processo de recontextualização, conforme verificamos em
Lopes (2004). A falta de fiscalização e a carência de uma formação continuada,
assunto que abordaremos adiante, comprometem o cumprimento da legislação.
Através do relato da professora P2 compreendemos como é prejudicial essa
limitação do conhecimento, que provoca resistência e fomenta discriminação,
mostrando como o processo de desconstrução e construção ainda está em um lento
desenvolvimento.
...eu acho assim a gente tem que desconstruir muitas coisas, por exemplo, quando a
gente fala; estava falando sobre a Praça XI “Ah, você sabe quem é tia Ciata? Ah, é
a macumbeira”. Sabe, ai coloca já, o aluno já vem de fora, ele já vem com um
olhar, entendeu. Não sei se a escola está separada. Tem o lado de dentro e o lado de
fora, o que a gente tem que fazer aqui, né? Tem que desconstruir! Tem que formar,
desconstruir, entendeu? Então são questões, são questões que estão no dia a dia...
Consideramos que os trabalhos produzidos pelos alunos são resultados de
todo um sistema de ensino e aprendizagem que se reflete na materialização da
construção do pensamento. Esse sistema é reflexo de sua sociedade, mas isso não
deve apartar-se de discussões críticas sob a perspectiva da diversidade. Os meios
de comunicação de massa a que os alunos têm acesso devem servir sim como
material para a produção de trabalhos escolares, mas sem deixar de lado uma
abordagem que problematize a invisibilidade do negro.
5.5. Imagens não produzidas ou selecionadas
Outras imagens identificadas nos murais que mantem a invisibilidade
étnico-racial diz respeito aos cartazes encaminhados pela SMERJ e outras
instituições. Esses cartazes são produzidos por agências de publicidade, que
28
Disponível em: < http://www.mapadaviolencia.org.br>
94
possivelmente não recebem uma orientação sobre o alunado que deve ser
representado nas campanhas da instituição. Temos as imagens de alguns deles.
Figura 19: Mural localizado no pátio da escola B.
Fonte: Pitta, 2016
Figura 20: Detalhe de dois cartazes presentes na imagem anterior.
Fonte: Pitta, 2016
95
Na Figura 20, temos em destaque dois cartazes que foram fixados em um
dos murais da Escola B. Eles apresentam imagens de alunos uniformizados no
território da sala de aula realizando atividades. No primeiro verificamos grupos de
crianças, e nenhuma delas é negra. No segundo cartaz, há duas meninas, uma
menina branca em primeiro plano e uma menina negra em segundo plano,
desfocada.
Podemos discutir a construção da imagem do aluno ideal. O alunado é
retratado muito alinhado e extremamente disciplinado na execução das atividades
em sala de aula. Um retrato distante das provocações e movimentos próprios da
ação ensino-aprendizagem.
Embora essa seja uma pequena amostra das comunicações visuais
elaboradas pela prefeitura da cidade, não identificamos imagens de crianças
negras que represente a quantidade expressiva do alunado da rede municipal de
educação. Para analisarmos esse dado, utilizamos a ideia de racismo institucional.
Werneck (2013, p. 17) conceitua racismo institucional como uma ideologia que
desenvolve uma relação de hierarquias a partir da cor da pele, gerando uma
estrutura de desigualdade social permanente em nossa sociedade, limitando a
população negra de ter acesso a seus direitos. Dessa forma, Werneck
complementa
O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir, manter e
condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas
– atuando também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a
hierarquia racial. Werneck (2013, p. 17)
5.6. Datas comemorativas no calendário escolar
As datas comemorativas são comumente utilizadas nas escolas como
temática para confecção de alguns trabalhos com a finalidade de sua exposição
nos murais. Na pesquisa de Cunha (2009) sobre a história das disciplinas de
Educação Religiosa e Educação Moral e Cívica que vigoraram no currículo no
século XX, durante o regime civil-militar, encontramos algumas informações que
nos levam a entender a prática de elaboração e exposição desses trabalhos no
espaço escolar. Essas disciplinas tinham tradição nacionalista na exaltação de
datas cívicas realizando, como expressão patriótica, atividades nas escolas que
eram vinculadas ao exercício de cidadania. Com o passar do tempo, as atividades
96
relacionadas ao calendário comemorativo foram incorporadas na cultura escolar
não sendo limitada a datas de cunho patriótico.
Nas Figuras 21 e 22, podemos identificar dois murais que exploram essa
perspectiva ligada ao calendário
Figura 21: Mural temático da Escola A sobre a primavera.
Fonte: Pitta, 2016
97
Figura 22: Mural temático da Escola A sobre o a festa natalina.
Fonte: Pitta, 2016
O dia vinte de novembro é um feriado nacional desde o ano de 2011, no
qual é lembrado o dia da morte de Zumbi, líder do combatente Quilombo de
Palmares. Na cidade do Rio de Janeiro são realizados muitos eventos culturais
nessa data e ao longo do mês de novembro em prol da consciência negra. Essa
data foi uma reivindicação do MNU que foi incorporada à redação da Lei
10.639/03.
