rosa, william.__ o grotesco e o riso
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O GROTESCO E O RISOWilliam RosaUniversidade Estadual Paulista UNESPGrotesco, circo-teatro, riso.
bastante comum vermos os palhaos de circo fazerem gestos escatolgicos, contar piadas
esdrxulas, caminhar de forma estranha, fazerem gestos com referncias sexuais ou necessidades
orgnicas. Todas essas caractersticas so denominadas como grotescas e remetem, segundo
Backtin, ao baixo ventre, s necessidades puramente humanas e carnais. Ao presenciarmos essas
cenas, consideradas inferiores socialmente, manifesta-se o riso, pois nos identificamos com as
mesmas. Mas seria o grotesco uma base para a comicidade apenas do palhao de circo, funcionando
somente no espao do picadeiro e com base na dramaturgia improvisada e ao circo propriamente
dito? Ou temos neste conjunto de gestos ou falas escatolgicas e obscenas ligadas s necessidades
biolgicas do corpo humano o mais constante e principal elemento do gnero cmico, que serve
tanto a atores, palhaos de picadeiro, clowns psicologizados1 ou comediantes stand ups?
A questo acima derivada de uma anlise acerca do uso do elemento grotesco na
representao cnica, onde sustento a hiptese de que o grotesco est sempre presente nas
manifestaes cmicas, sejam estas realizadas no picadeiro, em praas pblicas, em festas
populares ou em teatros convencionais.
Se a afirmao parece equivocada, onde h ento na atualidade uma obra cmica sem ao
menos uma pitada de escatologia; uma leve tirada obscena; um singelo vestgio ou referncia gula
e seus derivados como gases, rudos estomacais e outros; uma leve ou grave deformao que faz
mancar, entortar a face, tropear ou derrubar algo com partes avantajadas do corpo; ou mesmo uma
ingnua expresso verbal, lanada como a maior idia do mundo e recebida como idiotice pelos
demais?
A comdia est no que sai e no que entra de todos os poros, orifcios e fissuras do corpo
humano. A comdia o corpo humano desnudo, com toda a sua carne, vsceras, lquidos, gases e
1 Uso este termo com base na seguinte afirmao feita por Mario Fernando Bolognesi no IV Congresso de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas (10, 11 e 12 de maio de 2006. UNIRIO Rio de Janeiro): na cena paulistana tem predominado uma vertente que procura uma psicologizao do palhao, que se reflete tanto na busca personalizada da descoberta do ridculo de cada ator, como tambm em uma cristalizao da personagem e da cena
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plos. O palhao no seno o melhor exemplo e maior representante do cmico, pois faz uso,
exageradamente, do grotesco.
Para a anlise se tornar mais especfica, vou tomar como exemplo um espetculo teatral,
realizado no palco, mas que tem como formato o conflito entre uma dupla de palhaos. A pea
chama-se Queluzminha, realizada pela Cia Vagalum TumTum, dirigida por ngelo Brandini e
encenada pelo mesmo e por Cristiane Galvan. Compararemos este espetculo com o palhao do
picadeiro, no que diz respeito ao emprego do grotesco em suas cenas.
A qualidade e natureza da manifestao e realizao do grotesco entre o palhao no
picadeiro e no espetculo Queluzminha, sero analisadas observando alguns aspectos pontuais
que os diferenciam como, por exemplo, a dramaturgia. No primeiro caso, o palhao do picadeiro se
vale de um simples apoio a uma dramaturgia sucinta, um simples roteiro de cena, e a liberdade da
interpretao improvisada2. No segundo caso, o espetculo Queluzminha faz uso de uma
dramaturgia fixa, escrita a partir de processos de ensaio e construo coletiva de cenas. Neste caso o
improviso no deixou de existir, esteve presente ao longo da construo da pea e mantm sua
presena durante a realizao do espetculo, mas no com toda a liberdade, pois o texto j est
escrito de forma mais detalhada, no permitindo grandes mudanas em cena.
Vou tomar como exemplo de um esquete circense a entrada denominada Namoro dos
Palhaos3, em que consiste, basicamente, de dois palhaos fantasiados de pssaros onde simulam
uma conquista amorosa. H um roteiro bsico para este esquete, predominantemente gestual, que
esboa o comeo, meio e fim do esquete, com algumas referncias como o primeiro contato, com
gestos fazendo referncia ao ato sexual, o oferecimento de presentes, como dinheiro e par de
alianas. O esquete termina com a parceira finalmente aceitando o convite para o namoro.
Neste esquete mais relevante a forma como a cena vivenciada do que a situao em si. E
o grotesco elemento indispensvel para o riso, desde o primeiro contato visual com a vestimenta
do palhao, onde pode ser um palhao homem no papel da mulher, passando pela variao de gestos
sexuais. A fantasia de pssaros d aos palhaos uma caracterstica e uma liberdade maior em
relao aos instintos sexuais da conquista, desprendendo completamente do carter romntico,
2 BOLOGNESI, M. Fernando. O clown e a dramaturgia, in Memria ABRACE X. Anais do IV Congresso de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas 10, 11 e 12 de maio de 2006 UNIRIO Rio de Janeiro p 39.3 Entrada registrada no livro Palhaos durante a pesquisa de Mario Fernando Bolognesi em circos de todo o Brasil (BOLOGNESI, Mario Fernando. Palhaos. So Paulo: Editora Unesp, 2003 p214)
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individual e psicolgico da personagem. O esquete ganha um carter completamente universal,
acima de qualquer questionamento moral tanto na troca de sexo do palhao como na gesticulao
atribuda.
A pea Queluzminha traz para cena a mesma temtica da conquista amorosa.
Originalmente chamava-se Vagalum Tum Tum e era composto por uma variao de esquetes
improvisados, onde os dois palhaos, uma palhaa como moradora de rua e um palhao como
engraxate, se conflitavam pela conquista do espao, que uma praa, mas acabavam se
apaixonando. A constante construo e elaborao desses esquetes resultaram em uma sequncia
programada e um texto fixo. As personagens da cena, uma moradora de rua e um engraxate, no
estabelecem uma construo particularizada ou psicologizada, so tipos pertencentes ao universo
marginalizado da sociedade. A relao com o grotesco j no to explcita s questes sexuais,
mas variam para outras peculiaridades como a fome e a gula. Como exemplo, a palhaa moradora
de rua convida o palhao engraxate para um jantar, instantaneamente o palhao faz o tpico gesto,
para a platia, da mo massageando o estmago, como quem morre de fome. O contraste entre o
romantismo da palhaa e a fome do palhao causa um estranhamento na platia, pois quebra uma
conveno socialmente estabelecida, o que estabelece e retoma um princpio do realismo grotesco,
diferentemente da aproximao romntica, totalmente abstrata e espiritual.4
4 BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Mdia e no Renascimento. O Contexto de Franois Rabelais. So Paulo: HUCITEC; Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1993, p 34.
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Bibliografia
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Mdia e no Renascimento. O Contexto de Franois Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. So Paulo: HUCITEC; Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1993.BOLOGNESI, Mario Fernando. O clown e a dramaturgia, in Memria ABRACE X - Anais do IV Congresso de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas. 10, 11 e 12 de maio de 2006. UNIRIO Rio de Janeiro.BOLOGNESI, Mario Fernando. Palhaos. So Paulo: Editora Unesp, 2003BURNIER, Lus Otvio. A arte de ator: da tcnica representao, editora da Unicamp, Campinas, 2001.SEIXAS, Victor de. Clowns e palhaos, in blog.mimicas.com/artigos-de-victor-de-seixas/clowns-e-palhacos - acesso em 19/06/2008.