Porém, o que observamos nas escolas pesquisadas foi a não promoção da
conscientização e o reforço do estereótipo negro. Na Escola A havia a expectativa
de um grande evento para a véspera do dia vinte. A coordenadora C1 nos
informou que haveria a apresentação de uma bateria de escola de samba além de
exposição de trabalhos dos alunos sobre a temática negra. A professora de Artes,
P2 falou sobre os preparativos
...são vários trabalhos que estão acontecendo e a gente tá pensando em fazer isso,
essa culminância em vinte de novembro. Eu também trabalhei com o pessoal do
PEJA. Trabalhei com Zumbi dos Palmares. Assim, esse oitavo ano, a gente estava
trabalhando o cotidiano. A gente trabalhou cotidiano também, mas depois eu falei
pra eles sobre Zumbi dos Palmares, falei a história do Zumbi pra eles e pra gente
fazer um trabalho pra ser apresentado no dia vinte de novembro.
Porém, a escola recebeu um convite da Secretaria Municipal de Educação
para uma cerimônia sobre os jogos olímpicos que exigiria a participação de alunos
98
e professores com ornamentação produzida pela própria escola em um desfile que
aconteceria na semana do feriado da consciência negra. Isso acabou com a
programação feita pela Escola A, pois os esforços concentraram-se em finalizar as
fantasias para o cerimonial. Por fim, às vésperas da cerimônia o evento foi
cancelado pela SME-RJ. Como a escola não teve tempo hábil, não foi possível
retomar as atividades idealizadas em memória à lembrança de Zumbi dos
Palmares. Não houve a comemoração e a escola ficou sem data posterior para
realização, pois na semana seguinte já começavam as provas de final do bimestre.
Ao caminhar pela Escola A, pelo corredor do primeiro andar, consegui
identificar um mural composto por desenhos e recortes de jornais e revistas sobre
o dia da consciência negra, que trazia imagens e textos abordados de maneira
afirmativa sobre a questão étnico-racial. Encontramos também o trabalho da turma
de PEJA com desenhos de máscaras africanas, conforme havia relatado a
professora de Artes.
Figura 23: Mural da Escola A sobre o dia vinte de novembro.
Foto: Pitta, 2016
99
Figura 24: Mural da Escola A.
Fonte: Pitta, 2016
Os dois únicos trabalhos realizados para o dia da consciência negra refletem
a pouca sensibilidade das autoridades municipais ligadas à educação com o
calendário de atividades das escolas, alterando suas rotinas e planejamento sem
prévia programação. Essa interferência gerou uma interrupção nas atividades
pedagógicas da escola pesquisada, por conta de uma agenda dos grandes eventos
promovidos pelo poder municipal, tida como prioridade.
Já na Escola B professora de Artes trouxe informações quando questionada
sobre os trabalhos realizados sobre o dia 20 de novembro em anos anteriores
Eu participei com vídeos, a gente fez um vídeo do Cartola ano retrasado, uma
animação. E a gente ano passado fez um trabalho com turbantes, mas sempre nessa
semana que vai ter agora do dia 20 de novembro. É sempre nessa época que se
trabalha mais ou menos. Eles pedem que o trabalho seja entregue nessa época.
Esses dos turbantes não, a gente fez por nossa conta. Virou um vídeo. Todo mundo
se vestindo aí com os turbantes, aluna, professores e aí esse ano agora a professora
de História me pediu para trabalhar máscaras africanas.
Já a professora de História, P6, nos deu o seguinte relato ao ser questionada
sobre como seria trabalhada a temática racial na escola devido a aproximação do
dia da consciência negra
A escola não trabalha essa temática. É... A gente tem que ver agora porque está se
aproximando agora a semana Nacional da Consciência Negra... Se vai ter espaço
pra que isso ocorra, né? Pelo que eu... Assim, eu estou aqui desde fevereiro, né? Eu
não tenho visto ninguém participar de algum debate aqui dentro com relação a isso.
Fala-se muito de Halloween, fala-se muito de outras coisas, mas bom,
especificamente sobre isso, não. Mas pelo menos por enquanto, né? Vamos ver...
De fato, não houve mobilização no dia vinte de novembro. O que a escola
programou foi a exposição de alguns trabalhos em homenagem ao dia da
100
consciência negra para o dia trinta do mesmo mês, durante a feira de ciências que
estava sendo organizada pelos alunos. A temática racial seria abordada em um dia
em que a ênfase das produções escolares girava em torno de experiências
químicas e tecnológicas. Tal fato não afasta o potencial de integração dos temas,
pois as inovações do antigo Egito, a fértil agricultura no Delta do Nilo, as diversas
técnicas arquitetônicas das sociedades subsaarianas, os estudos do físico Anta
Cheik Diop que comprovaram que os faraós eram negros, a sabedoria botânica da
relação de povos quilombolas com a terra, a secular alquimia das ervas dominada
por benzedeiras e mães de santo que curam as populações mais carentes, etc. são
alguns exemplos que poderiam compor a feira de ciências.
Porém, não foi o que vimos. Choveu bastante no dia do evento, dessa forma,
a apresentação dos trabalhos ocorreu dentro das salas de aula. Algumas imagens
cartazes estavam distribuídas nos corredores da escola, dentre eles consegui
identificar três trabalhos com a temática étnico-racial. Eram desenhos elaborados
pelos alunos.
Figura 25: Mural da Escola A sobre o dia 20 de novembro.
Fonte: Pitta, 2016
Na Figura 25 identificamos dois trabalhos. Em destaque há um desenho de
uma mulher negra com a palavra África acima de sua cabeça. Ao lado,
verificamos também desenhos originais, os quais fazem alusão a máscaras
africanas.
101
Figura 26: Mural da Escola B sobre o dia 20 de novembro.
Fonte: Pitta, 2016
Já na Figura 26 há uma grande imagem que retrata dois homens negros
carregando um homem branco deitado em uma rede. A figura relaciona-se ao
período escravocrata no Brasil. Tal imagem destaca que para aqueles que
produziram um trabalho para o dia vinte de novembro, o imaginário do negro está
ligado à condição de submissão. Retratar uma imagem desse período poderia estar
atrelada às inúmeras insurreições e resistências que ocorreram.
Porém, a oportunidade de trazer novas abordagens sobre a questão étnico-
racial não foi aproveitada no evento. A reduzida quantidade de trabalhos e o
tratamento de assuntos estereotipados esboçam o limitado acesso a discussões de
cunho racial desses alunos. É no mínimo preocupante verificar que a produção de
um trabalho referente ao dia da consciência negra faz menção à exploração
escravocrata.
Para que esse tipo de abordagem não seja reproduzida nas escolas, as
Diretrizes das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2004, p. 18) orientam
...aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de acabar
com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e
de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que,
no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos
de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades
implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde
esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes
e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que
participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras,
fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de desempenhar-se em áreas de
102
competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes
níveis de formação.
Gomes (2003) fala da representação da estética negra nas escolas,
evidenciando como o corpo negro nesse espaço é importante para a construção da
identidade e das relações étnico-raciais. A autora aponta que os estudos sobre a
estética negra promovem representações que vão além da denúncia da
discriminação e os estereótipos. Gomes acrescenta que a representação do corpo
negro precisa apresentar criações e ressignificações diferentes daquelas que
remetem à diáspora africana. Para isso, a formação inicial e continuada de
professores é reivindicada como um caminho possível para a sensibilização e
qualificação desses profissionais.
5.7. Formação de professores para uma educação antirracista
Discutir as práticas escolares nos faz questionar a formação inicial e
continuada de docentes. A respeito disso, Canen (2011, p. 642), que defende uma
educação multicultural pós-colonial centrada na construção de identidades,
destaca como essa qualificação pode interferir de forma positiva no cotidiano da
escola. A autora afirma
...a formação continuada de professores possui um papel relevante, uma vez que
preparar professores para refletirem e trabalharem com a diversidade cultural no
contexto escolar significa abrir espaços que permitam a transformação da escola
em um local em que as diferentes identidades são respeitadas e valorizadas,
consideradas fatores enriquecedores da cidadania.
Nessa perspectiva, buscamos identificar a frequência de cursos de formação
continuada voltados para o atendimento à obrigatoriedade da Lei 10.639/03. Para
isso, encaminhamos um e-mail à SME-RJ solicitando informações sobre os
referidos cursos ministrados no ano de 2015. Como resposta recebemos um
documento de quatro laudas com o título “Projeto Rio-Escola Sem Preconceito”, o
qual elencava as palestras e mesas-redondas organizadas pela SME-RJ em
parceria com o Museu de Arte do Rio e as onze CREs. Havia também
informações sobre a participação de um representante da SME-RJ, no Grupo de
Trabalho da Igualdade Racial, o qual destaca ações realizadas em prol da
temática. Essas ações exigem discussões mais amplas, porém os limites dessa
103
pesquisa não permitem tal apreciação, restringindo nossa análise apenas aos
cursos direcionados aos agentes educativos.
O relatório dos cursos ofertados por tal projeto indicava que foram
realizados durante os meses de maio e junho de 2015, duas palestras, uma Mesa-
Redonda e duas Salas de Conversas, destinados aos professores e coordenadores.
O documento ainda informa que havia uma previsão de 400 inscrições, mas não
indicava o número real de participantes dos cursos.
De acordo com tal documento, os cursos oferecidos pela SME-RJ
atenderiam no ano de 2015, aproximadamente, 1% da quantidade total de
docentes que trabalha na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, que segundo
dados do site oficial da prefeitura é de 40 mil professores. Por meio das
entrevistas realizadas nas escolas pesquisadas foi possível identificar a
insuficiência da oferta desses cursos. Nenhum dos dez professores e duas
coordenadoras afirmou ter feito curso de formação voltada para o atendimento da
Lei 10.639/03. Esse cenário apresenta que mais de uma década da promulgação da
referida lei não foi o suficiente para que uma organização municipal formulasse
estratégias para a execução comprometida com a obrigatoriedade do texto legal.
A limitada quantidade de cursos oferecidos pela SME-RJ não permite
alternativas para a atarefada realidade desses profissionais da educação.
Possivelmente foi esse o cenário que motivou a criação do grupo
TUPIAFROGEN, que falamos no capítulo anterior. Assim, muitos deles se
esforçam em busca de informações, já que nem todos tiveram a oportunidade de
reflexão sobre as questões étnico-raciais em sua formação inicial. A professora P2
reflete sobre isso
Acho que falta vir essa formação continuada, que você me perguntou lá trás, acho
que falta vir uma formação também pra gente. Já recebi por e-mail, já recebi até
algumas divulgações de lugares onde dá o curso e tal. Conheci agora,
recentemente, o “Instituto dos Pretos Novos”. Me interessei muito! Fui lá no site e
pesquisei e tal. É, então, eu acho que o que esta faltando na verdade é talvez
assim... Uma coisa especifica de uma informação sobre a cultura afro, mas a gente
não tem isso. Pelo menos antigamente não tinha isso na graduação, na minha época
de graduação não tinha isso. Em história da arte, quando eu vi história da arte, eu
via a história da arte ocidental... Alguma coisa (...) de máscaras africanas, e claro,
Picasso falando de mascaras africanas porque estamos vendo Picasso, o que
influenciou a arte dele, o cubismo e tal. Porque as máscaras têm aquelas formas
geométricas, então a gente vai, entendeu? Mas não tem assim uma formação da
arte africana.
104
Porém, esse esforço nem sempre acontece. Baseado no conceito de “saberes
práticos” (apud TARDIF, 2004), Oliveira (2010, p. 123), aponta que os docentes
acumulam saberes em suas carreiras e formações, “marcados pela ausência de
reflexões sistematizadas e pelos estereótipos fundados pelo mito da democracia
racial”. Essa ausência e estereótipos produzem a falta de sensibilização, a
minimização do racismo e a confusão entre racismo e bullying. Isso verificamos
nas falas abaixo
Eu acho que existir existe, né? Como em qualquer outro lugar. Mas eu acho que
não, não é uma coisa que dificulte a convivência. (...) Racismo, eu não vi. Aqui, a
maioria, a maioria dos alunos é [negra]. Acho que não faria sentido eles terem,
mas, é claro que um brinca com o outro. Mas acho que mais na brincadeira. Mas o
que brinca com o outro também é da mesma, se auto, se autodeclara a mesma raça
do outro. Então, eu acho que é mais ou menos pela brincadeira mesmo. Eu não vejo
nada de preconceito. Eu não vejo isso de afetar o andamento das aulas, de alguma
atividade. Pelo menos nas minhas aulas eu nunca vi. (P9)
O P3 também traz um relato da confusão entre racismo e bulliyng, como
vemos em sua fala
Eu posso relatar as frases que eles costumam utilizar: “seu preto, seu macaco”, é
assim, normalmente é isso, “seu macaco, seu preto” e hoje, inclusive, até me liguei
porque a garota negra falou “seu branco”. Então assim, é claro que ela, que ela foi
uma coisa diferente pra gente, que tá obviamente acostumado a ouvir “seu negro”.
Nem negro, né? “Seu preto”, tá? E ela falou “seu branco” e ela é negra, né? Então
parece que é um preconceito às avessas, né? E é normalmente é isso, “seu macaco,
seu preto”, é, coisa desse tipo. (P3)
O P6 além de demonstrar confusão entre racismo e bullying
ainda busca relativizar as atitudes de um aluno que se assume neonazista, sem
realizar um trabalho de conscientização ou reflexão.
Nós temos um aluno aqui que, inclusive, já se assumiu como neonazista, né? Então
essa é uma questão, pra ele, muito forte. A questão racial. Mas é um caso isolado,
entendeu? É um caso isolado. Não chega a criar nenhum tipo de constrangimento, a
formar grupo. Por exemplo, ele não forma grupo, né? E não fazem bullying... Nada
disso. Nenhum tipo de, de intimidação. São... Só a fala, que você sente nas
entrelinhas da fala, né o racismo, o desprezo, sabe? Mas é porque ele já se assumiu,
inclusive pra mim, como neonazista. Não como neonazista, porque ele não sabe
exatamente o que é isso, né? Mas como um admirador de governos fortes,
autoritários, né? Mas é um caso isoladíssimo, isoladíssimo. Não é generalizado.
(P6)
...eles [os alunos] continuam executando o que a sociedade de um modo geral
chama de racismo. Eles se chamam de macaco, de preto (...). Eles se chamam, mas
eles não se levam à sério como a gente acha que eles se levam. A gente chama
atenção eles tão cagando e andando pra isso. Não pode, não sei o quê. Você sabe
que isso é crime! “Ih, professor”. Porque às vezes são dois negros, um falando pro
outro. (...) Oh, isso tem que parar, né? Mas ocasionalmente você ouve eles. Eles já
sabem que não pode ser todo dia porque sabe que alguém vai levar pra Direção, a
105
pretexto do bullying, da história do bullying, mas a escola é a mesma de sempre,
né? Tem o gordinho. O gordinho vai ser zoado. O magrinho vai ser zoado porque é
magrinho. O dentuço: vai ser zoado porque é dentuço. O orelhudo, o narigudo, o
olhudo e por aí vai. A escola é a mesma desde quando eu lembro da minha época
de escola. É da molecada se alfinetar, né? E as Leis foram criadas a despeito de que
isso seja sério na cabeça deles. Às vezes é sério para aquele que tá sofrendo uma
insistência maior, que isso virou o chamado bullying, mas no dia a dia, eles se
xingam lá, se ofendem, o que pra gente é ofensa, mas é, depois tão sentado
conversando, batendo papo, tá brincando. Eles não se ofendem na proporção que a
gente acha que vão se ofender. (...) Ou por qualquer outra, se é magro demais,
gordinhos, branquelo demais, né? (P1)
Esteves (2015, p. 25) conceitua bullying como “um tipo específico de
violência escolar entre pares, caracterizado por comportamentos violentos que
envolvem atitudes hostis”. Tal conceito nos faz entender que a partir da fala dos
professores temos o agravamento de duas questões: a minimização da violência
escolar e a não percepção do racismo. Os docentes consideram o bullying uma
brincadeira de criança, por isso o amenizam, e da mesma forma, tratam o racismo
como mais um traço dessa “brincadeira”. A não intervenção em uma situação
explícita de racismo, quando ocorre uma agressão verbal ou uma afirmação de
afinidade a um grupo sectário racial como foi relatado, demonstra despreparo e
falta de ação desses profissionais.
Diante dessas respostas a primeira questão que emerge é: o que é racismo?
Santos (1984) escreveu um livro cujo título é a pergunta que nos veio à mente
provocada pelas reflexões após analisarmos as entrevistas dos professores. O autor
formula que o racismo é um sistema que produz um conjunto de ideias e práticas,
pessoais e coletivas, que afirma superioridade racial de um grupo sobre outros.
Esse sistema reproduz uma visão de mundo cuja interpretação sócio histórica que
predomina é oriunda de uma cultura hegemônica.
O racismo, portanto, é uma questão estrutural da sociedade que se manifesta
nos privilégios de um grupo racial em detrimento de outro. Para haver racismo
reverso, seria necessária uma inversão das relações de poder e manutenção de
privilégios dos negros em relação aos brancos. Quando identificamos essa
confusão conceitual na fala dos professores, verificamos como é rasa a discussão
racial e o quanto carece de uma discussão e formação para de fato promover uma
educação antirracista.
Portanto é importante reafirmar as marcas que diferenciam entre racismo e
bullying, Assumir tais diferenças entre ambos conceitos é fundamental. Não se
106
trata de minimizar a importância do debate acerca do bullying, que é uma
violência presente na escola e que ser precisa ser combatida. Porém, o racismo é
uma violência de outra natureza, calcada no processo histórico social que
estruturou a nossa sociedade dentro de pilares racistas. Nesse sentido,
consideramos extremamente importante tratar de ambas violências nas formações
continuadas de professores, mas assumindo cada qual, seus próprios debates e
referencias.
Retomamos aqui a fala do professor P1 que declara sua resistência e
desconhecimento sobre as questões raciais no Brasil.
É, assim, quando eu digo que o racismo não é um problema aqui, não tô dizendo
que ele não há, que não haja aqui, né? Que eventualmente a gente não possa ter
uma ou outra manifestação de... Discriminação. Eu tô dizendo que eu não vejo isso
como um problema aqui que mereça uma intervenção mais forte, entendeu? (...)
Eles fazem a Lei, tem a intenção, a intenção é válida? É! Mas o planejamento disso
no cotidiano eles não, não pensam. É muito mais fácil você chegar e legislar, agora
é obrigatório. Fazer a Lei é muito mais fácil.
De coração, qual é a parte da população, independente de ser a alunado de colégio,
tem interesse em cultura africana? Ah, tá na nossa origem, nosso DNA. Legal. Tá
bom, né? Então, se você pegar todas as classes A, B, C, D, E, quantas inventarem...
Quantas têm o real e efetivo interesse em alguns fatos históricos passados? E até
presentes. Porque o dia a dia é de outras preocupações. Feliz ou infelizmente. São
contingências, né? Portugal que acabou tendo, digamos assim, mais visibilidade,
efetiva de participação histórica no Brasil, as pessoas não sabem de nada de
Portugal. (...) Só sabe que ele descobriu, ficaram aqui, governaram. Em relação à
cultura africana acho que essa distância é muito maior. Feliz ou felizmente? Isso
vai variar.
O Brasil não vive África, mas umas localidades talvez. No Nordeste, nos cultos
ainda afrobrasileiros de maior incidência. Aqui no Rio menos, menos negros. Acho
que no Nordeste é mais representativo disso, mas o Sul não é. O que interessa ao
Sul a cultura africana? A maior parte de processo migratório lá foi europeu. Então
quando você pensa isso em sentido macro, o que se fala? E aí? (...) E aí? Quem é o
antecessor na maior parte deles lá? Não é África. Ah, Brasil é miscigenado. Beleza,
mas não é a maior parte. (...) A nossa origem é Portugal. Porque estudar só
Portugal?
...a questão do racismo é engraçada, porque só tem o racismo do preto, né? Quando
o branco é zoado por ser branquelo não é racismo. “O seu branco azedo”, “seu
branquelo”, isso não é racismo. Enfim, têm umas confusões que eu vejo nos
teóricos, nos caras que dizem entender desse negócio e na prática eles não prestam
atenção em muita coisa. Porque o branquelo também sofre racismo. Quando é
zoado por ser branquelo, aquele branco leite, né, aquela pessoa mais branquinha,
quase transparente, “oh transparente”, então não é racismo? O oriental, por ser
oriental. Enfim, é, não sei se eu respondi. Eu respondi?
A fala do professor expressa uma construção discursiva elaborada a partir
dos pilares racistas que estruturam a sociedade na qual estamos inseridos. Reflete
107
elementos argumentativos que se encadeiam na construção de uma narrativa que
vai buscar subterfúgios para expressar elementos racistas os quais agem
atribuindo sentido a uma lógica que está limitada ao acesso de um tipo de cultura,
corroborando um conhecimento monocultural que desqualifica a diferença, até
mesmo a ignora. Tal posicionamento apresenta-se contrária à construção de uma
cultura puriversal defendida por Noguera (2012).
O papel da formação continuada deve ser o de estimular a sensibilização
sobre a questão racial, levando à uma reflexão sobre o assunto aqui trabalhado e
mesmo fornecer informações quantitativas a respeito da população étnico-racial
brasileira. Como exigir o cumprimento de uma lei o qual um docente não teve
formação? Sobre o assunto, Oliveira e Sacramento (2013, p. 232-233) elabora
...a formação de professores apresenta-se como o deságio que o poder público
deverá enfrentar para garantir uma formação satisfatória a todos os profissionais
em exercício e aos licenciandos, tratando-se da diversidade da população. (...)
Tratando-se de uma educação que incorpora a questão racial, cabe responder
questões tais como: qual é a composição racial dos grupos destinatários do trabalho
pedagógico e qual ou quais as teorias respaldam as atividades educacionais
multirracionais.
Miranda e Passos (2011, p.14) ao explanarem sobre o letramento racial
afirmam que para ocorrer um verdadeiro combate ao racismo, “é necessário um
treinamento na questão racial para uma aquisição cultural e social de símbolos de
negritude no esforço de construção de uma linguagem antirracista”. Dessa forma,
insistimos na questão da formação continuada dos professores.
Quando a questão racial é expressa no mural, o mesmo se transforma em
veículo de divulgação do que é relevante naquele espaço escolar. É a evidência de
que a cultura escolar está em disputa, e isso é corroborado pelos discursos dos
professores entrevistados, tanto por aqueles que resistem a uma educação
afroperspectivista, quanto por aqueles que percebem que os alunos vivenciam e
carregam as suas experiências sócio históricas, e que precisam ganhar
notoriedade. Podemos verificar isso no depoimento do professor P4 da Escola A
O que é que eu tô pensando: em colocar as diferentes abordagens, porque,
diferente, você às vezes tinha uma opinião da questão da importância da vacinação,
da Revolta da Vacina. Por exemplo, teve coisas interessantíssimas, teve coisas,
teve um trabalho que aponta pra questão do aluno... Por que naquela época as
pessoas se revoltavam? Porque o Governo não faz nada pelos pobres. Isso não fui
eu que tratei, foi um aluno que tratou, na redação dele. E ai, como o Governo não
faz nada, naquele momento, as pessoas achavam que, como era uma ação do
Governo, ele tava fazendo isso para prejudicar as pessoas e aí ele lembrou da
vacinação do idoso, que quando começou a vacinar o idoso pra gripe, a vó dele
108
dizia que não tomar a vacina porque era pra matar ela e não pra ela não ter gripe
(...) Um século depois, a mesma população, porque a vó dele mora aqui na
Providência, tem o mesmo comportamento. Então, em durante cem anos, como é
que foi a relação do Governo com essa comunidade? Uma comunidade próxima,
no Centro da cidade, mas a relação continua não sendo uma relação tranquila.
Tanto que causa um certo espanto em fazer alguma coisa boa pra população da
cidade.
...os alunos tem uma carência, não é que eles tem uma resistência, eles não tem
resistência. Se eles veem com preconceito lá de fora a nossa função é desconstruir
isso (...). E eu aprendo todo dia, não é! A gente aprende todo dia. Então tudo são
portas, eles são portas pra mim também, porque daí eu tô conhecendo a realidade
que eles sabem. Às vezes eles já me contaram coisas da Praça XI que eu não sabia,
falando coisas da Tia Ciata que eu não sabia.
(P2)
Nestas falas podemos observar a importância da discussão antirracista na
escola estar atrelada aos debates sobre e a partir do território. Identificamos a
potência do conceito de território para o debate da temática étnico-racial no
espaço escolar. A articulação entre este conceito e as práticas pedagógicas pode
ser mais explorada, vinculando a dimensão da geografia politica aos debates
críticos em sala de aula, a partir dos saberes e das vivências dos alunos. Tal
aproximação pode permitir extrapolar o espaço escolar, trazendo para esta a ideia
de pertencimento ao contexto histórico-social e territorial no qual está inserida.
Entende-se ainda, que tais elementos podem trazer uma contextualização das
questões locais, possibilitando a ampliação da leitura do mundo e da apropriação
de sua história e realidade.
109
6 Considerações finais
Aprofundar a análise sobre as questões raciais no Brasil é afrontar-se com
um panorama que ainda reflete a exclusão social marcada pela cor, revelando que
as desigualdades são fruto das relações de poder. Dados oficiais apresentam que
ainda é preciso avançar muito na direção das políticas afirmativas. De acordo com
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 201329
, verificamos
que a taxa de analfabetismo entre a população negra (11,5%) é maior do que entre
a população branca (5,2%). A disparidade também é evidenciada quando se
observa a média de anos de estudo de instrução formal. Entre negros a média é de
7,2 anos e entre brancos é de 8,8.
Outro documento, o relatório do ano de 2012, chamado Iniciativa Global
Pelas Crianças Fora da Escola – Brasil, realizado pelo Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação30
,
identificou que 921.677 crianças negras em idade pré-escolar estão fora da escola,
ante 682.778 de crianças brancas. A desigualdade é ainda maior em comparação
aos anos finais do ensino fundamental. Enquanto 1,6 milhão crianças brancas
estão em idade superior à recomendada, 3,5 milhões de crianças negras possuem
essa distorção idade-série. Esses dados evidenciam que ainda é preciso avançar
muito para atingirmos uma educação democrática.
No mês de dezembro de 2013 a Organização das Nações Unidas (ONU)
corroborou o que os pesquisadores brasileiros que estudam as desigualdades
raciais, aqui citados, já afirmavam. A organização reconheceu que o racismo no
Brasil é estrutural e institucional31
, que conforme Werneck (2013), opera na
manutenção da hierarquia racial da sociedade em instituições públicas ou
29
Disponível em:
<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/educacenso/documentos/2015/cor_raça.pdf> 30
Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_24118.htm> 31
Disponível em: <http://nacoesunidas.org/grupo-de-trabalho-da-onu-sobre-afrodescendentes-
divulga-comunicado-final/>
110
privadas. Isso é mais uma demonstração que o racismo no nosso país não é
velado.
Todos esses trabalhos sobre as desigualdades configuram o panorama das
relações de poder que a hierarquia racial produz. Estudar as questões raciais na
educação nos leva a compreender que o cotidiano escolar não está deslocado do
que é reproduzido pela sociedade. É preciso ter em mente que tais instituições
acabam refletindo esse racismo estrutural. É preciso ainda entender que a escola é
um conjunto de territórios socialmente construídos, os quais apresentam as
disputas culturais, políticas e ideológicas que ocorrem no espaço escolar. Dessa
forma, para atender a uma educação afroperspectivista, de acordo com os
conceitos de Noguera (2011, p. 35), é fundamental o reconhecimento de territórios
pluralistas que possibilitem a construção de novos saberes, a favor de uma
educação antirracista e que resgate e valorize a perspectiva africana e
afrodiaspórica.
Na pesquisa de campo identificamos que os murais atendem a três funções
básicas: acolher, informar e divulgar trabalhos. Esse recurso possui fluxo
comunicacional, Calado (1994), dentro da escola com conteúdos e localizações
distintas, mostrando as estratégias dominadas para atingir os diferentes públicos
da comunidade escolar.
Embora as escolas pesquisadas estejam situadas em uma região da cidade
que é referência da cultura negra, a Pequena África, o diálogo que poderia
fortalecer as reflexões sobre as questões raciais e sociais historicamente herdadas
pelos moradores daquela localidade é pouco abordada. Dessa forma, não
verificamos quantidade expressiva de trabalhos nos murais ligados à referência
histórica local. Isso aponta para uma lacuna na formação de coordenadores e
professores, que encontram dificuldades em relacionar o conteúdo de suas
disciplinas às reflexões raciais. Essa dificuldade foi verificada quando nenhum
dos docentes entrevistados afirmou não ter realizado o curso de formação
continuada voltada para o atendimento da lei 10.639/03. As práticas pedagógicas
desses profissionais acabam limitadas a abordagens estereotipadas, levando à
reprodução de uma cultura hegemônica que não questiona a ausência da
representação de negros e negras no espaço escolar.
Verificamos também durante a pesquisa que o PPP não é lembrado pelos
professores, sendo caracterizado como um documento administrativo com pouco
111
diálogo com o cotidiano das escolas. Os documentos, os quais tivemos acesso,
não faziam referências significativas quanto à formação étnico-racial do alunado e
nenhuma menção à Lei 10.639/03.
Diante do exposto, em resposta ao objetivo principal dessa investigação, não
identificamos nos murais escolares a expressão da diversidade étnico-racial.
Entendemos isso como resultado de um processo pedagógico que carece de maior
formação dos docentes, que não promovem uma leitura visual aliada à abordagem
exigida pela lei estudada nessa pesquisa como um viés educacional e reflexivo.
A minha influência nas práticas pedagógicas em um dos campos de pesquisa
foi interpretada como parte de uma agência externa, ao ponto de sensibilizar os
profissionais da instituição a um aumento na produção dos murais sobre a questão
estudada. Por outra parte, entendemos que essa mudança na dinâmica adotada
revela fragilidades no enraizamento da Lei 10.639/03. A evidente pressão sofrida
por esses educadores que estão em constante vigilância externa pode ter
provocado tal comportamento que, buscava atender às expectativas da pesquisa.
As realidades encontradas indicam como ainda é preciso avançar na direção
da aplicabilidade da lei aqui estudada. O compromisso com a obrigatoriedade
deve ser assumido por todos, independentemente do nível hierárquico na estrutura
educacional.
Um conjunto de ações podem refletir na maior efetivação da Lei 10.639/03:
o incentivo à produção de pesquisas de âmbito nacional que apresentem um
panorama da aplicação da referida lei nas escolas; aumento da oferta de cursos de
formação de professores; exigir das universidades que formam professores
ampliação das disciplinas voltadas para as questões étnico-raciais.
O desafio proposto por Freire (2007) é promover uma educação libertadora
que respeite a autonomia do ser do educando, não o incluindo em uma amálgama
que apague sua diferença. O autor propõe a construção de práticas educativas que
ajudem o indivíduo a se reconhecer e conhecer o outro, respeitando e convivendo
com sua alteridade. Uma alteridade afirmativa que evite a necessidade de uma
educação separada, como foi o caso das primeiras turmas organizadas pela FNB,
que ao perceber a baixa inclusão da população negra nos cursos regulares abriu
turmas exclusivas para esse parcela da população. O reconhecimento da escola
como um lugar privilegiado para a promoção de uma mudança social em prol de
112
melhorias nas relações étnico-raciais foi requisitado pelo movimento negro, desde
as primeiras organizações institucionais, no início do século XX.
Identificar os murais como a expressão das práticas de uma cultura
hegemônica contribui para uma reflexão sobre quais são os outros territórios na
escola que reproduzem o silenciamento de sujeitos e de saberes. Além disso, o
estudo atenta para o pouco diálogo entre a escola e a comunidade local, não
privilegiando os saberes e o cotidiano do lugar em que está situada, como
verificado nas escolas da região da Pequena África.
Reconhecemos que a aplicabilidade da Lei 10.639/03 visa promover uma
educação democrática em prol das relações étnico-raciais na sociedade brasileira,
porém, apontamos que mesmo diante de alguns avanços, o raso enraizamento da
referida lei nas escolas não permitiu o verdadeiro combate ao racismo.
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8 Apêndice
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
1. Identificação
Nome
Idade
Onde mora
Em qual instituição realizou a graduação?
Disciplina que leciona
Cor
2. Informações profissionais
Realizou alguma especialização?
Quais cursos de formação continuada você já realizou?
Esse(s) curso(s) teve (tiveram) influência na sua atuação profissional?
3. Os murais escolares
Qual o papel pedagógico dos murais na sua escola?
Você trabalha pedagogicamente os murais? Como?
Os murais retratam as diferenças da sua escola?
É possível identificar na escola imagens, materiais ou espaços que contemplem a
diversidade étnico-cultural?
4. A escola e a diversidade cultural
A escola realiza outros trabalhos pedagógicos sobre as diferenças? (Caso sim,
como isso acontece?)
Ministra aulas e/ou promoveu atividades com essa temática? (Caso sim, como e
quais?)
120
Como os alunos expressam a diversidade? Você percebe tensões ou conflitos
vividos por eles nessa questão?
Você acredita que seus alunos identificam preconceitos e discriminações na escola
ou fora dela? Já ouviu algum relato?